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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE - UFAC

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH


CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
HABILITAÇÃO EM SOCIOLOGIA

BEATRIZ TAYNÁ SOUZA BRITO

ENTRE O CAOS E A ORDEM: RELAÇÕES SOCIAIS E PERCEPÇÕES SOBRE O


TERMINAL URBANO FRANCISCO ALVES RIBEIRO EM RIO BRANCO - ACRE

RIO BRANCO – AC
2018
BEATRIZ TAYNÁ SOUZA BRITO

ENTRE O CAOS E A ORDEM: RELAÇÕES SOCIAIS E PERCEPÇÕES SOBRE O


TERMINAL URBANO FRANCISCO ALVES RIBEIRO EM RIO BRANCO - ACRE

Monografia apresentada ao Curso de


Bacharelado em Ciências Sociais da
Universidade Federal do Acre – UFAC,
como requisito para a obtenção do Título de
bacharel em Ciências Sociais.

Orientadora: Profa. Dra. Marcia Meireles de


Assis

RIO BRANCO – AC
2018
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAC

B862e Brito, Beatriz Tayná Souza, 1995 -


Entre o caos e a ordem: relações sociais e percepções sobre o terminal
urbano Francisco Alves Ribeiro em Rio Branco - Acre / Beatriz Tayná Souza
Brito; orientador: Drª. Márcia Meireles de Assis. – 2018.
123 f. : il. ; 30 cm.

Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Acre, Centro de Filosofia


e Ciências Humanas, Curso de Ciências Sociais. Rio Branco, 2018.
Inclui referências bibliográficas.

1. Terminal urbano. 2. Relações sociais. 3. Significações. I. Assis, Márcia


Meireles de (orientador). II. Título.

CDD: 301

Bibliotecária: Nádia Batista Vieira CRB-11º/882.


BEATRIZ TAYNÁ SOUZA BRITO

ENTRE O CAOS E A ORDEM: RELAÇÕES SOCIAIS E PERCEPÇÕES SOBRE O


TERMINAL URBANO FRANCISCO ALVES RIBEIRO EM RIO BRANCO - ACRE

Monografia apresentada à Coordenação do


Curso de Bacharelado em Ciências Sociais
da Universidade Federal do Acre – UFAC,
como requisito para obtenção do Título de
bacharel em Ciências Sociais.

Rio Branco, ___ de _________ de ______.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________
Profa. Dra. Marcia Meireles de Assis
Orientadora
Curso de Ciências Sociais Centro de Filosofia e Ciências HumanasUFAC

_____________________________________
Profa. Dra. Marisol de Paula Reis Brandt
Membro – interno
Curso de Ciências Sociais Centro de Filosofia e Ciências HumanasUFAC

_____________________________________
Prof. Manoel Coracy Saboia Dias
Membro – interno
Curso de Filosofia Centro de Filosofia e Ciências HumanasUFAC
Dedico esta pesquisa a toda a minha família,
em especial à minha mãe e ao meu pai.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter me dado forças para seguir em frente, mesmo diante das
dificuldades e inseguranças. Agradeço à minha família por estar presente em minha
vida durante toda a graduação, a família é lar, lugar de união, gratidão e aconchego
como delicadamente escreveu Manuel Bandeira: “Tu que me deste o teu carinho e
que me deste o teu cuidado, acolhe ao peito, como o ninho”. Meus agradecimentos
em especial são à minha mãe Maria Souza Brito e meu pai Marcos José de Souza,
que só dormiam ao me ver chegar da universidade, e à minha irmã Letícia Brito de
Souza por tanto me ensinar e também aprendermos juntas.

Agradeço ao Quelvis Sarafim de Souza, por estar ao meu lado nesta caminhada,
sabe-se que o início da nossa história tem muita ligação com o Terminal Urbano, o
que me levou a acreditar que as pessoas ali se relacionam e se permitem sentir:
“Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que
o Universo não tem ideias. ” (Fernando Pessoa).

Agradeço à minha orientadora Profa. Marcia Meireles por surgir no curso e com todo
o carinho e paciência me ouvir, me guiar e iluminar meus pensamentos em um
momento crítico da graduação, em que eu estava confusa, perdida e desmotivada.
Pelo o seu amor incondicional pelas Ciências Sociais, me proporcionando uma
experiência incrível sobre pesquisa. Como escreveu de forma modesta e sincera
Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.
Agradeço a todos os professores que contribuíram para a minha formação, com a
dádiva do conhecimento, me fazendo pensar de forma crítica e questionadora a
realidade. “O conhecimento une cada um consigo mesmo e todos com todos. ” (José
de Sousa Saramago). Agradeço aos colegas que se fizeram presentes no curso,
desde aqueles que iniciaram e tiveram que partir aos que estiveram até as últimas
disciplinas vencendo cada obstáculo, como escreveu Carlos Drummond de Andrade:
“As dificuldades são o aço estrutural que entra na construção do caráter.”.

Agradeço as pessoas que participaram direta e indiretamente na construção desta


pesquisa, guardo uma imensa gratidão pelo apoio e contribuição de todos os
entrevistados, em especial aos vendedores ambulantes, que deram muito de si.
“A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas
pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que
todo mundo vê. ”

(Arthur Schopenhauer)
RESUMO

ENTRE O CAOS E A ORDEM: RELAÇÕES SOCIAIS E PERCEPÇÕES SOBRE O


TERMINAL URBANO FRANCISCO ALVES RIBEIRO EM RIO BRANCO – ACRE: é
uma pesquisa realizada entre os anos de 2016 e 2018 no Terminal Urbano
Francisco Alves Ribeiro em Rio Branco – Acre, o problema que conduziu a pesquisa
em questão foi: De que modo as relações sociais vivenciadas no Terminal Urbano,
contribuem para produzir as significações sobre esse espaço-lugar? E a hipótese foi:
As relações sociais contribuem por meio da interação entre as pessoas e grupos,
que compartilham suas crenças, valores e opiniões, e a partir disso, atribuem
significados ao Terminal Urbano. A pesquisa está permeada por dicotomias, que
dizem respeito às concepções sobre o Terminal, que é simultaneamente espaço e
lugar, lugar antropológico e não-lugar, caos e ordem. O objetivo geral desta
pesquisa é conhecer a dinâmica das relações sociais e significações do Terminal
Urbano, enquanto um espaço de produção da vida social. No âmbito metodológico,
foi utilizada uma abordagem qualitativa, tendo sido feito um estudo de caso e
realizada a técnica de observação, os instrumentos de coleta de dados incluem os
diários de campo, as entrevistas, o registro fotográfico e a pesquisa documental,
sendo que no processo de pesquisa a identidade dos informantes foi resguardada.
No decorrer da pesquisa o Terminal Urbano pôde ser entendido como um espaço
social com suas múltiplas faces e contradições, o lugar do eu, o lugar do outro e o
não-lugar, ao mesmo tempo em que é um espaço-lugar de produção da vida social
em que as pessoas interagem e dão significados ao espaço e às suas vidas. Neste
sentido, pode-se dizer que as relações sociais no Terminal são frágeis e
passageiras, e os significados sobre o Terminal se dão a partir do uso que as
pessoas fazem dele, e não a partir das relações que elas estabelecem.

Palavras-chave: Terminal Urbano. Relações Sociais. Significações.


ABSTRACT

BETWEEN THE CHAOS AND ORDER: RELATIONS AND PRECEPTIONS ABOUT


THE URBAN TERMINAL, FRANCISCO ALVES RIBEIRO IN RIO BRANCO – ACRE:
this is a researching realized between the 2016 and 2018, in the urban terminal
Francisco Alves Ribeiro in Rio Branco – Acre, the trouble that conducted the
searching was: What’s the way that the social relations lived in the urban terminal,
contribute to produce the significations about that space-place? And the hypothesis
was: The social relations contribute as an interaction between the people and
groups, who shared their beliefs, valors and opinions, wich stablishes, a meaning
about the urban terminal. The researching is around dichotomies that talk about the
conceptions that describes the urban terminal, that is, simultaneously, space and
place, an anthropomorphic place and none-place, chaos and order. The main
objective in that research is to know the social relation and significations from the
urban terminal, while a space- place of production of social life in a methodological
sphere. It was used a qualitative approach, we made a study case and realized the
observation technic, the data instruments, including the interview, the photograph
record and the documents search, being, in this searching process, the informer
identities was kept in secret, during the searching, the urban terminal can be
understood as a social space with her many faces and contradictions, the place of
me, the place of another, and none-space, at the same time is a space-place of
social life production, where the people interact and give meanings to that space and
her lives. In that tenor, can be say what the social relations in urban terminal, that are
fragilis and temporaries, and the meanings about the urban terminal are made,
initially, from the use whose the people make of this, and not around the relations
that stablishes.

Keywords: Urban Terminal. Social Relations. Meanings.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Escrever é a maior arma do pesquisador .............................................................. 22


Figura 2. Navio, canoas e batelões ancorados no Rio Acre ................................................. 33
Figura 3. Porto da Gameleira ............................................................................................... 34
Figura 4. Desembarque de passageiros no Rio Acre, em Rio Branco, dos vapores Niterói e
Sobral Santos ...................................................................................................................... 35
Figura 5. Ônibus improvisado que fazia a linha do bairro 6 de Agosto ao bairro Quinze, nos
anos 1940 ............................................................................................................................ 37
Figura 6. Entrega dos ônibus à empresa Irmãos Lameira, em 1969 .................................... 37
Figura 7. Ônibus da empresa Irmãos Lameira, em 1980, em frente ao Palácio Rio Branco . 38
Figura 8. Parada de ônibus no centro da cidade de Rio Branco e o ônibus da linha 207
Cohab do Bosque, em 1992 ................................................................................................ 38
Figura 9. Terminal Urbano Francisco Alves Ribeiro, em Rio Branco- AC ............................. 39
Figura 10. O caos no Terminal Urbano ................................................................................ 48
Figura 11. A ordem no Terminal Urbano .............................................................................. 48
Figura 12. Percepções das pessoas sobre o Terminal Urbano ............................................ 50
Figura 13. As acomodações do Terminal Urbano ................................................................ 51
Figura 14. Plataforma A do Terminal Urbano ....................................................................... 58
Figura 15. Plataforma B do Terminal Urbano ....................................................................... 60
Figura 16. Plataforma C do Terminal urbano ....................................................................... 61
Figura 17. Placas indicando a saída .................................................................................... 62
Figura 18. Placas com proibições ........................................................................................ 62
Figura 19. Placa que proíbe fumar ....................................................................................... 63
Figura 20. Placa que proíbe o embarque em local de desembarque ................................... 63
Figura 21. As grades do Terminal Urbano ........................................................................... 65
Figura 22. Grades que segregam o Terminal Urbano .......................................................... 65
Figura 23. A banca de um vendedor ambulante autorizado ................................................. 76
Figura 24. As vendedoras ambulantes autorizadas interagindo ........................................... 76
Figura 25. Vendedor ambulante do Terminal Urbano........................................................... 83
Figura 26. Proximidade entre os vendedores ambulantes no Terminal Urbano ................... 83
Figura 27. O Terminal Urbano identificado como “La casa do mata gato” em referência à
série “La casa de papel” ...................................................................................................... 92
Figura 28. Comentários sobre o modo de se vestir dos mata-gatos..................................... 93
Figura 29. Comentários em publicações sobre o Terminal Urbano de uma página do
facebook .............................................................................................................................. 93
Figura 30. Um pedinte muito conhecido pela cidade de Rio Branco e o Batman no Terminal
Urbano ................................................................................................................................. 95
Figura 31. “Operação Gentileza” realizada no Terminal em 2017, para auxiliar idosos,
gestantes e deficientes físicos ............................................................................................. 97
Figura 32. Estátua viva que fica próxima ao Terminal ........................................................ 100
Figura 33. Pessoas interagindo com a Estátua viva ........................................................... 100
Figura 34. Pessoas observando as fotos da exposição ..................................................... 101
Figura 35. Exposição “Mulher Negra na Cidade de Rio Branco” ........................................ 101
Figura 36. Vendedora ambulante tocando violino no Terminal Urbano .............................. 102
Figura 37. A ambulante é um exemplo da arte em meio ao “caos” .................................... 102
Figura 38. Manifestação contra a privatização da Eletroacre ............................................. 105
Figura 39. Protesto contra as reformas da Previdência e Trabalhista dentro do Terminal.. 105
Figura 40. Motoristas dos ônibus e cobradores protestam no Terminal Urbano ................. 106
Figura 41. Motoristas dos ônibus protestam e ficam parados por 30 minutos no Terminal. 106
Figura 42. Panfletagem de conscientização sobre o trabalho infantil no Terminal ............. 108
Figura 43. Panfletagem antifumo no Terminal Urbano ....................................................... 108
Figura 44. Atendimento voluntário de advogados (OAB) no Terminal ................................ 109
Figura 45. Atendimentos da Defensoria Pública no Terminal ............................................. 109
Quadro 1. Comparação entre pesquisar e cozinhar ............................................................. 23
Quadro 2. Significados do Terminal para os Vendedores Ambulantes................................. 81
Quadro 3. Significados do Terminal para os Estudantes do Ensino Superior ....................... 85
Quadro 4. Significados do Terminal para os Estudantes do Ensino Fundamental e Médio .. 89
Quadro 5. Definições dos estigmatizados do Terminal ........................................................ 91
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................................12

CAPÍTULO 1 – EIXO METODOLÓGICO DA PESQUISA.........................................16


PLATAFORMA A.......................................................................................................18
A.1. “OLHAR” O TERMINAL URBANO: Percepções sobre o espaço de
pesquisa..............................................................................................................................................18
A.2. Degustando os sabores da pesquisa: Uma comparação entre o cozinhar e o
pesquisar....................................................................................................................20
A.3. Metodologia: um olhar em direção aos caminhos da pesquisa..........................24

CAPÍTULO 2 – CONTEXTO HISTÓRICO E EIXO TEÓRICO DO TERMINAL


URBANO....................................................................................................................28
PLATAFORMA B.......................................................................................................29
B.1. Do rio ao asfalto: Conhecendo o contexto histórico e sociocultural em que está
inserido o Terminal Urbano........................................................................................29
B.2. “CONHECER” O TERMINAL URBANO: As teorias utilizadas para compreender
o espaço da pesquisa................................................................................................41

CAPÍTULO 3 – PESQUISA DE CAMPO NO TERMINAL URBANO........................44


PLATAFORMA C.......................................................................................................46
C.1. “OUVIR” E “OBSERVAR” NO TERMINAL URBANO: Aspectos da pesquisa de
campo.........................................................................................................................46
C.2. Percepções sobre o Terminal: entre o caos e a ordem......................................47
C.2.1 O caos e suas múltiplas faces..........................................................................48
C.2.2. A ordem em meio ao caos...............................................................................54

CAPÍTULO 4 – COMPREENDER E EXPLICAR O TERMINAL URBANO...............68


PLATAFORMA D.......................................................................................................69
D.1. “ESCREVER” SOBRE O TERMINAL URBANO: As relações sociais e as
significações desse espaço........................................................................................69
D.2. As relações sociais no Terminal.........................................................................71
D.3. O Terminal Urbano: Moldando o morador urbano..............................................74
D.3.1. Os que permanecem.......................................................................................75
D.3.2. Os que passam................................................................................................83
D.3.3. Os estigmatizados...........................................................................................89
D.4. Outros usos e significados do Terminal Urbano.................................................99
D.4.1. A arte em meio ao “caos”................................................................................99
D.4.2. Luta por direitos, protestos e enfrentamento.................................................104
D.4.3. Espaço de informação e conscientização.....................................................107
D.4.4. Orientação e busca dos direitos....................................................................109

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................111

REFERÊNCIAS..............................................................................................................................115
12

INTRODUÇÃO

O Terminal Urbano Francisco Alves Ribeiro é um ambiente construído para


que as pessoas possam aguardar as linhas de ônibus para serem transportadas até
os bairros, evitando o tumulto e superlotação das paradas de ônibus localizadas no
centro, sendo assim, seu significado explícito é propiciar a locomoção. O Terminal
Urbano tem duplo sentido, pode ser entendido como um espaço1 em que converge a
maioria das linhas de ônibus da cidade de Rio Branco, sugere movimento e propicia
a locomoção, neste contexto é o que Augé (2003) chama de não-lugar, contanto ele
é ao mesmo tempo um lugar2 de encontros, em que a interação e as relações
sociais estão subordinadas pelas chegadas e partidas das pessoas e também dos
ônibus, Augé (2003) chama de lugar antropológico.

Por mais que na maior parte do tempo o Terminal Urbano pareça caótico na
concepção das pessoas que o frequentam, devido ao tumulto, barulho e
superlotação, existe uma organização própria presente ali, visto na ordem das
plataformas, as placas e a delimitação do espaço, que representam o poder
simbólico que este espaço-lugar exerce nas pessoas, este poder se refere à ordem
vigente no Terminal que é respeitada. A fim de compreender os significados que
podem ser atribuídos ao Terminal Urbano, entendido como um espaço de relações
sociais, A intenção é identificar no Terminal as significações tidas a partir deste
espaço ou lugar entendido por meio de imagens de sentimentos complexos (TUAN,
1983). Em vista disso, a análise compreensiva de Weber (1994), será usada nessa
pesquisa, para identificar na ação social dos indivíduos, as relações estabelecidas
por eles e suas interações.

Tendo em vista que haja a interação entre as diversas pessoas que utilizam o
Terminal Urbano que em consequência disso dão significados que a esse espaço,
a pesquisa será guiada pelo seguinte problema: De que modo as relações sociais

1
[...] o espaço é liberdade. [...]. Os espaços são demarcados e defendidos contra invasores. O espaço é
experenciado quando há lugar para se mover. (TUAN, 1983, p. 1-2)
2
O lugar é segurança [...] pode ser desde a velha casa, o velho bairro, a velha cidade ou a pátria [...]. Os lugares
são centros aos quais atribuímos valor e onde são satisfeitas as necessidades biológicas. (TUAN, 1983, p. 1)
13

vivenciadas no Terminal Urbano, contribuem para produzir as significações sobre


esse espaço-lugar3?

A intenção é que a partir dessa problemática, compreenda-se a influência das


relações sociais, na atribuição dos significados, ou seja, o intuito é fazer um
aprofundamento nas relações sociais, no modo como elas se dão, para então
apreender os significados que o Terminal Urbano representa para os moradores da
cidade que buscam se relacionar nesse espaço. No qual aponta-se para a seguinte
hipótese: as relações sociais contribuem por meio da interação entre as pessoas e
grupos, que compartilham suas crenças, valores e opiniões, e a partir disso,
atribuem significados ao Terminal Urbano.

Desse modo, estão entre os objetivos da pesquisa:

Objetivo geral:

Conhecer a dinâmica das relações sociais e significações do Terminal


Urbano, enquanto um espaço de produção da vida social.

Objetivos específicos:

- Identificar quais relações as pessoas estabelecem no Terminal Urbano.

- Discutir sobre a percepção das pessoas sobre as relações sociais


vivenciadas no Terminal Urbano.

- Descrever os significados atribuídos a esse espaço-lugar.

O interesse em estudar sobre o Terminal Urbano surgiu a partir do uso do


transporte coletivo, e o inevitável acesso a esse ambiente para percorrer a cidade.
Ao observar os horários de maior movimento, foi possível notar a diversidade de
pessoas que ali transitavam, com suas múltiplas realidades, estabelecendo relações
e criando vínculos. Através dessa pesquisa, tem-se a pretensão de tornar esse
estudo relevante às Ciências Sociais. Como é um assunto que não tem sido
abordado, trará contribuição, no sentido de dar maior visibilidade a um tema ainda
pouco explorado.

3
O termo espaço-lugar foi adotado na pesquisa na intenção de mostrar que o Terminal Urbano pode tanto ser
identificado como espaço, quando há certo distanciamento das pessoas em relação a ele, e é tido apenas como
meio de locomoção e passagem; e como lugar, quando carrega e representa para as pessoas valores e
afetividades.
14

É um tema pertinente, por buscar compreender além do significado primordial


da existência desse espaço, a locomoção, e das relações que costumeiramente
ocorrem. Dessa forma, o público-alvo da pesquisa, serão aqueles que utilizam o
Terminal Urbano; seja como trabalho, meio de locomoção, ponto de encontro ou
local de manifestações.

A organização dos capítulos da pesquisa foi inspirada na divisão


socioespacial do Terminal Urbano, na qual se notam três plataformas: A, B e C, no
caso da pesquisa foi criado outro capítulo intitulado plataforma D para adequar a
pesquisa em quatro capítulos. Em cada capítulo existe uma referência à leitura do
texto “O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever”, de Roberto Cardoso de
Oliveira (1996, p.15), com uma pequena adaptação incluindo o “conhecer” e o
“observar” aos termos utilizados para fazer alusão ao processo de pesquisa
presente em cada capítulo.

No capítulo 1, plataforma A está o capítulo metodológico, em que são


expostas as regras a serem seguidas durante a pesquisa, e estão presentes as
técnicas e instrumentos de obtenção dos dados, como a observação, o diário de
campo e as entrevistas.

O capítulo 2, plataforma B trata do contexto histórico e do arcabouço teórico


do Terminal, em que serão expostos na parte histórica um retorno à ideia de cidade,
para em seguida tratar do processo de urbanização que é próprio das cidades e em
decorrência disso delimitar a discussão em torno do transporte coletivo que com o
passar do tempo foi se tornando necessário num ambiente cada vez mais
urbanizado, que é a cidade, e finalmente aprofundar a pesquisa sobre os aspectos
históricos do Terminal Urbano, e no arcabouço teórico estão presentes os autores
que deram apoio e subsídio para a análise e compreensão dos dados,

O terceiro capítulo, plataforma C, é sobre a pesquisa de campo feita no


Terminal Urbano, é a parte empírica da pesquisa, em que adentram nas
observações, conversas e diários de campo que foram realizados ao longo da
pesquisa. Reflete o esforço intelectual em interpretar o campo de modo que se traga
um novo olhar, desmitificando o familiar, aquilo que já está instaurado e trazendo
uma nova abordagem ao banal.
15

No quarto e último capítulo, plataforma D é o momento reservado para


adentrar nas relações sociais e significações do Terminal Urbano unindo o teórico,
metodológico e empírico, lugar de análise e reflexão, em que serão expostos os
resultados, os achados da pesquisa e a confirmação ou não da hipótese.
16

CAPÍTULO 1 – EIXO METODOLÓGICO DA PESQUISA

O cientista não é o homem que fornece as


verdadeiras respostas; é quem faz as melhores
perguntas.

(Claude Lévi-Strauss)

Neste capítulo será apresentado o percurso da escolha do Terminal Urbano


enquanto tema desta pesquisa; haverá uma comparação entre o pesquisar e o
cozinhar, como uma forma de aproximar a pesquisa de um tema presente em todos
os povos e em todas as culturas que é a comida, que envolve o cozinhar e toda a
preparação o alimento; e por fim será exposta a metodologia, em que estão
presentes as regras, técnicas e instrumentos utilizados na realização da pesquisa.

De acordo com Soriano (2004, p.20) a pesquisa social pode ser entendida
como um processo “[...] no qual se vinculam distintos níveis de abstração, se
cumprem certos princípios metodológicos e se executam diversos processos
específicos articulados de maneira lógica, com base em teorias, métodos, técnicas e
instrumentos” que são utilizados a fim de se chegar a um conhecimento lógico e
objetivo sobre certos fenômenos sociais.

Quando a pesquisa é realizada como um processo, ela flui à medida que o


pesquisador dá sentido ás informações obtidas, fazendo com que os textos lidos e
os achados do campo sejam incorporados, formando um novo conhecimento. Este
processo não ocorre de forma linear e fechada, tampouco com etapas pré-
estabelecidas, ele vai à contramão da ideia de que só se pode ir a campo depois de
ter feito todas as leituras e estar devidamente munido das teorias. Mas é importante
ressaltar, que cada pesquisador tem autonomia para conduzir a pesquisa do seu
modo, pois cada pesquisa possui particularidades e objetivos diferentes,
independente da pesquisa ser vista a partir de etapas ou como um processo, o
esforço intelectual do pesquisador deve ser respeitado.

O pesquisador pode, “além de observar e compreender os problemas da


sociedade [...] internalizá-los, isto é assumi-los realmente como seus” (SORIANO,
2004, p.15). Dessa forma, é possível aproximar o tema, do pesquisador fazendo
17

com que ele tome para si os problemas presentes na realidade em que o objeto de
pesquisa está inserido, e o compreenda de modo mais profundo.

A execução da pesquisa pressupõe a escolha de uma metodologia de


pesquisa:

[...] que significa, na origem do termo, estudo dos caminhos, dos


instrumentos usados para se fazer ciência [...]. Ao mesmo tempo que visa
conhecer caminhos do processo científico, também problematiza
criticamente, no sentido de indagar os limites da ciência, seja com
referência à capacidade de conhecer, seja com referência à capacidade de
intervir na realidade. (DEMO, 1995, p.11)

As técnicas e instrumentos de coleta de dados foram escolhidos com base


nos interesses da pesquisa, orientados pelo problema e os objetivos estabelecidos,
entre os instrumentos para coleta de dados então a observação, as entrevistas, o
diário de campo, registro fotográfico e a pesquisa documental. A combinação destes
instrumentos levou à compreensão da realidade social investigada, entendendo a
pesquisa como “um labor artesanal, que se não prescinde da criatividade, se realiza
fundamentalmente por uma linguagem fundada em conceitos, proposições, métodos
e técnicas, linguagem está que se constrói num ritmo próprio e particular. ”
(MINAYO, 1994, p.25).
18

PLATAFORMA A

A.1. “OLHAR” O TERMINAL URBANO: Percepções sobre o espaço de


pesquisa

Talvez a primeira experiência do pesquisador de


campo (ou no campo) esteja na domesticação teórica
de seu olhar. Isso porque, a partir do momento em
que nos sentimos preparados para a investigação
empírica, o objeto sobre o qual dirigimos o nosso
olhar já foi previamente alterado pelo próprio modo
de visualizá-lo.

