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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESTÉTICA: ARTE E AS


PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS

VANESSA LEVATI BIFF

A ATUAÇÃO DOS COLETIVOS NA ARTE E SUA BUSCA POR ESPAÇOS DE


VISIBILIDADE E COLABORAÇÃO

CRICIÚMA, FEVEREIRO DE 2014


VANESSA LEVATI BIFF

A ATUAÇÃO DOS COLETIVOS NA ARTE E SUA BUSCA POR ESPAÇOS DE


VISIBILIDADE E COLABORAÇÃO

Monografia apresentada ao Setor de Pós-


graduação da Universidade do Extremo Sul
Catarinense- UNESC, para a obtenção do título
de Especialista em Educação Estética: arte e
as perspectivas contemporâneas.

Orientador(a): Prof. Marcelo Feldhaus


AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos aos meus amigos e companheiros de Laborativo,


Ana Clara Picolo e Maurício Bittencourt.
A todos os envolvidos que tornaram possível a realização dos projetos do
Laborativo, como Posto de Inconveniência e da Semana de Ocupação Urbana
objeto deste estudo.
Ao meu orientador Marcelo Feldhaus por me acompanhar nesta trajetória,
pela sua dedicação, confiança e incentivo nos resultados desse trabalho.
À todos aqueles que participaram e contribuíram direta e indiretamente,
meu muito obrigada.
“>>>>>>>> situação A >>>>>>>> observar
>>>>>>>> identificar elemento com
potencial de ruptura >>>>>>>> intervir
evidenciando o elemento disparador
>>>>>>>> ruptura da situação >>>>>>>>
situação B >>>>>>>>>”

Coletivo Contra Filé, 2003


RESUMO

O presente trabalho investiga de que maneira as ações propostas pelo Laborativo


contribuíram para o surgimento de novos espaços de visibilidade e colaboração
artística. O objetivo é compreender como as novas formas de organização coletiva
se configuram como uma alternativa ao espaço tradicional de visibilidade no sistema
das artes. Para isso traço um paralelo entre a atuação coletiva na arte e a as ações
do Laborativo, mas especificamente da ação Posto de Inconveniência, e do projeto
Semana de Ocupação Urbana, relacionando suas práticas a um contexto de
alternativas de visibilidade artística e colaboração. Quanto aos procedimentos
técnicos, a pesquisa que se configura como uma pesquisa exploratória de natureza
básica, de abordagem qualitativa, se classifica como bibliográfica com pesquisa em
campo. Num primeiro será analisado o processo histórico da transição desses
agrupamentos de artistas ao longo da história da arte, investigando os processos e
práticas grupais pelos quais os artistas estiveram inseridos, e como ao longo da
história da arte, estas organizações e agrupamentos foram assumindo novas formas
e intenções coletivas, procurando verificar qual a contribuição e o desdobramento
dessa prática atual, onde será apresentado, num segundo momento, um breve
panorama das práticas coletivas no Brasil partindo de autores como Claúdia Paim,
Felipe Scovino, Ricardo Rosas e Daniela Labra. Em seguida serão analisadas os
projetos do Laborativo, buscando compreender como tais propostas vão se
configurando como novas formas de visibilidade e colaboração artística. O
agrupamento de artistas, como se verá no decorrer da pesquisa conquistam maior
autonomia, e a criação dos coletivos em busca de espaços de visibilidade
independentes pode refletir um descontentamento com o mercado oficial.

Palavras-chave: Coletivos de arte. Criação colaborativa. Espaços de arte.


Laborativo.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Ataque Urbano. Aluga-se este ponto. 2012. ........................................ 13


Figura 2 – Folder da exposição “Nós” .................................................................. 21
Figura 3 – Convite projeto “Conversas Itinerantes” ............................................ 22
Figura 4 – Laborativo. Ponto de Inconveniência. 2012. ....................................... 32
Figura 5 – Laborativo. Posto de Inconveniência. 2013. ....................................... 34
Figura 6 – Laborativo. Posto de Inconveniência. 2013. ....................................... 34
Figura 7 – Laborativo. Posto de Inconveniência. 2013. ....................................... 35
Figura 8 – Laborativo. Posto de Inconveniência. 2013. ....................................... 35
Figura 9 – Sossiedade Urbana. Você Acha que Engana a Morte?. 2013 ............ 44
Figura 10 – Sossiedade Urbana. Você Acha que Engana a Morte?. 2013 .......... 45
Figura 11 – Jefferson Kielwagen. TRANSGENERISMO VIRTUAL. 2013 ............ 46
Figura 12 – Jefferson Kielwagen. TRANSGENERISMO VIRTUAL. 2013 ............ 47
Figura 13 – Luana Conti. LEVE. 2013 ................................................................... 48
Figura 14 – Luana Conti. LEVE. 2013 ................................................................... 49
Figura 15 – A. Neumaier. RELAXART. 2013 ......................................................... 50
Figura 16 – A. Neumaier. RELAXART. 2013 ......................................................... 51
Figura 18 – Ca-FÉ. Frank Raupp. 2w013............................................................... 52
Figura 19 – Ca-FÉ. Frank Raupp. 2013 ................................................................. 53
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SFA Society of Female Artists


SOU Semana de Ocupação Urbana
ASCAV Associação Sul Catarinense de Artes Visuais
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 CONCEITUANDO INICIATIVAS COLETIVAS AO LONGO DA HISTÓRIA DA
ARTE ........................................................................................................................ 16
2.1 DAS SOCIEDADES, ASSOCIAÇÕES, SINDICATOS E COOPERATIVAS ........ 16
2.2 DOS MOVIMENTOS E GRUPOS ....................................................................... 22
3 PRÁTICAS COLETIVAS NO BRASIL ................................................................... 27
4 LABORATIVO: EM BUSCA DE NOVOS ESPAÇOS DE VISIBILIDADE E
COLABORAÇÃO ...................................................................................................... 31
4.1 POSTO DE INCONVENIÊNCIA: PROCESSOS DE COLABORAÇÃO E
COMUNICAÇÃO EM ARTE ...................................................................................... 33
4.2 SEMANA DE OCUPAÇÃO URBANA: PROCESSOS DE VISIBILIDADE .......... 39
4.2.1 Rua Monstro de Deise Pessi ......................................................................... 42
4.2.2 Você acha que engana a morte? de Sossiedade Urbana ........................... 43
4.2.3 TRANSGENERISMO VIRTUAL por Jefferson Kielwagen ............................ 46
4.2.4 LEVE por Luana Conti.................................................................................... 48
4.2.5 RELAXART por A. Neumaier ......................................................................... 49
4.2.6 Ca-FÉ por Frank ............................................................................................ 52
7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 54
10

1 INTRODUÇÃO

Muitos fatores movem esta pesquisa. O primeiro deles, e talvez o mais


relevante, está ligado a minha própria experiência enquanto egressa do curso de
Artes Visuais – Bacharelado.
Logo após formada muitas dúvidas surgiram, dentre elas: Quais as
possibilidades podem se abrir? Como constituir uma carreira artística? Quais os
passos que devo seguir para ser um artista hoje?
Poderia relatar todas as dificuldades e peculiaridades que um jovem
artista enfrenta no sistema atual. Quem está iniciando uma carreira artística sabe o
quão moroso é todo o processo que vai desde a concepção não só de uma
produção artística sólida1, mas de uma produção que estabeleça sua identidade
enquanto artista, até a dificuldade para a divulgação e exposição de seu trabalho
junto ao público.
Os espaços para exposição, dentro desse complexo sistema da arte,
parecem ser inalcançáveis, e sua produção nunca parece ser o bastante. Em outras
palavras, você parece nunca estar pronto, já que os editais de exposição caminham
juntamente com portfólios e produções inéditas.
Se por um lado, o jovem artista de hoje, não precisa ter domínio ou
conhecimento específico de técnicas de desenho, escultura, pintura. Já que muitas
vezes elas não se fazem necessárias para a concepção de um artista
contemporâneo, e o reflexo disso é o aumento considerável de novos artistas
concorrendo a um espaço nesse Sistema.
Por outro lado, novos espaços e novas formas do fazer artístico se
abriram, possibilitando outras opções de inserção desse jovem artista no mundo da
arte.
Almejando constituir uma identidade artística, todo esse contexto me
levou a optar justamente por essa outra abordagem, e a partir dai nasce meu
interesse nas questões da arte e da sua desvinculação do espaço institucionalizado,
principalmente na relação que se vem traçando entre arte e cidade nas suas mais

1Compreendendo por produção sólida, toda produção fruto de uma maturação estética que reflete
em sua trajetória e define sua personalidade artística. Essa personalidade pode ser moldada pelo uso
de materiais específicos, assuntos, traços, pesquisas entre outras características.
11

variadas formas e experiências. Já que vistas no sentido de democratizar a arte, o


seu conceito, o seu espaço e sua função, não é de hoje que acompanhamos um
aumento expressivo de práticas artísticas que cada vez mais cruzam as fronteiras
institucionais rumo ao espaço urbano.
Desta maneira, foi em minha pesquisa de conclusão de curso2, onde tive
meu primeiro contato com a produção artística na cidade.
Na ocasião procurei investigar quais as consequências e implicações que
ocorrem justamente a esta arte que se desvincula do espaço institucionalizado,
procurando analisar o processo de ruptura promovido pelas experimentações
artísticas no espaço urbano e como se dá a recepção por seu público.
Percebendo a importância desse novo cenário, dessa nova relação que
vem sendo construída entre o sujeito e as artes visuais nos mais diferentes espaços
e realizando intervenções urbanas pela cidade, fui criando, acumulando e
estabelecendo interesses que somariam a minha própria produção artística.
Esta pesquisa e experiência foram cruciais para minha formação
enquanto artista e pesquisadora, pois através delas percebi por um lado, o poder da
arte urbana como dispositivo3 de comunicação e como uma possível ferramenta de
manifestação político-sócio-cultural de ocupação e ativação destes espaços da
cidade. E por outro lado, uma oportunidade de visualização sem necessariamente
depender da aprovação de editais, exposições e outros mecanismos desse sistema.

2
BIFF, Vanessa Levati. Intervenção urbana e o espaço da arte na cidade de Criciúma/SC:
olhares, perspectivas e (im)posições. 2011. 64 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) -
Curso de Artes Visuais Bacharelado, UNESC, Criciúma, 2011. Disponível em:
<http://repositorio.unesc.net/bitstream/handle/1/409/Vanessa%20Levati%20Biff.pdf?sequence=1>.
Acesso em: 16 dez. 2012.

