DE TERMOS
LITERÁRIOS
Coordenado por Carlos Ceia
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FONTE: http://www.edtl.com.pt
SUMÁRIO
Absurdo ------------------------------------ 6
Alteridade ------------------------------------ 8
Androginia ----------------------------------- 12
Anti-Herói ----------------------------------- 22
Apolíneo/Dionisíaco --------------------------------- 26
Arquétipo ----------------------------------- 29
Bestiário ---------------------------------- 31
Bestseller ------------------------------------ 33
Bildungsroman ----------------------------------- 35
Cânone ---------------------------------- 39
Cliff-Hanger ----------------------------------- 43
Cloak-and-Dagger story ------------------------------------ 44
Coerência e Coesão Textuais ------------------------------------ 45
Conto ----------------------------------- 53
Conto de fadas ------------------------------------ 61
Cronótopo ------------------------------------ 64
Cyberpunk ------------------------------------ 65
Dandismo ------------------------------------ 67
Decadentismo ------------------------------------ 68
Desconstrução ------------------------------------ 72
Deus Ex Machina ------------------------------------ 78
Diegese ------------------------------------ 78
Diferença Sexual ----------------------------------- 80
Discurso Indireto Livre ------------------------------------ 82
Doppelgänger ----------------------------------- 83
Duplo ----------------------------------- 85
Enunciado ------------------------------------ 89
Epopeia ------------------------------------ 90
Escrita Feminina ------------------------------------ 99
Espaço ----------------------------------- 101
Estereótipo ------------------------------------ 106
Estranhamento ------------------------------------ 109
Estudos culturais ---------------------------------- 111
Estudos de Literatura e Cinema ------------------------------------ 114
Estudos sobre ---------------------------------- 123
Homossexualidade (Gay /
Queer, Lesbian Studies)
Fabula ----------------------------------- 125
Fábula ------------------------------------ 127
Fabulação ------------------------------------ 129
Falocentrismo ----------------------------------- 130
Fantástico (Gênero) ----------------------------------- 132
Fantástico (Modo) ----------------------------------- 142
Fenomenologia ----------------------------------- 146
Ficção ----------------------------------- 150
Ficção científica ----------------------------------- 152
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ABSURDO
O sem-sentido; a inconformidade com as leis da coerência e da lógica;
diz-se de todo o texto que não possua lógica interna e não obedeça a
determinadas regras ou condições. O trabalho de desconstrução textual
pode ser considerado uma tentativa de redução de um texto a um
estado ad absurdum, pela revelação das suas contradições internas e
impossibilidades lógicas, quer sejam imanentes a esse texto quer lhe
sejam impostas. Falamos então dos absurdos de um texto quando nos
referimos às suas proposições, ideias ou teses sem sentido.
Bibliografia
Albert Camus: O Mito de Sísifo: Ensaio sobre o Absurdo (2ª ed. rev. e
aum., 1945); Arnold P. Hinchliffe: The Absurd (1969); B. K. Banker:
"Albert Camus and the Concept of the Absurd", Commonwealth
Quarterly, 5, 17 (Karnataka State, India, 1980); Charles B. Harris:
Contemporary American Novelists of the Absurd, (1971); David D.
Galloway: The Absurd Hero in American Fiction: Updike, Styron, Bellow
and Salinger (1966); Donald Palumbo: "The Question of God's
Existence, the Absurd, and Irony: Their Interconnection in the
8
ALTERIDADE
Facto ou estado de ser Outro; diferição do sujeito em relação a um
outro. Opõe-se a identidade, mundo interior e subjectividade. Este tema
aparece com alguma insistência nos mais recentes estudos pós-
coloniais, feministas, desconstrucionistas e psicanalíticos, e é também
tratado no dialogismo de Bakhtin. A questão da alteridade (ing.
otherness; fr. alterité; al. Anderssein) corre o risco de se tornar
simplisticamente universal, no caso de considerarmos o Outro como
uma categoria omnipresente, porque tudo está em oposição em relação
a alguma coisa ou a alguém. É necessário delimitar a aplicação do
conceito e, de preferência, pelo menos no que toca à literatura,
considerá-lo apenas nas relações poéticas, dramáticas e nais que se
abrem nos textos literários.
Entre 1918 e 1924, Bahktin escreve diversos ensaios cuja tema
central é a relação entre o eu e os outros. O eu só existe em diálogo com
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Bibliografia
ANDROGINIA
Não foi por acaso que Goethe procurou, durante toda a vida, o
verdadeiro lugar de Mefistófeles, a perspectiva na qual o Demônio que
negava a Vida se mostrasse, paradoxalmente, seu mais precioso e
incansável colaborador. Também não foi por acaso que Balzac, criador
do romance realista moderno, retomou, em seu mais belo romance
fantástico, um mito que obsedava a humanidade há vários milênios.
Goethe e Balzac acreditavam na unidade da literatura européia e
consideravam suas obras como pertencentes a essa literatura. Ficariam
ainda mais orgulhosos se tivessem pressentido que a origem dessa
literatura européia está além da Grécia e do Mediterrâneo, além do
Oriente Próximo antigo e da Ásia; que os mitos reatualizados em Fausto
e Serafita nos chegam de muito longe no espaço e no tempo; que eles
nos chegam da pré-história” (p. 127-129).
A escritora portuguesa Yvette Centeno coincide, em sua análise da
androginia, com a leitura de Eliade: “O andrógino é um arquétipo
universalmente espalhado que aflora não só nas cosmogonias mais
arcaicas, como também na literatura e na pintura modernas” (p. 63);
elaborando uma conceituação que ultrapassa a mera questão de se
considerar o andrógino como um paradoxo sexual, a ensaísta define a
androginia como “(...) justaposição de contrários, desde sempre sonhada
como primeira origem e derradeira meta dos seres, divinos e humanos,
tidos como perfeitos” (ib.).
A palavra “androginia” conjuga, já em sua etimologia, aquilo que,
na condição humana, Virginia Woolf (1882-1941) designou como “his
form combined in one the stregth of a man and a woman’s Grace”, força e
graça literariamente realizadas em seu romance Orlando, uma biografia
(1928), paradigma andrógino da literatura moderna ocidental. Com
efeito, esse original romance foi inspirado na vida (donde o aposto
“biografia”) da poeta britânica Vita Sackville-West (1892-1962), a quem
é dedicado. Mais um elo familiar expõe-se, pois, na edição que
compulso (Grafton Books, de 1985), cuja capa apresenta a figura
andrógina de uma pintura de 1637, atribuída a Cornelius Nule, de
propriedade de Lorde Sackville, pai da musa de Virginia Woolf. A
narrativa acompanha, por 350 anos, o protagonista, que nasce na
Inglaterra medieval, durante o reinado de Elizabeth I, e que, durante
sua estada na Turquia, acorda e verifica que se tornou mulher. A partir
dessa metamorfose, a narração adota o ponto de vista da mulher,
encarnada em um ser fascinantemente ambíguo, porque exemplar da
androginia, “forma ideal” (p. 268), conforme a designa, em seu romance
Il piacere (1889), o italiano Gabriele D’Annunzio (1863-1968).
Falar de androginia remete, de chofre, a Platão (429 a.C-347 a.C),
verdadeiro fundador da filosofia ocidental, que, em O banquete (189c -
193e, falando da gênese da natureza humana, elucubra, na voz do
comediógrafo Aristófanes: “Havia, a princípio, três espécies de homens e
não duas, como atualmente: macho e fêmea. O terceiro gênero era
formado dos dois primeiros. Extinta a espécie, só o nome lhe
sobreviveu. Chamavam-se Andróginos, porque pelo aspecto e pelo nome
lembravam o macho e a fêmea” (p. 39). Esses seres não são filhos do
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Vê-se, então, que o mito dos andróginos vem sofrendo uma leitura
reduzida, como no caso de Octavio Paz (1914-1998), em cujo livro La
doble llama (1993) explica-se a necessidade de complementaridade que
experimentam os casais, formados por um homem e uma mulher,
esquecendo-se de que a mesma necessidade afeta os pares, constituídos
por um homem e um homem, bem como por uma mulher e uma
mulher. Alterando o sentido do texto original de Platão, esse tipo de
leitura opera uma castração.
Em muitos dos mitos gregos, o traço andrógino pulsa fortemente,
como, por exemplo, em Dioniso, que, sendo um dos mais antigos do
Panteão, é, muitas vezes, representado de forma andrógina e, em
muitos de seus emblemas, figura a pinha, fruto hermafrodita de espécie
muito conhecida e difundida no Mediterrâneo; a pinha, aliás como a
videira, faz parte da simbologia do Cristo. Também andrógino é Tirésias,
o vidente da Odisséia, que se tornou cego, segundo o mito, por ter visto
duas serpentes sagradas copularem: a serpente é dos mais antigos
símbolos e, na forma de Ouroboros, representado na alquimia, é
circular, como o andrógino. Outras divindades míticas gregas exibem,
também uma forma andrógina, como representação da fecundidade,
juventude eterna, como Cibele, Atis e Adônis, todos seres completos,
através da autogenia e da monagenia.O poeta bahiano Gilberto Gil
canta belamente: “Deus é menino e é menina”.
A persistência da narrativa platônica e sua intromissão em outras
culturas, como a alquimia, reforçam o arquétipo do andrógino como
coincidentia oppositorum : coincidência e superação. Em O arco e a lira,
o ensaísta mexicano Octavio Paz (1914-1998) fala da inserção,
intersecção da poesia, “centro fixo e vibrante, onde se anulam e
renascem sem trégua as contradições. Coração-manancial” (p. 309-
310), que podemos traduzir como coincidentia oppositorum; no caso da
androginia, eu traduziria por corpo-manacial. A potência do arquétipo
continua a contaminar todos os sistemas mitológicos: as divindades
podem mudar de nome, mas os signos circulam de uma a outra,
articulando-as.
Há que se distinguir o andrógino do hermafrodita, na medida em
que esse último é um termo técnico que, na zoologia e na botânica,
indica a presença, em um mesmo indivíduo, de caracteres sexuais
masculinos e femininos, como, por exemplo, no caso das minhocas e
das ostras, quando ocorre o hermafroditismo e não a androginia. O
termo “andrógino” não é usado no âmbito científico, não fazendo,
jamais, referência à modalidade de reprodução nem à orientação sexual,
já que não é sinônimo de bissexual. A androginia refere, sempre, a
coexistência, em uma mesma pessoa, de aspectos exteriores próprios de
ambos os sexos.
