Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Robert E. Park
Tradução de Mauro Guilherme Pinheiro Koury
Abstract: Migrations, with all the incidental collision, conflicts, and fusions of peoples and
of cultures which they occasion, have been accounted among the decisive forces in history.
Every advance in culture, it has been said, commences with a new period of migration and
movement of populations. Present tendencies indicate that while the mobility of individuals
has increased, the migration of peoples has relatively decreased. The consequences,
however, of migration and mobility seem, on the whole, to be the same. In both cases the
"cake of custom" is broken and the individual is freed for new enterprises and for new
associations. One of the consequences of migration is to create a situation in which the
same individual-who may or may not be a mixed blood-finds himself striving to live in two
diverse cultural groups. The effect is to produce an unstable character-a personality type
with characteristic forms of behavior. This is the "marginal man." It is in the mind of the
marginal man that the conflicting cultures meet and fuse. It is, therefore, in the mind of the
marginal man that the process of civilization is visibly going on, and it is in the mind of the
marginal man that the process of civilization may best be studied. Keywords: migrations,
marginal man, conflicting cultures, process of civilization
Publicado originalmente sob o título “Human migration and the marginal man”. The American Journal
of Sociology, v. 33, n. 6, p. 881-893, May, 1928. A Sociabilidades Urbanas Revista de Antropologia e
Sociologia agradece a autorização para a tradução e publicação em português.
115
1
David Hume (1711-1776) filósofo, historiador e ensaísta britânico, nascido na Escócia, que se tornou
célebre por seu empirismo radical e seu ceticismo filosófico. [Nota do tradutor].
2
Anne Robert Jacques Turgot (1727-1781). Economista e estadista francês cuja obra é considerada um elo
entre a fisiocracia e a escola britânica de economia clássica. (Nota do tradutor]
que ele não se encontra enlaçado, - como os outros estão, - pelas convenções e acordos
locais. "Ele é o homem mais livre, prática e teoricamente. Ele vê a sua relação com os
outros com menos preconceito; ele os submete a padrões mais gerais, mais objetivos, e
não se encontra confinado em sua ação por costume, piedade ou precedentes".
O efeito da mobilidade e da migração é o de secularizar as relações
anteriormente sentidas como sagradas. Pode-se descrever o processo, em seu duplo
aspecto, ou seja, como secularização da sociedade e como individuação da pessoa. Para
uma imagem breve, vívida e autêntica da forma como a migração do tipo anterior, - a
migração de um povo, - de fato, provocou a destruição de uma civilização precedente e
liberou os povos envolvidos para a criação de uma civilização posterior, - uma
sociedade mais secular e mais livre, - sugiro a Introdução de Gilbert Murray (1907) para
o seu livro The Rise of the Greek Epic, em que procura reproduzir os eventos da invasão
nórdica da região do Egeu.
O que se seguiu, diz ele, foi um período de caos:
Um caos no qual uma civilização antiga é quebrada em fragmentos, suas leis
são nulas, e a intrincada rede de expectativas normais, que forma a própria
essência da sociedade humana, despedaçada tantas vezes e de forma tão
profunda, por contínuos desapontamentos que, finalmente, deixa de haver, de
modo absoluto, qualquer expectativa normal. Para os colonos fugitivos pelas
margens que seguiram para Ionia, e a seguir, também, para Doris e Aeolis,
não havia deuses tribais ou obrigações tribais, porque não havia tribos. Não
havia leis antigas, porque não havia ninguém para administrar e nem mesmo
para lembrá-las; apenas as compulsões que o poder mais forte do momento
resolveu impor. A vida familiar e a família haviam desaparecido, com todos
seus incontáveis laços. O homem, agora, não estava mais vivendo com uma
esposa de sua própria raça, mas com uma mulher estranha e perigosa, de
linguagem e de deuses alienígenas, a mulher cujo marido ou pai talvez
tivesse sido assassinado ou, na melhor das hipóteses, que havia sido
comprado como escravo pelo assassino. O velho lavrador ariano, como
veremos a seguir, viveu com seus rebanhos em uma espécie de conexão
familiar. Quando ele matava o "seu irmão o boi", por estresse ou por razões
religiosas, esperava que suas mulheres o chorassem quando o assassinato era
realizado. Mas, agora, ele deixou o seu próprio rebanho longe, e este foi
devorado por inimigos. E, a partir de então, ele viveu com animais de
estranhos, de quem roubou ou se manteve em servidão. Ele deixou os
túmulos de seus pais, os fantasmas bondosos de seu próprio sangue, que
colheram a comida de sua mão e o amaram; e agora estava cercado pelos
túmulos de mortos estranhos, de fantasmas estranhos cujos nomes não ele
conhecia e que estavam além de seu poder de controle, e a quem aplacar com
medo e aversão. O único fato concreto a seguir, a partir de agora, como o
centro de sua fidelidade, era o de abastecer o lugar de seu antigo coração
familiar, seus deuses, seus costumes tribais e santidades. Era um circuito de
muros de pedras, uma Polis; o muro que ele e seus companheiros, homens de
diversas línguas e cultos unidos por uma tremenda necessidade, construíram
para ser a única barreira entre eles e um mundo de inimigos (Murray, 1907,
p. 78-79).
Foi no interior dos muros da polis e nessa companhia mista que a civilização
grega nasceu. Todo o segredo da vida grega antiga, a sua relativa liberdade das
superstições mais grosseiras e do medo dos deuses, está ligada, dizem-nos, com esse
período de transição e caos, no qual o mundo primitivo anterior pereceu e da qual uma
mais livre, e mais esclarecida ordem social surgiu. O pensamento foi emancipado, a
filosofia nasceu e a opinião pública se estabeleceu como uma autoridade contra a
tradição e o costume. Como Arnold Guyot, em seu Earth and Man (1857), citado por
Thomas (1921, p. 205), diz: "O grego com seus festivais, suas canções, suas poesias,
5
Christian Johann Heinrich Heine (1797-1856). Poeta romântico alemão, conhecido como “o último dos
românticos”. [Nota do tradutor].
Oppenheimer, Franz. The State: Its History and Development Viewed Sociologically
Indianapolis: The Bobbs-Merrill, 1914.
Park, Robert E. Racial Assimilation in secondary groups with particular reference to the
negro. American Journal of Sociology, v. 19, n. 5, p. 606-623, 1914.
Simmel, Georg. Zociologie, Berlin: Duncan and Humblot. 1908.
Sorel, Georges. Reflections on Violence. New York: B.W. Huebsch, 1914.
Teggart, Frederick J. Theory of History. New Haven, CT: Yale University Press, 1925.
Thomas, Franklin. The Environmental Basis of Society. A Study in the History of
Sociological Theory. New York: The Century Co., 1921.
Waitz, Theodor. Introduction to Anthropology, London: Longman, Green, Longman
and Roberts, 1863.