3 Segundo Gonzalves e Estrella (2006) a vida cotidiana se constitui especialmente pelo


atravessamento dos sistemas tecnológicos de comunicação e de seus jogos discursivos de poder. Ao
estabelecer um enfrentamento visual especialmente com os apelos publicitários, essa escritura
urbana recoloca a cidade a possibilidade de uma recepção renovada da obra de arte como fenômeno
de comunicação. É nesse cenário que a arte urbana assume um papel efetivo de re-convocação dos
sentidos e da reflexão sobre nossa atual condição urbana. E ao se lançar nessa missão de atravessar
e interferir no fluxo de vida, especialmente o cotidiano urbano, a arte negocia com o sistema vigente
de comunicação e, mais uma vez, retoma, de outra forma, essa sua condição de dispositivo, que
aciona, que realiza uma função de comunicar. GONZALVES, Fernando do Nascimento; ESTRELLA,
Charbelly. Comunicação, cidades e invasões artísticas. Unirevista, São Leopoldo, v. 1, n. 3, p.1-10,
jul. 2006. Disponível em: <http://www.alaic.net/ponencias/UNIrev_Gonzales_e_Estrella.pdf>. Acesso
em: 14 mar. 2011.
12

No entanto, na ocasião também me deparei com inúmeros impedimentos


que o artista atuante no espaço urbano enfrenta para a execução de seu trabalho,
sendo eles objetos de estudo de minha pesquisa.
Muitos foram os impedimentos e questionamentos, tanto no âmbito de
execução do trabalho, como a necessidade de autorização para sua execução, o
grande descaso dos órgãos públicos de entender e apoiar os artistas, quanto a
própria concepção de arte nestes trabalhos que tomam as ruas.
No caminho dessa experiência, percebi que muitas dessas ações
destinadas aos espaços da cidade tem ocorrido, justamente, através de coletivos ou
através de iniciativas coletivas independentes de artistas e até mesmo de não-
artistas.
Ricardo Rosas (2005, p. 2) coloca que “é no meio desse interesse
crescente em questionar os parâmetros que regem a vida urbana, bem como em
introduzir novos atos estéticos nesse espaço, que começam a surgir diversas
formações coletivas.”
Mesmo após participar de algumas exposições em espaços
institucionalizados, fundei juntamente com a Maira Silveira o Ataque Urbano, a ideia
era continuar o trabalho que desenvolvi na minha pesquisa de conclusão de curso,
realizando intervenções na cidade de Criciúma (SC).
O Ataque Urbano teve em sua existência muitas reuniões, várias ideias, e
somente uma ação concretizada, em outubro de 2012, a intervenção: Aluga-se este
ponto.
13

Figura 1 - Ataque Urbano. Aluga-se este ponto. 2012.


Fonte: Acervo da pesquisadora (2013)

Este foi minha primeira atuação coletiva, na qual pude constatar as


vantagens de se trabalhar coletivamente.
Após disso, juntamente com Ana Clara Picolo e Mauricio Bittencourt,
surgiu o Laborativo4, tendo em vista vários fatores, dentre eles o fato de sermos
amigos, egressos do mesmo curso, cursando a mesma especialização, e
participando das mesmas exposições e oportunidades. Dessa maneira, nossas
produções individuais quase sempre eram moldadas pela opinião do outro, nossas
ideias se completavam e estávamos com as mesmas dificuldades e dúvidas sobre
como dar continuidade a nossa carreira artística e o que fazer agora formados.
A partir de então, proponho como problematização nessa pesquisa buscar
investigar de que maneira as ações propostas pelo Laborativo contribuíram para o
surgimento de novos espaços de visibilidade e colaboração artística?
Pretendo traçar um paralelo entre a atuação coletiva na arte e a minha
própria experiência enquanto artista participante das ações do Laborativo, mas
especificamente da ação Posto de Inconveniência5, e do projeto Semana de

4
www.laborativo.blogspot.com.br
5 O Posto de Inconveniência é um projeto artístico que surgiu em 2013, sendo um local-ação de
coleta que visa registrar, armazenar pontos de inconveniência coletados por esta proposta.
14

Ocupação Urbana6, relacionando suas práticas a um contexto de alternativas de


visibilidade artística e colaboração.
Para isso se faz necessário discussões de como se estabeleceu as
iniciativas coletivas e colaborativas em arte. Porque agir coletivamente? Será
realmente por ser uma alternativa a essa possível estagnação dos sistema da arte?
Uma alternativa aos jovens artistas de encontrar um espaço independente para
atuação artística? Afinal, o que se propõe os coletivos? A partir da atuação coletiva,
é possível identificar facilidades e vantagens ao artista na execução de seus
projetos?
Quanto a metodologia utilizada nesta presente pesquisa que se configura
como uma pesquisa exploratória de natureza básica, sendo fundamentada na área
das artes, portanto de abordagem qualitativa, num primeiro será analisado o
processo histórico da transição desses agrupamentos de artistas ao longo da história
da arte, investigando os processos e práticas grupais pelos quais os artistas
estiveram inseridos, e como ao longo da história da arte, estas organizações e
agrupamentos foram assumindo novas formas e intenções coletivas, procurando
verificar qual a contribuição e o desdobramento dessa prática atual, onde será
apresentado, num segundo momento, um breve panorama das práticas coletivas no
Brasil partindo de autores como Claúdia Paim, Felipe Scovino, Ricardo Rosas e
Daniela Labra.
Quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa se classifica como
bibliográfica com pesquisa em campo. Sua investigação está constituída
principalmente de livros e artigos.
Num terceiro momento, também serão analisados as ações do Laborativo
e seus dois projetos Posto de Inconveniência e Semana de Ocupação Urbana,
buscando compreender como tais propostas vão se configurando como novas
formas de visibilidade e colaboração artística.
Muitos são os questionamentos pertinentes a este tema, espero que este
novo desdobramento da minha pesquisa, que reflete consideravelmente na minha
própria experiência e formação enquanto artista, possa também contribuir para

6 A Semana de Ocupação Urbana é um projeto proposto pelo Laborativo e aprovado pelo fundo
municipal de cultura de Criciúma (SC), que possibilitou a execução de seis propostas artísticas no
espaço urbano da cidade.
15

outras investigações e novas reflexões sobre essas ações que ocorrem na


intersecção dos campos da arte, espaços da arte e coletivos.
16

2 CONCEITUANDO INICIATIVAS COLETIVAS AO LONGO DA HISTÓRIA DA


ARTE

Para falar da atuação dos coletivos na contemporaneidade, com suas


ações que vem ultrapassando o espaço tradicional das galerias e museus,
ganhando o espaço urbano, implica, primeiramente, em se considerar o processo
histórico da transição desses agrupamentos de artistas ao longo da história da arte.
Antes de se levantar as questões advindas das táticas e produções
artísticas desses coletivos com a cidade, busco aqui, investigar os processos e
práticas grupais pelos quais os artistas estiveram inseridos, e como ao longo da
história da arte, estas organizações e agrupamentos foram assumindo novas formas
e intenções coletivas.
Se pensarmos em coletividade na arte, como ações e atividades de
criação artística que se estabelecem através da cooperação entre os indivíduos, ela
não é nova.
Vale lembrar que no período do Renascimento, por exemplo, as obras
eram executadas em sua grande maioria coletivamente, onde um mestre
encarregado pela encomenda da obra era auxiliado por seus aprendizes.
Desta maneira, considerando que a arte ao longo dos anos passou por
diversas transformações, neste capítulo trago um recorte histórico de um período da
arte que vai do fim do século XIX ao século XX realizando um levantamento histórico
de artistas/grupos/associações que se configuraram como iniciativas coletivas ao
longo da história da arte a fim de exemplificar essas formas de organização.
O objetivo é responder as questões: Como se deu esse processo? Qual a
motivação? Conceitos sobre agrupamentos, grupos construídos ao longo da história,
traçando um caminho até chegar a noção de coletivo que se tem hoje.

2.1 DAS SOCIEDADES, ASSOCIAÇÕES, SINDICATOS E COOPERATIVAS

Como pontua Ricardo Rosas (2002, p.129), “coletivos, em si, nada têm de
novo. Já são uma tradição na arte, na literatura, que percorreu todo o século vinte,
aqui como lá fora.”
17

Apesar da coletividade ser iniciada no século XX, iniciativas coletivas e


outras práticas grupais podem ser vistas no decorrer do século XIX.
Segundo o Alan Moore (2004) agrupamentos e associações de artistas
ocorreram continuamente na história da arte, sendo respostas a condições
particulares da história, para obter alguma influência no mundo da arte, dominados
pelos gestores das instituições e mercados, bem como, os curadores e
colecionadores.
Moore (2004) destaca que na procura por modelos e modos de
coletividade dos artistas, é preciso olhar para cima e para baixo da história da arte.
Veremos que de fato, os agrupamentos de artistas ocorreram sob diversas
denominações, sendo: sociedades, associações, grupos e movimentos, até
chegarmos a noção de coletivo.
Segundo o dicionário Michaelis7 (2013), compreende-se como sociedade:

sf (lat societate) [...] 2 Sociol Organização dinâmica de indivíduos


autoconscientes e que compartilham objetivos comuns e são, assim,
capazes de ação conjugada. 3Contrato consensual, em que duas ou mais
pessoas convencionam combinar os seus esforços, ou recursos, no intuito
de conseguir um fim comum. 4 Agremiação; associação. [..] 12 Dir
natural Reunião ou associação de pessoas que, em maior ou menor
número, se associaram livremente para com os seus esforços porém em
prática certas obras ou obterem um fim comum. 13 PolítAgrupamento de
homens reunidos pela natureza e pelas leis. 14 Zool Reunião de animais
que concorrem para o mesmo fim, que têm um interesse
comum. 15Companhia ou associação de pessoas sujeitas a um
regulamento comum ou regidas simplesmente por convenções para um fim
científico, literário etc. 16Companhia de pessoas que se juntam para viver
segundo as regras de um instituto, ordem ou congregação religiosa. [..]