(Roberto Cardoso de Oliveira)

O “olhar” representa o contato inicial com o objeto de pesquisa, por isso está
presente no capítulo um. “Em toda a sociedade, o homem olha todos os dias para
outros homens ou objetos e presencia o desenvolvimento de atos de núcleos
familiares e de grupos sociais mais complexos” (SORIANO, 2004, p.145) o Terminal
Urbano foi escolhido como tema de pesquisa a partir de um olhar que buscava ver
além do que o lugar se apresentava e mesmo antes de ter o olhar treinado para
isso, já se notava algo ali que a maioria não consegue ver, por ser um lugar já
familiarizado.

Os primeiros contatos com o Terminal Urbano, no ano de 2013 causavam


uma sensação de deslumbre, era um lugar tão grande, com tanta gente, e era muito
fácil se perder em meio ao centro da cidade, e ainda não era perceptível a
organização daquele espaço. O motivo de o Terminal Urbano causar tanto fascínio e
curiosidade é provavelmente pelo afastamento com aquela realidade. A minha
cidade natal, no interior do estado de Rondônia, é uma cidade pequena, e como não
há transporte coletivo interbairros não existe um Terminal Urbano, e deparar-se com
essa realidade em Rio Branco, causou muita surpresa.

Com o passar do tempo, por frequentar mais vezes o Terminal Urbano, estar
lá já não causava tanto estranhamento, e à medida que me sentia parte daquele
19

espaço, também voltava o meu olhar para ele, era instigante observar as pessoas4,
o modo como elas agiam, o que elas conversavam, as relações que estabeleciam e
a diversidade que existia.

A partir de maio de 2014, no início do curso o Terminal passou a ser


frequentado assiduamente, devido ao curso técnico em Citopatologia na Uninorte
pela manhã e durante a noite o curso de Ciências Sociais na UFAC, então em torno
de um ano e meio se presenciou a quantidade de gente que transitava por ali, num
ritmo frenético, nos horários de pico.

No primeiro período de Ciências Sociais, em 2014, boa parte dos colegas


costumava utilizar o transporte coletivo e ir até o centro da cidade de ônibus, e
sempre se falava em tom de brincadeira, que o Terminal Urbano precisava ser
estudado, isso devido à diversidade de pessoas e grupos que era possível encontrar
ali. Quando foi preciso elaborar um pré-projeto de pesquisa para a disciplina de
Métodos e Técnicas de Pesquisa Social I (MTPS I) em 2016, surgiu este tema de
pesquisa: o Terminal Urbano. É evidente que haviam em mente outros temas, mas
desde o início no curso de Ciências Sociais, existia um interesse em fazer algo
sobre mobilidade urbana ou transporte coletivo, temas que desde a residência em
Rio Branco, no ano de 2013 chamavam a atenção.

Ao escolher um assunto para o pré-projeto, houve um distanciamento, de


certa forma, desta área de interesse. Até que um dia, ao dialogar com a professora
Marisol Brandt, que lecionava a disciplina de MTPS I em 2016 e expor a ela alguns
dos temas de interesse, quando foi apresentada a ideia do Terminal Urbano, algo
que já se vinha pensando, ela apoiou esta escolha e deu a maior força, de modo
que o mesmo tema permaneceu na disciplina seguinte de MTPS II, em 2017, e foi
dessa forma que o Terminal Urbano se tornou o tema desta pesquisa.

Olhar o Terminal Urbano de forma mais sociológica é um grande desafio,


como ele é um espaço tão familiar, é preciso fazer um esforço para a “domesticação
teórica” do olhar, conforme diz Oliveira (1996, p.15), esse é um olhar que visa
apreender as particularidades, compreender os significados e identificar as relações
sociais existentes, vai muito além de emitir uma opinião sobre o espaço, é uma
tentativa de entender aquilo que as pessoas veem de significativo ali.

4
O termo pessoas foi designado na pesquisa no sentido de moradores da cidade que usam o Terminal Urbano.
20

Parafraseando Oliveira (1996, p.17-18) para se dar conta da natureza das


relações sociais mantidas entre as pessoas no Terminal Urbano (e delas entre si,
em se tratando de uma pluralidade de grupos), somente o olhar não seria suficiente,
por isso foram usadas técnicas de pesquisa para auxiliar na apreensão da realidade,
e depois então foi feita a domesticação do olhar para este objeto de estudo.

A.2. Degustando os sabores da pesquisa: Uma comparação entre o cozinhar e


o pesquisar

É interessante ressaltar que esta parte do texto foi escrita em um momento


em que havia um bloqueio na minha escrita, e a pesquisa não estava avançando,
havia algo que me travava e impedia de produzir, então a profa. Marcia Meireles
sugeriu em uma das orientações, escrever sobre algo que eu estimasse, para sentir
novamente o prazer em escrever. Inicialmente, a escrita foi feita de forma
despretensiosa sobre a comida, em seguida sobre os alimentos e no decorrer do
texto estava comparando o cozinhar com o pesquisar, e foi nesse momento que
pude perceber que já era impossível se desprender da pesquisa, e foi assim que um
mero exercício se tornou uma reflexão que está presente nesta pesquisa.

Comer é algo essencial para existência dos seres vivos, é preciso se


alimentar e se nutrir a fim de adquirir energia para realizar as funções diárias. Para o
ser humano a comida não se restringe apenas a uma necessidade básica ou algo
excepcionalmente biológico, comer para o homem representa um dos prazeres da
vida, lhe confere bem-estar, dá aquela sensação de satisfação e algumas vezes os
leva a pecados como a gula. A cozinha é um território contraditório que pode ser ao
mesmo tempo amado por alguns, suportado por uns e evitado por outros, isso se dá
devido à maioria das pessoas sentir um imenso prazer em comer, mas não
necessariamente em cozinhar.

É por isso que o ato sensitivo e perceptivo de cozinhar envolve bem mais do
que juntar alguns ingredientes ao fogo e acrescentar sal. Antes de cozinhar é
preciso planejamento: devem-se escolher os ingredientes, a receita, as quantidades,
pensar no tempo de preparo, na temperatura, as técnicas e instrumentos que serão
utilizados (como o tipo de corte, o tipo de cozimento; as facas, o processador, as
panelas e recipientes), e por fim deve-se pensar na apresentação do prato,
21

momento em que ele estará sujeito às críticas em relação à técnica, sabor e


aparência.

Do mesmo modo, para que a pesquisa se realize também existe um


planejamento: escolhe-se o tema, que é semelhante ao ingrediente; é preciso que
haja uma metodologia com as regras para a realização da pesquisa, que comparada
à receita, também possui um modo de preparo; há igualmente, o tempo
(cronograma) para executar cada processo da pesquisa, bem como na cozinha
existe um tempo necessário para o cozimento de cada alimento; além disso,
também existem as técnicas e instrumentos que proporcionarão a coleta de dados,
como as entrevistas, os questionários, os diários de campo, a história de vida; e pôr
fim, na exposição da pesquisa serão concretizadas a reflexão, a compreensão e a
análise dos dados, que assim como na apresentação do prato, a pesquisa também
estará sujeita a críticas baseadas na coerência entre o teórico, o metodológico e o
empírico.

Por isso, de acordo com Richardson (2010, p. 70) “o trabalho de pesquisa


deve ser planejado e executado de acordo com normas requeridas por cada método
de investigação” podendo ser quantitativo e/ou qualitativo. O método quantitativo
tem como prioridade a precisão dos resultados, um exemplo disso é o uso dos
questionários; já o método qualitativo se propõe a atingir maior profundidade dos
dados, por meio de entrevistas por exemplo.

Pode-se dizer que escrever constitui o modo de se expressar do pesquisador,


é através de suas ideias e reflexões que ele é capaz de levar as pessoas a ter um
senso crítico, a pensar de forma diferente, a ser mais tolerante e consciente sobre o
mundo. É por isso que o pesquisador precisa estar atento ao que está à sua volta,
observando e tomando nota, já que “pela observação o homem constitui grande
quantidade de conhecimentos. Valendo-se dos sentidos, recebe e interpreta as
informações do mundo exterior [...]. A observação constitui sem dúvida, importante
fonte de conhecimento” (GIL, 1987, p.19).

A escrita enquanto ofício do pesquisador é um exercício intelectual que faz


parte da pesquisa social, por isso, o pesquisador tem em mãos sua maior arma
[figura 1]: a escrita, que o leva a caminhos até então inabitados, a terrenos
22

lamacentos e lugares insólitos que o tiram da sua zona de conforto, que mexem com
suas convicções, e o fazem questionar o que está instituído.

Figura 1. Escrever é a maior arma do


pesquisador.

FONTE: TWAIN, Mark., 2016.

Pesquisar é instigante e muitas vezes pode ser ameaçador, pois o


pesquisador tem a capacidade de realizar longas análises sobre as diversas épocas
e momentos e tem o poder de compreender a sociedade em que se vive de acordo
com critérios políticos, econômicos, culturais e históricos e isso é, de certa forma
intimidador a quem pretende manter a ordem vigente.

Comparando o cozinhar com o pesquisar notam-se várias semelhanças


[quadro 1], relacionado a isto, Schopenhauer (2009, p.21) fez uma comparação
entre aquele que é um bom cozinheiro com aquele que é um bom escritor: “um bom
cozinheiro pode dar gosto até a uma velha sola de sapato; da mesma maneira, um
bom escritor pode tornar interessante mesmo o assunto mais árido”.

Na cozinha é a partir da escolha dos ingredientes que se imagina no que


consiste o prato e quais os sabores poderão ser encontrados nele, o que na
pesquisa os ingredientes dizem respeito à escolha do tema, que vai orientar toda a
pesquisa e harmonizar com os autores e teorias. Entretanto quando os alimentos
são denominamos meros ingredientes isso parece ocultar e ignorar toda a história
por traz deles, conferindo apenas a função de compor um prato. A comida pronta e o
prato em si, já “acabado” não refletem todos os processos por traz dos alimentos,
23

isso vai muito além de como ele se apresenta. Existem diversas inquietações que
envolvem os alimentos, que vão desde o que se produz, onde se produz, como se
produz, quem produz, por que se produz e quem consome.

Quadro 1. Comparação entre pesquisar e cozinhar.

Pesquisar

metodologia - técnicas e exposição da teórico,


tema cronograma metodológico e
regras instrumentos pesquisa
empírico

Cozinhar

receita – modo tempo de técnicas e apresentação técnica, sabor


ingrediente
de preparo cozimento utensílios do prato e aparência

FONTE: Elaborado pelo pesquisador, 2017.

Certamente também existem inúmeras preocupações em relação à pesquisa,


que não dizem respeito apenas à escolha fria e impessoal de um tema, com um
objeto de pesquisa, objetivos geral e específicos, problemas a serem solucionados e
hipóteses a serem testadas. Existe toda uma realidade social por traz, existem
pessoas reais com suas subjetividades e que merecem ser consideradas e não
somente identificadas em categorias. A pesquisa pode ser percebida de algumas
formas: ora como um simples trabalho de conclusão de curso; ora como uma
profissão vista como algo muito distante para a maioria das pessoas, é como se as
pesquisas fossem feitas somente por pessoas brilhantes e intelectuais, detentoras
exclusivas do conhecimento, isso se dá especialmente nas áreas de ciências exatas
e biológicas, que geralmente se pressupõem avanços tecnológicos. Diferente da
pesquisa social, que não necessariamente pretende solucionar um problema social,
mas analisar, compreender e refletir sobre ele, fazendo com que haja um
pensamento crítico e questionador nas pessoas.
24

As competições de cozinha como o Masterchef, (exibido no Brasil pela


emissora de televisão Band, possuindo versões em várias partes do mundo)
refletem a realidade social do que ocorre na vida real, as questões raciais e de
gênero são exibidas o tempo todo, e nem sempre as pessoas estão preparadas para
fazer um exame crítico sobre esses assuntos, restringindo o programa unicamente à
competição, ignorando as questões sociais existentes. A cozinha profissional, aquela
dos grandes chefs de renome, que possuem restaurantes com três estrelas Michelin,
pode ser encarada como um local de conflitos e contradições, que é como tantos
outros locais, comandadas em sua maioria por chefs homens, diferente da cozinha
amadora em que geralmente são as mulheres.

A cozinha e a pesquisa são assuntos que aparentemente não têm nada em


comum, mas que ao serem analisados e aprofundados podem levar a riquíssimas
reflexões. A cozinha além de ser campo do contraditório, também pode ser encarada
como um campo lúdico, em que é permitido experimentar, descobrir e explorar
novos sabores. Um exemplo pessoal é sobre as primeiras vezes em que me
arrisquei a coar o café, devido à falta de experiência e a ansiedade para ver logo
pronto eu não esperava a água atingir a temperatura ideal e ele sempre ficava frio,
mesmo assim apesar de não ser o sabor ideal, meu pai sempre me incentivava e me
elogiava para que eu continuasse fazendo o café, e a minha mãe dizia o que
precisava ser melhorado, na época eu não percebi, mas isso me ajudou muito a
aprender lidar com as críticas e tentar nas próximas vezes fazer o melhor, algo que
eu pretendo levar para o âmbito da pesquisa em relação às significações do
Terminal e ter tanto prazer em pesquisar como eu tenho em preparar a comida.

A.3. Metodologia: um olhar em direção aos caminhos da pesquisa

Para que a pesquisa se realize é preciso se guiar por uma metodologia de


pesquisa, que segundo Minayo (1994, p.16) pode ser entendida como “[...] o
caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade [...] inclui
concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a
construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador. ”
Representa assim, um esforço intelectual para articular os conteúdos da pesquisa,
os pensamentos do pesquisador e existência humana.
25

A pesquisa a respeito do Terminal Urbano tem uma abordagem qualitativa.


Desse modo, foi possível fazer uma interpretação mais profunda do objeto de
estudo, dando maior importância aos aspectos voltados aos indivíduos e grupos, a
respeito de sua visão de mundo, sem a preocupação estatística dos dados:

A pesquisa qualitativa (...) trabalha com o universo de significados, motivos,


aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1994, p.
21-22)

Esse tipo de abordagem se adequa ao tema proposto, porque permite uma


aproximação com a realidade sem que seja preciso quantificar grandes amostras,
mas analisar um menor número de dados, com maior profundidade, a fim de obter
os significados e relações que as pessoas mantém no Terminal Urbano.

De acordo com o objetivo do estudo, a pesquisa é exploratória, que visa


“proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Esse
tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco
explorado” (GIL, 2012, p.27). Como é o caso desta pesquisa, como não existem
muitas pesquisas sobre este tema, a intenção é oferecer o conhecimento da
realidade e uma contribuição para novas pesquisas sobre a área. O método
científico entendido como “o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos
adotados para se atingir o conhecimento” que foi utilizado nesta pesquisa é o
método observacional em que simplesmente “se observa algo que acontece ou já
aconteceu” (GIL, 2012, p.17).

No delineamento da pesquisa, foi feito um estudo de caso no Terminal


Urbano Francisco Alves Ribeiro, de acordo com Yin (2001, p.32), o estudo de caso
“investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real,
especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão
claramente definidos”, pois as informações e as reflexões elaboradas sobre as
relações e significações deste espaço foram colhidas neste Terminal Urbano em
específico; e a pesquisa documental, que segundo Gil (2012, p.73) ela “vale-se de
materiais que não receberam ainda um tratamento analítico [...] tais como:
documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes,
26

fotografias, gravações etc.”. Essas informações foram obtidas através da


observação, e de acordo com Marconi e Lakatos (2008, p.111) ao observar se
“utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não
consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que
se deseja estudar”.

A partir da observação das relações estabelecidas no Terminal Urbano, outro


instrumento de coleta foi a realização de entrevistas, na qual serão obtidos “dados
que não podem ser encontrados em registros ou fontes documentárias (...) se trata
de conhecer a atitude, preferência ou opinião de um indivíduo a respeito de
determinado assunto” (NOGUEIRA, 1977, p.111).

Um dos instrumentos de coleta de dados foi o diário de campo, em que foram


anotadas em um bloco as percepções e observações feitas no Terminal Urbano,
para serem analisadas e compreendidas à luz das teorias. O diário de campo
consiste em um registro:

[...] completo e preciso das observações dos fatos concretos,


acontecimentos, relações verificadas, experiências pessoais, [...] suas
reflexões e comentários. O diário de campo facilita criar o hábito de
observar, descrever e refletir com atenção os acontecimentos do dia de
trabalho, [...] é um dos principais instrumentos científicos de observação e
registro [...]. Os fatos devem ser registrados no diário o quanto antes após o
observado para garantir a fidedignidade do que se observa.
(FALKEMBACK, 1987, p.19-24)

O diário de campo, foi de grande importância para que pudessem ser feitas
observações e anotações a respeito do Terminal Urbano, e contribuiu para que ao
ouvir e observar aquela realidade pudessem ser feitas interpretações e análises
sobre aquele espaço-lugar.

[...] os dados contidos no diário e nas cadernetas de campo ganham em


inteligibilidade sempre que rememorados pelo pesquisador; o que equivale
dizer que a memória constitui provavelmente o elemento mais rico na
redação de um texto, contendo ela mesma uma massa de dados cuja
significação é mais bem alcançável quando o pesquisador a traz de volta do
passado, tornando-a presente no ato de escrever. Seria uma espécie de
presentificação do passado [...] com toda a influência que o "estando aqui"
pode trazer para a compreensão [...] e a interpretação dos dados então
obtidos no campo. (OLIVEIRA, 1996, p.31)
27

Na intenção de aproximar a pesquisa da realidade social em que ela está


inserida, foi utilizado outro instrumento para obtenção de dados: o registro
fotográfico, para CRUZ NETO (1994, p.63) fotografias e filmagens “se apresentam
[...] como recursos de registros aos quais podemos recorrer. Esse registro visual
amplia o conhecimento do estudo porque nos proporciona documentar momentos ou
situações que ilustram o cotidiano vivenciado.”.

As significações e percepções identificadas no Terminal Urbano foram


analisadas na pesquisa de acordo com os usos que as pessoas faziam deste
espaço-lugar e tiveram aspectos comerciais, culturais, políticos e afetivos. Como o
Terminal Urbano é um local onde diversas pessoas transitam no decorrer do dia, é
um espaço onde podem-se estabelecer relações.
28

CAPÍTULO 2 – CONTEXTO HISTÓRICO E EIXO TEÓRICO DO TERMINAL


URBANO

[...] o objeto de estudo das ciências sociais possui


consciência histórica [...] não é apenas o investigador
que dá sentido a seu trabalho intelectual, mas os
seres humanos, os grupos e as sociedades dão
significado e intencionalidade a suas ações e a suas
construções, na medida em que as estruturas sociais
nada mais são que ações objetivadas.

(Maria Cecília de Souza Minayo)

Neste capítulo serão apresentados o contexto histórico e o percurso teórico


desta pesquisa, que deram suporte à compreensão e análise da realidade estudada.
Sabe-se que é preciso contextualizar historicamente o objeto de estudo, localizando
o espaço-temporal em que ele está inserido e todo o aporte histórico que o envolve.
E é de suma necessidade se apoiar nos autores para dar embasamento à pesquisa,
e como uma única teoria não é capaz de explicar toda a complexidade dos
fenômenos sociais, são aliadas outras teorias para dialogar com o objeto de estudo
e dar uma nova abordagem ao tema.
Inicialmente, com base na história social do lugar5, foram expostas algumas
noções de cidade, enquanto uma categoria, mostrando as várias apropriações e
usos das cidades no decorrer dos tempos e como isto mudou, como foi visto na
figura do Terminal Urbano, de forma contemporânea, e toda a mudança que ocorreu
nas cidades, para tomarem a forma urbana e urbanizada em que se encontra nos
dias atuais, em seguida se adentrou nas questões relacionadas ao Acre, dando
ênfase para o rio e às formas de se locomover, transportar e se comunicar que
permeiam as relações do espaço-lugar, e que com o tempo foram se transformando
e se adequando ao aspecto urbano, se fazendo necessário buscar outras formas de
locomoção que não por meio do rio, mas posteriormente por meio do asfalto, nos
transportes coletivos e com esta urgência em se transportar pelos espaços citadinos,
foram criadas estruturas que comportassem a mobilidade urbana, tais como o

5 Como aponta Yi-Fu Tuan. “O lugar é um mundo de significado organizado “ (1983, p. 198).
29

Terminal Urbano, que proporciona o acesso ao transporte coletivo por meio de um


espaço criado para este fim: possibilitar a locomoção.
Em seguida, pode-se notar que é através das teorias, entendidas como
“explicações parciais da realidade” (MINAYO, 2002, p.18) que se busca
compreender as peculiaridades do Terminal Urbano, por isso que se fez necessário
utilizar as contribuições dos autores e suas teorias, que serviram para dar luz às
análises feitas posteriormente. Num primeiro momento são especificados os autores
utilizados para embasar esta pesquisa, tais como: Augé (2004) com base nos não-
lugares, Bourdieu (2011) sobre o espaço social e do poder simbólico, em Goffman
(1981) em relação ao estigma e Weber (1994) a ação social, autores e teorias que
despertam questões e abrem novas perspectivas de leitura da realidade social.

PLATAFORMA B

B.1. Do rio ao asfalto: Conhecendo o contexto histórico e sociocultural em


que está inserido o Terminal Urbano

O objeto das Ciências Sociais é histórico. Isto


significa que as sociedades humanas existem num
determinado espaço cuja a formação social e
configuração são específicas.

(Maria Cecília de Souza Minayo)

O rio tem um caráter simbólico muito importante para a existência do Acre,


pois nos primórdios deste território foi a única via de locomoção, propiciando as
condições para que a região fosse desbravada, é a partir do rio Acre que se
estabeleceu a navegação, e, portanto, a locomoção de um ponto a outro do rio,
fazendo com que as pessoas pudessem realizar trocas, comercializar produtos e
estabelecer afetividades.

A cidade de Rio Branco possui grande parte dos bairros formados a partir do
êxodo rural, fenômeno em que as famílias deixavam os seringais e se dirigiam à
cidade em busca de melhores condições de vida, este processo ocorreu em todo o
Brasil, entre as décadas de 1960 e 1980, de acordo com o EMBRAPA (Empresa
30

Brasileira de Pesquisa Agropecuária) o êxodo rural nas primeiras décadas contribui


com praticamente 20% da urbanização do Brasil. (ALVES, 2011). Com o êxodo rural
“[...] o transporte coletivo assumiu o papel de direcionador do crescimento das
cidades, por ser o meio de transporte mais utilizado nas viagens dentro da cidade”.
(SANTOS, 1999, p.26).

Apesar de a cidade de Rio Branco ser bastante jovem e ter sido construída
com base no próprio processo produtivo da borracha, foi obtendo, a partir
da gestão de Guiomard Santos, ares de uma cidade ‘moderna’ e, portanto,
incorporando novos valores, ‘próprios’ do meio urbano: os serviços
administrativos, os clubes de dança, os cinemas, os teatros, as retretas
tocadas pela banda de música da Guarda Territorial, a melhoria das
mercadorias oferecidas nas inúmeras casas comerciais, os bares, os
prostíbulos, dentre outras atividades, foram aos poucos moldando o
morador urbano, fosse ele oriundo ou não dos seringais, além de ir
definindo um tipo citadino ‘clássico’, sujeito do crescimento natural. Ao
atingir a década de 70, Rio Branco já apresentava aspectos urbanos
bastante pronunciados. (ALMEIDA NETO, 2004, p.150)

A cidade pode ser entendida como um espaço que possui uma diversidade de
povos, com suas múltiplas crenças, valores e visões de mundo que se dispõem a
viver em sociedade e conviver entre si, e em consequência disso, realizam trocas
econômicas, culturais e sociais. A cidade ora pode ser entendida como uma muralha
protetora contra os inimigos externos, ora como um ambiente inóspito e violento
entre seus próprios moradores, dando-lhes a sensação de insegurança e medo.

No Estatuto da Cidade inciso V do cap. IV do Art. 30. que trata dos


dispositivos constitucionais, da organização do Estado, em específico os municípios
(Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), há uma afirmação de que compete aos
municípios: “V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo,
que tem caráter essencial;” (BRASIL, 2001, p. 11) e já que é imprescindível para a
vida citadina se locomover, o transporte coletivo se encarrega conduzir as pessoas e
as levar ao trabalho, escola, faculdade e lazer permitindo com que as funções
sociais se efetivem.

De acordo com Simmel (1979, p. 18) a cidade “[...] na Antiguidade e na Idade


Média erigiu barreiras contra o movimento e as relações do indivíduo no sentido do
exterior e contra a independência individual e a diferenciação no interior do ser
31

individual. ” Nesse sentido, o indivíduo devia se manter no âmbito da cidade,


convivendo exclusivamente com os membros internos, evitando o contato e
interferências externas, e ignorando as diferenças, singularidades e a autonomia de
cada morador.

A cidade antiga era principalmente uma fortaleza, um lugar de refúgio em


tempo de guerra. A cidade moderna, pelo contrário, é principalmente uma
conveniência do comércio, e deve sua existência à praça do mercado em volta da
qual foi erigida. Enquanto a primeira visava proteger seus habitantes, a última tem
como principal interesse atender às demandas do capital, propiciando as trocas
econômicas. (PARK, 1979, p. 36)

Assim como nas cidades antigas, as cidades gregas, conhecidas como pólis
também valorizavam o coletivo em detrimento do individual e viam a cidade como
um abrigo às ameaças externas, conforme Simmel (1979, p. 19):

A antiga pólis [...] parece ter tido o próprio caráter de uma cidade pequena.
A constante ameaça à sua existência em mãos de inimigos de perto e de
longe teve como resultado uma estrita coerência quanto aos aspectos
políticos e militares, uma supervisão do cidadão pelo cidadão, um ciúme do
todo contra o individual, cuja a vida particular era suprimida a um tal grau
que ele só podia compensar isto agindo como um déspota em seu próprio
domínio doméstico.