Na iconografia religiosa, a androginia marca-se profundamente em
vários santos, como, v.g., em Santa Joana d’Arc (1412-1431), la pucelle
de Domrémy, padroeira da França. Outra representação andrógina no
martirológio romano, recebe-a São Sebastião (156-186) - aliás patrono
da cidade do Rio de Janeiro e da comunidade gay internacional -,
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sustentado por Isa (Odete Lara), cantora de cabaré. Catitu atrai Bereco
para um série de crimes e faz dele um "perigoso bandido". Acontece que
Bereco passa a acreditar nesta "fama". Diaba começa a ter seu poder
diminuído quando Bereco pretende controlar a venda das drogas e
Catitu, por sua vez, deseja aumentar seu poder. Espécie de Jean Genet
(1910-1986) nos Trópicos, o protagonista foi fichado, na ditadura
Vargas, como “pederasta”, tinha gingado de capoeirista e voraz apetite
sexual, estabelecendo, “relações maternais com o séquito de outras
moçoilas, que a protegem como os aprendizes à mestra. Diaba é
criminosa nata: aplica mão de ferro para garantir a qualidade dos
serviços à população mas, por outro lado, preocupa-se em cozinhar
quitutes para a marginália gay que o cerca, apavorado que estava com
os traidores que tentavam acabar com sua autoridade empresarial”.
Já, em Madame Satã (2002), de Karim Ainouz, estrelado por
Lázaro Ramos, Sacha Amback, Marcélia Cartaxo, Flavio Bauraqui,
Felippe Marques, fica diluída a questão, contemporaneamente
internacional, do tráfico de drogas, realçando-se a imagem controversa
e apaixonante do protagonista Negão/Neguinha. Madame Satã retrata
um personagem carnavalesco, que, reinventando-se a si mesmo,
transgride e resiste para sobreviver como marginal. Luta para auto-
afirmar-se, fugindo da clandestinidade e do silêncio, sendo capaz de,
num piscar de olhos, passar da mais cruel violência à mais
emocionante ternura: combina, assim, sua dupla personalidade, ao
mesmo tempo feminina e delicada, masculina e violentamente
destrutiva. Eis um espelho anamorfósico do herói ou, melhor dizendo,
anti-herói, porque carrega os estigmas de ser analfabeto, negro,
homossexual e pobre. Arlequim modernista, poliedro com muitas
identidades, Proteu marginal, explora, segundo suas conveniências, sua
faceta de gângster, pícaro orgulhoso, pai de sete filhos adotivos, estrela
de cabaré, rainha do carnaval carioca, amante apaixonado ou assassino
frio. Recriou, de maneira andrógina, o mito de Madame Satã, nome do
personagem que o fascinava no filme homônimo (Madam Satan), de
1930 (época da boemia da Lapa), de Cecil B. De Mille 1881-1959). O
apelido de João Francisco dos Santos surgiu em 1942, quando,
brincando no bloco carnavalesco “Caçadores de Veados”, ele se
inspirou, para fantasiar-se, no personagem do cineasta estadunidense.
Frise-se que, no Brasil, “veado” é o termo pejorativo para homossexual,
não se sabendo, ao certo, a origem desse insulto, que viria ou do
animal, que corre muito, como os “veados” corriam da polícia, ou do
adjetivo “des-viado”; configura, assim, um tremendo paradoxo o nome
do bloco carnavalesco onde Madame Satã foi “batizado”.
Uma outra categoria sexual, aparentada à androginia, é a dos
castrados ou, em termos eruditos, castrati, nome pelo qual eram
conhecidos os cantores masculinos que, a fim de terem preservada,
ainda na fase adulta, a tessitura vocal da infância (cuja extensão vocal é
quase idêntica à das tessituras vocais femininas, sejam de soprano, de
mezzo-soprano ou de contralto), eram submetidos a uma operação
cirúrgica de corte dos canais provenientes dos testículos, obstruindo a
19
outro homem; como um jagunço de seu jaez poderia sentir uma atração
irresistível por um macho? O equívoco, a paixão dúbia, o desejo carnal,
a angústia, a obsessão por um amor impossível torturam-lhe a alma
rude. O ser rosiano - o sertão de Guimarães Rosa - é o locus non-
amoenus de toda a angústia da condição humana, inclusive quanto ao
“entre-lugar” dos sexos, que a figura sedutora de Diadorim, andrógino
sertanejo, Joana d’Arc no sertão mineiro, alegoriza esplendidamente,
remetendo, inclusive, à saudade da união e da totalidade, perdidas na
noite dos tempos.
Bibliografia
ANTI-HERÓI
APOLÍNEO/DIONISÍACO
Termos de uma oposição central que toma como referência as
divindades superiores da Antiguidade grega: Apolo e Diónisos. Os
órficos foram os primeiros a ensinar que todos os deuses se resumiam a
um só, embora existisse uma dupla crença em duas entidades
universais: por um lado, Diónisos, aquele que apagava toda a mancha
de pecado; por outro lado, Apolo, aquele que libertava do corpo, uma
vez que todo o corpo é um túmulo. Em A Origem da Tragédia (1872),
Nietzsche retoma esta dualidade, demonstrando que o apolíneo e o
dionisíaco são conceitos antitéticos, mas de uma espécie dialéctica
necessária à existência de todos os homens: "a evolução progressiva da
arte resulta do duplo carácter do espírito apolíneo e do espírito
dionisíaco, tal como a dualidade dos sexos gera a vida no meio de lutas
que são perpétuas e por aproximações que são periódicas." (A Origem
da Tragédia, 5ªed., trad. de Álvaro Ribeiro, Guimarães Ed., Lisboa,
1988, p.35). Nietzsche tentou mostrar que a transcendência extática
dionisíaca foi tão necessária aos helénicos como o melífluo culto
apolíneo. Chega inclusive a retratar Diónisos como o mais
impressionante símbolo do génio humano, sempre aspirando à
transmutação, no que se opõe à auto-capitulação eternamente
sofredora dos cristãos em sinal de mesura servil para com a divindade
em troca de segurança e protecção.
Apolo e Diónisos são os dois deuses superiores da epifania
principal celebrada em Delfos. Parece terem formado uma aliança de
soberania já que ambos são idolatrados, surgindo na vida
extraordinária dos antigos gregos como o eterno conflito entre a noite e
o dia, o claro e o escuro, a água e a terra, o ar e o fogo. Como forças
contrárias, equivalem de certa forma à oposição Yin/Yang, se ao
apolíneo fizermos corresponder o princípio Yang, sobretudo nas suas
qualidades de celeste, penetrante, quente e luminoso; e ao dionisíaco o
princípio Yin, como absorvente, frio e obscuro. No pensamento oriental,
as duas forças ou princípios complementares abrangem todos os
aspectos e fenómenos da vida tal como acontece no pensamento
helénico com o espírito apolíneo e o espírito dionisíaco. Mas tais forças
não são hoje, para a crítica pós-freudiana, tidas por meras oposições:
Apolo não foi simplesmente o Yang de Diónisos, mas antes um estado
superiormente desenvolvido do estado dionisíaco. Nietzsche trata a
dualidade do espírito grego apenas no campo conceptual, nunca em
termos de experiência efectiva.
Exemplo de poeta apolíneo é a portuguesa Sophia de Mello
Braeyner Andresen, cuja poesia preserva e louva o mar, o Sol, as ruas,
os caminhos, a música. Sophia segue Apolo porque este é o deus da luz,
segundo a herança egípcia, pelo que a claridade imagética se tornou um
símbolo da essência apolínea. Contudo, a divindade da luz por
excelência também governava o mundo interior da imaginação. A
função de Apolo era a de conceder forma e limite a este mundo, onde,
por toda a parte, devia receber homenagem enquanto chefe das musas,
27
tal como é introduzido por Sophia em "Apolo Musageta" (Poesia I): “Eras
o primeiro dia inteiro e puro / Banhando os horizontes de louvor” (Obra
Poética I, Cículo de Leitores, Lisboa, 1992). Além disso, Apolo assegura
a harmonia ou "medida suprema" do kosmos, que é afinal a sua mais
importante característica, conforme viu Nietzsche: "à imagem de Apolo
não deve faltar essa linha delicada, aquela que a visão apercebida no
sonho não poderá transpor sem que o seu efeito se torne patológico,
porque então a aparência nos dará a ilusão de uma realidade grosseira:
quero dizer, essa ponderação, essa livre serenidade nas emoções mais
violentas, essa serena sabedoria do deus da forma." (Ibid., p.38).
Portanto, a ordem apolínea e o refreamento emocional constituem, no
poema de Sophia: “... o cânon eterno / Erguido puro, perfeito e
harmonioso / No coração da vida e para além da vida”. Fica garantida a
inteireza da individualidade humana no meio do caos e do terror que
nos assaltam durante a vida. Apolo dirá sempre respeito ao poder
criativo do homem para produzir imagens, tal como nos sonhos ou nas
artes visuais. Ele é, por este motivo, a imagem divina do que Nietzsche
chama, retomando as palavras de Schopenhauer, principium
individuationis: "... poder-se-ia também reconhecer em Apolo a imagem
divina e esplêndida do princípio de individuação, cujos gestos e olhares
nos falam de toda a sabedoria e de toda a alegria da 'aparência', ao
mesmo tempo que nos falam da sua beleza." (ibid., pp.38-39).
