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I.

O Tribunal de Cristo

Em 2 Coríntios 5.10 e Romanos 14.10, embora na última passagem a leitura


correta seja "o tribunal de Deus", é declarado que os crentes serão examinados diante
do Filho de Deus. Isso é explicado com maiores detalhes em 1 Coríntios 3.9-15. Assunto
de tamanha seriedade exige atenção cuidadosa.

A. O significado do tribunal. Existem duas palavras traduzidas por "tribunal"


no Novo Testamento. A primeira é critërion, usada em Tiago 2.6 e em 1 Coríntios 6.2,4.
De acordo com Thayer, essa palavra significa "instrumento ou meio de pôr à prova ou
julgar qualquer coisa; lei pela qual alguém julga" ou "local onde o julgamento é feito;
tribunal de juiz; banca de juizes". (Joseph Henry THAYER, Greek-English lexicon of the
New Testament, p. 362) Conseqüentemente a palavra se referia ao padrão ou critério
pelo qual o julgamento era dispensado ou ao local onde o julgamento era realizado. A
segunda palavra é bêma, a respeito da qual Thayer diz:
...local elevado cujo acesso se fazia por degraus; plataforma, tribuna;
usada em relação ao assento oficial de um juiz, Atos 18.2,16 [...] assento de
julgamento de Cristo, Romanos 14.10 [...] a estrutura, assemelhando-se a um
trono, que Herodes construiu no teatro em Cesaréia e a qual ele usava para
assistir aos jogos e fazer discursos ao povo...(Ibid., p. 101)

Com respeito ao seu significado e uso, Plummer escreve:


O [...] [bêma] é o tribunal, seja numa basílica para o pretor numa corte de
justiça, seja num acampamento militar para o comandante administrar disciplina
e dirigir-se às tropas. Em qualquer um dos casos, o tribunal era uma plataforma
na qual se colocaria o assento (sella) do oficial que presidia. Na LXX... [bêma]
comumente significa plataforma ou andaime em vez de assento. (Ne 8.4...) No
Novo Testamento parece significar geralmente o assento [...] Mas em alguns
trechos significa uma plataforma na qual o assento é colocado. No Areópago o
[...] [bêma] era uma plataforma de pedra [...] Por mais afeiçoado que Paulo fosse
a metáforas militares e por mais que gostasse de comparar a vida cristã à guerra,
é pouco provável que estivesse pensando em um tribunal militar aqui. (Alfred
PLUMMER, A critical and exegetical commentary on the second epistle to the
Corinthíans, p. 156)

De acordo com Sale-Harrison:


Nos jogos gregos de Atenas, a velha arena tinha uma plataforma elevada
na qual se assentava o presidente ou juiz da arena. De lá ele recompensava
todos os competidores; e lá ele recompensava todos os vencedores. Era
chamado "benta" ou "assento de recompensa". Nunca foi usado em referência a
um assento judicial. (L. SALE-HARRISON, Judgement seat of Christ, p. 8)
Desse modo, associa-se a essa palavra a idéia de proeminência, dignidade,
autoridade, honra e recompensa, e não a idéia de justiça e julgamento. A palavra que
Paulo escolheu em referência ao local diante do qual se dará esse acontecimento deixa
prever seu caráter.

B. A ocasião do bema de Cristo. O acontecimento aqui descrito ocorre


imediatamente após a translação da igreja para fora da esfera terrestre. Existem várias
considerações que apóiam essa informação.
1) Em primeiro lugar, de acordo com Lucas 14.14, recompensa está associada
à ressurreição. Visto que, de acordo com 1 Tessalonicenses 4.13-17, a ressurreição é
parte fundamental da translação, o galardão deve ser parte desse plano.
2) Quando o Senhor retornar à terra para reinar, a noiva é vista como já
recompensada. Isso é observado em Apocalipse 19.8, em que a "justiça dos santos" é
plural ("atos de justiça") e não pode referir-se à justiça imputada de Cristo, que é a
porção do crente, mas aos atos de justiça que sobreviveram ao exame e tornaram-se a
base do galardão.
3) Em 1 Coríntios 4.5, em 2 Timóteo 4.8 e em Apocalipse 22.12, o galardão está
associado com "aquele dia", quer dizer, o dia em que Ele vier para os Seus. Desse
modo, devemos notar que o galardão da igreja acontecerá entre o arrebatamento e a
revelação de Cristo à terra.