Já na era feudal, o homem ‘livre’, estava submetido às leis da terra, e incluso


nas leis da órbita social maior, enquanto o homem não-livre tinha seus direitos
subordinados ao círculo estreito e restrito da associação feudal, sendo excluído da
órbita social maior “[...] assim, hoje o homem metropolitano é ‘livre’ em um sentido
espiritualizado e refinado, em contraste com a pequenez e preconceitos que atrofiam
o homem de cidade pequena. ” (SIMMEL, 1979, p. 20). Esta falsa sensação de
liberdade, faz parecer que o homem tem em todos os âmbitos de sua vida, o poder
de escolha, ignorando toda a engrenagem econômica que move o mundo, e que
exerce o poder sobre os homens. Mas, em comparação ao homem de cidade
pequena, geralmente conservador e apegado aos costumes, crenças e
preconceitos, o homem citadino realmente aparenta ser mais livre e aberto ao
mundo.
32

Segundo Weber (1979, p.72) as cidades “[...] vem a ser, em maior ou menor
grau, segundo as circunstâncias, uma cidade de consumidores”, esta afirmação
ressalta a ideia de que as cidades visam atender em primazia as demandas
capitalistas, e estão voltadas para os interesses e relações econômicas, que estão
pautadas pelo consumo e pelo lucro. Mas a cidade também pode ter um significado
que vai além dos meros interesses econômicos:

[...] a cidade é algo mais do que um amontoado de homens individuais e de


conveniências sociais [...] é um estado de espírito, um corpo de costumes e
tradições e dos sentimentos e atitudes organizados, inerentes a esses
costumes e transmitidos por essa tradição [...] a cidade não é meramente
um mecanismo físico e uma construção artificial. Está envolvida nos
processos vitais das pessoas que a compõem, é um produto da natureza
humana. (PARK, 1979, p.26)

Quando a cidade é apreendida como um estado de espírito, são valorizados


os traços socioculturais das pessoas que a habitam, em que a bagagem cultural é
transmitida através das gerações como uma tradição, envolvendo as pessoas neste
processo vital, que é viver em sociedade, entendendo a cidade não apenas como
uma estrutura física em desenvolvimento e expansão, mas como um espaço de
trocas.

“Embora o urbanismo, ou aquele complexo de caracteres que formam o


modo de vida peculiar das cidades, e a urbanização que denota o
desenvolvimento e as extensões desses fatores, não sejam encontrados
exclusivamente em grupamentos considerados como cidades no seu senso
físico e demográfico, encontram, não obstante, sua expressão mais
pronunciada nessas áreas, especialmente nas cidades metropolitanas.
(WIRTH, 1979, p.96).

De acordo com Henri Lefebvre (1999, p.22) “O espaço urbano torna-se o


lugar do encontro das coisas e das pessoas, da troca”, é o espaço em que as
pessoas expressam seus traços culturais, seu jeito de agir, pensar e ser, lugar em
que se enxergam as alteridades que são muitas vezes apreendidas com
estranhamento e preconceito, mas que devem ser respeitadas.
33

De acordo com o art. 3º do Estatuto do pedestre de São Paulo (Lei municipal


nº 16.673, de 13 de junho de 2017) os pedestres possuem direitos que garantem
sua integridade física e moral. As pessoas que transitam pelo Terminal Urbano
também são pedestres, e têm alguns destes direitos garantidos, como o direito de ir
e vir, que é feito através do uso do transporte coletivo, que permite às pessoas se
locomover no espaço, e exercerem este direito básico de todo ser humano.

Art. 3º. Todos os pedestres têm o direito à qualidade da paisagem visual, ao


meio ambiente seguro e saudável, ao desenvolvimento sustentável da
cidade, o direito de ir e vir, [...] segurança, mobilidade, acessibilidade e
conforto, protegendo, em especial, as crianças, as pessoas portadoras de
deficiência, com mobilidade reduzida e as da terceira idade. (BRASIL, 2017,
p.1)

Anterior à existência do Terminal Urbano e da expansão do espaço urbano


acreano nos âmbitos do comércio, dos transportes e das indústrias, o rio foi a maior
fonte de comércio, comunicação e transporte, e para que as pessoas pudessem se
locomover havia os meios de transportes fluviais [figura 2] que eram: a gaiola, a
canoa, as catraias, os navios e os batelões.

Figura 2. Navio, canoas e batelões ancorados no Rio Acre.

FONTE: Acervo Do Departamento De Patrimônio Histórico Do Acre, 1950.

Como era “[...] impraticável transpor a floresta amazônica por outro meio que
não o hidrográfico [...] um dos requisitos indispensáveis à formação de um seringal
34

era a sua proximidade a um grande rio”, assim, para que houvesse o contato entre
os seringais e o centro urbano se fazia necessário o descolamento por meio do rio,
possibilitando assim, a comunicação e o comércio. (RANZI, 2008, p. 207).

Desse modo, pode-se dizer que a existência dos seringais dependia do quão
perto estes locais estavam dos rios, que possibilitavam não só a locomoção das
pessoas, mas facilitavam a locomoção da goma, para que toda a lógica da extração
e entrega da borracha fosse feita, nesse sentido, havia toda uma logística para que
este processo ocorresse. Portanto o rio tinha uma centralidade nas significações e
percepções da população neste momento, do mesmo modo que as pessoas
dependiam do rio para se locomover e cumprir os processos produtivos da borracha,
atualmente as pessoas dependem do asfalto, e dos transportes coletivos para se
transportar e se dirigir aos seus destinos, e o Terminal Urbano é a expressão
contemporânea das formas atuais de fazer uso deste espaço.

Quando o rio ainda era o mais importante meio de se transportar no Acre, o


principal ponto de parada, das médias e pequenas embarcações, era o porto da
Gameleira [figura 3] situado na margem direita do rio Acre, no segundo distrito da
cidade de Rio Branco (SANTOS, 1999) o porto tem esse nome porque no local
existe uma árvore de grande porte nativa da Amazônia chamada gameleira, que em
Rio Branco foi tombada como patrimônio histórico do município.

Figura 3. Porto da Gameleira.

FONTE: BIBLIOTECA IBGE, 1949.


35

Sobre a relação que a cidade de Rio Branco mantém com o rio, Santos (1999,
p.30) afirma:

Rio Branco sempre obteve seu desenvolvimento advindo das forças do


transporte que [...] por sua vez, alimentava o comércio e,
consequentemente, a ocupação do espaço, este processo já observava-se
nos primeiros meios de transporte, o fluvial, no início da ocupação, tanto do
município de Rio Branco, como de todo o Estado do Acre, até meados deste
século.

Era no Porto da Gameleira [figura 4], que os barcos atracavam para


embarque e desembarque de carga e passageiros, função semelhante a que realiza
hoje em dia o Terminal Urbano, permitindo com que as pessoas embarquem e
desembarquem e se locomovam entre os bairros por meio do transporte coletivo, o
porto da Gameleira e o Terminal Urbano representam o lugar de chegada e também
de partida, um lugar de transitoriedade.

Figura 4. Desembarque de passageiros no Rio Acre, em Rio Branco,


dos vapores Niterói e Sobral Santos.

FONTE: MACHADO, Altino., 2018.

De acordo com o Plano Diretor do Município de Rio Branco a seção II do


Princípio da Função Social da Cidade, artigo 7º, nos incisos I, III, IV, V, VII e VIII (Lei
36

nº 2.222, de 26 de dezembro de 2016), constituem-se como funções sociais do


Município de Rio Branco:

I - viabilizar o acesso de todos os cidadãos aos bens e aos serviços


urbanos, assegurando-lhes condições de vida e moradia compatíveis com o
estágio de desenvolvimento do Município;
[...]
III - promover programas de habitação popular destinados a melhorar as
condições de moradia da população carente;
IV - promover programas de saneamento básico destinado a melhorar as
condições sanitárias e ambientais do seu território e os níveis de saúde da
população;
V – garantir qualidade ambiental e paisagística aos seus habitantes;
[...]
VII – garantir às pessoas com deficiência condições estruturais de acesso a
serviços públicos e particulares de frequência ao público, a logradouros e ao
transporte coletivo;
VIII – acesso e fruição dos serviços e bens culturais da cidade; (BRASIL,
2016, p. 4-5).

Apesar de inicialmente o rio ser a via exclusiva de locomoção, com a


urbanização do estado do Acre, houve uma demanda por transportes terrestres, e
na cidade de Rio Branco passou a existir o transporte público coletivo, entendido
pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, no inciso VI, da Seção I, do Art. 4º, das
definições, (Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012) como “um serviço público de
transporte de passageiros acessível a toda a população mediante pagamento
individualizado, com itinerários e preços fixados pelo poder público;” (BRASIL, 2012,
p. 25-26).

Inicialmente, o transporte coletivo em Rio Branco foi feito através das


lotações:

[...] o contexto histórico relativo ao aparecimento dos transportes coletivos


[...] da cidade de Rio Branco [...] iniciou suas atividades com lotação a partir
da década de 50 a lotação era um veículo Jeep rural de quatro portas, com
capacidade máxima de 10 a 12 passageiros, que fazia o percurso bairro-
centro-bairro sendo substituída mais tarde pelos ônibus, a empresa Irmãos
Lameira foi a pioneira neste tipo de transporte de lotação. (SANTOS, 1999,
p.2)
37

Sobre os ônibus coletivos, “É válido lembrar que o custo da tarifa de ônibus


coletivo urbano [era] R$ 0,75” no ano de 1998, e atualmente, em 2018, vinte anos
depois, a passagem de ônibus é R$ 3,50, sendo R$ 1,00 para os estudantes.
(SANTOS, 1999, p.26). Houve um aumento de R$ 2,75 no preço da passagem.

A seguir [figuras 5, 6, 7 e 8] são expostas fotografias que mostram em ordem


cronológica uma breve perspectiva do transporte coletivo em Rio Branco, e são
expostos os ônibus, que ainda são um dos principais meios de transportes utilizados
na cidade. Na figura 5, é possível notar um ônibus em 1940, que na época era
chamado de Ônibus de Cupa, que era feito a partir de materiais improvisados com
chapas de tambores de combustível, que eram montadas em uma estrutura de
madeira. A figura 6 foi feita em agosto de 1969, em que dois ônibus foram entregue
à empresa Irmãos Lameira, a fotografia foi tirada em frente ao Palácio Rio Branco.

Figura 5. Ônibus improvisado que fazia a linha Figura 6. Entrega dos ônibus à empresa Irmãos
do bairro 6 de Agosto ao bairro Quinze, nos Lameira, em 1969.
anos 1940.

FONTE: MACHADO, Altino., 2018. FONTE: MACHADO, Altino., 2018.

A figura 7 mostra o ônibus da empresa irmãos Lameira, em 1980, passando


em frente ao Palácio Rio Branco, subindo a Av. Getúlio Vargas. E a figura 8 é do
ônibus Cohab Bosque, em 1992, é interessante ressaltar que a linha do Bosque foi a
primeira a circular nos ônibus urbanos, conforme Brilhante (1998) “Em fins do ano de
1965, foi adquirido o primeiro ônibus urbano, tendo a linha do bairro do Bosque
como seu primeiro percurso”. É importante refletir sobre a escolha deste bairro, já
que ele é tido como bairro de classe média e alta, provavelmente escolhido para que
38

os trabalhadores pudessem se locomover até estas residências para prestar seus


serviços domésticos a estas famílias.

Figura 7. Ônibus da empresa Irmãos Lameira, Figura 8. Parada de ônibus no centro da cidade
em 1980, em frente ao Palácio Rio Branco. de Rio Branco e o ônibus da linha 207 Cohab do
Bosque, em 1992.

FONTE: MACHADO, Altino., 2018. FONTE: JORNAL O RIO BRANCO, 1992.

Conforme a Política Nacional de Mobilidade Urbana, nos artigos. 1º e 3º do


cap. 1, das disposições gerais (Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012):

Art. 1º A Política Nacional de Mobilidade Urbana é instrumento da política


de desenvolvimento urbano de que tratam o inciso XX do art. 21 e o art. 182
da Constituição Federal, objetivando a integração entre os diferentes modos
de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e
cargas no território do Município.
[...]
Art. 3º O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e
coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que
garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município.
(BRASIL, 2012, p. 24)

Desta necessidade de mobilidade urbana, foi construído o Terminal Urbano


Francisco Alves Ribeiro [figura 9], este espaço-lugar está localizado no centro da
cidade de Rio Branco, no estado do Acre, e no local onde está situado, antes de sua
construção é onde ocorria a feira dos colonos, que atualmente estão abrigados no
Mercado Elias Mansur.

O Terminal Urbano foi estruturado e organizado com a iniciativa da


Prefeitura Municipal de Rio Branco em [1996], buscando prestar uma
39

melhor acomodação aos passageiros que necessitam cumprir suas


atividades na área central de Rio Branco. Esta obra é de fundamental
importância, tanto para o bom acondicionamento das pessoas que dela
usufruem, como para as questões relacionadas ao comércio local. Observa-
se no entorno do Terminal Urbano um crescimento elevado de atividades
informais, além de pequenas e grandes instalações comerciais. (SANTOS,
1999, p.28)

Figura 9. Terminal Urbano Francisco Alves Ribeiro, em Rio Branco- AC.

FONTE: ECOS DA NOTÍCIA, 2018.

De acordo com dados da Associação dos municípios do Acre- AMAC (2013),


em média 50 mil pessoas transitavam diariamente pelo Terminal Urbano, o que
representa um grande número de pessoas que compartilham o mesmo espaço-lugar
e se relacionam nesse ambiente. De acordo com Santos (1999, p.51-52) entre os
comércios existentes em torno do Terminal:

[...] 76% deles tiveram seus estabelecimentos comerciais construídos


depois da estruturação do Terminal Urbano de Transportes Coletivos [...] [e]
40% dos proprietários entrevistados estabeleceram-se na área em estudo
devido o grande fluxo de pessoas que passou a existir no local oriundos,
tanto da chegada como de saída, do Terminal Urbano. “

De acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, no inciso III, do §


3º, artigo 3º do cap. 1, das disposições gerais (Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de
40

2012), os terminais, estações e demais conexões são tidas como infraestruturas de


mobilidade urbana. (BRASIL, 2012, p. 25)

Com a superlotação das paradas de ônibus e o trânsito sobrecarregado, foi


necessário a existência de um espaço que pudesse abrigar os passageiros e tornar
o trânsito mais fluído, para este fim, assim surge o Terminal Urbano. Como está
explícito no Estatuto da Cidade, nos incisos I e V, do cap. I do Art. 2º. que trata das
diretrizes gerais (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001) deve ser garantido às
pessoas, entre outras coisas o direito ao transporte, assim sendo, a política urbana
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à


terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana,
ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações;
[...]
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços
públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às
características locais; (BRASIL, 2001, p. 17-18).

Em momentos de instabilidade e insegurança as atividades no Terminal têm


que ser suspensas, como durante as cheias do rio Acre em que o local ficou alagado
e quando devido a rebeliões ou retaliações ocorrem ataques e incêndios dos ônibus
nos bairros. Nos momentos em que as cheias ocorrem, e o Terminal Urbano alaga é
quando o rio encontra o asfalto, e o transporte coletivo tem suas atividades
dificultadas, causando tumulto pelos pontos ônibus, já que este espaço-lugar é o
local que acomoda as pessoas na espera dos ônibus.
Pode-se dizer que o Terminal Urbano exerce um papel centralizador de
atividades comerciais em Rio Branco, pois ele é “o principal receptor e emissor de
pessoas e serviços da capital. [...] uma imensa parcela da população [...] necessita
do ônibus como transporte coletivo para compra, venda, atividades profissionais
diversas no centro da cidade. ” (SANTOS, 1999, p.30), por isso, o uso do Terminal
não se restringe ao transporte, mas de todo um direcionamento do comércio e
41

comunicação entre pessoas em Rio Branco, constituindo-se por fim, em um espaço-


lugar moderno, das novas significações deste morador da cidade.
Desse modo, do rio ao asfalto teve o intuito de trazer a história social que está
envolvida na existência do Terminal Urbano, e neste percurso histórico que foi do rio
ao asfalto, se pôde identificar no Terminal Urbano um dos lugares em que as
relações sociais ocorrem em Rio Branco, mediadas pelo transporte, e evidenciam os
novos significados para este espaço-lugar.

B.2. “CONHECER” O TERMINAL URBANO: As teorias utilizadas para


compreender o espaço da pesquisa

É nesse ímpeto de conhecer que o Ouvir,


complementando o Olhar, participa das mesmas
precondições deste último, na medida em que está
preparado para eliminar todos os ruídos que lhe
pareçam insignificantes.

(Roberto Cardoso de Oliveira)

O desejo em “conhecer” uma realidade social implica numa curiosidade e em


uma vontade de saber mais sobre um assunto, e é esta ânsia de conhecer que
move os pesquisadores em busca de respostas, mas as respostas geram cada vez
mais, novas dúvidas, indagações e questionamentos sobre realidade em que se está
inserido. A realização de uma pesquisa envolve a constante busca por
conhecimento, e para isso, é necessário além do aporte metodológico, o arcabouço
teórico, que representa uma junção entre diversos autores e suas múltiplas teorias,
serve como um suporte para que o pesquisador consiga fundamentar os dados que
obteve no campo. É o que permite uma conversa entre a realidade estudada e as
teorias existentes sobre o tema em questão, permitem a análise dos dados e levam
o pesquisador a uma reflexão sobre o objeto de estudo, aliando teoria e prática.

Pode-se dizer que “A teoria é construída para explicar ou compreender um


fenômeno, um processo ou um conjunto de fenômenos e processos [...]. Nenhuma
teoria, por mais bem elaborada que seja, dá conta de explicar todos os fenômenos e
42

processos” (MINAYO, 1994, p.18). Por esse motivo, são utilizados diferentes
autores, que juntos, permitem a elaboração de uma explicação mais coerente e
fundamentada, de modo que ela consiga envolver o tema, problema e hipóteses. Em
relação ao eixo teórico da pesquisa, alguns dos autores principais escolhidos para
dar embasamento para a esse trabalho foram: Marc Augé (2004), Pierre Bourdieu
(2011) e Weber (1994).

Conforme Augé (2004, p.87) o Terminal Urbano possui caracteres de um


“não-lugar”, que segundo o antropólogo refere-se a “duas realidades
complementares, porém, distintas: espaços constituídos em relação a certos fins
(transporte, trânsito, comércio, lazer) e a relação que os indivíduos mantêm com
esses espaços”, e caso as relações que ali ocorrem só se referirem aos fins que o
ambiente proporciona, neste caso, o transporte, e isso acarreta numa tensão
solitária, marcada pela existência de diversas pessoas que estão em um mesmo
ambiente, sem nem interagir.

O Terminal Urbano pode ser entendido como um espaço social, pois esse
espaço em que as pessoas ocupam, o torna simbólico, na qual, segundo
Bourdieu (1997, p.160):

Os agentes sociais que são constituídos como tais em e pela relação com
um espaço social (...) definido pela exclusão mútua (ou a distinção) das
posições que o constituem, isto é, como estrutura de justaposição de
posições sociais. A estrutura do espaço social se manifesta, assim, nos
contextos mais diversos, sob a forma de oposições espaciais, o espaço
habitado (ou apropriado) funcionando como uma espécie de simbolização
espontânea do espaço social.

No Terminal Urbano, as pessoas convivem em um espaço social marcado


pela distinção nas posições sociais, evidenciado na estratificação entre as
plataformas que restringem as pessoas de interagir e conhecer outras pessoas e
estabelecerem relações. Pierre Bourdieu (2011) é um autor que também aborda
sobre o poder simbólico em diferentes ambientes, demonstrando como este poder
só se exerce quando reconhecido, e é numa relação determinada, entre os que
exercem o poder e os que lhes estão sujeitos, “o poder simbólico [...] se define numa
43

relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem poder e os que lhe
estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo que produz e
reproduz a crença” (BOURDIEU, 2011, p.14-15). O uso do arcabouço teórico de
Bourdieu (2011) se deu para analisar as relações sociais que ocorrem no Terminal
Urbano, utilizando de seus conceitos no intuito de compreendê-las melhor.

Max Weber (1994, p. 3) traz a noção de ação social, que segundo o autor
“significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se
refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso. ” Neste
sentido, pode-se dizer que a ação social das pessoas, contribuem para a atribuição
dos significados ao Terminal Urbano. Nas relações sociais que se formam, as
pessoas podem atribuir significados a esse espaço-lugar, já que “A vida cotidiana se
apresenta como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada
de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente” (BERGER e
LUCKMANN, 2003 p.35). O pensamento de Berger e Luckmann deu subsídio para
estudar o Terminal Urbano, para apreender os significados que as pessoas dão a
esse espaço, de acordo com o modo de interpretar o cotidiano de cada uma, em que
estão numa diversidade de realidades presentes ali.

E é assim, que as pessoas em sua vida cotidiana, dão sentido às suas vidas e
aos espaços sociais, através de suas ações e pensamentos, criando interpretações
que correspondem à realidade delas. É essa visão de mundo que essa pesquisa vai
buscar apreender, identificando quais os significados por trás das interpretações dos
indivíduos, e as relações estabelecidas entre eles, podendo ser econômicas, quando
em contato com os vendedores, os ambulantes, cabeleireiros; religiosas quando há
manifestações de fé, através de pessoas representando suas crenças, políticas,
quando ocorrem greves, manifestações, paralisações e comícios; e culturais com a
presença de pessoas de outros países e de outros estados representando a
diversidade de culturas existente no Terminal Urbano, como será apresentado no
próximo capítulo as percepções sobre este espaço-lugar.
44

CAPÍTULO 3 – PESQUISA DE CAMPO NO TERMINAL URBANO

[...] o campo de pesquisa é um recorte que o


pesquisador faz em termos de espaço, representando
uma realidade empírica a ser estudada a partir das
concepções teóricas que fundamentam o objeto de
investigação.
(Maria Cecília de Souza Minayo)

Neste capítulo será apresentado o aporte empírico desta pesquisa, que


representa a ida a campo, para obter informações do objeto de pesquisa, através de
diários de campo, observações, fotografias e entrevistas. Ao longo do capítulo serão
apresentados os dados colhidos no decorrer do processo da pesquisa e a devida
análise das narrativas e relatos através do apoio dos autores e teorias, dando novas
perceptivas para a aplicação das teorias e até mesmo da imagem que se
costumeiramente se tem do Terminal Urbano. Para realizar a análise dos dados
foram criadas categorias a fim de compreender os significados que cada grupo de
pessoas atribui ao Terminal.
Este capítulo trata da experiência de ir a campo, ato tido por alguns como
dispensável, e para outros é imprescindível para a realização da pesquisa. No
decorrer do processo houve certa resistência, por vezes não havia segurança e
desenvoltura para passar por esse ritual do campo, por vezes parecia não haver
necessidade de ir a campo, mas mesmo com o despreparo e insegurança, se
deparar com o campo foi necessário tanto para a pesquisa, como para o surgimento
da aluna-pesquisadora, e principalmente o seu reconhecimento enquanto tal.
Tornar-se pesquisadora apenas ao fim do curso traz à tona sentimentos múltiplos, a
sensação de impotência e total desconhecimento predominam, e este foi apenas
parte do bloqueio que se desenrolou durante o processo de pesquisa. Em grande
parte dos momentos havia a recusa em se aproximar da pesquisa e em escrever, foi
como uma depressão pós-parto, quando a mãe, aqui entendida como a
pesquisadora, rejeita a pesquisa. Por várias vezes houve um afastamento da
pesquisa, não queria me aproximar, nem manter contato, eram meses de
distanciamento e desprezo que impediam de escrever e produzir.
45

Experenciar é aprender; significa atuar sobre o dado e criar a partir dele. O


dado não pode ser conhecido em sua essência. O que pode ser conhecido
é uma realidade que é um constructo da experiência, uma criação de
sentimento e pensamento. Experenciar é vencer os perigos. A palavra
‘experiência’ provém da mesma raiz latina (per) de ‘experimento’, ‘experto’ e
‘perigoso’. Para experenciar no sentido ativo, é necessário aventurar-se no
desconhecido e experimentar o ilusório e incerto. (TUAN, 1983, p.2)

A pesquisa de campo foi uma experiência essencial para que este trabalho
ocorresse, foi um modo de analisar a realidade social no intuito de compreendê-la,
fazendo com que aquilo que já se está estabelecido e familiarizado pudesse ser
visto por outro ponto de vista, dando ênfase a outro ângulo de percepção. De acordo
com Goldenberg (2004, p.13) “A pesquisa científica exige criatividade, disciplina,
organização e modéstia, baseando-se no confronto permanente entre o possível e o
impossível, entre o conhecimento e a ignorância”, realmente estas exigências são
úteis quando se pensa em pesquisa, a criatividade é peça fundamental para a
realização da mesma, ela está presente desde os momentos iniciais, quando ainda é
pensada, e posteriormente com o levantamento dos dados e as entrevistas, e no
momento em que a realidade é investigada e as hipóteses são confirmadas ou
refutadas, todas estas construções fazem parte do ofício do pesquisador e
demandam pensar a realidade de forma criativa; a disciplina também se faz
necessária, como este processo exige muito do pesquisador, quando ele desacelera
acaba perdendo o ânimo e se afastando da pesquisa, por isso a disciplina é o que
faz manter o foco e a continuidade; a organização faz parte do percurso para não
confundir e gerar precipitações, muitas vezes falta ao pesquisador este senso de
organização para levar com maior leveza este momento, com planejamento e sem
angústias e ansiedade; e a modéstia é o fator responsável por nos fazer pensar
grande e fazer pequeno no processo de pesquisa.
Desse modo pesquisa foi entendida como a junção dos esforços intelectuais,
psicológicos e físicos para conhecer e compreender um objeto de pesquisa e
adentrar em suas particularidades, e isso se faz a partir de diversas experiências
que vão sendo realizadas em cada minúscula e difícil parte do processo de
pesquisa, que permite aos poucos conhecer um dos caminhos e meios possíveis de
interpretar e analisar um fenômeno.
46

PLATAFORMA C

C.1. “OUVIR” E “OBSERVAR” NO TERMINAL URBANO: Aspectos da


pesquisa de campo

[...] tanto o Ouvir quanto o Olhar não podem ser


tomados como faculdades totalmente independentes
no exercício da investigação. Ambos se
complementam e servem para o pesquisador como
duas muletas [...] que lhe permitem caminhar, ainda
que tropegamente, na estrada do conhecimento.