O ímpeto dionisíaco nascerá da violação deste princípio de
individuação, provocando o terror e o êxtase. Uma vez dilacerado o
kánon harmonioso, o mundo onde o homem supera os obstáculos entre
ele e a sua própria natureza toma a forma da unidade primordial. O
estado psicológico primário da personalidade dionisíaca consiste
fundamentalmente em: um princípio violento chamado sparagmos
("fúria", "convulsão espamódica"), que nos cultos a Diónisos era
essencialmente um êxtase de excitação sexual e afirmação da virilidade
humana; e um objectivo último chamado ekstasis (literalmente, um
"estar-fora-de-si"; "êxtase", "delírio místico"), um estado de embriaguez
total que conduz ao esquecimento de si próprio. A ekstasis (ou esse
estar-fora-de-si-próprio) também é conhecida na religião dionisíaca
como mania, sempre suplicada e gozada. A arrebatação dionisíaca era
fundamentalmente patológica e tem sido definida como um estado de
alucinação e alienação (alienatio mentis). A mania era o mais importante
aspecto da religião dionisíaca e passa a significar a elevação do devoto a
um estado superior de arrebatamento tal a que convinha o nome de
divina loucura, que Platão, no Fedro, se encarregou de dividir em quatro
tipos: profética (Apolo), ritual (Diónisos), poética (Musas) e erótica (Eros
e Afrodite). No tipo de loucura divina ritual, o indivíduo era sublevado
pela divindade, ultrapassando o limiar da realidade por um momento de
embriaguez metafísica. Diónisos é essencialmente um deus da
hilaridade, mas de uma espécie de hilaridade que é acessível a todos os
veneradores, incluindo os escravos. Daí chamar-se-lhe o Libertador, o
deus que permite sair de nós mesmos e conquistar a liberdade. É
verdadeiramente um deus popular ou um deus das multidões
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Bibliografia
ARQUÉTIPO
[Do gr. archétypon, "modelo", "padrão".] Termo proposto em 1919 por
Carl G. Jung, psicólogo e psicanalista suíço (1875-1961), para designar
o conjunto de imagens psíquicas do inconsciente colectivo que são
património comum de toda a humanidade: "São sistemas de prontidão
para a acção e, ao mesmo tempo, imagens e emoções. São herdados
junto com a estrutura cerebral - constituem de facto o seu aspecto
psíquico. Por um lado, representam um poderoso conservadorismo
instintivo e são, por outrolado, os meios mais eficazes que se pode
imaginar de adaptação instintiva." (Mind and Earth, The Collected
Works, vol.10, 53). O conceito de arquétipo é, contudo, já localizável em
Platão, no seu tratamento das ideias formais ou arquétipos (o Bem, o
Belo, a Bondade, a Verdade, etc.).PRIVATE O conceito entrou na
literatura através dos trabalhos de antropologia cultural de James G.
Frazer e dos trabalhos de psicologia de Carl G. Jung. Maud Bodkin
contribuiu também para a afirmação do termo na crítica literária com
Archetypal Patterns in Poetry: Psychological Studies of Imagination
(1934).
Bibliografia
BESTIÁRIO
Bibliografia
BEST-SELLER
Termo inglês (literalmente: “o mais vendável”) para o livro que
atingiu um elevado número de vendas, superando todos os outros do
seu género e durante um determinado período de tempo. Actualmente,
elaboram-se listas ou top de vendas, que registam os livros mais
vendidos ou best-sellers num país .
A rigor, podemos falar de best-sellers a partir da invenção da
imprensa. Assim, a título de exemplo, no século XVI, Virgílio teve 385
edições, a que correspondem cerca de 300 000 exemplares vendidos.
Mas a primeira lista de best-sellers só será apresentada em 1895, na
revista literária norte-americana The Bookman. A prática estendeu-se de
imediato a todo o país, constituindo ainda hoje referências mundiais as
listas do Publishers Weekly (desde 1912) e do The New York Times. Na
Europa, a lista do The Sunday Times , que o Bookseller reedita, é uma
referência para o mundo literário. Ficam de fora destas listas periódicas
as edições de clássicos, como as obras de Shakespeare (já no século XIX
era o maior best-seller de sempre em língua em inglesa) ou a Bíblia, por
exemplo, bem como as vendas de clubes comerciais de livros e os livros
de venda permanente (steady-sellers), onde se incluem as colecções de
clássicos e as adaptações para crianças. À excepção da Bíblia, de longe
o maior best-seller de todos os tempos com mais de mil traduções,
pode-se considerar a Imitatio Christi (1473), que conheceu até ao final
do século 99 edições, o primeiro best-seller impresso, que deve contar
hoje já com mais de 3000 edições. Dois dos primeiros romances de êxito
mundial foram o Robinson Crusoe (1719), de Daniel Dafoe, e Gulliver’s
Travels (1726), de Jonathan Swift. O século XIX assiste ao êxito de uma
nova forma de ficção - o romance folhetinesco (roman-feuilleton ou
newspaper serial -, distinguindo-se, na primeira metade do século,
Eugène Sue, que contribuiu para uma maior popularidade do jornal
como grande meio de divulgação de textos literários.
O facto de um dado livro poder ser classificado como best-seller
não é directamente proporcional à qualidade desse livro. Os factores
que concorrem para o êxito comercial de um livro são vários. Fábio
Lucas apresenta uma explicação coerente: “O best-seller contém
soluções narrativas e conteudísticas que atraem o grande público e
auxiliam a vendagem. A própria publicidade, quer a externa, nos
anúncios directos ou indirectos, quer a interna, nas orelhas do livro, na
quarta capa ou nos resumos dos catálogos, cuida de dar ênfase às
virtudes míticas da obra. Promete um entretenimento ou uma excitação
da mente, acompanhada de uma solução. O idela do best-seller será o
mundo não problemático e o fim feliz.” Fabio Lucas: "O best-seller e a
teologia da comunicação de massa", Minas Gerais - Suplemento Literário,
22:1057 (1987). Quer dizer, o facto de um livro vender muito não é
suficiente para ganhar um lugar de destaque na história literária. Esta
está cheia de exemplos de best-sellers que depois o tempo posterior
ignorou. No seu tempo, Guerra Junqueiro, por exemplo, vendeu muitos
mais livros do que Antero de Quental, mas a história encarregou-se de
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não olhar a tal circunstância para situar Antero como um dos maiores
poetas portugueses de sempre, ao lado de Luís de Camões e de
Fernando Pessoa. Em termos internacionais, a classificação de uma
obra como best-seller é ainda mais relativa. Depende sempre de factores
demográficos (com o mesmo número de vendas, um best-seller em
Portugal não o seria no Brasil, por exemplo, pois raramente se
ultrapassam as poucas dezenas de milhares de cópias vendidas,
número insignificante no mercado brasileiro; por outro lado, para
termos uma ideia das diferenças, um livro que em Portugal venda 50
000 exemplares pode ser considerado um best-seller, exactamente o
número de vendas necessário nos Estados Unidos em 1870, ao tempo
de Eça de Queirós, portanto), de factores linguísticos (um livro editado
em inglês tem hoje um público potencial largamente mais numeroso do
que nas restantes línguas) e de factores económicos (naturalmente, o
nível de vida de uma comunidade condiciona o seu poder de compra
tanto das necessidades básicas como das culturais, onde se inclui a
compra de livros). Hoje, no mundo literário lusófono, podemos
considerar como best-sellers autores como Jorge Amado, Paulo Coelho,
José Saramago ou António Lobo Antunes, o que não significa que todos
estes autores ocupem o mesmo lugar nos respectivos cânones
nacionais.
O best-seller também não está isento de ser determinado pela
propaganda política de uma nação, como nos milhões de exemplares
que as obras de Marx, Lenine e Estaline venderam na ex-União
Soviética, que o Mein Kampf, de Hitler, vendeu na Alemanha ou o
Pequeno Livro Vermelho, de Mao, vendeu na China comunista. Hoje não
são apenas os livros de ficção aqueles que acabam como best-sellers,
porque o gosto também evolui (ou regride, depende certamente do ponto
de vista) e livros de culinária, manuais práticos do tipo Do It Yourself,
memórias de figuras públicas, obras de referência clássicas ou
multimédia, etc. podem facilmente atingir essa categoria. Para tal, e
segundo as regras das sociedades de consumo de hoje, um bom
trabalho de divulgação promocional pode ser a chave para que um dado
livro venha a ser um best-seller, independentemente da sua qualidade
literária. É que o best-seller envolve hoje uma grande grande máquina
promocional, comprometendo agentes literários, editores, publicitários,
patrocinadores, etc. Em certos círculos literários, entende-se inclusive
que um autor que atinja a categoria de best-seller perde a categoria de
verdadeiro escritor.
Bibliografia
BILDUNGSROMAN
Bibliografia
CÂNONE
Bibliografia
CLIFF-HANGER
CLOAK-AND-DAGGER STORY
Bibliografia
Bibliografia
CONTO
Do lat. comentum, in. (invenção, ficção, plano, projecto), ligado ao
v. contueor, eris (olhar atentamente para, contemplar, ver, divisar).
Narração oral ou escrita (verdadeira ou fabulosa); obra literária de
ficção, narração sintética e monocrónica de um fato da vida. Podemos
afirmar que o contar é tão antigo quanto a vida em comunidade, pois é
inerente à natureza humana, o falar, a necessidade, de comunicarmos
ao outro o que sentimos, descobrimos, queremos desejamos, etc. Como
o é também a curiosidade de ouvir, conhecer, sabermos dos outros. E
cada qual contando e ouvindo de acordo com sua imaginação, fantasia,
temperamento. Fácil é imaginarmos que, em tempos primitivos, foi das
diferenças de temperamento ou fantasia dos que falavam, que foram
surgindo aqueles que fabulavam. Isto é, os “contadores”, aqueles que
(por particular magia da voz e da imaginação) fabulavam os fatos ou
acontecimentos e davam-lhes uma forma-de-dizer sedutora que seus
ouvintes passavam a repetir e que se transformava na versão
dominante, no conto que, de geração para geração, era narrado e
transformado em detalhes ou variantes, pois como diz o ditado: “Quem
conta um conto, aumenta um ponto”.
Juan Valera (1824-1905), notável escritor e erudito humanista
espanhol, analisando a omnipresença do conto na tradição de todos os
povos da antiguidade (mesmo naqueles que desconhecem poesia épica,
filosofia ou legalização), justifica o fenónemo como resultante da
necessidade humana de conhecer e de comunicar-se: “O pouco comum
(e difícil) que era a comunicação dos homens de uma região com outras;
as vagas notícias sobre a geografia e o perigo das peregrinações por mar
e por terra, deram origem a multidões de histórias, que se
transformarem em contos ou novelas. Gigantes enormes e
descomedidos, ogros que viviam de carne humana, pigmeus que
combatiam contra gruas, entes fantásticos, ciclopes de um só olho,
faunos e sátiros e centauros; repúblicas e reinos que não se sabe onde
se localizam ou que afundaram no seio dos mares, tudo isto foi
aparecendo e dando assunto a mil narrativas orais, muitas das quais
foram escritas depois e criaram a tradição dos contos.” (apud Sainz
Robles).
A verdade é que essa “tradição” está fundamentada em copiosas
colecções de contos exemplares ou licenciosos, contos maravilhosos e
contos alegóricos ou contos satíricos; miscelâneas de fábublas orientais
e esópicas, apólogos, parábolas, alegorias, sermões, anedotas satíricas
ou picantes que surgiram na Idade Média (séc. X-XV) e constituem hoje
uma verdadeira floresta de livros e textos, recolhidos de uma milenar
tradição oral, cuja origem primeira foi localizada na Índia, milénios
antes de Cristo, e dali derramou-se por todo o mundo conhecido.