C. O lugar do bema de Cristo. Não é preciso destacar que esse exame deve
realizar-se na esfera das regiões celestes. 1 Tessalonicenses 4.17 diz que seremos
"arrebatados [...] entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares". Visto que o bema
segue a translação, os "ares" devem ser o seu palco. Isso também é apoiado por 2
Coríntios 5.1-8, em que Paulo descreve os acontecimentos que ocorrem quando o
crente "deixar o corpo e habitar com o Senhor". Desse modo, isso deve acontecer na
presença do Senhor na esfera dos "lugares celestiais".

D. O Juiz no bema de Cristo. 2 Coríntios 5.10 deixa claro que esse exame é
conduzido diante da presença do Filho de Deus. João 5.22 declara que todo o
julgamento foi confiado às mãos do Filho. O fato de esse mesmo acontecimento ser
citado em Romanos 14.10 como "o tribunal de Deus" mostraria que Deus confiou o
julgamento às mãos do Filho também. Parte da exaltação de Cristo é o direito de
manifestar autoridade divina no julgamento.

E. Os participantes do bema de Cristo. Pouca dúvida deve haver de que o


bema de Cristo está relacionado apenas aos crentes. O pronome pessoal na primeira
pessoa ocorre com tão grande freqüência em 2 Coríntios 5.1-19 que não pode ser
desprezado. Apenas o crente poderia ter "uma casa não feitas por mãos, eterna, nos
céus". Apenas um crente poderia experimentar "mortalidade [...] absorvido pela vida".
Apenas um crente poderia experimentar o trabalho de Deus, "que nos preparou para
isto, outorgando-nos o penhor do Espírito". Apenas um crente poderia ter a confiança
de que, "enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor". Apenas um crente poderia
andar "por fé, e não pelo que vemos".

F. A base da avaliação no bema de Cristo. Devemos observar cuidado-


samente que a questão aqui não é verificar se o julgado é ou não o crente. A questão
da salvação não está sendo considerada. A salvação ofertada ao crente em Cristo
livrou-o perfeitamente de todo o julgamento (Rm 8.1; Jo 5.24; l Jo 4.17). Trazer o crente
para o julgamento do pecado, quer de pecados anteriores ao novo nascimento, quer de
pecados desde o novo nascimento, quer de pecados não confessados, é negar a
eficácia da morte de Cristo e anular a promessa de Deus de que "também de nenhum
modo me lembrarei dos seus pecados e das suas iniqüidades, para sempre" (Hb 10.17).
Pridham escreve:

A palavra traduzida por "compareçamos" em 2 Coríntios 5.10 poderia ser mais


bem traduzida por "sejamos manifestos", de modo que o versículo diria: "Porque importa
que todos sejamos manifestos". Isso implica que o propósito do bëma é fazer uma
manifestação pública, demonstração ou revelação do caráter e das motivações
essenciais do indivíduo. A observação de Plummer: "Não seremos julgados en masse,
ou em classes, mas um por um, de acordo com o mérito individual” (PLUMMER, op. cit.,
p. 157) confirma o fato de ser esse um julgamento individual dos crentes perante o
Senhor.
As obras dos crentes são julgadas, chamadas "o [...] que tiver feito por meio do
corpo" (2 Co 5.10), a fim de que possa ser apurado se são boas ou más. Com respeito
à palavra mal (phaulos), devemos observar que Paulo não usa as palavras comuns
correspondentes a mal (kakos ou ponêras), que significam o que é ética ou moralmente
maléfico, mas, sim, a palavra que, segundo Trench, significa:
... maldade sob outro aspecto, não o de maldade ativa ou passiva, mas
de inutilidade, de impossibilidade de gerar qualquer bem [...] Essa noção de
inutilidade ou desvalor é a noção central... (Richard C. TRENCH, New Testament
synonyms, p. 296-7)

Desse modo o julgamento não determina o que é eticamente bom ou mau, mas,
pelo contrário, o que é aceitável e o que não tem valor. O propósito do Senhor não é
punir Seu filho pelos pecados, mas recompensar seu serviço pelas coisas feitas em
nome do Senhor.

