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FORMAS INDETERMINADAS E A REGRA DE L’HÔPITAL

RICARDO MAMEDE

Consideremos o limite
f (x)
lim .
g(x)
x→a

Se tanto o numerador como o denominador tendem para valores finitos quando x → a,


digamos α e β, e β 6= 0, então pela álgebra dos limites sabemos que
f (x) α
lim = .
x→a g(x) β
Mas o que acontece quando ambas as funções tendem para zero? Neste caso, não
podemos garantir à partida qual o valor do limite. De facto, nem podemos garantir que
este limite exista, como se pode comprovar nos exemplos seguintes:

x2 x 1
lim = lim x = 0 lim 2
= lim = ∞
x→0 x x→0 x→0 x x→0 x
2x −x −1
lim = lim 2 = 2 lim 2 = lim = −∞
x→0 x x→0 x→0 x x→0 x
x sin2 (x)
lim não existe lim =0
x→0 sin2 (x) x→0 x
Todos estes casos são exemplos de indeterminações do tipo ( 00 ). Veremos que a regra
de L’Hôpital, que demonstraremos a seguir, é um instrumento muito útil para tratar

indeterminações do tipo ( 00 ) ou ( ∞ ). Para outras formas indeterminadas – 0 × ∞, ∞ − ∞,
∞ 0 0
1 , 0 e ∞ –, existem técnicas que podem ser aplicadas de modo a transformá-las em
indeterminações do tipo ( 00 ) ou ( ∞

), de modo que a regra de L’Hôpital pode igualmente
ser usada.
Existem várias demonstrações da regra de L’Hôpital, e mesmo diferentes versões desta
regra. A demonstração mais usual da regra é devida a Cauchy e faz uso do chamado
Teorema do Valor Médio de Cauchy, também conhecido por Teorema do Valor Médio
Generalizado. Neste texto, no entanto, optámos por apresentar uma demonstração alter-
nativa que evita o uso deste teorema.
Teorema 1 (Regra de L’Hôpital). Sejam f, g : [a, b) → R funções diferenciáveis em (a, b)
e tais que
lim f (x) = lim+ g(x) = 0 ou lim f (x) = lim+ g(x) = ±∞.
x→a+ x→a x→a+ x→a
0
Se g (x) 6= 0 para todo o x ∈ (a, b), então
f (x) f 0 (x)
lim+ = lim+ 0 ,
x→a g(x) x→a g (x)
desde que este último limite exista (ou seja igual a ±∞).
O mesmo resultado é válido quando:
• se consideram limites à esquerda limx→a− e f e g diferenciáveis no intervalo (d, a);

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• se consideram limites limx→a e f e g são diferenciáveis nos intervalos (d, a) e


(a, b);
• se consideram os limites limx→∞ ou limx→−∞ e f e g são diferenciáveis no inter-
valo (b, ∞) ou (−∞, b).
Demonstração. Comecemos por mostrar que todas estas versões podem ser reduzidas ao
caso x → 0− com f (x), g(x) → 0 ou f (x), g(x) → +∞, através de mudanças de variável
adequadas e outras manipulações.
(1) Quando x → +∞, a mudança de variável u = 1/x permite escrever
f (x) f (1/u) L0 H f 0 (1/u)(−1)/u2 f 0 (x)
lim = lim+ = lim+ 0 = lim .
x→+∞ g(x) u→0 g(1/u) u→0 g (1/u)(−1)/u2 x→+∞ g 0 (x)

(2) Quando x → −∞, efectuamos a mudança de variável u = −1/x e procedemos


como em (1).
(3) Quando x → 0, consideramos os limites x → 0− e x → 0+ separadamente e
tratamos este último limite usando a substituição u = −x.
(4) O caso x → a reduz-se ao anterior através da substituição u = x − a.
(5) Se f (x) → −∞ ou g(x) → −∞ substituı́mos f por −f ou g por −g.
(6) Finalmente, quando lim f (x)/g(x) = −∞, substituı́mos f por −f ou g por −g
para reduzir este caso ao limite lim f (x)/g(x) = ∞. De seguida aplicamos a regra
de L’Hôpital a lim g(x)/f (x).
Temos então dois casos a tratar: (a) x → 0− , f (x) → 0, g(x) → 0 e (b) x →
0− , f (x) → ∞, g(x) → +∞.