Compreende-se como associação:

sf (associar+ção) 1 Ato ou efeito de associar. 2 Organização de pessoas


para um fim ou interesse comum; sociedade, agremiação,
clube: Associação dos Funcionários Públicos. 3 Com Sociedade
comercial, firma ou razão social, companhia. [...] 5 Sociol Forma básica de
interação social que leva à integração de agrupamentos
humanos. 6 Ret Figura pela qual aplicamos a nós mesmos o que se diz dos
outros ou vice-versa. [...] (2013, s.p)

Através dos conceitos, de sociedade e associação, percebe-se que


ambos se equivalem. Na prática sua denominação refere-se ao agrupamento e
união de artistas a determinada razão só que com nomenclaturas diferentes. O que
veremos é que o motivo da sua união, como afirma Moore, é quase sempre

7 Disponivel em: http://michaelis.uol.com.br/


18

motivado por alguma necessidade, seja para obtenção de alguma influência no


mundo da arte, seja para obtenção de exposições perante ao público .
Fundada em 1855, a Society of Female Artists (SFA) tem uma história
única e dedicada à promoção da arte por mulheres e sua criação está intimamente
ligada à necessidade de sua época, já que em meados do século XIX, as mulheres
não eram consideradas e reconhecidas como artistas e tinham grande dificuldade na
obtenção e participação em exposições públicas.
O mundo da arte nesta época era dominado pela Royal Academy que,
desde sua fundação, em 1768, só tinha contado com duas mulheres entre os
fundadores, quando, em 1922, Annie Swynnerton (membro da SFA desde 1889), foi
eleita como primeira associada.
Desde sua criação, a SFA esteve envolvida na educação para artistas
mulheres, efetivamente excluídas da formação profissional pelos costumes da
época.
Na sua primeira exposição, 149 mulheres apresentaram 358 trabalhos,
algumas escondendo sua verdadeira identidade por medo de recriminação social.
Em 1869 houve uma mudança de nome para a Society Lady Artists. E
logo após, em 1899, o nome Society of Women Artists foi adotado e corresponde até
os dias atuais.
A Sociedade tem realizado uma única exposição anual em Londres desde
1857, e vem incentivando e introduzindo muitos nomes de artistas mulheres para o
mundo da arte.
Outro exemplo de agrupamentos de artistas sob denominação de
Sociedade que assim como SFA, se sucedeu por uma necessidade à procura de
novos espaços de exposição é a Société des Artistes Indépendants.
Fundada em 1884, ela surgiu a partir da necessidade de artistas em
apresentar seus trabalhos ao público em geral de forma independente, e não através
do método seletivo oficial do “Salon” (criado por Louis XIV).
Desta maneira, Paul Cézanne, Paul Gauguin, Henri de Toulouse-Lautrec,
Camille Pissarro, Albert Dubois-Pillet, Odilon Redon, Georges Seurat, Paul Signac,
decidiram criar a Société des Artistes Indépendants, como resposta ao
tradicionalismo rígido do Salon oficial patrocinado pelo governo.
De acordo com o art. 1 de seu estatuto, a Société des Artistes
Indépendants (2013, s.p.):
19

[..] revendiquent de présenter en toute liberté leurs œuvres au public.


Volonté exprimée dans l'Art. 1er des statuts de la future Société des Artistes
Indépendants: « La Société des Artistes Indépendants basée sur le principe
de la suppression des jurys d'admission, a pour but de permettre aux
artistes de présenter librement leurs oeuvres au jugement du public ». 8

Através de seu próprio estatuto constata-se que a Sociedade se


caracteriza por promover eventos, cujos princípios regem pela ausência de prêmios,
de um júri de seleção, e pelo direito do artista de apresentar seus trabalhos ao
público sem restrição e julgamento.
As exposições anuais organizadas pela Société des Artistes Indépendants
definiram as tendências da arte do início do século XX e desde 1920 tem sua sede
localizada nos Grand Palace.
Muitas outras sociedades e associações existiram, e ao nos
aprofundarmos neste estudo, iremos perceber que os modos e modelos de
coletividade nesse primeiro momento é resultado de uma necessidade, como pontua
Moore (2004), que visa como objetivo principal a defesa dos interesses econômicos
e profissionais dos artistas que faziam parte delas, se assemelhando nesta forma, a
sindicatos e cooperativas.
Por cooperativa, compreende-se:
S. cooperativa: sociedade cujo capital provém dos associados, e que tem
por objetivo beneficiá-los, diminuindo-lhes o preço dos gêneros ou obtendo-
lhes trabalho lucrativo (MICHAELIS, 2013, s.p)

Compreende-se por sindicato:

sm (síndico+ato3) 1 Agremiação fundada para a defesa de interesses


comuns a seus aderentes. [...] S. (MICHAELIS, 2013, s.p)

Um bom exemplo de um funcionamento de agrupamentos de artistas que


se assemelham a cooperativas e sindicatos, é o surgimento da American Art Union.
Craig Houser (2012) coloca que no século XIX, após a Guerra Civil, houve
um aumento considerável de organizações de artistas, na Europa e nos EUA que se
uniram para o fortalecimento da classe.
Segundo Houser, a industrialização gerou riqueza, e impulsionou o
crescimento de colecionadores de arte, que passaram a adquirir um numero maior

8
O propósito da Sociéte dês Artistes Indépendants baseado no principio de abolir a admissão do júri,
é permitir que os artistas apresentem suas obras ao julgamento público com total liberdade.
20

de pinturas europeias, que acabaram sendo importadas em grande número para os


EUA.
Na época, adquirir essas pinturas era considerado um reflexo de
maturação estética, e o equivalente a tornar refinado seus gostos estéticos, por isso,
um número cada vez maior encontrava-se em exposição e disponíveis para compra.
Essa mudança no mercado de arte, de fato, incomodou muitos artistas
norte-americanos, especialmente aqueles com reputações estabelecidas, que
cientes da concorrência europeia, intensificaram os esforços pra colocar seus
trabalhos perante o público, e, a fim de aumentar a venda de seus trabalhos, esses
artistas fundaram a nova American Art Union (AAU)9 na década de 1880.
A nova AAU, surgiu de longas conversas entre os artistas associados à
National Academy of Design e tentou criar oportunidades adicionais de vendas
propondo a criação de várias exposições itinerantes em todo o país, criando assim
novos locais para a compra de arte americana.
A estrutura da AAU lembrou em parte o sistema de guildas10 medievais e
se assemelhavam aos sindicatos profissionais modernos, que tinham vindo a crescer
em número durante o século XIX.

9
A ideia da American Art Union não é nova, anteriormente não só os Estados Unidos mas parte da
Europa já havia presenciado este acontecimento. As "Art Union" eram instituições do século XIX de
patrocínio de arte organizada no princípio da associação comum pela qual a receita de pequenas
quotas anuais individuais foram gastos em arte, que era então redistribuído entre os membros.
Segundo Joy Sperling este conceito surgiu na Suíça por volta de 1800 e se espalhou para cerca de
vinte locais nos principados alemães de 1830. Em 1850 havia cerca de trinta sindicatos de arte no
Reino Unido e na Irlanda. Sperling coloca que encontrou evidências deles também na França,
Austrália e Nova Zelândia. A Art-Union of London (AUL) foi o primeiro e maior sindicato de arte na
Grã-Bretanha, e foi único entre os sindicatos de arte por sua distribuição de cupons com os quais a
comprar arte ao invés de arte em si. A primeira American Art-Union (AAU) foi fundada em Nova York
em 1842. Embora os sindicatos de arte apareceram em outras cinco cidades dos Estados Unidos em
1850, a AAU foi a maior nos Estados Unidos. Uma distinção importante entre a antiga AAU e a nova é
sua gestão, enquanto a antiga união tinha sido executada pelos empresários, a nova seria regida por
artistas, e sua distinção de faz pelo uso do hífen. HOUSER, Craig. Disharmony and Discontent:
Reviving the American Art-Union and the Market for United States Art in the Gilded Age. Nineteenth-
century Art Worldwide, New Jersey, v. 11, n. 2, ago/dez. 2012. Disponível em: <http://www.19thc-
artworldwide.org/index.php/summer12/craig-houser-disharmony-and-discontent#anco>. Acesso em: 8
nov. 2013.

10As guildas eram associações de profissionais surgidas na Baixa Idade Média (séculos XIII ao XV).
O surgimento das guildas estava relacionado ao processo de renascimento comercial e urbano que
ocorreu neste período, e tinham como objetivo principal a defesa dos interesses econômicos e
profissionais dos trabalhadores que faziam parte delas. Para manter o funcionamento destas
associações de mutualidade, os trabalhadores associados eram obrigados a pagar uma determinada
quantia. Existiam guildas de alfaiates, sapateiros, ferreiros, artesãos, comerciantes, artistas plásticos
entre outros profissionais. GUILDAS. Disponível em:
<http://www.suapesquisa.com/idademedia/guildas.htm> Acesso em: 13 ago. 2013
21

Como essas outras organizações, a AAU foi concebida para promover e


proteger os artistas visuais em seu comércio.
Essa concepção de associação entre os artistas tal como ocorria no
século XIX não foi esquecida.
Em Criciúma, por exemplo, existe Associação Sul Catarinense de Artes
Visuais (ASCAV) que é uma entidade formada por artistas da cidade de Criciúma e
região que, desde 2010, vem realizando ações na área cultural com o objetivo de
incentivar e promover a produção artística local, tornando-a acessível ao público. Os
artistas associados pagam uma taxa anualmente no valor de R$ 90,0011.
Dentre seus objetivos, se destacam:
- Promover a Arte, a Cultura e o intercâmbio entre os profissionais de
Artes Visuais;
- Incentivar estudos e pesquisas para o desenvolvimento das Artes
Visuais, tecnologia e comunicação;
- Estimular o desenvolvimento econômico, social e a preservação do meio
ambiente, por meio de ações colaborativas;
- Fortalecer os laços institucionais, promover a ética da paz, da cidadania
e dos direitos humanos.
Desde sua criação, foram realizadas exposições coletivas dos associados
tais como: “Nós” (2010), exposição no Museu Willy Zumblick (2011), Convergências
(2012), Arte Agora! (2012) além da realização do projeto Conversas Itinerantes.

Figura 2 – Folder da exposição “Nós”


Fonte: ASCAV, 2011

11 Valor referente ao ano de 2013.


22

Aprovado no fundo municipal de cultura, este projeto compreendia uma


oficina de 48 horas de leitura de portfólios com o artista plástico e curador Fernando
Lindote.
Nesta oficina foram discutidos aspectos estruturais dos trabalhos de cada
artista participante, assim como as relações entre a linguagem desenvolvida pelos
artistas e sua apresentação através do portfólio e outros meios de divulgação das
obras.

Figura 3 – Convite projeto “Conversas Itinerantes”


Fonte: ASCAV, 2012

O projeto culminou na realização de uma exposição com os trabalhos dos


artistas participantes de 03 de outubro a 01 de novembro de 2012, na Galeria de
Arte Contemporânea da Fundação Cultural de Criciúma.

2.2 DOS MOVIMENTOS E GRUPOS

As vanguardas artísticas também se configuraram ao longo dos anos,


como iniciativas coletivas de artistas com propósitos em comum.
23

No livro “Ismo: para entender a arte”, Stephen Little (2010, p.7) coloca
que:

O século XX foi o ponto alto de movimentos definidos e promovidos pelos


próprios artistas. Esses ismos podem ser tratados como grupos
relativamente autossuficientes, compartilhando e definindo objetivos e
valores comuns. Muitos, como os futuristas, lançaram manifestos e fizeram
declarações públicas sobre o significado do seu movimento, suas
aspirações, o tipo de relação (ou ruptura) com a arte do passado e sua
visão do futuro. Em geral, tais ismos, de identificação mais imediata, são
mais fáceis de discutir.

