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Fundamental Online
E-ISSN: 2175-5361
rev.fundamental@gmail.com
Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro
Brasil
Pötter Garcia, Raquel; Denardin Budó, Maria de Lourdes; Griebeler Oliveira, Stefanie;
Wünsch, Simone; Sodré Simon, Bruna; Silveira, Celso Leonel
SOBRECARGA DE CUIDADORES FAMILIARES DE DOENTES CRÔNICOS E AS
REDES SOCIAIS DE APOIO
Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental Online, vol. 4, núm. 1, enero-marzo, 2012,
pp. 2820-2830
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, Brasil
PESQUISA
BURDEN OF FAMILY CAREGIVERS OF CHRONIC PATIENTS AND THE SOCIAL SUPPORT NETWORKS
SOBRECARGA DE CUIDADORES FAMILIARES DE DOENTES CRÔNICOS E AS REDES SOCIAIS DE APOIO
SOBRECARGA DE CUIDADORES FAMILIARES DE ENFERMOS CRÓNICOS Y LAS REDES SOCIALES DE APOYO
Raquel Pötter Garcia1, Maria de Lourdes Denardin Budó2, Stefanie Griebeler Oliveira3,
Simone Wünsch4, Bruna Sodré Simon5, Celso Leonel Silveira6
ABSTRACT
Objective: To describe the burden of family caregivers of chronic dependent patients, as well as the social
networks of support, during the process of caregiving. Method: Qualitative, descriptive and exploratory
study, carried out with family caregivers of users registered in a Family Health Strategy unit of a
municipality in southern Brazil. Data collection ocurred from July to September of 2010, developed through
narrative interviews and field journal. Results: After content analysis procedure, the following categories
emerged: family caregivers and situations of burden of caregiving; informal networks of caregiving; formal
networks of caregiving. Conclusion: The handicapping disease imposes a burden to the life of caregivers,
due to the lack of support of the networks and to the demands of caregiving. New networks are developed
or the existing ones are reinforced, which are constituted by family members, friends, neighbors and health
professionals. Descriptors: Nursing, Social support, Chronic disease, Caregivers, Home nursing.
RESUMO
Objetivo: Descrever a sobrecarga dos cuidadores familiares de doentes crônicos dependentes, bem como as
redes sociais de apoio, durante o processo de cuidado. Método: Estudo qualitativo, descritivo e
exploratório, realizado com cuidadores familiares de usuários cadastrados em uma unidade da Estratégia de
Saúde da Família de um município no sul do Brasil. A coleta de dados ocorreu de julho a setembro de 2010,
desenvolveu-se com entrevistas narrativas e diário de campo. Resultados: Da análise de conteúdo temática
surgiram as categorias: cuidadores familiares e situações de sobrecarga do cuidado; redes informais de
cuidado; redes formais de cuidado. Conclusão: A doença incapacitante impõe sobrecarga à vida dos
cuidadores, devido à falta de apoio das redes e pelas imposições do cuidado. São desenvolvidas novas redes
ou se reforçam as existentes, as quais podem ser de familiares, amigos, vizinhos e profissionais de saúde.
Descritores: Enfermagem, Apoio social, Doença crônica, Cuidadores, Assistência domiciliar.
RESUMEN
Objetivo: Describir la sobrecarga de los cuidadores familiares de enfermos crónicos dependientes, bien
como las redes sociales de apoyo, durante el proceso de cuidado. Método: Estudio cualitativo, descriptivo y
exploratorio, realizado con cuidadores familiares en una ciudad del sur de Brasil. La recolección de datos
ocurrió de julio a septiembre de 2010, y se desarrolló con entrevistas narrativas y diario de campo.
Resultados: Del análisis de contenido temático surgieron las categorías: cuidadores familiares y situaciones
de sobrecarga del cuidado; redes informales de cuidado; redes formales de cuidado. Conclusión: La
enfermedad incapacitante impone sobrecarga a la vida de los cuidadores, debido a la falta de apoyo de las
redes y por las imposiciones del cuidado. Son desarrolladas nuevas redes o reforzadas las existentes, las
cuales pueden ser de familiares, amigos, vecinos y profesionales de salud. Descriptores: Enfermería, Apoyo
social, Enfermedad crônica, Cuidadores, Atención domiciliaria de salud.
1
Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Maria. 2 Enfermeira.
Professora Associada do Departamento de Enfermagem e PPGEnf/UFSM. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa
Catarina/UFSC. E-mail: lourdesdenardin@gmail.com. 3 Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: stefaniegriebeler@yahoo.com.br. 4
Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem/UFSM. E-mail: simone.wunsch@gmail.com. 5 Enfermeira.
Membro do Grupo de Pesquisa Cuidado, Saúde e Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail:
bru.simon@hotmail.com. 6 Enfermeiro. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem/UFSM. E-mail:
ccilveira@hotmail.com.
