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ANEMIA FALCIFORME

Ocorre por causa de uma mutação genética pontual, no cromossomo 11, no códon 6 do gene da Hb Beta onde ocorre
troca do aminoácido ácido glutâmico por valina (GAG  GTG), dando origem ao gene Bs formando a HbS, que ao ser
desoxigenada faz a polimerização das moléculas. A polimerização da HbS é o responsável pela fisiopatologia da anemia
falciforme.

A polimerização é um evento inicialmente reversível com a reoxigenação da Hb, porém a repetição desses eventos
provoca lesão de membrana em algumas células, resultando em rigidez e configuração em forma de foice, que
persistem após a reoxigenação.

 Por causa da rigidez acentuada, as células têm a meia-vida reduzida, sendo fagocitados pelos macrófagos
esplênicos (hemólise extravascular).

A Hb S quando desoxigenada forma uma rede de polímeros que esticam a membrana do eritrócito levando a:

 Afoiçamento da hemácia;
 Aumento de viscosidade;
 Diminuição da capacidade de deformação;
 Desidratação celular;
 Aumento da aderência ao endotélio.

Tudo isso leva a uma destruição prematura das hemácias (anemia hemolítica), oclusão da microvasculatura cursando
com isquemia, inflamação sistêmica com disfunção endotelial crônica afetando todos os vasos e hipercoagubilidade.

Fisiopatologia

Baixa solubilidade:

 A troca do ácido glutâmico pela valina resulta em perda de eletronegatividade e ganho de hidrofobicidade.
 A eletronegatividade e hidrofobicidade tendenciam à auto-agregação, levando na súbita formação de polímeros
de HbS no interior do citoplasma perdendo a solubilidade e alterando o formato da célula.
 Os polímeros de HbS não carreiam oxigênio.
 O afoiçamento das hemácias ocorre de forma espontânea em graus variáveis, mas pode ser exacerbado quando
o paciente cursa com:
o Hipóxia.
o Acidose: reduz a afinidade da Hb pelo oxigênio (efeito Bohr).
o Desidratação celular.
 A mistura intracelular com outras Hb interfere na polimerização da HbS.
o A Hb mais eficiente no bloqueio da formação dos polímeros de HbS é a HbF, por causa da sua alta afinidade
com o oxigênio, por isso nos primeiros meses de vida a formação de polímeros de HbS e o afoiçamento
das hemácias se reduz.
o As demais Hb exercem efeitos variáveis, porém sempre de redução da polimerização da HbS.
o Por causa da falta desses efeitos, a forma mais grave é a homozigose de HbSS (anemia falciforme), onde
90% é de HbS.

Instabilidade molecular:

 A HbS é uma molécula instável pois tende a sofrer oxidação com mais facilidade que a Hb normal.
 Possui taxa de auto-oxidação espontânea moderadamente alta, cerca de 40%, porém quando entra em contato
com fosfolípideos da membrana celular aumenta para 340%, levando a formação de macromoléculas
desnaturadas (fragmentos de globina, ferro separado do grupamento heme e fosfolípideos).
 A instabilidade gera um aumento no estresse oxidativo intracelular, uma vez que o contato com fosfolipídios
exacerba a instabilidade molecular favorecendo que um excesso de reações oxidativas aconteçam o tempo todo
dentro das hemácias, independentes da polimerização, ou seja, acomete até as hemácias bem oxigenadas e não
afoiçadas.
 As macromoléculas desnaturadas, por possuírem ferro não heme, tem como consequência a catalisação da
síntese de espécies reativas de oxigênio (ROS), causando uma agressão às células.
 Então todas as células vermelhas do sangue de um indivíduo falcêmico apresentam níveis aumentados de
estresse oxidativo, mesmo quando não afoiçadas.