Traçar o panorama exato das origens, peregrinação, multiplicação
e difusão do conto no mundo, é tarefa impossível, pois como género
literário dos mais antigos, ele é indissociável da vida. Como esta, o
conto foge a qualquer definição absoluta ou tentativa de classificação
54
1964 e O Inferno está mais perto, 1971); Natália Nunes (A Mosca Verde
e outros cotos, 1957).
A partir do Experimentalismo dos anos 60/70, a fragmentação
narrativa invadiu as formas tradicioanis do romance e novela e passou
a competir com a forma sintética do conto, para registar apenas “fatias”
de vida, momentos de vivências fragmentadas. Desaparece o sentido do
“todo” ou da unidade do viver. Talvez isso explique a escassez de
contistas entre os escritores considerados de vanguarda ou pós-
modernos (anos 60/90). A forma conto, actualmente, predomina nas
áreas do non-sense, do fantástico, do mágico ou do absurdo (linha de
Kafka, Borges, Cortázar ..), ou ainda, do erotismo, - áreas que têm
limitada expressão na actual literatura portuguesa, com destaque para
Herberto Helder (Os Passos em Volta, 1963).
O conto surge no Brasil, nos primeiros séculos de colonização,
difundido pelos portugueses, como narrativa oral. Assim o acervo dessa
primitiva narrativa tem a mesma origem que a portuguesa; e ainda hoje
circula entre o povo, principalmente nas regiões norte-nordeste, embora
com variantes em que se cruzam influências africanas e indígenas. Via
de regra, tais “contos” são chamados de estórias de Trancoso.
Como narrativa escrita, o conto aparece na literatura brasileira, na
primeira metade do século XIX, no início do Romantismo. Escritos,
segundo o modelo europeu, por intelectuais jornalistas e publicados em
jornais e revistas (Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza, Salvador ...), esses
primeiros textos conquistaram de imediato o público ledor e criaram a
“febre do conto”. Joaquim Norberto, Álvares de Azevedo, Bernardo
Guimarães, Casimiro de Abreu ... foram alguns dos romancistas e
poetas românticos que se exercitaram no conto, mas sem
ultrapassarem a mediania da escrita.
O primeiro grande contista brasileiro surge no final so século XIX,
Já no período realista: Joaquim Maria Machado de Assis, também
grande romancista, cuja obra não foi ultrpassada pelo tempo,
mostrando-se hoje essencialmente contemporânea. Entre seus contos,
destacam-se: O Alienista; Teoria do Medalhão; Missa do Galo; A Chinela
Turca; A Cartomante; Uns Braços ...
Entre os contemporâneos de Machado de Assis, estão os contistas:
Aluísio de Azevedo (Demónios, 1893), Artur de Azevedo (Contos
Possíveis, 1889; Contos fora de moda, 1984; Contos Efêmeros, 1987;
Contos Cariocas, 1928); Adelino Magalhães (Casos e Impressões, 1916;
Visões, Cenas e Perfis, 1918; Tumulto da Vida,1920); Coelho Neto
(Sertão, 1896; Apólogos, 1904; Água de Juventa, 1905; Treva, 1906;
Banzo, 1993); Júlia Lopes de Almeida (Traços e Iluminuras, 1886 e
Histórias da nossa Terra, 1907); Lima Barreto (Histórias e Sonhos,
1920) e Virgílio Várzea (Mares e Campos, 1894).
No entre-séculos, com o crescente sentimento nacionalista (que
reagia contra a hegemonia da cultura eurpeia, sobre o pensamento
brasileiro) surge a corrente nativista ou sertanista que encontra no
conto sua melhor expressão para retratar a realidade brasileira nativa.
Destacam-se nessa corrente: Afonso Arinos (Pelo Sertão, 1898); Alberto
59
António, Julieta Godoy Ladeira, Luiz Vilela, Márcia Denser, Marcos Rey,
Marina Colasanti, Miguel Jorge, Moacyr Scliar, Nélida Piñon, Ricardo
Ramos, Victor Giudice ...
Embora com estilos e problemáticas diversas , todos eles expessam
as linhas de força que dinamizam o conto contemporâneo: a visão
fragmentada própria do nosso século, - a visão de um mundo
descentrado, onde o indivíduo perdeu o sentido último da vida e,
reduzido a si mesmo ou à força/fraqueza de sua própria palavra,
busque uma nova saida. Ou, sem saídas, só lhe restam as forças
desmesuradas do erotismo, ou então testemunhar a violência gratuita
que se alastrou pelo nosso universo em caos. Ou ainda, resgatar o Mito
(que vem sendo um dos grandes trunfos, principalmente do romance
contemporâneo)...
Bibliografia
CONTO DE FADAS
Considerado no seu sentido literal, o termo refere-se somente a histórias
fantásticas sobre fadas, seres de tamanho muito reduzido que habitavam o
reino da fantasia e que fizeram parte integrante das crenças populares da
Antiguidade greco-latina e da cultura medieval europeia. São seres
imaginários, míticos, representados geralmente por mulheres dotadas de
poderes sobrenaturais usados para o Bem (Fadas Madrinhas) ou para o Mal
(Bruxas ).
Bibliografia
CRONÓTOPO
Bibliografia
CYBERPUNK
Bibliografia
DANDISMO
Bibliografia
DECADENTISMO
O conceito de decadência remete, originariamente, para um significado
histórico-político e, numa acepção mais lata e algo “impressionista”,
para uma atmosfera psicológica e moral (decorrente, em parte, de um
particular contexto socioeconómico e político epocal onde confluem
imagens e recordações da fase crepuscular de antigas civilizações) que
caracterizou a cultura europeia (com acentuados reflexos e
prolongamentos na América Latina e Estados-Unidos da América, por
exemplo) do último quartel do século XIX. Nos quadros mentais da
“Europa das Luzes”, particularmente em França, o conceito surge
relacionado, pela primeira vez, com o declínio do Império Romano tardio
(Montesquieu, Considérations sur les causes de la grandeur des romains
et de leur décadence, 1734; edição definitiva em 1748), legitimando e
reforçando os ditames da emergente racionalidade clássica.
Posteriormente, nessa linha, poder-se-á ler o fragmentário Essai sur les
causes et les effets de la perfection et de la décadence des lettres et des
69
Bibliografia
72
DESCONSTRUÇÃO
Bibliografia
DEUS EX MACHINA
Bibliografia
DIEGESE
Bibliografia
DIFERENÇA SEXUAL
Bibliografia
Bibliografia
DOPPELGÄNGER
DUPLO
O conceito mais comum relativamente ao duplo é que este é algo que,
tendo sido originário a partir de um indivíduo, adquire qualidade de
projecção e posteriormente se vem a consubstanciar numa entidade
autónoma que sobrevive ao sujeito no qual fundamentou a sua génese,
partilhando com ele uma certa identificação. Nesta perspectiva, o
DUPLO é uma entidade que duplica o “eu”, destacando-se dele e
autonomizando-se a partir desse desdobramento. Gera-se a partir do
“eu” para de imediato, dele se individualizar e adquirir existência
própria. A sua coexistência como o “eu” de que é originário, contudo,
nem sempre é pacífica. Podem ocorrer duas modalidades: a) o DUPLO
apresenta, segundo o julgamento do “eu”, características positivas,
sendo resultante de um processo de identificação entre o “eu” e o seu
DUPLO; b) o DUPLO apresenta, de acordo com o julgamento do “eu”,
características negativas, resultantes de um processo de oposição entre
o “eu” e o seu DUPLO, pela constatação de uma não correspondência de
traços ou características afins. Desta forma, podemos deparar com um
ambiente ou contexto em que o sujeito e o seu DUPLO coexistem em
perfeita simbiose, ou então, sujeito e o seu DUPLO afirmam-se e
afastam-se pela iminência de uma diferença consagrada.
Também o Real, tal como o “eu”, parece partilhar igualmente uma certa
fragilidade ontológica, pois possui o imenso privilégio de ser apenas um
(único), mas possui também a fraqueza de ser insubstituível quando
confrontado com a sua finitude. Por outro lado, o facto do “eu” conhecer
a não existência real do seu DUPLO, é uma instância geradora de
uncanniness. É algo estranhamente inquietante que obriga o “eu” a
anular metafisicamente o seu DUPLO, isto é, a sua não-existência. Para
que tal aconteça, é necessário que esse “eu” renuncie ao seu DUPLO,
exorcizando-o. A eliminação do DUPLO significará então o retorno à
forma original, ao Real, à unicidade e, concomitantemente, o retorno à
mortalidade. A morte surge então como um reencontro de si consigo
mesmo, ele-próprio. Sabemos desde já que o DUPLO assenta numa
estrutura paradoxal, pois baseia-se na prerrogativa de ser-se a si-
mesmo e um Outro ao mesmo tempo e, no entanto, sendo-se Outro, não
se deixar de ser si-mesmo.
Bibliografia
ENUNCIADO
Bibliografia
EPOPEIA
Bibliografia
ESCRITA FEMININA
Bibliografia
ESPAÇO
Bibliografia
ESTEREÓTIPO
Bibliografia
ESTRANHAMENTO (OSTRANIENE)
Bibliografia
Flávio Kothe: Ostranenie (1977); R. H. Stacy: Defamiliarization
in language and literature (1977); Victor Erlich: Russian
Formalism: History, Doctrine (4ªed., 1980).
http://www.ualberta.ca/~dmiall/reading/foregrd.htm
111
ESTUDOS CULTURAIS
De uma forma geral, chamamos Estudos Culturais à disciplina que se
ocupa do estudo dos diferentes aspectos da cultura, envolvendo, por
exemplo, outras disciplinas como a história, a filosofia, a sociologia, a
etnografia, a teoria da literatura, etc. Trata-se de uma disciplina
académica, cujas origens é possível determinar, sendo habitual ligar
essa origem ao próprio desenvolvimento do pós-modernismo e às suas
celebrações contra a alta-cultura e as elites sociais, aos seus debates
sobre multiculturalismo que têm tido particular expressão nos Estados
Unidos, à sua ênfase nos estudos sobre pós-colonialismo, que ajudaram
a criar uma nova disciplina dentro dos Estudos Culturais, e às suas
manifestações sobre cultura popular urbana, por exemplo. O pós-
modernismo está marcado pela presença totalitária de ismos ¾
expressionismo abstracto, desconstrucionismo, funcionalismo,
transvanguardismo, transvestismo, neo-conservadorismo, neo-
colonialismo, neo-fascismo, neo-liberalismo, neo-marxismo, feminismo,
lesbianismo radical, etc., etc. ¾ e pela ausência de um ismo universal e
amplamente significativo ¾ para o qual também existe um ismo:
eclectismo (ou pluralismo, termo que passou à condição de paradigma
pós-moderno). Outra forma de traduzir o significado amplo do pós-
modernismo é fazê-lo corresponder ao que se entende, grosso modo, por
cultura. Todos esses ismos podem funcionar como um programa de
Teoria da Cultura ou de Estudos Culturais, em qualquer dos casos,
disciplinas que se instalaram institucionalmente sob a bandeira do pós-
modernismo. Hoje, existem em quase todas as faculdades de letras ou
de ciências sociais e humanas. Um caso paradigmático, geralmente
citado em qualquer retrospectiva sobre a génese do estudo académico
dos Estudos Culturais e da Teoria da Cultura, é o do Departamento de
Estudos Culturais da Universidade de Birmingham. Nesta mesma
Universidade, nasceu uma das mais respeitadas instituições culturais
da Academia: o Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (Centre
for Contemporary Cultural Studies), por muitos considerado o mais
importante centro inglês, responsável pela solidificação dos Estudos
Culturais enquanto disciplina curricular. Rapidamente, um pouco por
todo o lado, este tipo de centros de investigação nasceram e
desenvolveram-se nos últimos vinte anos, sobretudo. A nível da edição
de revistas, para além das edições departamentais ou universitárias, a
Methuen e depois a Routledge, desde 1987, publicam a importante
Culture Studies, que possui grupos editoriais quer no Reino Unido quer
nos Estados Unidos e Austrália.
