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Roteiro de aula – 25/10/18

ORIGINALIDADE DE DISCURSOS

- Linguagem alternativa – abandonar termos como “infidelidade”, “violação”, “profanação”.

- O autor não nega a qualidade questionável de algumas adaptações, mas ressalta outros
fatores importantes, como a propagação cultural e a manutenção da “aura”, recuperando aqui
um termo de Walter Benjamin, de determinada obra literária.

- Partindo de uma perspectiva “dialógica”, a partir de Bakhtin, ou “intertextual”, partindo de


Kristeva e Genette, o próprio conceito de originalidade é questionável, visto que discursos se
constroem permeados de outros discursos.

- O autor propõe, partindo destes e de outros caminhos de estudo mais interdisciplinares,


como o de estudos culturais, a perspectiva narratológica para estudos de adaptação. Essa
perspectiva, ao considerar as narrativas como o cerne do estudo retira o romance e a
literatura de um suposto patamar hierárquico superior. As adaptações, bem como vários
outros produtos culturais narrativos, como quadrinhos e videogames, estão em um campo
mais igualitário.

- Os estudos de recepção, ao pensarem os textos enquanto manifestações culturais e


comunicacionais, também consideram fatores contextuais, minando também essa ideia de
originalidade de determinado texto.

- Com o advento dessa desmistificação da literatura enquanto arte, mas também pensada em
contexto, “A teoria da adaptação tem à sua disposição, até aqui, um amplo arquivo de termos
e conceitos para dar conta da mutação de formas entre mídias – adaptação enquanto leitura,
re-escrita, crítica, tradução, transmutação, metamorfose, recriação, transvocalização,
ressuscitação, transfiguração, efetivação, transmodalização, significação, performance,
dialogização, canibalização, reimaginação, encarnação ou ressurreição”.

- A transtextualidade de Genette – transtextualidade no sentido de que atravessa e “esborra”


de um único texto. “tudo aquilo que coloca um texto em relação com outros textos, seja essa
relação manifesta ou secreta”.

 Intertextualidade - intertextualidade”, ou o “efeito de co-presença de dois textos” na


forma de citação, plágio e alusão. A intertextualidade, talvez a mais óbvia das
categorias, chama atenção para o papel genérico da alusão e da referência em filmes e
romances.
 Paratextualidade – a obra e seus paratextos (dedicatória, introdução). No cinema, as
cenas extras, as vinhetas de abertura, etc. Em grandes franquias, a fabricação de
bonecos, brinquedos, tem claro interesse mercadológico.
 Metatextualidade - a relação crítica entre um texto e outro, seja quando o texto
comentado é citado explicitamente ou quando é evocado silenciosamente.
Adaptações críticas a outras adaptações, adaptações não declaradas etc.]
 Arquitextualidade - taxonomias genéricas sugeridas ou refutadas pelos títulos e
subtítulos de um texto.
 Hipertextualidade - relação entre um texto, que Genette chama de “hipertexto”, com
um texto anterior ou “hipotexto”, que o primeiro transforma, modifica, elabora ou
estende. Na literatura, os hipotextos de Eneida incluem A Odisséia e A Ilíada, enquanto
os hipotextos de Ulysses, de Joyce, incluem A Odisséia e Hamlet. Tanto a Eneida e
Ulysses são elaborações hipertextuais de um mesmo hipotexto – A Odisséia.
Adaptações cinematográficas, nesse sentido, são hipertextos derivados de hipotextos
pré-existentes que foram transformados por operações de seleção, amplificação,
concretização e efetivação.

Modelo prático para estudos de adaptação

- Autoria: compatibilidades entre adaptador e texto adaptado

- Modificações na história: entrada no campo da narratologia. O autor recupera conceitos


como frequência, duração, ritmo (que estão amplamente discutidas por Gennete em “O
Discurso da Narrativa”). Como um filme poderia transmitir a passagem tediosa de tempo de
Madame Bovary? Elementos específicos da linguagem cinematográfica podem servir de base
para traduzir tais elementos narrativos.

- Stam propõe o conceito de narratologia comparativa: “Que eventos da história do romance


foram eliminados, adicionados, ou modificados na adaptação e, mais importante, por quê?”