Efeitos do estresse oxidativo:

 A membrana plasmática sofre danos acumulativos:


o Ocorre peroxidação/oxidação de lipídios e proteínas estruturais que rompe as interações com o
citoesqueleto levando à formação de microvesículas na superfície, as quais se destacam e vão para
corrente sanguínea.
o A fluidez da membrana é comprometida fazendo com que muitas hemácias não consigam sair do estado
afoiçado mesmo quando os polímeros de HbS se desfazem, formando as ISC (células irreversíveis).
o A célula torna-se frágil em um espaço curto de tempo levando a lise osmótica ou mecânica no
compartimento intravascular contribuindo para anemia hemolítica (hemólise intravascular).
 O transporte iônico é afetado:
o A peroxidação de lipídios aumenta a permeabilidade da membrana aos cátions, principalmente na
presença de afoiçamento.
o Com isso, ocorre desidratação celular, por que a entrada de cálcio no citoplasma ativa um canal
transmembrana que induz a perda de potássio e água para o extracelular.
o Ciclo vicioso: como as hemácias desidratadas se afoiçam com mais facilidade e o afoiçamento favorece a
desidratação celular cria-se um ciclo de afoiçamento e desidratação celular progressiva.
 Surge modificações antigênicas na membrana:
o Agregação da proteína banda 3, que estimula autoanticorpos à opsonizar a superfície da hemácia
aumentando a eritrofagocitose no sistema reticuloendotelial (hemólise extravascular).
o Acontece a exposição da fosfatidilserina (FS), molécula com propriedade adesiogênica e pró-inflamatória,
através do estresse oxidativo fazendo com que a FS seja externalizada e participe de processos de lesão
endotelial e estimulo à resposta inflamatória.

Consequências para o organismo

A primeira repercussão orgânica é a anemia hemolítica, tendo dois mecanismos básicos que acontecem ao mesmo
tempo:

 Hemólise intravascular: representa a menor parcela da taxa hemolítica total, leva a disfunção endotelial.
o Efeito tóxico direto: quando as hemácias falcêmicas são destruidas no interior da circulação, ocorre
liberação do conteúdo para o sangue, como a HbS e as moléculas desnaturadas, que exercem efeitos sobre
o endotélio, como consequência acontece depleção de oxido nítrico (vasodilatador, antitrombótico e anti-
inflamatório).
o Efeito tóxico indireto: os conteúdos da hemácia e as microvesículas ricas em FS estimulam a imunidade
inata (monócitos) a produzir e secretar citocinas pro-inflamatórias (TNF-a e IL).
o Isso gera um estado de inflamação sistêmica crônica que potencializa a disfunção endotelial, fazendo do
paciente falcêmico constantemente “inflamado”.
o O endotélio é difusamente comprometido, com exposição de fatores adesiogênicos na superfície, levando
a um processo de hiperplasia e fibrose nas paredes dos vasos de maior calibre, com obstrução progressiva
do lúmen, e como a inflamação sistêmica gera um estado de hipercoagubilidade, favorece a instalação de
trombose.
o O aumento na exposição de fatores adesiogênicos associado ao aumento no afoiçamento das hemácias
explica o fenômeno da vaso-oclusão capilar que caracteriza as crises falcêmicas agudas.
o A lesão crônica da parede vascular em associação com a hipercoagubilidade explica a vasculopatia
macroscópica, que causa AVE isquêmico e HAP.
 Hemólise extravascular: opsonização por autoanticorpos; externalização da FS e afoiçamento estimulando a
eritrofagocitose no sistema reticuloendotelial.
Vaso-oclusão capilar

 Justifica tanto as complicações agudas quanto as crônicas (disfunção orgânica lentamente progressiva).
 Acontece duas etapas sucessivas:
o Adesão de hemácias ao endotélio das vênulas pós-capilares lentificando o fluxo sanguíneo local.
 A adesão ocorre de forma espontânea, mas é modulada por fatores exógenos como infecções,
desidratação, exposição ao frio e diversas formas de “estresse”. Isso além de aumentar a chance de
polimerização da HbS, estimula diretamente respostas inflamatórias, principalmente as crônicas
promovida pela hemólise intravascular constante.
 A agudização do estado inflamatório crônico aumenta a ativação de células endoteliais, aumentando
transitoriamente a exposição à moléculas adesiogênicas, fazendo com que mais hemácias fiquem
presas na microcirculação.
o Impactação e empilhamento de hemácias, inicialmente as ISC por serem mais viscosas e menos
deformáveis, e posteriormente as hemácias não afoiçadas. A estase sanguínea leva a hipóxia e acidose,
acentuando o afoiçamento e criando a obstrução microvascular, levando a isquemia tecidual.
 A consequência da vaso-oclusão é a isquemia tecidual que irá causar focos de necrose nos órgãos envolvidos.
 A vaso-oclusão repetitiva da microvasculatura junto com à hemólise intravascular produz inflamação sistêmica e
disfunção endotelial.