Bibliografia
http://www.prossiga.br/estudosculturais/pacc/
http://acd.ufrj.br/pacc/ciec/
114
http://www.armazemcultura.pt/
http://www.popcultures.com/
http://www.uiowa.edu/~commstud/resources/culturalStudies.html
(Cultural Studies Resources)
http://www.tandf.co.uk/journals/routledge/09502386.html (página da
revista Cultural Studies)
http://www.ctheory.net/
Porém, é também provável que, por sua vez, o texto narrativo literário se
tenha vindo a deixar contaminar por técnicas narrativas próprias do
cinema, como tentaram demonstrar Claude-Edmonde Magny, em L’âge
du roman américan, e Dorine Daisy de Cerqueira, em Neo-Realismo, a
montagem cinematográfica no romance, e como deixa entrever Abílio
Hernandez Cardoso no seu artigo “A letra e a imagem: o ensino da
literatura e o cinema”. Poderia também resultar interessante a análise
sociológica e ideológica dos motivos desta contaminação, provavelmente
relacionados, por um lado, com o impacto visual de determinadas
imagens e o seu poder sugestivo, por outro lado, com a facilidade
comunicativa do cinema.
116
O Cinema / Filme
Natureza do argumento:
Adaptação (De que género? De que época? De que autor? De que texto?
).
A problemática da recepção:
- público visado;
Bibliografia
AUMONT, Jacques
1983, "Le point de vue" in Communications nº38, Paris, Éditions du
Seuil, pp.3-29.
120
BELLOUR, Raymond
1988, "L'analyse flambée (Finie, l'analyse de film?)" in Cinémaction nº47,
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170.
CEGARRA, Michel
1979, “Cinema e Semiologia” in Mª Alzira Seixo (org.), Análise
Semiológica do Texto Fílmico, Colecção Práticas de Leitura, Lisboa,
Editora Arcádia, pp.65-165.
CHATMAN, Seymour
1981a, "In defense of the implied author" in Coming to terms - the
rhetoric of narrative in fiction and film, Cornell U.P., cap.5.
GAUDREAULT, André
1988, "L'histoire du cinéma revisitée: le cinéma des premiers temps" in
Cinémaction nº47, Les théories du cinéma aujourd'hui, Paris,
Éditions du Cerf, pp.102-108.
JOST, François
1976, "Le picto-roman" in Revue d'esthétique 1976/4, Voir, entendre,
Paris, UGE, 10718, nº1116, pp.58-73.
MAGNY, Claude-Edmonde
1984, L'âge du roman américain, Paris, Éditions du Seuil.
MARIE, Michel
1988, "La théorie et la critique face aux médias et à l'école" in
Cinémaction nº47, Les théories du cinéma aujourd'hui, Paris,
Éditions du Cerf, pp.176-181.
METZ, Christian
1983, Essais sur la signification au cinéma, tomo I, Paris, Éditions
Klincksieck.
ODIN, Roger
1983, "Mise en phase, déphasage et performativité" in Communications
nº38, Paris, Éditions du Seuil, pp.213-238.
URRUTIA, Jorge
1996, “El cine filológico” in Discursos nº11-12, Coimbra, Universidade
Aberta, pp. 37-52.
VANOYE, Francis
1988, "L'état des écrits" in Cinémaction nº47, Les théories du cinéma
aujourd'hui, Paris, Éditions du Cerf, pp.126-128.
Bibliografia fundamental:
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GONÇALVES, Teresa
1995, Manhã Submersa - o romance e o filme, (tese de mestrado inédita).
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Femininity and Masculinity (1998); Ken Plummer (ed.): Sexualities
[journal] (1998-); Ken Plummer (ed.): Modern Homosexualities:
Fragments of Lesbian and Gay Experience (1992); Judith Butler: Gender
Trouble: Feminism and the Subversion of Identity (1990); John
Champagne: The Ethics of Marginality: A New Approach to Gay Studies
(1995); Martin Duberman (ed.): Queer Representations: Reading Lives,
Reading Cultures: A Center for Lesbian and Gay Studies Book (1997);
Teresa Castro d’Aire: A Homossexualidade Feminina (1996); Theo
Sandfort et al. (eds.): Lesbian and Gay Studies: An Introductory,
Interdisciplinary Approach (2000); Timothy F. Murphy (ed.): Reader's
Guide to Lesbian and Gay Studies (2000)
http://www.theory.org.uk/ctr-que1.htm
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http://web.gsuc.cuny.edu/clags/home.htm
FABULA
Bibliografia
FÁBULA
Bibliografia
FABULAÇÃO
Característica própria do anti-romance, envolvendo uma espécie de
alegoria que apresenta como real o que é puramente imaginário, de tal
forma que por vezes se torna impossível discernir de modo certo o
verdadeiro e o falso. É actualmente usado para descrever o romance
pós-moderno e é discutido por Robert Scholes na obra Fabulators
(1967). O anti-romance que se define pela fabulação recorre, por
definição simples, a todo o tipo de acrobacias verbais e sintácticas para
produzir uma narrativa mais artística, ficcional e menos realista do que
o romance tradicional. A fabulação privilegia a soberania do autor ao
nível das ideias, da história e da linguagem em detrimento da
personagem individual. Geralmente, o autor pretende englobar a
imagem humana na arte com objectivo de atingir as verdades absolutas
não alcançadas pelo realismo e naturalismo, recorrendo a uma
amálgama de elementos e referências estilísticas do passado (períodos
como a antiguidade clássica, ou o barroco, por exemplo), que aplica em
conjunto com formas modernas, muitas vezes com uma leitura irónica.
Ulysses (1922) e Finnegans Wake (1936) ilustram bem este tipo de
romance. A sua originalidade revela-se sobretudo ao nível das inovações
linguísticas e no modo de representação da experiência humana. A
elaboração formal de Ulysses visava a criação imaginativa de um
indivíduo, cujas experiências jamais poderiam ser traduzidas pelos
modos convencionais de representação literária. Joyce desenvolve a
técnica do “stream of consciounsness” que, baseada no monólogo
interior, traduz a complexa vivência do sujeito pela aproximação da
linguagem ao pensamento e à experiência humana, sendo a dimensão
universal do protagonista reforçada pela sua analogia com Ulisses,
herói lendário da Odisseia de Homero. Em Finnegans Wake, Joyce
continuou as experiências no campo da linguagem subvertendo a
sequência Aristoteliana de princípio, meio e fim, misturando os espaços,
os momentos do tempo, as palavras e as línguas de acordo com um
esquema estrutural tomado de empréstimo à concepção cíclica da
história de Vico. De facto, o termo fabulação é usado sempre que não
há evolução comparativa de personagens e o ênfase recai sobre o
sentido, o significado da própria narrativa, dependendo a sua estrutura
de uma analogia com um personagem de outra obra literária, cuja
história serve de subtexto, ou antes, de mito a ser “desmistificado” ou
subvertido.
130
Bibliografia
FALOCENTRISMO
Bibliografia
FANTÁSTICO (GÊNERO)
Englobáveis na ficção do metaempírico, as narrativas do género
fantástico, tal como as do estranho, evocam o surgimento do
sobrenatural maléfico e ameaçador num mundo a que procuram
conferir uma ilusão de verdade tão intensa quanto possível. Porém, ao
invés do estranho, o fantástico mantém uma atitude ambígua perante
as manifestações extranaturais, evitando ou deixando em suspenso
qualquer decisão categórica sobre a sua eventual coexistência com a
natureza conhecida e nunca evidenciando de forma unívoca uma plena
aceitação ou rejeição delas. Assim, o traço distintivo fundamental deste
133
filmes tão diversos como Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922)
de F. W. Murnau ou Bram Stoker´s Dracula (1992) de Francis Ford
Coppola. Assim, a despeito das suas óbvias diferenças, tanto o
protagonista do romance de Stoker como Lestat de Lioncourt, o
andrógino criado por Anne Rice, constituem figuras bastante plausíveis
segundo as regras em cada época vulgarizadas pelo género. Em
contrapartida, um vampiro destituído de qualquer traço antropomórfico
(com tentáculos, cabeça globular, língua bífida ou olhos multifacetados,
por exemplo) dificilmente se tornaria verosímil perante o horizonte da
expectativa do leitor habitual de textos fantásticos. Além disso, uma
intriga onde porventura se verificasse a instauração de figuras tão
arbitrárias como esta deixaria por certo de se circunscrever ao
fantástico, inclinando-se notoriamente para o maravilhoso.