Compreende-se por grupo:

sm (ital gruppo, do germ) 1 Certo número de pessoas reunidas. 2 Sociol


Conjunto de pessoas que têm os mesmos sentimentos, representações e
juízos de valor e apresentam os mesmos tipos de
comportamento. 3 Pequena associação. 4 Reunião de objetos formando um
todo distinto. 5 Escult e Pint Reunião combinada de vários objetos que se
observam no mesmo lance de vista [..]. G. social, Sociol: número variável
de pessoas associadas por processos de interação; forma básica da
associação humana.[..] (MICHAELIS, 2013, s.p)

Iniciamos nossos estudos de agrupamentos de artistas sob denominação


de grupos e movimentos, no século XIX, com os Nazarenos, grupo fundado no inicio
do século por pintores do Romantismo alemão que pretendiam reviver a
espiritualidade da arte cristã.
Diferente das sociedades vistas anteriormente, a criação do grupo não foi
destinada para exposição em museus e galerias, nem aos interesses econômicos.
Segundo Gossman (2003) o grupo foi criado por seis jovens estudantes
da Academia de Arte de Viena nos anos 1805-10, que insatisfeitos com o ensino que
estavam recebendo lá, sonhavam com uma reforma da arte com base em um
retorno aos velhos modelos, onde à arte continha valor espiritual, procurando
inspiração nos artistas da alta idade média e do principio do Renascimento.
Sua criação parte das considerações apontadas por Gossman (2003, s.p)

Art for them was not a de luxe product of consummate artistic technique, it
was not an investment or an object of exchange to be bought and sold and
transferred at will from one owner and one location to another, nor was it
simply a source of pleasure […] they believed art at its best had been and
should once again become part of the fabric of a community's daily life and
an expression of its highest values, inseparably linked to the public
24

building—church, town hall, palace—or the private purpose, such as prayer


or remembrance, for which it had been commissioned. 12

Ou seja, para eles, a arte não deveria ser um investimento ou um objeto


de troca a ser comprado, vendido à vontade de um dono e um local para outro, e
sim, que ela deveria voltar a ter valores espirituais. Gossman (2004) coloca que em
parte conservadores, em parte revolucionários, afirmavam que a arte devia servir
apenas o maior dos fins, o que, no seu caso, significava a religião.
Um fato interessante, narrado pelo autor e que nos remete aos princípios
da coletividade, é que os dois fundadores do grupo e estudantes de Viena, Johann
Friedrich Overbeck e Franz Pforr, em violação das regras da academia, que exigia
um longo período de cópia de trabalhos estabelecido em uma variedade de gêneros
antes que o estudante fosse permitido realizar um trabalho original, trabalhavam
juntos em particular para o desenvolvimento de suas próprias ideias para quadros.
Em suas longas discussões noturnas, eles criticavam um o trabalho do
outro e trocavam ideias sobre a arte e a vida moderna, bem como sobre assuntos
mais pessoais.
Este ideal de regime de cooperação, no sentido de que, na busca de
objetivos comuns, cada indivíduo pode manter sua autonomia, que são importantes
para os nazarenos e é expressa formalmente em seu trabalho, caracteriza a ideia de
muitas iniciativas coletivas atualmente. O próprio Laborativo, objeto deste estudo,
tem sua formação caracterizada por este espirito de cooperação e compartilhamento
de ideias.
Na formação de uma sociedade não-hierárquica igualitária, cujos
membros foram unidos pela prestação de um juramento e não pelos laços invisíveis
de tradição e história, os nazarenos também executaram um gesto revolucionário, já
que previram uma nova relação entre arte e comunidade.

12
Arte para eles não era um produto de luxo ou de técnica artística consumada, não era um
investimento ou um objeto de troca a ser comprado e vendido e transferido à vontade de um dono e
um local para outro, nem foi simplesmente uma fonte de prazer [...] eles acreditavam que a arte no
seu melhor tinha sido e deve voltar a ser parte do tecido da vida cotidiana de uma comunidade e uma
expressão de seus mais altos valores, inseparavelmente ligadas às construções públicas - igrejas
prefeituras, palácios - ou de propósito particular, tais como oração ou lembrança, para a qual tinha
sido encomendada.
25

E por essa característica de rejeição aos legados artísticos da época, eles


podem ser vistos como precursores da tendência modernista que viria ao longo do
próximo século.
Por volta de 1930, o grupo se desfez, e ironicamente muitos voltaram para
ensinar nas Academias de Arte Alemãs.
Os agrupamentos sob denominações de grupos, movimentos começaram
a surgir por razões distintas durante toda a história da arte.
Labra (2006, p. 195) afirma:
[...] o modelo coletivo de produção nas artes começa a se configurar no
inicio do século XX, nas vanguardas artísticas, como o Futurismo, o dada e
o Surrealismo, cuja atuação foi forte até a Segunda Guerra Mundial (1938-
1945), quando diversos artistas foram perseguidos e seus grupos
desmantelados.

Para a autora, o fim da segunda guerra marca o fim do eixo cultural


europeu, passando para o EUA. E é nesse momento que surgem outros movimentos
europeus formados por artistas, intelectuais e ativistas, que vinham à cena cultural
não mais para questionar os formatos acadêmicos da arte como fizeram as
vanguardas, mas para falar da cultura de um ponto de vista político, tendo a arte
como instrumento para uma profunda transformação social.
Damos um salto na história até o final da segunda guerra mundial, que
segundo Moore (2004) há um ressurgimento de coletividade entre os artistas da
europa, como grupos transnacionais que se formaram em vários países para
reinventar o avant-garde.
Estes grupos de artistas, poetas, arquitetos, cineastas e teóricos
assumiram a herança dos surrealistas e executaram numerosos projetos
colaborativos.
Estas formações incluiu os pintores neo-expressionistas do COBRA,
poetas concretos do Internacional Letrista, teóricos da Internacional Situacionista,
o MIBI (Movimento Internacional para Bauhaus Imaginist), os ativistas vienenses,
Fluxus entre outros que tinham como propósitos a necessidade da atividade coletiva,
o desprezo pelas instituições burocráticas, aspirando por grandes transformações
políticas e sociais através da arte.
O Situacionismo, fundado em 1957, por Guy Debord, lutava contra o
espetáculo, a alienação e a passividade da sociedade através da ocupação do meio
26

urbano, por meio de novas formas de intervenção e produção na luta contra a


monotonia da vida cotidiana.
Este pensamento está presente em muitos coletivos da atualidade, Labra
(2006) afirma que eles têm no manifesto Situacionista, de 1960, uma espécie de
salvo-conduto para ações em espaços públicos.
Labra (2006, p.195) afirma ainda que alguns fatores colocam os coletivos
como fruto do globalizado século XXI, tais como:
[...] a especularização da cultura (década de 1980), a saturação do mercado
artístico (década de 1990), a comunicação por meios digitais, a reprodução
de som e imagens e os novos modos de organização do trabalho pela
internet.

Diversos coletivos valorizam o espaço público em suas ações,


assimilando elementos do cotidiano, dos noticiários, da publicidade, e não visam
muitas vezes a produção de um objeto artístico, mas de um acontecimento, que atue
contra a passividade do espectador-transeunte.
Assim como coloca Labra (2006, p.197) “a questão estética aqui tem a ver
com uma situação e consequente reflexão que ela provoca, em oposição à
contemplação de uma obra de arte objetual, como nos moldes tradicionais.”
27

3 PRÁTICAS COLETIVAS NO BRASIL

A prática coletiva no Brasil também não é nova13, coletivos como Viajou


Sem Passaporte, 3Nós3, Manga Rosa e Tupi não Dá, realizavam ações já nos anos
de 1970 e 1980.
No entanto, a geração de coletivos de artistas no Brasil dá-se com maior
volume no início dos anos 2000. Scovino (2010, p.13) atribui o crescente aumento
de coletivos artísticos no Brasil ao mercado inchado de artistas:

Nos últimos vinte anos assistimos a um crescente sem precedentes na


difusão e comércio de obras de artistas brasileiros. Enquanto obras são
negociadas por alguns milhares de reais, temos um mercado inchado de
artistas que muitas vezes não vem à tona. São criados cursos em
universidades para graduandos e pós-graduandos em artes, mas o mercado
profissional não acompanha essa progressão, e um grande número de
artistas fica à margem de um circuito “oficial” das artes. Ou, ainda, enquanto
comemoramos recordes nas exportações e anunciamos um número recorde
de museus, necessitamos de doações ou ações esporádicas de editais
públicos para que esses acervos sejam aparelhados.

Desta maneira, o termo coletivo está sendo empregado ao longo da


história das artes visuais brasileiras à criação de espaços alternativos, seja para
exposição de trabalhos, seja como forma de intercambio de artistas, experimentos e
discussão.

13 “A prática dos coletivos no Brasil não é tão nova assim, se pensarmos nos seus “antecedentes”.
Podemos enumerar os compromissos estéticos que conectavam o chamado “grupo dos cinco” (Anita
Malfatti, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral), passando
pelas revistas organizadas e publicadas por um conjunto de artistas visuais, poetas e críticos (como a
Malasartes, que, em seus três números lançados, entre setembro de 1975 e junho de 1976, teve
entre seus editores nomes como Bernardo Vilhena, Carlos Vergara, Carlos Zilio, Cildo Meireles, José
Resende, Ronaldo Brito e Waltercio Caldas; A Parte do Fogo, que – em sua única edição, nos anos
1970 – contou com Tunga, Brito, Resende e Zilio entre os seus colaboradores; e, mais recentemente,
re-vistas coordenadas por coletivos de críticos e artistas como a Tatuí, no Recife, e a Número1, em
São Paulo), divisão de ateliês (como o espaço que ficou conhecido como Casa 7, em São Paulo, que
em meados dos anos 1980 foi dividido entre Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Nuno Ramos, Paulo
Monteiro e Rodrigo Andrade), agências de artistas (como foi o caso do Agora e do Capacete2, no fim
dos anos 1990, no Rio de Janeiro), galerias coordenadas exclusivamente por artistas (como foi o
caso do Grupo Rex, formado por Carlos Fajardo, Frederico Nasser, Ge-raldo de Barros, José
Resende, Nelson Leirner e Wesley Duke Lee, em meados dos anos 1960, e que ainda editaram o
jornal Rex Time, e A Gentil Carioca, criada em 2003 pelos artistas Er-nesto Neto, Franklin Cassaro –
que não faz mais parte da direção –, Laura Lima e Marcio Botner como um espaço experimental para
produção e reflexão sobre as artes visuais) e espaços de exposição e debate geridos por artistas,
como foi o Torreão, em Porto Alegre (que teve Elida Tessler e Jailton Moreira à frente), recentemente
desativado. Travamos contato, portanto, com diversas formas de como esse termo, “coletivo”, foi e
está sendo empregado na história das artes visuais brasileira.” SCOVINO, Felipe. Do que se trata um
coletivo? In.: RESENDE, Renato; SCOVINO, Felipe. (Orgs.). Coleção Circuito Coletivos. Rio de
Janeiro: Editora Circuito, 2010. p. 10-17.
28