Caso (a). Podemos definir (se necessário) f (0) = g(0) = 0 e considerar g 0 (x) > 0 (caso
contrário utilizamos a função −g(x)). Suponhamos que limx→0− f 0 (x)/g 0 (x) = `, com
0 ≤ ` < ∞. Então, dado  > 0 temos
f 0 (x)
`−≤ ≤ ` + ,
g 0 (x)
para x suficientemente próximos de 0, à esquerda. Como estamos a supor g 0 (x) > 0,
obtemos
(` − )g 0 (x) ≤ f 0 (x) ≤ (` + )g 0 (x).
De seguida, integrando os membros desta expressão no intervalo (x, 0) temos
−(` − )g(x) ≤ −f (x) ≤ −(` + )g(x).
Notemos que uma vez que g(x) → 0 e g 0 (x) > 0, temos g(x) < 0 no intervalo (x, 0).
Assim, podemos escrever
f (x)
`−≤ ≤ ` + ,
g(x)
ou seja,
f (x)
lim− = `.
x→0 g(x)

Caso (b). A demonstração que efectuámos pode ser adaptada para tratar o caso (b).
Suponhamos limx→0− f 0 (x)/g 0 (x) = `, com 0 ≤ ` < ∞, e g 0 (x) > 0. Então, dado  > 0
podemos escrever, tal como no caso anterior,
(` − )g 0 (x) ≤ f 0 (x) ≤ (` + )g 0 (x),
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para x suficientemente próximos de 0, à esquerda. Consideremos a segunda desigualdade.


Considerando y < x, integrando ambos os membros desta desigualdade sobre o intervalo
(y, x) , obtemos
f (x) − f (y) ≤ (` + )[g(x) − g(y)].
Notemos que uma vez que g 0 (x) > 0 e g(x) → ∞, podemos concluir que g(x) > 0. Assim,
podemos escrever
f (x) f (y) − (` + )g(y)
− (` + ) ≤ .
g(x) g(x)
Fixemos y. Então, para x suficientemente próximo de 0, à esquerda, o segundo membro
desta desigualdade é inferior a , pelo que
f (x)
− ` ≤ 2.
g(x)
f (x)
De modo análogo obtemos −2 ≤ − `, para x suficientemente próximo de 0, à
g(x)
esquerda, donde se conclui que limx→0− f (x)/g(x) = `. 

Notemos que pode acontecer que, nas condições deste teorema, também as funções
f 0 (x) e g 0 (x) tendam para zero (ou infinito). Neste caso, o limite de f 0 (f )/g 0 (x) não
pode ser calculado directamente, mas podemos voltar a usar a regra de L’Hôpital para
calcular este limite analisando o quociente f 00 (x)/g 00 (x). Mais geralmente, se as funções
f, f 0 , . . . , f k−1 , g, g 0 , . . . , g k−1 tendem para zero quando x tende para a+ ou a− , ou a, ou
±∞, e f k (x)/g k (x) → `, então também f (x)/g(x) → `.
sin x
Exemplo 1. Calculemos o limite lim . Estamos perante uma indeterminação do
x→0 x
tipo 00 . As funções f (x) = sin(x) e g(x) = x estão nas condições do teorema anterior,
pois ambas as funções são diferenciáveis numa vizinhança de zero e g 0 (x) = 1, para todo
0 (x)
o x 6= 0. Como limx→0 fg0 (x) = limx→0 cos(x) = 0, pela regra de L’Hôpital concluı́mos que

sin x
lim = 0.
x→0 x

x5 − 5x + 4
Exemplo 2. Consideremos agora o seguinte limite: lim . Trata-se de uma
x→1 (x − 1)2
indeterminação 00 e as funções f (x) = x5 − 5x + 4 e g(x) = (x − 1)2 satisfazem as
f 0 (x) 5x − 5
condições da regra de L’Hôpital. No entanto, o limite lim 0 = lim ainda é
x→1 g (x) x→1 2(x − 1)
uma indeterminação 00 . As funções f 0 (x) e g 0 (x) também satisfazem as condições da regra
f 0 (x) 5 5
e lim 0 = lim = . Concluı́mos assim que
x→1 g (x) x→1 2 2
x5 − 5x + 4 5x − 5 5
lim 2
= lim = .
x→1 (x − 1) x→1 2(x − 1) 2
x 2 ∞
Exemplo 3. Calculemos o limite limx→∞ 1+e x . Trata-se de uma indeterminação ∞ ; as

funções f (x) = x2 e g(x) = 1 + ex são diferenciáveis em R e g 0 (x) = ex 6= 0 para


4 RICARDO MAMEDE

f 0 (x) 2x ∞
todo o x ∈ R. Como limx→∞ g 0 (x)
= limx→∞ ex
é novamente uma indeterminação ∞
,
f 00 (x) 2
consideramos o limx→∞ g 00 (x)
= limx→∞ ex
= 0. Podemos então concluir que
x2 f 00 (x) f 0 (x)
lim = lim = lim = 0.
x→∞ 1 + ex x→∞ g 00 (x) x→∞ g 0 (x)