Diagnóstico

 Cursa com queda leve a moderada de Hb e HT, reticulócitos entre 3 a 15%, hiperbilirrubinemia indireta, aumento
de LDH e queda da haptoglobina.
 A reticulocitose provoca um aumento falso do VCM, pois os reticulócitos já tem tamanho maior que as hemácias
maduras, tendo os valores de VCM normal ou no limite superior.
 As hemácias falcêmicas são normocrômicas, mas a hipocromia sugere ferropenia associada.
 Devido a resposta inflamatória sistêmica pode ter leucocitose e trombocitose (plaquetas elevadas).
 No esfregaço do sangue periférico encontra-se: hemácias irreversivelmente afoiçadas – ISC, policromasia –
indicativo de reticulocitose, corpúsculos de Howell-Jolly – sinal de asplenia, e hemácias “em alvo” – indicativo de
hemoglobinopatia.
 A confirmação diagnostica é feita por meio da eletroforese de hemoglobina, permitindo o diagnóstico diferencial
entre anemia falciforme e as variantes falcêmicas.

Complicações agudas

Crises vaso-oclusivas:

 Síndrome mão-pé – Dactilite falcêmica: ocorre por volta dos 5 meses até 3 anos, sendo
incomum após 6 anos. Ocorre isquemia aguda dos ossos das mãos e pés cursando com
dor e edema simétrico dos dígitos, fazendo uso de analgésicos, anti-inflamatórios ou
opioides.
 Crise álgica: precipitada por diversos eventos, como baixa umidade, frio, desidratação, infecção, acidose,
estresse, menstruação, consumo de álcool, hipoxemia noturna.
o Óssea: isquemia e infarto da medula óssea, acometendo ossos longos de extremidades, coluna vertebral,
arcos costais e crânio, cursando com dor intensa, necessitando de opioides.
o Abdominal: isquemia e infarto mesentérico simulando um abdome agudo.
o Hepática: hepatite isquêmica aguda, dor em QSD, hepatomegalia e elevação de transaminases.
o Priapismo: ereção involuntária e dolorosa por mais de 30 min, a idade media de apresentação é entre 12
a 20 anos, sendo que 90% dos pacientes tem um episódio, o tratamento inicial é feito com analgesia e
hidratação podendo ser necessário fazer drenagem do corpo cavernoso.
 Síndrome torácica aguda: segunda causa de admissão hospitalar, sendo a principal causa de óbito e de cirurgia e
anestesia. É de causa multifatorial, predominando infecção pulmonar, embolia gordurosa secundaria, TEP e
infarto costal. É caracterizada por febre alta, taquipneia, leucocitose, infiltrado pulmonar (principalmente lobo
inferior esquerdo), o paciente pode evoluir com hipoxemia e insuficiência respiratória. O agente infeccioso mais
comum é o S. pneumoniae, porém com a vacina os atípicos ganharam importância.
 AVE: é o evento mais grave e ocorre em 5 a 15% dos pacientes, pode ser tanto isquêmico quanto hemorrágico.
O principal mecanismo é a oclusão tromboembólica.