No Brasil, assim como no mundo, essa associação de coletivo + arte,


ainda é percebida entre olhares duvidosos, e atuam como coloca Scovino (2010) em
situações distintas de atuação, tais como coletivos extintos que realizaram quase
que uma única ação antes de desaparecer, como Atrocidades Maravilhosas14. Como
coletivos que criam espaços alternativos, seja para a recepção de trabalhos ou como
forma de intercâmbio entre os próprios coletivos, como o caso do Rés do chão15,
seja como possibilidade de exibição de uma produção que não encontrava espaço
em galerias comerciais ou institucionais, o que Paim (2009, p.12) denomina como
espaços autogestionados que “são aqueles cuja idealização e gestão é realizada de
maneira associativa por algum coletivo ou iniciativa coletiva.”
Por todo o Brasil é possível encontrarmos atividades, diversidades e
abrangências.
De maneira geral, “os coletivos estão situados em um tempo no qual
pensar alternativas para a criação, reflexão, debate, comércio e exposição das
práticas artísticas tornou-se fundamental e angustiante.” (SCOVINO, 2010, p.14)
E essa questão de sua autogestão e produção articula uma nova
possibilidade: a experimentação.
Paim (2004) coloca diversas questões emergentes da própria estratégia
coletiva. O primeiro ligado ao questionamento sobre o lugar e o papel dos artistas,

14 Coletivo de artistas do Rio de Janeiro que possuiu uma curta duração. Reunido inicialmente em
meados de 1999 para uma única intervenção de escala pública, o Atrocidades realizou atividades até
2002 participando de mostras coletivas e ações independentes. Participaram de ações do
Atrocidades, os artistas Adriano Melhen, Alexandre Vogler, Allan Dunn, Ana Paula Cardoso, André
Amaral, Arthur Leandro, Bruno Lins,Clara Zúñiga, Cláudia Leão, Ducha, Edson Barrus, Felipe
Barbosa, Geraldo Marcolini, Guga, hapax (coletivo formado em 2001, no Rio de Janeiro, que opera
com música, performance, intervenção urbana e arte sonora), João Ferraz, Marcos Abreu, Rosana
Ricalde, Roosivelt Pinheiro, Romano, Ronald Duarte, entre outros. Não se apresentava como grupo
(com número de participantes determinado), mas pelo contrário, seu caráter era aberto e se
configurava por ações, agindo sempre em um contexto público. RESENDE, Renato; SCOVINO,
Felipe. (Orgs.). Coleção Circuito Coletivos. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2010. p. 10-17.
15
Rés-do-chão, localizado no apartamento no centro do Rio de Janeiro, pretende instaurar um espaço
aglutinador de experimentação criativa baseado na convivência e no estudo de práticas artísticas
horizontais, heterogêneas e abertas. Pólo aglutinador de inúmeros artistas, o “Rés do Chão”
desdobra-se em espaço de encontro, alojamento, exposições e edição da revista “Nós
Contemporâneos”, sem um regulamento pré-estabelecido, o local funciona como um estabelecimento
artístico não-comercial e vem cavando um lugar autônomo no institucionalizado meio das Artes,
abrigando diversos projetos experimentais: ocupações e intervenções (seja no próprio espaço como
nas ruas adjacentes ao Rés), performances, instalações musicais, festas temáticas e o que mais
puder ser inventado. NAJIMA, Fabiana Mitsue. Coletivos Em Rede: Novas Formas De Organização.
2010. 151 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Estética e Historia da Arte, Departamento de
Programa de Pos-graduação Interunidades Estética e Historia da Arte, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2010.
29

bem como seus limites, pois “ao se reconhecer como um propositor coletivo, está
ampliando a autoria para além de sua própria produção poética” (PAIM, 2004, p.24)
O segundo ligado ao fomento à produção artística e a prática da reflexão.
Para ela, as instituições convencionais que abrigam os espaços de visibilidade
artística favorecem o individualismo e um certo isolamento do artista. Os coletivos
fruto de associações podem atuar como contrapartida, já que o fazer é fruto do
refletir, produzir coletivamente, ações que não podem ser pensadas na concepção
individualista do artista, e isto acaba criando espaços de discussão e promoção de
encontros que incentivem formas de pertencimento.
O terceiro ligado ao questionamento sobre os espaços da arte. Para
Paim, as realizações propostas através desses agenciamentos coletivos de artistas
podem formar novos espaços nas quais a distinguem: “Os espaços da arte são
aqueles apresentados pelas iniciativas de artistas como frutos de seus esforços e
intenções, os espaços de arte são os do circuito tradicional de exibição.” (PAIM,
2004, p.20)
Assim, encontramos outras especificidades ao analisar como cada
coletivo se articula, e como ele proprõe uma alternativa ao sistema tradicional das
artes sobre os espaços de arte convencionais, criando outros espaços de circulação
para a arte.
Desta maneira, os coletivos têm contribuído para “a criação de outros
espaços de circulação para a arte e que, inclusive podem ser abertos às propostas
de artistas que ainda não tenham suas carreiras consolidadas (o que passa pela sua
inserção no sistema das artes)". (PAIM, 2004, p.24)
Paim ainda afirma que estes espaços, visto que são concebidos,
organizados e gerenciados pelos próprios artistas, podem ser provisórios ou
permanentes.
Provisórios quando não pretendem permanecer além do tempo determinado
de alguma exposição ou projeto realizados em espaços excêntricos aos do
circuito artístico tradicional (instituições públicas ou privadas e espaços
comerciais). Permanentes, obviamente, é quanto são criados com a
intenção de permanência, quando não são pensados apenas em função da
realização de um único acontecimento. (PAIM, 2004, p.24)

Com tudo isto, pode-se afirmar que os coletivos no Brasil vêm atuando,
mesmo que com dificuldades e lentamente, a um redimensionamento do sistema
das artes brasileiro, na medida em que outras trajetórias de legitimação foram e
30

continuam sendo criadas, e buscam definir novos caminhos a uma outra dinâmica de
seu funcionamento.
31

4 LABORATIVO: EM BUSCA DE NOVOS ESPAÇOS DE VISIBILIDADE E


COLABORAÇÃO

O Laborativo teve suas atividades iniciadas no final de 2011, e assim


como muitas iniciativas coletivas, surgiu a partir da afinidade de seus integrantes.
Como pontua Paim (2009, p.11) “os coletivos podem ser mais ou menos
fechados. Alguns possuem uma formação fixa e determinada internamente, outros
um núcleo central em torno do qual se agregam distintos parceiros de acordo com os
projetos em execução.”
O Laborativo possui uma formação fixa composta por três integrantes,
além de mim, compõe o coletivo Ana Clara Picolo e Mauricio Bittencourt.
Quando questionados: Porque formar um coletivo? Muitas são as
respostas, já inseridas no decorrer deste trabalho.
Porém como coloca Adams (2007, p.22):

As respostas possíveis são inúmeras e variadas. As respostas que


seleciono para meu argumento e prática incluiriam: o formato coletivo facilita
a produção do comum e sua apropriação pública e não privada; facilita a
troca de estratégias e táticas de resistência e autonomia com outros atores
sociais em tempo real; aumenta o alcance de ferramentas poéticas e
afetivas de relação com o mundo; cria um espaço de investigação poética
alternativo às estruturas do mercado; realiza uma cartografia compartilhada
da cidade, dos poderes, dos movimentos sociais, das alianças e das
práticas artísticas.

O Laborativo surgiu da vontade de três amigos, recém formados em


Bacharel em Artes Visuais, que viram numa formação coletiva, uma alternativa de
atuação no cenário artístico.
Em menos de um ano, participamos de exposições como a Arte Agora!
sob curadoria de Fernando Lindote com a obra Ponto de Inconveniência e na edição
Pandora’s Box no Museu Brasileiro de Escultura ambos em 2012.
32

Figura 4 – Laborativo. Ponto de Inconveniência. 2012.


Fonte: Acervo da pesquisadora (2013)

Fomos convidados a falar sobre “Editais e espaços expositivos


(regional/estadual): oportunidades para o Bacharel” no “Painel: Mercado de arte,
projetos, artistas e o cenário atual”, realizado na Universidade do Extremo Sul de
Santa Catarina, voltado para estudantes e egressos do curso de Artes Visuais
Bacharelado e demais interessados na temática, tendo em vista as alternativas que
encontramos, enquanto coletivo, de atuação no mercado artístico, tanto participando
de editais alternativos, como gerando outros espaços de atuação. Já que em 2013,
fomos selecionados em alguns editais como InterCIDADES16 com o projeto Posto de
Inconveniência, e também selecionados para o 13º Salão Nacional das Artes de
Itajaí.
Aprovamos também um projeto via Fundo Municipal de Cultura na cidade
de Criciúma (SC), além de mantermos um blog17 desde 2012 com assuntos
referente a nossa própria produção e outros assuntos ligados a arte.

16
InterCIDADES é uma exposição urbana coletiva, itinerante e internacional de arte contemporânea,
criada para investigar as possibilidades de colaboração e intercâmbio artístico entre duas cidades de
contextos, idiomas e geografias diferentes: Joinville/Brasil e Lansing/USA.
17
www.laborativo.blogspot.com
33

Por conta de todos esses trabalhos desenvolvidos nestes dois anos de


atuação ganhamos uma homenagem de reconhecimento: o titulo de “Gasômetro da
Arte”. Homenagem concedida pela Fundação Cultural de Criciúma e Associação
Catarinense de Artes Visuais pelos relevantes serviços prestados no ensino e
divulgação das artes e preservação da cultura de nossa cidade.
No Laborativo, assim como nos demais coletivos, não há figura de líder,
sua autogestão é caracterizada pela cooperação e divisão de tarefas.
Buscando um espaço de maior visibilidade, nossos projetos têm sido
voltados ao espaço urbano, e buscam participação, interatividade e colaboração.
Como é o caso dos projetos Posto de Inconveniência e da Semana de
Ocupação Urbana (SOU).

