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A responsabilidade contratual vem regulada nos art. 798º e ss, no campo do incumprimento
e mora, enquanto que a extracontratual encontra guarida própria no Capítulo fontes das
obrigações, art. 483º e ss.
Para além de os efeitos serem comuns (art. 562º) e de a culpa dever ser apreciada nos
mesmos termos, os da responsabilidade civil (799º, 2 e 487º, 2, bom pai de família, embora na
contratual o ónus da prova recaia sobre o devedor - 799º, 1, e na extracontratual caiba ao lesado,
salvo beneficiando de presunção legal de culpa, provar a culpa do autor da lesão - 487º, n.º 1) - o que
leva a que se reúna na obrigação de indemnizar - 562º e ss - as regras comuns da causalidade
entre o facto e o dano, cálculo e formas de indemnização, também o mesmo acto pode envolver para
o agente, simultaneamente, responsabilidade contratual (por violar uma obrigação) e
responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever geral de abstenção ou o
direito absoluto correspondente). Será o caso do motorista que, com culpa e no mesmo acidente,
provoca ferimentos nos passageiros que contratualmente transporta - contratual - e nos transeuntes
que atropela - extracontratual.
... parece que perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as duas
espécies de responsabilidade civil, de harmonia com o assinalado princípio, o facto tenha, em primeira
linha, de considerar-se ilícito contratual. Sintetizando: de um prisma dogmático o regime da
responsabilidade contratual «consome» o da extracontratual. Nisto se traduz o princípio da
consumpção - BMJ 468-407.
Vaz Serra (RLJ 102-312 e 313) ensina: «a solução que se afigura preferível é a de que são
aplicáveis as regras de ambas as responsabilidades, à escolha do lesado, pois a solução contrária
representaria para este um prejuízo grave quando as normas da responsabilidade extracontratual lhe
fossem favoráveis, e não é de presumir que ele tenha querido, com o contrato, afastá-las, não sendo
mesmo válida uma convenção prévia de exclusão de algumas delas... A responsabilidade contratual
não exclui a delitual».
Exemplos - Rebentamento de cilindro solar que provoca danos na casa: duas indemnizações
(uma referente ao equipamento danificado e outra aos danos na habitação), duas responsabilidades
(contratual e extra contratual) e dois prazos de prescrição ou caducidade (prazo ordinário de 20 anos
pelos danos na habitação e do art. 921º, nº 3, do CC, quanto à venda, podendo esta ser impedida pelo
reconhecimento do direito pelo obrigado – 325º, nº 1 e 331º, nº 2 CC - 92-I-237; de garrafa de gás
doméstico (Ac. STJ 8.5.2003, P.º 03B1021). Resp. contratual e extra contratual em contrato de
empreitada para construção de muro de suporte que, por violação das normas de segurança na
construção (RGEU ou impostas pelas autarquias) acaba por ruir e provocar danos - BMJ 370-529.
1
Julgou-se não ocorrer caducidade (1220º e 1225º, na redacção então vigente) pela empreitada mas
ser, antes, aplicável a prescrição do nº 1 do art. 498º cujo prazo ainda não decorrera.
I - O facto de se celebrar um contrato de transporte em navio não significa que todo e qualquer dano causado ao
transportado na ocasião do transporte deva ter solução jurídica com base nas normas da responsabilidade contratual.
II - A circunstância de ter ocorrido lesão do direito à saúde (os direitos absolutos, como a saúde e a vida, gozam
de protecção legal, não necessitando de contrato para a sua protecção) do transportado na fase do cumprimento do
contrato de transporte (por o navio, indo das Berlengas para Peniche, ter colidido com uma traineira, de tal colisão
resultando danos para o passageiro autor na acção) não é suficiente para descaracterizar o tipo de responsabilidade civil
que recai sobre o transportador nem impede a aplicação das regras relativas à responsabilidade civil extracontratual por
factos ilícitos, incluindo as relativas à prescrição – Ac. do STJ, 13.2.01, Col. STJ 01-I-117.
Outras diferenças
2
A tendência actual da doutrina vai no sentido da unificação das duas espécies de
responsabilidades - Calvão da Silva, Pedro Albuquerque e Meneses Cordeiro, citados no BMJ
445-492.
Funções da responsabilidade civil:
A) - Por Culpa
Tanto pode ser um facto positivo, acção, como traduzir-se num facto negativo, abstenção
ou omissão. Mas neste caso, só quando havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever
de praticar o acto omitido - 486º.
É o caso do doido que foge do hospital - que o devia vigiar - em que estava internado e é
atropelado (Bol. 349-516), da falta de vedação em obra de construção civil (BMJ 300-391), da
empresa de alarmes que não providenciou em caso de assalto (Col. 94-5-223) do cão que,
atropelado na auto-estrada, provoca danos no automóvel (Ac. do STJ, na Col. Jur. STJ 2004-II-96
e 2006-I-56), por pedras ou areia (Col. 96-4-149 e 197), por poça de água e consequente despiste
do carro (Col. 97-2-32). Sendo a notícia veiculada por um órgão de informação audiovisual
(televisão), são igualmente responsáveis por ela o produtor do programa e o director de informação,
apesar de não terem conhecimento da notícia por, ao contrário do que deviam, não terem pré-
visionado a informação – Col. STJ 01-III-21 (caso Subtil).
«Do princípio de neminem laedere pode deduzir-se um dever geral de absten ção de
actos lesivos, mas a omissão de um dever de actuação só releva quando este dever de agir
for imposto, por lei ou convenção, a alguém que se coloca, relativamente a um certo
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resultado, numa posição de garante do artigo 486º do Código Civil » (O Concurso de Títulos de
Aquisição da Prestação, págs. 323 a 324).
Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por causas de
força maior ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas ou forças naturais invencíveis.
«Segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, «todo o indivíduo tem
direito à vida [...]» (artigo 3.°) e «toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a
saúde e o bem-estar, principalmente quanto [...] ao alojamento […]» (artigo 25.°, n.º 1), e, como resulta do disposto no
artigo 16.° (hoje, art. 8º) da Constituição da República Portuguesa, estes textos estão integrados no ordenamento jurídico
português, o mesmo acontecendo com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13
de Outubro, cujo artigo 2.°, n.º 1, dispõe que «o direito de qualquer pessoa à vida é protegido por lei [...]».
Mas também a nossa Constituição preceitua que a integridade moral e física das pessoas é inviolável (artigo
215.°, n.º 1), que todos têm direito à protecção da saúde (artigo 64.°, nº 1) e que todos têm direito a um ambiente de vida
humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66.°, n.º 1).
Estamos perante direitos fundamentais, porque figuram entre os direitos, liberdades e garantias (capítulo I do
título II da parte I) ou porque são direitos fundamentais de natureza análoga (artigo 17.° da Constituição), de natureza
social (capítulo II do título III); e é indiscutível que o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono se insere no direito à
integridade física e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, enfim ao direito à saúde e à
qualidade de vida.
Por sua vez, no artigo 70.°, n.º 1, do Código Civil a lei protege os indiví duos contra qualquer ofensa ilícita ou
ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
E também a Lei n.º 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), estabelece que todos os cidadãos têm direito
a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado (artigo 2.°, n.º 1), que a luta contra o ruído visa a salva guarda da
saúde e bem-estar das populações e se faz, além de outras medidas, através da adopção de medidas preventivas para a
eliminação da propagação do ruído exterior e interior, bem como das trepidações [artigo 22.°, n.º 1, alínea f)], e ainda que
existe obrigação de indemnização, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos
no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável (artigo
41.°, n.º 1).
E não pode, finalmente, esquecer-se o artigo 483.° do Código Civil, segundo o qual aquele que, com dolo ou
mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica
obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Tanto a doutrina como a jurisprudência têm convergido nesta orientação (ver, quanto aos direitos fundamentais
constitucionalmente consagrados, Castro Mendes, Estudos Sobre a Constituição, vol. I, págs. 103 e segs.; Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, tomo IV, págs. 55, 56, 136 e segs. e 471 e segs.; J. J. Gomes Canotilho, Direito
Constitucional, edição de 1991, págs. 532 e segs. e 565 e segs.; quanto aos direitos de personalidade e sua ofensa através
do ruído, ver Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103.°, págs. 374 e segs.; Heinrich Ewald Horster,
Teoria Geral do Direito Civil, págs. 257 e segs.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., pág.
104; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, de 17 de Março de 1994, de 21 de Setembro de
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1993, de 16 de Abril de 1991, de 13 de Março de 1986, de 4 de Julho de 1978 de 28 de Abril de 1977, em respectivamente
Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1995, tomo I, pág. 155, Novos Estilos, Março de
1994, pág. 61, Colectânea de Jurisprudência, 1993, tomo III, pág. 26; Boletim do Ministério da Justiça, n.º 406, pág. 623, n.º
355, pág. 356, n.º 279, pág. 124, n.º 266 pág. 124).
De qualquer modo, no campo da lei ordinária, há um texto atinente à colisão de direitos, o artigo 335.° do Código
Civil, que dispõe:
1 - Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os direitos ceder na medida do necessário
para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
2 - Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.
Ora, no nosso caso, temos, de um lado, um direito à integridade física, à saúde, ao repouso, ao sono, e, de outro,
um direito de propriedade ou, se se quiser, um direito ao exercício de uma actividade comercial e não temos dúvida que
aquele primeiro direito, gozando da plenitude do regime dos direitos, liberdades e garantias (artigo 19.°, n.º 6, da
Constituição), é de espécie e de valor superior aos segundos, os quais são direitos fundamentais que apenas beneficiam
do regime material dos direitos, liberdades e garantias (Jorge Miranda, ob. cit., págs. 145 e 146; J. J. Gomes Canotilho, ob.
cit., pág. 538).
Assim, há que dar prevalência ao direito à integridade física, ao repouso, à tranquilidade, ao sono, como, de
resto, a doutrina e a jurisprudência vêm defendendo (Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103.°,
págs. 374 e segs.; Cunha de Sá, Abuso de Direito, págs. 528 e 529; Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da
Responsabilidade Civil, pág. 201; os já citados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1978, de 13 de
Março de 1986, de 17 de Março de 1994 e de 26 de Abril de 1995).
À luz do que se acaba de dizer e atentos os factos provados, nomeadamente os supra-incluídos nos n.os 2, 4, 5,
6, 7, 9 e 10, afigura-se-nos indiscutível a obrigação de o réu indemnizar os autores, por se terem provado, contrariamente
ao afirmado pelo recorrente, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a saber: o facto, a ilicitude, a
imputação do facto ao lesante sob a forma culposa, o nexo de causalidade entre o facto e o dano».
b) - Violação de lei que protege interesses alheios, de leis que não conferem um direito
subjectivo a essa tutela - leis penais, de trânsito, de certas actividades como a construção civil,
electricidade, elevadores cuja porta abre sem que o elevador se encontre nesse patamar ( BMJ 412-
438), leis administrativas - que visam principalmente a protecção de interesses colectivos, como a
concorrência, a saúde pública, mas não deixam, também, de atender aos interesses particulares de
indivíduos ou de grupos e visam prevenir o simples perigo de dano, em abstracto.
5
2º - Q ue a tutela dos interesses particulares figure entre os fins da norma violada,
não seja mero reflexo dos interesses colectivos. Será este o caso de um electricista que morre
electrocutado quando fazia uma ligação eléctrica e os familiares pretendiam valer-se do Regulamento
de Segurança das I. U. E. (BMJ 453-484).
3º - Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa
tutelar. Não haverá responsabilidade se o ilícito - queda de cimento - ocorre em espaço vedado ao
público ou reservado a certas pessoas que não o lesado - estacionamento de médico em lugar
reservado à direcção da clínica.
«O terceiro requisito não se verifica, por ex., quando uma postura administrativa manda iluminar determinados
recintos, para protecção dos operários que laboram em certas fábricas ou das crianças que frequentam certa escola, e a
falta de iluminação vem a causar danos em pessoas estranhas que pelo recinto circulam indevidamente;
…
«Em tese geral, dir-se-á que «a omissão é causa do dano sempre que haja o "dever jurídico de praticar um acto"
que, seguramente ou muito provavelmente, teria "impedido a consumação" desse dano».
Por outras palavras: «as omissões só geram responsabilidade civil, «desde que (...) se verifique um pressuposto
específico», que é a existência de «um dever jurídico da prática do acto omitido» e, designadamente, desde que esteja
presente o nexo de causalidade, por forma a que possa afirmar-se que o acto omitido teria «seguramente ou com a maior
probabilidade obstado ao dano» (cfr. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., págs. 545/ /546, Almeida
Costa, "Direito das Obrigações», 7ª ed., pág. 485, e Pedro Nunes de Carvalho, "Omissão e Dever de Agir em Direito Civil",
Coimbra, 1999, págs. 115, 116 e 137).
No nexo de imputação entre o facto e o dano, a ligação é feita mediante um nexo de adequação do resultado
danoso à conduta.
Tem-se entendido que o nosso Código Civil adoptou, no seu art. 563°, a designada doutrina da causalidade
adequada, ao prescrever que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente
não teria sofrido se não fosse a lesão».
Nas elucidativas palavras de Galvão Teles - citado por Pires de Lima/Antunes Varela, in "Código Civil Anotado",
vol. I, 4.ª ed., pág. 578 -, «determinada acção ou omissão será causa adequada de certo prejuízo se, tomadas em conta
todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão
se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades
de o originar».
Daqui resulta, pois, que, de acordo com a teoria da adequação, «só deve ser tida em conta como causa do dano
aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o
agente (tendo em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou
adequada a produzir esse dano»
Mas para que um facto deva considerar-se causa (adequada) daqueles danos sofridos por outrem é preciso que
tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se, assim, que o julgador se coloque na
situação concreta do agente para a emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e
aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria.
Trata-se daquela operação que costuma designar-se por "prognose póstuma" ou "juízo abstracto de adequação"
e com ela pretende evitar-se que se responsabilize o agente por danos que se produziriam em consequência de um
conjunto de circunstâncias atípicas, anormais e imprevisíveis, que não conhecesse ou podia conhecer (cfr. Antunes Varela,
op. cit., págs. 908 e 909 e Pedro Nunes de Carvalho, op. cit., págs. 57 e 58).
…
Voltando à questão que nos ocupa e subsumindo aqueles factos ao direito assim interpretado, concluímos
falharem aqui três dos cinco requisitos da responsabilidade por culpa – única a considerar na circunstância – e
consequente obrigação de indemnizar.
Falta a culpa da Ré porque não lhe é imputável a ausência, no momento do acidente, das tábuas que, pregadas
aos grampos, constituíam os legais guarda-corpos, desde o assentamento das pedras nos degraus das escadas até ao dia
do acidente. Tanto mais que o edifício estava fechado e o acesso era reservado, com a chave na mão do arvorado da Ré,
aos trabalhadores das montagens eléctricas ou da Constropraia que haviam assentado as pedras nos degraus e ultimavam
as obras na ombreira da porta da cave.
Também falta o terceiro requisito especial da ilicitude: a infeliz vítima entrou indevidamente no edifício em que
encontrou a morte. Foi-lhe dito que o prédio em que podia ver o assentamento das pedras nos degraus era o B5, único
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simétrico do B3 em que os seus empregados trabalhavam em idêntico assentamento. A protecção das escadas imposta
pela lei não se destina a acautelar quem entra num prédio sem autorização, quem ali circula indevidamente. Protege
estranhos à obra, é certo, mas quando aí se encontrem devidamente, quando o responsável o possa avisar dos perigos
possíveis.
Por fim, está ausente a relação de adequação entre a (temporária) falta de guarda-corpos naquele lanço de
escadas e a queda do infeliz José Rodrigues. Como se viu, o quesito 5º mereceu resposta fortemente restritiva,
precisamente retirando-se-lhe as palavras desequilibrou-se e, não tendo guarda alguma a que se apoiar. Ou seja, resultou
improvado que a queda se tenha ficado a dever ao facto de o José Rodrigues não ter guarda alguma a que se apoiar» - Ac.
STJ na revista 299.07 – 6ª secção.
484º - Col. STJ 99-I-120 a 122, com estudo da ofensa do direito de personalidade através
de imprensa, direito ao bom-nome e dever de informar, direito de liberdade de imprensa:
8 - O art. 70º do C.C. estatui, no seu n˚ 1: "A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de
ofensa à sua personalidade física ou moral".
E no seu n˚ 2 inclui expressamente a responsabilidade civil entre os meios gerais de tutela de personalidade
física ou moral — sobre a fonte deste artigo, ver os citados Ac. S.T.J., Bol. 448 e 450, por nós relatados.
O nosso legislador recorreu à "cláusula geral" — personalidade física ou moral — para a protecção de cada
indivíduo encontrar apoio legal, dada a crescente e imprevisível mutação de vida, em face da visão actualista inserida no
art. 9º, n˚ 1, do C. C.
A personalidade é o bem jurídico, unitário e globalizante, protegido pelo art. 70º.
Diremos com o Dr. Capelo de Sousa — ob. cit., pág. 117:
"Poderemos definir positivamente o bem de personalidade humana juscivilisticamente tutelado, como o real e
potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos
bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientalmente integrado".
O objecto do direito geral de personalidade é a personalidade de titular desse direito.
Estamos frente a um bem jurídico global, unitário, complexo e coerente.
O seu conteúdo traduz-se naquele conjunto de faculdades contidas no poder jurídico, veiculadas por meios
jurídicos de agir postos na disponibilidade do sujeito, visando a realização do seu interesse.
Poder projectado no uso e fruição da sua personalidade, exigindo dos outros sujeitos oriundos da relação jurídica
— como conjunto de faculdades unificadas — a abstenção de praticar actos que ilicitamente ofendem ou ameacem aquela
personalidade, sob pena de aplicabilidade do estatuído no n˚ 2 do art. 70º.
Não estamos perante um conceito superior, com mera função de ordenação, como sustenta Esser.
Mas sim perante um direito geral de personalidade recebido no art. 70º, como lex generalis.
Aí se recebe e protege o homem com o seu direito à diferença, projectada em concepções e daí actuações
próprias.
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O seu conteúdo normativo está delimitado "pelos efeitos de negócios jurídicos emergentes da autonomia privada,
por direito de outrem, por deveres do seu titular, pelas regras da colisão de direito, pela ponderação das causas
justificativas de ilicitude e de culpa e pela não indemnizabilidade dos danos não patrimoniais sem gravidade" - Dr. Capelo e
Sousa, ob. cit. pág. 607, em nota.
O objecto do direito geral de personalidade é a personalidade de titular desse direito.
Estamos frente a um bem jurídico global, unitário, complexo e coerente.
O seu conteúdo traduz-se naquele conjunto de faculdades contidas no poder jurídico, veiculadas por meios
jurídicos de agir postos na disponibilidade do sujeito, visando a realização do seu interesse.
Poder projectado no uso e fruição da sua personalidade, exigindo dos outros sujeitos oriundos da relação jurídica
— como conjunto de faculdades unificadas — a abstenção de praticar actos que ilicitamente ofendem ou ameacem aquela
personalidade, sob pena de aplicabilidade do estatuído no n˚ 2 art. 70º.
9 - A noção de direito subjectivo já se encontrava implicitamente no Direito Romano, sem que este a tenha
teorizado Puig Brutau, Introducción al Dereccho Civil, 1980, pág. 259.
Por exaltação renascentista da pessoa humana e impulso dos jusnaturalistas, plasmou-se nas doutrinas liberais
que inspiraram o Código Napoleónico.
O nosso C.C. de 1867, na esteira da teoria da vontade de Savigny, definiu-o, no art. 2º como "a faculdade moral
de praticar ou deixar de praticar certo facto".
O actual de 66º não define direito subjectivo.
E bem.
Com efeito, a definição como noção geral de cada instituto ou figura, constituindo preceitos vinculativos do
"operador" do direito, ao delimitar o âmbito de aplicação dos respectivos regimes legais, toma o aspecto de texto didáctico,
que não se compatibiliza com a dinâmica da vida.
E com maior gravidade vai apresentar uma teorização, que compete prima facie à jurisprudência e à doutrina.
Doutrina que está profundamente dividida quanto à noção de direito subjectivo — Ver Dr. Capelo de Sousa, ob.
cit., págs. 606 a 619.
Facilmente poderemos aderir à dada pelo Prof. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, 1996, Vol II,
pág. 457 — ali não referida, até por ser de data posterior — como "o poder jurídico de realização de um fim de determinada
pessoa, mediante a afectação jurídica de um bem".
Estamos perante um poder do respectivo titular de se "dirigir ao juiz para obter o seu reconhecimento e obrigar
terceiros a adoptar um comportamento que o respeite".
Foi isto que fez o A, em defesa da sua dignidade, da sua honra.
A honra é o bem jurídico afectado pelo art. 70º do C.C. à tutela jurídica civilística, dando-lhe intenção axiológico-
normativa própria e válida.
Sem que haja taxatividade de modos típicos da sua violação: "qualquer ofensa" - n˚ 1 art. 70º.
O que se projecta numa especial ponderação por parte do juiz ao apreciar a matéria fáctica, dada a sua intrínseca
maior complexidade valorativa.
10 - A tutela civil incorporada neste art. 70º consubstancia-se no direito de exigir do R. infractor responsabilidade
civil, nos termos dos arts. 483º e 484º.
Precisamente por o direito geral de personalidade ser um direito subjectivo, pessoal absoluto.
Para além dos dois tipos de situação de responsabilidade civil enumerados no n˚ 1 do art. 483º (grundbstände) —
violação dos direitos de outrem e violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios (em recepção
diferente art. 1.382º do C.C. Francês e 2.043º do C.C. Italiano, sistema de dupla cláusula geral e § 823 do C.C. Alemão —
sistema (de tatbestände), o nosso legislador recebeu uma série de previsões particulares (Sondertsbestände).
Estas concretizam ou completam aquelas.