- Adaptações comumente retiram os elementos críticos do narrador, por não serem


considerados “importantes” para a progressão narrativa, por exemplo. A regra geral, quando
se trata de adaptar um romance, é fazer suprimir elementos de enredo, aglomerar
personagens.

- “O problema que importa para os estudos da adaptação é que princípio guia o processo de
seleção ou “triagem” quando um romance está sendo adaptado? Qual é o “sentido” dessas
alterações?”

Para além do formalismo

- Ater-se apenas a aspectos teóricos e formais nos estudos de adaptação poderá empobrecê-
los. Ignorar aspectos outros, como o contexto de produção, recepção e afins é fundamental
para uma análise comparativa completa.

- Stam cita alguns elementos, como o contexto temporal (adaptações mais ou menos próximas
da publicação), contexto de censura (filmes que dialogam com pesados momentos de
censura), de adaptações ao discurso hegemônico. O autor cita também adaptações que
atualizam os períodos históricos de seus textos-base. Podemos também levar em consideração
o contexto de recepção – leituras feministas de filmes de princesas Disney, por exemplo.

Partindo desses conceitos, como vocês veem a adaptação de A história de sua vida e A
Chegada? O foco, de um texto pro outro, muda? O que é mantido, o que é modificado? Que
elementos do discurso literário aparecem no texto cinematográfico? Que recursos cada um
dos textos usa, em sua forma, para construir uma coisa sua? O filme de Villeneuve, pra você,
é bem sucedido em sua adaptação?

Um dos temas muito presentes no filme, em minha leitura, é a visão de alteridade. O conto
história de sua vida também trata disso, mas o faz em uma perspectiva muito mais pessoal,
dramática, contando como a percepção de mundo e tempo de uma única pessoa é modificada.
O filme adiciona elementos de tensão mundial, tornam a heroína uma intercessora entre
culturas completamente alienígenas. Se o conto trata da perspectiva de Louise Banks em
relação aos alienígenas e a sua própria vida, o filme trata da alteridade também em relação a
outros países e culturas, trata da beligerância interna de nossa espécie, a incapacidade de
colaboração interna mesmo diante de uma suposta ameaça.

Em minha tese, separo um tópico para falar de pós-humano como um conceito que tenta ir
além do humano estabelecido na era moderna (o período que, como falamos nas aulas
anteriores, foi aquele em que a ficção científica pôde surgir enquanto gênero). O texto de
Stuart Hall vem a calhar nessa discussão:

- “O sujeito do iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um


indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e
de ação, cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o
sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo –
contínuo ou ‘idêntico’ a ele – ao longo da existência do indivíduo”.

- O sujeito moderno estabeleceu uma nova e decisiva forma de individualismo. “As


transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas
tradições e nas estruturas”.

- Posteriormente, essa concepção de indivíduo tornou-se mais social, movimentado por dois
grandes eventos: a biologização do ser humano e o surgimento das ciências sociais. O
indivíduo passou a ser localizado em processos de grupo e nas normas coletivas sociais. Então
o conceito de sujeito começou a ser descentralizado pelas rupturas do conhecimento
moderno.

- Hall cita cinco grandes momentos de ruptura no conhecimento da teoria social e ciências
humanas:

 O pensamento marxista: os homens fazem a história, mas apenas sob as condições


que lhes são dadas. Assim, havia um deslocamento na noção de agência individual.
 A descoberta do inconsciente: a teoria de Freud de que nossas identifades,
sexualidade e estrutura de nossos desejos são formadas com base em princípios
psíquicos e simbplicos arrasa a lógica da razão. O “eu” unificado é algo aprendido com
tempo e dificuldade. É formada em relação aos outros, e não existe de maneira
“inata”.
 A linguística de Saussure: a língua como sistema social, e existente de maneira
anterior ao homem; a arbitrariedade do signo. A própria significância da línfua
construída em contexto.
 O pensamento de Foucault: a ideia do poder disciplinar que está preocupado com a
regulação, a vigilância e o governo da espécie humana ou de populações inteiras.
 Feminismo enquanto movimento social e crítica teórica: questionando público e
privado, família, sexualidade, divisão do trabalho, além de reconhecer, eventualmente,
a concepção masculina do sujeito iluminista racional.

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