4.1 POSTO DE INCONVENIÊNCIA: PROCESSOS DE COLABORAÇÃO E


COMUNICAÇÃO EM ARTE

O Posto de Inconveniência18 é um projeto artístico que surgiu em 2013,


sendo um local-ação de coleta que visa registrar, armazenar pontos de
inconveniência coletados por esta proposta.
A ação se desenvolve geralmente nas ruas, onde os membros do
Laborativo fazem um ato performático de convidar e coletar as inconveniências do
dia-a-dia dos transeuntes.

18
www.postodeinconveniencia.wordpress.com
34

Figura 5 - Laborativo. Posto de Inconveniência. 2013.


Fonte: Acervo da pesquisadora (2013)

O sujeito é abordado e convidado a pensar: “Qual seu ponto de


inconveniência?”
Em seguida, é realizado um registro por escrito em uma ficha, e logo após
ele recebe um adesivo para que possa legitimar seu ponto.

Figura 6 - Laborativo. Posto de Inconveniência. 2013.


Fonte: Acervo da pesquisadora (2013)
35

Figura 7 - Laborativo. Posto de Inconveniência. 2013.


Fonte: Acervo da pesquisadora (2013)

A proposta também se caracteriza como uma instalação-lugar que


interfere no percurso do sujeito na cidade, já que ao ocuparmos este espaço,
instauramos um espaço transitório de visibilidade que convida o transeunte a ativá-lo
pelo simples fato de percebê-lo para continuar o seu caminho.

Figura 8 - Laborativo. Posto de Inconveniência. 2013.


Fonte: Acervo da pesquisadora (2013)
36

Essa ação foi realizada no InterCIDADES/2013, uma exposição


coletiva, itinerante e internacional de arte contemporânea, criada para investigar
as possibilidades de colaboração e intercâmbio artístico entre duas cidades de
contextos, idiomas e geografias diferentes: Joinville/Brasil e Lansing/USA.
E também no 13º Salão Nacional de Artes de Itajaí, onde realizamos a
ação na praia Brava, em 15 dezembro de 2013.
Com o Posto de Inconveniência propomos uma reflexão dos espaços
da cidade, do corpo, do eu, do coletivo, da sociedade.
É interessante poder observar como esta simples pergunta “O que lhe
é inconveniente?” pode gerar inúmeras percepções do sujeito a respeito da
cidade e do ser que habita.
O objetivo deste projeto é exatamente esse, provocar o sujeito, sendo
um processo de manifesto, de compartilhamento de suas percepções, bastando-
se nesse primeiro momento sua função documental, informacional e
comunicativa, que suscitará em breve novos desmembramentos.
Vendo a cidade como um espaço de visibilidade artística, pensando nela
como produtora de sentido, espaço de criação, esta ação se desdobra em um
processo, na qual muitos teóricos se convencionaram a chamar: “arte contextual”19
(ARDENNE, 2004), “arte relacional”20 (BOURRIAUD, 1998), “arte dialógica”21
(KESTER, 2004). Já que é caracterizada pela interação e do diálogo entre o artista
e a comunidade no espaço urbano.

19 Sob o termo arte "contextual" vai entender todas as formas de arte que diferem da arte do sentido
tradicional: arte de intervenção, arte comprometida de caráter ativista (acontecimentos no espaço
público, "manobras"), arte que aproveita o espaço urbano ou paisagem, arte participativa. ARDENNE,
Paul. Un arte contextual: creación artística en medio urbano, en situación, de intervención, de
participación. Cartagena: Cendeac, 2006. 176 p.

20
Arte relacional é o conjunto de práticas artísticas que tomam como ponto de partida teórico e
prático o grupo de relações humanas e seu contexto social, em vez de um espaço autônomo e
privativo. BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2009.

21 Arte dialógica significa uma prática de tomada especial de arte, enfatizando o envolvimento da
comunidade e colaboração. Em muitos casos, a arte dialógica ou de base comunitária está
interessado na mudança social e envolve a capacitação dos membros da comunidade que se reúnem
para criar arte com os artistas. KESTER, Gran. Conversation Pieces: Community and
Communication in Modern Art. Berkeley: University of California Press, 2004.
37

Neste tipo de arte, o papel do público é drasticamente diferente das


formas mais tradicionais de arte. Em vez de simplesmente se envolver com uma
obra de arte, talvez em um cenário galeria depois que o artista produziu a obra, o
artista convida o público a ter um papel ativo, enquanto o trabalho está sendo
desenvolvido, utilizando muitas vezes o diálogo como meio artístico, em uma
variedade de formas, incluindo, mas não limitado a fala, escrita, e a participação
física.
Stephen Willats, descreve a diferença da relação entre público, artista e
arte em dois diagramas.

Figura 9 - "Relacionamento convencional da obra de arte entre o artista e o público", de


Stephen Willats
Fonte: Penoncello, 2010
38

Figura 10 - Um modelo socialmente interativo da prática da arte pelo artista Stephen Willats
Fonte: Penoncello, 2010

Na busca por novos espaços de visibilidade, muitos coletivos tem optado


por desenvolverem projetos artísticos baseados nessa prática.
Segundo a historiadora e crítica de arte norte-americana, Mary Jane
Jacob (apud NAJIMA, 2010, p.47), “a ação de artistas no espaço público gera um
processo de colaboração mútua entre a comunidade que recebe o artista e a obra
de arte.”
Para Najima (2010) os coletivos de arte propõem o uso de práticas
táticas, transformadoras em termos estéticos, culturais, sociais e políticos.
“Alcançam, assim, a condição de auto-transformação do artista no processo de
visibilidade, anteriormente atribuído somente ao monumento institucional estático,
contribuindo para a construção de valores de pertencimento”. (NAJIMA, 2010, p.47)
Dessa maneira, muitos coletivos tem atuado com propostas destinadas a
comunidade, como é o caso das ações do Laborativo que tem atuado em táticas
artísticas de visibilidade e de colaboração.
Adams (2007) usa Kester para explicar os tipos de colaboração existentes
na atuação dos coletivos na atualidade, na medida em que há diferentes formas de
produção e de relacionamento, que nos leva a um amplo debate acerca da fronteira
entre público e autoria, existindo hoje, uma ampla distinção entre participação,
interatividade e colaboração.
39

Dentro do amplo espectro de práticas de colaboração, Grant Kester


distingue três tipos que Adams (2007) renomeou da seguinte forma: o outro como
extra, como coadjuvante e como co-produtor.
Segundo Adams (2007, p.22):
A prática colaborativa em que o outro assume o lugar de um “extra” constitui
o modo mais fraco de colaboração. O outro – indivíduo, comunidade,
movimento ou lugar – aqui é uma face anônima que apenas faz figuração
para um evento ou situação, em que a contrapartida oferecida pelo artista é
o prazer presumido da participação no evento proposto.

No segundo caso, o outro como coadjuvante, o público auxilia a


produção, o artista neste caso procura estabelecer alguma troca com o lugar e com
as pessoas. O resultado disto como coloca Adams (2007, p.23), é que se acaba
“restringindo a colaboração produtiva à realização do evento ou da vivência, que é
então documentada e autorada (não consta do dicionário este verbo), sendo
circulada e/ou comercializada em circuitos de arte como objeto autoral.”
Já a terceira prática de colaboração, procura entender o outro como co-
produtor, ou seja a autoria do trabalho é compartilhada e dividida entre todos. Neste
caso o registro deixaria de ser um produto independente para onde converge a
ação.
Com o Posto de Inconveniência, almejamos desenvolver táticas de
coadjuvancia e co-produção com o público, na medida na qual no primeiro caso ele
é o produtor da informação, documentamos seu ponto por meio de um registro, e no
segundo caso, ele é co-produtor na medida em que legitima algum ponto de
inconveniência com o adesivo por nós oferecido.

4.2 SEMANA DE OCUPAÇÃO URBANA: PROCESSOS DE VISIBILIDADE

Muitos dos coletivos buscam outras formas de recepção para a arte e a


busca de atenção para outros espaços, como é o caso do Laborativo que
acreditando que é preciso também encarar o próprio espaço urbano como um novo
espaço às práticas artísticas idealizou o projeto Semana de Ocupação Urbana na
tentativa de criação de novos espaços de visibilidade de produção artística.
Por ocupação compreende-se:

sf (lat occupatione) 1 Ato ou efeito de ocupar, ou de se apoderar de


40

qualquer coisa. 2 Dir Posse de uma coisa com direito ou sem ele. [...]
Antôn (acepções 1 e 3): abandono; (acepção 4): ociosidade.
(MICHAELIS, 2013, s.p)

Denominamos ocupação, por instaurarmos a construção de um espaço de


visibilidade artística efêmero, um espaço que possibilite relações da arte com a vida
cotidiana, se apropriando de um território, neste caso, o território do espaço urbano
de Criciúma, e transformando-o em um espaço que acolhe propostas de artistas.
A Semana de Ocupação Urbana (SOU) foi um projeto que surgiu ao longo
de várias conversas e a partir de alguns questionamentos, um deles ligados à minha
própria experiência no decorrer da minha pesquisa de conclusão de curso, onde
concluí a dificuldade que o artista enfrenta quando se dispõe a usar o espaço urbano
como um espaço de arte.
Outro ligado a dificuldade de inserção de jovens artistas no mercado da
arte, da participação em exposição e da constituição de portfólios e carreira artistica.
Dessa maneira, o projeto surgiu também como uma oportunidade para outros
artistas que, como nós, enfrentavam dificuldades para expor seus trabalhos nas
grandes galerias, sendo uma alternativa a etilização da arte.
Um fator decisivo também para a idealização deste projeto foi o de atuar
como resposta às últimas movimentações sociais e políticas presentes de ocupação
das ruas e a emergência dessas práticas no contexto também da arte.
Pois nesse sentido, percebemos que em Criciúma, não havia nenhuma
regulamentação, nenhum projeto até o momento que viabilizasse ações para este
espaço. Quem desejaria realizar alguma arte, que ultrapassasse os espaços
institucionalizados, iria encontrar alguns entraves, pois não há lei ou projeto que
libere, apoie ou regulamente.
Mesmo a cidade possuindo uma universidade que oferece um curso em
Artes Visuais Bachalerado, víamos que eram poucas as produções direcionadas a
esse espaço, até porque não havia incentivo, diferente do que se vê em outras
cidades, onde o Poder Público incentiva tais ações, como Joinville (SC) com projetos
como o Out(art) e Intercidades, e Florianópolis (SC) com projetos como o Território
das Artes, ambos tendo como objetivo levar às ruas a produção cultural e
transformar a cidade em um espaço de convivência artística.
E por ultimo, visando atender o próprio Plano Nacional de Cultura de
Santa Catarina (2013) que coloca no eixo temático Criação, Produção e Inovação,
41