São as insertas nos arts. 484º, 485º e 486º - Prof. A. Varela, Obrigações I, 9ª ed., pág. 508 e P. Jorge - Ensaio
sobre os Pressupostos de Responsabilidade Civil, pág. 308 e ainda nos arts. 491, 492 e 493 - Prof. M. Cordeiro,
Obrigações II, págs. 351 e 352.
Assim, a ofensa ao bom-nome prevista no art. 484º é um caso especial de facto antijurídico definido no art. 483º.
Daí a sua subordinação ao princípio geral inserto no art. 483º.
11 - Foi na 2ª Revisão Ministerial que no art. 483º se introduziu a palavra "ilicitamente", hoje incluída no art. 483º.
É que, anteriormente, quer no Anteprojecto do Prof. Vaz Serra, Bol. 92, pág. 37 — onde se empregava o advérbio
"antijuridicamente", quer na 1ª Revisão — onde este desapareceu — não se fazia referência ao carácter "ilícito" da conduta.
A antijuridicidade decorre da violação do direito de outrem, ou de qualquer disposição legal destinada a proteger
interesses alheios.
"É antijurídica a conduta que ameace lesar o crédito e o bom-nome" — Prof. A. Varela, ob. cit., vol. I, pág. 567 e
Prof. Pires Lima e A. Varela — Anotado, 4ª ed., pág. 486.
8
A ilicitude circunscreve-se mais directamente à ausência de uma causa de justificação.
Traduzida em comportamento que vai de encontro ao estatuído numa norma jurídica.
Com a ressalva de eventual existência de uma causa de justificação — art. 483º, n˚ 1 — Ac. S.T.J. de 98/09/03,
Proc. 803/98, por nós relatado.
Ou seja, a "ilicitude traduz a reprovação da conduta do agente, embora no plano geral e abstracto em que a lei se
coloca, uma aproximação da realidade" — Prof. A. Varela, Obrigações, vol. I, 9ª ed., pág. 562.
A violação do direito de personalidade, com efeito, pode ser afastada quando o facto do lesante é praticado no
exercício regular de um direito, no cumprimento de um dever, em acção directa, em legítima defesa ou com o
consentimento do lesado — Ac. do S.T.J. já citado, Bol. 450, pág. 429.
Os RR. sempre sustentaram que na elaboração do programa do Telejornal em apreço foram respeitadas todas
as regras deontológicas da profissão de jornalista, não havendo outra finalidade que não fosse a de informar, com verdade
e isenção.
Levantaram o melindroso problema prático e actual da difícil convivência entre o direito da liberdade da
comunicação social e o constitucional e absoluto direito ao bom-nome e reputação — ver Ac. do S.T.J. de 26/04/94; Col.
Jur. do S.T.J., 1994, Ano II, Tomo II, pág. 54; de 29/10/96, Col. Jur., S.T.J, 1996, Ano IV, Tomo 111, pág. 80 e de 27/05/97,
Col. Jur., S.T.J., 1997, Ano V, Tomo II, pág. 102.
No sumário daquele acórdão de 29/10/96 escreveu-se "o direito de liberdade de expressão e informação, não
pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom-nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos,
ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade
e da alegação e todo o circunstancialismo concorrente, tal direito pode prevalecer sobre o direito ao bom nome e
reputação".
Correcto.
Só que no caso em apreço a matéria fáctica provada atrás descrita, não só não favorece a tese dos recorrentes,
que encontraria apoio naquele aresto, como, pelo contrário, até comprova o alegado pelo A.
Efectivamente o que muito sinteticamente se provou é que os RR. quiseram transmitir informação com
identificação dos detidos e dos proprietários dos "stands") não contida em comunicado oficial, que já oportunamente
conheciam (onde havia omissão de identificação dos detidos e dos proprietários dos "stands", estabelecendo, desta forma,
uma conexão não verdadeira entre o A. como proprietário dos "stands" e os factos relatados.
9
Daí que se repute equilibrado o montante de 3.000.000$00 com quantum indemnizatório pelos danos não
patrimoniais sofridos pelo A.
13 — Termos em que, concedendo-se em parte a revista, condena-se os RR. a pagar ao A. a indemnização no
montante de 3.000.000$00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A., acrescida de juros moratórios desde a citação e
bem assim à publicação desta decisão, nos termos do art. 54º da Lei de Imprensa, absolvendo-os quanto ao pedido
referente aos peticionados danos patrimoniais.
Custas por A. e RR., respectivamente, na proporção de 2/5 e 3/5.
10
Assim, também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem expressa o limite ao direito de expressão e de
informação pelo direito de personalidade, incluindo, naturalmente, a honra e a reputação.
A propósito da liberdade de expressão e informação, estabelece a Constituição Portuguesa, além do mais, por um
lado, ser a República Portuguesa baseada na dignidade da pessoa humana (artigo 1º).
E, por outro, no que concerne ao direito de integridade pessoal, estabelece que a vertente moral das pessoas é
inviolável e que a todos é reconhecido o direito ao bom-nome e reputação (artigos 25º, nº 1, e 26º, nº 1).
Quanto à liberdade de expressão, expressa a Constituição, por um lado, que todos têm o direito de exprimir e de
divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de
informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
E, por outro, que a todas as pessoas, singulares ou colectivas é assegurado, em condições de igualdade e
eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (artigos 37º, nºs 1
e 4).
A liberdade de expressão e de informação e o direito à integridade pessoal inscrevem-se no capítulo dos direitos
e liberdades e garantias pessoais inserto na Constituição e são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e
as privadas.
Mas não se trata de direitos absolutos, porque a lei ordinária pode restringi-los nos casos expressamente
previstos na Constituição e em termos de se limitarem ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos (artigo 18º, nºs 1 e 2).
O direito ao bom nome e reputação consiste, essencialmente, em a pessoa não ser ofendida ou lesada na sua
honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa
ofensa e a obter a correspondente reparação.
No plano da lei portuguesa de origem interna, releva o Estatuto dos Jornalistas, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13
de Janeiro.
São jornalistas os que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem funções de pesquisa,
recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados à divulgação
informativa, por exemplo, pela imprensa (artigo 1º, nº 1).
Constituem direitos fundamentais dos jornalistas, além do mais, a liberdade de expressão e de criação e de
acesso às fontes de informação e a garantia de sigilo profissional e de independência (artigo 6º, alíneas a) a d)).
A liberdade de expressão e de criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações (artigo
7º, nº 1).
O direito de acesso às fontes de informação é-lhes assegurado, além do mais, pelos órgãos do Estado e das
regiões autónomas que exerçam funções administrativas, e o seu interesse nesse acesso é considerado legítimo nos casos
de direitos dos interessados à informação, de consulta de processos e de passagem de certidões independentemente ou
não de despacho (artigo 8º, nºs 1, alínea a), e 2).
Mas o referido direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os
documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica nem os dados pessoais não públicos dos
documentos nominativos relativos a terceiros (artigo 8º, nº 3).
Salvo o disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação,
e o seu silêncio não é passível de sanção directa ou indirecta (artigo 11º, nº 1).
Independentemente do disposto no respectivo Código Deontológico, constituem deveres fundamentais dos
jornalistas o exercício da sua actividade com respeito pela ética profissional, a informação com rigor e isenção, a abstenção
de formular acusações sem provas, o respeito pela presunção de inocência e a não falsificação de situações com intuitos
de abuso da boa fé (artigo 14º, alíneas a), c) e h)).
As regras deontológicas atinentes à profissão de jornalista constantes do respectivo Código Deontológico,
aprovado pela assembleia geral do Sindicato dos Jornalistas, envolvem, além do mais que aqui não releva, o dever de
relatar os factos com rigor e exactidão, de os interpretar com honestidade, devendo comprová-los, ouvindo as partes com
interesses atendíveis no caso; combater o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas como grave falta
profissional; salvaguardar a presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença; assumir a responsabilidade por
todos os seus trabalhos e actos profissionais; promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou
falsas e não humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor (nºs 1, 2, 5 e 7).
Por seu turno, a Lei de Imprensa - nº 2/99, de 13 de Janeiro - expressa o seguinte, em tanto quando releva no
caso vertente.
O conceito de imprensa abrange as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público,
independentemente dos processos de impressão, reprodução ou distribuição (artigo 9º, nº 1).
As reproduções impressas são periódicas se editadas em série contínua, sem limite definido de duração, sob o
mesmo título, abrangendo períodos determinados de tempo (artigos 10º, alínea a) e 11º, nº 1).
E são informativas se visarem predominantemente a difusão de informações ou notícias, e de informação geral se
o seu carácter for não especializado, e de informação especializada caso se ocupem predominantemente de determinada
matéria, designadamente científica, literária, artística ou desportiva (artigo 13º, nºs 2 a 4).
11
As publicações periódicas devem ter um director, a quem compete, além do mais, orientar, superintender e
determinar o conteúdo da publicação (artigos 19º, nº 1 e 20º, nº 1, alínea a)).
É garantida a liberdade de imprensa, que abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado sem
impedimentos, discriminações ou limitações por qualquer tipo de censura (artigo 1º).
A liberdade de imprensa implica o reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas,
nomeadamente a liberdade de expressão e de criação, de acesso às fontes de informação, o direito ao sigilo profissional e
a garantia de independência e da cláusula de consciência (artigos 2º, nº 1, alínea a) e 22º, alíneas a), b), c) e d)).
O direito dos cidadãos a serem informados é garantido, além do mais, pelo reconhecimento do direito de resposta
e de rectificação e do respeito pelas normas deontológicas no exercício da actividade jornalística (artigo 2º, nº 2, alíneas c)
e f)).
Os limites à liberdade de imprensa são os que decorrem da lei – fundamental e ordinária – de forma a
salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida
privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática (artigo 3º).
Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da
imprensa observam-se os princípios gerais e, no caso de escrito ou imagem inseridos em publicação periódica com
conhecimento e sem oposição do director ou do seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente
responsáveis com o seu autor pelos danos que tiverem causado (artigo 29º).
Assim, a revista em que foi publicada a notícia objecto do recurso integra-se no conceito de publicação
informativa genérica, ou seja, não visa a informação especializada.
À eficácia destes meios de publicação informativa na realização dos fins de comunicação corresponde, como
contraponto, a exigência do máximo rigor e da máxima cautela na averiguação da realidade dos factos que divulgam,
sobretudo quando essa divulgação, pela natureza do seu conteúdo, seja susceptível de afectar o direito ao bom nome e a
reputação social das pessoas em geral, sem exclusão dos próprios falecidos.
O rigor e a objectividade que a lei exige na programação e na informação implica que as empresas que
desenvolvem essa actividade e os jornalistas que nela operem sejam rigorosos e objectivos na averiguação da verdade dos
factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.
O direito à honra, ao bom nome e à consideração social constitui um limite à liberdade de informação e de
imprensa, pelo que, infringindo os jornalistas culposamente e, decorrentemente, as empresas que desenvolvam a
actividade jornalística o dever de rigor e de objectividade de informação, são, em regra, responsáveis pela indemnização ou
compensação dos prejuízos dela decorrentes para outrem.
2.
Prossigamos com a análise da tutela legal geral dos direitos de personalidade.
A igualdade da dignidade da pessoa humana constitui um princípio estruturante da República Portuguesa (artigos
1º e 13º, nº 1, da Constituição).
Nessa conformidade, em contexto de desenvolvimento normativo, estabelece a Constituição, por um lado, ser a
integridade moral das pessoas inviolável, e, por outro, ser a todos reconhecido o direito ao bom nome e reputação (artigos
25º, nº 1 e 26º, nº 1).
Em consonância com as mencionadas normas da Constituição, estabelece a lei ordinária, por um lado, a tutela
penal por via dos tipos criminais de difamação, injúria e de ofensa à memória de pessoa falecida, a que se reportam,
respectivamente, os artigos 180º, 181º e 185º do Código Penal.
E, por outro, prescreve a tutela meramente cível no sentido de a lei proteger os indivíduos contra qulquer ofensa
ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral (artigo 70º, nº 1, do Código Civil).
Trata-se, em qualquer caso, da protecção do direito geral de personalidade, decorrente do nascimento da pessoa
humana, que se desdobra em vários direitos absolutos, oponíveis erga omnes, incidentes, além do mais que aqui não
releva, sobre a honra, a consideração social e o bom nome.
Tem sido considerado nos tribunais, como é o caso do acórdão recorrido, seguindo a doutrina, por um lado,
traduzir-se a honra da pessoa no elenco de valores éticos de cada uma, em que avultam o carácter, a lealdade, a
probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade subjectiva.
E, por outro, traduzir-se a vertente da consideração social no merecimento da pessoa no meio social em termos
de bom nome, de confiança, de estima, de reputação e de dignidade objectiva.
Dir-se-á que o direito ao bom-nome e reputação envolve a proibição da ofensa por outrem à pessoa na sua
honra, dignidade ou consideração social, e à sua defesa, incluindo a vertente da respectiva reparação.
No plano meramente civilístico, único que releva no caso vertente, prescreve a lei, que, independentemente da
responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às
circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (artigo
70º, nº 2, do Código Civil).
12
Assim, neste quadro de estatuição normativa, a tutela sancionatória concernente à referida violação dos direitos
de personalidade é susceptível de ser bifronte, ou seja, por via das mencionadas providências ou através de indemnização
ou compensação no âmbito da responsabilidade civil, ou de ambas em termos de cumulação, conforme os casos.
A imposição de providências tutelares preventivas ou atenuantes da violação do direito de personalidade depende
necessariamente, na espécie, de se tratar, respectivamente, de ameaça de ofensa ou de ofensa já efectivada.
O direito à indemnização lato sensu a que se reporta o normativo em análise depende, como é natural, da
violação ilícita e culposa do direito de personalidade, da existência de dano patrimonial ou não patrimonial e do nexo de
causalidade adequada entre ele e aquele facto (artigos 71º, nº 2, 483º, nº 1, 496º, nº 1, 562º e 563º, do Código Civil).
3.
Façamos agora a análise da particularidade da ofensa à memória das pessoas falecidas.
A a ofensa a pessoas falecidas, para além de integrar o tipo criminal do artigo 185º do Código Penal, a que já se
fez referência, também encontra tutela no artigo 71º do Código Civil.
Expressa o último dos referidos artigos, por um lado, que os direitos de personalidade gozam igualmente de
protecção depois da morte do respectivo titular (nº 1).
E, por outro, terem legitimidade para requerer as providências previstas no nº 2 do artigo anterior o cônjuge
sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido (nº 2).
Recorde-se que o nº 2 do artigo 70º deste Código, para o qual o nº 2 do artigo em análise remete, expressa que,
independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as
providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da
ofensa já cometida.
A doutrina está dividida a propósito da interpretação dos nºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Civil, ou seja, quanto
às questões de saber, por um lado, se a protecção que envolvem se reporta ainda a direitos de personalidade das pessoas
falecidas ou das pessoas a que se refere o último dos mencionados normativos.
E, por outro, na segunda hipótese, se as referidas pessoas têm ou não direito a indemnização ou compensação
no quadro da responsabilidade civil, ou apenas a faculdade de requererem em juízo as mencionadas providências no
âmbito do processo de jurisdição voluntária a que se reportam os artigos 1474º e 1475º do Código de Processo Civil.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, no “Codigo Civil Anotado”, volume I, Coimbra, 1987, página 105, e
DIOGO LEITE DE CAMPOS, “Lições de Direitos de Personalidade”, Coimbra, 1995, páginas 44 e 45, entendem, os
primeiros que em certa medida a protecção em causa constitui um desvio à regra do artigo 68º do Código Civil, e o último
que a personalidade se prolonga para depois da morte, e defenderem os parentes e herdeiros do falecido um interesse
deste, em nome dele, e não um interesse próprio.
Diverso é o entendimento de JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, “Direito Civil, Teoria Geral, volume I, Introdução,
As Pessoas, Os Bens”, Coimbra, 1998, páginas 89 a 91, de LUIS A. CARVALHO FERNANDES, “Teoria Geral do Direito
Civil, Lisboa, 1995, páginas 179 a 181, e de HEINRICH EWALD HORSTER. “A Parte Geral do Código Civil Português,
Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 1992, páginas 259 a 263.
O primeiro entende que o prolongamento para além da morte apenas ocorre em relação ao valor pessoal e que a
protecção da lei se reporta apenas à memória do falecido, e que não há direito a indemnização nem para o finado nem para
as pessoas a que se reporta o nº 2 do artigo 71º do Código Civil.
O segundo, por seu turno, entende que a lei protege o interesse das pessoas previstas no artigo 71º, nº 2, do
Código Civil, em função da dignidade do falecido, mas que não têm direito a indemnização, limitando-se a tutela às
providências mencionadas naquele preceito, e o terceiro considera que as aludidas pessoas exercem um direito próprio no
interesse de outrem, mas que não têm direito a indemnização.
De modo diverso dos últimos mencionados autores entendem RABINDRANATH VALENTINO ALEIXO CAPELO
DE SOUSA, “Direito Geral de Personalidade”, Coimbra, 1995, páginas 10 a 19, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria
Geral do Direito Civil”, Coimbra, 2007, páginas 86 e 87 e “Direito de Personalidade”, Coimbra, 2006, páginas 118 a 123,
CARLOS ALBERTO MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 2005, páginas 206 a 213, ANTÓNIO MENEZES
CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo III, Pessoas, Coimbra, 2004, páginas 461 a 467, e
JOÃO DE CASTRO MENDES, “Teoria Geral do Direito Civil”, volume I, Lisboa, 1978 páginas 109 a 111.
Estes últimos autores consideram que a personalidade cessa com a morte da pessoa; mas enquanto o primeiro
considera que alguns dos bens nela integrados permanecem no mundo das relações jurídicas e são autonomamente
protegidos em termos de tutela depois da morte, os restantes interpretam a lei no sentido de que a tutela legal se refere aos
direitos das pessoas previstas no nº 2 do artigo 71º do Código Civil, em cuja titularidade se inscrevem os direitos de
personalidade.
Acresce que todos eles entendem que as mencionadas pessoas têm direito a indemnização ou compensação por
virtude da ofensa à memória do falecido, verificados os respectivos pressupostos.
Ora, a solução para o caso há-de assentar, como é natural, na interpretação do disposto nos artigos 71º, nºs 1 e
2, do Código Civil, tendo em conta o que se prescreve no artigo 9º daquele diploma, e na sua aplicação ao quadro de facto
que as instâncias deram por assentes em sede de condensação e que não foi posto em causa no âmbito dos recursos.
13
Resulta da lei que a personalidade se adquire com o nascimento completo e com vida e que cessa com a morte
(artigos 66º, nº 1 e 68º, nº 1, do Código Civil).
Assim, não obstante o primeiro dos referidos normativos expressar que a personalidade jurídica cessa com a
morte, o terceiro artigo seguinte - o nº 1 do artigo 71º - expressa que os direitos de personalidade gozam de protecção
depois da morte do respectivo titular.
Na fixação do sentido e do alcance da lei, deve o intérprete presumir ter o legislador consagrado as soluções
mais acertadas e sabido exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nº 3, do Código Civil).
A expressão igualmente que consta no nº 1 do artigo 71º do Código Civil decorre da circunstância de no nº 1 do
artigo anterior se estabelecer proteger a lei os indivíduos contra qualquer ofensa à sua personalidade física ou moral.
Ora, como o nº 1 do artigo 70º do Código Civil se reporta, naturalmente, as pessoas com personalidade jurídica,
isto é aos vivos, salientando o desvio àquele preceito, foi inserido no nº 1 do artigo 71º do mesmo diploma a expressão
igualmente.
Tendo em conta o elemento literal do nº 1 do artigo 71º do Codigo Civil, a par do seu escopo finalístico de
protecção da memória das pessoas falecidas ou do respeito dos mortos, impõe-se a conclusão no sentido de que, embora
a personalidade jurídica cesse com a morte, alguns dos direitos que a integravam continuam a ser protegidos depois do
decesso da pessoa.
Nesta perspectiva, não se configura contraditória a cessação da personalidade jurídica com a morte das pessoas
com a protecção de alguns dos direitos que a integravam, como valores pessoais que se destacam sob a motivação do
respeito pela memória de quem terminou de viver.
4.
Vejamos, ora, se recorridos ofenderam ilícita e culposamente a memória do ascendente dos recorrentes.
Resulta dos factos provados, por um lado, ter sido o ascendente dos recorrentes bioquímico, professor do ensino
superior, e escritor, falecido há cerca de seis meses, e ter sido referenciado em Abril de 2001, na revista Maxim,
propriedade da recorrida, dirigida pelo recorrido Domingos Amaral, em artigo escrito pelo recorrido Paulo Neves e
fotografias do recorrido Ignácio Villamar.
E, por outro, que o referido artigo, acompanhado da fotografia do ascendente dos recorrentes e de outras
fotografias de criminosos, expressava a suspeita da autoria do primeiro de crimes graves de homicídio de mulheres
prostitutas.
Resulta das regras da experiência, por um lado, que na memória das pessoas perdura o juízo negativo que em
determinado momento é formado acerca de factos, pessoas ou coisas, pelo que a ofensa da personalidade moral de
alguém também fica no tempo e no espaço de vivência.
E, por outro, que a reputação de uma pessoa leva uma vida a construir, mas para a destruir bastam dias e até
mesmo horas ou minutos.
Na colisão entre os direitos de informar por via da imprensa e da liberdade económica das empresas jornalísticas
e os direitos à honra e reputação das pessoas, prevalece o que, em concreto, deva considerar-se superior, nos termos do
artigo 335º, nº 2, do Código Civil.
Os factos acima referidos dados por assentes nas instâncias, pela sua estrutura, são civilmente ilícitos do ponto
de vista formal e material, porque violaram, sem justificação, o disposto no artigo 71º, nº 1, do Código Civil e ofenderam o
interesse civilmente protegido da memória da honra e consideração do ascendente dos recorrentes.
Sabe-se, seguindo a doutrina, que a culpa lato sensu abrange as vertentes do dolo e da culpa stricto sensu, ou
seja, respectivamente, a intenção de realizar o comportamento ilícito que o respectivo agente configurou ou a mera
intenção de querer a causa do facto ilícito.