Disfunção esplênica:

 Até os 6 meses, o baço irá crescer devido à intensa hemólise. A partir desse período a função do baço começa a
decair devido a obstrução dos sinusoides esplênicos pelas hemácias afoiçadas e pelo acumulo de múltiplos
infartos no órgão.
 Por volta de 2 a 5 anos, o baço encontra-se endurecido devido a extensa fibrose, se tornando pequeno e
impalpável. A transformação do baço em uma estrutura fibrótica e atrofiada é chamada de auto-esplenectomia.
 O encontro de esplenomegalia em uma criança acima de 5 anos fala a favor de alguma variante da doença
falcêmica.
 Por causa do hipoesplenismo ou auto-esplenectomia, o paciente vai estar susceptível a infecções por S.
pneumoniae (extremamente susceptíveis a sepse pneumocócica), H. influenzae e Salmonella sp. (osteomielite e
artrite séptica).

Crise anêmicas:

 Crise do sequestro esplênico: é a crise mais grave, aparecendo em crianças pequenas. A drenagem venosa do
baço é prejudicada, havendo um acumulo de sangue e esplenomegalia, provocando hipovolemia e anemia grave.
A hemotransfusão é a terapia de escolha.
 Crise aplásica: é a crise mais comum, ocorre em crianças e adolescentes e está relacionada à infecção pelo
parvovírus B19, que causa um efeito citotóxico gerando uma queda abrupta de Ht e de reticulócitos. O curso da
doença é autolimitado (5 a 10 dias) e o tratamento é hemotransfusão.
 Crise megaloblástica: ocorre devido ao consumo exagerado de acido fólico, a fim de compensar a hemólise
crônica. Para evitar, todo paciente com anemia falciforme, deve fazer reposição de ácido fólico.
 Crises hiper-hemólitica: acontece exacerbação da anemia e da reticulocitose devido a um aumento da taxa de
hemólise, geralmente relacionado à uma infecção, à deficiência de G6PD ou a transfusão sanguínea com bolsa
incompatível.

Complicações Crônicas

Anemia hemolítica crônica:

 Ocorre diminuição da sobrevida das hemácias falcemizadas, porém os mecanismos compensatórios fazem com
que a anemia seja tolerada.
 Ocorre aumento da incidência de litíase biliar por cálculos de bilirrubinato de cálcio, mas é frequentemente
assintomática.
 Está associado com à exacerbação das crises anêmicas agudas.
 Fatores de piora crônica: insuficiência renal, deficiência de folato e deficiência de ferro.

Crescimento e desenvolvimento:

 Causa um atraso no crescimento e desenvolvimento, afetando mais o peso do que a altura, que normalmente é
alcançada na fase adulta.
 O desenvolvimento sexual pode ser retardado também.

Envolvimento osteoarticular:

 Acontece infartos crônicos e silenciosos que predominam no osso trabecular.


 A osteonecrose da cabeça do fêmur é uma importante complicação.
 A isquemia da epífise femoral leva a um quadro similar a doença de Legg-Calvé-Perthes, com quadro de dor no
quadril de evolução insidiosa.
 A menor rigidez do osso neoformados permite que o peso do corpo deforme a epífise fazendo que no futuro o
paciente evolua com osteoartrose grave do quadril.
 O comprometimento trabecular leva a deformidades características dos corpos vertebrais – vértebras em boca
de peixe.
 O infarto da medula óssea pode levar a reticulopenia, exacerbação da anemia, leucoeritroblastose no sangue
periférico e às vezes pancitopenia. Pode também levar a embolia pulmonar gordurosa.

Envolvimento renal:

 O envolvimento renal se manifesta em quatro principais formas:


o Hematúria: causada pela necrose de papila por obstrução da microvasculatura renal.
o Isostenúria: incapacidade de concentrar a urina por isquemia da medula renal, inibindo o mecanismo que
garante a hiperosmolaridade. É a alteração mais comum e precoce, podendo acontecer nos indivíduos com
traço falcêmico.
o Glomerulopatia: causa síndrome nefrótica e insuficiência renal crônica. Os infartos corticais levam à perda
de glomérulos e Hiperfiltração pelos néfrons remanescentes. Glomérulos sobrecarregados  GESF
(glomeruloesclerose segmentar e focal).
o Hipoaldosteronismo hiporreninêmico: causado por lesão vascular do aparelho justaglomerular.
 O carcinoma de medula renal pode ser encontrado.