proposições de estratégias e ações que valorizem a criação artística e a expressão


de indivíduos e grupos dentro de uma coletividade, considerando a importância dos
processos de experimentação e de caráter amador, como também dos processos de
inovação que reflitam sobre a incorporação de novas linguagens e formas de
produção cultural. Dentre elas: Disponibilizar gratuitamente espaços públicos,
através de editais públicos periódicos de ocupação, para laboratórios de criação,
ensaios, apresentações e outras atividades culturais por parte de grupos,
associações, artistas independentes e entidades culturais. Criar e realizar editais
setoriais, anuais, regionais e estaduais, para fomentar a criação, produção e
inovação artística, inclusive para artistas iniciantes.
Este projeto acabou sendo aprovado em agosto pelo Edital nº 003/2013
Cultura Criciúma, que regulamenta a concessão de recursos financeiros destinados
a incentivar atividades culturais na cidade de Criciúma/SC, de acordo com o que
determina a Lei 6.158, de 24/09/2012.
A Semana de Ocupação Urbana ocorreu entre os dias 9 a 14 de
dezembro de 2013, e pretendeu através de um edital aberto a pessoas físicas,
selecionar 6 (seis) propostas artísticas a serem executadas nos espaços públicos de
Criciúma.
A ideia era justamente tentar minimizar as dificuldades encontradas pelos
artistas na atuação no espaço urbano na cidade, impedimentos esses que eu já
havia enfrentado anteriormente.
Por isso queríamos, através desta iniciativa, incentivar e possibilitar os
artistas, principalmente os iniciantes, a desenvolverem propostas artísticas que
ultrapassem o espaço tradicional das galerias e museus, ocupando o espaço urbano
de Criciúma (SC), construindo um novo olhar de apreciação estética sobre a cidade,
e desafiando os habitantes a ativar e ocupar os espaços que lhe são de direito.
Como objetivos desse projeto:
- Fomentar a criação, produção e inovação das linguagens, práticas e
processos artísticos norteados pelo tema da ocupação dos espaços públicos;
- Realizar 6 propostas artísticas nos espaços públicos selecionadas
através de edital;
- Promover uma ocupação cultural como encerramento da semana;
- Possibilitar aos habitantes novas formas de interação e fruição artístico-
cultural;
42

- Auxiliar na validação das proposições para o eixo temático Criação,


Produção e Inovação presente no Plano Estadual de cultura de Santa Catarina
dentre eles: Disponibilizar gratuitamente espaços públicos, através de editais
públicos periódicos de ocupação, para laboratórios de criação, ensaios,
apresentações e outras atividades culturais por parte de grupos, associações,
artistas independentes e entidades culturais. E criar e realizar edital para fomentar a
criação, produção e inovação artística, inclusive para artistas iniciantes.
As propostas poderiam ser individuais ou coletivas, de temática livre,
destinadas e executadas em um espaço público a ser escolhido pelo próprio artista
dentro da sua proposta encaminhada.
Os espaços públicos para a execução das propostas deveriam ser
escolhidos pelos artistas, e podiam compreender praças, ruas, canteiros, escadarias
onde o direito de ir e vir é total. Em caso de propostas cujas linguagens interfiriram
permanentemente no local seriam avaliadas, notificadas e solicitadas autorização
aos órgãos competentes.
Além disso todas as propostas selecionadas receberam um incentivo
financeiro de R$ 400,00.
O projeto na sua primeira edição recebeu ao todo 16 propostas, sendo
selecionadas:
 Rua Monstro da Deise Pessi
 Você acha que engana a morte? da Sossiedade Urbana
 Transgenerismo Virtual de Jefferson Kielwagen
 Relaxart de A. Neumaier
 Leve de Luana Conti
 ca-FÉ de Frank

4.2.1 Rua Monstro de Deise Pessi

Você já teve medo? Daqueles noturnos, de ter monstro embaixo da cama,


dentro do armário, atrás do sofá, na escuridão, ou aqueles grandes das
florestas? Pois bem, no fundo, no fundo, tudo era fruto de uma bela
imaginação. Com esta proposta, os monstros saem do imaginário e vão
para a rua. Passam a fazer parte do cotidiano da cidade. Alias, será que
estamos trazendo-os para a realidade ou entrando no imaginário? (PESSI,
2013)
43

Deise Pessi é natural de Criciúma, professora de artes formada pela


Universidade do Extremo Sul Catarinense e artista visual que trabalha com
sentimentos, sonhos, emoções e imaginação, através de poesia, pintura, desenhos,
e fotografia.
Procurando o sensível a artista Deise Pessi propôs criar sua “Rua
Monstro” realizando uma intervenção em 10 pontos de paradas de ônibus,
despertando o olhar criativo e imaginativo, questionando a realidade da passagem
antes corriqueira de uma rua.
A intervenção abria os trabalhos da SOU na segunda-feira se estendendo
ao longo da semana, e estava prevista para ocorrer ao longo da rodovia Luiz Rosso,
no bairro São Luiz. No entanto essa proposta, que seria permanente, até o prezado
momento não foi concluída, pois aguarda a liberação dos órgãos competentes.
A Rua Monstro faria parte de um projeto maior da artista que pretendia
desenvolver a partir desta proposta materiais a serem trabalhos nas escolas do
município.

4.2.2 Você acha que engana a morte? de Sossiedade Urbana

Em meio ao caos urbano as pessoas (propositalmente ou não) deixam de


pensar no real destino de todos: a morte. Utilizam-se de maneiras para
evitar pensar e falar sobre o assunto, transformando-o em algo metafísico:
“se eu não falo em alguma coisa, ela não existe.” (SOSSIEDADE URBANA,
2013)
44

Figura 11 – Sossiedade Urbana. Você Acha que Engana a Morte?. 2013


Fonte: Acervo da pesquisadora, 2013

O Sossiedade Urbana é um projeto proposto pelas artistas Fernanda


Piccolo e Rosane Machado de Andrade. Fernanda Piccolo, estudante e natural de
Criciúma, atua principalmente por meio de suas fotografias. Já Rosane Machado de
Andrade, natural de Uruguaiana, atua como professora, advogada e possui
programetes na rádio, juntas mantêm o Sossiedade Urbana que propõe sátira,
descontração e crítica social por meio de uma página22 em uma rede social. Seus
trabalhos incluem fotos e frases que deixam ao espectador o sabor das
interpretações de quem as visita.
Em meio ao caos urbano a Sossiedade Urbana questionou o movimento
desenfreado como uma corrida contra o tempo, evitando o inevitável: A morte.
Fugindo do assunto, transformando-o em metafísico na premissa de que
“se eu não falar, ela não existe”, diariamente as pessoas são empurradas pelo
tempo que parece correr cada vez mais rápido. Elas procuram se ocupar com muitas
coisas para evitar o pensamento de que este tempo cronológico é cruel e não volta
atrás. De maneira bem humorada e tratando esse destino, a intervenção que

22
www.facebook.com/sossiedadeurbana
45

aconteceu em vários pontos da cidade, com a colocação de cartazes, questiona


“VOCÊ ACHA QUE ENGANA A MORTE?”
A SOU possibilitou ao grupo, uma primeira oportunidade de sair no meio
virtual e expor seus trabalhos em um espaço físico.
A ação do Sossiedade Urbana ocorreu na terça-feira (10/12/2013) abrindo
efetivamente os trabalhos da semana em vários pontos da cidade (Av.
Av.Centenário, Parque das Nações, Av. Santos Dumont, Rod. Luiz Rosso, Pç do
Congresso, Pç Nereu Ramos e Sebo Alternativo.).
A intervenção, de caráter permanente, espalhou lambe-lambes em zonas
importantes, mas periféricas, da cidade de Criciúma, possibilitando não apenas a
transformação da cidade em galeria, mas também a reflexão do espaço urbano
como zona de fruição poética.

Figura 12 - Sossiedade Urbana. Você Acha que Engana a Morte?. 2013


Fonte: Acervo da pesquisadora, 2013
46

4.2.3 TRANSGENERISMO VIRTUAL por Jefferson Kielwagen

Em tempos de Laerte e Teresa Brant, discussões sobre identidade e gênero


estão em pauta. As redes sociais exploram os modelos tradicionais de
identidade de gênero para oferecer serviços de publicidade dirigida a nichos
– uma prática que não ajuda a descontruir os papéis de gênero tradicionais,
pelo contrário, sob a influência onipresente das redes sociais, esses papéis
parecem mais imutáveis do que nunca. Transgenerismo Virtual é um
contraponto poético e politico a essa situação. (KIELWAGEN, 2013)

Figura 13 - Jefferson Kielwagen. TRANSGENERISMO VIRTUAL. 2013


Fonte: Acervo da Pesquisadora, 2013

Jefferson Kielwagen (Joinville, 1979) é artista, curador e professor.


Estudou design e história da arte, expôs, publicou, e produziu exposições de
intervenção urbana e performance. Radicado em Michigan/EUA desde 2011, divide
seu tempo entre produção artística, curadoria e educação.
Para a SOU, Jefferson Kielwagen propôs uma reflexão sobre identidade,
gêneros e redes sociais. Essa proposta é a versão brasileira de Virtual
Transgenderism, um projeto iniciado em 2012 e que tem como meio principal as
interações e notificações do Facebook. Uma página do Facebook23 foi criada para
divulgar tutoriais, em idiomas diversos, incentivando e ensinando os usuários a
alterar o “sexo” de seus perfis para o oposto. Ao efetuar a mudança de sexo virtual,
o usuário impacta todos os seus contatos porque as notificações de suas atividades

23
www.facebook.com/virtualtrans
47

passam a ser exibidas com pronomes do sexo oposto (por exemplo, “Jefferson
postou uma foto no mural DELA”).
Isso gera um estranhamento que inicia conversas, interações e sugestões
de uma normatividade de gênero nas redes sociais. Ao mesmo tempo, a mudança
expõe o “truque” do Facebook: ao alterar-se as informações pessoais no perfil, o
usuário passa a receber anúncios de produtos diferentes.