Bibliografia
FANTÁSTICO (MODO)
Em português, tal como na maioria das línguas românicas, o termo
“fantástico” torna-se com frequência objecto de emprego ambíguo, dado
ser (nem sempre conscientemente) aplicado a, pelo menos, duas ordens
diferentes de conceitos no domínio dos estudos literários. Com efeito,
surge, não raro indiferentemente, a designar quer um género quer uma
noção de maior abrangência (de há muito apontada por críticos como
Northrop Frye, Gérard Genette ou Robert Scholes) que, em regra, se
denomina modo. Esta expressão, por sua vez, aplica-se a categorias que
envolvem um elevado grau de generalidade e abstracção (algo como
universais da arte literária) cuja vigência se tem mantido praticamente
inalterada através dos tempos a despeito das contingências e mutações
inerentes ao evoluir dos sistemas sociais e culturais. Trata-se de
construções teóricas decorrentes de reflexões de índole
predominantemente dedutiva sobre os “possíveis” da literatura, nas
quais se procura levar em conta as combinações de elementos
discursivos já realizadas na prática, assim como determinar ante rem as
susceptíveis de realização futura. Às grandes esferas conceptuais
pressupostas pela noção de modo, têm sido atribuídas outras
designações, como “formas naturais” (Naturformen) por Goethe,
143
Bibliografia
FENOMENOLOGIA
Bibliografia
FICÇÃO
Bibliografia
FICÇÃO CIENTÍFICA
Versão portuguesa da expressão science fiction, cunhada em 1929 pelo
engenheiro, inventor e editor norte-americano Hugo Gernsback .
Embora as narrativas com esta designação sejam por muitos
consideradas como pertencentes a um género autónomo, tal perspectiva
está longe de me- recer uma concordância unânime. Entre os críticos e
os amadores em geral, é corrente sulinhar a dificuldade praticamente
intransponível de esboçar uma definicão operativa e abrangente de
ficção científica, dada a extrema variedade dos textos que a ela se
circunscrevem. Também se aceita em regra que faz parte da imensa
esfera genológica do fantástico lato sensu designada em inglês por
fantasy. Revela, nessa me- dida, semelhanças e afinidades mais ou
menos numerosas e profundas com os géneros estranho, fantástico e
maravilhoso. É particularmente notória a sua contiguidade com este
último, assinalada, entre outros, por Tzvetan Todorov que a apelidou de
“ maravilhoso científico.” Porém, não só numerosos textos inte- gráveis
na ficção científica estão longe de corresponder ao maravilhoso, mas
também muitos outros recor- rem a ucronias, gadgets ou experiências
apenas como cenário para a evocação de questões sociais e políticas,
dramas humanos ou debates intelectuais de vária ordem. Torna-se,
portanto, bastante aleatório e, em regra, pouco fecundo pretender
avançar muito mais na busca de uma definição rigorosa de ficção
científica.
científica por duas vias. A primeira implica esboçá-la, por assim dizer,
“em vazio,” demarcando-a face aos géneros e a outras classes de textos
que, sendo-lhe embora exteriores, com ela partilham diversos elementos
e formas de organização. Tal permite, de algum modo, estabelecer o que
não é, mas, em certo sentido, também é. A ficção científica distingue-se,
desde logo, da utopia, embora dela recolha, entre outros aspectos, a
evasão vicarial para espaços longínquos e sociedades alternativas,
adoptando-lhe ainda quer o optimismo eutópico, quer, principalmente,
o pessimismo distópico. Porventura ainda mais fortes são os vínculos
que, para além da hereditariedade, a ligam ao romance científico
oitocentista, como, por exemplo, sucede com Frankenstein de Mary
Shelley, De la Terre à la Lune de Jules Verne ou The Island of Dr Moreau
de H. G. Wells. De qualquer modo, embora sobre o assunto as opiniões
divirjam bastante, estas e outras obras similares não correspondem
(ainda, sublinhe-se) plenamente ao que mais tarde se denominaria
ficção científica. Acresce que os textos nela incluíveis raramente se
confundem com os de antecipação ou de ficção política, embora todos
partilhem diversas áreas temáticas ou preocupações ideológicas.
Contudo, em vez de sugerirem projecções lineares e a médio prazo da
época em que vive o autor, as narrativas de ficção científica referem-se-
lhe transpondo-a para eras futuras ou passadas, descontínuas e não
raro longínquas, de modo a melhor e mais livremente explorarem o
efeito parabólico permitido por tal distanciação. Portanto, apesar de não
se confundirem com fábulas ou parábolas, muitas procuram inculcar
uma espécie de moral, além de empregarem frequentemente um tom
didáctico, bem como certos esquemas e artifícios a elas inerentes.
Por outro lado, ainda que por vezes recorra ao verosímil, a uma
narração tensa e sincopada, assim como a outros processos correntes
no fantástico, a ficção científica raramente visa o principal objectivo
daquele género: evocar a irrupção do sobrenatural no mundo
quotidiano em termos de intensa ambiguidade. De igual modo, pode
revelar estreitas afinidades com as narrativas de terror e de horror,
sobretudo as que se circunscrevem ao género estranho, quando, por
exemplo, evoca seres alienígenas monstruosos ou ameaçadores. Sem
embargo, também neste particular é frequente surgirem diferenças
susceptíveis de as demarcar reciprocamente.Torna-se, ainda, no
mínimo discutível englobar na ficção científica certas histórias não
obstante com ela aparentadas, como sucede com as aventuras em
diversos tempos e mundos, muito próximas do maravilhoso, que correm
sob as etiquetas de heroic fantasy ou sword and sorcery. O mesmo, de
resto, se poderá dizer dos seus sucedâneos mais simplistas, populares
embora entre os leitores menos exigentes, muito vulgares em filmes ou
séries televisivas e depreciativamente designados pela expressão space
opera. Por fim, convirá alertar contra qualquer confusão, de resto
fomentada por certas editoras, entre ela e os textos sobre esoterismo,
advinhação, astrologia, ocultismo ou alegados encontros com
154
Bibliografia
FIGURAS DE LINGUAGEM
Bibliografia
FOLCLORE
Bibliografia
FOLHETIM
Bibliografia
GÉNERO
something else.” (Gender and Power: Society, the Person and Sexual
Politics, Polity Press, Cambridge, 1993, pp. 24-25). De acordo com a
Crítica Feminista (ginocrítica), as condições socio-culturais subjacentes
à produção destes textos, ou seja, o contexto (interaccional) em que os
mesmos foram produzidos, é de extrema importância para se
entenderem essas mesmas fontes, uma vez que o olhar de quem
descreve é influenciado pela sua própriapersonalidade, classe social e
interesses individuais e políticos.
Sherry B. Ortner e Harriet Whitehead afirmam que o género
acarreta consigo “sexual meanings”, uma vez que o sexo poderá ser
encarado como símbolo ou sistema de símbolos investidos de
significados culturais variáveis. Os mesmos autores abordam ainda as
diversas interpretações (genética, cultural, social) que o tema tem
suscitado: “gender systems are themselves prestige structures” [Sherry
Ortner B. e Harriet Whitehead (eds.), Sexual Meanings: The Cultural
Construction of Gender and Sexuality, Cambridge University Press,
Cambridge, 1992, p. ix]. Desde os anos setenta, mas sobretudo desde
os anos oitenta, a teoria do género (gender theory) tem vindo a
conquistar cada vez mais território no âmbito quer dos Estudos
Literários quer dos Estudos Culturais. Tendo surgido paralelamente às
vozes feministas - que se insurgiam contra o “falocentrismo” literário
das sociedades patriarcais, reclamando “a room of [their] own” (Virginia
Woolf, A Room of One’s Own, 1977, p.6) - bem como aos Men e
Gay/Lesbian Studies, os Gender Studies apresentam-se, por vezes,
como eufemismo ou sinónimo destes mesmos âmbitos de estudos nos
curricula académicos. Como observa N. C. Mathieu, “Toutes les sociétés
élaborent une grammaire sexuelle (du «fémminin» et du «masculin», sont
imposés culturellement au mâle et à la femelle) mais cette grammaire -
idéele et factuelle - outrepasse parfois les «évidences» biologiques. D´où
l´utilité des notions de «sexe social» ou de «genre» [...] pour analyser les
formes et les mécanismes de la différenciation sociale des sexes.”(«Sexes
(différenciation des)», in Pierre Bronte e Michel Izard (eds.), Dictionaire
de l’ Ethnologie et de l´Anthropologie, Presses Universitaires de France,
Paris,1992, p. 660).
Dessa descoberta e interacção surgem intervivências transversais,
bem como “significados e símbolos culturais que operam nos discursos
e práticas da reprodução das categorias de género [...]” (Miguel Vale de
Almeida, Senhores de Si. Uma Interpretação Antropológica da
Masculinidade, Fim de Século Edições Lda, Lisboa,1995, p. 59). Nos
estudos (pós-)coloniais, um dos conceitos e temas mais associados ao
estudo do género, sobretudo no que diz respeito ao género do Outro, é a
etnia/raça associada a práticas, costumes e crenças culturais, e ao
estatuto socio-económico do ser humano que se encontra e se tenta
converter e civilizar (colonizar) de acordo com as regras e interesses dos
mais poderosos. O colono encara, nem que inconscientemente, as
comunidades indígenas através de assimetrias como a etnia, classe e
género, estando esta forma de olhar/confrontar presente ao longo de
quase todo o corpus da Literatura de Viagens europeia, cujo estudo,
171
Bibliografia
GÉNEROS LITERÁRIOS
Forma de classificação dos textos literários, agrupados por qualidades
formais e conceptuais em categorias fixadas e descritas por códigos
estéticos, desde a Poética de Aristóteles e os tratados de retórica de
Horácio, Cícero e Quintiliano até às modernas monografias sobre teoria
da literatura. Na cultura ocidental até ao século XX, não se faz qualquer
distinção entre essas categorias fixadas historicamente (romance, conto,
novela, tragédia, comédia, elegia, ode, epopeia, cantiga, etc.) e a a sua
explicação fenomenológica, não datada historicamente, que nos conduz
à reflexão sobre os modos de produção do literário (modo narrativo,
modo lírico, modo dramático, etc.). Nos diferentes códigos ou tratados
sobre a natureza da literatura e suas concretizações, assume-se que um
género literário é em si mesmo um universal, onde convergem todas as
questões ontológicas e epistemológicas sobre o fenómeno literário,
incluindo as discussões sobre a tradição, a memória, a originalidade, a
verosimilhança, a imitação, etc. Contudo, as mais recentes propostas
no campo da teoria da literatura, recomendam a distinção clara entre
géneros literários (categorias históricas do texto literário) e modos
literários (formas meta-históricas ou arquitextuais de concretização do
literário). Na sua influente Teoria da Literatura (1942), Wellek e Warren
chamam a atenção para que os géneros são formas discursivas
históricas que não devem ser confundidos com as suas formas a-
históricas (“géneros fundamentais”).