(Roberto Cardoso de Oliveira)

O ouvir e o observar são capacidades necessárias ao realizar uma pesquisa,


é preciso ter ouvidos sempre atentos para captar aquilo que os entrevistados dizem
e também o que evitam dizer, que simplesmente ocultam das suas narrativas, e
aquilo que os fazem silenciar e para perceber esse tipo de sutileza o olhar também
deve estar treinado para observar cada detalhe dos gestos, semblantes e
afastamento. Conforme Soriano (2004, p.145) “[...] se o olhar é uma capacidade
inata da generalidade dos indivíduos, o mesmo não ocorre com a observação para
um fim determinado, que precisa [...] captar as manifestações e aspectos mais
transcendentes e significativos”. Neste sentido, mais do que voltar um simples olhar
para o objeto de pesquisa, deve-se observar com cautela e sensatez os aspectos
analisados em campo, desde os diários de campo às entrevistas.

Por isto é tão importante retornar aos diários de campo6 e anotações feitas, a
fim de analisar as observações e percepções que foram tidas naquele momento,
trazendo à tona o momento em questão e contribuindo para deixar mais consistente
e aprofundada a pesquisa através desta forma de presentificar o passado e dar
espaço ao que se escreveu e ao que chamou atenção em determinado momento e
que no momento de unir teoria e empírico pode contribuir para a compreensão e

6
Os diários de campo iniciaram oficialmente no dia 10 de abril de 2017 dando seguimento até o dia
23 de agosto de 2017, eles geralmente eram feitos em dois dias da semana às terças e quartas entre
as 16:00 horas e às 18:00.
47

interpretação dos dados. As primeiras entrevistas7 ocorreram de forma meio


desajeitada, devido à falta de experiência em abordar as pessoas e iniciar uma
conversa no Terminal Urbano, já que não é muito comum que se faça isto ali. Os
vendedores ambulantes foram os primeiros, pois são algumas das pessoas que
ficam por maior tempo no Terminal, e por isso suas percepções sobre o Terminal.
Levando em consideração a pergunta central das entrevistas, que buscava saber o
significado que o Terminal tem para as pessoas, foram tidas algumas respostas dos
vendedores ambulantes.

C.2. Percepções sobre o Terminal: entre o caos e a ordem

O Terminal Urbano é um espaço-lugar marcado pelo movimento e


transitoriedade em que trafegam diversas pessoas diariamente, e pode ser
entendido enquanto um espaço de transição e um lugar de relação. O espaço de
transição se dá para as pessoas que fazem uso do Terminal como um facilitador
para a mobilidade urbana, e o lugar de relação possui uma carga afetiva e marcada
por valores implícitos na relação com o lugar, “O lugar pode adquirir profundo
significado para o adulto através do contínuo acréscimo de sentimento ao longo dos
anos” (TUAN, 1983, p.5). Em certos momentos o Terminal pode ser percebido como
caos, e em outros como ordem [figuras 10 e 11], as características que o tornam um
caos na visão das pessoas que ali transitam, são as que dizem respeito às
sensações que as pessoas têm ao conviverem no mesmo espaço-lugar. Do mesmo
modo, o Terminal também possui aspectos que dão a ele certa ordem, visto
principalmente em sua divisão socioespacial. Nas figuras 10 e 11, nota-se que as
percepções das pessoas sobre o Terminal estão condicionadas pelas experiências e
usos que elas fazem deste espaço-lugar, quando o uso não atende as expectativas
o espaço-lugar é tido como caos, e quando as necessidades que se tem são
supridas, é possível notar certa ordem através das informativas placas e das
plataformas.

7
As entrevistas foram feitas entre os dias 17 e 24 de abril de 2018, no período matutino, que iam
geralmente das 7 horas da manhã às 10 horas da manhã, no total foram 34 entrevistas, as conversas
foram guiadas pela pergunta central: “O que o Terminal significa para você? ” E conforme as
respostas eram dadas, dependendo do interesse da pessoa, a conversa podia se estender ou se
restringir apenas a esta resposta.
48

Figura 10. O caos no Terminal Urbano. Figura 11. A ordem no Terminal Urbano.

FONTE: Print Screen da ferramenta de


FONTE: Print Screen da ferramenta de avaliação e avaliação e classificação de lugares do
classificação de lugares do Google Maps, 2018. Google Maps, 2018.

C.2.1. O caos e suas múltiplas faces

O Terminal Urbano é um espaço-lugar que foi idealizado a fim de acomodar


um fluxo grande de pessoas em um único ambiente, para dar mais fluidez ao
trânsito, “Com esta centralização dos transportes coletivos, direcionando-os para o
Terminal Urbano, houve uma redução do número de paradas de ônibus no centro da
cidade, tendo como principal ponto de espera, o Terminal. ” (SANTOS, p.36) que foi
pensado para ser um local de transitoriedade, ele foi feito a partir de interesses
capitalistas, e não para a permanência ou o lazer.

Neste sentido, foram identificadas seis características do Terminal que podem


o tipificar como um espaço-lugar de caos, para Lorenz (1996) o caos em sua origem
representava uma total falta de forma ou arranjo sistemático, mas atualmente se
refere à ausência de uma forma de ordem que devia estar presente. Sobre as
características do Terminal enquanto um espaço-lugar caótico é importante ressaltar
49

que algumas delas são agravadas nos horários de pico8 e serão analisadas a seguir:
a primeira é o grande número de pessoas; a segunda é o ambiente quente; a
terceira característica é a falta de acomodação; a quarta trata dos sons existentes no
Terminal; a quinta característica é os cheiros presentes; e a última é a espera para a
chegada dos ônibus.

A primeira característica é a grande quantidade de pessoas que torna difícil


transitar pelo ambiente, levando assim a superlotação de alguns pontos como: o
desembarque, as plataformas e o bebedor, levando em consideração que transitam
em média 50 mil pessoas por dia no Terminal Urbano segundo a AMAC (2013). O
que é um incômodo para uns, representa sobrevivência para outros, como é o caso
dos vendedores de salgados e sucos das lanchonetes que têm acesso às pessoas
que estão dentro do Terminal, em relação a isto as entrevistadas E25 e E27
trouxeram questões que ajudam a compreender este aspecto. A primeira
entrevistada expôs que a quantidade de pessoas é de certa forma boa para elas:
“Quero nem saber minha filha, essa hora é o terror [...] quanto mais tem movimento,
é melhor para nós, para nós vender né? ” (E25). Já a segunda, que trabalha no
Terminal há 15 anos, diz que para ela o Terminal significa: “Bagunça, furdunço,
dinheiro [...] é uma verdadeira muvuca, é [o] encontro de pessoas, falo que aqui é o
coração da cidade” (E27). Associando as falas das entrevistadas E25 e E27, se
evidencia que elas relacionam à quantidade de pessoas a possibilidade de lucrar
com as vendas dos lanches e, portanto, neste sentido veem com agrado a
superlotação.

A segunda característica é sobre o calor que acomete o Terminal, devido ao


fato de não haver ventilação suficiente para manter o local arejado, um fator que se
agrava pela quantidade de gente que ali se encontra, já que onde há muitas
pessoas, o local tende a ficar mais quente. Como pode ser visto na [figura 12] que
mostra as opiniões das pessoas sobre Terminal.

8
Os horários de pico são as horas que em o Terminal Urbano fica mais movimentado e costuma coincidir com
os horários de expediente de trabalho e das aulas nas escolas, faculdades e universidade, que vai das 6:00 às
8:00, das 11:00 às 13:00, das 17:00 às 19:00, e entre as 21: e 22:30.
50

Figura 12. Percepções das pessoas sobre o Terminal Urbano.

FONTE: Print Screen da ferramenta de avaliação e classificação de lugares do Google


Maps, 2018.

Entre estas quatro avaliações sobre o Terminal, há uma concordância nas


opiniões das pessoas de que o Terminal Urbano é um ambiente muito quente, e que
por isso ele deve ser evitado em horário de pico, pois para as pessoas é estressante
e desagradável se manter longas horas em um ambiente desconfortável e calorento.
O entrevistado E8 (64 anos) é um vendedor ambulante que trabalha há sete anos no
Terminal Urbano, ele fica no Terminal das 4 e 30 da manhã às 23:30, e evidencia
esta ideia ao dizer que ficar no Terminal o dia todo “É horrível [pausa] pela estrutura
dele, pela aglomeração que no horário de pico faz com que fique mais quente
ainda.”.

Na terceira característica, relacionada falta de acomodação das pessoas, é


possível dizer que se já é difícil mover-se em um ambiente com muita gente, é ainda
mais complicado acomodar as pessoas sentadas nele, por isso nem todas as
pessoas conseguem se sentar nos bancos que estão espalhados pelo Terminal, pois
a quantidade de banco não comporta a quantidade de pessoas que transitam pelo
Terminal. Como é possível notar na [figura 13] o fator comodidade é algo mensurado
por quem utiliza o Terminal.
51

Figura 13. As acomodações do Terminal Urbano.

FONTE: Print Screen da ferramenta de avaliação e classificação de lugares do


Google Maps, 2018.

A questão da acomodação no Terminal é um dos aspectos preponderantes a


quem frequenta o Terminal, e o fato de não haverem bancos o suficiente, como
ressalta o usuário do Terminal na figura acima, torna a permanência das pessoas
cansativa durante a espera dos ônibus, principalmente para os idosos, mulheres
grávidas e com crianças de colo e para as pessoas com sacolas e bagagens.

Em relação à quarta característica, que é sobre os sons presentes no


Terminal, os vendedores ambulantes entrevistados E2 e E6 compactuam da ideia de
que os sons existentes no Terminal são para eles algo incômodo. O entrevistado E2
não gosta dos sons do Terminal, ainda mais em horário de pico, em que “os alunos
estão aglomerados pelo espaço e ficam gritando [...] correndo e fazendo zoada”.
Neste sentido, os sons existentes no Terminal são específicos e
característicos deste espaço-lugar, que está imerso por sons de ônibus chegando e
saindo, músicas tocando na rádio e nas lojas ao redor, e por acomodar tantas
pessoas ao mesmo tempo, é normal que conversem, falem alto e até gritem, assim
pode-se dizer que “[...] o som dramatiza a experiência espacial. Um espaço
silencioso parece calmo e sem vida não obstante a sua visível atividade. ” (TUAN,
1983, p.2). Para o entrevistado E6 (63 anos) “É cansativo ficar o dia todo aqui,
52

principalmente no horário de pico, [em que estão] os alunos”. Assim sendo, os dois
entrevistados concordam que a gritaria e barulho que as pessoas fazem, são alguns
dos sons que mais incomodam a pessoas, em específico os ambulantes, que ficam
por mais tempo dentro do Terminal, e os sons feitos pelos alunos quando vão e
voltam da escola foram os citados, que estão lá, nos horários em que Terminal
Urbano fica mais tumultuado e superlotado.
E a quinta característica é sobre os cheiros peculiares que é possível sentir
quando se frequenta o Terminal, sobre estes cheiros e odores Tuan (1983, p. 2)
afirma que:

Os odores imprimem caráter aos objetos e lugares, tornando-os distintos,


porém não chegam a constituir um mundo, pois este sugere estrutura
espacial, onde os odores estariam espacialmente arranjados. O paladar, o
odor e a audição nos dão por si a sensação de espaço, mas a maioria das
pessoas faz uso dos cinco sentidos, que se reforçam mútua e
constantemente para fornecer o mundo em que vivemos, intricadamente
ordenado e carregado de emoções.

O entrevistado E8, que é vendedor ambulante revela que as pessoas que vão
ao Terminal costumam reclamar do mau cheiro que existem ali e ressalta sua
posição sobre o ambiente em que ele trabalha:

Olha, eu acho assim, [o Terminal] é muito importante, ele dá condições para


os usuários usufruir de duas passagens ao invés de uma só. [Mas] por outro
lado, eu acho que foi muito mal estruturado, não dá conforto nenhum aos
usuários, a cobertura é muito baixa, [ele] foi feito sobre uma política
arbitrária não condizente com o projeto já existente para o seu
funcionamento [porque] foi construído em cima do canal da maternidade
[por isso o mau cheiro que exala pelo local] [...] a água que vem do canal,
vai tudo para a beira do rio.

Desse modo, o odor presente no Terminal pode ser entendido enquanto uma
característica que imprime sentido aquele ambiente, que torna ele singular e mesmo
que não seja um cheiro que agrade, está espacialmente arranjado e intrinsicamente
ordenado e carregado de emoções e afetos.

A sexta característica identificada no Terminal é sobre a espera para a


chegada dos ônibus, que se torna algo muito incômodo quando se tem um
compromisso com hora marcada, em relação a isto, certa vez ao observar um
homem conversando ao telefone foi possível o ouvir reclamando: “Estou aqui,
mofando no Terminal”, o que demonstrou sua insatisfação por estar ali
53

provavelmente a muito tempo esperando, e é em falas como esta que ressaltadas a


imagem que o Terminal representa para algumas pessoas. E é devido a estas
características que várias pessoas evitam ir ao Terminal para não se deparar com
estas questões, a espera se torna algo angustiante.

O entrevistado E24 (73 anos) um senhor, que trabalha em uma faculdade a


distância, conforme escrito em sua farda, ele discorreu em sua fala o que ele chama
de deficiências do Terminal, e entre elas está a demora dos ônibus, a falta de
manutenção dos ônibus para os deficientes físicos, a pouca quantidade dos ônibus e
a insuficiente quantidade bancos, como pode ser visto, para ele o Terminal:

É importante, [é] onde tem os ônibus, as pessoas, [tem a] facilidade de se


deslocar do centro para qualquer bairro, porém existem sérias deficiências:
a primeira é o tempo de espera de cada ônibus, [que] passa de quarenta
minutos, isso é um absurdo; a segunda é a manutenção dos ônibus, que é
outro absurdo, a maioria dos ônibus que tem acesso aos cadeirantes a
rampa não funciona, ou está funcionando com muita dificuldade; outro grave
problema: poucos ônibus para muita demanda, [e por isso os] ônibus
extremamente lotados [...] o ambiente [do Terminal é] razoável [...] o que
falta são bancos [...] precisaria de mais ônibus pela demanda que existe.

Em concordância com o entrevistado E24, a entrevistada E23 (60 anos) uma


senhora, já aposentada, mas que ainda trabalha se mostrou impaciente com a
espera e reclamou da demora dos ônibus e da desorganização do embarque e do
desembarque, para ela “O Terminal Urbano não significa nada [só serve para o
transporte? ] Sim. ” Neste sentido, ambos pontuam que a espera dos ônibus é uma
característica incômoda.

Em relação a estas características apresentadas, pode-se dizer que elas são


desencadeadas e agravadas em decorrência do uso do Terminal em horário de pico,
pretende-se ressaltar o incômodo que as pessoas que transitam pelo Terminal
podem sentir em momentos de superlotação, levando em consideração que são
estas as características que levam as pessoas o considerar um caos. O intuito é que
surjam medidas para amenizar estes aspectos, tornando a experiência no Terminal
mais satisfatória. Em geral o Terminal não é um ambiente confortável para ficar por
muitas horas, por não acomodar as pessoas devidamente, de modo que elas se
sintam bem em estar ali por muito tempo, até porque o que se espera é que as
54

pessoas estejam ali de passagem e a sua permanência dure apenas o tempo


suficiente da chegada dos ônibus.

Deste como, o caos existente no Terminal é tão comum ao ser humano, como
a busca de uma organização, mas o caos precede a ordem, que não
necessariamente condiz com este ambiente ou impede que ele funcione em todos
os seus aspectos. É necessário pontuar que o Terminal não é apenas um espaço
físico e concreto, ele é também um lugar composto por pessoas, e em ambientes
que abrigam ao mesmo tempo tanta gente, é praticamente impossível manter esta
utopia de ordenamento que não considera as pessoas e se dá independente e
acima delas, desconsiderando suas particularidades e singularidades, ignorando que
enquanto seres vivos agem de maneiras imprevisíveis e próprias, com hábitos,
manias e costumes que diferem uns dos outros e por isso não seguem um script.

C.2.2. A ordem em meio ao caos

A ordem existente no Terminal Urbano se dá a partir do modo como ele está


organizado espacialmente, que perpassa desde o meio para se adentrar no espaço-
lugar à forma de situar e informar as pessoas no espaço, neste sentido, existe um
poder simbólico que vigora no Terminal que visa manter a ordem vigente, de modo
que as pessoas estejam inconscientes dele, este poder está no “[...] poder das
palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a
crença da legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja a
produção não é da competência das palavras”. (BOURDIEU, 2011, p.14-15)

O acesso ao Terminal se dá pelo uso do cartão de passe que é a forma


existente para entrar nele a partir das roletas. Ao passar pelas roletas é possível
notar que a maioria dos ambientes é identificado facilmente pela presença de placas
que indicam o trajeto e o nome de cada ambiente, e estas por sua vez, são
características dos não-lugares. Para Augé (2004, p.95):

O passageiro dos não-lugares só reencontra sua identidade no controle da


alfândega, no pedágio ou na caixa registradora. Esperando, obedece ao
mesmo código que os outros, registra as mesmas mensagens, responde às
mesmas solicitações. O espaço do não lugar não cria nem identidade
singular nem relação, mas sim solidão e similitude.
55

Em oposição aos “não-lugares”, Augé (2004) traz o termo “lugar


antropológico” que segundo ele, se refere a uma construção concreta e simbólica do
espaço que não poderia dar conta, somente por ela, das vicissitudes e contradições
da vida social, mas se refere a todos aqueles a quem ela designa um lugar, por mais
humilde e modesto que seja, é ao mesmo tempo princípio de sentido para quem o
habita e princípio de inteligibilidade para quem o observa, Augé destaca três
características comuns dos lugares antropológicos: eles são identitários, relacionais
e históricos. Desse modo, o Terminal pode ser entendido como um lugar
antropológico para aqueles que veem ele com afetividade e que nele imbuem valor,
como é o caso dos vendedores ambulantes que possuem uma identidade
característica com o lugar, envolvendo suas vestimentas, meios de trabalho e
localização no espaço; é relacional porque enquanto pessoas que compartilham a
mesma identidade, também se relacionam entre si, se conhecem e mantém uma
relação, apesar de estarem vendendo em um ambiente de concorrência; e por fim, é
histórico porque existe dentro de um contexto que envolve o espaço-tempo, num
processo histórico-social, que se desenrolaram com a existência do Terminal, os
ambulantes mantém com o Terminal um percurso da história que revela a luta que
tiveram pelo lugar, para estar no Terminal.

Em relação à ordem existente neste espaço-lugar pode-se notar através da


divisão socioespacial do Terminal Urbano que para organizar as pessoas foi
utilizado o recurso das plataformas. Ao observar a divisão espacial do Terminal
Urbano, notam-se três plataformas principais A, B, e C que se subdividem em A1,
A2, A3; B1, B2, B3 e C0, C1, C2 e C3. As plataformas se diferenciam por cores, a
plataforma A, é identificada com a cor vermelha, a plataforma B possui a cor verde e
a plataforma C, tem a cor amarela. Esta organização em plataformas revela que “O
homem, como resultado de sua experiência íntima com seu corpo e com outras
pessoas, organiza o espaço a fim de conformá-lo a suas necessidades biológicas e
relações sociais. ” (TUAN, 1983, p. 5).

Essa divisão em plataformas pode representar mais do que uma simples


divisão espacial, é também uma forma de estratificação social que se refere “as
hierarquias sociais, [...] dizem respeito tanto à repartição de pessoas na sociedade,
de acordo com a divisão do trabalho, quanto às avaliações sobre a posição que as
56

pessoas detêm [...] e que lhe são socialmente conferidas”. (AGUIAR, p. 13-14,
1973), como é o caso das classes sociais.
As classes sociais estão relacionadas ao fator econômico e político, que
permitem com que haja mobilidade de uma classe para outra, com possibilidade
ascensão e também decadência, assim estas relações sociais se baseiam
geralmente na apropriação (econômica) e na dominação (política), que ocorrem
mediante ao poder que umas pessoas têm sobre as outras. (IANNI, 1972, p.12)
Sobre este poder, Bourdieu (2011, p.7-8) afirma que:

[...] é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é
mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é,
como efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou
mesmo que o exercem.

Neste sentido, entender o Terminal apenas pela esfera econômica e de


transporte, impede de reconhecer o poder simbólico que este espaço-lugar exerce
nas pessoas, o ocultando enquanto um espaço de desigualdade, estratificação e
precarização. A aceitação de que é um fim em si mesmo, oculta o poder que ele
exerce.
Em Rio Branco a distinção entre as classes sociais, está explícita e pode ser
identificada em espaços-lugares como bairros e locais construídos exclusivamente
para classes dominadas (baixas), estes bairros são distantes do centro da cidade e
isolados e possuem casas padronizadas, que visam manter quem é considerado
indesejado o mais longe possível para não incomodar a “ordem”. Em contraste com
os bairros periféricos, há simultaneamente os bairros planejados justamente para
receber pessoas de classes sociais dominantes (médias e altas), em condomínios
fechados, a fim de garantir segurança e privacidade aos seus moradores.

O rio Acre, principal via de transporte [...], ao longo das décadas e com o
crescimento urbano, passa a dividir a cidade em dois distritos,
caracterizando um lado da cidade onde há a presença dos principais órgãos
públicos e equipamentos urbanos, onde também vão surgir os conjuntos
habitacionais planejados para classe média e alta da cidade; do outro,
caracteriza-se uma área urbana, com menos ações públicas, onde
predominam bairros de ocupação espontânea, muitos deles às margens do
rio ou próximos a ele e, que enfrentam anualmente, além dos problemas de
infraestrutura e serviços, o alagamento do rio. (ALMEIDA, p. 2-3, 2010)
57

No Plano diretor do Município de Rio Branco, constam nos incisos I, IV, V e


VI, do artigo 6º, da Seção I Do Princípio da Igualdade e Justiça Social (Lei nº 2.222
de 26 de dezembro de 2016) que o Município contribuirá para a promoção da
igualdade e justiça social em seu território viabilizando a:

I - redução da segregação sócio espacial;


[...]
IV - igualdade de acesso aos equipamentos e serviços públicos;
V - justa distribuição dos equipamentos e serviços públicos pelo território;
VI - implementação do acesso à assistência técnica e jurídica gratuita para
os cidadãos, comunidades e grupos sociais menos favorecidos, nos moldes
do Art. 178 e parágrafo único desta Lei. (BRASIL, 2016, p. 3-4)

O Terminal Urbano permite que pessoas de diversas classes sociais ocupem


o mesmo espaço, e convivam por entre as plataformas, mas além das pessoas
serem diferenciadas por suas marcas sociais, ainda existe um campo imaginário que
as segrega em plataformas, em que os bairros estão organizados por: segundo
distrito, primeiro distrito e parte alta, este tipo de organização pode ser feita pela
conveniência de dar mais opções para pessoas que pegam mais de um ônibus, mas
também pode indicar uma forma de manter as pessoas contidas em suas
respectivas plataformas.

A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante


[...] para a integração fictícia da sociedade em seu conjunto, portanto, à
desmoralização (falsa consciência) das classes dominadas; para a
legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das
distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas distinções. Este efeito
ideológico, produ-lo a cultura dominante dissimulando a função de
comunicação: a cultura que une (intermediário de comunicação) é também
a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções
compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se
pela sua distância em relação à cultura dominante. (BOURDIEU, 2011,
p.10-11)

Parafraseando Bourdieu (2011, p.10-11) “O Terminal que une, é também o


que separa”, na aparência ele integra, mas na realidade, legitima a distinção
existente quando separa as pessoas. A organização das plataformas revela que a
segregação e a estratificação ali existente é socialmente aceita de tal modo, que
quando houve tentativas em trocar as linhas das suas respectivas plataformas
58

usuais, não houve a aceitação das pessoas, que geralmente desconheciam a troca,
não se atentavam para as placas que ficam entre as plataformas e acabavam
perdendo os ônibus e devido às reclamações dos usuários, a administração acabava
retornando à organização anterior.
Na plataforma A [figura 14] passam as linhas dos ônibus que vão para os
bairros do 2º Distrito da cidade, que são: Recanto dos Buritis, Taquari, Jacarandá,
Vila Acre, Seis de Agosto, Pólo Benfica, Santa Inês, Cidade do povo e Belo Jardim,
esses bairros são geralmente estigmatizados por terem uma concentração de
pessoas com rendas menores, que vivem em casas construídas pelo governo, por
seus bairros não possuírem uma infraestrutura, uma educação e uma saúde de
qualidade e que contemplem todos os moradores. São bairros periféricos em que a
população é marginalizada e excluída, tornando-se cada vez mais difícil obter a
igualdade econômica, além disso, são tidos como bairros perigosos devido à
violência existente: os homicídios, furtos e tiroteios, estereótipos que são reforçados
pela mídia que difunde diariamente notícias que criam no imaginário popular a ideia
de que a maioria dos moradores desses bairros é criminosa.

Figura 14. Plataforma A do Terminal Urbano.

FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2017.

O crime associado ao Segundo Distrito pode ser exemplificado numa notícia


do dia 29 março de 2017, em que quatro pessoas foram assassinadas e sete
59

pessoas foram baleadas num único dia, a maioria dos crimes ocorreu na região do
Segundo Distrito de Rio Branco, nos bairros Belo Jardim, Triângulo, bairro Seis de
Agosto e Loteamento Praia do Amapá. Além disso, houve tentativas de homicídio no
Calafate e no Esperança, e além das mortes registradas, sete pessoas foram
baleadas nos bairros da capital acreana (NASCIMENTO, 2017). Esse tipo de notícia
reforça ainda mais o estereótipo de que as pessoas desses bairros são perigosas e
envolvidas com o crime e com facções. E por mais que se possa ter acesso às
outras plataformas com acesso livre, é uma forma de manter distantes aqueles que
são estereotipados.
A plataforma A, é uma das mais movimentadas, pois a maioria dos serviços
que são oferecidos no Terminal Urbano está concentrada nesta parte do espaço,
como as roletas que permitem as pessoas entrarem no Terminal, a bilhetagem, que
é onde se recarregam os cartões de passe, o posto policial, os banheiros, as
lanchonetes, a papelaria e o local de impressão e Xerox.
Na plataforma B [figura 15], estão linhas como: Floresta, Calafate, Conjunto
Esperança, Mocinha Magalhães, Tucumã, Nova Esperança, Jequitibá, UFAC,
Universitário, Custódio Freire e Distrito Industrial, esses bairros em sua maioria
pertencem ao que se conhece como 1º Distrito, e possui uma imagem positiva, com
algumas exceções como o Calafate, bairro que carrega alguns estereótipos como o
de que é violento e perigoso, e além dos crimes que lá ocorrem, grande parte da
população possui baixa renda, daí mais um estigma por serem pobres. E também os
ônibus do bairro Nova Esperança, em que geralmente muitas pessoas o pegam para
ir ao Hospital Fundação, então costuma ser uma plataforma lotada, com pessoas de
diversas classes sociais, mas com predominância das mais baixas, em contraste
com isto, o ônibus da linha Nova Esperança também é utilizado por alunos da
Faculdade Uninorte, mostrando que diversas classes sociais convivem nesta
dinâmica da plataforma B.
É no 1º Distrito em que estão concentradas as grandes faculdades,
comércios, empresas, prédios do governo como a Polícia Federal, o Tribunal de
Justiça, a Universidade Federal do Acre, o Aeroporto, os condomínios fechados e
por isso estes bairros tendem a possuir uma melhor infraestrutura, demonstrando
que os órgãos públicos dedicaram maiores esforços para garantir a estes moradores
melhores condições de vida, em comparação aos bairros do Segundo distrito. Nos
60

horários de pico é uma plataforma agitada que é marcada pelo tumulto e


superlotação.