Figura 14 - Jefferson Kielwagen. TRANSGENERISMO VIRTUAL. 2013


Fonte: Acervo da Pesquisadora, 2013

Para a SOU, o projeto foi apresentado como uma espécie de campanha,


apropriando-se da forma das campanhas políticas, das campanhas publicitárias, e
do proselitismo religioso. Para a realização da proposta, artistas locais foram
convidados a realizar a panfletagem desse tutorial produzido pelo artista.
A ação aconteceu na quarta-feira (11-12-2013) na Praça Nereu Ramos, e
saída do terminal central de Criciúma.
48

4.2.4 LEVE por Luana Conti

Tenho como objetivo disseminar a cultura literária e divulgar autores locais


(Criciúma e região) de maneira prática e facilitada, além de acessível a
todos, de modo similiar ao que já aconteceu em Porto Alegre.(CONTI, 2013)

Figura 15 – Luana Conti. LEVE. 2013


Fonte: Acervo da Pesquisadora, 2013

Luana Conti é de Criciúma, estudante de Bacharelado em Tecnologias da


Informação e Comunicação, na Universidade Federal de Santa Catarina, se
considera uma aspirante à escritora, e mantém um blog Poesia de Aluguel24.
Com a intenção de despertar o olhar do leitor criciumense para a
produção local, a proposta LEVE, de Luana Conti, propôs uma invasão poética de
textos de escritores locais nos ônibus que circulam pela cidade.
O trabalho, em uma ação simples de colar adesivos com trechos de texto
na janela dos ônibus, ativa o espaço intermediário entre um destino e outro,
transformando-o em um espaço de fruição literária e cria novas janelas para
consumo da produção local.
A intervenção, de caráter permanente, ocorreu nos ônibus da cidade.

24
http://poesiadealuguel.blogspot.com.br/
49

Figura 16 - Luana Conti. LEVE. 2013


Fonte: Acervo da Pesquisadora, 2013

4.2.5 RELAXART por A. Neumaier

Transito todos os dias pelo terminal central de Criciúma e me recordo que


os jovens ficavam sentados conversando no peitoril da subida para o
acesso aos ônibus, e poucos dias atrás chamou-me a atenção que foi
colocado duas correntes amarelas impedindo que os jovens permaneçam
naquele local. (NEUMAIER, 2013)
50

Figura 17 – A. Neumaier. RELAXART. 2013


Fonte: Acervo da Pesquisadora, 2013

Angélica Neumaier é natural de Santa Maria (RS) onde graduou-se


bacharel em Desenho e Plástica, especializou-se em design para estamparia na
mesma universidade. Reside em Santa Catarina na cidade de Cocal do Sul há 19
anos, transferiu-se para SC para atuar na área de design cerâmico e na área de
educação atuando como professora do curso de Artes Visuais da Unesc. Participou
de várias exposições desde 1986, nas áreas de estamparia têxtil, pintura,
xilogravura. Em seus objetos de arte explora os temas da infância, da memória, com
materiais alternativos e reciclados através da gravura (serigrafia), pintura, colagem e
costura, como palimpsestos, explorando a fusão de cores e sobreposição de
texturas.
A proposta de A. Neumaier aconteceu na sexta-feira (13-12-2013) e se
conectou diretamente com o espaço urbano mais especificamente com o terminal de
ônibus. Sua proposta é uma instalação que tem como objetivo principal potencializar
os terminais urbanos como espaços de socialização, e não somente como espaços
de passagem.
Utilizando materiais descartados de serigrafia, resultado
da obsolescência programada de materiais da indústria, A. Neumaier criou um
51

espaço de relaxamento em pleno terminal central, questionando o local de


passagem e o local de permanência, e com isso despertando nosso olhar para o
passageiro e o seu trânsito/parado.
Ao colocar os dispositivos para descanso com paisagens incomuns
aquele espaço, ela criou uma Ação/Lugar de permanência, questionando habitações
e a corrida desenfreada do dia-a-dia.

Figura 18 - A. Neumaier. RELAXART. 2013


Fonte: Acervo da Pesquisadora, 2013
52

4.2.6 Ca-FÉ por Frank

Em razão da grande demanda por espaços culturais, propus a construção


deste acontecimento, que de maneira dinâmica seria ponte entre o possível
e o impossível. (RAUPP, 2013)

Figura 19 – Ca-FÉ. Frank Raupp. 2013


Fonte: Acervo da Pesquisadora, 2013

Frank Raupp é acadêmico de Artes Visuais (licenciatura), tem 23 anos, e


é bolsista de extensão no setor Arte e Cultura da Universidade do Extremo Sul
Catarinense (UNESC), no setor trabalha com acervo e produção cultural.
Para a SOU ele realizou a proposta Ca-FÉ onde propôs, por meio do
happening, a realização de um café na Gruta Nossa Senhora de Lourdes,
questionando e resignificando a ocupação daquele ambiente.
O local que é visto como ponto de fé, foi ativado por meio desta ação
como um lugar ocupação não convencional.
53

Figura 20 - Ca-FÉ. Frank Raupp. 2013


Fonte: Acervo da Pesquisadora, 2013

O fato da gruta não estar abandonada, porém permanecer fechada,


configurou o desejo de chamar atenção para este lugar, ocupá-lo de outra maneira
para proporcionar a outras pessoas a possibilidade de conhecê-lo, buscando atrair a
atenção do publico para este ambiente.
Com esta proposta, o espaço pôde ser aberto ao público no sábado
(12/12/2013) e dentro desta ação aconteceu também a discussão de encerramento
da SOU.
54

7 CONCLUSÃO

É possivel perceber que os artistas vem se agrupando ao longo da


história por inúmeras necessidades, e vão assumindo novas formas e intenções
coletivas. Essas por sua vez, indicam a necessidade de uma reflexão sobre a atual
situação do campo artístico na contemporaneidade, que como vimos no Brasil gera
em torno da criação de novos espaços de visibilidades e colaboração.
O Laborativo transita nesse deslocamento, entre envolver-se na sua
própria produção enquanto coletivo que cria, como no caso o Posto de
Inconveniência, tão como, atuar como produtor de espaços de visibilidade não
tradicionais, neste caso com o projeto Semana de Ocupação Urbana.
Com o Posto de Inconveniência, buscamos visibilidade de nossa própria
produção artística coletiva, já que realizada num espaço urbano procuramos realizar
uma ação que comunicasse diretamente com o seu público.
Este projeto contribuiu no surgimento de novas práticas de colaboração
artística, na medida em que os processos de colaboração, aqui, vão além da
produção coletiva entre nós artistas, participantes do Laborativo. O projeto se
devolve juntamente com a comunidade, em processos de colaboração de
coadjuvancia e co-produção, instaurando um modelo socialmente interativo da
prática da arte.
Esta produção coletiva imersa em colaboração, difere da produção
baseada em objetos, o objeto é produzido isoladamente e consumido
separadamente, e já que neste caso, a uma ausência de objeto, o trabalho é
situacional, contextual e comunicativo.
Se por um lado, a arte objetual provoca admiração, a epifania ou o
choque, sendo necessário uma educação estética e conhecimento da história da
arte para a apreciação de tal objeto, propostas de colaboração artística basicamente
provocam um intercâmbio e diálogo, promovendo um discurso racional, e
pressuposto de que nenhum conhecimento prévio da história da arte é necessário,
na medida que circulando em espaços alternativos da arte, não precisam de tal
aprovação ou até mesmo reconhecimento.
Muitos dos sujeitos abordados com esta proposta, não compreenderam a
ação como uma proposta artística, muitos inclusive acreditavam que éramos
55

realmente alguma espécie de fiscais da prefeitura ou representantes de alguma


ONG.
No segundo projeto, Semana de Ocupação Urbana, proporcionamos uma
iniciativa coletiva para possibilitar à outros artistas a pensarem o espaço urbano,
como um ambiente de visibilidade artística.
Todas as propostas na sua primeira edição trataram exatamente de criar
um incidente que alterasse o cotidiano das pessoas, possibilitando aos habitantes
novas formas de interação.
O projeto também criou novos espaços de visibilidade artística, dos seis
artistas que participaram da semana, três nunca haviam atuado em espaço urbano.
Por meio deste projeto acreditamos que houve uma renovação da
questão da ampliação dos espaços de visibilidade, bem como, o papel do artista, já
que lançamos um desafio aos artistas a criarem propostas a serem executadas em
um ambiente fora de sua zona de atuação, e transformando-o o espaço urbano, em
um espaço provisório para a arte.
Atuamos coletivamente neste projeto junto com os artistas, não como um
coletivo que defende questões estéticas em comum, e sim, unidos para na obtenção
de novos espaços de visibilidade dentro da cidade de Criciúma(SC).
Não é somente a ocupação de espaços não tradicionais do circuito de
exibição estabelecido que torna este projeto merecedor de um olhar mais atento,
mesmo sendo idealizado por uma iniciativa coletiva. Mas é interessante sua
estratégia de abertura de um outro caminho para a visibilidade dos trabalhos de
outros artistas, que não passa diretamente pelo sistema das artes, re-elaborando
outras formas de apresentação e circulação de seus trabalhos e legitimação dos
artistas.
A SOU enfrentou algumas questões políticas em sua ação e questionou
os limites de atuação artistica.
Mesmo sendo um projeto aprovado em edital de cultura, tendo apoio da
Fundação Cultural de Criciúma, Prefeitura Municipal de Criciúma, e Conselho
Municipal de Cultura de Criciúma, encontramos algumas dificuldades na obtenção
de autorização para uso dos espaços a serem utilizados pelas propostas
selecionadas, o que resultou no atraso do cronograma estabelecido para a Semana,
como foi o caso da proposta Rua Monstro, onde até o presente momento não
conseguimos liberação por parte dos órgãos competentes.
56

O Laborativo não é uma iniciativa que rejeita o olhar do circuito artístico.


Prova disso é a sua participação em algumas exposições.
Apenas buscamos através dos projetos Posto de Inconveniência e
Semana de Ocupação Urbana uma autonomia e possibilidade de experimentação.
Nosso desejo nasceu de uma falta e instalou uma necessidade, o poder
publico precisa compreender o artista.
O projeto SOU pôde contribuir ao transbordamento das práticas artísticas
pela cidade, bem como, abertura e possibilidade desta circulação e o deslocamento
dos lugares privilegiados de fruição artístico-cultural em Criciúma, provocando uma
contaminação, pois os trabalhos penetraram na vida cotidiana, não havendo
indicações sobre os trabalhos ou autoria.
Tanto o Posto de Inconveniência, quanto a Semana de Ocupação Urbana
são projetos, isto quer dizer que não estão concluídos.
No caso do Posto de Inconveniência, a ideia é encaminhar esse projeto
sempre que possível para editais alternativos em outras cidades.
E no caso da SOU, acreditamos na possibilidade de se haver outras
edições, acreditando que este projeto tem muito potencial, podendo futuramente
propor uma nova edição, e desta maneira, continuando sua trajetória na
programação de atividades culturais do município, já que ela pôde incentivar e
possibilitar aos artistas, principalmente os iniciantes, a desenvolverem propostas
artísticas que ultrapassassem o espaço tradicional das galerias e museus, ocupando
o espaço urbano de Criciúma, construindo, dessa maneira, um novo olhar de
apreciação estética sobre a cidade, e desafiando os habitantes a ativarem e
ocuparem os espaços que lhe são de direito.
57

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