Antes de apresentarmos mais exemplos, convém chamar a atenção para a importância


de se verificarem as hipóteses da regra antes de a utilizar. Em primeiro lugar a regra não

funciona se o limite f (x)/g(x) não for uma indeterminação do tipo ( 00 ) ou ( ∞ ), como se
pode verificar no exemplo seguinte.
x+1
Exemplo 4. O limite lim não existe, mas se tentarmos aplicar a regra de L’Hôpital
x→0 x
obtemos uma resposta errada:
x+1 1
lim = lim = 1.
x→0 x x→0 1

A razão reside no facto do limite inicial não ser uma indeterminação do tipo ( 00 ) ou ( ∞

).
Outro ponto a ter em conta ao usarmos a regra de L’Hôpital, é o facto de só podermos
assegurar a igualdade
f (x) f 0 (x)
lim+ = lim+ 0
x→a g(x) x→a g (x)
f 0 (x)
quando o segundo limite existe. Apesar da existência do limite limx→a+ g 0 (x)
ser uma
f (x)
condição suficiente para a existência de limx→a+ g(x)
(se as funções estiverem nas condições
f 0 (x)
do teorema 1), esta não é uma condição necessária. Ou seja, se o limite limx→a+ g 0 (x)
não
f (x)
existir não podemos tirar qualquer conclusão acerca da existência do limite limx→a+ g(x)
,
como se pode comprovar nos próximos exemplos.
Exemplo 5. (Indeterminações do tipo 00 )
f 0 (x)
Se f (x) = x2 sin(1/x) e g(x) = sin(x), então o limite limx→0 g 0 (x)
não existe, enquanto
que limx→0 fg(x)
(x)
= 0.
f 0 (x)
Por outro lado, se f (x) = x sin(1/x) e g(x) = sin(x), nenhum dos limites limx→0 g 0 (x)
e
f (x)
limx→0 g(x)
existe.

Exemplo 6. (Indeterminações do tipo ∞ )
2 f 0 (x)
Se f (x) = x(2 + sin x) e g(x) = x + 1, então o limite limx→0 g 0 (x)
não existe, enquanto
que limx→0 fg(x)
(x)
= 0.
f 0 (x)
Por outro lado, se f (x) = x(2 + sin x) e g(x) = x2 + 1, nenhum dos limites limx→0 g 0 (x)
f (x)
e limx→0 g(x)
existe.

Existe ainda um terceiro factor a ter em conta: a existência de zeros de g 0 (x) numa
vizinhança (a, b) do ponto a. Se a função g 0 (x) se anula em qualquer intervalo aberto da
forma (a, b), então f 0 (x)/g 0 (x) não se encontra definido em (a, b) e podemos afirmar que
0 (x)
o limite limx→a+ fg0 (x) não existe. Existe, contudo, a possibilidade de f 0 e g 0 possuı́rem
um factor comum: f 0 (x) = s(x)ψ(x) e g 0 (x) = s(x)ω(x), tal que o limite ψ(x)/ω(x)
existe. É natural cancelar o factor s(x), mas pode acontecer que limx→a+ ψ(x) ω(x)
exista mas
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limx→a+ fg(x)
(x)
não exista, como se pode verificar no exemplo seguinte (onde consideramos
o caso a = ∞).

Exemplo 7. Sejam f (x) = 12 (x+cos(x) sin(x)) e g(x) = f (x)esin(x) . Temos limx→∞ f (x) =
∞ e limx→∞ g(x) = ∞. Tentemos aplicar a regra de L’Hôpital ao quociente f (x)/g(x).
Temos de considerar f 0 (x)/g 0 (x), onde

f 0 (x) = cos2 (x)


e
g 0 (x) = cos2 (x)esin(x) + f (x) cos(x)esin(x) .
Segue que g 0 (x) = 0 sempre que cos(x) = 0, isto é, a função g 0 tem zeros em todos
os intervalos da forma (b, ∞), e portanto, não podemos aplicar a regra de L’Hôpital.
Calculemos, todavia, o limite de f 0 (x)/g 0 (x). Após cancelarmos um dos factores cos(x),
obtemos
f 0 (x) cos x
0
= sin(x)
,
g (x) cos(x)e + f (x)esin(x)
0
e podemos verificar que limx→∞ fg0 (x)
(x)
= 0, pois os termos cos(x), cos(x)esin(x) e esin(x) , são
limitados e f (x) → ∞. No entanto,
f (x) 1
= sin(x)
g(x) e

não se pode aproximar de zero quando x → ∞ uma vez que esin(x) é uma função limitada.