Envolvimento hepatobiliar:

 O envolvimento hepatobiliar se manifesta em quatro principais formas:


o Colelitíase/coledocolitíase: a hemólise crônica leva a produção continua de bilirrubina, gerando grandes
quantidades podendo formar os cálculos de bilirrubinato de cálcio. Geralmente são radiopacos aparecendo
no Raio-x de abdome.
o Hepatite viral
o Hepatopatia falcêmica crônica
o Sobrecarga de ferro hepática por hemotransfusões de repetição – hemocromatose secundária.

Envolvimento pulmonar:

 O principal achado é HAP (hipertensão pulmonar) cuja a prevalência aumenta com a idade. Cerca de 60% dos
pacientes adultos podem apresentar a doença clinicamente não manifesta.
 Asma brônquica também é comum.

Envolvimento cardiovascular:

 O coração é sobrecarregado pela anemia crônica, e por causa disso é, geralmente, dilatado e mantem um alto
debito mesmo em repouso.
 Fatores de piora: HAP, HAS associado a nefropatia e hemocromatose secundaria às transfusões de repetição.
 A isquemia miocárdica e o IAM são eventos incomuns, porém microinfartos são encontrados na autopsia.

Envolvimento do SNC:

 Além das sequelas do AVE (isquêmico ou hemorrágico), os pacientes podem apresentar infartos cerebrais
silenciosos revelados pela RNM, o que pode justificar os déficits globais (memoria, atenção, concentração,
aritmética e integração visual e motora) em crianças sem história previa de AVE.
 A terapia transfusional crônica previne a recorrência, estando indicados nos pacientes que já tiveram AVE e nos
pacientes com doppler craniano alterado.

Envolvimento ocular – retinopatia:

 Retinopatias que pode ser não proliferativa, com hemorragias cor de salmão e manchas negras irradiantes, ou
retinopatias proliferativas, com neovasos semelhantes à gorgônia na fundoscopia.
 A perda visual é a principal complicação da retinopatia.

Envolvimento cutâneo-subcutâneo:

 As úlceras são frequentes e são decorrentes da isquemia crônica da pele e subcutâneo. A


localização mais comum são as regiões maleolares (medial e lateral). São lesões de caráter
crônico e costumam ter infecção bacteriana concomitante dificultando a cicatrização.
Gestação:

 A chance de complicação é alta tanto para a mãe, com pré-eclâmpsia, síndrome torácica aguda, pielonefrite,
fenômenos tromboembólicos, endometrite, quanto para o feto, com parto prematuro, baixo peso ao nascer,
natirmorto e abortamento espontâneo.

Tratamento

Terapia crônica:

 Profilaxia de infecções: imunização e penicilina profilática.


 Suplementação com folato 1 a 2 mg/dia.
 Hemotransfusão: deve ser evitada no tratamento rotineiro, e está contraindicada na anemia assintomática; crise
dolorosa não complicada; infecções que não comprometem a sobrevida; ou instalação de necroses assépticas.
Se necessária devem ser realizadas com hemácias fenotipadas.
 Hidroxiuréia: agente mielossupressor que ativa a síntese de HbF. Está indicada nos pacientes com crises álgicas
frequentes (>3 crises necessitando de hospitalização no ano), história de síndrome torácica aguda ou outra
complicação grave de um evento vaso-oclusivo, principalmente no SNC.
 Transplante de medula óssea alogênico: deve ser considerado em pacientes jovens gravemente afetados.

Terapia aguda:

 Crise álgica: Oxigênio, se hipoxemia (saturação <92%), hidratação, analgesia com anti-inflamatórios e opioides,
transfusão sanguínea (só em caso de crise refrataria) e avaliar causa subjacente.
 AVE: exsanguinotransfusão parcial e prevenção primaria (medir fluxo da artéria cerebral media, e iniciando
transfusões crônicas naqueles que tem alta velocidade de fluxo) e prevenção secundaria (transfusão crônica,
especialmente com exsanguinotransfusão visando reduzir a HbS para menos de 30%).
 Síndrome torácica aguda: Suporte ventilatório, transfusão, antibioticoterapia empírica, fisioterapia respiratória e
broncodilatadores e corticoide nos asmáticos.
 Priapismo: transfusão simples ou exsanguinotransfusão parcial, e se > 3 a 4 h drenagem do corpo cavernoso.