Dormi aqueles três meses em volta da qual, apesar de dedicar grande parte de seu
cama dela. (...) Mas nunca que eu dormia
três, quatro horas (seguidas) (...) tive que tempo ao doente, também necessita desenvolver
parar também de trabalhar pra cuidar da atividades referentes à sua própria vida. Por essa
mãe (...) aí já perdi também o dinheiro
que ganhava por mês. (G) razão, torna-se necessária a presença de um
cuidador substituto momentâneo. Isso pode ser
O cuidador A, 64 anos, cuidador de sua
encontrado nas falas seguintes:
esposa, de 61 anos, a qual também apresentava
sequelas de AVC há 10 anos, relata a necessidade Quando um sai, fica o outro. É sempre
assim, ele não pode ficar sozinho. Todo
de desenvolver outras atividades no domicílio, mundo que entra na casa tem que ajudar.
além do cuidado com a doente. (...) Até as crianças minhas ajudam ele.
(E)
Agora eu já nem sei o que eu sou, eu sou
doméstica, o que eu sou. Eu tenho que A minha irmã fica em casa, se eu vou sair
fazer tudo, né, lavar roupa, limpar a casa, (...) eu já deixo ela pronta (...) passo uma
fazer comida, lavar louça, é horrível. (A) sonda nela, que daí ela (irmã) fica pra dar
um lanchinho pra ela. (H)
Ainda como situação de sobrecarga,
Os cuidadores familiares também
visualiza-se o precário apoio dos outros familiares
necessitam de apoio da família durante outras
do enfermo no cuidado. A entrevistada H, 50 anos,
situações que emergem no interior do núcleo
cuidadora há 14 anos de sua mãe com 91 anos e
familiar. Assim, quando ocorrem intercorrências,
sequelas de AVC, relata esse impasse na tarefa de
como alguma complicação da doença, torna-se
cuidar:
Nós somos uns quantos (irmãos), mas caiu
necessário que os cuidadores principais passem a
pra mim cuidar, porque eu já morava com receber também apoio do restante de sua rede
ela desde solteira. Daí eu assumi. (...) um
pouco eles se acomodam por causa que eu familiar:
faço as coisas, eles acham que é comigo Na hora que deu a convulsão nela, a gente
que tem que ser. (H) trouxe ela na cadeira e botou na cama (...)
minha irmã tava em casa, me ajudou,
Considerando a modificação significativa na botamos na cama e deixamos ela quieta
assim. (H)
rotina dos cuidadores, sobretudo ao assumir essa
Ela (...) tava se afogando com sangue. Eu
função, a cuidadora I relata a maneira como isso orei por ela e chamei um outro irmão que
ocorreu e a continuidade da sua vida. Ela tinha 59 tinha aqui. (I)
nunca ficou sozinha, sempre ficou com gente se encontrou (...) eles deram muita
alguém de nós em volta. (G) atenção à doença dela. (H)
outros familiares, por possuírem uma boa fornecem companhia social, outros apoio
estruturação de relações sociais que foram emocional, conselhos ou ajuda material4. As
construídas no decorrer da vida familiar e pessoas convivem em diversos lugares e em cada
colaboraram para a realização de ações imediatas um deles adquirem uma função diferente,
necessárias para o cuidado ao enfermo. dependendo da estruturação das relações no
O apoio de vizinhos e amigos parece ser interior da rede social. Assim, vizinhos, amigos ou
bastante reconhecido também pela maioria dos familiares podem ter o mesmo objetivo de
entrevistados, o que fortalece a ideia de que a auxiliar, porém o cuidador visualizará para cada
doença pode aproximar as redes e não somente as um deles um papel diferente dentro da sua rede.
familiares. Tal fato permite a visualização de que Apesar dessas considerações, a doença, por
a dor do outro talvez faça com que as pessoas meio das mudanças que ocasiona no cotidiano, faz
sejam solidárias e busquem apoio mútuo para com que os cuidadores e os enfermos vivam em
evitar sofrimentos. um mundo próprio, como se fossem envoltos por
Um estudo realizado com a rede social de uma camada protetora que os afastasse da
gestantes confirma os achados, pois, quando uma realidade que as outras pessoas vivem. A
das entrevistadas apresentava alterações enfermidade faz parte de sua rotina e este é o
gestacionais, buscava esclarecimentos acerca dos ponto mais importante para o momento em que
cuidados com a vizinha, com a qual, estão, pois as situações possuem grau de
19
anteriormente, não possuía vínculo nenhum . relevância, fazendo com que se viva de acordo
Esse fato demonstra que a disposição em prestar com as circunstâncias que se apresentam.
auxílio ao próximo se caracteriza como Desse modo, algumas redes, como as de
determinante para a inserção em uma rede de amigos, familiares e vizinhos, ficam frágeis e com
relações12. Dessa forma, a rede dos cuidadores, maiores possibilidades de distanciamento, já que
que não era estável, foi modificada durante grande parte do tempo do enfermo e cuidador é
episódios de interação, os quais colaboraram para dispensado aos cuidados, tratamento e
torná-la próxima e com ajuda consolidada. recuperação. Ressalta-se que isso pode provocar,
Ressalta-se que o suporte ofertado pela de certa forma, solidão e isolamento das redes
rede social pode ser tanto material como sociais que antes tinham maior relevância, pois a
emocional, dependendo do tipo de ligação experiência era diferente, ou seja, vivia-se em
estabelecida entre os indivíduos pertencentes à função da vida e não da enfermidade.