A culpa stricto sensu ou censura ético-jurídica exprime um juízo de reprovação pessoal em relação ao agente
lesante que, no caso-espécie, devia e podia agir em termos de evitar a causa do dano.
Nesta última vertente da culpa ainda se distingue, por um lado, a consciente e, por outro, a inconsciente,
conforme o agente tenha previsto a produção do facto ilícito mas sem razão plausível acreditou que ela não ocorresse, ou
pura e simplesmente não a previu, por falta de atenção ou de perícia, mas podendo prevê-la se nisso concentrasse a
inteligência e a vontade.
No nosso ordenamento jurídico, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai
de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, do Código Civil),
Assim, a diligência relevante para a determinação da culpa é a de uma pessoa normal em face do
circunstancialismo do caso concreto.
No quadro de facto do caso em apreciação, em que a actividade da comunicação social se desenvolve no âmbito
jornalístico, a pessoa padrão a que a lei se reporta é aquela que actua no exercício daquela relevante actividade.
Assim, a diligência relevante para a determinação da culpa é a de uma pessoa normal, mais concretamente de
um jornalista diligente e conhecedor das regras da sua profissão, designadamente as constantes da lei geral e especial e
no respectivo Código Deontológico, em face do circunstancialismo do caso concreto, bem como a estrutura da
sensibilidade normal das pessoas que envolvem o meio social de referência.
14
Conforme já resulta do exposto a propósito da Lei de Imprensa, constitui dever fundamental dos jornalistas o
exercício da sua actividade com respeito pela ética profissional, a informação rigorosa e isenta, a abstenção de acusações
sem provas, o respeito pela presunção de inocência e o não engendrar de situações não reais sob abuso da boa fé (artigo
14º, alíneas a), c) e h)).
Ademais, no plano deontológico, naturalmente de harmonia com a especificidade da actividade jornalística, quem
a exerce tem o dever de relatar os factos com rigor e exactidão, interpretá-los com honestidade intelectual, comprová-los,
ouvindo oportunamente as partes directamente interessadas, abstrair do sensacionalismo e de acusação sem provas e
salvaguardar a presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença e não humilhar as pessoas nem perturbar a
sua dor.
O noticiado em causa envolveu a divulgação dos factos com o sentido de facultar ao público a suspeita da prática
dos crimes acima referidos, sem que, em termos de razoabilidade, seja de concluir que os recorridos imprimiram ao
processo de difusão da notícia a escrupulosa observância das leges artis próprias da actividade jornalística.
Em consequência, importa concluir que os recorridos jornalistas agiram na emissão da notícia em causa com
culpa stricto sensu, isto é, de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico.
5.
Continuemos com a análise da subquestão de saber se os recorridos se constituíram ou não na obrigação de
indemnizar os recorrentes.
O nº 2 deste artigo 71º do Código Civil, de alcance instrumental em relação ao que se prescreve no seu nº 1,
elenca as pessoas com legitimidade para requererem as providências previstas no nº 2 do artigo anterior, ou seja, o
cônjuge sobrevivo, os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os sobrinhos ou herdeiros do falecido.
Resulta deste normativo que a legitimidade a que se reporta abstrai da posição jurídica de herdeiro em relação à
pessoa falecida à qual foi dirigida a ofensa, mas tem por relevante a proximidade familiar ou presumivelmente afectiva.
A referida legitimidade inscreve-se na titularidade das pessoas mencionadas naquele normativo, ou seja, trata-se
de interesses em agir próprios funcionalmente dirigidos à protecção de vertentes da personalidade do defunto, que, por
força da lei, se destacaram para além da morte.
O referido normativo circunscreve a mencionada legitimidade dos vivos para proteger a memória dos mortos às
providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da
que já esteja consumada.
É uma limitação que exclui o primeiro segmento normativo do nº 2 do artigo 70º do Código Civil, ou seja, o que se
refere à salvaguarda da responsabilidade civil a que haja lugar.
Em consequência, da conjugação das normas dos nºs 2 do artigos 70º e 71º do Código Civil em análise, resulta a
conclusão no sentido de que as pessoas legalmente legitimadas para requerer as aludidas providências não o são para
formular algum pedido de indemnização ou de compensação no quadro da responsabilidade civil, seja com base na ofensa
à pessoa falecida, seja por virtude de sofrimento próprio derivado dessa ofensa.
É uma solução legal que se conforma com a realidade das coisas, na medida em que o ofendido já não dispõe de
personalidade jurídica e a ofensa não afecta directamente as pessoas a que se reporta o mencionado normativo.
Dir-se-á, em suma, que os recorrentes não têm direito a exigir dos recorridos a compensação por danos não
patrimoniais que pretenderam fazer valer na acção em causa.
6.
Finalmente, atentemos na síntese da solução para o caso decorrente dos factos declarados assentes nas
instâncias e da lei,
O direito à liberdade de expressão e de informação por via da imprensa não prevalece, em regra, sobre o direito
das pessoas à honra, bom nome e consideração social.
Os recorridos ofenderam ilícita e culposamente a memória do já falecido ascendente dos recorrentes, que a lei
protege, não obstante a respectiva personalidade jurídica haver cessado com a morte.
A referida ofensa, pela sua natureza e estrutura, não afectou directamente os direitos de personalidade dos
recorridos, certo que só afectou aspectos destacados da personalidade do seu ascendente.
O nº 2 do artigo 71º não atribui às pessoas a que se reporta um direito próprio de indemnização lato sensu, mas
tão só a legitimidade de requerer as providências previstas no nº 2 do artigo 70º, ambos do Código Civil.
Os recorrentes não têm, por isso, no confronto dos recorridos, o direito de lhe exigir a pretendida compensação
por danos não patrimoniais» Ac. do STJ (Cons.º Salvador da Costa) de 18.10.07, P.º 07B3555.
No mesmo sentido e versando pedido indemnizatório formulado por Valle e Azevedo pode ver-
-se a Col. 01-II-103; Informação anotada em ficha de Banco - 93-II-171 STJ; em carta dirigida a
autoridades - BMJ 406-623.
15
Não se exige animus iniuriandi vel difamandi - BMJ 467-577.
Ainda sobre violação do bom-nome através da imprensa (Televisão) pode ver-se o caso Subtil
na Col. Jur. (STJ) 2001-III-21 e através do exercício do direito de queixa na mesma Col. (STJ) 2001-
III-122: A ofensa do crédito ou do bom-nome de uma pessoa está subordinada aos princípios gerais da
responsabilidade delitual; a afirmação ou divulgação de um facto pode não ser ilícita se corresponder
ao exercício regular de um direito, faculdade ou dever .
Ainda sobre a liberdade de imprensa, direito à honra e à reserva da intimidade da vida privada,
deve analisar-se o Ac. do STJ (Cons.º Araújo Barros), de 26.2.2004, na Col. Jur. STJ 2004-I-74 a
80, assim transcrito:
«Sem grande preocupação com a análise do comportamento dos réus - e respectiva qualificação - as decisões
das instâncias fundamentam, no essencial, a absolvição dos recorridos no facto de o recorrente não haver sido
directamente atingido na sua imagem, honra e reputação (que assim não foram violados), porquanto as notas publicadas
apenas se referiram a um eventual relacionamento entre a sua mulher e E.
Citando até o acórdão recorrido o Prof. Antunes Varela quando defende que apenas tem direito à indemnização,
salvo nas situações excepcionais do art. 495º do C.Civil, o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado
com a violação de disposição legal e já não o reflexa ou indirectamente prejudicado. (1)
E afirma, depois, em jeito de conclusão, que "tais notícias referem-se a comportamento menos honroso da mulher
do ora apelante: será ela, portanto, que terá de se mover com vista à ofensa da sua honra se, na verdade, a considera
ofendida. Porém, uma coisa é certa: a honra do apelante não foi ofendida com as notícias publicadas no D a respeito da
sua mulher. Não há nenhuma razão para considerar que, com a publicação de tais notícias, a honra do apelante, o seu bom
nome, a sua reputação, foram afectados: se ele era até então homem sério e honesto, não o deixou de ser com a
publicação de tais notícias" (fls. 197).
Parece-nos, no entanto, que se procedeu a uma subsunção demasiado simplista do direito aos factos provados, a
qual, por isso mesmo, não podemos sufragar.
E, antes de mais, importa saber se com a publicação das expressões acima mencionadas - e porque as decisões
das instâncias assim o impõem - se pode considerar que foi concreta e directamente violado algum direito absoluto do aqui
autor, situação que permitiria qualificar a conduta dos réus como antijurídica (pelo menos objectivamente).
A antijuridicidade do comportamento situa-se na violação de um direito absoluto de outrem - como tal qualquer
direito de personalidade, designadamente o direito à honra e ao bom nome, ou mesmo o direito à reserva da intimidade
privada.
Na verdade, os direitos de personalidade (como hão-de qualificar-se os direitos à honra e ao bom nome)
pertencem à categoria dos direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros, que os têm que
respeitar.
"Estes direitos emanam da própria pessoa cuja protecção visam garantir. Resulta isto do nº 1 do art. 70º CC, que
protege os indivíduos - independentemente de culpa - contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua
personalidade física ou moral. A protecção assim garantida abrange o homem naquilo que ele é e não naquilo ele tem.
Contudo, objecto da respectiva relação jurídica nunca é o indivíduo ou a pessoa ou a sua personalidade, mas sempre o
direito de personalidade que incide sobre certas manifestações ou objectivações da mesma". (2)
A ideia da protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade, encontra expressão jurídica em
vários preceitos da Constituição da República Portuguesa (3) (o art. 1º fala da dignidade da pessoa humana como
fundamento da sociedade e do Estado; o art. 13º, nº 1, refere-se à igual dignidade social dos cidadãos; o art. 24º, nº 1,
declara que a vida humana é inviolável; o art. 25º garante o direito à integridade moral e física da pessoa; o art. 26º
consagra outros direitos pessoais, nomeadamente respeitantes à identidade, ao desenvolvimento da personalidade, à
capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e
familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação).
Em sintonia com estes preceitos encontram-se os arts. 70º a 81º do C.Civil que transpõem a ideia
constitucionalizada da protecção à pessoa humana para o campo do direito civil.
O Código Civil, não contendo uma definição geral ou uma definição de direito de personalidade (apenas o art. 70º
consagra o direito geral de personalidade), abrange, na sua protecção, no âmbito do direito civil, todos aqueles "direitos
subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra-patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis,
tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o
desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou de
deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em
16
responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da
ofensa cometida". (4)
Segundo o mencionado Prof. Capelo de Sousa, "poderemos definir positivamente o bem da personalidade
humana juscivilisticamente tutelado como o real e potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o
conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito
reflexivo, sócio-ambientalmente integrado". (5)
Assim, tendo ocorrido uma ofensa ilícita, a lei admite que possa, além das providências adequadas à situação,
haver lugar à responsabilidade civil caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos,
designadamente a culpa e a existência de um dano (art. 70º, nº 2, em ligação com o art. 483º do C. Civil) ou os
pressupostos da responsabilidade pelo risco, ou seja, a concretização do risco e a existência de um dano (art. 70º, nº 2, em
ligação com o art. 499º do citado diploma).
A questão está agora em saber se os factos apurados assumem carácter ilícito, ou seja, em palavras claras, se
violam, por acção ou por omissão, qualquer comportamento que a lei justamente proíba (designadamente se violam ou não
o direito de personalidade do recorrente).
E, analisados os factos provados, parece-nos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
É perfeitamente irrelevante o facto de nas notas publicadas pelo D apenas se referir a F, mulher do autor: daí não
pode extrair-se a ilação de que só esta pode ter sido ofendida na sua honra pessoal. É que, se calhar, por aquilo que na
sequência se deixa adivinhar - teor de vida livre - a mesma poderá nem sequer se ter sentido ofendida.
O que é decisivo, e indubitável é que a veiculação das directas insinuações feitas à mulher do autor - no mínimo
tratando-a como mulher leviana e imputando-lhe a prática de adultério - sendo aquele homem conhecido e publicamente
relacionado, objecto de chacota da parte de amigos e conhecidos, o atingiu directa e objectivamente na sua honra e
consideração.
Não se encontra, assim, o autor, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, numa situação de prejudicado
reflexa ou indirectamente. O que manifestamente acontece - e aqui o acórdão impugnado confundiu a pessoa atingida com
a forma como foi atingida - é que o autor foi directamente prejudicado no seu direito ao bom nome, honra e consideração
social, embora de modo indirecto, através da referência a um comportamento, no mínimo, leviano da sua mulher.
Afigurando-se-nos, mesmo, completamente desinserida da realidade social a conclusão do citado acórdão,
referindo-se ao autor, de que "se ele era até então homem sério e honesto, não o deixou de ser com a publicação de tais
notícias". Não está, na realidade em causa a seriedade e honestidade do autor. O que tem que ser tido em conta é a sua
honra, bom nome e reputação social, que, sem qualquer dúvida, foram violados (sem falar já da violação do direito à
intimidade da sua vida conjugal privada) na medida em que, como é sabido - e o autor demonstrou - o marido traído deixa
de gozar da consideração social que lhe era concedida, passa a ser desprezado e objecto de comentários pouco
abonatórios.
Impõe-se, pelo exposto, concluir que, ao contrário do que entenderam as instâncias, o autor foi directamente
atingido na sua honra, consideração, bom nome e intimidade da vida privada, direitos estes que pertencem à categoria dos
direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros, que os têm que respeitar, e juridicamente
tutelados contra qualquer ofensa.
Apreciando, agora, o comportamento dos réus quanto à ocorrência ou não de ilicitude subjectiva e à natureza do
nexo da sua imputação àqueles (mera culpa ou dolo) - já que a voluntariedade da conduta deles se encontra claramente
demonstrada nos autos - começaremos por indicar as disposições que podem justificar a obrigação de indemnizar
resultante da responsabilidade civil extracontratual.
Assim, dispõe o art. 483º, nº 1, do C. Civil, que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito
de outrem... fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos decorrentes da violação". Acrescentando o nº 2 que "só existe
obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei".
Por seu turno, estabelece o art. 484º do mesmo diploma que "quem afirmar ou difundir um facto capaz de
prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados".
A questão está agora em saber se os factos apurados assumem subjectivamente carácter ilícito, ou seja, em
palavras claras, se violam, por acção ou por omissão, qualquer comportamento que a lei justamente proíba.
Os factos ocorreram em 1996.
Na parte que importa, regem-se pelas disposições conjugadas, ressalvada a respectiva hierarquia, da
Constituição da República, da Lei de Imprensa (6), bem como do Estatuto do Jornalista (7).
O artigo 37º, nº 1, da Constituição estabelece que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu
pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de
ser informados, sem impedimentos nem discriminações".
E o nº 4 do mesmo preceito assegura a todas as pessoas, singulares ou colectivas, o direito a indemnização
pelos danos sofridos em resultado de infracções cometidas no exercício do direito de liberdade de expressão e informação,
garantindo o artigo 38º, nº 1, a liberdade de imprensa, que implica, além do mais, a liberdade de expressão e criação dos
jornalistas (al. a) do nº 2).
A Lei de Imprensa formula idênticos princípios, ou valores (arts. 1º, 4º e 5º).
17
Por sua vez, o Estatuto do Jornalista assinala, que os jornalistas "devem respeitar escrupulosamente o rigor e
objectividade da informação", assim como "os limites ao exercício da liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e
da Lei" (als. b) e c) do art. 1º).
Tão importante, assim, vem a ser assegurar o livre exercício dos direitos de informação e de livre expressão do
pensamento, de que a liberdade de imprensa constitui modo qualificado (8), enquanto "elemento imprescindível ao
funcionamento e aperfeiçoamento das instituições democráticas" (9), como garantir o respeito pelos demais direitos,
liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, em que, em idêntico plano constitucional, se inclui a da dignidade da
pessoa humana (citado art. 1º) e dos direitos à integridade moral (art. 25º, nº 1º) e ao bom nome e reputação (art. 26º, nº
1º).
Exposto o quadro legal de referência, importa, então, saber como conjugar, em caso de conflito, estes dois
direitos fundamentais: o direito/dever de informação e o direito à honra, ao bom nome e à reputação social.
Quer a Constituição, quer as leis ordinárias mencionadas, não estabelecem, neste domínio, qualquer regime
especial relativamente à ilicitude em matéria civil e, naturalmente, à respectiva obrigação de indemnizar, quando ocorrer,
por responsabilidade civil extracontratual, limitando-se a remeter, expressa ou tacitamente, para os princípios gerais e
normas do Código Civil (arts. 37º, nº 4, da Constituição e 24º da Lei da Imprensa).
Será, pois, com base nas normas da sistemática civilística (designadamente arts. 70º, 483º, nº 1, 484º, 487º e
497º, nº 1, do C. Civil), que deve ser avaliada a ilicitude (e, eventualmente, a culpa) como pressuposto da obrigação de
indemnizar fundamentada na responsabilidade civil extracontratual.
De um modo geral, "o homem é definido pela liberdade que pode exercer, face a um coeficiente naturalmente
humano de adversidade que resulta da presença dos outros. Se a existência de um outro homem se afirma ela mesma,
como necessidade de facto, na relação fundamental entre mim e o outro, o cogito da existência do outro confunde-se com o
meu próprio cogito, pelo que a existência do outro é o limite à minha própria liberdade".
Em sentido amplo o direito geral de personalidade "inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses
do apreço social pelas qualidades determinantes de unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais
adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político". (11)
O direito ao bom nome e reputação "consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua
honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa
ofensa e a obter a competente reparação" (12).
A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza
igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância".
(13).
É a honra um "bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser
vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade
humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português; enquanto bem da
personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de
uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso". (14)
Ora, como atrás referimos, prevê o art. 484º do C. Civil uma possibilidade de indemnização desde que, sublinhe-
se, se verifiquem os pressupostos definidos no artigo 483º.
Na verdade, a ofensa prevista no artigo 484º mais não é que um caso especial de facto antijurídico definido no
artigo precedente que, por isso, se deve ter por subordinada ao princípio geral consignado nesse artigo 483º, não só
quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também relativamente à culpabilidade. (15)
Ou seja, para além das duas disposições básicas de responsabilidade civil constantes do artigo 483º, o nosso
legislador recebeu uma série de previsões particulares que concretizam ou complementam aquelas, entre elas, e desde
logo, a do artigo 484º.
Assim, Almeida Costa (16), após considerar que um dos casos especiais de ilicitude previstos no Código Civil é o
da ofensa do crédito ou do bom nome, conclui que "parece indiferente... que o facto afirmado ou difundido seja verdadeiro
ou não. Apenas interessa que, dadas as circunstâncias concretas, se mostre susceptível de afectar o crédito ou a
reputação da pessoa visada".
Também Menezes Cordeiro (17) entende que a ofensa do crédito ou do bom nome está sujeita às regras gerais
dos delitos, concluindo pela responsabilidade de quem, com dolo ou mera culpa, viola o direito ao bom nome e reputação
de outrem, após o que afirma que "é indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar
contra o bom nome e a reputação de uma pessoa. Por outro lado, a divulgação de um facto falso atentatório pode não
constituir um delito - por carência, por exemplo, de elemento voluntário. Por isso, a solução deve resultar do funcionamento
global das regras da imputação delitual".
Segundo Antunes Varela (18), além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º, o Código
trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos, o primeiro dos quais é o da afirmação ou divulgação de factos
capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa (artigo 484º).
Autor que prossegue (19) dizendo que "pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro -
contanto que seja susceptível, ponderadas circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da
18
pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom
conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade"
"A tutela do direito à intimidade da vida privada desdobra-se em duas vertentes: a protecção contra a intromissão
na esfera privada e a proibição de revelações a ela relativas". (20)
Há, por conseguinte, que procurar, antes de mais, a concordância prática desses direitos, de informação e livre
expressão, por um lado, e à integridade moral e ao bom nome e reputação, por outro, mediante o sacrifício indispensável
de ambos. (21)
Em último termo, o reconhecimento da dignidade humana como valor supremo da ordenação constitucional
democrática impõe que a colisão desses direitos deva, em princípio, resolver-se pela prevalência daquele direito de
personalidade (nº 2 do art. 335º do C. Civil). (22)
Podendo dizer-se que o simples facto de "atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o
sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado é atentar contra o seu bom nome,
reputação e integridade moral". (23)
A liberdade de imprensa, e com ela a faculdade de livre expressão e divulgação da informação e dos meios da
comunicação social (arts. 37º e 38º da Constituição) é uma liberdade responsável e, por isso, neste particular, em que
atinge ou pode atingir o direito à honra e reputação social também constitucionalmente consagrado (arts. 25º e 26º do
mesmo diploma constitucional), há-de corresponder ao fim para que é concedida e não prosseguir, ainda que
indirectamente, outros fins.
Se, por um lado, se reconhece ser direito fundamental dos jornalistas a liberdade de criação, expressão e
divulgação, a qual não está sujeita a impedimentos ou discriminações, nem subordinada a qualquer forma de censura,
autorização, caução ou habilitação prévia e acesso às fontes (arts. 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do Estatuto do Jornalista), certo é,
também, constituir dever desses profissionais respeitar os limites ao exercício da liberdade de imprensa nos termos da
Constituição e da Lei (citado art. 1º, nº 1, al. c), do mesmo Estatuto).
Na delimitação do direito à informação intervêm princípios éticos, pelos quais o jornalista responde em primeiro
lugar (24), constituindo dever de quem informa esforçar-se por contribuir para a formação da consciência cívica e para o
desenvolvimento da cultural sobretudo pela elevação do grau de convivialidade como factor de cidadania, e não fomentar
reacções primárias, sementes de violência, ou sentimentos injustificados de indignação e de revolta, tratando assuntos com
desrespeito pela consciência moral das gentes, contribuindo negativamente para a desejável e salutar relação de
convivialidade entre elas. O princípio norteador da informação jornalística deve ser o de causar o menor mal possível, pelo
que quando se ultrapassam os limites da necessidade ou quando os processos são, de per si, injuriosos, a conduta é
ilegítima. (25)
Pode, aliás, na sequência do exposto, concluir-se que o direito à informação comporta três limites essenciais: o
valor socialmente relevante da notícia; a moderação da forma de a veicular; e a verdade, medida esta pela objectividade,
pela seriedade das fontes, pela isenção e pela imparcialidade do autor, evitando manipulações que a deontologia
profissional, antes das leis do Estado, condena.