A longa história da teoria dos géneros literários pode ser
resumida em três etapas: clássica, de Platão (Livro III, da República) e
Aristóteles (Poética) até ao neoclassicismo; romântica, da Estética de
Hegel até aos poetas ingleses, de que é exemplo o Preface to Lyrical
Ballads (1798), de William Wordsworth, que ignora premeditadamente o
problema dos géneros literários nesse texto programático; do
formalismo russo do princípio do século XX até aos nossos dias. As
diferentes teorias sobre o problema dos géneros literários evoluem em
torno de um denominador comum de reflexão: o que é que representa o
literário e como é que essa representação se produz.
Platão começa por afirmar que todos os textos literários são uma
narrativa ou diegesis de acontecimentos, o que pressupõe três
modalidades de concretização: por um simples acto narrativo, dominado
pelo discurso de primeira pessoa do próprio narrador-poeta (como no
ditirambo), por um acto mimético (a instância da mimesis), dominado
pelo discurso das personagens (como na tragédia e na comédia), e por
um modo misto, que combina os dois modos de representação
anteriores, alternando as vozes do narrador-poeta e das personagens
(como na epopeia). Aristóteles propõe-nos depois uma teoria sobre a
origem dos géneros literários. A genologia aristotélica é a primeira a
insinuar uma distinção entre os modos literários (a imitação narrativa
que produz o literário) e as diferentes formas de representação textual
175
atribuída nem nos casos em que o próprio autor a consagra nem nos
casos em que os críticos literários e os historiadores a determinam. Os
romances pós-modernos jogam precisamente com os limites da
definição do género literário a que as suas obras devem pertencer. Mas
é preciso ter em atenção que neste campo de investigação nada é
definitivo, nem mesmo aquilo a que chamamos romance. Repare-se, por
exemplo, que autores de hoje como José Saramago ou António Lobo
Antunes têm optado por escolher para o título dos seus romances
termos que aludem a outros géneros literários ou paraliterários: do
primeiro autor temos um Manual de Pintura e Caligrafia (1977), um
Memorial do Convento (1982), uma História do Cerco de Lisboa (1989),
um Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), e um Ensaio sobre a
Cegueira (1995); do segundo, temos: uma Memória de Elefante (1979),
uma Explicação dos Pássaros (1981), um Auto dos Danados (1985), um
Tratado das Paixões da Alma (1990), um Manual dos Inquisidores
(1996), e uma Exortação aos Crocodilos (1999). Esta paródia dos
géneros literários através de um género maior (romance) mostra por um
lado a flexibilidade deste género, mas também mostra que o romance
não aceita pacificamente qualquer definição dogmática. Os exemplos de
Saramago e de Lobo Antunes não são originais. Desde a origem do
romance inglês que tal prática de resistência à definição dos limites do
romance é visível, o que era muitas vezes declarado pelo próprio autor
em prefácios ou posfácios: Richardson declarou que Clarissa (1748)
não era “a light Novel, or transitory Romance” mas uma “History of Life
and Manners”; Fielding definiu a sua escrita como “comic romance” ou
“comic epic poem in prose”, embora o título da obra que continha esta
fórmula era The History of the Adventures of Joseph Andrews (1742). Os
autores pretendem não deixar cair as suas narrativas em modelos pré-
concebidos que facilmente o leitor codificaria por um simples exercício
de analogia. Se um “tratado”, por exemplo, equivale a um estudo
profundo sobre uma determinada matéria, o leitor não espera que uma
obra de ficção se apresente com este perfil e terá de proceder de forma
não analógica para compreender o verdadeiro estatuto do texto que
quer ser um Tratado das Paixões da Alma ao mesmo tempo que se
apresenta como romance.
Bibliografia
GÉNERO MISTERIOSO
Bibliografia
GROTESCO
Termo cunhado em pleno Renascimento, do italiano grotta (gruta),
seguido do sufixo formador de adjectivo –esco, o grottesco. Também
aparece como crotesque (no caso, a derivação é do latim crypta que, por
sua vez, vem do grego kryptós) em francês, em autores como François
Rabelais e Montaigne. A palavra inaugural do estilo grotesco surge a
partir das escavações feitas em 1480, em Roma, no local onde hoje é o
parque de Oppius. Ali, sob restos das termas de Trajano e das de Titus,
descobriu-se, nas ruínas da Domus Aurea, (o palácio do imperador
romano Nero, 58-64 aC), uma espécie de pintura ornamental totalmente
insólita em relação à imagem que se tinha do classicismo romano.
Enquanto os estudiosos tentavam decifrar o puzzle desses escombros,
os artistas do Renascimento se punham a descobrir os frescos pintados
principalmente pelo pintor Fabullus, nas paredes da Domus Aurea.
Desceram às grutas, Gionani da Udine, Rafael, Pinturicchio e outros.
Viram nos desenhos de Fabullus um novo vocabulário a ser adaptado
ao ornamento. A visita às grutas tornou-se uma verdadeira descida
dantesca, em que um novo conhecimento se fazia a partir do estranho,
devido ao carácter extravagante das pinturas em questão. Vitrúvio, o
arquiteto romano, autor do tratado De architetura, já havia deixado o
documento mais importante sobre o impacto dos grotescos da Domus
Aurea, na época em que foram criados: “ todos esses motivos, que se
originam na realidade são hoje repudiados por uma voga iníqua. Pois
aos retratos do mundo real, prefere-se agora pintar monstros nas
paredes. Em vez das colunas, pintam-se talos canelados, com folhas
crespas e volutas, em vez de ornamentação dos tímpanos, brotam das
raízes flores delicadas que se enrolam e desenrolam, sobre as quais
assentam figurinhas sem o menor sentido. Finalmente os pedúnculos
sustentam meias figuras, umas com a cabeça de homem, outras com a
cabeça de animal […]” (Kayser, p. 18) Vitruvio continua acentuando as
incongruências do estilo que fugia aos critérios clássicos de verdade
natural e de verossimilhança, discussão que remonta a Platão, a
Aristóteles, a Horácio, etc.
Bibliografia
185
HAGIOGRAFIA
Bibliografia
HERÓI
troiano voltará, no século IV), enquanto, entre os séculos III e IV, o herói
romano será reafirmado na luta do Império contra os Bárbaros.
O poema védico Mahâbhârata, história da luta entre os cem filhos
de Kuru (Kauravas) e os cinco filhos de Pandu (Pandavas), representa o
conflito entre o Bem e o Mal, entre os deuses (devas) e os demónios
(asuras), entre Indra (guerreiro demiúrgico, que personifica a energia
vital) e o dragão Urtra (símbolo do caos), até à vitória do Bem,
assegurada por Vixnu-Krixna. No poema Râmâyana, o casamento entre
Râma e Sîtâ, avatares de Vixnu e Lakxmî, representa a união
hierogâmica entre Céu e Terra. Os raptos, as lutas fratricidas, a
hostilidade entre pais e filhos, a privação da herança patrimonial são
marcas destes dois poemas hinduístas, que apontam para o
restabelecimento da ordem cósmica (dharma), a partir da conjugação de
esforços entre os heróis e os deuses, com a morte, fusão entre a alma
individual (âtman) e a universal (brahman).
Na literatura chinesa clássica, o conceito de herói difere
substancialmente nas duas principais correntes que sustentam a sua
mundividência: o Tauísmo, expresso no livro Tau-Te-King, e o
Confucianismo. Para o primeiro, o herói-santo é aquele que,
inteiramente despojado da existência terrena (wu-wei), vive num êxtase
permanente; para o segundo, os heróis-civilizadores Yau, Chun e os reis
da dinastia Tcheu, Wen e Wu ilustram com o seu exemplo o modo de
atingir o caminho do Céu, através da educação, da disciplina e da
intervenção social: a bondade, a sabedoria, a coragem, a justiça, a
religião.
Na literatura persa, Firdusi (932-1021), no seu Xahnamed (Livro
dos Reis), compendia a tradição mítica do Memorial de Zarêr, na qual
heróis de cinquenta reinos alternam vitórias com insucessos, como
Djemxid, que cede o trono ao tirano Zohhak; ou Rustem, que recebe de
uma ave a planta mágica com que fabricará a flecha com a qual matará
Isfendiar; ou Iskender, que explorará e descobrirá o mundo com suas
viagens; ou Kei Khosru, que, no apogeu da sua glória, desapareceu no
deserto.
Na literatura africana, Zong Midzi, n’ O Mvett, cantado por Zvé
Ngema, enfrenta, tal como Prometeu na mitologia grega, os imortais de
Engong, mestres da metalurgia e da medicina. Ao tentar imortalizar-se,
junto dos seus antepassados, acaba por morrer, incapaz de ultrapassar
a fronteira entre as categorias ônticas do Universo. Por sua vez, na obra
Chaka, de Tomás Mofolo, o protagonista, rei dos Zulos, munido de apoio
mágico, domina até à exaustão todos os inimigos, numa ambição
desmedida que atinge a própria demência.
Nas canções de gesta, o herói carolíngio recebe a sua glorificação
do martírio, numa transformação do insucesso em vitória espiritual e
temporal, na metamorfose da fatalidade em providência: os anjos
transportam a alma de Rolando ao paraíso, enquanto Gabriel ajuda o
imperador no seu duelo com Balignant (Chanson de Roland); Isembart,
ultrajado pelo imperador Luís, seu tio, refugia-se na corte do rei viking
Gormont, abjurando a sua fé, morrendo acusado pelos dois lados
194
Bibliografia
HEROIC FANTASY
Expressão inglesa (“fantasia heróica”, em tradução sem testemunhos
relevantes nas literaturas de expressão portuguesa) atribuída a Lin
Carter para referir um sub-género da literatura fantástica caracterizada
pelo protagonismo de um herói aventureiro que parte à conquista de
reinos distantes, imaginários, intemporais ou excêntricos e cuja missão
é invariavelmente combater as forças do mal. Este ponto de partida
estereotipado, cujo padrão se adivinha quase sempre nas primeiras
páginas dos romances, está bem presente na obra de ficção de Lin
Carter que inclui títulos como Thongor Against the Gods (1967),
Tower at the Edge of Time (1968), The Quest of Kadji (1971),
Outworlder (1971), etc. Outros autores que produziram ficções de
heroic fantasy são, por exemplo, William Morris, T.H. White, J.R.R.
Tolkien, Lloyd Alexander, Ursula K. Le Guin, Katherine Kurtz, Terry
Brooks, Stephen Donaldson, David Eddings, Robert Jordan, Katharine
Kerr, etc.
O género está devidamente divulgado na literatura vitoriana.