TALASSEMIAS

Lembrando hemoglobinas:

A HB é formada por 4 cadeias de globinas cada uma combinada a uma porção heme. No adulto normal:

 Hemoglobina A1: em torno de 97% das HB circulantes e possui 2


cadeias alfa e 2 cadeias beta.
 Hemoglobina A2: corresponde cerca de 2% das HB circulantes e
possui 2 cadeias alfa e 2 cadeias delta.
 Hemoglobina fetal ou F: corresponde cerca de 1% das HB circulantes e possui 2 cadeias alfa e 2 cadeias gama.

Talassemias

 São as desordens hereditárias da hemoglobina mais comuns e a doença genética mais comum no mundo.
 Normalmente causam alterações quantitativas – produção reduzida ou ausente das cadeias alfa ou beta da
hemoglobina.
 São classificadas de acordo com o tipo de cadeia globínica deficiente:
o Betatalassemias: deficiência na produção de cadeias de globina Beta.
o Alfatalassemias: deficiência na produção de cadeias de globina Alfa.

Fisiopatologia

 Os mecanismos pelo qual a talassemia leva à anemia são:


o Diminuição da síntese de Hb  hipocromia e microcitose.
o Eritropoese ineficaz: Acúmulo de cadeia beta ou alfa em excesso, que se precipitam e formam corpos de
inclusão tóxicos que matam o precursor eritroide em desenvolvimento ainda na medula óssea.
o Hemólise extravascular crônica: As hemácias defeituosas que sobrevivem contêm corpúsculos de inclusão
que as tornam suscetíveis aos macrófagos do baço, levando a uma esplenomegalia.
 Hemocromatose eritropoiética: a ocorrência de eritropoese ineficaz leva ao aumento de absorção intestinal de
ferro (mecanismos não esclarecidos) podendo causar hemocromatose mesmo na ausência de reposição errônea
de sulfato ferroso ou de transfusões.

Obs.: Anemia microcítica + hiperferremia faz diagnóstico diferencial com anemia sideroblástica, sendo necessário fazer
eletroforese de Hb.

Betatalassemias

 Alteração genética no gene da cadeia beta dando origem a dois novos tipos de gene:
o Gene β0: incapaz de produzir cadeia beta.
o Gene β+: produz pequenas quantidades de cadeia beta.
 Essa mutação cria 4 tipos de genótipos diferentes:
o β/β: Pessoa normal.
o β0/β0 e β+/β0: Betatalassemia major – não produz ou produz muito pouco de cadeia beta.
o β+/β+: Betatalassemia intermedia – produz pouco de cadeia beta.
o β0/β e β+/β: Betatalassemia minor – produz um pouco abaixo do normal de cadeia beta.
 Além da fisiopatologia em comum, apresenta alteração de proteínas de membrana das hemácias e ativação
plaquetária levando a um estado de hipercoagubilidade.
 As manifestações clínicas dependem do grau de produção de cadeia beta, assim como a coexistência de outras
anormalidades (S Betatalassemia, variante falcêmica).
 Exames laboratoriais:
o Anemia microcítica hipocrômicas: VCM: 48-72 fL, CHCM: 23-32 g/dl, com RDW normal (homogeneidade).
o Marcadores de hemólise: Hiperbilirrubinemia indireta, aumento de LDH, redução da haptoglobina e
reticulocitose.
o Esfregaço do sangue periférico: anisopoiquilocitose, hemácias em alvo (leptócitos) e pontilhado basofílico.
 A eletroforese de Hb é o método diagnóstico padrão ouro.
o Como há menos cadeias beta, as Hb formadas por outras cadeias se sobressaem como a HbA2 e HbF.
o Betatalassemia major: HbA ausente, apenas HbA2 e HbF.
o Betatalassemia intermedia/minor: HbA2 (3,5 a 7%) e HbF (3 a 20%) aumentadas, em relação a HbA.