Ora, o conflito entre os dois direitos constitucionalmente garantidos - o direito de liberdade de informação e o
direito à honra e ao bom nome - terá que ser resolvido, nos termos do art. 335º do C.Civil, pela cedência, em casos de
direitos iguais ou da mesma espécie, na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem
maior detrimento para qualquer das partes (nº 1), ou pela prevalência do que deva considerar-se superior quando os
direitos forem desiguais ou de espécie diferente (nº 2).
Sendo ambos os direitos enunciados, pelo menos em teoria, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não
pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se "a harmonização ou concordância pública dos
interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível", (26) "em obediência ao princípio
jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais". (27)
Nesta conflitualidade, "sendo embora os dois direitos de igual hierarquia constitucional, é indiscutível que o direito
de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio,
atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores
jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo
o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação". (28)
Designadamente assim sucede nos casos em que "estiver em causa um interesse público que se sobreponha
àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação", (29) sendo exigível que a
informação veiculada se cinja à estrita verdade dos factos. (30)
Apreciando o comportamento dos réus face ao exposto - em ordem a qualificá-lo quanto à sua natureza ilícita
ou/e culposa - cumpre, desde já, afirmar que "uma conduta é ilícita quando ofende um direito subjectivo... sendo certo que
"os direitos subjectivos de que nos fala o art. 483º do C.Civil são, fundamentalmente, os direitos absolutos - e nestes, os
direitos de propriedade, os direitos de personalidade e os chamados direitos familiares patrimoniais". (31)
19
Assim, é manifesto que a "ilicitude se reporta ao facto do agente, à sua actuação, não ao efeito (danoso) que dele
promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha até as mais das vezes) do resultado (lesão ou ameaça de
lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz". (32)
Facto esse que "constitui a violação de um dever, o que implica: em primeiro lugar, a existência desse dever e,
portanto, a destinação dum comando a seres inteligentes e livres que podem conhecê-lo e obedecer-lhe; em segundo lugar,
a prática contrária de conduta diferente da devida". (33)
E, nesta medida, pode dizer-se que a ofensa ao crédito e ao bom nome prevista no art. 484º do C.Civil (que
constitui um dos factos antijurídicos especialmente previstos na lei) não é mais que um caso especial de facto anti-jurídico
definido no art. 483º precedente, pelo que se deve considerar subordinada ao processo geral deste art. 483º. (34)
Donde, a mera violação do direito ao bom nome de alguém (na medida em que este direito se impõe a todas as
pessoas) contém, já em si, a antijuridicidade do comportamento dos agentes, sendo necessariamente ilícito, salvo se tal
ilicitude estiver afastada por qualquer circunstância justificativa do facto praticado e da violação ocorrida.
O que poderia acontecer apenas se, in casu, e como acima referimos, estivesse em causa um interesse público
sobreponível aos direitos violados, a divulgação houvesse sido feita por forma adequada aos interesses em jogo, e,
sobretudo, se a informação veiculada correspondesse, no essencial, à verdade dos factos ocorridos (ou só muito
excepcionalmente embora com ela se não compaginasse, desde que na séria convicção de serem verdadeiros). (35)
No caso sub judice não pode considerar-se demonstrado o interesse público da notícia elaborada e veiculada
pelos réus (é mesmo duvidoso que se trate de uma notícia). Encontramo-nos perante um daqueles típicos casos de
aproveitamento de colunas criadas nos jornais, supostamente para divertir os leitores à custa de insinuações, maledicência,
fofocas, sensacionalismo barato e, quantas vezes, sem qualquer interesse objectivo de informar a comunidade.
Assim é inequívoca a antijuridicidade da conduta dos réus, posto que, em derradeira análise, violou direitos de
personalidade do autor.
E na justa medida em que, em jornal de larga dimensão, divulgaram factos que sabiam contender com o bom
nome, honra e intimidade da vida privada das pessoas atingidas, de mais a mais de forma a serem reproduzidos por outra
publicação nacional, há-de considerar-se, no mínimo, que agiram com falta de rigor e de objectividade, não havendo,
assim, qualquer causa justificativa do seu comportamento, capaz de afastar a sua aparente ilicitude: donde, a actuação
deles é certamente culposa.
Na verdade, "agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do lesante merecer a reprovação ou
censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias
concretas da situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo" (36), modo esse pelo qual agiria um bom pai
de família perante as mesmas circunstâncias (art. 487º, nº 2, do C. Civil).
Ora, a divulgação dos factos acima descritos mostra-se desajustada do comportamento que qualquer pessoa
normalmente diligente adoptaria, tornando-se, dessa forma, censurável e culposa, tanto mais quanto é certo que o dever de
indemnizar não está dependente de intencionalidade ofensiva, bastando a simples reprobabilidade da actuação (mera
negligência).
Assim é natural a conclusão, face à disposição do art. 487º, nº 2, do C.Civil, de que agiram culposamente.
Sendo indubitável que o fizeram dolosamente. Com efeito, age com dolo - actualmente, aliás, considerado
simplesmente como uma graduação da culpa em sentido amplo - aquele que procede voluntariamente contra a norma
jurídica cuja violação acarreta o dano (37), ou com intenção de ofender o direito, legalmente tutelado, de outrem. Por
exemplo, "o jornalista que sabe que, narrando certo facto, atinge a honra ou o bom-nome de outrem; e é esse preciso efeito
que ele pretende atingir". (38)
Sendo que, no caso em apreço, não custa aceitar a existência de dolo, na modalidade de dolo necessário -
reconhecendo, para tanto, que os recorridos (incluído o próprio D) não podiam deixar de ter previsto o facto ilícito como
consequência necessária da sua conduta, de tal modo o resultado se apresentava intrínseca e indissoluvelmente ligado ao
resultado.
Ou, pelo menos, dolo eventual, porquanto é possível, ao lado dos casos em que é patente uma intencionalidade
dirigida (dolo directo), englobar, ainda, qualificáveis como dolosos, outros actos em que o agente, não querendo
directamente o facto ilícito, todavia o previu como uma consequência necessária, segura, da sua conduta (dolo necessário),
ou prevendo-o apenas como um seu efeito possível, se quedou insensível ante a possibilidade da respectiva verificação
(dolo eventual).
Ora, conhecendo os réus, como era seu especial dever, a natureza melindrosa e difamatória dos seus escritos,
tinham também o dever de ter impedido a sua divulgação - ao não o fazer, apesar de terem previsto a produção do facto
ilícito como efeito possível ou eventual dessa sua conduta, conformaram-se com ele, aceitando-o.
Sendo seguro que, ao assim agirem, quiseram intencionalmente atingir os visados ou mesmo que, prevendo a
ofensa ao bom nome, foram muito além do direito que lhes assistia de livremente informar (é, aliás, duvidoso que uma
coluna de que constam insinuações mais ou menos malévolas, possa ser integrada no âmbito do direito de informar).
Concluindo: o comportamento dos réus é ilícito e violador do direito ao bom nome do autor, e qualificável como
doloso.
20
Vejamos agora, configurada a obrigação de indemnizar dos réus pela violação do direito à intimidade da vida
privada, à honra e ao bom nome do autor, a questão do montante da indemnização.
Estabelece, neste domínio, o art. 496º, nº 1 do C.Civil, que "na fixação da indemnização deve atender-se aos
danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Acrescentando o nº 3 que "o montante da
indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas
no art. 494º". Sendo que este art. 494º manda atender, na fixação da indemnização, ao grau de culpa do agente, à situação
económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua
fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das
realidades da vida. (39)
"Nos crimes contra a honra, para a reparação do dano não patrimonial, haverá que considerar a natureza, a
gravidade e o reflexo social da ofensa em função do grau de difusão do escrito, do sofrimento do ofendido e da sua
situação social e política". (40)
No caso sub judice interessa ainda ponderar que a divulgação teve lugar através da imprensa, que tem como
destinatário um universo mais ou menos indeterminado de pessoas, meio de difusão com uma particular aptidão
potenciadora do dano, "seja pelo elevado número de pessoas que tiveram acesso à notícia, seja pela activação da
engrenagem social que em consequência da notícia se produz (retransmitindo-a, ampliando-a, deformando-a), seja pelo
grau de credibilidade que o acontecimento impresso tem no público". (41)
Assim, na busca da solução mais ajustada às circunstâncias, importa agora concluir sobre o valor pecuniário que
se considera justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu - tendo sempre
presente e atentando, com bom senso e prudência, nas especificidades do circunstancialismo que concorre na situação
sub judice e que fazem dela uma situação circunstancial própria e diferente.
Posto o que, interessa recortar alguns dos pontos mais significativos: o jornal D é uma publicação que se vende
em todo o território nacional; a partir da data da publicação dos artigos o autor passou a ser alvo de observações jocosas
dos seus colegas de trabalho e de alguns passageiros da TAP que o conheciam devido à vida pública que levava; o autor,
em consequência da publicação dos artigos referidos pediu uma licença de vencimento como única forma de se furtar aos
incómodos e ultrajes de que foi alvo; o casal constituído pelo autor e a mencionada F acabou por se separar devido às
discussões e aos embaraços que tais artigos provocaram em ambos; os réus agiram culposamente, com dolo directo dos
primeiros e necessário (ou eventual) do D.
Desconhece-se a situação económica concreta das partes, se bem que se possa intuir que a do autor, atenta a
actividade que exercia e a vida pública que levava, assim como a do D, empresa jornalística sobejamente conhecida, são
razoáveis.
Ora, conjugando o descrito quadro factual com os elementos doutrinais e jurisprudenciais antes recenseados,
tudo sopesando e valorando com o equilíbrio e ponderação que se exige, entendemos como justa, criteriosa e adequada às
circunstâncias do caso a quantia, calculada nesta data, nos termos do art. 566º, nº 2, do C.Civil, actualizada, de
5.000.000$00 (ou seja, 24.939,99 Euros) para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
Quantia sobre a qual hão-de incidir juros de mora, à taxa legal de 4%, (42) desde a data da prolação desta
decisão e até pagamento integral, em conformidade com o entendimento do Ac. STJ (Uniformizador de Jurisprudência) nº
4/2002, de 9 de Maio. (43)
21
------------------------------
(1) O mesmo autor refere, a propósito ("Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 591)
que "tem direito à indemnização o titular do direito violado" situação que, como adiante veremos, é a que aqui está em
causa.
(2) Heinrich Horster, in "A Parte Geral do Código Civil Português", Coimbra, 1992, pág. 258.
(3) Redacção advinda da 5ª Revisão (Lei Constitucional nº 1/2001, de 12 de Dezembro).
(4) Rabindranath Capelo de Sousa, in "A Constituição e os Direitos de Personalidade", in Estudos sobre a
Constituição, vol. 2º, Lisboa, 1878, pág. 93.
(5) In "O Direito Geral de Personalidade", Coimbra, 1995, pág. 117.
(6) Dec.lei nº 85-C/79, de 29 de Novembro (revogado apenas pela Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro).
(7) Lei nº 62/79, de 20 de Setembro (revogada, a nosso ver, tacitamente, pela Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro).
(8) Ac. TC nº 113/97, de 05/02/97, in BMJ nº 464, pág. 119 (relator Bravo Serra).
(9) Costa Andrade, in "Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal", Coimbra, 1996, 39-B) ss.
(10) Cfr. Acs. STJ de 12/07/2001, no Proc. 2103/01 da 7ª secção (relator Neves Ribeiro); de 14/05/2002, no Proc.
267/0 da 1ª secção (relator Ferreira Ramos); de 10/10/2002, no Proc. 2751/02 da 7ª secção (relator Oliveira Barros); e de
05/12/02, no Proc. 3553/02 da 7ª secção (relator Araújo Barros), os quais, nesta parte, seguiremos de perto.
(11) Rabindranath Capelo de Sousa, in "O Direito Geral de Personalidade", citado pelo Ac. STJ de 27/06/95, in
BMJ nº 448, pág. 378 - relator Torres Paulo (maxime 386).
(12) Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª edição, págs. 180 e
181.
(13) R. Capelo de Sousa, in "O Direito Geral da Personalidade", Coimbra, 1995, págs. 303 e 304.
(14) Maria Paula G. Andrade, in "Da ofensa do crédito e do bom nome", 1996, pág. 97.
(15) Cfr. Acs. STJ de 14/05/76, in BMJ, nº 257, pág. 131 (relator Miguel Caeiro); e de 17/10/2000, no Proc. 372/00
da 6ª secção (relator Azevedo Ramos).
(16) "Direito das Obrigações", 5ª edição, Coimbra, 1991, pág. 453.
(17) "Direito das Obrigações", vol. II, Lisboa, 1990, pág. 349.
(18) "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª edição, pág. 567.
(19) Obra e volume citados, págs. 567 e 568).
(20) Ac. STJ de 25/09/2003, no Proc. 2361/03 da 7ª secção (relator Oliveira Barros).
(21) Cfr. Figueiredo Dias, in RLJ, Ano 115°, pág. 102; bem como Cardoso da Costa, in "A Hierarquia das Normas
Constitucionais e a sua Função na Protecção dos Direitos Fundamentais", in BMJ nº 396, págs. 6 e 17, referindo-se ao
apelo a um paradigma normativo assente no princípio da concordância prática ou do schonendsten Ausgleich (menor
comprometimento possível dos direitos). Cfr. Costa Andrade, obra citada, pág. 34.
(22) Brito Correia, in "Direito da Comunicação Social", 2000, págs. 574-3, 575 e 587 ss. Como assinala Nuno e
Sousa, in "A Liberdade de Imprensa", 1984, págs. 290 ss. (antes publicado no suplemento ao BFDUC, XXVI, 1983, págs.
179 ss), decorre, inclusivamente, dos n° s 2 e 3 do art. 18° da Constituição que "os direitos de liberdade não garantem
âmbitos absolutos de liberdade, incluindo-se num ordenamento jurídico que intervém no caso de conflitos entre direitos".
Encontram-se sujeitos - apenas - "aos limites estritamente necessários à salvaguarda de outros interesses do Estado
democrático"; mas a própria Constituição indica "vários interesses dos particulares, considerados como interesses públicos,
que têm primazia sobre a liberdade de opinião: os direitos ao bom nome, reputação, imagem e reserva da intimidade da
vida privada e familiar". Afirmando que o direito de informar cessa quando se puser em perigo o direito à honra, ver Faria e
Costa, "O círculo e a circunferência em redor do direito penal da comunicação", in "Direito Penal da Comunicação (alguns
escritos)", 1998, apud Ac.TC n° 67/99, no Proc. n° 609/96, de 03/02/99, in DR, II S, de 05/04/99. Ver ainda Figueiredo Dias,
in RLJ, Ano 115°, págs. 135, 137, 170 e 172, e Rabindranath Capelo de Sousa, "O Direito Geral de Personalidade", 1995,
págs. 533 ss. e 552-2.2., ss.
(23) Ac. STJ de 20/03/73, in BMJ nº 225, pág. 222 (relator Bogarim Guedes).
(24) Cfr. Preâmbulo do Código Deontológico dos Jornalistas, aprovado em 4 de Maio de 1993.
(25) Ver, com o sentido apontado, o estudo de Beleza dos Santos, in RLJ Ano 92º, págs. 165 ss.
(26) Ac. STJ de 29/10/96, in BMJ nº 460, pág. 686 (relator Aragão Seia).
(27) Figueiredo Dias, "Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português", in RLJ
Ano 115º, pág. 102.
(28) Ac. STJ de 05/03/96, in CJSTJ Ano IV, 1, pág. 122 (relator Fernando Fabião).
(29) Ac. STJ de 26/09/2000, in CJSTJ Ano VIII, 3, pág. 42 (relator Silva Salazar).
(30) Há, mesmo, quem considere que a violação é ilícita, embora relate factos verídicos - opinião de que, em
certa medida, discordamos - "contanto que seja susceptível de, ponderadas as circunstâncias do caso, diminuir a confiança
na capacidade e na vontade da pessoa ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que vive ou
exerce a sua actividade" (Acs. STJ de 03/10/95, in BMJ nº 450, pág. 424 - relator Torres Paulo).
(31) Jorge Ribeiro de Faria, in "Direito das Obrigações", vol. I, Coimbra, 1990, págs. 416 e 417.
(32) Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 502.
22
(33) Fernando Pessoa Jorge, "Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil", in Cadernos de Ciência
e Técnica Fiscal, nº 80, Lisboa, 1972, pág. 68.
(34) Cfr. Ac. STJ de 14/05/76, in BMJ nº 257, pág. 131 (relator Miguel Caeiro).
(35) Ac. STJ de 26/09/2000 (in CJSTJ Ano VIII, 3, pág. 42), acima citado.
(36) Antunes Varela, ob. e vol. cits., pág. 531.
(37) Menezes Cordeiro, in "Direito das Obrigações", 2º vol., Lisboa, 1990, pág. 314.
(38) Antunes Varela, ob. e vol. cits., pág. 539.
(39) Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª edição, pág. 627, nota (4). Cfr. Acs. STJ de 25/11/93,
in CJSTJ, Ano I, 3, pág. 143 (relator Folque de Gouveia); e de 05/11/98, no Proc. 957/98 da 1ª secção (relator Ribeiro
Coelho).
(40) Nuno de Sousa, in "A Liberdade de Imprensa", Coimbra, 1984, págs. 269 e 270.
(41) João Luís de Moraes Rocha, in "Lei de Imprensa", 1996, pág. 100.
(42) Portaria nº 291/2003, de 9 de Abril.
(43) In DR IS-A, de 27/06/2002.
***
I) - O art. 70º do Código Civil tutela a personalidade, como direito absoluto, de exclusão, na perspectiva do direito
à saúde, à integridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome, e à honra, que são os aspectos que individualizam o
ser humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis.
II) – O art. 484º do referido diploma legal ao proteger o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva,
tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana – a honra.
III) – A afirmação e difusão de factos que sejam idóneos a prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa acarretam
responsabilidade civil (extracontratual), gerando obrigação de indemnizar se verificados os requisitos do art. 483º, nº1, do
Código Civil.
IV) – O art. 484º do Código Civil prevê caso particular de antijuridicidade que deve ser articulado com aquele
princípio geral – contido no art. 483º – não dispensando a cumulativa verificação dos requisitos da obrigação de indemnizar.
V) - Os jornalistas, os media, estão vinculados a deveres éticos, deontológicos, de rigor e objectividade, que se
cumprem com a recolha de informação, com base em averiguações credíveis que possam ser confrontadas, para testar a
genuinidade das fontes, de modo a que o dever de informar com isenção e objectividade, não seja comprometido por
afirmações levianas ou sensacionalistas, fazendo manchetes que têm, quantas vezes, como único fito o incremento das
vendas e a avidez da curiosidade pública, sem que a isso corresponda qualquer interesse socialmente relevante.
VI) – Se forem violados deveres deontológicos pelos jornalistas, por não actuarem com a diligência exigível com
vista à recolha de informações; se negligentemente, as não recolheram de fonte inidóneas e se essas informações e as
fontes não foram testadas de modo a assegurar a sua fidedignidade e objectividade, estamos perante actuação culposa.
VII) – Assiste ao Jornal o direito, a função social, de difundir notícias de interesse público, importando que o faça
com verdade e com fundamento, pois, o direito à honra em sentido lato, e o direito de liberdade de imprensa e opinião são
tradicionais domínios de direitos fundamentais em conflito, tendo ambos tutela constitucional pelo que facilmente se entra
no campo da colisão de direitos – art. 335º do Código Civil – sendo que, em relação a factos desonrosos, dificilmente se
pode configurar a exceptio veritatis a cargo do lesante.
VIII) A prova da actuação diligente na recolha e tratamento da informação – a actuação segundo as leges artis –
incumbe ao jornalista.
23
IX) – No caso em apreço, provou-se que o Jornal procedeu a uma prudente investigação dos factos, junto da
área de residência do Autor, baseada em fontes diversificadas, junto de vizinhos e do contacto com as autoridades policiais
locais que confirmaram a veracidade dos factos relatados na notícia.
X) - Se não se provou que a publicação da notícia causou ao visado dano moral – sofrimento, psicose, depressão
(como foi alegado) – e não havendo negligência do jornalista na recolha das fontes, nem tendo resultados danos, não
existe obrigação de indemnizar, por a dignidade do Autor não ter sido afectada, pese embora o desvalor dos factos
noticiados.
AA, em 9.9.2003, intentou pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – 13ª Vara – acção declarativa de
condenação, com processo ordinário, contra P...- Imprensa Livre, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da
quantia de € 100.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data de citação até integral
pagamento, e, ainda, em quantia a liquidar.
Alegou que:
A Ré “P...- Imprensa Livre, S.A.” regularmente citada apresentou contestação nos termos constantes de fls. 37-55,
em que invocou a excepção peremptória de exclusão da ilicitude e se defendeu por impugnação motivada, tendo concluído
pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.
….
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar a acção improcedente.
Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 28.2.2008, fls.293 a
304, julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
De novo inconformado recorreu para este Supremo Tribunal …
…
Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes
factos:
1.A Ré “P...- Imprensa Livre, S.A.” é proprietária do jornal “O Correio da Manhã” (alínea A) dos Factos Assentes).
2. No dia 13/07/2003, Domingo, o jornal “O Correio da Manhã” publicou na primeira página uma notícia que
ocupava meia página e tinha como título, em letras garrafais o seguinte: “100 Crimes aos 19 anos” (alínea B) dos Factos
Assentes)
3. Ao lado, em caracter menor, escreveu-se no jornal o seguinte: “conhecido por “Puto Mitra”, rouba desde os dez
anos e está agora em prisão preventiva na cadeia de Caxias suspeito de muitos furtos e uma violação” – (alínea C) dos
Factos Assentes).