Existia a convicção de o homem ter chegado a um auge civilizacional, o
que despertou a saudade por formas mais primitivas e simples de
vivência social. Andrew Lang, com The Romance of the First Radical
(1886), e Henry Curwen, com Zit and Xoe (1887), são dois exemplos de
heroic fantasy que escolhem a Idade da Pedra como cenário histórico
privilegiado. Sir H(enry) Rider Haggard inventou igualmente um herói
fantástico, Allan Quatermain, no livro de aventuras King Solomon's
Mines (1885), traduzido/adaptado por Eça de Queirós (As Minas de
Salomão). A obra-prima de J. R. R. Tolkien The Lord of the Rings (1954-
56) é outro exemplo maior deste género de literatura, para muitos o seu
primeiro grande momento moderno. Na literatura latino-americana, são
também exemplos notáveis as narrativas fantásticas de Jorge Luís
Borges em Ficções (1944), cujos heróis não raro são as próprias ideias
em vez de personagens de carne e osso e poderes mágicos, e as obras
primas de Gabriel Garcia Marquez, Cem Anos de Solidão (1970) e O
General no Seu Labirinto (1990), romances de matriz histórica mas com
um pendor forte para o realismo mágico das suas histórias de misérias
humanas e políticas.
Distinguiremos este tipo de literatura da chamada ficção
científica porque os cenários de uma heroic fantasy são incompatíveis
com a complexidade tecnológica e com a mundividência desenhada nas
muitas obras de S&F. O cenário da heroic fantasy é muitas vezes de
natureza mágica e exótica, pode recuar no tempo para reconstruir o
ambiente das guerras medievais entre as trevas e a luz divina ou
mesmo recuar a tempos pré-históricos para recuperar figuras da
mitologia ancestral que simbolizema eterna luta entre o bem e o mal.
Neste sentido, não é totalmente incorrecto ler as histórias de deuses,
199
Bibliografia
http://www.violetbooks.com/heroic.html
http://saber.towson.edu/~flynn/herofan.html
HÍBRIDO
Do grego hybris, cuja etimologia remete a ultraje, correspondendo a
uma miscigenação ou mistura que violava as leis naturais. Para os
gregos o termo correspondia à desmedida, ao ultrapassar das fronteiras,
ato que exigia imediata punição. A palavra remete ao que é “originário
de espécies diversas”, miscigenado de maneira anômala e irregular.
Esta origem etimológica foi responsável pelo fato de serem considerados
como sinônimos de híbrido, palavras como: irregular, anômalo,
aberrante, anormal, monstruoso, etc. Híbrido é também o que participa
de dois ou mais conjuntos, gêneros ou estilos. Considera-se híbrida a
composição de dois elementos diversos anomalamente reunidos para
originar um terceiro elemento que pode ter as características dos dois
primeiros reforçadas ou reduzidas
HOMOCULTURA
Bibliografia
Manuel de Barros Motta (org.). Michel Foucault: Ética, Sexualidade,
Política, p. 122-3 (2004). José Saramago, O Conto da Ilha Desconhecida
(2004). Latuf Isaias Mucci, O discurso intertextual de José Saramago em
O Conto da Ilha Desconhecida (2006); José Carlos Barcelos, Literatura e
Homoerotismo em Questão, p. 8, 11-12, (2006).
http://www.fafich.ufmg.br/~abeh/
203
HOMOEROTISMO
Há um debate em torno dos signos “homossexual” e “homoerotismo”,
aquele remetendo, de acordo com o francês Michel Foucault e o
brasileiro Jurandir Freire, ao preconceito homofóbico, vigente no século
XIX, ao passo que o segundo recoloca a questão sem homofobia; outros
setores críticos e de pesquisa, como, por exemplo, a ABEH (Associação
Brasileira de Estudos Homossexuais) não considera a diferenciação
exibida pela homofobia, empregando tanto um quanto outro termo para
significar a relação amorosa entre pessoas do mesmo sexo. O
psicanalista brasileiro ensina: “ Teoricamente, como procuro mostrar,
homoerotismo é preferível a ‘homossexualidade ‘ ou ‘homossexualismo’
porque tais palavras remetem quem as emprega ao vocabulário do
século XIX, que deu origem à idéia do ‘homossexual’. Isto significa, em
breves palavras, que, toda vez que as empregamos, continuamos
pensando, falando e agindo emocionalmente inspirados na crença de
que existem uma sexualidade e um tipo humanos ‘homossexuais’,
independentes do hábito lingüístico que os criou”.
Eros, deus grego do amor, não tem sexo, ou melhor, sua representação
é masculina. Cupido, deus romano do amor, tem formas de anjo
andrógino. O erotismo é o desejo e o desejo não tem sexo. O desejo é
sexo. O sexo é desejo. Os anjos não têm sexo, apesar de terem se
desenvolvido longas discussões bizantinas sobre o assunto; na
mitologia, os anjos são representados de uma forma andrógina. “Deus é
menino e é menina”, canta Gilberto Gil, ecoando as religiões orientais e
africanas. Também Jules Michelet faz coro com a perfeição: “Eu sou um
homem completo, tendo os dois sexos do espírito”.
Não desejo encerrar a escritura deste verbete sem dar conta de uma
pequena narrativa. Dia 8 de agosto de 2006, quando estava eu
envolvido com as meditações sobre o homoerotismo, fui dormir e,
subitamente, acordei; não conseguindo conciliar o sono, liguei a
206
Bibliografia
207
IDEOLOGIA
O conceito de ideologia ocupa a posição de pedra angular no seio da
arquitectura terminológica e conceptual do materialismo histórico.
Dada a extraordinária influência exercida por Marx nos mais diversos
campos das ciências humanas, este termo adquiriu um estatuto
transdisciplinar dificilmente equiparável, pelo que o podemos hoje ver a
permear outros discursos e práticas críticas. É devido a esse mesmo
estatuto que as correntes de teoria literária pós-estruturalistas,
nomeadamente aquelas que mais directamente tocadas foram pelas
propostas foucaultianas e barthesianas, o vão recuperar e reequacionar
junto de outros conceitos — como é, por exemplo, o caso da cultura,
raça, história e inconsciente — com os quais ele dialoga e interage.
Importa, por isso, chamar a atenção para os efeitos orbitais que a força
gravitacional da ideologia opera sobre o homem social e, em particular,
sobre o sujeito do conhecimento. Se o que nos interessa é, sobretudo,
recuperar a ideologia enquanto conceito operatório chave de uma
metodologia de análise literária que procura desvelar a complexa rede
de relações que se estabelece entre o texto e o contexto, entre o produto
e as condições de produção e recepção, então há que desconstruir o
termo e expôr os múltiplos sentidos (alguns deles contraditórios) que
lhe foram sendo atribuídos ao longo dos seus dois séculos de existência.
A crítica literária marxista mais recente mais não fez do que estender
até campos de investigação não explorados pela crítica marxista
anterior a Althusser o debate em torno do binómio ideologia - literatura.
As anteriores metodologias de leitura de um Caudwell, de um Lukács
ou de um Benjamin, embora igualmente empenhadas quer no exame
dos mecanismos de penetração do ideológico na esfera literária, quer
nas potencialidades de instrumentalização ideológica do texto (o texto
como «arma» contra os vícios da sociedade capitalista), preocupavam-se
essencialmente em sancionar a superioridade da ideologia socialista —
mesmo que isso implicasse o risco de se ser arrastado uma prática
crítica ortodoxa e prescritiva. Não é de estranhar, portanto, que Lukács
acabasse por superlativizar o realismo socialista e Benjamin o teatro
épico brechtiano. A literatura e a arte supremas seriam concebidas
como palcos onde, por um lado, se daria voz à denúncia do
decadentismo burguês e, por outro, se desenrolaria o processo de
desmascaramento dos modos de naturalização do olhar, assim abrindo
as portas do público leitor a uma perspectiva mais «verdadeira», mais
«socialista», da realidade. As preocupações pedagógicas são por demais
evidentes: a obra-literária-qua-manual-escolar inculcaria no leitor o
ensejo de aceder à consciência materialista histórica, estádio final da
clairvoyance marxista. Contudo, aquilo que galvanizava as atenções
destes críticos recaía mais sobre as condições e os modos de produção
literária do que sobre os de recepção, uma vez que jamais se duvidaria
que a obra, como uma espécie de roda dentada concatenada numa
bizarra engrenagem de circulação, gerasse um efeito de sentido outro
que não aquele para que estaria programada. O movimento seria
centrípeto: o escritor conduziria o seu leitor para cada vez mais perto
das suas teses políticas e este reconheceria, seduzido, a ética infalível
daquele.O legado althusseriano da materialidade da ideologia e os
estudos de Foucault sobre o discurso e o poder contribuíram para
deslocar irreversivelmente o centro de gravidade e estabelecer novas
coordenadas. Já não bastava apregoar o primado da função social
redentora do autor-produtor benjaminiano. Foucault, habilmente
invertendo essa imagem, desmistificá-lo-á: «Pode-se dizer que o autor é
um produto ideológico, dado que o representamos como sendo o oposto
da sua verdadeira função histórica.[…] O autor é, portanto, a figura
ideológica através da qual se assinala o modo pelo qual nós receamos a
proliferação do sentido.» (M. Foucault, «What Is an Author?», in D.
Lodge (ed.), Modern Criticism and Theory: a Reader, Longman, 1988, p.
209.) Se o autor é um produto ideológico em vez de um produtor
ideológico, então toda a actividade interpretativa do texto literário dever-
se-á centrar em torno das condições em que a ideologia determina e
sobredetermina a constituição de sentidos (excluíndo precisamente
aquilo que receamos) e os operacionaliza no quadro das relações de
poder em vigor num dado período histórico. Esta mudança de
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Bibliografia
INFRALITERATURA
Bibliografia
INTERDISCIPLINARIDADE
Será a interdisciplinaridade um método, eficaz, sobretudo, na teorização
do pós-modernismo, por exemplo, como postula, brilhantemente, no
verbete “Pós-modernismo”, Carlos Ceia: “o que pode ajudar a datar o
pós-modernismo na contemporaneidade é a sua teorização, que tem
sido gradualmente mais complexa e interdisciplinar” (grifo nosso). Se o
modernismo caracteriza-se, inclusive, pela cissiparidade do sujeito, pela
fragmentação do eu, pela pulverização da personalidade, evidentes na
vida e obra abissais de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) - "(...) que o
seu gênio - talvez por demasiado luminoso - se consumiria a si próprio,
incapaz de se condensar numa obra - disperso, quebrado, ardido. E
assim aconteceu, com efeito. Não foi um falhado porque teve a coragem
de se despedaçar" - e absurdamente contundentes em Fernando Pessoa
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