Figura 15. Plataforma B do Terminal Urbano.

FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2017.

Na plataforma C [figura 16], podem-se encontrar as seguintes linhas:


Aeroporto VelhoCabreúva, Sobral, Polo Wilson Pinheiro, Transacreana, Vila Verde,
Alto Alegre, Irineu Serra, São Francisco, Placas, Apolônio SalesMangueira,
Wanderley Dantas, Tancredo Neves, BahiaPalheiral, Carandá, Panorama, Manoel
Julião, Quixadá, Tropical, Morada do SolAviário, Conab do BosqueCadeia Velha,
que são bairros conhecidos por estar situados na parte Alta de Rio Branco. A
plataforma C é que menos tive contato, devo ter transitado por ela umas duas vezes,
provavelmente por isso sinto certo estranhamento, pois não são as pessoas que
costumo ver e nem um local que transito com frequência, me parece uma plataforma
bem tranquila e apesar de ter uma quantidade grande de pessoas, por ser mais
afastada é mais arejada e dá para transitar com mais facilidade do que as outras
duas.
61

Figura 16. Plataforma C do Terminal urbano.

FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2017.

Desse modo, pode-se dizer que em Rio Branco a “ocupação reflete a


condição social destas pessoas que procuram um lugar acessível de moradia nas
cidades, tendo como direção os bairros de periferia da cidade, quase sempre
oriundas do processo de invasões” que ocorrem em áreas ainda não urbanizadas,
reservadas pelo poder público, como áreas verdes e em áreas particulares não
ocupadas. (SANTOS, 1999, p.27). A segregação entre as pessoas através do
espaço é tão evidente, que na pesquisa de campo, foi possível observar e
mencionar no diário de campo uma conversa entre três mulheres, na qual uma delas
explicava que o bairro Bosque era de classe média, e as únicas pessoas que
usavam o transporte coletivo eram as empregadas domésticas, demonstrando a
consciência da divisão da sociedade em classes, e a lucidez sobre a segregação
das pessoas em determinados bairros com base na sua classe social. A
estratificação social em classes sociais é capaz de separar as pessoas não só no
âmbito econômico, mas no âmbito do espaço em que se ocupa e onde se habita.
62

Neste sentido, o espaço do Terminal busca manter a ordem por meio de


placas, letreiros, painéis, telas e cartazes que ajudam as pessoas a se localizar pelo
nome do lugar, das placas escritas: desembarque, bebedouro, banheiros, nas
plataformas com os nomes das linhas que ali param; ou restringem e proíbem em
outras placas, como: proibido fumar, não permaneça próximo às grades e não entre
nos ônibus no desembarque, conforme se pode notar [figuras 17 e 18].

Figura 17. Placas indicando a saída. Figura 18. Placas com proibições.

FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2017. FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2017.

O Terminal é um local que faz o uso das imagens para informar e proibir
[figuras 19 e 20], como pode ser visto na fala da entrevistada E28 (20 anos) “É bom
porque leva as pessoas até o lugar que elas precisam [...] não é bom porque às
vezes as pessoas embarcam onde não é para embarcar.“ As placas representam os
aspectos normativos que vigoram no Terminal, e por isso as pessoas não
necessariamente precisam se comunicar umas com as outras para obter
informações, pois o recurso visual utilizado já é capaz de orientá-las, fazendo com
que a interação seja cada vez mais escassa. Sendo assim, não é um ambiente que
incentive a existência de relações sociais e laços afetivos, mas que prioriza pela
transitoriedade e a mínima permanência no espaço-lugar possível, deste modo o
Terminal, enquanto um espaço de não-lugar ainda pode se definir pelas palavras e
imagens que são utilizadas para direcionar as pessoas no ambiente.
63

Figura 19. Placa que proíbe fumar. Figura 20. Placa que proíbe o embarque em
local de desembarque.

FONTE: Elaborado pela pesquisadora, FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2017.


2017.

Outro aspecto visual utilizado são os painéis, onde podem ser vistas notícias
do Brasil, do mundo, e notícias regionais e transmitem as propagandas e notícias
para as pessoas que transitam pelo Terminal. Esses painéis são tanto uma forma de
manter as pessoas distraídas como um meio para incentivar o consumo, com
propagandas de restaurantes e lojas. Além disso, as notícias exibidas nos painéis
também cumprem a função de promover os políticos locais mostrando ações sociais,
campanhas de saúde, a execução de obras de infraestrutura e projetos aprovados e
andamento. Existem também outras formas de propaganda utilizadas no Terminal,
como a rádio Flora, que possui um Box no Terminal e através das caixas de som
espalhadas pelo ambiente que divulgam produtos e serviços das empresas, falam
sobre os achados e perdidos e informam sobre campanhas de saúde. Além disso,
também se faz o uso de cartazes, que geralmente tem caráter educativo, e são
sobre a educação no trânsito, conscientização sobre o trabalho infantil e até sobre
alertas sobre o cuidado com a dengue. O uso dessas imagens é um indicativo de
que se espera que as pessoas interajam mais com esses textos e imagens expostas
do que com as próprias pessoas.
64

O acesso ao Terminal Urbano se dá a partir do uso do cartão de bilhetagem


que permita entrar nesse local, pode ser um cartão de uso único para quem não tem
outro cartão e compra a passagem na hora de entrar no Terminal, o cartão escolar,
passe fácil, cartão vale transporte, cartão especial para pessoa com deficiência,
cartão do idoso, cartão livre (não possui o nome da pessoa o que permite outras
pessoas usarem), cartão funcional (dos funcionários do transporte coletivo) ou um
cartão especial para os presidentes dos bairros. De qualquer forma, existe um
contrato: para estar dentro do Terminal é preciso ter pagado uma passagem, e estar
munido de um cartão.

[...] é o não-lugar que cria a identidade partilhada dos passageiros [...].


Sozinho, mas semelhante aos outros, o usuário do não-lugar está com este
(ou com os poderes que o governam) em relação contratual. A existência
desse contrato lhe é lembrada na oportunidade (o modo de uso do não-
lugar é um dos elementos do contrato): a passagem que ele comprou, o
cartão que deverá apresentar no pedágio, o carrinho que empurra nos
corredores do supermercado são a marca mais ou menos forte desse
contrato. O contrato sempre tem relação com a identidade individual
daquele que o subscreve. (AUGÉ, 2004, p. 92-93)

É interessante ressaltar que ao passar o cartão de bilhetagem na maquininha


existe uma câmera de reconhecimento facial, que serve para identificar se a pessoa
é o titular do cartão que o está usando, quando alguém usa o cartão de outra pessoa
geralmente depois de alguns dias o cartão é bloqueado e o titular do cartão é
impedido de usá-lo, tendo que ir ao SINDCOL resolver o problema. Esse tipo de
controle serve para punir essas ações e impedir que outras pessoas se beneficiem
da tarifa menor, sendo um meio de identificar e controlar as pessoas que entram no
Terminal Urbano, conforme Augé (2004 p.93-94):

O passageiro só conquista, então, seu anonimato após ter fornecido a prova


da sua identidade, [...] assinando o contrato [...]. De certo modo, o usuário
do não-lugar é sempre obrigado a provar sua inocência [...]. Não existe
individualização (de direito ao anonimato) sem controle de identidade [...] os
critérios da inocência são os [...] convencionados e oficiais da identidade
individual [...] os que figuram nos cartões e que registram misteriosos
fichários [...] o espaço do não-lugar liberta de suas determinações habituais
quem nele penetra. Ele não é mais do que aquilo que faz ou vive como
passageiro, cliente, chofer.
65

Nesse sentido, antes de adentrar o Terminal Urbano o passageiro geralmente


precisa se identificar, seja por meio do cartão de passe de forma indireta, ou se
dirigindo ao caixa e comprando a passagem, de todo modo, é necessário mostrar-
se, e dar provas de sua inocência, para isso primeiro deve-se identificar e ao entrar
neste espaço é possível garantir seu anonimato em meio à multidão.

Pode-se dizer que tempo no Terminal está condicionado pela chegada e


partida dos ônibus, e o espaço é delimitado pelas grades que o segregam. E por
mais que o Terminal Urbano esteja rodeado por grades [figura 21 e 22], os locais por
onde os ônibus entram e saem e dão acesso a cada plataforma são abertos, apesar
disso, as pessoas não costumam extrapolar essas fronteiras invisíveis, pois mesmo
com a inexistência de impedimentos físicos (muros ou grades), existem barreiras
mentais que inibem as pessoas de descumprirem essas normas impostas e
socialmente aceitas, e para garantir seu cumprimento, essas fronteiras são
sutilmente vigiadas a fim de impedir qualquer invasão por essas vias.

Figura 21. As grades do Terminal Urbano. Figura 22. Grades que segregam o
Terminal Urbano.

FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2017. FONTE: Elaborado pela


pesquisadora, 2017.

O entrevistado E6 que trabalha há 20 anos no Terminal, lembrou como era o


Terminal antigamente, no início, não havia grades e as pessoas entravam no
Terminal e pagavam a passagem de ônibus direto com o cobrador. Logo depois,
quando já havia grades as lanchonetes e banheiros eram fora do Terminal, e ele
conta que cada vez que saia para ir ao banheiro pagava R$ 0,50 centavos, depois
66

foi aumentando e hoje em dia é R$ 1,25. No lugar onde atualmente tem as


lanchonetes e se tem acesso dentro do Terminal, antes havia grades e os
vendedores tinham que levar as comidas pelas grades para as pessoas, e segundo
ele enchia de alunos para pegar os lanches.
Algumas das normas socialmente aceitas no Terminal são: não pode entrar
nesse local por onde entram os ônibus, é ilegal, e possuem pessoas vigiando por
isso devem-se utilizar as roletas inserindo os cartões de passe para entrar nesse
espaço, inclusive um informante disse que um dia estava na parte externa no
Terminal num horário de pico, em torno das 17 horas, no qual existem grandes filas
para passar pelas roletas e de repente acabou a energia, fazendo com que o acesso
ao Terminal fosse impedido, pois atualmente é preciso que o sistema eletrônico
esteja disponível para liberar o acesso, as passagens são colocadas nos cartões,
devido esse impedimento houve um grande alvoroço e agitação entre as pessoas
que não aceitavam o fato de dependerem do sistema para terem acesso ao interior
do Terminal Urbano.

Para recarregar o cartão deve-se respeitar a fila única; para utilizar os


banheiros deve-se pagar R$ 1,20; o local de desembarque dos ônibus não deve ser
utilizado para embarcar neles, sendo as plataformas feitas para realizar o embarque,
a travessia entre as plataformas tem que ser feita utilizando a faixa de pedestre; é
proibido fumar nesse espaço, apesar de já ter visto algumas pessoas o fazendo
próximo as grades; não se deve ficar próximo as grades por onde os ônibus saem,
inclusive entre 2014 e 2015 nos horários de pico o local de recarga dos cartões
ficava com uma fila enorme, em que as pessoas chegavam a ficar encostadas nas
grades e correndo o risco de serem atingidas pelos ônibus que saiam do Terminal
por meio desse local.

Desse modo todos estes aspectos podem ser vistos como um modo de
manter a ordem no Terminal Urbano, tanto por meio do poder simbólico que é
exercido ali, como neste espaço entendido enquanto um não-lugar, estas foram as
normas e aspectos partilhados e padronizados do comportamento neste espaço-
lugar. Neste sentido, tanto entendido como caos, quando aparenta estar destituído
de certa ordem, como quando buscar manter uma organização para permitir a
mobilidade no Terminal, o ideal é que a espera pelo transporte coletivo, seja algo
agradável, com algum entretenimento, momento em que sejam expostas mais
67

exposições de arte, música e dança para distrair e ao mesmo tempo informar as


pessoas. Como poderá ser identificado no capítulo seguinte deste trabalho, foram
estabelecidas algumas categorias para compreender o espaço-lugar do Terminal
com suas particularidades e diversos significados.
68

CAPÍTULO 4 – COMPREENDER E EXPLICAR O TERMINAL URBANO

Como cientista social, é preciso [...] apreender o que


experencia e classificá-lo; somente dessa maneira
pode [...] guiar e testar sua reflexão e, nesse
processo, moldar a si mesmo como um artesão
intelectual.

(Charles Wright Mills)

Neste capítulo serão apresentados o encontro entre teoria e campo, momento


em que foram expostos os dados obtidos a partir da pesquisa de campo juntamente
com as análises realizadas a luz das teorias. Este capítulo é uma continuidade do
capítulo anterior, em que foram feitas algumas considerações sobre o aporte
empírico da pesquisa, no capítulo 3 foi exposto os aspectos relacionados as
percepções sobre o espaço do Terminal, revelando a dicotomia entre o caos e
ordem presentes neste ambiente.
Para entender a realidade observada no Terminal Urbano, foram destacadas
categorias para melhor analisar as pessoas que frequentam este espaço-lugar, a
intenção é mostrar os significados que este ambiente tem para cada grupo de
pessoas, e as particularidades que estes significados implicam em suas vidas. As
categorias dizem respeito às pessoas que permanecem, as que passam e os
estigmatizados, o intuito não é atribuir rótulos a quem transita pelo Terminal, mas
permitir o entendimento sobre os significados a partir da concepção dos grupos que
foram estabelecidos, com base na pesquisa de campo através das observações e
entrevistas feitas neste espaço-lugar. Além dos significados obtidos pelas pessoas
que frequentam o Terminal Urbano, foram levantados outros significados
decorrentes dos diversos usos deste espaço, que correspondem à arte, protestos,
conscientização e busca por direitos, mostrando os diferentes usos e apropriação do
espaço que cabem para um mesmo ambiente.

No Terminal permeiam algumas dualidades, ele é caos e ordem, espaço e


lugar, lugar antropológico e não-lugar, são diversas as concepções que o podem
caracterizar. Mas ele pode ser identificado como um não-lugar quando se limita a ser
apenas um local que dá acesso ao transporte coletivo que permite a locomoção, em
69

que a maioria das relações sociais que ali ocorrem estão associadas somente ao fim
que o local se propõe: possibilitar o transporte, e as relações que prevalecem são as
que permitem as trocas econômicas. Apesar disso, a intenção dessa pesquisa é
desmistificar o sentido socialmente aceito e observar que o Terminal também pode
ser simultaneamente um local de manifestações políticas, culturais e sociais, em
vista da diversidade de pessoas que o frequentam.

PLATAFORMA D

D1. “ESCREVER” SOBRE O TERMINAL URBANO: As relações sociais e as


significações desse espaço

Se o Olhar etnográfico, tanto quanto o Ouvir, cumpre


sua função básica na pesquisa empírica, é o
Escrever, particularmente no gabinete, que surge
como o momento mais fecundo da interpretação; e é
por meio dele - quando se textualiza a
realidade sociocultural - que o pensamento se
revela em sua plena criatividade.

(Roberto Cardoso de Oliveira)

A escrita é uma das capacidades intelectuais necessárias para a realização


de uma pesquisa, mas ela é uma habilidade que é aprendida, ninguém nasce
sabendo escrever, e é por isto que o domínio da escrita é resultado do aprendizado
e assimilação das normas e regras gramaticais, que compõe a concordância,
coerência e coesão do texto. A construção de uma pesquisa não é tarefa simples,
envolve muitos processos, e escrever bem e de forma compreensível é uma delas,
mas conforme Hartmann (2012, p.230):

Para nos tornarmos produtores proficientes de textos escritos, temos,


necessariamente, de romper com um mito muito arraigado na cultura
brasileira: a ideia de que escrever é dom, coisa destinada a poucos
iluminados. A essa ideia subjazem outras duas: a primeira é a de que não
sabemos escrever, fortemente vinculada a nossa baixa estima linguística; a
70

segunda é a de que a escrita é um processo de espontaneidade criativa, ou


seja, atividade dependente apenas da inspiração individual.

Romper com estes mitos que bloqueiam a escrita já é um bom começo para
trilhar todos os caminhos que existem no decorrer da pesquisa, momento em que as
barreiras e obstáculos surgem e a dificuldade de escrever se torna cada vez mais
aparente e surge como um empecilho para a elaboração das ideias e análise dos
dados. Desse modo, pode-se dizer que “Se o Olhar e o Ouvir constituem a nossa
‘percepção‘ da realidade focalizada na pesquisa empírica, o Escrever passa a ser
parte quase indissociável do nosso ‘pensamento’, uma vez que o ato de escrever é
simultâneo ao ato de pensar. ” (OLIVEIRA, 1996, p.28-29).

A escrita abole as determinações, as sujeições e os limites que são


constitutivos da existência social: existir socialmente e ocupar uma posição
determinada na estrutura social e trazer-lhe as marcas, sob a forma,
especialmente, de automatismos verbais ou de mecanismos mentais, e
também depender, ter e ser tido, em suma, pertencer a grupos e estar
encerrado em redes de relações que tem a objetividade, a opacidade e a
permanência da coisa e que se lembram sob a forma de obrigações, de
dívidas, de deveres, em suma, de controles e de sujeições. (BOURDIEU,
1996, p.42-43)

Como foi apresentado no primeiro capítulo desta pesquisa, que trata da parte
metodológica [páginas 19 e 20], a escrita se configura como a maior arma do
pesquisador, é através dela que se concretizam novas maneiras de enxergar a
realidade social, sendo um meio de expressar nossas inquietações e
questionamentos, que nos conduzem a respostas provisórias, pois os fenômenos
são mutáveis, e passíveis de serem analisados por diversos ângulos e teorias.

Desse modo, por mais que o Terminal Urbano tenha características dos não-
lugares, ele pode ser considerado um espaço social. Os significados que o Terminal
Urbano possui não se restringem aos fatores econômicos, pois ele é palco de
diversas ações além do comércio como: exposições de arte, manifestações,
protestos, campanhas de conscientização e atendimentos jurídicos gratuitos.
71

D.2. As relações sociais no Terminal

Viver em sociedade implica relacionar-se com o outro, é preciso comunicar-


se, realizar trocas, econômicas, políticas e afetivas, e a convivência entre diferentes
pessoas, com seus traços culturais, visões de mundo, tradições e opiniões diversas,
e saber lidar com estas diferenças é um dos maiores esforços humanos, pois tolerar
a orientação religiosa, sexual e política do outro tem sido cada vez mais desafiador
em um mundo polarizado e marcado por ideais voltados para o totalitarismo.

De acordo com Weber “Nem todo tipo de contato entre pessoas tem caráter
social, senão apenas um comportamento que, quanto ao sentido, se orienta pelo
comportamento de outra pessoa. ” (1994, p.14). Dessa forma, o contato entre as
pessoas no Terminal não necessariamente se configura como relações, para tal é
preciso que haja um comportamento recíproco por parte das pessoas, que seja
dotado de sentido.

As pessoas que transitam pelo Terminal parecem ter uma atitude blasé em
relação às estas pessoas que estão ao seu redor, o que traz uma sensação de
indiferença com o outro. E é nesse modo de vida em que se visa constantemente a
autopreservação, que surge a atitude de reserva, o que significa manter-se
indiferente ao que o outro é, ou quem ele é acarretando o desconhecimento de
quem é o seu vizinho, por exemplo, ou quem senta na poltrona ao seu lado, no
ônibus.

A essência da atitude blasé consiste no embotamento do poder de


discriminar. Isto não significa que os objetos não sejam percebidos [...], mas
antes que o significado e valores diferenciais das coisas, e daí as próprias
coisas, são experimentadas como destituídas de substância. (SIMMEL,
1979, p.16)

Na cidade, a facilidade com que se tem acesso aos transportes e meios de


comunicação contribui para que haja mais mobilidade e concentração urbana
permitindo com que se possa transitar pelos diversos espaços e ainda obter
informações e notícias sobre o mundo todo, sem sair do lugar, rompendo com as
barreiras do espaço-tempo. De acordo com Simmel (1979, p.12) a cidade grande se
diferencia da cidade pequena por possuir um ritmo mais acelerado e multiplicidades
72

econômicas, ocupacionais e sociais. Na cidade pequena as pessoas costumam


conhecer uns aos outros, ter maior contato com os vizinhos e se relacionar com mais
confiança com as pessoas. Já a cidade grande induz a uma individualidade, o que
aos olhos das pessoas de cidades pequenas sugere frieza, e não só indiferença,
mas aversão e estranheza em relação ao outro, é como se não enxergasse o outro,
não o reconhece como semelhante algo parecido ocorre no Terminal quando os
estigmatizados são destituídos de sua substância e considerados inconvenientes, e
sua presença incômoda.

De Acordo com o site da prefeitura de Rio Branco (2017) desde o início do


ano de 2017, existe internet grátis, através do Wi-Fi para quem se encontra dentro
do Terminal, e este é um projeto denominado Internet Social, disponibilizado pela
prefeitura de Rio Branco. Para ter acesso é preciso realizar um cadastro em que são
exigidos o nome completo, e-mail e CPF, e nas próximas vezes que for fazer uso
basta inserir o CPF e senha, o que chama atenção é que a internet não é ilimitada
tem a duração de meia hora apenas, o que sugere que é esta a duração esperada
que as pessoas permaneçam no Terminal.

O diretor de Tecnologia da Informação e Modernização da Gestão da


Prefeitura, disse ao site da prefeitura (2017) que “O objetivo [...] é proporcionar maior
interatividade e comunicação entre as pessoas”. A interação que parece ser
almejada não é aquela face a face, mas a virtual, já que é possível notar diversas
pessoas conectadas aos seus smartphones e em contrapartida a atitude blasé é o
que predomina, as pessoas são indiferentes ao que ocorre a sua volta, se
encontram desconectadas da interação face a face.

Segundo Park (1979, p.34) “A facilidade de meios de comunicação e


transporte, que possibilita aos indivíduos distribuir sua atenção e viver ao mesmo
tempo em vários mundos diferentes, tende a destruir a permanência e a intimidade
da vizinhança”. Fazendo com que haja cada vez mais relações frágeis e
passageiras. Nesse sentido a cidade vem a ser mais do que uma estrutura física, é
um estado de espírito, que envolve costumes e tradições e uma diversidade de
pessoas que não se relacionam como na cidade pequena em que as pessoas se
conhecem e interagem, mas mantém relações impessoais e objetivas, sem se
envolver de forma mais profunda. Desse modo, “Uma relação social pode ter um
73

caráter inteiramente transitório, bem como implicar permanência, isto é, que exista a
probabilidade da repetição contínua de um comportamento correspondente ao
sentido”. (WEBER, 1994, p. 17)

Neste sentido, entre relações transitórias e passageiras, é como se houvesse


um mundo paralelo ao Terminal, que transcende tempo e espaço, os fones de
ouvido revelam a indiferença para com o outro, é como um refúgio, em que se
transmite por esses gestos que não se deseja ser perturbado, invadido ou
interrompido e não importa os sons ou vozes que ecoam e os rodeia, o que se opta
é por não se expor a isso. É visível o olhar de impaciência de alguns, o olhar
distante de outros, às vezes não parecem ocupar o mesmo espaço, são mundos tão
particulares, em que a individualidade é desejada e mantida, e as relações frágeis,
impessoais e passageiras. Geralmente quando as pessoas fazem contato e
interagem sem se conhecer é para obter alguma informação sobre os ônibus,
perguntando qual a linha de ônibus está na parada ou se certo ônibus passa por
algum local específico. As pessoas parecem apressadas e impacientes, os
estudantes parecem ser os mais tranquilos e ficam muitas vezes em grupos
conversando e interagindo.

Para Weber (1994, p.19-22) “Toda ação, especialmente a ação social e, por
sua vez, particularmente a relação social podem ser orientadas, pelo lado dos
participantes pela representação da existência de uma ordem legítima”. Com base
nesta ideia, a existência de uma certa ordem no Terminal [exposto no capítulo
anterior], pode ser atribuída pelas pessoas em virtude da tradição: vigência do que
sempre foi assim; em virtude de uma crença afetiva: vigência do novo revelado ou
exemplar; em virtude de uma crença racional referente a valores: vigência do que se
reconheceu como absolutamente válido; em virtude de um estatuto existente em
cuja legalidade se acredita. E a legalidade por sua vez, pode ser considerada
legítima pelos participantes em virtude um acordo entre os interessados ou em
virtude da imposição, que é baseada na dominação julgada legítima de homens
sobre homens e da submissão correspondente.

Assim sendo, a ordem que existe no Terminal, é o que orienta as relações


sociais, a ordem está baseada pela imposição das regras e normas estabelecidas no
intuito de manter a ordem vigente e as pessoas controladas e condicionadas a esta
74

organização, sendo este um ambiente em que a relações sociais predominantes são


as econômicas, que estão sempre presentes, seja através dos vendedores
ambulantes, os vendedores das lanchonetes, na recarga dos cartões de viagem, o
banheiro em que se paga para usá-lo, ou os vendedores não autorizados que
oferecem pão de queijo, balas, doces, géis para dor, meias e escovas de dente. E
por ser um local no centro da cidade em que o comércio predomina, o Terminal
Urbano é um direcionador de pessoas para o comércio, por isso elas geralmente
estão com sacolas de compras nas mãos.