4. Na página 6 do mesmo jornal, a notícia foi desenvolvida, referindo-se designadamente:
24
9. A notícia foi formulada com base numa investigação feita junto da área de residência do Autor, baseada em
fontes diversificadas, junto de vizinhos e do contacto com as autoridades policiais locais – (resposta ao quesito 9º).
10. As autoridades policiais locais confirmaram a veracidade dos factos relatados na notícia (resposta ao quesito
10º).
11. Atento o carácter melindroso dos factos imputados ao Réu, o autor da notícia optou por nunca identificar o
Autor, mas apenas, por colocar a alcunha que, dentro do seu meio o Autor é conhecido, reservando a sua identidade para o
público em geral – (resposta ao quesito 12º).
Fundamentação:
…
O que está em causa é saber se a notícia publicada no jornal CM do dia 13.7.2003, com o título de grande
destaque “100 crimes aos 19 anos” e o mais que aí se escreve sobre o Autor, viola o seu direito ao bom nome, à honra e ao
prestígio social.
A problemática da acção e dos recursos centra-se, pois, em torno dos direitos de personalidade.
Os direitos de personalidade eram objecto de tutela no Código de Seabra sendo aí denominados direitos
originários.
O art. 359º definia-os como aqueles “Que resultam da própria natureza do homem, e que a lei civil reconhece, e
protege como fonte e origem de todos os outros. Estes direitos são: 1º — o direito de existência; 2.° - o direito de liberdade;
3.° - o direito de associação; 4° — o direito de apropriação; 5.° - o direito de defesa”.
No lato conceito de direito de existência compreendiam-se a vida e integridade do homem, bem como a honra, a
reputação e o bom-nome, ou seja, a dignidade moral do ser humano (art.360º).
O citado Código reconhecia também o direito à liberdade de imprensa – art. 570º – sancionando quem dele
abusasse com a obrigação de reparar os direitos de outrem ou da sociedade nos termos da lei – art. 364º.
Os direitos originários eram considerados inalienáveis só podendo ser limitados por “lei formal e expressa”
implicando a sua violação obrigação de reparar a ofensa – art. 2361º do citado Código.
Esta protecção com assento constitucional na Lei Fundamental de 1933 e de 1976 tem vindo a ser alargada, não
só pelo contributo das ciências sociais como pelo avanço dos estudos doutrinais e jurisprudenciais, sendo que a
Constituição de 1976 de modo claro tutela direitos de personalidade como o direito à vida (artigo 24°), à integridade moral e
física (artigo 25º); à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação à imagem, à palavra e à
reserva intimidade da vida privada e familiar (artigo 26°), à liberdade e segurança (artigo 27°) e à inviolabilidade do
domicílio e da correspondência (artigo 34.°).
Gomes Canotilho e Vital Moreira, em comentário ao citado preceito, escrevem in “Constituição da República
Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª ed., pág.466:
“O direito ao bom nome e reputação (nº 1) consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na
sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se
dessa ofensa e a obter a competente reparação cfr. Código Penal, arts. 164° e 165°”.
Na lei ordinária a personalidade moral, o bom-nome e consideração social das pessoas, são valores tutelados
(artigos 70º e 484º do Código Civil).
“1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou
moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer
as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos
da ofensa já cometida.”
25
Este normativo tutela a personalidade, como direito absoluto, de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, à
integridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome, e à honra, que são os aspectos que individualizam o ser
humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis.
O art. 484º do citado Código estatui – “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o
bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados .”
Este normativo ao proteger o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, tutela um dos elementos
essenciais da dignidade humana – a honra.
"A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza
igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância...
Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades
determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político".
Rabindranah Capelo de Sousa, “O Direito Geral da Personalidade”, 1995, págs. 303-304.
Maria Paula Andrade, in “Da Ofensa do Crédito e do Bom Nome”, 1996, pág. 97, afirma ser a honra um "…Bem
da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos
olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição
atribui a relevância de fundamento do Estado Português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa,
trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões
no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso".
Pedro Pais de Vasconcelos – “Teoria Geral do Direito Civil” – 2005, pág.38 e segs:
“ […] O direito à vida, ou à honra, ou à integridade física, ou à privacidade, ou à imagem, por exemplo, não
constituem direitos subjectivos autónomos, mas antes poderes jurídicos que integram o direito de personalidade do seu
titular, poderes estes que são exercidos quando a dignidade do seu titular for posta em causa através de ameaças ou
ofensas àqueles específicos bens de personalidade.
A tipificação dos chamados direitos especiais de personalidade é um reflexo da tipificação de específicos bens de
personalidade que integram a dignidade humana e das lesões que historicamente se foram tornando típicas.
A dignidade humana pode ser ameaçada ou ofendida em diversos bens que a integram — vida, integridade física,
honra, privacidade, imagem, nome, etc. — para a defesa de cada um dos quais o direito de personalidade contém
específicos meios ou bens, que beneficiam de específicos poderes jurídicos” – (destaque e sublinhados nossos).
Sendo a honra e o direito ao bom nome valores absolutos que se inscrevem no âmbito dos direitos de
personalidade, absolutos e invioláveis, importa saber se a publicação em causa lesou direitos do Autor ao publicitar factos
que, em si mesmos, são desonrosos para qualquer cidadão.
“O Professor Beleza dos Santos ensinava que a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza
moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si,
pelo que é e vale, e que a consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a
26
qualquer pessoa, de tal forma que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa ao desprezo público (R.L.J.,
Ano 92º, pág. 164)” – cfr. Ac. deste Supremo de 30.10.2003 – Proc. 03P3369 – in www.dgsi.pt.
A afirmação e difusão de factos que sejam idóneos a prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa acarretam
responsabilidade civil (extracontratual), implicando a obrigação de indemnizar se verificados os requisitos do art. 483º do
Código Civil.
O art. 484º do Código Civil prevê caso particular de antijuridicidade que deve ser articulado com aquele princípio
geral contido no art. 483º, não dispensando a cumulativa verificação dos requisitos da obrigação de indemnizar.
Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 11ª edição, págs.564-565, depois de aludir aos “critérios
básicos” da responsabilidade civil do art. 483º, nº1, do Código Civil indica como “casos especiais de ilicitude a ofensa do
crédito ou do bom nome”, e depois de transcrever o art. 484º, afirma:
“Infere-se da lei que tem de haver a imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais.
A regra consiste na irrelevância da veracidade ou falsidade do facto, mas, sempre que esteja em causa a
protecção de interesses legítimos, parece de admitir a “exceptio veritatis” (…). Sublinhe-se, por fim, que o facto afirmado ou
difundido deve mostrar-se, ponderadas as circunstâncias concretas, susceptível de afectar o crédito ou a reputação da
pessoa visada — pessoa singular ou colectiva, onde se incluem as sociedades”.
“É indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom-nome e a
reputação de uma pessoa. Por outro lado, a divulgação de um facto falso atentatório pode não constituir um delito – por
carência, por exemplo, de elemento voluntário.
Por isso, a solução deve resultar do funcionamento global das regras da imputação delitual".
Também Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª edição, a propósito do art. 484º do Código Civil
(págs. 567-568), afirma:
“Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro – contanto que seja susceptível,
ponderadas circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas
obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida
(prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade".
“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal
destinada a proteger interesses alheios fica obrigado indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação ”.
Como pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, são apontados – o facto voluntário do agente, a
ilicitude, a culpa (dolo ou negligência), o dano e o nexo de causalidade.
Importa então saber se, in casu, se encontram verificados os requisitos do normativo citado, sobretudo, se ao
difundir, via imprensa, as imputações feitas ao Autor, a Ré agiu com culpa, entendida esta como juízo de censura ético-
jurídico, em função de no caso deverem ser omitidas as alusões depreciativas feitas ao Autor.
Desde logo, há que ponderar que aos jornalistas assiste o direito de informar e tal direito é uma manifestação
constitucional da liberdade de expressão e de imprensa – arts. 37º e 38º da Lei Fundamental – direitos consagrado na lei
ordinária.
27
“Integram o conceito de imprensa, para efeitos da presente lei, todas as reproduções impressas de textos ou
imagens disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuir
utilizados.
Um dos limites à liberdade de informar, que não é por isso um direito absoluto, é a salvaguarda do direito ao bom-
nome.
Os jornalistas, os media, estão vinculados a deveres éticos, deontológicos, de rigor e objectividade, que se
cumprem com a recolha de informação com base em averiguações credíveis que possam ser confrontadas para testar a
genuinidade das fontes, de modo a que o dever de informar com isenção e objectividade, não seja comprometido por
afirmações levianas ou sensacionalistas, fazendo manchetes que têm, quantas vezes, como único fito o incremento das
vendas e a avidez da curiosidade pública, sem que a isso corresponda qualquer interesse socialmente relevante,
provocando, quantas vezes, danos devastadores nos visados.
“São particularmente gravosas – e merecem especial atenção – as ofensas à honra cometidas através da
comunicação social… O impacto que os meios de comunicação de massa – imprensa, rádio e televisão e Internet – têm na
sociedade e a credibilidade de que, porventura imerecidamente, beneficiam, agravam brutalmente as lesões causadas.
É sabido que a generalidade das pessoas acredita acriticamente no que os jornais, a rádio e principalmente a
televisão comunicam e como são ineficazes os desmentidos posteriormente publicados, quase sempre tarde e com impacto
insuficiente.
As ofensas à honra assim cometidas são extremamente gravosas e dificilmente reparáveis. A liberdade de
imprensa não sobreleva o direito à honra.
Embora ambos estejam formalmente consagrados na Constituição da República como direitos, liberdades e
garantias, a defesa da honra situa-se no âmbito superior dos direitos de personalidade e é, por isso, hierarquicamente
superior à liberdade de imprensa”.
Se forem violados deveres deontológicos pelos jornalistas por não actuarem com a diligência exigível com vista à
recolha das informações, se negligentemente as não recolheram de fonte inidóneas, se essas informações e as fontes não
foram testadas de modo a assegurar a sua fidedignidade e objectividade (1) , estamos perante actuação culposa.
Ao dar à estampa, sobre o Autor, notícias que lhe imputam “100 crimes aos 19 anos”, afirmando-se que
“conhecido por “Puto Mitra”, rouba desde os dez anos e está agora em prisão preventiva na cadeia de Caxias suspeito de
muitos furtos e uma violação” – (alínea C) dos Factos Assentes); “tem contra si as evidências de nove anos de actividade
delituosa”; “desde os dez anos que o jovem fez carreira de realização de pequenos furtos”; “abordava transeuntes na via
pública, fazendo uso de diversas armas brancas para os desapossar de todos os valores”; “o roubo de viaturas, foi, desde
sempre, uma das especialidades de puto mitra”; “esteve alegadamente envolvido num caso de violação” – (alínea D) dos
Factos Assentes) – sem dúvida que está objectivamente posta em causa a honra e o bom-nome do Autor, porque os factos
são infamantes e impróprios de uma pessoa/cidadão de bom carácter.
Assiste ao Jornal o direito, a função social, de difundir notícias de interesse público, importando que o faça com
verdade e com fundamento, pois, entre o direito à honra em sentido lato, e o direito de liberdade de imprensa e opinião são
tradicionais domínios do direito de personalidade em conflito, tendo ambos tutela constitucional pelo que facilmente se
entra no campo da colisão de direitos – art. 335º do Código Civil – sendo que, em relação a factos desonrosos, dificilmente
se pode configurar, a nosso ver, a exceptio veritatis a cargo do lesante.
28
Todavia, importa ponderar com Figueiredo Dias, “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da
Imprensa Português”, RLJ Ano 115º, págs. 101-102, 105-106 e 170-171:
“... É o próprio texto constitucional que invoca o direito penal a tomar o seu lugar e a sua responsabilidade na
solução dos conflitos entre as figuras jurídico-constitucionais do direito à honra e do direito de informação...”.
É socialmente aceitável limitar a tutela da honra se se visar a salvaguarda do núcleo essencial do direito à
informação, não sancionando as ofensas, caso constituam “meio adequado e razoável de cumprimento da função pública
da imprensa”, usado por esta "com a intenção… de cumprir a sua função pública e, assim, de exercer o seu direito-dever
de informação”, desde que, como ensina o reputado Professor, se admita a prova da verdade da imputação "no preciso
âmbito do direito de informação”, ainda que através da simples demonstração de "uma crença fundada na verdade” obtida
de acordo com "as exigências derivadas das “leges artis” dos jornalistas, das suas concepções profissionais sérias, e que
se não contentarão com a criação de um convencimento meramente subjectivo, mas imporão que aquela – a verdade da
imputação – repouse numa base objectiva”.
Exigível é que "... A imprensa, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra
das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-
se convenientemente” – cfr. Estudo citado, págs. 101-102, 105-106 e 170-171.
Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I Volume – 7ª edição – em nota de rodapé – pág. 559 – ensina:
“Para haver culpa, no caso de afirmação ou divulgação de factos susceptíveis de prejudicar o crédito ou o bom
nome de alguém, basta, em princípio, que o agente queira afirmar ou difundir o facto, pouco importando que ele soubesse
ou não que, em consequência disso, o lesado perderia um negócio vantajoso ou uma colocação rendosa ou veria desfeito o
seu noivado. Desde que o agente conheça ou devesse conhecer a ilicitude ou o carácter danoso do facto, é justo que sobre
ele recaia o encargo de reparar os danos efectivamente causados por esse facto”.
Daí que a prova da actuação diligente na recolha e tratamento da informação – a actuação segundo as leges artis
– incumba ao jornalista.
No caso em apreço, provou-se que o Jornal procedeu a uma investigação dos factos junto da área de residência
do Autor, baseada em fontes diversificadas, junto de vizinhos e do contacto com as autoridades policiais locais – e que
estas autoridades policiais locais confirmaram a veracidade dos factos relatados na noticia.
Aqui avulta, em termos valorativos da actuação do Jornal, a circunstância de, tratando-se de imputações de
factos do foro criminal, ter sido obtida confirmação das investigações acerca do Autor, junto de fonte que tem de considerar-
se idónea – a autoridade policial.
Assim sendo, pese embora muitas das imputações serem relativas a período da idade do Autor, em que ainda
não era penalmente imputável, não podendo por isso falar-se na prática de crimes, mas antes de actividades censuráveis,
como decorre dos factos referidos: “desde os dez anos que o jovem fez carreira de realização de pequenos furtos”,
“abordava transeuntes na via pública, fazendo uso de diversas armas brancas para os desapossar de todos os valores”,“o
roubo de viaturas, foi, desde sempre, uma das especialidades de puto mitra” – o facto de não se terem provado, mas
apenas que à data da publicação da notícia o Autor fora condenado duas vezes pela prática de crime de condução de
veículo sem habilitação legal – só por si não implica que se deva considerar que o Jornal publicou notícia que sabia ser
falsa.
Isto porque na sequência das investigações feitas pelo Jornal a autoridade policial confirmou a “veracidade dos
factos relatados na notícia” – resposta ao quesito 10º.
Esta confirmação policial tem de se considerar uma fonte credível e se o Jornal publicou os factos após tal
confirmação, razoavelmente, podia ter confiado na idoneidade da fonte, o que o exime de censura (culpa).
Assim, desde logo, se considera inverificado o requisito “culpa” – art. 483º, nº1, do Código Civil – por a actuação
do Jornal não ser censurável, tendo agido segundo as regras deontológicas, curando de produzir notícias verdadeiras ou,
pelo menos, fidedignamente confirmadas como tal; ademais, o Autor foi sempre referido pela sua alcunha, pelo que a sua
identificação apenas era do conhecimento daqueles com quem lidava na sua vida de relação, tendo sido omitidos dados
que dessem a conhecer quem era, preservando o seu nome o que exprime prudência.
29
Mas, mesmo que assim não fosse, ter-se-á que concluir que os factos provados não demonstram a existência de
dano e, consequentemente, de nexo de causalidade.
…
No caso, o dano seria a quebra de prestígio social e a afectação do bom-nome do Autor pelo facto de ter sido
visado pelas notícias.
Não se provou a existência sequer de dano moral – sofrimento, psicose, depressão (como foi alegado) – pelo que
não havendo nem culpa nem dano, prejudicada fica a existência de nexo de causalidade e, logo, a obrigação de
indemnizar.
“Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha
causado um prejuízo a outrem” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, p. 619.
“Dano é o prejuízo in natura que o lesado sofreu nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito
violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado” – obra e autor citado.
“A base constitucional do princípio da igualdade é a igual dignidade social de todos os cidadãos (n° 1) — que,
aliás, não é mais do que um corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas (cfr. art. 1°) —, cujo sentido imediato
consiste na proclamação da idêntica “validade cívica” de todos os cidadãos, independentemente da sua inserção
económica, social, cultural e política, proibindo desde logo formas de tratamento ou de consideração social
discriminatórias”.
Decisão:
Custas pelo Autor/recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.
486º - Os atrás referidos, doido que foge do hospital; criança gravemente queimada em
infantário, caso este decidido pelo STJ por Ac. de 25.11.98, no BMJ 481-470 tratando de forma
exaustiva as questões assim sumariadas:
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CULPA IN VIGIIANDO
QUEIMADURAS DE 3º GRAU EM CRIANÇA
NUM INFANTÁRIO
INDEMNIZAÇÃO A FAVOR DOS PROGENITORES
I - A omissão dos deveres de socorro e de prevenção do perigo, derivados das obrigações contratuais de
vigilância e de assistência assumidas pela ré, sobre as crianças recolhidas num seu infantário, omissão que foi causadora
de lesões de direitos absolutos daquelas, implica responsa-bilidade, quer contratual quer extra-contratual, para com os
respectivos pais.
II - Na noção geral de dano não patrimonial, acolhida pelo nº 1 do artigo 496º do Código Civil, cabem a dor
física e moral, a perda do sentimento de auto-estima e a amputação da alegria de viver, devendo a compensação
monetária de um tão grande desvalor ser feita com recurso à equidade, nos termos do nº 3 do mesmo normativo.
III - Os prejuízos irreversíveis sofridos por bebé de 7 meses de idade resultantes de aleijões nas mãos e da
desfiguração da face, implicando privação de uma parte importante da futura capacidade de ganho, são susceptíveis de
indemnização (564º, nº 2, equidade - 566º, nº 3), não valendo contra-argumentar que, face à tenra idade do lesado, dar
como assente o lucro cessante ou o respectivo montante constitui um exercício de futurologia.
IV - Enquanto titulares do poder paternal, os pais têm o direito de ver o filho me nor crescer e desenvolver-se em
saúde, por força do nº 1 do artigo 68º da Constituição da República Portuguesa. A directa violação de tal direito, absoluto,
pela grave omissão dos funcionários da ré, de que resultaram danos pessoais para o menor implica indemni zação, por
danos não patrimoniais, a favor dos progenitores.
III - Culpa ou Nexo de imputação do facto ao lesante - Só pode dizer-se que alguém
agiu com culpa quando esse alguém é imputável e no caso concreto podia e devia ter agido de
outro modo. Só então é possível formular um juízo de censura, de reprovação, de culpa.
Responsabilidade das pessoas obrigadas à sua vigilância - 491º (BMJ 451-39) - cópia - e
dos próprios inimputáveis - 489º (equidade e impossibilidade de obter a reparação das pessoas a
quem incumbe a vigilância - BMJ 436-168: maior criminalmente inimputável, sem vigilante por não
interdito ou com vigilante mas este sem bens, deve indemnizar:
Depois de fixar o princípio da irresponsabilidade civil do inimputável, o legislador veio admitir a sua condenação
por danos resultantes de factos ilícitos que cometa, isto por motivos de equidade, verificado que seja todo um requi sitório
que o Professor Antunes Varela assim articula:
a) - Que haja um facto ilícito;
b) - Que esse facto tenha causado danos a alguém;
c) - Que o facto tenha sido praticado em condições de ser considerado culposo;
d) - Que haja entre o facto e o dano o necessário nexo de causalidade;
e) - Que a reparação não possa ser obtida à custa do vigilante do inimputável;
f) - Que a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor, em face das circunstâncias concretas
do caso;
g) - Que a obrigação de indemnizar seja fixada em termos de não privar o inimputável dos meios necessários aos
seus alimentos ou ao cumprimento dos seus deveres legais de alimentos.
Simplesmente, a esta impossibilidade económica de o vigilante poder reparar os danos produzidos pelo
inimputável é inteiramente equiparável aquela outra hipótese de este último ser maior, de não estar interditado e de,
portanto, não ter representante legal. A circunstância de a lei não contemplar expressamente a situação concreta que se
nos depara não é intransponível, tudo dependendo de se poder ou não recorrer à analogia como processo de preencher a
lacuna encontrada.
31
Culpa - é fundamental neste tipo de responsabilidade que se possa estabelecer um nexo
psicológico entre o facto e a vontade do lesante, que esse nexo seja passível de um juízo de censura.
Nos termos do art. 483º, n.ºs 1 e 2 - só existe obrigação de indemnizar independen-
temente de culpa nos casos especificados na lei.
Este juízo de censura pode revestir as modalidades de dolo e negligência ou mera culpa.
No caso de dolo, juízo de censura mais intenso, a indemnização não pode ser inferior ao
valor dos danos. Não já no caso de mera culpa - 494º e 497º, 2 e 570º
Nos termos do art. 342º, 1, sendo a culpa elemento constitutivo do direito à indemnização,
cabe ao A. fazer a prova dela - 487º, 1 - a menos que beneficie de presunção; não assim na
responsabilidade contratual, onde a falta de culpa funciona como excepção e, por isso, cumpre ao
devedor provar que o incumprimento não se deve a culpa sua - 342º, 2 e 799º1.