Vamos de seguida descrever métodos para, mediante manipulações algébricas, transfor-


mar qualquer uma das restantes formas indeterminadas – 0 × ∞, ∞ − ∞, 1∞ , 00 e ∞0 –
numa indeterminação do tipo 00 ou ∞

, sobre as quais podemos usar a regra de L’Hôpital.
Com as notações óbvias, temos:
1 f (x)
(0 × ∞) lim (f (x) × g(x)) = lim f (x) × 1 = lim 1 ( 00 )
x→a x→a x→a
g(x) g(x)

1 1
1 1 g(x)
− f (x)
(∞ − ∞) lim (f (x) − g(x)) = lim 1 − 1 = lim 1 ( 00 )
x→a x→a x→a
f (x) g(x) f (x)g(x)

g(x) ]
(1∞ ) lim (f (x))g(x) = lim eln[(f (x)) = eg(x)×ln f (x) (∞ × 0)
x→a x→a

g(x) ]
(00 ) lim (f (x))g(x) = lim eln[(f (x)) = eg(x)×ln f (x) (0 × ∞)
x→a x→a

g(x) ]
(∞0 ) lim (f (x))g(x) = lim eln[(f (x)) = eg(x)×ln f (x) (0 × ∞)
x→a x→a
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Exemplo 8. Calculemos lim+ x ln x. Trata-se de uma indeterminação 0 × ∞. Seguindo


x→0
a tabela anterior, fazemos
ln x
lim+ x ln x = lim+ 1 (∞/∞)
x→0 x→0
x
(ln x)0 1/x
= lim+ 1 0 = lim+ = lim+ −x = 0.
x→0 (x) x→0 −1/x2 x→0

1 1
Exemplo 9. Consideremos agora o limite lim+ ( − ). Estamos perante uma inde-
x→0 x sin(x)
terminação do tipo ∞ − ∞. Assim, temos:
1 1 sin(x) − x
lim+ ( − ) = lim+ (0/0)
x→0 x sin(x) x→0 x sin(x)
(sin(x) − x)0 cos(x) − 1
= lim+ 0
= lim+ (0/0)
x→0 (x sin(x)) x→0 sin(x) + x cos(x)

(cos(x) − 1)0 − sin(x)


= lim+ 0
= lim+ = 0.
x→0 (sin(x) + x cos(x)) x→0 2 cos(x) − x sin(x)
 x
1
Exemplo 10. O limite lim 1 + é um exemplo de uma indeterminação 1∞ . Come-
x→∞ x
cemos por escrever
 x
1 1
lim 1 + = lim ex ln(1+ x ) .
x→∞ x x→∞

O expoente representa uma indeterminação ∞ × 0. Temos:


ln(1 + x1 )
 
1
lim x ln 1 + = lim 1 (0/0)
x→∞ x x→∞
x
(ln(1 + x1 ))0 1
= lim 1 0
= lim 1 = 1.
x→∞ (x) x→∞ 1 +
x
 x
1
Portanto, lim 1+ = e1 = e.
x→∞ x
Exemplo 11. Consideremos agora o limite lim+ xx . Trata-se de uma indeterminação 00 .
x→0
Seguindo a informação da tabela anterior, podemos escrever:

lim xx = lim+ ex ln x .
x→0+ x→0

No exemplo 8 vimos que limx→0+ x ln(x) = 0, donde se conclui que

lim xx = e0 = 1.
x→0+

Exemplo 12. Consideremos por fim um exemplo de uma indeterminação ∞0 . Calculemos


1
o limite lim (ex + 7) x . Temos
x→∞

1 1 x +7)
lim (ex + 7) x = lim e x ln(e .
x→∞ x→∞
7

Calculemos o limite do expoente, o qual se trata de uma indeterminação ∞/∞:


ln(ex + 7) (ln(ex + 7))0
lim = lim
x→∞ x x→∞ x0
x
e
= lim x (∞/∞)
x→∞ e + 7
(ex )0 ex
= lim x = lim = 1.
x→∞ (e + 7)0 x→∞ ex

Deste modo,
1
lim (ex + 7) x = e1 = e.
x→∞

Referências
[1] T.M. Apostol, Calculus, Vol. 1: One-Variable Calculus with an Introduction to Linear Algebra, vol.
2, John Wiley & Sons Inc., 1967.
[2] R.P. Boas, Counterexamples to L’Hopital’s Rule, Amer. Math. Monthly 93, 644-645, 1986.
[3] R.P. Boas, Indeterminate Forms Revisited, Mathematics Magazine, Vol. 63, No. 3 (Jun., 1990), pp.
155-159.

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