D.3. O Terminal Urbano: Moldando o morador urbano

No Terminal Urbano pode-se notar um público bem diversificado, são pessoas


de todas as idades, cores, etnias, gêneros e culturas, como afirma Park (1979, p.49)
“É característico da vida citadina que todos os tipos de gente, que jamais se
compreendem totalmente se encontrem e se misturem” e para apreender parte
desta diversidade se fez necessário estabelecer algumas categorias a fim de
analisar e demarcar o objeto de pesquisa, já que categorizar é algo que já fazemos
no cotidiano:

A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de


atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada
uma dessas categorias: Os ambientes sociais estabelecem as categorias de
pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas. As rotinas de
relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um
relacionamento com ‘outras pessoas’ previstas sem atenção ou reflexão
particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros
aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua
‘identidade social’. (GOFFMAN, 1981, p.5)

Entre as categorias elaboradas estão os que permanecem; os que passam; e


os estigmatizados. A categoria dos que permanecem é composta por vendedores de
serviços e produtos, como os vendedores ambulantes autorizados ou informais do
Terminal. Os que passam, são os passageiros do transporte coletivo como: os
trabalhadores indo ou voltando de seus serviços, estudantes do ensino fundamental,
médio e universitário. E os estigmatizados é uma categoria de pessoas que são
75

muitas vezes subestimadas e inferiorizadas e são os mata-gatos, os pedintes e os


deficientes físicos.

Nesse sentido, para algumas categorias o Terminal Urbano carrega um


significado mais afetivo, representa mais que uma fonte de renda, mas um lugar em
que se pode identificar e se reconhecer, como é o caso dos vendedores ambulantes,
que por mais que façam deste ambiente um trabalho, eles lutaram para ter o direito
de vender ali dentro, alguns foram expulsos e ameaçados, por isso existe uma
relação de afetividade e é isto que o torna um lugar para eles, diferente dos
vendedores de lanches e salgados, que parecem dar um significado estritamente
econômico. O Terminal pode ser entendido enquanto espaço por aquelas pessoas
que o usam para a mobilidade, para se transportar, como os trabalhadores e
estudantes. Desta maneira “O espaço assume uma organização coordenada
rudimentar centrada no eu, que se move e se direciona”. (TUAN, 1983, p. 2)

D.3.1. Os que permanecem

A categoria denominada os que permanecem, pode ser definida como as


pessoas que ficam no Terminal por mais de 8 horas diárias, e estas pessoas são os
trabalhadores informais, que fazem do Terminal um fim para realizar suas atividades
em prol da subsistência como: os vendedores ambulantes9 e os vendedores dos
lanches. Em relação ao trabalho informal pode-se dizer que “Vive-se atualmente a
manutenção e expansão de formas de trabalho desregulamentadas, desprotegidas,
cuja forma mais visível e imediata é a informalidade de rua”. (DURÃES, 2014,
p.233). O trabalho informal normalmente se torna uma opção para as pessoas
quando estas não possuem escolaridade ou uma qualificação profissional que os
permita ingressar em empregos formais.
Em cada plataforma do Terminal Urbano, existem pelo menos cinco bancas
de doces, em que ficam os vendedores ambulantes autorizados, que são divididos
em dois grupos que se revezam a cada dia, [figuras 23 e 24], eles vendem diversos

9
As entrevistas foram feitas com oito vendedores ambulantes, tendo uma ambulante se recusado a
falar sobre sua experiência no Terminal Urbano. Os entrevistados E1 e E2 foram os interlocutores
que me apresentaram e me indicaram outros vendedores ambulantes, agindo como uma ponte, me
aproximando e me interligando aos outros ambulantes, sendo intermediadores imprescindíveis deste
processo da pesquisa, colaborando para adentrar na realidade dos ambulantes.
76

produtos, em geral são doces como balas (bombons), chicletes, chocolates,


bananinha frita, acessórios de cabelo, brincos, colares, balões e xícaras.
Os vendedores ambulantes fazem parte do que se denomina a classe-que-
vive-do-trabalho, expressão que pretende dar contemporaneidade e amplitude ao
ser social que trabalha, para Antunes (2009, p. p.101-103):

[...] a classe-que-vive-do-trabalho engloba [...] os trabalhadores


improdutivos, aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas como serviço,
seja para uso público ou para o capitalista [...]. Uma noção ampliada de
classe trabalhadora inclui, então, todos aqueles e aquelas que vendem sua
força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado
industrial, dos assalariados do setor de serviços, [...] [como] os
trabalhadores assalariados da chamada “economia informal”.

Figura 23. A banca de um vendedor Figura 24. As vendedoras


ambulante autorizado. ambulantes autorizadas
interagindo.

FONTE: Elaborado pela FONTE: Elaborado pela


pesquisadora, 2017. pesquisadora, 2017.

Geralmente, os vendedores ambulantes não trabalham no Terminal a semana


toda, revezando com os outros ambulantes os dias que não vão, os horários de
chegada variam entre as 3 horas da manhã e às 8 da manhã e os de saída são
entre as 19 horas e 23:30 da noite. Os ambulantes que chegam mais cedo são os
entrevistados E1, E7 e E8 eles chegam ao Terminal em torno das 3 da manhã, E7
conta que é preciso chegar cedo para trazer os produtos. O entrevistado E8 conta a
rotina que têm nos dias em que trabalha no Terminal: “O carrinho eu trago de casa,
77

por isso tem que chegar cedo, antes que os ônibus cheguem”. Ambos afirmam que
tem que chegar antes que os ônibus comecem a circular, e os que podem chegar
mais tarde são aqueles que alugam um espaço em alguma residência próxima ao
Terminal para guardar os carrinhos.
Os vendedores ambulantes possuem uma jornada de trabalho longa e
cansativa, que muitas vezes ultrapassa 10 horas diárias, conforme Durães (2014, p.
235) os trabalhadores “informais tradicionais são os que auferem os menores
rendimentos e vivem presos a longas jornadas, mesmo que aparentem ter ampla
liberdade na realização de sua atividade [...] [é] uma vida de labuta [...] sem
garantias sociais/ trabalhistas”. E diante desta exaustiva jornada de trabalho, dia a
dia, por tantos anos, alguns vendedores ambulantes, os mais antigos, que já estão
trabalhando na área em torno de vinte ou trinta nos, o que eles mais anseiam é pela
aposentadoria.
A maioria dos ambulantes compreendendo E1, E3, E4, E5, E6, E7 e E8
trabalham três vezes na semana no Terminal. Como afirma E8: “A gente trabalha
subjugado, um dia sim, outro não, aí tem que aproveitar o dia que trabalha”, por isso
eles se submetem a longas jornadas, a fim garantir o máximo de vendas para suprir
suas necessidades básicas. O vendedor ambulante entrevistado A210 é uma
exceção, diferente dos outros ambulantes, que precisam revezar os dias em que
vem ao Terminal, ele pode vim ao Terminal todos os dias devido ao fato de ele não
ter uma banca fixa. Ao invés de expor seus produtos em uma banca, o entrevistado
A2 carrega seus relógios em uma bolsa, os expondo nas mãos mesmo, e fica
andando pelo o Terminal Urbano, entre todas as plataformas. O vendedor ambulante
A2 enfatiza que para ter o direito de trabalhar como ambulante no Terminal é preciso
pagar uma quantia mesmo que não tenha a banca fixa, como é o caso dele. Este
vendedor ambulante disse que prefere ficar andando pelo Terminal, ao invés de ficar
parado na banca, porque ao contrário dos outros ambulantes, ele consegue se
movimentar mais andando pelo Terminal, o que segundo ele, é bom para sua saúde.

10 O vendedor ambulante E2 (68 anos), trabalha a 30 anos como vendedor. Nosso primeiro contato
foi inesperado, pois ao fazer a primeira entrevista, resolvi me sentar em um banco para fazer algumas
anotações, e quando olhei ao lado, estava ali meu próximo entrevistado, que sentou no banco para
arrumar os relógios, e inicialmente não parecia querer falar, talvez com medo de ser alguém que o
possa prejudicar e prejudicar seu trabalho, e apenas diz que é um lugar bom, que não tem nada a ver
com as outras pessoas, e que não tem nada a reclamar. Ao dizer isso, fez uma pausa, mas continuei
a olhar para ele, e depois de algum silêncio, ele começa a se soltar mais, e conforme sua confiança
foi sendo conquistada, ele foi falando sobre o que pensa.
78

Os vendedores ambulantes E3, E6 e E8 falaram sobre os tempos do “rapa” 11,


tempos difíceis em que eles vendiam seus produtos na clandestinidade, pois a
prefeitura não permitia as vendas no Terminal. Sobre o ”rapa” o entrevistado E8
conta que:

No “rapa” a gente trabalhava na hora que a fiscalização saia, que ia tomar


um café. Os fiscais ameaçavam de prender, tomavam o que a gente tinha,
um dos fiscais chegou a dar um murro nas minhas costas porque me pegou
aqui dentro, e [me] perguntou se eu queria ir preso ou sair de livre e
espontânea vontade.

A E3 e o E6 concordam que nos tempos do “rapa” as vendas no Terminal


eram melhores, sendo que E3 acredita que neste tempo havia mais união entre os
vendedores ambulantes. Segundo a E3, antigamente nos tempos do rapa era
melhor trabalhar no Terminal, porque os ambulantes eram mais unidos, não tinham
conflitos, mas de acordo com ela, quando os ambulantes passaram ser autorizados
dentro do Terminal e receberam estes coletes rosa em que estão escritos “vendedor
ambulante” (peça fundamental para identificar os vendedores ambulantes em meio à
multidão), ela avalia que não é mais tão bom. Antes ela chegava às 5 horas da
manhã e só ia embora às 23 horas, hoje em dia às 21 horas, além disso, os
vendedores ambulantes aproveitavam os sábados e domingos que não havia
fiscalização para vender. O E6 conta que na época do “rapa” era melhor trabalhar
porque só quem conseguia vender no Terminal era quem se arriscava a vim a este
espaço, mesmo sendo proibido, e para ele nesta época era bom porque ganhava
mais “cascalho” [dinheiro].
Apesar de a época do “rapa” já ter passado, e atualmente os vendedores
ambulantes terem a autorização da prefeitura para vender no Terminal Urbano,
geralmente os vendedores informais ainda vivem:

[...] literalmente no limite da sobrevivência, provendo dia a dia a suas


necessidades imediatas, como alimentação e moradia [...]. São os mais
vulneráveis às ações de controle e repressão do poder público municipal e
praticamente não têm acesso à seguridade social e à saúde. Sendo
economicamente mais fracos, qualquer perda ou apreensão de mercadorias
ou instrumentos de trabalho é bastante sentida, e qualquer dia de não
trabalho é um dia a menos de conquista da sobrevivência. (DURÃES, 2014,
p.234).

11O “rapa” ocorria quando os fiscais da prefeitura expulsavam os vendedores ambulantes de dentro
do Terminal Urbano, os impedindo de vender seus produtos por eles não serem “vendedores
autorizados”.
79

Tanto o entrevistado E2 como o E8, compactua com a ideia de que na idade


em que estão [68 e 64, respectivamente] o mercado de trabalho para os idosos é
escasso, para E2 "é muito difícil alguém dessa idade arrumar um emprego e por isso
o Terminal é uma forma de ganhar o pão de cada dia”. Em concordância com o
entrevistado E2, o entrevistado E8 revelou que “Se tivesse outro trabalho [...] optava
por ele, porque [aqui] é muito quente, [...] muitos passageiros chegam a desmaiar,
[com pressão baixa] [...] [e] a ambulância está direto aqui”.
De acordo com o Art. 3º, do Título I das Disposições Preliminares do Estatuto
do Idoso (Lei n. º 10.741, de 1.º de outubro de 2003) o trabalho é uma das garantias
que devem ser asseguradas aos idosos, e entre outros direitos:

Art. 3.º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder


Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer,
ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à
convivência familiar e comunitária.

O entrevistado E412 (65 anos) e o E2 (68 anos) possuem um aspecto em


comum, o tempo em que trabalham com vendas é bem próximo, o entrevistado E4
há 22 anos, e o entrevistado E2 há 30 anos, isto significa que há quase metade de
suas vidas eles dedicam as vendas, a sair de casa todos os dias para servir as
pessoas e obter seu sustento. O entrevistado E4 afirma que antes de trabalhar no
Terminal, era comerciante no bairro em que ele mora, na parte alta da cidade de Rio
Branco, mas devido à violência e assaltos em seu comércio, ele decidiu trabalhar no
Terminal.
De acordo com Durães (2014, p.257) a atividade rua, neste contexto,
realizada pelos ambulantes, se caracteriza pela:

[...] vulnerabilidade, pela incerteza de renda e de perspectivas futuras e em


geral, pelas estratégias de sobrevivência [...] sofrem uma tripla pressão:
primeiro, da própria atividade que os aprisiona (longas jornadas e,
normalmente, sem ninguém que os substitua, caso não possam trabalhar);
segundo, de uma fiscalização coercitiva, que provoca situações tensas e

12 A entrevista com E4 se desenrolou em uma longa conversa, que abrangeu até mesmo temas

políticos.
80

conflituosas; terceiro, do envelhecimento, que certamente deixa o


trabalhador sem perspectivas futuras.

Aos idosos deve ser garantido o direito de ir e vir, o direito de se locomover


pelos espaços, e a exercer atividade profissional, e como os vendedores ambulantes
em sua maioria são idosos, eles devem ter seus direitos resguardados, o Art. 8.º, do
Capítulo I, Do Direito à Vida (Lei n.º 10.741, de 1.º de outubro de 2003) mostra que
“O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social.”,
por isso deve ser garantido aos vendedores ambulantes o usufruto de suas vidas,
em que lhes é reservado o direito de trabalhar e obter seu sustento, e também o
direito de envelhecer e de aproveitar esta fase de suas vidas com dignidade e
saúde. É comum a todos os vendedores ambulantes a necessidade de buscar a
sobrevivência através da venda no Terminal, pois:

Mais do que nunca, bilhões de homens e mulheres dependem


exclusivamente de seu trabalho para sobreviver e encontram cada vez mais
situações instáveis, precárias, quando não inexistentes de trabalho. Ou
seja, enquanto se amplia o contingente de trabalhadores e trabalhadoras no
mundo, há uma constrição monumental dos empregos, corroídos em seus
direitos e erodidos em suas conquistas. (ANTUNES, 2009, p.11)

Como todos os vendedores ambulantes passam o dia no Terminal Urbano,


eles têm uma rotina bem cansativa e exaustiva nos dias em que trabalham. Os
ambulantes parecem cansados, sonolentos e distantes mentalmente, pois este é um
trabalho cansativo, que demanda deles longas horas em que ficam parados e
sentados próximo a banca, tanto que, em alguns momentos o cansaço vem, o que
os leva a cochilar por alguns instantes, até que alguém os despertem a fim de
comprar algo. Esses contatos entre os vendedores e as pessoas que passam pelo
Terminal podem ser entendidos como relações econômicas, já que as pessoas
normalmente os abordam apenas a fim de saber o preço, pedir os produtos e
entregar o dinheiro, as pessoas que são foram atendidas não parecem querer
prolongar o diálogo além da compra, sendo assim, as relações estão claramente
condicionadas a uma relação de consumo. Os vendedores ambulantes concordam
com a noção de que o Terminal é a sua forma de subsistência. Mas o que chama
atenção é que alguns deles não o consideram como um trabalho, como afirma
Durães (2014, p.257):
81

[...] [uma] característica do trabalho de rua atual é a incerteza da própria


condição de trabalhador. Esses trabalhadores vivem o presente, sem
certezas futuras e sem saber quanto vão “tirar” ao longo do dia de trabalho,
em geral de mais de oito horas diárias. Eles têm a certeza de que precisam
ir trabalhar, de sua “obrigação”, mas não sabem quanto vão ganhar nem
quando, e muitos não sabem nem se poderão continuar exercendo suas
atividades naquele local [...]. Neste cenário, a marca da precariedade vem à
tona e impõem-se ao trabalhador, instituindo ritmos e medos.

Como pode ser visto no [quadro 2] os vendedores ambulantes não possuem


outra fonte de renda, e por isso, mesmo com a idade avançada de alguns deles,
reveladas pelas marcas em seus rostos, nos semblantes e nos cabelos brancos, é
possível constatar que eles precisam se submeter a este trabalho, por ser seu único
meio de se sustentar.

Quadro 2. Significados do Terminal para os Vendedores Ambulantes.

Quadro de Significados do Terminal Urbano para os


Vendedores Ambulantes (VA)

Entrevistado Relato
E1 “O Terminal [...] é bom para mim, [...] eu estou trabalhando. [e]
aqui é bem movimentado, é uma área de negócios.”
E2 “O Terminal é como se fosse um trabalho, é um ganha pão. ”

E3 “Rapaz, é tudo né? É daqui que eu tiro meu sustento. ”

E4 “O Terminal [...] foi uma saída para espairecer, [ele é] [...] uma boa
opção, o significado é o máximo, é o melhor, tanto para [nós,
como para] quem usa de passagem. ”

E5 “É bom, [...] [porque tem] um ponto fixo para as pessoas pararem


[...] como os trabalhadores ambulantes”. “Depois que comecei a
trabalhar aqui eu fiz muita amizade”

E6 “Ah... tem muita coisa, é daqui que eu tiro meu sustento [...] [aqui]
é o meu trabalho. ”

E7 “O significado é que é uma fonte de renda, é de onde tiro o


sustento para viver com dignidade”.

E8 "Como eu não tenho emprego fixo, né? Ele me ajuda a sobreviver


com as vendas de bombons. É a minha sobrevivência."

FONTE: Anotações de campo, 2018.


82

É possível fazer uma comparação entre a vida que os vendedores


ambulantes levam, com a vida que os seringueiros levavam na época do ciclo da
borracha:

O trabalho do corte começava cedo. Por volta de duas ou três horas da


manhã o seringueiro já estava de pé, ocasião em que fazia a primeira
refeição do dia (ainda no interior da barraca), geralmente preparada pela
mulher, e pelo comum consistia numa farofa de carne de caça.
Completando o trabalho de corte, em torno de onze horas, o seringueiro
fazia a segunda refeição – a qual havia sido trazia consigo em um
vasilhame rudimentar -, desta feita, no próprio local de trabalho. Após um
curto descanso, iniciava o trabalho da coleta, que se estendia até cerca de
dezesseis horas. De volta à barraca, iniciava o trabalho de defumação
(processo rudimentar de coagulação do látex) que só terminava às dez
horas da noite, pouco mais ou menos, ocasião em que se dirigia a um
igarapé ou vertente para tomar banho e posteriormente fazer a última
refeição do dia e dormir. (ALMEIDA NETO, 2004, p. 151)

Parafraseando Almeida Neto (2004, p. 151) que descreve a rotina dos


seringueiros nos antigos tempos de extração da borracha, fez-se uma adaptação
com os vendedores ambulantes:

O trabalho das vendas começava cedo. Por volta de duas ou três horas da
manhã o vendedor ambulante já estava de pé, ocasião em que fazia a
primeira refeição do dia [...] em torno de uma hora o vendedor ambulante
fazia a segunda refeição, normalmente uma marmita comprada em algum
restaurante ali dentro do Terminal mesmo, comia em pausas, pois atendia
também as pessoas. Sem nem um descanso, permanecia em sua banca a
tarde inteira a espera de clientes, e só terminava as dez ou onze horas da
noite, pouco mais ou menos, ocasião em que se dirigia para casa para
tomar banho e posteriormente fazer a última refeição do dia e dormir.

O vendedor ambulante [figura 25 e 26] e o seringueiro carregam em si um


sentido para o lugar onde permanecem, é deste lugar que retiram seu sustento, e é
neste lugar que encontram sua identidade no mundo, ambos lutam pela
sobrevivência nas condições mais árduas possíveis, mas sempre mantém a
esperança de ter um futuro melhor.
83

Figura 25. Vendedor ambulante do Figura 26. Proximidade entre os


Terminal Urbano. vendedores ambulantes no Terminal
Urbano.

FONTE: Elaborado pela FONTE: Elaborado pela


pesquisadora, 2018. pesquisadora, 2018.

Em vista disso a relação que os vendedores ambulantes mantêm com o


Terminal Urbano é uma relação afetiva, que carrega significados e histórias, é para
eles um lugar, “lugares são núcleos de valor. Atraem ou repelem em graus variados
de nuanças. ” (TUAN, 1983, p.2), pois ao mesmo tempo em que o Terminal atrai
pessoas para fazer compras, vender produtos, pagar contas e resolver problemas,
também repele as pessoas a se dirigirem até ele em momento de horário de pico, há
pessoas que evitam ao máximo ter que se dirigir ao Terminal devido a tumulto
presente ali. E apesar dos vendedores ambulantes terem consciência dos problemas
que ali existem e criticarem a organização, o odor e o calor, eles lutaram para estar
ali, desta maneira pode-se dizer que “O que começa como espaço indiferenciado
transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. ”
(TUAN, 1983, p.3).

D.3.2. Os que passam

A categoria denominada os que passam, é composta pelas pessoas que


transitam no Terminal, mas não se fixam por mais de 4 horas seguidas diariamente,
84

e estas pessoas são os trabalhadores, que utilizam o Terminal como um fim para ir e
voltar de suas jornadas de trabalho; e os estudantes, podendo ser do ensino
fundamental, do ensino médio e estudantes do ensino superior.

De acordo com o entendimento do entrevistado E13, o Terminal “[...] é muito


importante, [...] [e] mesmo que custe, mesmo que demore os ônibus, é um meio de
locomoção para quem trabalha” (E13). O trabalho é o meio de subsistência no
mundo capitalista, e ao mesmo tempo em que emancipa também aliena os
trabalhadores, conforme diz Antunes (2009, p.12):

[...] se, por um lado, necessitamos do trabalho humano e de seu potencial


emancipador, devemos também recusar o trabalho que explora, aliena e
infelicita o ser social. Isso porque, [...] o sentido do trabalho que estrutura o
capital acaba sendo desestruturante para a humanidade; na contrapartida,
o trabalho que tem sentido estruturante para a humanidade é
potencialmente desestruturante para o capital. E [é] essa [a] contraditória
processualidade do trabalho, que emancipa e aliena, humaniza e sujeita,
libera e escraviza.

Neste sentido, o Terminal enquanto reflexo das necessidades capitalistas


proporciona o transporte dos trabalhadores por meio dos motoristas dos ônibus, que
por sua vez também são trabalhadores, são encarregados em levá-los ao trabalho e
trazê-los para casa. Desse modo, o Terminal é para os trabalhadores o que interliga
a casa ao trabalho. De acordo com Santos (1999, p.70) cerca de “50% das pessoas
que passam pelo Terminal Urbano diariamente têm como único destino o setor de
trabalho”.

É preciso ressaltar que este espaço-lugar é usado por pessoas que utilizam o
Terminal para ambas as finalidades: trabalho e estudo, como é o caso do
entrevistado E13 (23 anos), ele contou que trabalha em um supermercado e é
estudante do ensino superior, e utiliza o Terminal Urbano todos os dias, em sua
concepção o Terminal é ”Meio agradável, porque é muita zoada, aí quando está
muito cheio, as pessoas não respeitam umas às outras. ” A percepção deste
entrevistado sobre o espaço-lugar do Terminal Urbano está em concordância com o
entrevistado E12 (24 anos), que é estudante do ensino superior e afirma que o
Terminal ”[...] em horário de pico é mais complicado, em questão da movimentação
[e] de pegar o transporte. ” É possível observar que as falas de ambos os
85

entrevistados ressaltam algumas das características do Terminal, que o identificam


como um caos [ver subcapítulo C.1.3. O caos e suas múltiplas faces, na p. 48] como
a questão da superlotação em horários de pico.

Em relação ao ensino superior no Brasil, é possível dizer que durante o


governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002, o ensino superior
passou por profundas transformações, que visavam racionalizar os recursos
existentes a fim de garantir o aumento de matrículas nas universidades públicas,
sem o aumento de despesas, através de parcerias entre o setor privado e o público,
ou seja, indústria e universidade. (BRYM et al., 2013).

Em vista disso, as percepções que os estudantes do ensino superior têm


sobre o Terminal estão voltadas para atender as necessidades de transporte, como
pode ser visto acima, no [quadro 3] o Terminal é o meio que eles utilizam para se
transportar até a faculdade ou universidade no intuito de atingir seus objetivos
profissionais, pois geralmente as pessoas estudam, buscam uma formação e se
qualificam profissionalmente visando no futuro atingir uma boa colocação no
mercado de trabalho.

Quadro 3. Significados do Terminal para os Estudantes do Ensino Superior.

Quadro de Significados do Terminal Urbano para os Estudantes de Ensino


Superior (ES)

Entrevistados Relatos

E11 “Para mim é muito útil, uso para me transportar, mas é


muito lotado. ”

E12 “Quase não venho aqui, mas hoje eu precisei vim aqui para
ir na Oca. Mas uso mesmo para pegar o coletivo para ir
para a Universidade, [é] mais por necessidade [...]. Às vezes
encontro os amigos da Universidade para ir [a] algum
evento. ”

E13 “Ele é muito importante, mesmo que custe, mesmo que


demore os ônibus, é um meio de locomoção para quem
trabalha. ”

FONTE: Anotações de campo, 2018.


86

Sobre as desigualdades existentes no sistema educacional brasileiro, pode-se


dizer que “as escolas reproduzem o sistema de estratificação porque há uma grande
variação em termos de qualidade. ” (BRYM et al., 2013, p.417) isto quer dizer que se
as escolas já são desiguais na estrutura, recursos e qualificação do ensino público
em um mesmo município, que dirá em comparação as regiões. E quando se trata
das escolas públicas e privadas as diferenças são visíveis, os alunos de escolas
privadas são mais bem preparados e instruídos especificamente para os
vestibulares e Enem, refletindo a competitividade que impulsiona o mercado de
trabalho, que está presente na escola.

No início da década de 1970 quando houve a democratização do acesso


escolar no Brasil, as camadas populares do campo e das periferias dos grandes
centros urbanos passaram a ocupar lugares nas salas de aulas, mas como diria
Paulo Freire, o que houve durante as décadas de 1970 e 1980 no Brasil não foi
apenas um processo de evasão escolar, mas um verdadeiro processo de expulsão
escolar. (HARTMANN, 2012, p.7) Devido ao fato de a escola ser um ambiente
preconceituoso, elitista e de exclusão, que demonstrava dizer para os alunos de
classes populares que aquele não era o lugar para eles, pois não possuíam
habilidades e pré-disposição para aprender. Apesar deste processo de inclusão do
ensino ter sido e ainda ser exclusivo, “O ensino fundamental é considerado a base e
o fundamento da democratização do acesso à escola e, por conseguinte, da própria
sociedade” (BRYM et al., 2013, p.422).