Presunção judicial por violação de norma - Nas acções de indemnização por facto ilícito, embora caiba ao
lesado a prova da culpa do lesante, a posição daquele será frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a
tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se a prova prima facie ou por presunção judicial
produzida pelo lesado, apontar no sentido da culpa do lesante, cabe a este o ónus da contraprova; em princípio, procede
com culpa o condutor que, em contravenção aos preceitos estradais, causar danos.
Provado que a condução do automóvel era feita em manifesta violação da regra enunciada no artigo 13º, n.° 1,
do Código da Estrada (fora de mão), demonstrada ficou, em princípio, a culpa do réu condutor, culpa presumida que só
resultaria afastada se os réus tivessem provado que aquela condução pela esquerda da meia faixa de rodagem à direita do
condutor se encontrava justificada por ocorrer situação de facto subsumível a qualquer das excepções previstas naquele
artigo 13º - antigo art. 5º - do Código da Estrada - BMJ 414 -533, com muita informação.
No mesmo sentido decidiu o mesmo STJ em 9.7.98, por Ac. no BMJ 479-592:
Existe inobservância do direito estradal quando se realiza a ultrapassagem de outro veículo sem que se respeite
uma prudente distância relativamente a ele, o que faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes.
A responsabilidade fundada na culpa - culpa presumida é o mesmo que culpa efectivamente provada -
permite formular uma pretensão indemnizatória que ultrapassa os limites fixados para a que se baseia no risco, caso em
que não há lugar à aplicação do nº l do artigo 508º do Código Civil.
32
Mais recentemente - Ac. de 8.6.99, no BMJ 488-323 - afirmou-se que tem sido orientação
praticamente constante do Supremo Tribunal de Justiça aquela segundo a qual a prova da
inobservância das leis e regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes,
dispensando a prova em concreto da falta de diligência.
«Como tem sido, maioritariamente, considerado pela jurisprudência do STJ, a prova da inobservância de leis ou
regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta
comprovação da falta de diligência (Acs. de 28/05/74, in BMJ 2372-231, de 20/12/90, in BMJ 402-558, de 10/01/91, in BMJ
403-334, de 26/02/92, in BMJ 414-533, de 10/03/98, in BMJ 475-635, ou de 09/07/98, in BMJ 479-592). É que, embora em
matéria de responsabilidade civil extra-contratual a culpa do autor da lesão em princípio não se presuma, tendo de ser
provada pelo lesado (art. 487º, nº 1, do Cód. Civil), a posição deste é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-
lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do
lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova. Para provar a culpa, basta assim que o prejudicado possa
estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, a tornem muito verosímil, cabendo ao lesante fazer a
contraprova, no sentido de demonstrar que a actuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o
desencadeamento do facto danoso. Isto não está sequer em contradição com o disposto no art. 342º do Cód. Civil, que
consagra um critério de normalidade no que respeita à repartição do ónus da prova, no sentido de que aquele que invoca
determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram, tendo a parte contrária de provar, por seu turno,
os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito.
Assim sendo, no caso dos autos, a Ré Seguradora, e ora recorrente, teria de provar que o facto de o condutor da
viatura em si segura circular fora da sua faixa de rodagem não teria sido determinante para o evento ou que esse facto foi
causado por factores estranhos à sua vontade.
Como essa prova não foi feita, nenhum tipo de censura merece a sentença recorrida".
Concordando-se inteiramente com esta posição, fica assente que houve culpa do condutor do veículo.»
491º - pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, à vigilância de incapazes naturais.
Respondem por facto próprio, por culpa in vigilando – Estudar aquele Bol. 451-39, com voto de
vencido.
Ciclista menor que atropela peão - responsabilidade dos pais - BMJ 421-420, também
referido no voto de vencido agora visto.
Menor que mata o amigo: relacionar este art. 491º com os art. 122º, 123º, 1878º, nº 1 e 1881º,
nº 1, conforme decidido pelo STJ, em 28.10.92, no BMJ 420-565:
CULPA IN VIGILANDO
DEVER DE VIGILÂNCIA DE MENORES
INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE DOS PAIS
I - A responsabilidade que recai sobre os pais e encarregados da vigilância de menores funda-se na culpa,
resultante de, nessa vigilância, terem descurado os deveres próprios do exercício de tal função.
II - Essa culpa deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada
caso (artigo 487º nº 2, do Código Civil), recaindo sobre o eventual responsável a obrigação de provar ter cumprido o seu
dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivesse cumprido (artigo 491º do Código Civil).
III - Um vulgar pai de família não está obrigado a um dever de vigilância que preveja que dois rapazes amigos,
considerados pelos conhecidos como especialmente bem comportados, em passeio mais ou menos habitual de exploração
das matas da zona, se envolvam em confronto físico, em resultado de observações desprimorosas para a família feitas pelo
que veio a ter a posição de vítima.
IV - A circunstância de ambos, numa exploração daquele tipo, serem portadores de armas cortantes não é,
sequer, factor que justifique uma obrigação acrescida de vigilância e cuidado, por se configurar como normal o respectivo
transporte no concreto circunstancialismo do caso, atendendo à idade de ambos e à natureza da deslocação que
empreendiam, em espírito de aventura, e sem que, em outras ocasiões anteriores, tivessem sido criadas quaisquer dúvidas
sobre a idoneidade dos mesmos para se fazerem acompanhar da referida espécie de armas.
33
***
«Da responsabilidade dos pais da vítima.
Os pais do menor - este, ao tempo com 15 anos de idade, falecido em consequência do acidente que também
causou danos à Autora - foram demandados com fundamento na culpa in vigilando – art. 491º do Código Civil.
O Tribunal de 1ª Instância considerou que os RR. pais do menor, não violaram o seu dever de vigilância dos actos
do seu filho.
Já a Relação entendeu diversamente, condenando-os por ter considerado ter havido omissão desse dever.
A fls. 432 do Acórdão pode ler-se – “Sobre os Réus CC e mulher, pais do menor DD, recai, pois, a
responsabilidade pelos danos causados pelo menor a terceiro, a menos que os mesmos lograssem provar que cumpriram o
seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.
Ora, afigura-se-nos que os factos provados não dão mostra de que os Réus CC e mulher cumpriram o seu dever
de vigilância em relação ao menor DD, não estando sequer em causa que os danos se teriam produzido ainda que
tivessem cumprido o seu dever de vigilância.
Se cumprissem esse dever, impedindo o menor de conduzir um veículo que não estava habilitado a conduzir nem
tinha a idade adequada para o efeito, os danos não se teriam produzido”.
“As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural
destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de
vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido ”.
O normativo estabelece presunção de culpa daqueles que, por lei ou negócio jurídico, têm o dever de vigilância.
O Conselheiro Pais de Sousa, in “Incapacidade Jurídica dos Menores Interditos e Inabilitados no Âmbito do
Código Civil”, escreve:
“ O normativo (art. 491°) estabelece uma presunção legal contra as pessoas obrigadas por lei ou negócio
jurídico, a vigiar os menores que causaram danos a terceiro.
É que, de acordo com a experiência, boa parte dos actos ilícitos praticados pelos incapazes têm origem numa
falta de vigilância adequada. Assim, para acautelar o direito de indemnização do lesado contra a irresponsabilidade ou falta
de solvabilidade do autor da lesão e para estimular o cumprimento dos deveres das pessoas obrigadas à vigilância, fixou-
se a referida presunção.
A responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância não é uma responsabilidade objectiva ou por facto de
outrem, mas por facto próprio, visto a lei presumir que houve uma omissão de vigilância adequada (culpa in vigilando). Por
lei estão obrigados, entre outros, os pais e tutores…”.
A obrigação de vigilância, no caso de filhos menores, incumbe aos pais, desde que não inibidos do poder
parental, porquanto, competindo-lhes o dever educar, a sua responsabilidade radica em acto próprio – a omissão daquele
poder-dever, cuja exigência e padrões são indissociáveis de razões culturais e idiossincráticas.
O poder paternal deve ser exercido no interesse dos filhos, competindo aos pais o poder-dever de velar pela
segurança e saúde e prover ao seu sustento e “dirigir a sua educação”.
Cabe, assim aos pais, nos termos dos arts. 122º, 123º, 1878º, nº1, 1881º, nº1 e 1885º, nº1, do Código Civil, a
promoção do desenvolvimento físico e psíquico, intelectual e moral dos filhos menores e velar pela sua segurança,
educação, saúde, assim como representá-los.
Educação implica formação e acompanhamento que não podem ser frutuosos se quem educa não pode, ou não
tem um comportamento que sirva de exemplo.
Educar é velar pela segurança, saúde e formação moral dos filhos, dotando-os de condições de vivência física
que permitam um desenvolvimento são, harmonioso e equilibrado, sob pena de, omitindo ou negligenciando tais deveres,
contribuírem para uma personalidade desajustada contrária aos valores que as sociedades devem preservar e que devem
começar no seio familiar.
Dário Martins de Almeida – “Manual de Acidentes de Viação”, em comentário ao art. 491º do Código Civil escreve:
“Dois postulados comandam aqui a presunção de culpa das pessoas obrigadas à vigilância de outrem, impondo:
a) — que exista um dever legal ou convencional de vigilância; b) — que essa vigilância obrigatória tenha por objecto
prevenir perigos resultantes de vigilandos (menores ou dementes), quer pela educação, quer através de cautelas normais,
a apreciar segundo as circunstâncias de cada caso”.
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[…] Fixada na lei como culpa presumida, não interessa trabalhá-la nos quadros da culpa in abstracto ou da culpa
objectiva; ela existe, desde que não seja ilidida a presunção.
E, para ilidir esta, basta apenas que se faça a prova de um destes factos: a) — que o dever de vigilância foi
cumprido, segundo as circunstâncias de cada caso concreto, nas quais se incluem a ocupação e a condição do próprio
vigilante; b) — que os danos se teriam produzido mesmo que esse dever tivesse sido cumprido (ausência portanto de nexo
de causalidade)”.
A presunção estabelecida pelo art. 491° não abrange os casos de responsabilidade objectiva, assim se decidiu
no Acórdão da Relação do Porto de 5.7.1979, in CJ, 1979, IV, 1251.
O dever de vigilância, cuja violação implica responsabilidade presumida, culpa in vigilando, não deve ser
entendido como uma obrigação quase policial dos obrigados (sejam pais ou tutores), em relação aos vigilandos porque,
doutro modo, o não deixar, sobretudo, no que ao poder paternal respeita, alguma margem de liberdade e crescimento do
menor, seria contraproducente para a aquisição de regras de comportamento e vivências compatíveis com uma sã
formação do carácter e contenderia com a desejável inserção social.
Daí que importe ajuizar, casuisticamente, se tal dever foi ou não cumprido.
No caso dos autos provou-se que os pais sabiam que o filho tinha o motociclo com o qual se acidentou e que o
menor tinha uma motorizada que era guardada em casa dos pais.
O menor falecido tinha à data do acidente 15 anos de idade.
A decisão da 1ª instância absolveu os pais, argumentando, factualmente, que:
“Na manhã em que ocorreu o acidente, o pai do menor, o réu CC deu uma queda, sofrendo um traumatismo
craniano.
Por esta razão foi ao Hospital de Santo André, em Leiria, a fim de ser socorrido.
35
Deu entrada no hospital às 12 horas e 54 minutos e teve alta com destino ao domicílio às 16 horas e 45 minutos
do dia 7 de Março de 2000.
Ele e a mulher (que o acompanhava) regressaram a casa cerca das 17 horas e 45 minutos, altura em que tiveram
conhecimento de que o seu filho tinha tido um acidente de motorizada…
A matéria de facto acabada de transcrever evidencia que, no dia em que ocorreu o acidente, não era exigível aos
réus que cumprissem o seu dever de vigilância…”. – cfr. itens 49) a 52) dos factos provados.
Entendeu-se, assim, que, com base na impossibilidade física provocada pelo acidente sofrido, coincidentemente
no dia do acidente, pelo pai do menor, não pôde ele nem a sua mulher (a mãe) exercer o dever de vigilância sobre filho,
pelo que nunca o poderiam impedir, nesse dia, de tripular o motociclo, não tendo deste modo omitido, culposamente, o
dever de vigilância.
A Relação entendeu diversamente, considerando que tal omissão começou quando os RR. não impediram o filho
de comprar o motociclo, facto que era do seu conhecimento.
Se entendêssemos o dever de vigilância como a obrigação de seguir pari e passu a actividade do menor, então
teríamos de concluir que, no dia fatídico, os pais não poderiam ter evitado que o seu filho circulasse com o motociclo. A
circunstância tem algum relevo.
O dever de vigilância radica na omissão de comportamentos próprios, que são a jusante, causa de actuações
desviantes ou censuráveis dos vigilandos; por isso se trata de culpa presumida dos obrigados à vigilância e não de
responsabilidade independentemente de culpa, que só seria despoletada quando um evento danoso envolvesse culpa (em
sentido impróprio, entenda-se) do vigilando.
Não é o critério da proximidade física o decisivo, em regra, muito embora se possam conceber casos em que
assim possa ser.
Pense-se o facto do menor anunciar, na presença dos pais, que vai agredir alguém, ou atear fogo, e eles não
impedem essa actuação, podendo fazê-lo.
No caso dos autos, tendo o menor 15 anos de idade, o que faz com que segundo as regras de experiência de
vida, a vigilância dos pais não seja tão intensa e presente, também, fisicamente, como quando os filhos são mais novos e
não têm a percepção do desvalor dos seus actos nem avaliam as consequências da sua actuação, não é de considerar que
os pais omitiram o seu dever de vigilância, por naquele dia o menor ter conduzido o motociclo, já que os pais, nem desse
facto tinham conhecimento, não sendo suficiente o ter-se provado que sabiam que o filho tinha tal veículo.
Os factos provados, no que concerne à actuação dos pais – pessoas modestas – em relação às quais nada foi
alegado que os permitisse considerar maus educadores – mesmo considerando a sua culpa presumida – não são de molde
a considerá-los responsáveis pela actuação do seu filho, no contexto factual do evento que causou danos à Autora» – Ac.
do STJ (Cons.º Azevedo Ramos) de 6.5.2008, no P.º 08A1042.
492º - Danos causados por edifícios ou obras - embora o artigo 492º C.C. estabeleça uma
presunção de culpa que favorece o lesado, tal presunção só funciona após a prova, onus do
lesado, de o evento se ter ficado a dever a vício de construção ou defeito de conservação. O
lesado apenas tem de provar o facto que serve de base à presunção . A presunção onera tanto
o proprietário como o possuidor, devendo considerar-se possuidor quem (o empreiteiro, p. ex.,) leva a
cabo a obra, quem tem a coisa à sua guarda - Col. STJ 01-I-39 e BMJ 493-367; queda de muro
sobre automóvel estacionado – Col. Jur. (STJ) 02-III-51.
36
existindo obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados da lei. É o que resulta do art. 483º
do C. Civil.
Mas é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa - nº 1 do
art. 487º do C. Civil.
De tudo decorre que, na responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos culposos, é ao lesado que
incumbe o ónus da prova da materialidade fáctica demonstrativa da culpa do autor da lesão.
Por vezes, contudo, a lei determina que o ónus da prova se inverta, como sucede na responsabilidade civil extra-
contratual por danos causados por edifícios ou outras obras ou por coisas, animais ou actividades. Assim está disposto nos
arts. 492º e 493º do C. Civil, que prevêem uma actividade delitual e não objectiva.
Quer dizer, o ónus de prova do lesado respeita aos pressupostos da presunção de culpa; provados estes,
incumbe ao apontado causador da lesão demonstrar a ausência da sua culpa.
Como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal - cfr. Acs. de 9/5/1991, Proc. nº 80.456, da 2ª Secção, de
6/2/1996, Bol. 454, 697, de 4/12/1996, Col. Jur. STJ, III, 3, 122 e de 18/2/1997, Bol. 502, 464 - tem que se concluir que uma
conduta de água, resguardada e sem evidência de erros técnicos de construção ou montagem, é algo que, pela sua própria
natureza não pode ser havido como perigoso, de modo a poder ser enquadrado no nº 2 do citado art. 493º.
Cai, assim, na previsão do nº 1 do também referido art. 492º, que prescreve: O proprietário ou possuidor de
edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos
danos causados, salvo se se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não
teriam evitado os danos.
Como se diz no citado Ac. de 6/2/1996 no tatbstand do art. 492º está uma perigosidade não tanto de actividade
ou meio, mas de anomalia, como, por natureza, será o ruir de edifício ou outra obra, ou, como dizem os Profs. Pires de
Lima e Antunes Varela, C. CIVIL Anotado I vol., 4ª ed., 494º por vício de construção ou defeito de conservação.
Os mesmos Profs. a fls. 493º opinam que, quando o preceito se refere a edifícios ou outras obras, inclui os muros
ou paredes divisórias dos prédios, as pontes, os aquedutos, os canais, as albufeiras, uma coluna, um poste, uma antena,
um andaime, etc. O que é necessário é que a obra esteja unida ao prédio ou ao solo e não se trate de uma coisa móvel.
Também o Prof. Vaz Serra, Responsabilidade Pelos Danos Causados Por Edifícios ou Outras Obras, Bol. 88,13,
depois de fazer uma incursão pelo direito comparado, acaba por se fixar na análise das três orientações fundamentais:
a) responsabilidade independente de culpa pelos danos devidos a defeito de manutenção ou vício de construção
(Códigos francês, italiano, suíço);
b) responsabilidade com culpa presumida pelos danos resultantes do vício de construção ou de defeito de
manutenção (Código alemão);
c) responsabilidade dependente de culpa provada (Código português então vigente).
Acaba por se inclinar para a presunção de culpa e diz: a doutrina legal seria, portanto, aplicável, também a muros
de tapagem ou de suporte, a diques, a monumentos, a pontes, a aquedutos, a pilares, a máquinas unidas ao prédio, a
andaimes, a tendas, a poços, a passeios, a pontes, a canalizações, etc.
Por tudo o exposto, em outras obras, devem incluir-se, também, as condutas de água que atravessam as ruas e
os seus ramais exteriores de ligação para abastecimento dos prédios.
A EPAL é a concessionária do abastecimento público de água a Lisboa e localidades limítrofes, como vem
decorrendo da Portaria nº 10.367, de 147471943, e dos Decs.Leis nºs. 553-A/74, de 30/10, nº 190/81, de 4/7 e nº 230/91,
de 21/6.
Para tanto, tem de observar as prescrições administrativas e técnicas aplicáveis, de modo a construir e a
conservar em bom estado as condutas que constituem a rede de abastecimento de água.
Não se provou, como alegara a A., que a ruptura da conduta se desse pelo facto de ser insuficiente para o
volume do caudal e pressão de água que nela se transportava, nem que se tivesse constatado anteriormente que fosse
inadequada funcionalmente, quer dizer, não se provou qualquer relação de causalidade entre determinada deficiência do
material e o evento danoso.
Demonstrado não ficou, pois, qual a causa da ruptura, não se tendo a A. desincumbido do ónus de provar que a
EPAL não tenha cumprido as prescrições técnicas adequadas, ficando-se sem se saber o porquê concreto do evento.
Provou-se, sim, que a ruptura não foi antecedida de qualquer sinal prévio, sendo instantânea e súbita, que se
localizou num segmento diferente daquele em que ocorreu o sinistro anterior e que o piquete da EPAL demorou apenas dez
minutos a comparecer no local, tendo procedido à interrupção do abastecimento e iniciado a reparação.
E era à A. que incumbia provar, como se viu, os pressupostos da presunção da culpa da EPAL.
Não se tendo provado que a EPAL não tivesse vindo a fazer a vigilância necessária e a conservação
indispensável do material utilizado na distribuição da água, substituindo o que se encontrasse deteriorado, não se pode
concluir haver vício de construção ou defeito de conservação, mas que se ignoram as causas da ruptura, não só porque
não há factos demonstrativos da culpa da EPAL, como também porque a materialidade provada torna irrelevante a falta da
prova da inexistência da sua culpa».
37
Também o STJ decidiu, em 12.5.2005 – Revista 932/05 – que:
I - Uma conduta de água sem evidência de erros técnicos de construção ou montagem não é algo que possa ser
havido como perigoso em termos de preencher a previsão do nº 2 do art. 493° C. Civ.
II - Por sua vez, a presunção de culpa do art. 492° C. Civ. só funciona uma vez provados os seus pressupostos,
isto é quando se mostre ocorrer efectivamente a situação de facto que integra a sua previsão ( Tatbestand), dependendo,
pois, da demonstração de que na realidade houve vício de construção ou defeito de conservação ou manutenção
determinante do evento danoso.
I) - A perigosidade a que alude o art. 493º, nº 2, do Código Civil é uma perigosidade intrínseca da actividade
exercida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, perigosidade que deve ser aferida a priori e não em função
dos resultados danosos em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade
da actividade, ou risco dessa actividade.
II) – As coisas, sobretudo imóveis, são passíveis de causar dano, carecendo de vigilância com a inerente
prevenção, através de manutenção e conservação, a cargo do seu proprietário ou possuidor.
III) – O art. 492º do Código Civil estabelece uma inversão do ónus probatório, presumindo a culpa do
responsável, demonstrado que esteja a vício de construção ou o defeito de manutenção.
IV) – No caso em apreço, a prova da existência do vício de construção ou defeito de conservação é deveras
difícil por parte do lesado, já que não tendo, em regra, conhecimentos técnicos, nem sabendo quais a regras de actuação
que são utilizadas pela E..., para aferir do estado das canalizações subterrâneas, lhe é praticamente impossível provar a
existência de defeitos de conservação.
V) - Daí que ao lesado apenas seja exigível uma prova de primeira aparência do defeito e do nexo de
causalidade, sendo de considerar que se ocorre uma ruptura numa conduta de água transportada sob pressão,
subterraneamente, e essa ruptura for causadora de danos, e não se devendo tal facto a culpa do lesado, nem a caso
fortuito ou de força maior, existiu defeito de conservação.