Betatalassemia major – Anemia de Cooley

 Os sintomas se tornam evidentes após os primeiros 6 meses de vida, quando os níveis de HbF começam a decair.
 Anemia grave com Hb entre 3 a 5 g/dl.
 O ritmo acelerado de destruição das células eritroide, tanto na medula quanto na
periferia, estimula fortemente, através da EPO renal, a proliferação e maturação dos
eritroblastos gerando uma hiperplasia eritroide.
o A consequência disso é uma grande expansão da medula óssea gerando à
deformidade óssea.
o A clássica deformidade óssea talassêmica é a proeminência dos maxilares (fácies
talassêmica ou de esquilo), aumento da arcada dentaria superior com separação
dos dentes e bossa frontal.
 Cursam com baixa estatura, retardo de crescimento, disfunção endócrina, susceptibilidade a infecções devido a
asplenia (disfunção do baço).
 A hemólise crônica pode fazer litíase biliar e úlceras maleolares.
 Hepatoesplenomegalia pela hemólise crônica e eritropoese extramedular.
 Hemocromatose por transfusão e por aumento da absorção intestinal de ferro.
 Aumento no risco de reações transfusionais e doenças infeciosas devido a transfusão
constante.
 Acabam falecendo na primeira década de vida devido as complicações.
 Raio-x:
o Crânio: hair-on-end – reflexo da expansão medular.
o Mãos: pode notar adelgaçamento da cortical com expansão entre as trabéculas ósseas, osteoporose é
comum.
 Tratamento:
1. Hipertransfusão crônica, objetivando Hb entre 9 e 11 g/dl e Ht entre 27 a 30% -> controla a hiperplasia
eritroide desordenada por retirar o estimulo à produção renal de EPO.
o Com esse tratamento, as crianças recuperam o crescimento e desenvolvimento, reduzem o risco a
infecções e controlam a hepatoesplenomegalia, causando uma melhora na qualidade de vida e
redução da mortalidade.
2. Hemocromatose transfusional: A quelação de ferro com desferoxamina deve ser iniciada quando ferritina
> 1000 mg/dl e ferro hepático > 3 mg/g.
3. Esplenectomia é recomendável sempre que as necessidades transfusionais aumentarem mais de 50% em
um ano ou ultrapassem 200 ml/kg/ano.
o A criança deve ter pelo menos 6 a 7 anos e deve ser imunizada para pneumococo, haemofilo tipo B e
meningococo antes da cirurgia eletiva.
4. Transplante alogênico da medula: é o único tratamento curativo.

Betatalassemia intermedia

 Quadro mais brando que a anemia de Cooley por causa da produção intermediaria da cadeia beta.
 O diagnóstico é normalmente feito na adolescência ou idade adulta.
 Anemia moderada com Hb entre 8 a 10 g/dl.
 A maioria apresenta esplenomegalia moderada e expansão óssea proeminente.
 Crescimento, desenvolvimento e fertilidade preservados.
 Hemocromatose só aparecem após 30 anos, a não ser que faça reposição errônea de sulfato ferroso, tendo um
acumulo de ferro acelerado pela Iatrogenia.
 Hipercoagubilidade, tendo um maior risco de trombose que a Betatalassemia major.
 Tratamento:
o Transfusão só é indicada para pacientes sintomáticos ou nos pacientes com sinais de insuficiência cardíaca.
o Reposição de ácido fólico está indicado.
o Mesmo sem transfusões muitos pacientes evoluem com hemocromatose sendo necessário a quelação de
ferro com desferoxamina, que deve ser iniciada quando ferritina > 1000 mg/dl e ferro hepático > 3 mg/g.
o Esplenectomia é recomendável sempre que as necessidades transfusionais aumentarem mais de 50% em
um ano ou ultrapassem 200 ml/kg/ano.
 Deve fazer acompanhamento para avaliação contínua dos sintomas, função cardíaca e para averiguar sinais de
sobrecarga de ferro.