Em reformas educacionais como a Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415,


de 16 de fevereiro de 2017) que visam agregar as disciplinas por áreas de interesse,
dando obrigatoriedade as disciplinas de português e matemática, e estudos e
práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia, tendo que ser incorporadas a
outras disciplinas, ainda podendo ser lecionadas a partir de profissionais com notório
saber na área, não necessariamente com formação específica. Sabendo que nem
todas as escolas terão recursos para disponibilizar todas as áreas de interesse,
pode-se notar que em escolas em bairros periféricos as áreas formação técnica e
profissional serão optadas, já que alunos de famílias de classe baixa tendem a
trabalhar desde cedo, para ajudar na sobrevivência do lar.
87

Art. 4o O art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a


vigorar com as seguintes alterações:

Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional
Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados
por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância
para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:

I - linguagens e suas tecnologias;

II - matemática e suas tecnologias;

III - ciências da natureza e suas tecnologias;

IV - ciências humanas e sociais aplicadas;

V - formação técnica e profissional. (BRASIL, 2017)

Neste sentido, a estratificação social que permeia as classes sociais, também


se reproduz na escola. E no ensino médio, momento em os jovens precisam
escolher questões decisivas sobre o futuro, como o curso que vão escolher e, por
conseguinte a profissão que vão exercer, eles são constantemente pressionados a
terem um bom desempenho e estarem dentro das vagas dos cursos de graduação,
como revela a fala da entrevistada E22, estudante do ensino médio, que além de
cursar o ensino médio, ainda faz o pré-enem para reforçar os estudos a fim de obter
uma boa nota no Enem, para ela o Terminal: “É bem importante [...] devido a
integração, [em] que você pode pegar os ônibus [...] eu fico muitas horas aqui, [é
minha] segunda casa, inclusive está vindo o Julião ali [...] estou aqui em horário de
meio dia e à noite para ir para o pré-enem”.

Ao contrário da entrevistada E22, alguns jovens simplesmente terminam o


ensino médio e vão em busca de um trabalho, pois não tem tempo e condições
financeiras para bancar os custos que a graduação demanda. Neste sentido, pode-
se dizer que:

[...] o ensino médio foi, e ainda é, compreendido como uma simples


preparação dos jovens para o ingresso no ensino superior, um privilégio
para poucos. A partir dos anos 1980, com a aceleração da difusão de novas
tecnologias na indústria e no setor de serviços, consolidou-se uma outra
perspectiva em relação ao ensino médio: um meio para a inserção no
mercado de trabalho. (BRYM et al., 2013, p.424)
88

Nos horários de pico, entre as 11 horas e 12:30 o Terminal fica lotado de


jovens, geralmente estudantes13do ensino fundamental e médio, que normalmente
se organizam em rodinhas de amigos e colegas, e ficam conversando enquanto
seus ônibus não chegam, é impressionante, todo o espaço-lugar do Terminal fica
organizado em rodas de jovens. Os grupos de colegas “ajudam crianças e
adolescentes a desligar-se de suas famílias e a desenvolver fontes independentes
de identidade. São influentes em relação a questões de estilo de vida como
aparência, atividades sociais e namoros. ” (BRYM et al., 2013, p.117).

Assim, a interação está condicionada pela chegada e partida dos ônibus. No


ano de 2010 a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (RBTRANS)
realizou uma pesquisa no Terminal Urbano para identificar o perfil dos jovens que ali
transitavam, e a pesquisa mostrou que 82% dos jovens que permanecem no
Terminal Urbano têm entre 13 e 17 anos, e utilizam o local como ponto de encontro.
(Ministério Público Do Estado Do Acre, 2011).

Neste sentido, a organização social existente no Terminal pode ser entendida


como uma junção entre as pessoas e atividades que ali ocorrem, conforme Goffman
(2011, p.10):

A organização social é o tema central, mas aquilo que é organizado é a


mescla entre pessoas e as atividades interacionais temporárias que podem
surgir a partir disso. Está em questão aqui uma estrutura estabilizada
normativamente, um ‘ajuntamento social’, mas esta entidade é mutante,
necessariamente evanescente, criada por chegadas e assassinada por
partidas.

Como pode ser identificado no [quadro 4] o Terminal é visto pelos jovens


como um espaço-lugar que propicia o transporte pela cidade, em específico no caso
deles, de suas casas a escola, porém o Terminal Urbano também significa para eles
um ponto de encontro, um ambiente de interação e de conversas, que dura o tempo
da chegada e partida dos ônibus.

13 As conversas realizadas com os jovens foram bem divertidas, eles estão sempre rindo, e
conversando uns com os outros naquela agitação e inquietude. As entrevistas foram feitas com
estudantes do ensino fundamental e médio, que tinham entre 13 e 19 anos.
89

Quadro 4. Significados do Terminal para os Estudantes do Ensino Fundamental e


Médio.

Quadro de Significados do Terminal Urbano para os Estudantes de Ensino


Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM)

Entrevistados Relatos

E14 “Tem um significado muito importante, [...] daqui a gente


pega um ônibus de um bairro ao outro. [Venho aqui] em
torno de duas vezes por semana, [eu o utilizo] apenas para
pegar os ônibus. ”

E15 “Uso como meio de transporte. [E o que você acha do


espaço? ] Quente, né? ”

E16 “Aí, que pergunta, [pausa] ah... eu dependo dele para ir


para outros cantos [...] [e] às vezes eu encontro [as]
pessoas. ”

E17 “Acho que [é] onde a gente vem para pegar o ônibus [...] [e]
para se encontrar [com os amigos] facilita né? Porque todos
os ônibus vêm para cá.”

E18 “[Risos] Rapaz, hein”! Eu não sei o que falar hein?

E19 “Muita aglomeração, mas também um ponto de encontro. ”

E20 “[Uso] só para pegar ônibus mesmo”.

E21 “O Terminal por um lado ajuda muitas pessoas [...] porque a


maioria não tem condições de ter seu veículo próprio [...] e
por mais que alguns reclamem, ele ajuda cada acreano. ”

E22 “É bem importante [...] devido a integração, [em] que você


pode pegar os ônibus [...] eu fico muitas horas aqui, [é
minha] segunda casa, inclusive está vindo o Julião ali [...]
estou aqui em horário de meio dia e à noite para ir para o
pré-enem”.

FONTE: Anotações de campo, 2018.

D.3.3. Os estigmatizados

A categoria denominada os estigmatizados, é composta pelas pessoas que


possuem um estigma, que segundo Goffman (1981, p. 6) é: “[...] um atributo que o
torna diferente de outros [...] deixamos de considerá-lo criatura comum e total,
reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída [...] algumas vezes ele também é
considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem. ” Goffman (1981)
destaca três tipos de estigmas facilmente identificáveis, o primeiro diz respeito ao
90

que ele chama de abominações do corpo, que são as deformidades físicas, no caso,
as deficiências físicas; o segundo são as culpas de caráter individual, que são para
ele distúrbios mentais, prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo e desemprego,
por exemplo; e o terceiro são os estigmas tribais de raça, nação e religião, que
podem ser transmitidos através da linhagem e durar várias gerações.
Em relação aos estigmas é válido ressaltar que um atributo que estigmatiza
alguém, pode ser uma forma de confirmar a normalidade de outra pessoa. Esta
busca por normalidade remete ao conto “O alienista” de Machado de Assis (1984,
p.p.1-26), que conta a história de um médico especialista em doenças mentais,
chamado Dr. Simão Bacamarte, que decide voltar para sua terra natal, a cidade de
Itaguaí. Lá se casa com D. Evarista, e ao longo do tempo passa a se dedicar ao
estudo da psiquiatria, com o aprofundamento de seus estudos, constrói um
manicômio, a Casa Verde. No início as internações têm certa coerência, mas em
pouco tempo ele interna 75% da população da cidade, inclusive sua esposa, e os
motivos das internações aparentemente não eram suficientes para justificar a
internação, com o tempo, o médico compreende que sua teoria não estava correta, e
então ele liberta todos do manicômio.

Ao criar uma nova teoria, entende que se a maioria das pessoas que
possuíam um desvio de personalidade não tinha um padrão nos seus atos, seriam
loucos aqueles que tinham uma regularidade nas ações e firmeza de caráter, o que
fez com que voltasse a internar as pessoas com essas peculiaridades de
comportamento. Mas a teoria do Dr. Bacamarte é novamente refutada e ele decide
soltar todas as pessoas que haviam sido julgadas loucas, e opta por se manter
sozinho na Casa Verde, já que somente ele tinha uma personalidade perfeita e,
portanto, por isto seria o único anormal da cidade.

Do mesmo modo, as pessoas que são caracterizadas como estigmatizadas,


são muitas vezes vistas como anormais, sendo motivo de afastamento e exclusão, e
sofrem as consequências da discriminação, julgamentos e preconceitos por ser
quem são no Terminal Urbano foram identificadas três categorias estigmatizadas: os
mata-gatos, os pedintes e os deficientes físicos, como pode ser visto no [quadro 5]
as definições destes termos para proporcionar melhor entendimentos sobre eles.
91

Quadro 5. Definições dos estigmatizados do Terminal.

Quadro de Estigmatizados do Terminal Urbano

Estigma Definição

Mata-gatos “Mata-Gatos, [é um] termo pejorativo para se referir a jovens


pobres da periferia que possuem estilo próprio no corte de
cabelo, no uso do boné e no modo de se vestir. ” (AC 24
HORAS, 2016).

Pedintes São pessoas que pedem dinheiro ou comida, e podem estar


em situação de morador de rua, ou pedir ajuda quando em
situação de doença ou deficiência que impossibilite garantir
seu sustento para suprir suas necessidades básicas.

Deficientes físicos “A pessoa com deficiência [é] aquela que tem impedimento
de longo prazo de natureza física [...] o qual, em interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições
com as demais pessoas. ” (BRASIL, 2015).

FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2018.

O termo “Mata-Gatos, [é um] termo pejorativo para se referir a jovens pobres


da periferia que possuem estilo próprio no corte de cabelo, no uso do boné e no
modo de se vestir. ” (AC 24 HORAS, 2016). Às vezes eles são identificados pelas
marcas sociais que possuem, como o fato de terem alguma passagem pela polícia
ou por serem presidiários. Por isso, o termo também pode ser usado quando se quer
depreciar alguém, sem que de fato a pessoa seja um deles, simplesmente por estar
usando uma roupa tida como inadequada para o ambiente. O simples fato de vestir
um agasalho em pleno calor no horário de meio-dia e transitar pelo Terminal Urbano,
já seria motivo para chamar alguém de mata-gato, desrespeitando assim certo tipo
de código de conduta. Além disso, este termo também pode significar aquela pessoa
orgulhosa que gosta de contar vantagem e se autopromover.

Os mata-gatos é uma categoria criada socialmente pelos acreanos, por isso


fica subentendido quando alguém usa o termo, o que é não quer dizer que só haja
um significado. Como pode ser visto na [figura 27] o Terminal é visto como o
espaço-lugar característico deste grupo, eles carregam em si uma identidade social
que é estabelecida por outras pessoas e não por eles próprios, desse modo, para
sê-lo é preciso ser reconhecido enquanto tal. As características deste grupo variam
de acordo com a concepção de cada pessoa, já que “É possível que haja signos
92

cujo significado varie de um grupo para outro, ou seja, que a mesma categoria seja
diferentemente caracterizada. ” (GOFFMAN, 1981, p.42) é o que ocorre em relação
aos mata-gatos, não existe um consenso na definição do termo, mas no geral é
possível identificá-los de acordo com suas vestimentas, aparência física e questões
sociais.

Figura 27. O Terminal Urbano identificado como “La casa do mata gato” em
referência à série “La casa de papel”.

FONTE: DESACREDITADOS, 2018.

Em relação às vestimentas [figura 28], algumas das falas indicam que podem
ser compostas por um estilo próprio de se vestir, no caso dos homens, é por boné
de crochê ou da marca John John, bermuda que pode ser colorida e dobrada,
sandália Kenner, camisa com pedras ou com a estampa da planta cannabis, brinco
de argola na orelha e pelo corpo há a presença de tatuagens, e para as mulheres
top e shortinho curtíssimo. É preciso ressaltar que estas características fazem parte
do estigma criado para os mata-gatos, é a imagem preconceituosa e estereotipada
que as pessoas têm das pessoas que veem da periferia.
93

Figura 28. Comentários sobre o modo de


se vestir dos mata-gatos.

FONTE: DESACREDITADOS, 2018.

E as questões sociais envolvem o bairro em que a pessoa mora, quesito que


é automaticamente associado com a proximidade da pessoa com o crime, o bairro
de onde se vem representa no imaginário popular um perigo em potencial, revelando
o quanto a classe social estratifica as pessoas de acordo com suas condições
econômicas, em periferias ou em bairros de elite. Como pode ser identificado na
[figura 29], é bem forte a ideia de que os mata-gatos são criminosos, simplesmente
por virem de bairros como Sobral, Cidade do povo e Calafate, trazendo a imagem de
que vão ao Terminal para roubar.

Figura 29. Comentários em publicações sobre o Terminal Urbano de uma página do facebook.

FONTE: ACRIANO MIL GRAU, 2018.


94

Desse modo, é possível afirmar que “Os símbolos de estigma caracterizam-se


por estarem continuamente expostos à percepção. ” (GOFFMAN, 1981, p.88) como
é o caso do termo em questão, em que as marcas que os distinguem na multidão
são facilmente identificadas. O mata-gato é uma construção social usada para se
referir as pessoas que vem da periferia, inferiorizando e os estigmatizando, sendo
esta uma forma de distinção realizada pela cultura dominante, a fim de legitimar a
ordem vigente (BOURDIEU, 2011, p.10-11). Neste sentido, as pessoas de classes
sociais diferentes podem até conviver em um mesmo espaço-lugar, mas a distinção
será sempre revelada através das marcas sociais e nos estereótipos.

Os pedintes é outra categoria destacada para compreender o Terminal


Urbano, eles são pessoas que pedem dinheiro ou comida e são popularmente
conhecidas como mendigos, geralmente estão em situação de vulnerabilidade
social, podendo ser um morador de rua, ou pedir ajuda quando em situação de
doença ou deficiência que os impossibilite de garantir o sustento para suprir suas
necessidades básicas. De acordo com o levantamento feito pelo IPEA (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada) “[...] o Brasil tem pouco mais de 100 mil pessoas
vivendo nas ruas. Das 101.854 pessoas em situação de rua, 40,1% estavam em
municípios com mais de 900 mil habitantes e 77,02% [...] municípios com mais de
100 mil pessoas. ” (IPEA, 2015).

Nas observações feitas14 no Terminal Urbano foi possível identificar três


pedintes: o “pai” [figura 30] que já é bem conhecido pelos arredores do centro,
fisicamente ele é baixo, negro e costuma vestir roupas largas, provavelmente
advindas de doações, o que o obriga a andar segurando o short, algo que já é uma
característica dele; o outro foi um homem mais jovem, que devido ao frio estava
enrolado em uma coberta, ele estava próximo de umas das lanchonetes que existem
dentro do Terminal e pedia lanche para as pessoas; e por último um homem que
pedia dinheiro e mostrava uma hérnia na barriga, ele carregava um pote na mão
alegando precisar fazer uma biópsia, pois possivelmente estava com câncer, ele se
dizia homossexual, suas vestimentas eram femininas e ele usava brincos, devido a
sua orientação sexual ele dizia que as pessoas tinham preconceito, como era
possível notar, sempre que ele se aproximava as pessoas tendiam a se afastar, e o
modo como ele falava era de forma emocionada praticamente chorando e

14
Observações que ocorreram entre às 07 horas e ás 9:30 da manhã do dia 17 de abril de 2018.
95

implorando por ajuda. Nesse sentido, nota-se o quão desigual é a distribuição de


riquezas no Brasil, a ponto de as pessoas terem que pedir esmolas para obter a
sobrevivência.

Figura 30. Um pedinte muito conhecido


pela cidade de Rio Branco e o Batman no
Terminal Urbano.

FONTE: ACRE REAL, 2017.

. O entrevistado E26 (26 anos) vendedor de lanches no Terminal desabafou:


“Aqui é Iraque, não tem segurança, os mendigos de Rio Branco toda estão aqui
dentro [do Terminal] [...] os caras roubam meus clientes, aí quando vai lá reclamar
para os policiais, que estão no ar condicionado, não adianta nada”. A fala do
entrevistado E26 reforça o quanto os pedintes são vistos como a escória da
sociedade, em concordância com o entrevistado E26, a entrevistada E5 (24 anos)
vendedora ambulante, afirma que “[...] a única crítica sobre o Terminal é que tinha
que ter uma fiscalização maior” ao que a fala dela revelou, esta fiscalização era em
relação aos pedintes. Conforme Goffman (1981, p.121):

Se deve haver um campo de investigação chamado de "comportamento


desviante" são os seus desviantes sociais, conforme aqui definidos, que
deveriam, presumivelmente, constituir o seu cerne. As prostitutas, os
viciados em drogas, os delinqüentes, os criminosos, os músicos de jazz, os
boêmios, os ciganos, os parasitas, os vagabundos, os gigolôs, os artistas de
show, os jogadores, os malandros das praias, os homossexuais, e o
mendigo impenitente da cidade seriam incluídos. São essas as pessoas
96

consideradas engajadas numa espécie de negação coletiva da ordem


social. Elas são percebidas como incapazes de usar as oportunidades
disponíveis para o progresso nos vários caminhos aprovados pela
sociedade; mostram um desrespeito evidente por seus superiores; falta-lhes
moralidade; elas representam defeitos nos esquemas motivacionais da
sociedade.

Assim sendo, os pedintes ou mendigos estão em um tipo de negação da


ordem social em vigor, os pedintes estão à margem da sociedade, são ignorados,
excluídos e afastados, é como se fossem invisíveis neste modo de vida capitalista,
eles recusam as regras e código de conduta morais e são a prova de que a
sociedade está falhando enquanto humanidade. As falas dos entrevistados revelam
a similaridade entre a concepção que a maioria das pessoas tem sobre os pedintes,
a ideia de que eles devem manter distância e ser afastadas do convívio social, ao
invés de serem incluídos.

Em relação aos deficientes físicos que transitam pelo Terminal, pode-se dizer
que a eles está reservado o direito de igualdade e de não discriminação e distinção
segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de
2015) no Art. 4º, do Capítulo II que trata Da Igualdade e da Não Discriminação:

Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de


oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de
discriminação.
§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de
distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o
propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o
exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com
deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento
de tecnologias assistivas. (BRASIL, 2015, p.8-9)

Em 2017, foi realizada no Terminal Urbano a “Operação Gentileza” [figura 31],


a ação foi realizada por vários órgãos públicos para auxiliar e conscientizar as
pessoas dos direitos dos idosos, gestantes e deficientes físicos que utilizam o
transporte coletivo e tem alguma limitação que demande ajuda, o foco da ação é dar
apoio nos momentos de embarque e desembarque, que é a ocasião em que há
maior tumulto nos ônibus.
97

Figura 31. “Operação Gentileza” realizada no Terminal em 2017, para


auxiliar idosos, gestantes e deficientes físicos.

FONTE: Rede Amazônica Acre/G1., 2017.

O entrevistado E29, um senhor de muletas, que possuía uma das pernas


amputadas, afirmou que usa muito o Terminal, e ao ser perguntado sobre a sua
percepção sobre o espaço-lugar ele disse: “Rapaz, não tem nem como dizer hein. ”
Revelando que tinha certo receio em falar, e talvez um pouco de timidez. Este tipo
de reação é comum, pois “Os indivíduos fisicamente incapacitados, ao precisarem
receber demonstrações de simpatia e curiosidade por parte de estranhos, podem,
algumas vezes, proteger a sua privacidade. ” (GOFFMAN, 1981, p.115) O que
justifica o entrevistado E29 não querer falar sobre sua condição física e suas
particularidades.

O entrevistado E30 (41 anos) também de muletas afirmou que o Terminal:


“Para mim é bom né? [E você frequenta muito aqui? ] Direto”. Ele revelou que
geralmente usa o Terminal para ir à Fundação Hospitalar do Acre, para realizar o
tratamento de saúde dele. Segundo ele, a maioria das pessoas costuma respeitar a
condição de saúde em que ele se encontra, no caso, a dificuldade de se locomover
com as muletas. Os deficientes físicos têm direito ao transporte e mobilidade,
através de serviços como o acesso ao Terminal Urbano, conforme pode ser visto no
Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) no Art.
46, do Capítulo X Do Direito ao Transporte e à Mobilidade:
98

Art. 46. O direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou


com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos
os obstáculos e barreiras ao seu acesso.
§ 1º Para fins de acessibilidade aos serviços de transporte coletivo terrestre,
aquaviário e aéreo, em todas as jurisdições, consideram-se como
integrantes desses serviços os veículos, os terminais, as estações, os
pontos de parada, o sistema viário e a prestação do serviço. (BRASIL, 2015,
p.30)

Apesar de serem amparados por uma lei, muitas vezes os deficientes ainda
sofrem discriminação pela condição em que se encontram, por isso podem criar
alguns mecanismos para propiciar a interação e impedir que haja perguntas e
curiosidade sobre a sua deficiência:

[...] os indivíduos que têm um estigma, sobretudo os que têm um defeito


físico, podem precisar aprender a estrutura da interação para conhecer as
linhas ao longo das quais devem reconstituir a sua conduta se desejam
minimizar a intromissão de seu estigma. A partir de seus esforços, portanto,
podem-se conhecer características da interação que, de outra forma, seriam
consideradas demasiadamente óbvias para merecerem atenção.
(GOFFMAN, 1981, p.90)

Em relação aos estigmatizados do Terminal pode-se dizer que os mata-gatos,


os pedintes e os deficientes físicos são muitas vezes ignorados, é como se eles
fossem invisíveis, pois são destituídos de sua substância, atitude conhecida como
atitude blasé, na qual há uma incapacidade por parte das pessoas de reagir às
situações empregando a energia necessária, é a indiferença em relação ao outro,
ato comum em sociedades individualistas.

A partir da experiência de campo, pode-se notar que os significados


atribuídos ao Terminal Urbano diferem de pessoa a pessoa e cada grupo ou
categoria tem uma maneira de significá-lo. Para algumas pessoas, este espaço-
lugar é parte importante de sua história e por isso mantém uma relação mais afetiva
com o ele, como é o caso dos vendedores ambulantes, para eles é um lugar tão
íntimo e próximo, que pouco se pensa sobre o seu significado no cotidiano, pois já
se está tão imerso nele que é quase impossível se imaginar sem ele. E justamente o
contrário acontece quando o Terminal é tido como um espaço, pelas pessoas que
99

rapidamente transitam por ele, e mesmo que estejam todos os dias ali, eles veem o
Terminal com os olhos de turista e têm dele a leitura objetiva de um guia turístico,
destituída de grandes valores e sentidos, e sim, voltada para a sua utilidade (TUAN,
1983).

D.4. Outros usos e significados do Terminal Urbano

D.4.1. A arte em meio ao “caos”

A arte é uma das mais profundas formas de expressões humanas, ela é


capaz de despertar sentimentos e causar emoções, pode encantar e chocar, criticar
ou manipular, pode até ser usada para despertar a atenção para um problema
social. Ao redor do Terminal são expostas diversas formas de arte, uma das mais
conhecidas é a Estátua viva [figuras 32 e 33], o ator por trás deste personagem veio
do estado de Rondônia em 2009 para se apresentar na Exposição Agropecuária do
Acre e cinco anos depois, em 2014 acabou se mudando com a família para o
estado. O artista interpreta a estátua viva há 14 anos, e também atua como palhaço,
humorista e faz artes com balão em festas de aniversário. (PESSOA, 2017)

As pessoas costumam apreciar esse tipo de arte que se mistura ao cotidiano,


pois o artista de rua chama a atenção e faz com que as pessoas parem por alguns
minutos sua rotina para observar a realidade à sua volta, e como os museus e
teatros não são acessíveis a todos é uma oportunidade de presenciar a arte, por
isso seria interessante se houvessem mais iniciativas como essa, em que a dança, a
música e o teatro pudessem ocupar os lugares públicos e contribuir para que as
pessoas percebam as realidades que estão à sua volta de modos diferentes e de
forma mais crítica. Para o intérprete da estátua viva “A maior dificuldade seria
demonstrar [às] pessoas sem conhecimento, como apreciar a minha área de
trabalho. Quero passar a elas que não estou mendigando, mais sobrevivo da arte. ”
(BRAGA, 2015).
100

Figura 32. Estátua viva que fica próxima ao Terminal. Figura 33. Pessoas
interagindo com a Estátua
viva.

FONTE: Elaborado pela


FONTE: Elaborado pela pesquisadora, 2017. pesquisadora, 2017.

É interessante perceber a profundidade e a subjetividade que os artistas


expressam em cada movimento, e até aquilo que fica subentendido na ausência dos
movimentos e da fala. Para representar cada personagem há uma construção de
ideias e conceitos para compor a estética, os sons e os trejeitos da personagem,
como ocorre no caso da estátua viva, provavelmente existe todo um preparo físico e
psicológico para resistir às provocações das pessoas se mantendo firme e imóvel
por muitas horas, e nos momentos em que as pessoas contribuem com o artista,
dando algum dinheiro ele costuma interagir fazendo alguns movimentos em
agradecimento e entregando alguma mensagem para a pessoa.