VI) – Quando alguém tem contra si uma presunção de culpa, esta tem de ser ilidida pela prova do contrário, ou
seja, de factos que a excluam.
VII) – Ruindo a obra, no caso ocorrendo ruptura numa conduta de água, sem que se demonstre a existência de
caso fortuito ou de força maior, ou culpa do lesado, não tendo o responsável feito a prova de que não houve culpa sua, ou
que mesmo que tivesse adoptado a diligência devida o evento danoso teria ocorrido, há que concluir pela sua culpa
presumida, reportada ou a vício de construção ou a defeito de conservação.
VIII) – Naturalisticamente houve seis eventos danosos, mas, uma vez que a sua proximidade temporal e a razão
de ser deles está intrinsecamente ligada a uma única causa – a ruptura dos tubos condutores da água – para efeitos de
franquia, apenas se deve considerar um único sinistro e não seis.
O proprietário ou quem utilize o animal no seu próprio interesse pode ainda responder
pelo risco quando os danos resultem do perigo especial que a utilização dos animais envolve - 502º.
Exemplos: - toiro na feira que ataca um vitelo e a pessoa que segurava este - Col. 82-II-
361; cavalos que fogem do cercado e colidem com automóvel - BMJ 369-693; bois que invadem a
estrada e provocam acidente - Col. STJ 00-III-169; ovelhas imobilizadas nos carris originam
descarrilamento do comboio – Col. STJ 2003-II-115; águas vindas do andar superior, desabitado,
que danificam o andar inferior - Col. 97-I-48; árvore que cai em cima do automóvel - Col. 89-III-74;
morro que desaba sobre a via férrea - BMJ 320-145; Câmara que deixa obstáculo na via pública, uma
tampa de saneamento elevada em relação ao piso, vala não sinalizada - Ac. Doutrinais do STA, Ano
XXXIV - nº 30.
38
493º, 2 - actividades perigosas - Há obrigação de reparar os danos, excepto se o lesante
mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
Não basta provar, como nos casos anteriores, que os danos se teriam produzido por outra causa,
mesmo que o agente tivesse adoptado todas as providências exigidas pelas circunstâncias.
A actividade pode ser perigosa tanto pela sua natureza como pelos meios utilizados.
Exemplos: exercícios militares - BMJ 407-234; construção civil - BMJ 446-217; monda
química por avião - Col. 85-IV-293; transporte de produtos inflamáveis - Col. 80-II-183; lançamento
de foguetes - STJ 94-III-47; Ralye automóvel - BMJ 411-647; oficina de pirotecnia Col. 90-V-49;
uso de Caterpillar que danifica cabos telefónicos - STJ 95-III-153; locomotiva a carvão e incêndios
que provoca - RLJ 112-268; ruptura de cano da Epal quando se entenda a condução subterrânea de
água como actividade perigosa (vista Col. STJ 98-I-138); escavações em trincheira - BMJ 493-367;
armazenamento e transporte de resinas e materiais inflamáveis – Col. STJ 02-I-114; karting – Col.
01-V-251; motas de água – Col. STJ 04-III-127; lançamento de fogo de artifício – Col. STJ 2004-
II-92:
Dispõe o nº 2 do artigo 493º do Código Civil que quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade,
perigosa por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que
empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
Esta norma consubstancia um dos casos de presunção legal estabelecida no âmbito da responsabilidade civil
extracontratual.
Como é sabido, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz – nº 1 do
artigo 350º do Código Civil " competindo-lhe apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção, como ensina
Antunes Varela na RLJ 122 - 217, onde, com a habitual clareza, dá resposta directa à questão que nos é colocada nos
seguintes termos:
«Desde ... que o queixoso alegue e prove que os danos foram causados no exercício de uma actividade perigosa
(por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados), a lei (art. 493º, nº 2, do Cód. Civil) presume, a partir desse facto
(base de presunção), que o acidente foi devido a culpa do agente.
Para exigir a indemnização, não se torna, por conseguinte, necessário ao queixoso alegar nem provar
as circunstâncias concretas do acidente, para convencer o tribunal de que o agente procedeu com culpa e é,
consequentemente, obrigado a reparar o dano causado.
Ao demandado é que cabe, pelo contrário, se quiser liberar-se da obrigação de indemnizar, o ónus de
alegar e provar, nos termos da disposição legal citada, que empregou todas as providências exigidas pelas
circunstâncias para prevenir os danos ou que o acidente se deveu a culpa do lesado ou de terceiro.»
(sublinhado nosso).
Ora, a recorrida autora alegou e provou o facto (o lançamento do fogo de artifício, considerado actividade
perigosa) e as lesões que ele, directa e necessariamente, lhe causou, bem como as consequências danosas que daí lhe
advieram.
Tanto basta para fazer funcionar a presunção legal estabelecida no nº 2 do artigo 493º do Código Civil no sentido
de a culpa, o outro fundamental pressuposto da obrigação de indemnizar por responsabilidade extracontratual (artigos 483º
e 487º do Código Civil) - ser atribuída ao fogueteiro, quem quer que tenha sido.
Essencial é que, conforme ficou provado (supra 7º), o fogo de artifício tenha sido realizado (através desse
anónimo fogueteiro) por conta, ordem e no interesse da ré irmandade de S. Bento da Porta Aberta, uma vez que, assim e
como bem decidiram as instâncias nos termos do artigo 165º, referido ao artigo 500.º, nº 1, ambos do Código Civil, é esta
entidade que responde pela indemnização, em solidariedade com a recorrente Império, por força do contrato de seguro
identificado nos autos e supra referenciado em 42.
Só não seria assim se as rés tivessem destruído a presunção legal em apreço, alegando e provando que, no
lançamento do fogo, tinham sido empregues todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos,
ou que o acidente se ficou a dever a culpa da própria autora, ou de terceiro.
O que não sucedeu».
39
«Resulta do nº 2 do artigo 493º do Código Civil que quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade
perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que
empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias do caso, com o fim de os prevenir.
Actividade perigosa é aquela que, face às circunstâncias do caso concreto , implica para outrem uma
situação de perigo, ou seja, a probabilidade de lhe infligir um dano, o mesmo é dizer que envolve maior probabilidade de
causar danos do que generalidade das actividades.
Estamos perante uma situação em que o prédio contíguo era de construção antiga, implantado em terrenos de
constituição lodosa de mais de vinte metros de profundidade, e as fundações do novo edifício eram de dupla cave
executadas próximo das fundações do primeiro imóvel em profundidade de cerca de dez metros.
Acresce que, na realização das mencionadas fundações, os agentes de BB, SA utilizaram máquinas pesadas e
geradoras de forte trepidação por debaixo do mencionado edifício contíguo.
Certo é que a actividade da construção civil, abstractamente considerada, não é susceptível de ser qualificada de
perigosa, para os efeitos previstos no artigo 493º, nº 2, do Código Civil.
Todavia, perante o circunstancialismo concreto envolvente, designadamente a fragilidade das fundações do
prédio contíguo em razão da natureza do respectivo terreno de implantação, face às aludidas considerações de ordem
jurídica, a conclusão é no sentido de que se tratou de actividade perigosa por virtude da natureza dos meios empregados.
Está assente, por um lado, que BB, SA iniciou em meados de 1994 a sua intervenção na obra com a construção
das paredes de contenção das fundações e que a preceder o início das escavações foi construída uma parede de
contenção de terrenos.
E, por outro, que executou a obra de acordo com o projecto aprovado, seguindo as indicações da respectiva
dona, sujeita à sua permanente fiscalização, e com recurso a técnicas normalmente usadas naquele tipo de obras.
A lei estabelece condições especiais relativas à segurança das edificações, além do mais, no Regulamento Geral
das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38 382, de 7 de Agosto de 1951.
A regra é no sentido de o delineamento e a construção das edificações e a sua manutenção dever garantir a
segurança, além do mais, para os prédios vizinhos (artigo 128º).
Durante a execução das obras de qualquer natureza devem adoptar-se as precauções ou disposições
necessárias para evitar danos materiais (artigo 135º).
Na execução de terraplanagens, na abertura de poços galeria, valas e caboucos, ou noutros trabalhos de
natureza semelhante, os revestimentos e os escoramentos deverão ser cuidadosamente construídos e conservados,
adoptando-se as demais disposições necessárias para impedir qualquer acidente, tendo em atenção, além do mais, a
natureza do terreno e a localização da obra em relação aos prédios vizinhos (artigo 138º).
Incumbia a BB, SA, na sua qualidade de empreiteira, sujeita ao cumprimento das regras da arte da construção
civil e da lei, no âmbito da sua autonomia técnica, executar os trabalhos de escavação e de assentamento das fundações
em termos de não originar estragos a outrem, mormente no prédio contíguo, na altura da titularidade do recorrente.
O conteúdo do projecto de construção que devia executar ou as instruções que lhe tenham sido dadas pela dona
da obra, no âmbito ou fora do âmbito do seu direito contratual de fiscalização, são insusceptíveis de a desonerar do dever
de diligência com vista a não provocar estragos nos prédios contíguos.
Tendo em conta a factualidade provada, vários estragos no prédio urbano que então era do recorrente derivaram
das escavações no prédio contíguo, da implantação das suas fundações e de outras operações de construção realizadas
por agentes de BB, SA.
A afirmação que está assente de que BB, SA cumpriu o projecto com técnicas normalmente usadas no tipo de
obras que realizou, é meramente conclusiva, pelo que, sem factos concretos que a sustentem, não pode relevar no sentido
de que cumpriu as regras técnicas e de diligência que as circunstâncias do terreno em que operava e o prédio contíguo
exigiam.
Sabe-se que BB, SA não fez escorar o edifício e a selagem das ancoragens em estratos com melhores
características resistentes nem consolidou previamente os alicerces.
Perante este quadro de facto, em relação aos estragos que provocou no prédio que então era do recorrente, BB,
SA e CC, SA não demonstraram que os titulares dos órgãos e ou agentes da primeira tomaram as precauções que se lhe
impunham de harmonia com as regras da arte da construção civil e das normas de segurança nas edificações acima
referidas.
Com efeito, a escavação e implementação das fundações em causa, considerando a natureza a estrutura do
terreno envolvente e do prédio contíguo, exigiam particular cuidado na movimentação de máquinas para suavizar a
trepidação, e de escoramento, que os agentes de BB, SA não tiverem.
40
Não resulta, assim, dos factos provados que a recorrente BB, SA, através dos seus agentes e representantes,
tenha utilizado as regras próprias da arte da construção civil que se lhe impunham, ou seja, não foi ilidida a presunção de
culpa a que ser reporta o artigo 493º, nº 2, do Código Civil.
Em consequência, importa concluir no sentido de que a recorrente BB, SA, através dos agentes e representantes,
não cumpriu o dever objectivo de cuidado exigível ao empreiteiro normal em execução de obras do tipo das que estão em
análise, ou seja, agiu com culpa, pelo menos na sua vertente inconsciente (artigo 350º do Código Civil)» - Ac. do STJ
(Cons.º Salvador da Costa) de 22.4.2008, no P.º 08B626.
RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
CONCULPABILIDADE DO LESADO
I - Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº 2 do Código Civil,
a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação
do acto ao agente em termos de culpa , apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um «bom pai de
família».
II - A causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da causalidade adequada
adoptada pelo artigo 563º do Código Civil aquela que, em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse
dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante.
III - Ocorrendo a violação de normas de perigo abstracto, tendentes a proteger determinados interesses - como o
são as regras do Código da Estrada definidoras de infracções em matéria de trânsito rodoviário - a investigação de um
nexo de causalidade adequada entre a conduta e o dano serve para excluir da responsabilidade decorrente de certo facto
as consequências que não sejam típicas ou normais.
IV - A prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela
decorrentes, dispensando a correcta comprovação da falta de diligência.
V - Para que se verifique conculpabilidade do lesado, justificativa de eventual redução ou exclusão da
indemnização nos termos do artigo 570º, nº 1, do Código Civil, é necessário que a conduta daquele possa considerar-se
uma concausa do dano, em concorrência com o facto do responsável.
VI - Tendo um veículo pesado de mercadorias invadido a faixa de rodagem oposta, ao descrever uma curva a
pelo menos 60 km/h, e em consequência embatido num velocípede a motor a menos de 50 cm do eixo da via, é de
entender que, para além da responsabilidade do condutor daquele veículo, existiu conculpabilidade do condutor do
velocípede, na medida em que não respeitara a regra do Código da Estrada que manda transitar «o mais próximo possível
das bermas e passeios» mas não já, porque não adequada à causação do acidente, em função da violação, também
cometida, da regra concernente à distância a manter em relação ao veículo que o precedia.
VII - É adequada em relação ao acidente assim descrito a repartição de responsabilidade entre o condutor do
veículo pesado de mercadorias e o do velocípede a motor nas percentagens de 80% e 20%, respectivamente - STJ, Ac. de
10.3.98, BMJ 475-635
«A Relação entendeu que a questão da relevância ou não da circunstância de as AA, A e C e F não usarem cinto
de segurança, na altura do acidente, foi correctamente analisada na sentença do tribunal de 1ª instância.
Controvérsia que logo relevaria para os efeitos da estatuição-previsão do nº 1 do artº 570° do C. Civil, que reza
pela forma seguinte:
«Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao
tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se
a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».
O D - ora recorrente - aquando da dedução do articulado superveniente, sustentara que a jurisprudência dos
tribunais superiores teria vindo a pronunciar-se no sentido da inversão do ónus da prova, quando não utilizados os
equipamentos de segurança, (cinto de segurança e/ou capacete de protecção), assim devendo recair sobre o lesado
(alegante das lesões) o ónus de demonstrar que essas lesões ainda se teriam (mesmo assim) produzido, e da mesma
forma e com a mesma intensidade, se não houvesse sido omitida aquela utilização.
No Ac do STJ de 15-12-98, in CJSTJ, Tomo III, pág. 156, tirado a partir de uma hipótese de «falta de capacete
de protecção», considerou-se que tal falta só relevaria, para os efeitos do nº 1 do artº 570° do C. Civil, quando o acidente
fosse imputável ao condutor do veículo de duas rodas (e já não quando o mesmo fosse da responsabilidade de terceiro) e
que, nesses casos, seria «sobre a vítima-autora que impenderia o ónus de alegar e provar que, não obstante a sua falta de
41
capacete, as lesões por si sofridas, e com a gravidade atingida, teriam, na mesma ocorrido, caso levasse o capacete
protector».
E, na realidade, «se a culpa pela verificação do evento danoso (acidente) couber a terceiro, isto é, a um estranho
ao veículo de duas rodas (v.g. um condutor de um automóvel que o abalroou) não haveria então razões para excluir ou,
sequer, reduzir o montante indemnizatório em atenção à falta do capacete, pois não faria sentido que esse terceiro
beneficiasse da estatuição normativa destinada à protecção da vítima; esta não estaria, nessas circunstâncias, em situação
diferente da de um condutor de velocípede simples, ao qual a lei não impõe o uso de capacete protector (cfr., neste sentido,
o acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de 6-10-82, in BMJ, nº 320°, pág. 319).
Já, porém, se o acidente fosse imputável ao condutor do veículo de duas rodas, aí já não se poderia olvidar a
componente de culpa introduzida pelo passageiro/tripulante, na medida em que se teria exposto voluntariamente não só
aos riscos próprios de circulação do veículo, como, também, às consequências da imperícia, da desatenção, ou seja da
conduta culposa/negligente do respectivo condutor. Nesta eventualidade, já seria lógico impender sobre o autor o ónus de
provar que, em tal quadro circunstancial, o capacete, mesmo que usado, não teria tido qualquer utilidade protectora. E se
não satisfizesse tal encargo considerar-se-ia ter também contribuído para a produção dos danos.
De qualquer modo, obrigar os lesados a provarem que o facto de não usarem o cinto de segurança em nada
contribuiu para as lesões ou seu agravamento será, as mais das vezes, coonestar uma prova diabólica, como tal muito
difícil de produzir.
Volvendo à hipótese dos autos, vem assente que as AA. A, C e F viajavam no banco traseiro do veículo
sinistrado, sem que trouxessem colocado os respectivos cintos de segurança, com que o veículo se encontrava equipado.
A A. A e a vítima/falecido F foram projectados para fora do automóvel, no decurso do despiste, tendo ficado
prostrados na estrada, tendo sofrido ambos, em consequência do sinistro, lesões que determinaram o internamento e
exames médicos à primeira e a morte ao segundo.
Esses passageiros não tiveram qualquer interferência no desencadear do acidente, e não vem provado que ainda
que trouxessem colocado o cinto de segurança o resultado tivesse sido exactamente o mesmo, mas não se poderá deixar
de ter em conta as circunstâncias particularmente aparatosas do acidente, nelas incluídas o capotamento do veículo, com a
consequente potencialidade para a produção de lesões graves - tal como a Relação bem observou» - Acórdão STJ
(Cons.º Ferreira de Almeida) de 06-05-2004 Processo 04B1217, na base de dados do ITIJ.
***
«A questão que se pode colocar, e vem proposta, é a de saber se, concorre a denominada culpa do lesado, a
intervir no sentido da redução da indemnização devida pelo lesante-transportador.
Com efeito, a “culpa do lesado” não interfere com a culpa do agente, designadamente diminuindo-a, limitando a
sua intervenção aos efeitos indemnizatórios da responsabilidade do lesante, actuando apenas sobre o montante a ressarcir.
Não está aqui em causa, para que o evento deva considerar-se imputável ao lesado, o concurso de um facto
ilícito ou mesmo necessariamente culposo do lesado, censurável a título de culpa no sentido técnico-jurídico contido no art.
487º C. Civil, ou não é necessário que esteja, bastando que o facto (censurável) deva ser “atribuível” a actuação do próprio
lesado, nos termos previstos no art. 570º do mesmo diploma.
Entendemos, com efeito, que referindo, embora, o art. 570º-1 C. Civil que a indemnização deve ser reduzida ou
mesmo excluída quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, tendo
em consideração a gravidade das culpas das partes e as consequências delas resultantes, não se pode falar, com rigor,
como consta do preceito, em culpa do lesado. A expressão “culpa” deve aqui ser entendida em sentido muito amplo, pois
que a indemnização deve ser reduzida ou negada desde que o acto do lesado tenha sido concausa do prejuízo, mesmo
que não tenha carácter ilícito ou corresponda à violação de um dever, nos termos em que o pressupõe um juízo de culpa
em sentido estrito (cfr. PESSOA JORGE, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 360; MENEZES
CORDEIRO, “D.to das Obrigações”, 2º, 409; A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, 9ª ed., I, 948).
De qualquer modo, face à referência da lei à gravidade das «culpas», tem-se por segura a necessidade de
formulação de um juízo de censura sobre o comportamento do lesado, embora desligado da ilicitude, decorrente de uma
actuação negligente ou deficiente relevante no processo causal (adequado) do dano. O que se pretende excluir na
formulação legal serão, como escreve A. VARELA (RLJ, 102º-60), “os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o
dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abrangerem os casos em que o comportamento
do prejudicado é censurável ou reprovável”.
Há então que tomar posição sobre o concurso desse facto “culposo”, de uma acção livre e consciente do lesado
que represente um «acto constitutivo de responsabilidade pessoal» do Autor, da sua auto-responsabilização, e, em caso
afirmativo, sobre a medida da sua gravidade.
42
Temos por certo que alguém que se proponha ou aceite ser transportado, de noite e com tempo chuvoso, num
ciclomotor desprovido de luzes destinadas a assinalar a presença do veículo em marcha na via pública, assume uma
posição de autocolocação em perigo, mediante a assunção dos riscos próprios dessa circulação objectivamente
contravencional, temerária e com especial aptidão para a produção de acidentes como o que está em apreciação.
Quando tal suceda, a contribuição autodanosa do lesado, por via da assunção voluntária dum risco, traduzido no
perigo típico da circulação na via pública em tais condições, parece-nos óbvia.
Com efeito, assente a responsabilidade do condutor criador imediato do perigo, o conhecimento da exposição
voluntária ao mesmo, conjugada com a possibilidade de ocorrer o facto danoso, verificada que esteja a adequação causal
entre esses pressupostos e o dano, pode configurar-se o concurso da “culpa”, a justificar a redução da indemnização
prevista no art. 570º.
Trata-se de casos em que o lesado “actualiza, sem necessidade, e com uma actividade imprevidente ou
temerária” o perigo existente na conduta do seu criador imediato, “ultrapassando o grau de uma aptidão danosa normal ou
típica”, ocorrendo nessa «heterocolocação em perigo consentida», em que o transportado não se expõe ao risco típico
resultante da condução, mas ao «maior risco», como que uma “«cooperação» culposa para o dano” (BRANDÃO
PROENÇA, ob. cit., 638 e ss.)» - Ac. do STJ (Cons.º Alves Velho) de 7.2.2008, no P.º 07A4598.
- dano patrimonial - reflexo deste dano real sobre a situação patrimonial do lesado: despesas
e prejuízos causados pelo dano real. Abrange tanto o dano emergente - prejuízos causados em bens
ou direitos já existentes à data da lesão - como o lucro cessante - benefícios que o lesado deixou
de obter, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.
- dano não patrimonial - insusceptível de avaliação pecuniária, atinge bens que não fazem
parte do património do lesado; tais danos apenas podem ser compensados, mais que indemnizados -
dor física ou moral, honra, bom nome, beleza, perfeição física e estética, disfunção sexual,
impotência ...
Sobre as várias espécies de danos e métodos de cálculo dos danos futuros pode ver-se a
longa anotação no BMJ 451-39 e ss, maxime 50 e 51, e estudo do Cons.º Sousa Dinis, na Col.
STJ 01-I-5 a 12:
«Os danos indemnizáveis são, como se sabe, patrimoniais e não patrimoniais. Mas a realidade "dano" ou
"prejuízo", consagrada desde logo no art. 564º do CC, aparentemente simples, aparece, na prática, sob vários aspectos ou
sub-realidades, por vezes confundidas.
43
- Os ganhos cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na
categoria de lucros cessantes.