Betatalassemia minor – traço talassêmico

 Pacientes são assintomáticos cursando com anemia leve com Hb entre 9 e 11 g/dl.
 Os principais indícios são laboratoriais com: microcitose, VCM geralmente <70 fL, e hipocromia, HCM entre 18 e
21 pg, com hemácias em alvo (leptócitos) no sangue periférico.
 Não exige tratamento, somente orientações e aconselhamento genético.
 Deve fazer acompanhamento para avaliação contínua dos sintomas, função cardíaca e para averiguar sinais de
sobrecarga de ferro.

Alfatalassemias

 Defeito na produção de cadeia causado pela deleção de um ou mais genes alfa.


o Existem dois genes da cadeia alfa da globina em cada par do cromossomo 16, sendo 2 alelos de origem
materna e 2 de origem paterna.
 São quatro tipos de genótipos encontrados:
o Alfa, alfa/alfa, alfa: Indivíduo normal.
o Alfa, alfa/alfa, - (1 deleção): Carreador assintomático.
o Alfa, alfa/-,- ou alfa, -/alfa, - (2 deleções): Alfatalassemia minor.
o Alfa, -/-, - (3 deleções): Doença da hemoglobina H – alfatalassemia intermedia.
o -, -/-, - (4 deleções): Hidropsia Fetal – alfatalassemia major.
 Os sintomas da doença só se manifestam com 3 deleções (doença da HbH) ou 4 deleções (Hidropsia fetal).

Alfatalassemia major – Hidropsia fetal

 A ausência completa de cadeias alfa é incompatível com a vida extrauterina, tendo como resultado um natimorto
ou um nascimento de um bebe com Hidropsia fetal, que é rapidamente fatal.
 A única cadeia que substitui a alfa é a ξ, da Hb embrionária, que é ativa somente até a vida fetal, porém torna-se
essencial a síntese de cadeias alfa para produzir HbF. Como não tem cadeia alfa, as cadeias gama se juntam,
formando tetrâmeros denominados Hb Barts.
 A Hb Barts possui alta afinidade por oxigênio, sendo incapaz de entregá-lo para os tecidos, resultando em hipóxia
tecidual severa + anemia, provocando edema fetal (Hidropsia), ICC e morte.

Alfatalassemia intermedia – Doença da HbH

 A ausência de 3 genes permite o nascimento da criança sem problemas, mas já com anemia.
 Os pacientes cursam com anemia hemolítica moderada a grave.
 Os tetrâmeros de cadeias beta (HbH) são instáveis, causando precipitação dentro de algumas células circulantes
levando à hemólise.
 O quadro clínico se desenvolve com hemólise extravascular e moderada eritropoese ineficaz.
 Apresentam esplenomegalia.
 Pacientes chegam a fase adulta sem necessidade de hemotransfusão.

Alfatalassemia minor

 Pacientes assintomáticos, com hemograma mostrando microcitose e hipocromia.


 A principal preocupação é de saber o genótipo e a possibilidade de ter filhos com Hidropsia fetal ou doença da
HbH.

Diagnóstico da Alfatalassemia

 A eletroforese de Hb pode confirmar os diagnósticos nos casos de Hidropsia fetal ao mostrar as Hb Barts e
ausência completa de HbA, já na doença da HbH o exame mostrará HbH com percentual variando de 5 a 40%.
 Como tem pouca produção de cadeias alfa, as HbA2 e HbF estão proporcionalmente normais (por que é mostrado
porcentagem e não as g/dl) ou reduzidas.
 A talassemia minor é a mais difícil de diagnosticar, por que vai ter microcitose (entre 70 a 80 fL), sem anemia,
com ferro normal e eletroforese de Hb normal. O diagnóstico deve ser confirmado pelo estudo genético.
 O diagnóstico da Hidropsia fetal é possível ser feito a partir da 10ª semana de gestação através da biopsia do vilo
coriônico para realização de teste genético.

Tratamento

 O tratamento só está indicado na doença da HbH, sendo semelhante ao preconizado nas Betatalassemias
intermedias, observando as necessidades de hemotransfusão, quelação de ferro e esplenectomia.
 A reposição de ácido fólico está sempre indicada.

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