Mas a sociedade dos artistas não é apenas o laboratório onde se inventa


essa arte de viver muito particular que é o estilo de vida de artista,
dimensão fundamental da empresa de criação artística. Uma de suas
funções principais, e no entanto sempre ignorada, é ser para si mesma seu
próprio mercado. Ela oferece as audácias e as transgressões que os
escritores e os artistas introduzem, não apenas em suas obras, mas
também em sua existência, ela própria concebida como uma obra de arte, a
acolhida mais favorável, mais compreensiva; as sanções desse mercado
privilegiado, se não se manifestam em dinheiro vivo, tem pelo menos por
virtude assegurar uma forma de reconhecimento social ao que de outro
modo aparece (ou seja, a outros grupos) como um desafio ao senso
comum. (BOURDIEU, 1996, p.75)

Entre as formas de expressão artística em espaço-lugares inesperados, pode-


se ressaltar uma exposição de arte no Terminal Urbano em 2014 [figuras 34 e 35]
101

cujo nome foi “Mulher Negra na Cidade de Rio Branco” a galeria era composta por
20 fotos de mulheres negras e o seu papel na sociedade, dando destaque para as
suas profissões, o que revela a autonomia e independência da mulher negra
acreana, a exposição foi inspirada no mês da mulher e no Dia Internacional pela
Eliminação da Discriminação Racial, que ocorre no dia 21 de março (BORGES,
2014).

Esse tipo de intervenção em lugares que transitam tantas pessoas como o


Terminal Urbano é uma forma de empoderar e dar voz às mulheres negras, a fim de
valorizar a figura da mulher e combater a discriminação racial, fazendo com que a
população seja mais consciente e tolerante perante a diversidade que existe no
Estado do Acre, esse tipo de arte mexe com as pessoas porque elas podem se
enxergar nas pessoas que estão sendo expostas e criar empatia para com os
outros.

Figura 34. Pessoas observando as fotos da Figura 35. Exposição “Mulher Negra na Cidade
exposição. de Rio Branco”.

FONTE: BORGES, Amanda./G1 Acre, 2014. FONTE: BORGES, Amanda./G1 Acre, 2014.

Segundo Borges (2014) um vendedor ambulante (72 anos), que trabalha no


Terminal Urbano afirma que “esse tipo de intervenção não é comum e é importante
para o reconhecimento das mulheres [...] a primeira vez que estou vendo isso por
aqui, eu acho muito bom. Temos sido muito discriminados, tanto a raça negra
quanto a terceira idade". Esse tipo de iniciativa é uma forma de levar arte para
pessoas que muitas vezes nunca tiveram contato com exposições artísticas fazendo
com que todos que passaram por esse ambiente pudessem se deparar com um
museu num local inesperado, criando uma experiência diferente e enriquecedora,
102

dando visibilidade para problemas como o machismo e o racismo tão presente em


nossa sociedade.

Por isso é tão importante que a arte também ocupe espaços que não são
usuais, e nem são o lugar comum em que normalmente são feitas essas exposições,
mas que têm grande potencial para atingir uma diversidade de pessoas e de alguma
forma tocá-las através da arte. Exemplo disso, é uma vendedora ambulante que
trabalha no Terminal Urbano [figura 36 e 37] e tem chamado a atenção: “Em meio às
plataformas e muito barulho de ônibus, ao fundo é possível ouvir um som diferente.
É o violino da ambulante que vai se destacando ao longo da plataforma B do
Terminal Urbano em Rio Branco. ” (MUNIZ, 2018).

Figura 36. Vendedora ambulante tocando violino Figura 37. A ambulante é um exemplo da arte em
no Terminal Urbano. meio ao “caos”.

FONTE: MUNIZ, Tácita./G1, 2018. FONTE: MUNIZ, Tácita./G1, 2018.

A musicista do Terminal veio do estado de Rondônia, nasceu na cidade de


Ariquemes, e está no estado do Acre desde 2002, ela trabalha no Terminal as
segundas, quartas e sextas e é entre uma venda e outra que ensaia em seu violino,
instrumento que começou a aprender a tocar à cerca de um ano por meio das aulas
particulares que ocorrem uma vez por semana, e que já desperta nela o sonho de
ser uma violinista e tocar na igreja em que frequenta. “A música é celestial e vai na
alma. Isso incentiva as pessoas a combaterem a violência. As pessoas passam por
aqui e dizem que gostam, mas ainda nem sei tocar. Estou aprendendo”, conta
(MUNIZ, 2018). Neste sentido, pode-se dizer que:
103

[...] as formas musicais são determinadas por valores que transcendem as


idéias lógicas, que transcendem até nossas idéias sobre o visível e o
tangível. Esses valores musicais só podem ser compreendidos através das
designações que a eles aplicamos, termos específicos como ritmo e
harmonia, que se aplicam igualmente ao jogo e à poesia [...]. É
precisamente devido à sua íntima relação, ou antes, à sua indissolúvel
união com a recitação musical que a poesia desempenha uma função
litúrgica e social tão importante nas culturas arcaicas. Todo ritual autêntico é
obra de canto, dança e jogo. Atualmente perdeu-se o sentido do jogo ritual e
sagrado, nossa civilização exaustou-se com a idade, tornando-se
excessivamente sofisticada. Mas nada contribui mais para nos fazer
recuperar esse sentido como a sensibilidade musical. Sentindo a música,
somos capazes também de sentir o ritual. Quando se ouve música, quer ela
se destine a exprimir idéias religiosas quer não, há uma fusão entre a
percepção do belo e o sentimento do sagrado, na qual é inteiramente
dissolvida a distinção entre o jogo e a seriedade. (HUIZINGA, 2000, p.115)

Como pôde ser visto a arte desperta os sentidos e percepções das pessoas
em todas as suas formas e expressões, trazendo à tona sentimentos e emoções, e a
arte de rua exerce um papel fundamental que permite as pessoas apreciar e ter o
acesso a maneiras diferentes de interpretar e dar sentido à vida, demonstrando com
isso que os sentidos e significados que o Terminal tem para alguns, vai além das
questões objetivas do deslocamento no dia a dia, do ir e vir da vida urbana, de
acordo com Bourdieu (1996, p.75):

Assim, está claro que o campo literário e artístico constitui-se como tal na e
pela oposição a um mundo "burguês" que jamais afirmara de maneira tão
brutal seus valores e sua pretensão de controlar os instrumentos de
legitimação, tanto no domínio da arte como no domínio da literatura, e que,
por intermédio da imprensa e de seus plumitivos, visa impor uma definição
degradada e degradante da produção cultural.

Assim, a arte pode ser usada para romper com a cultura burguesa, sendo
uma forma de recusa às formas de dominação capitalista, que visam manter a
ordem vigente, e a estratificação das classes sociais. As manifestações artísticas
enquanto forma de crítica a uma sociedade tão desigual e preconceituosa como a
que vivemos é legítima e possível para trazer as pessoas mais consciência e
motivação para agir em prol de lutas e mudanças sociais.
104

D.4.2. Luta por direitos, protestos e enfrentamento

Um outro sentido em que o Terminal pode ser utilizado é o significado de


resistência, sendo um espaço de apropriação e atuação tanto de movimentos sociais
como dos sindicatos de trabalhadores. Nos momentos em que as instituições
políticas e econômicas não estão atendendo as reinvindicações das pessoas, uma
das medidas que se pode tomar é lutar para que as exigências sejam ouvidas, e isto
pode ser feito por meio de protestos, manifestações, paralisações e greves. O direito
ao protesto é garantido no Brasil pela combinação de três direitos que estão
presentes no artigo 5º da Constituição Federal (Texto constitucional promulgado em
5 de outubro de 1988):

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;


[...]
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos
ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem
outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas
exigido prévio aviso à autoridade competente;
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de
caráter paramilitar; (BRASIL, 1988).

De acordo com a Constituição, as pessoas tem a plena liberdade para se


manifestar, mas o que geralmente se vê em momentos de protestos, manifestações
e paralizações é o desrespeito em relação às suas causas, em que os manifestantes
são encarados como criminosos, baderneiros e vândalos, porque como se pode
imaginar em meio a protestos existem pessoas de todos os tipos e índoles, e que
consequentemente usam de diferentes meios para exercer seu direito de
manifestação, o que ocorre é que algumas pessoas e utilizam de meios mais
radicais, como a depredação de patrimônio público, e em consequência disso há o
uso da violência por parte das forças policiais, com uso de spray de pimenta,
bombas de efeito moral e balas de borracha, o que acaba ferindo gravemente muitas
pessoas.

Em frente ao Terminal Urbano também costumam acontecer diversas


paralizações, manifestações e protestos [figuras 38 e 39], pautados em diversas
causas como: greve dos motoristas de ônibus em 2010, protesto dos estudantes
105

contra o reajuste do valor da passagem de ônibus de R$ 2,40 para R$ 2,90 em


2014, protesto contra a privatização da Eletroacre em 2016, manifestação contra a
PEC 55 que limita os gastos em saúde e educação e assistência social durante 20
anos, protesto contra o aumento da passagem de ônibus em 2017 quando o valor se
tornou R$ 3,50, protesto contra a reforma trabalhista e da previdência em 2017, em
prol de maior segurança nas unidades de saúde pelos trabalhadores da área.

Figura 38. Manifestação contra a privatização Figura 39. Protesto contra as reformas da
da Eletroacre. Previdência e Trabalhista dentro do
Terminal.

FONTE: JORNAL A TRIBUNA, 2016. FONTE: NASCIMENTO, Aline./G1, 2017.

Na manifestação ocorrida em 2016 contra a privatização da Eletroacre [figura


38] o JORNAL A TRIBUNA (2016) afirmou que “O manifesto causou
congestionamento no trânsito e um engarrafamento com vários ônibus na entrada no
Terminal Urbano” e esse tipo de informação é muito utilizado para desqualificar o
movimento e transmitir a ideia de que protestos e manifestações só causam baderna
e desordem na fluidez do trânsito, de modo que algumas pessoas são influenciadas
pela mídia e vê nesse tipo de movimento uma conotação negativa.

Em relação ao protesto realizado em 2017 contra as reformas trabalhista e da


previdência [figura 39] o Terminal ficou parado durante 20 minutos, o que para
muitas pessoas pode significar um transtorno, mas não para a professora (50 anos),
que esperava o ônibus para casa enquanto ocorria o protesto: "Acho positivo esse
movimento, tem que existir. Estou esperando o ônibus, mas não achei ruim o
terminal estar parado, porque é um direito". (RODRIGUES, 2017)
106

Desse modo, os movimentos sociais podem ser entendidos como a junção


entre atores coletivos e se opõem às classes dirigentes que “[...] impedem os
dominados de falar e agir em prol de seus interesses [...] representam os interesses
do capital e, ao se opor a esses interesses [...] os movimentos sociais
representariam uma oposição ao próprio capitalismo. ” (BRYM et al., 2013, p.512).

Os motoristas dos ônibus [figura 40 e 41] também costumam fazer protestos


no Terminal Urbano, e geralmente reivindicam maior segurança para que consigam
executar seu trabalho, como em casos de assaltos e mortes de motoristas do
transporte coletivo, bem como fazem protestos em que exigem seus direitos como
trabalhadores.

Figura 40. Motoristas dos ônibus e cobradores Figura 41. Motoristas dos ônibus protestam e
protestam no Terminal Urbano. ficam parados por 30 minutos no Terminal.

FONTE: MELO, Quésia./G1, 2015. FONTE: NASCIMENTO, Aline./G1, 2017.

Apesar de muitas pessoas, ficarem contrariadas com o ato, em específico os


passageiros do transporte coletivo, é preciso observar que é apenas paralisando os
ônibus que os motoristas conseguem chamar a atenção da população e dos
responsáveis pela segurança pública para a violência e insegurança em que estão
submetidos, e mesmo que parar o transporte por um curto período de tempo
signifique afetar diversos setores relacionados à educação, saúde, e empresas
privadas, e pessoas como alunos e trabalhadores.

Desse modo, pode-se dizer que é legítimo o uso desse espaço como forma
de expressão política e mostra que o Terminal não é um local restrito aos interesses
econômicos, já que as pessoas também podem se apropriar do Terminal para
107

reivindicar direitos, melhorias e para protestar diante de diversas causas. Alguns dos
motivos que fazem os manifestantes escolherem esse local é provavelmente por
estar localizado no centro da cidade, e por isso ter um fluxo grande de pessoas e
causar um grande impacto no trânsito, mobilizando as pessoas e dando visibilidade
para a causa em questão.

D.4.3. Espaço de informação e conscientização

O Terminal também é usado para conscientizar as pessoas [figuras 42 e 43]


sobre causas como: o trabalho infantil, o fumo, os direitos dos idosos e o trânsito. É
uma forma de mobilizar as pessoas e instruir quem passa pelo Terminal, dando
maior informação sobre os assuntos que precisam ser evidenciados e esclarecidos à
população. Fazer essa abordagem no Terminal é um meio de atingir uma
diversidade de pessoas através de explicações e distribuição de panfletos que são
entregues nesse ambiente a fim de orientar melhor as pessoas. Conforme o Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) no Capítulo V,
que diz respeito ao Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho, Art. 60. “É
proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição
de aprendiz. ” (BRASIL, 2006).

A panfletagem sobre a conscientização do trabalho infantil [figura 42] feita em


2015, pelo governo do Estado e pela prefeitura de Rio Branco, tinha como lema da
campanha “Não ao trabalho infantil e sim à educação de qualidade”. E a secretária
de Cidadania e Assistência Social do Município, afirmou que “A sociedade precisa
dizer não ao trabalho e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Por isso,
essas campanhas são extremamente importantes para que elas possam estar na
escola e não no meio da rua”. (O RIO BRANCO, 2015). Este tipo de campanha visa
instruir as pessoas e informa-las sobre problemas que envolvem toda a sociedade e
precisam urgentemente ser explicados para haver conscientização.

Em relação à campanha antifumo [figura 43] a Lei Municipal 1.764 de


novembro de 2009 afirma que é proibido o uso de cigarro em locais com
aglomeração de pessoas e onde haja paredes que possam impedir a dispersão da
fumaça, como o Terminal Urbano da capital. (ECO ACRE, 2016) A campanha de
108

conscientização contra o tabagismo realizada no Terminal, em 2016 foi coordenada


pela capitã PM chefe da Divisão e enfermeira que afirma:

Não queremos punir pessoas pela desobediência à Lei, mas temos que
evitar o fumo no Terminal, o que afeta muitas pessoas passivamente.
Enquanto isso, a equipe de saúde orienta sobre o tratamento gratuito ao
tabagismo, oferecido nas unidades de saúde da nossa cidade. (ECO ACRE,
2016)

Figura 42. Panfletagem de conscientização Figura 43. Panfletagem antifumo no Terminal


sobre o trabalho infantil no Terminal. Urbano.

FONTE: G1, 2015. FONTE: ECO ACRE, 2016.

Assim sendo, é preciso deixar claro que as crianças não podem ter sua
infância violada sendo muitas vezes expostas ao trabalho similar ao escravo, em
que a criança é explorada e sua infância é roubada, momento em que deve brincar,
usar sua imaginação, se divertir e aproveitar da melhor maneira possível essa fase
de sua vida. Além disso, as pessoas são alertadas aos malefícios de se fumar, já se
sabe que a nicotina causa dependência e pode afetar a saúde não só de quem é
fumante ativo, mas aos fumantes passivos, que convivem com a fumaça, vale
ressaltar que existem placas espalhadas por todo o Terminal proibindo que se fume
nesse local. É importante ressaltar que o uso de panfletos além de útil para
conscientizar as pessoas sobre problemas e questões como fumo e trabalho infantil,
também é uma forma de divulgação das empresas, com a exposição de cursos
profissionalizantes e anúncios de dentista, por exemplo, e pelos grupos religiosos,
que distribuem mensagens bíblicas, e que às vezes tem o intuito de divulgar as
igrejas e convidar as pessoas a frequentarem e seguirem sua religião.
109

A preocupação em manter a população informada e conscientizada, se


constitui como uma forma de cidadania, conforme Marshall (1967, p.76) “A
cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma
comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos
direitos e obrigações pertinentes ao status.”. E pode entendido como um direito, a
apropriação do Terminal enquanto um espaço-lugar político, sendo ele um espaço
estratégico, onde o poder simbólico se redefine e se consolida.

D.3.4. Orientação e busca dos direitos

O Terminal também já foi usado para promover orientações jurídicas gratuitas


para a população, em que entidades como a OAB e instituições como a Defensoria
pública realizaram atendimentos a fim de que as pessoas que não tinham condições
de pagar um advogado também conhecessem seus direitos, fossem instruídos e
tivessem acesso à justiça. Em comemoração aos 25 anos do Código de Defesa do
Consumidor a OAB [figura 44] realizou em 2015 atendimentos à população no intuito
de dar esclarecimentos, tirar dúvidas e oferecer conhecimento às pessoas sobre
seus direitos, fazendo com que tenham maior contato com a entidade. O presidente
da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Acre Marcos Vinícius Jardim
Rodrigues (OABAC, 2017) afirma que “A intenção de orientar à população sobre os
próprios direitos e aproximá-la mais da Ordem, além de mostrar que todos devem ter
seus direitos resguardados”.

Figura 44. Atendimento voluntário de Figura 45. Atendimentos da Defensoria Pública


advogados (OAB) no Terminal. no Terminal.

FONTE: OABAC, 2015. FONTE: NASCIMENTO, Felícia., 2017.


110

A defensoria pública, instituição responsável por dar assistência às pessoas


que não podem arcar com custos de advogados, também realizou no Terminal uma
ação em 2017 [figura 45], em razão dos 16 anos da instituição, e fizeram em média
90 atendimentos, conferindo maior informação e conhecimento dos direitos às
pessoas. “A Defensoria Pública atende a massa, atende o grande público, e a
escolha dessa ação no Terminal Urbano é devido ao número de pessoas que
passam por aqui diariamente [...], disse o coordenador do Núcleo de Cidadania,
Celso Araújo. ” (AGÊNCIA ACRE, 2017). Desse modo, é possível dizer que estas
instituições que deram assistência jurídica as pessoas que transitam pelo Terminal,
o escolheram para esse tipo de ação voltada para a população, com base no fluxo
de pessoas que passam por esse ambiente, conseguindo atingir o público alvo da
ação. Dessa forma, pode-se dizer que o Terminal não é usado apenas pelas
pessoas, mas as próprias instituições o usam como forma de garantir e reproduzir os
significados voltados para a cidadania, e estas ações que são realizadas para se
apropriar deste espaço-lugar visando a consultoria jurídica ocorrem em momentos
específicos.

Em vista disso, o Terminal Urbano demonstra ser um espaço-lugar em que


pode haver diversas apropriações, que vão desde o uso do espaço para o
transporte, que a razão de sua existência, ao trabalho, manifestações e expressões
da arte. Dessa forma, este local não se restringe as razões para que foi construído,
mas se põe ao uso e significado que as pessoas lhe dão, permitindo com que cada
pessoa tenha uma percepção sobre o mesmo, a intenção da pesquisa é
desmistificar a ideia de que o Terminal é somente um lugar de passagem, utilizado
para mover-se no espaço, mas dar um novo olhar para o familiar, trazendo novas
perspectivas sobre este espaço social.
111

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com a pesquisa pode-se considerar que a motivação primordial do


Terminal Urbano é de caráter econômico, no qual o transporte coletivo é visto
enquanto uma necessidade de preservação e manutenção do bem público e de
reprodução do capital. Este espaço-lugar está voltado para o direcionamento das
pessoas a fim de evitar o tumulto e superlotação das paradas de ônibus, mas em
contrapartida pode-se notar que não se restringe a este significado, já que é palco
de diversas manifestações que desmistificam essa motivação. Neste sentido, pode-
se dizer que “O Terminal de Transporte Urbano da cidade de Rio Branco, tornou-se
um ponto de convergência de pessoas, que são atraídas para o centro da cidade e
distribuídas para várias direções e objetivos diversos. ” (SANTOS, 1999, p.33).
De acordo com Goldenberg (2004, p.14) a metodologia representa “[...] um
caminho possível para a pesquisa científica. O que determina como trabalhar é o
problema que se quer trabalhar: só se escolhe o caminho quando se sabe aonde
se quer chegar. ” Sendo assim, para chegarmos à resposta deste problema: De
que modo as relações sociais vivenciadas no Terminal Urbano, contribuem para
produzir as significações sobre esse espaço-lugar? Foi preciso adentrar nas
peculiaridades do Terminal Urbano, utilizando cada uma das habilidades
destacadas por Oliveira (1996) para pesquisar, que consistem em olhar, ouvir e
escrever. Inicialmente, quando se está pensando a pesquisa, durante os primeiros
contatos com o objeto em questão, o olhar se faz necessário para buscar
apreender a realidade social e aos poucos conhecê-la, é como se fosse a parte
metodológica; em seguida, ao ir a campo, os ouvidos tem de estar sempre atentos,
um comentário, uma fala, uma narrativa e o silêncio podem dizer muito quando se
está identificando as percepções e características do campo, por isso ouvir é uma
habilidade tão minuciosa; e todo o trabalho se concretiza a partir da escrita,
momento em que a teoria e o campo se unem para gerar através da análise dos
dados novas perspectivas, neste sentido foram as teorias de Augé (2004),
Bourdieu (2011) e Goffman (1981) que possibilitaram a compreensão dos
significados atribuídos ao Terminal pelas pessoas que o frequentam.

Desse modo, foi indispensável entender as dualidades existentes nas


concepções deste ambiente, que é ao mesmo tempo ordem e caos, espaço e lugar,
112

portanto espaço-lugar, lugar antropológico e não-lugar e um espaço social, que


revelam as diferentes concepções existentes sobre o objeto de pesquisa. E a fim de
apreender os significados do Terminal, as pessoas que transitam por ele foram
identificadas em três grupos ou categorias, que são os que permanecem, os que
passam e os estigmatizados, cada um deles representa a percepção que eles têm
do Terminal, que é dada a partir do uso que fazem do mesmo.

E para atingir os objetivos da pesquisa foi necessário mergulhar neste


universo do Terminal, e olhá-lo ora com familiaridade, e ora com distanciamento,
pois enquanto pesquisadora, a intenção é absorver as intencionalidades e
percepções e evidenciar os aspectos que normalmente não se nota, e passam
despercebidos aos olhos familiarizados.

Assim, conhecer a dinâmica das relações sociais e significações deste


espaço-lugar simbolizou também o ritual de passagem da aluna para a
pesquisadora. Se descobrir enquanto pesquisadora no sexto período da graduação
causou verdadeiro impacto, a impressão é que nos três anos de curso, essa
identidade não foi capaz de aflorar, e agora teria que emergir a força. Uma das
consequências deste momento foi o já mencionado bloqueio da escrita, que
desencadeou longos períodos de afastamento e recusa em escrever, e foram estas
dificuldades que evidenciaram os desafios de se elaborar uma pesquisa.

A experiência de ir a campo e realizar as entrevistas foi crucial para o avanço


da pesquisa e das descobertas feitas no Terminal. Inicialmente, este trabalho seria
produzido somente com base nas observações e diários de campo, o que já seria
válido, mas conforme a pesquisa foi se desenvolvendo, se fez necessário um
contato mais próximo com as pessoas que transitam por este espaço-lugar, como
apreender os significados do Terminal sem conversar com as pessoas? Foi a partir
das falas e narrativas que se pode identificar que cada grupo atribui significados
diferentes a um mesmo espaço.
Como se pôde observar, as relações sociais existentes no Terminal, estão
condicionadas pela ordem vigente neste ambiente e em sua maioria são
temporárias, frágeis e impessoais e geralmente duram o tempo da chegada e partida
dos ônibus. Por estar localizado em uma área comercial, este espaço-lugar atrai
muitas pessoas, inclusive muitos dos comércios e camêlos que existem na região se
113

instalaram na área após a construção do Terminal Urbano, o que gerou um local em


que convergem diversas de pessoas, para diferentes fins.
Em relação a hipótese desta pesquisa observou-se através da investigação
empírica que as significações dependem mais do uso que as pessoas fazem do
Terminal Urbano, do que das relações sociais que elas estabelecem. Assim, se um
estudante utiliza o Terminal como meio para se locomover pela cidade, sem
necessariamente estabelecer relações duradouras neste espaço-lugar, o significado
do Terminal para ele se restringe ao transporte. Em contrapartida, para os jovens
que mantém relações sociais, interagindo nas rodinhas de amigos e colegas este
espaço pode ser encarado como um ponto de encontro, em que se conversa, se
diverte e encontra os amigos. Desse modo, de acordo com estes achados da
pesquisa a hipótese de que os significados se dão a partir das relações sociais foi
refutada.
Sendo assim, os significados tidos a partir dos usos das pessoas neste
espaço-lugar, dizem mais sobre o Terminal do que as relações sociais, pois as
pessoas podem ou não as estabelecer, diferente das significações que são
concebidas a partir do modo como elas utilizam este local. É válido salientar que
mesmo que os significados se deem pelo uso, se as relações estabelecidas são
duradouras e pessoais, provavelmente haverá significados mais afetivos, já as
relações frágeis induzem a significados mais direcionados para o uso primordial do
espaço, que se referem a necessidades econômicas e de transporte.

Portanto, a realização desta pesquisa se deu pelo interesse em desmistificar


os usos deste espaço-lugar, ele não é só um não-lugar que propicia o transporte, é
também um meio de sustento, um trabalho, um ponto de encontro, o lugar da arte de
rua, um espaço de luta, um local para informar e conscientizar e um espaço que
reproduz desigualdades, o Terminal pode ser tudo aquilo que as pessoas
conseguirem apropriar neste espaço, sendo este, um tema suscetível de novas
análises e percepções, a partir de outras teorias e caminhos de pesquisa.

Diante deste espaço-lugar que é o encontro entre a ordem e o caos, cabem


nele vendedores ambulantes, estudantes, trabalhadores, mata-gatos, pedintes e
deficientes, este é o espaço da diversidade, onde se devem celebrar as diferenças e
lutar por um espaço-lugar cada vez mais democrático, permitindo que todas as
características que o tornam um caos sejam aspectos a serem melhorados, para
114

que as pessoas futuramente sintam prazer em estar no Terminal, e tenham interesse


em conhecer pessoas, conversar e se divertir enquanto esperam os ônibus,
ampliando com isso a percepção das futuras gerações para a construção de novos
significados enquanto potencial emancipador deste espaço-lugar que se constitui
modernamente o Terminal Urbano Francisco Alves Ribeiro na contemporaneidade
amazônica indicando por fim que este segue enquanto um espaço social estratégico
na produção e reprodução dos sentidos e significados enquanto simbolização
espontânea do espaço social de forma mais ampla no cotidiano da cidade.
115

REFERÊNCIAS

AC 24 HORAS. ‘Mata-gatos’ são retratados em vídeo humorado produzido por


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