G. O resultado do exame no bema de Cristo. 1 Coríntios 3.14,15 declara que


esse exame terá duplo resultado: um galardão recebido e outro perdido.
O que determina se alguém recebe ou perde um galardão é a prova pelo fogo,
pois Paulo escreve: "Manifesta se tornará a obra de cada um [a mesma palavra usada
em 2Coríntios 5.10]; pois o Dia a demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e
qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará" (1 Co 3.13). Nessa declaração é
evidente, em primeiro lugar, que são as obras do crente que estão sendo examinadas.
Além disso, vemos que o exame não é um julgamento baseado em observação externa;
pelo contrário, é um teste que apura o caráter e a motivação interna. Todo o propósito
de uma prova pelo fogo é identificar o que é destrutível e o que é indestrutível.
O apóstolo afirma que existem duas classes de materiais com que os
"cooperadores de Deus" podem construir o edifício cujo alicerce já foi estabelecido.
Ouro, prata, pedras preciosas são materiais indestrutíveis. Essas são as obras de Deus,
das quais o homem simplesmente se apropria e usa. Por outro lado, madeira, feno e
palha são materiais destrutíveis. São as obras do homem, que ele produziu com seus
próprios esforços. O apóstolo revela que o exame no bema de Cristo visa a detectar o
que foi feito por Deus mediante as pessoas e o que foi feito pela própria força do homem;
o que foi feito para a glória de Deus e o que foi feito para a glória da carne.

1. Com base nesse teste, haverá duas decisões. Haverá perda de recompensa
para o que for destrutível pelo fogo. Coisas feitas na força e para a glória da carne,
independentemente do ato, serão reprovadas. Paulo expressa seu medo de depender
da energia da carne e não do poder do Espírito quando escreve: "Mas esmurro o meu
corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo
a ser desqualificado" (1Co 9.27).
Quando Paulo usa a palavra desqualificado (adokimos), ele não está
expressando medo de perder sua salvação, mas de ter sua obra declarada "inútil". A
respeito disso, Trench escreve:
No grego clássico a palavra técnica para aplicar dinheiro em algo [...]
[dokimê] ou evidência, com a ajuda de [...] [dokimion] ou prova [...] aquilo que é
atestado por essa evidência [...] [dokimos, aprovado], aquilo que não é
confirmado pela evidência [...] [adokimos, desaprovado ou rejeitado]... (Ibid., p.
260)
Para se garantir contra uma possível interpretação de que sofrer uma perda
significa perder a salvação, Paulo acrescenta: "mas esse mesmo será salvo, todavia,
como que através do fogo" (1 Co 3.15).

2. Haverá um galardão pela obra demonstrada indestrutível pela prova de fogo.


No Novo Testamento existem cinco áreas em relação às quais se mencionam
especificamente o galardão:
1) uma coroa incorruptível para os que obtiveram vitória sobre o velho
homem (1 Co 9.25);
2) uma coroa de alegria para os ganhadores de almas (l Ts 2.19);
3) uma coroa de vida para os que suportaram a provação (Tg 1.12);
4) uma coroa de justiça para os que amam a Sua vinda (2Tm 4.8) e
5) uma coroa de glória para os que se dispuseram a apascentar o
rebanho de Deus (l Pe 5.4). Essas passagens parecem revelar as áreas em que
as recompensas serão concedidas.

Em Apocalipse 4.10, em que os anciãos são vistos lançando suas coroas perante
o trono num ato de louvor e adoração, fica claro que as coroas não serão para a glória
eterna de quem as recebeu, mas para a glória de Quem as concedeu.

Isso continuará por toda a eternidade. Visto que o galardão é associado a luz e brilho
em muitos trechos das Escrituras (Dn 12.3, Mt 13.43; 1 Co 15.40,41,49), o galardão
dado ao crente pode ser a capacidade de manifestar a glória de Cristo pela eternidade.
Quanto maior o galardão, maior a capacidade dada de glorificar a Deus. Desse modo,
no exercício do galardão do crente, Cristo, e não o crente, é glorificado.
A capacidade de irradiar a glória será diferente, mas não haverá sensação
pessoal de carência uma vez que cada crente abundará até o limite de sua capacidade,
"a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz" (l Pe 2.9).

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