rede. Além disso, o compartilhamento de A presença de uma doença crônica diminui
informações entre vizinhança e família auxilia na a qualidade das interações sociais e a longo prazo
elaboração de adaptações de enfrentamento para pode reduzir o tamanho e as possibilidades de
as situações que se apresentam no domicílio. acesso à rede social. As doenças geram nas outras
O saber é construído por meio das relações pessoas o comportamento de evitação e assim os
que os indivíduos estabelecem com o ambiente pacientes e cuidadores permanecem em
social, ou seja, convivendo com vizinhos, isolamento, uma vez que não conseguem
3
amigos .Essas relações, visualizadas entre os desenvolver reciprocidade com os indivíduos da
integrantes de uma rede, determinam o tipo de rede4, devido à impossibilidade de troca mútua.
função que os indivíduos irão assumir. Alguns Visualizou-se que a doença crônica
sobrecarga à vida dos cuidadores familiares, questionamentos existentes no que diz respeito,
reduzindo suas possibilidades de interação com tanto à doença, como aos cuidados inerentes à
outras pessoas da rede social e dificultando a rotina domiciliar.
manutenção de sua qualidade de vida. A
sobrecarga pode ocorrer em situações cotidianas REFERÊNCIAS
devido à falta de apoio dos outros familiares ou
até mesmo pelas imposições da rotina de cuidados 1. Veras R. Envelhecimento populacional
com o doente dependente. Para enfrentar essa contemporâneo: demandas, desafios e inovações.
condição, os cuidadores necessitam desenvolver Rev saúde Pública. 2009; 43(3):548-54.
estratégias que reduzam as dificuldades, como 2. Brondani CM. Desafio de cuidadores familiares
formas diferentes de apoio que podem surgir no contexto da internação domiciliar
diante das necessidades impostas pela rotina de [dissertação]. Santa Maria (RS): Programa de Pós-
cuidado. Graduação em Enfermagem (PPGEnf),
Assim, os cuidadores tendem a criar novas Universidade Federal de Santa Maria; 2008. 111p.
redes sociais ou reforçar as existentes, pois se 3. Carreira L, Rodrigues RAP. Estratégias da
organizam diante de suas possibilidades. Esse família utilizadas no cuidado ao idoso com
apoio pode vir de outros familiares, amigos, condição crônica. Ciênc cuid saúde. 2006;
vizinhos e profissionais de saúde. No entanto, Maringá; 5(supl):119-126.
observou-se que nem sempre as redes formais e 4. Sluzki CE. A rede social na prática sistêmica.
informais oferecem o apoio almejado, o que 2ªed. São Paulo (SP): Casa do Psicólogo; 2003.
dificulta a estruturação da família, o cuidado a ser 5. Elsen I. Cuidado familial: uma proposta inicial
prestado, o vínculo com os profissionais e a de sistematização conceitual. In: Elsen I, Marcon
resolutividade nas necessidades. SS, Silva MRS (org). O viver em família e sua
Ressalta-se que a Enfermagem torna-se um interface com a saúde e a doença. 2ªed. Maringá
dos principais núcleos profissionais componentes (PR): Eduem; 2004. p.19-28.
da rede formal, uma vez que, diante de sua 6. Santana JJRA, Zanin CR, Maniglia JV. Pacientes
atuação nas unidades de saúde, está mais com câncer: enfrentamento, rede social e apoio
diretamente ligada com a comunidade, em social. Paidéia (Ribeirão Preto). 2008; 18(40):371-
especial com as famílias. Desse modo, esses 384.
profissionais devem atuar no sentido de identificar 7. Rosa TEC, Benício MHD, Alves MCGP, Lebrão ML.
as peculiaridades existentes, para orientar e Aspectos estruturais e funcionais do apoio social
planejar ações de cuidado condizentes com as de idosos do Município de São Paulo, Brasil. Cad
necessidades e capacidades de cada cuidador saúde pública [periódico on line] 2007; [citado 05
familiar. mai 2011]; Rio de Janeiro; 23(12):2982-92.
O planejamento do cuidado deve ocorrer Disponível em:
de maneira a não sobrecarregar o cuidador e http://www.scielo.br/pdf/csp/v23n12/18.pdf
ofertar qualidade de vida, bem como proporcionar 8. Turato ER. Tratado da metodologia da pesquisa
o estímulo ao rodízio das tarefas de cuidado com clínico-qualitativa: construção teórico-
os outros familiares. O envolvimento direto com os epistemológica discussão comparada e aplicação
familiares precisa ser constituído já no período de nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis (RJ):
internação hospitalar, a fim de observar os Vozes; 2008.