Mas esta perda não deve ser confundida:
- a) com a perda de capacidade de trabalho, que é, nitidamente, um dano directo, que se pode aferir em função
da tabela nacional de incapacidades,
- b) nem com a perda da capacidade de ganho, que é o efeito danoso, de natureza temporária ou definitiva, que
resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão impeditiva da obtenção normal de determinados proventos
certos, em regra até ao momento da reforma ou da cessação da actividade como paga do seu trabalho, e que se inclui na
categoria dos prejuízos directos, embora com uma importante vertente de danos futuros,
- c) nem ainda com a perda efectiva de proventos futuros de natureza eventual, ainda que em vias de
concretização, que se inclui na categoria de lucros cessantes,
- d) nem com a perda que possa resultar do eventual desaparecimento de uma situação de trabalho, produtora ou
potencialmente produtora de ganhos, que também se inclui na categoria de lucros cessantes.
- Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultaram para o
lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi
obrigado a sofrer, ou, para os chamados "lesados em 2º grau", da ocorrência da morte do ofendido em resultado de tal acto
ilícito, e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo
mais ou menos prolongado, e que poderá corresponder, nalguns casos, ao tempo de vida laboral útil do lesado, e
compreendem, ainda, determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (ex. substi tuição de
uma prótese ou futuras operações cirúrgicas).
- Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecu-
niária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (ex. a vida, a saúde, a liberdade, a beleza). Não
devem confundir-se com os danos patrimoniais indirectos, isto é, aqueles danos morais que se repercutem no património
do lesado, como o desgosto que se reflecte na capacidade de ganho diminuindo-a (pois esta constitui um bem redutível a
uma soma pecuniária).
Porque estes danos não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza
compensatória do que indemnizatória, sem esquecer, contudo que não pode deixar de estar presente a vertente
sancionatória (Prof. A. Varela, Das Obrigações em Geral, I vol., p. 630, 9ª ed.). Com efeito, em termos de dinheiro, em
quanto se pode avaliar a vida, as dores físicas, o desgosto, a perda da alegria de viver, uma cicatriz que desfeia?
O chamado dano de cálculo não serve para aqui. Por isso, a lei lançou mão de uma forma genérica, mandando
atender só àqueles danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CC).
Gravidade que deve ser apreciada objectivamente, como ensina o Prof. A. Varela (obra cit. p. 628). Por outro lado, a lei
remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja culpa ou dolo (art. 496º nº 3 do
CC), tendo em atenção os factores referidos no art. 494º (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do
lesado e quaisquer outras circunstâncias).
Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida
das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se
reparar o dano e também punir a conduta, como atrás se disse. Cumpre aqui, ainda, salientar que a velha distinção feita
por M. Andrade entre culpa lata, leve e levíssima (Teoria Geral das Obrigações, 2ª ed. p. 341-342) mantém actualidade e
tem aqui cabimento (P. Lima e A. Varela, CC anot. I, p. 497). Entre as "quaisquer outras circunstâncias" referidas no art.
494º, costumam a doutrina e jurisprudência francesas, perante referência igual, apontar a idade e sexo da vítima, a
natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, possibilidades de melhoramento, de reeducação e de
reclassificação (Françoise Cocral, Les responsabilités diverses et le contrat d'assurance)».
***
«Dispõe o art. 496º do Código Civil:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a
tutela do direito.
2. (...)
44
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso,
as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais
sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”
“Danos não patrimoniais – são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de
prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque
atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do
lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação
do que uma indemnização” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °-571.
São indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela
do direito” – nºs 1 e 3 do art. 496º do Código Civil.
Para a formulação do juízo de equidade, que norteará a fixação da compensação pecuniária por este tipo de
“dano”, socorremo-nos do ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I,
pág.501;
“O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso
(haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à
sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser
proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso
prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”.
Neste sentido pode ver-se, “inter alia”, o Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460-444:
“ (...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois
“visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha
a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. O
quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios
de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da
indemnização”, “aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda,
etc.”.
No caso que nos ocupa, o dano violado foi a integridade física da Autora, que viu o acidente causar-lhe danos
corporais de gravidade, que deixaram sequelas permanentes, quer a nível psicológico, quer a nível físico.
Importa, de harmonia com os factos provados, considerar que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do segurado
da Ré, quando a Autora tinha 13 anos de idade, sendo volvidos mais de 13 anos quando intentou a liquidação dos danos.
Nesse meio tempo, a Autora, nascida em 20.5.1982, submeteu-se no ano de 2001 a duas intervenções cirúrgicas
para remoção de cicatrizes, tendo estado internada quatro dias.
Não obstante tais intervenções e tratamentos cirúrgicos e reeducativos, a Autora ficou ainda com cinco cicatrizes
com a seguinte localização:
a) Cicatriz em “W” com 09 cm, na hemiface direita, desde a região pré-auricular até ao sulco naso-geniano,
acompanhando o ramo mandibular;
b) Cicatriz paralela à anterior, também em “W”, com cerca de 3,5 cm, equidistante da região pré-auricular e canto
externo do olho direito;
c) Cicatriz da região cervical, circular com cerca de 1,5 cm de diâmetro, com o meio raio a atingir 2,5 cm;
d) Cicatriz do couro cabeludo, região tempero-parietal esquerda com cerca de 5 cm, com área de alopécia
circundante;
e) Cicatriz do mento à direita, com 01 cm – Resposta ao ponto 13° da B.I.
Cicatrizes essas que correspondem a um dano estético fixável num grau seis, numa escala de 0 a 7 – Resposta
aos pontos 14 e 17° da B.I.
Tais cicatrizes causam à Autora, a nível funcional, sensação de desconforto com alteração da sensibilidade ao
nível das cicatrizes da face e, atento o estado actual da medicina, já não são possíveis de minorar.
Trata-se de um dano estético do maior relevo, tanto mais que se as cicatrizes afectam o rosto são visíveis e não
passíveis de regressão ou tratamento após as cirurgias.
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Sem que a afirmação envolva qualquer discriminação em razão do sexo – que seria infractora do princípio da
igualdade – art. 13º da CR – o facto de se tratar de uma mulher jovem, desportista, com formação universitária e profissão
que implica contacto público, essa afectação permanente do estado físico constitui grave dano estético, mais a mais,
sabendo-se que a aparência física está relacionada com a expressão individual dos sujeitos, a sua relação consigo mesmo
e com o ambiente social, o que contende com sentimentos de auto-estima, em tempos em que é socialmente exigida boa
aparência.
O dano estético é uma lesão permanente, um dano moral, tanto mais grave quanto são patentes e deformantes
as lesões, sendo de valorar especialmente quando são visíveis e irreversíveis.
Como se pode ler in “Dano Estético-Responsabilidade Civil – da jurista brasileira Teresa Lopez – 3ª edição
actualizada com o Código Civil de 2002 – pág. 19:
“ O problema da reparação do dano estético tem importância em dois planos: o ontológico, pois “ser e aparência
coincidem” e qualquer lesão que a pessoa sofra em sua forma externa acarreta um abalo, um desequilíbrio na
personalidade, dando origem a grandes sofrimentos; o outro plano é o sociológico, pois, exatamente por causa de uma
lesão estética, pode a pessoa não ter a mesma aceitação no meio social, o que também vai ser fonte de grandes
desgostos.
Dessa forma, o dano estético é dano moral que ofende a pessoa no que ela é, em todos os seus aspectos.
Em outras palavras, no dano à pessoa há vários bens jurídicos ofendidos, apesar de a causa ter sido a mesma, e
é por isso que a reparação deve ser a mais completa e justa possível, ressarcindo e possibilitando cumulação de
indenizações referentes a cada um deles”.
Como se provou, as cicatrizes provocaram um dano estético de grau seis numa escala máxima de 7, o que aliado
ao facto de serem irreversíveis e localizadas em zona visível – na face – uma delas com 9 cm que percorre a hemi-face
direita, desde a região pré-auricular até ao sulco naso-geniano, acompanhando o ramo mandibular, para apenas referir a
mais expressiva.
Não se destinando a atribuição pecuniária pelo dano moral a pagar qualquer preço pela dor – “pretium doloris”,
que é de todo inavaliável, mas antes a proporcionar à vítima uma quantia que possa constituir lenitivo para a dor moral, os
sofrimentos físicos, a perda de consideração social e os sentimentos de inferioridade (inibição, frustração e menor auto-
estima), a quantia a arbitrar é fixada com recurso à equidade devendo ser ponderada, no caso, a gravidade objectiva do
dano, mormente a sua localização, extensão e irreversibilidade [as lesões na face são psicologicamente mais traumáticas
que noutra parte do corpo] e as circunstâncias particulares do lesado – a idade, o sexo e a profissão» - Ac. do STJ
(Cons.º Fonseca Ramos) de 14.10.2008, no P.º 08A2677.
Hoje não sofre dúvida a indemnizabilidade do dano não patrimonial, como claramente
resulta do art. 496º. Ponto é que pela sua gravidade, medida por padrões objectivos, tal dano
mereça a tutela do direito.
Na fixação do montante da indemnização ganha particular relevo a equidade, aliada às
circunstâncias referidas no art. 494º - 1ª parte do nº 3 do art. 496º.
I - Os danos não patrimoniais são ressarcíveis no âmbito da responsabilidade contratual, além do mais porque os
artigos 798º e 804º, nº 1, do Código Civil não estabelecem qualquer restrição ou limitação relativa aos
prejuízos indemnizáveis com esse fundamento.
II - O simples incumprimento de contrato não origina, todavia, por si só, o ressarcimento dos danos não
patrimoniais dele resultantes.
III – Essa reparação só se justifica, face ao disposto no art. 496º, nº 1, do CC - que reflecte um princípio geral
válido para toda a responsabilidade civil -, quando a especial natureza da prestação o exigir, ou se as circunstâncias que
acompanhem a violação do contrato contribuírem decisivamente para uma grave lesão de bens ou valores não
patrimoniais.
IV – São ressarcíveis, a título de danos não patrimoniais, a preocupação, a angústia, o incómodo e o desgosto
causados aos compradores de uma parcela de terreno em empreendimento turístico que se viram impossibilitados de
utilizar a casa que nele construíram por a sociedade vendedora e promotora do empreendimento não ter, ao contrário
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daquilo a que contratualmente se obrigara, criado as infra-estruturas (estradas de acesso, fornecimento de água e
electricidade) necessárias à respectiva habitabilidade.
Neste sentido decidiu o STJ em Ac. de 29.4.2003, na Col. Jur. STJ 2003-II-30, maxime 34:
«A ressarcibilidade (rectius, a compensação por…) de danos não-patrimoniais não se limita, não é exclusiva do
domínio da responsabilidade delitual, ocorre também na contratual.
As pessoas colectivas podem ser atingidas nos seus valores ou interesses de ordem não patrimonial e a
infracção pode, inclusive, merecer protecção criminal (CP - 187).
Para os sinais distintivos do comércio organizou, desde longa data, a lei, face à função social da propriedade
industrial, um regime jurídico próprio na defesa dos direitos privativos, na garantia da lealdade da concorrência e na
repressão da concorrência desleal (CPI-1).
Nos contratos de franchising a utilização, pelo franquiado, dos sinais distintivos do comércio do franquiador não
só é obrigatória como assume uma relevância fundamental na distribuição em que este tipo de contratos se integra como
ainda no seu desenvolvimento e execução para penetração dos mercados.
A ré, como distribuidora e actuando com a imagem comercial da 2ª autora, negociava os produtos desta, a qual
tinha o direito de exclusividade do fornecimento.
Negociando produtos de outra marca num posto de abastecimento da “BP”, facilmente identificável como tal,
mesmo se tapado o logotipo desta, situado em localidade onde a concorrência local e regional entre as diversas marcas de
combustíveis e lubrificantes é forte, é evidente que lesou o direito de imagem e o prestígio da 2ª autora».
«A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais não aparece consagrada na área comunitária da obrigação de
indemnização, não, porque o legislador tenha omitido a questão, visto tratar dela no artigo 496º do Código. Mas vem
expressamente regulada na zona privativa da responsabilidade extracontratual, neste artigo 496º, com a intenção manifesta
de a restringir a esta área da responsabilidade civil.
Quando, no texto do nº 1 do artigo 496º do Código Civil, se prescreve que na fixação da indemnização deve
atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, não se faz menção da
indemnização em termos gerais (como sucederia se a disposição estivesse implantada na secção - arts 562º e seguintes -
que trata da obrigação de indemnização), mas da indemnização referida no artigo anterior, ou seja, da indemnização dos
danos provenientes da lesão corporal.
6. Sabido que a lei afasta, em termos inequívocos, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no domínio da
responsabilidade contratual, interessará agora naturalmente conhecer as razões por que o legislador o faz.
São razões que não divergem, no fundo, das que têm sido desenvolvidas na doutrina germânica em defesa da
solução idêntica adoptada no direito alemão.
Como se sabe, o § 253 do Código civil
alemão, sempre que haja danos sem carácter patrimonial, só permite que o lesado exija indemnização (Entschüdigung) em
dinheiro nos casos determinados por lei.
E entre os raros casos que a legislação (alemã) admite essa indemnização dos immaterieller Schaden figura o §
847 do Código civil, aplicável às lesões corporais ou da saúde e às privações da liberdade (Freiheitsentziehung), desde que
haja qualquer agressão ilícita desses bens, nos termos do
§ 823.
Ficam, assim, intencionalmente fora do seio de acção deste preceito muitas das violações de direitos ou de
interesses abrangidas pela responsabilidade extracontratual, como as violações do direito de propriedade e, na área dos
direitos de personalidade, a ofensa do direito à honra ou ao bom nome da Pessoa, mas também todos os danos imateriais
situados na área da responsabilidade contratual.
É uma limitação hoje em dia frequentes vezes acusada de excessiva. Mas não deixa de reconhecer-se ao mesmo
tempo que, relativamente à responsabilidade contratual, a atitude restritiva da lei tem plena justificação.
Por um lado, atentas a vastíssima área do comércio jurídico coberta pelos contratos e a extraordinária frequência
das violações contratuais, seria seriamente de recear um aumento extraordinário das pretensões de indemnização de
danos dessa ordem se a sua admissibilidade fosse reconhecida.
Por outro lado, essa solução não deixaria de constituir uma poderosa tentação para os contraentes, no sentido de
exagerarem todos os incómodos, preocupações, afectações, do bom nome e do prestigio da firma que a falta de
cumprimento ou a mora no cumprimento por parte do outro contraente lhe tivesse causado.
Por fim, seria real e bastante sério o perigo da comercialização dos valores morais, estimulando os contraentes a
tirarem partido de todas as faltas que de perto ou de longe tivessem ligação com a sua personalidade» .
47
Notar que desde a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de defesa do consumidor, art. 12.º, n.º
4, n.º 1 do mesmo art. 12.º na redacção dada pelo Dec-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (venda de bens de
consumo) o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais
resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos .
Também pode ser devida indemnização por DNP na responsabilidade extracontratual por
factos lícitos - BMJ 457-317:
I - O proprietário que procede a escavações no seu prédio responde civilmente pelos danos produzidos nos
prédios vizinhos, nos termos do artigo 1348º, nº 2, do Código Civil, ainda que aquelas escavações tenham sido efectuadas
por empreiteiro, mediante contrato de empreitada celebrado com o dono da obra.
III - A admissibilidade da reparação dos danos não patrimoniais corresponde a um princípio imanente no nosso
direito, havendo lugar a indemnização por tais danos quando se trate de responsabilidade civil extracontratual emergente
quer de actos lícitos quer de actos ilícitos.
É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que a lesão do direito à vida - sendo
a vida o bem supremo do homem e origem da sua personalidade - é indemnizável - BMJ 404 - 454.
Em caso de morte da vítima há, normalmente, vários danos a ressarcir, tanto patrimoniais
como não patrimoniais, e várias pessoas com direito a indemnização.
Por isso convém, na fixação da indemnização, discriminar uns e outros danos, tanto na origem
deles como nos destinatários da correspondente indemnização.
Assim:
a) - sofridos pelo falecido, enquanto vivo, como as dores físicas ou morais, a angústia da
proximidade da morte, o internamento hospitalar e respectivos tratamentos.
Radicaram-se na esfera jurídica do falecido e, de acordo com certa corrente doutrinária e
jurisprudencial, são transmissíveis por via sucessória de acordo com as regras respectivas - 496º, 3,
início da parte final. Há quem defenda que, também a indemnização por este dano cabe àquelas
pessoas indicadas no n.º 2 do art. 496º
O artigo 496º, nº 2, do Código Civil, refere-se aos titulares activos dos direitos de indemnização por danos não
patrimoniais sofridos pelo de cujus em caso de lesão de que proveio a morte.
A este respeito, a doutrina tem-se dividido, defendendo:
uns, que tais direitos de indemnização cabem primeiramente ao de cujus e depois se transmitem
sucessoriamente para os seus herdeiros legais ou testamentários (Galvão Telles, Direito das Sucessões, 1971, págs. 83
a 87);
outros, que tais direitos após terem cabido ao de cujus se transmitem sucessoriamente para as pessoas
mencionada no nº 2 do artigo 496º do Código Civil (Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, pág.
172; Leite Campos, A Indemnização do Dano da Morte, 1980, pág. 54), e
ainda outros que esses direitos de indemnização são adquiridos directa e originariamente pelas pessoas
indicadas no nº 2 do artigo 496º do Código, não havendo lugar por isso a transmissão sucessória (Antunes Varela, Direito
das Obrigações, vol. I, 6.ª ed., pág. 583; Pires de Lima e Antunes Vareja, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 500.
Nesta polémica doutrinal (e também jurisprudencial, cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 16 de Março de
1973, Boletim do Ministério da Justiça nº 225, pág. 216, e de 13 de Novembro de 1974, Boletim do Ministério da Justiça, nº
241, pág. 204), propendemos para a orientação que os danos não patrimoniais sofridos pelo morto nascem, por direito
próprio, na titularidade da pessoas designadas no nº 2 do artigo 496º, segundo a ordem e nos termos em que nesta
disposição legal são chamadas. Esta adesão radica-se na argumentação utilizada quer por Antunes Varela - ob. cit., pág.
585 - quer por Capelo de Sousa - Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 3ª ed., págs. 298 a 304 - argumentação esta
sólida no que se refere aos trabalhos preparatórios do Código, os quais revelam, em termos inequívocos, que o artigo
496º, na sua redacção definitiva, tem a intenção de afastar a natureza hereditária do direito a indemnização
pelos danos morais sofridos pela própria vítima (Capelo de Sousa, op. cit., 298, nota 433).
Basta ver que o cônjuge aparece aqui como beneficiário da indemnização desde a redacção
original do preceito, quando só com a reforma de 1977 ele passou a ser herdeiro.
Sobre esta matéria convém ler as Lições de Família e Sucessões, de Leite de Campos, as
Sucessões, de Capelo de Sousa, de P. Coelho, as Obrigações (8ª ed. 619 e ss) e Comentário de A.
Varela na RLJ 123 - 185 e ss, citado no BMJ 466-450 e do seguinte teor:
“Quem acompanhar atentamente os trabalhos preparatórios do Código Civil, sem nenhuma ideia preconcebida
afivelada à cabeça, não poderá deixar de reconhecer que entre a tese da indemnização nascida no património da vítima e
transmitida por via sucessória a alguns dos seus herdeiros e a concepção da indemnização como direito próprio, originário,
directamente atribuído ao cônjuge e aos parentes mais próximos, à margem do fenómeno sucessório da herança da vítima,
a lei adoptou deliberadamente a segunda posição.
No artigo 759º do Anteprojecto geral de Vaz Serra sobre o «Direito das obrigações», ao regular-se a questão da
«satisfação do dano não patrimonial», e depois de no n.º 2 dessa disposição se atribuir aos parentes, afins ou cônjuge da
pessoa morta por culpa de outrem uma satisfação (pecuniária, é evidente) pelo dano não patrimonial que o facto lhes
tivesse causado, prescrevia-se no n.º 4, relativamente aos danos não patrimoniais causados ao próprio lesado, o seguinte:
«O direito de satisfação por danos não patrimoniais causados à vítima transmite-se aos herdeiros desta, mesmo
que o facto lesivo tenha causado a sua morte e esta tenha sido instantânea.»
Era a consagração inequívoca, na hora de ponta (ou seja, no caso extremo da morte instantânea) da aquisição
derivada do direito à indemnização pelo dano da morte, através do puro canal da devolução sucessória.
Na 1ª revisão ministerial dos diversos anteprojectos, que foi, como todos sabem, mais uma tarefa de redução,
expurgação e reordenação sistemática de textos do que um reexame substancial de afinação e uni formização de soluções,
o artigo 476º (do Livro das Obrigações) continuava ainda a distinguir nos n.os 2 e 3 entre os danos não patrimoniais
causados à vítima da lesão e os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima. E, quanto aos primeiros, o texto
da disposição mantinha de igual modo, com suficiente clareza, a tese transmitida pelo Anteprojecto de Vaz Serra.
«O direito de satisfação por danos não patrimoniais causados à vítima, dizia efectivamente o n.º 2 desse artigo
(476º), transmite-se aos herdeiros desta, ainda que o facto lesivo tenha causado a sua morte imediata», numa clara
aceitação da tese da aquisição derivada do direito à indemnização, por via hereditária, mesmo no caso de morte ins-
tantânea.
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Porém, na 2ª revisão ministerial, na qual todas as normas seleccionadas pela 1ª revisão foram como que
passadas a pente fino, com vista ao aperfeiçoamento substancial das soluções e à uniformização de critérios própria de
toda a legislação codificada, a posição da lei perante a indemnização da morte da vítima sofreu uma alteração radical.
No artigo 498º saído dessa revisão (correspondente ao art. 496º da versão definitiva do Código) deixa de falar-se
na transmissão do direito à indemnização (pelo dano da morte), não se alude mais à hipótese da morte instantânea e não
se chamam sequer os herdeiros a recolher a indemnização colada à herança da vítima.
Tal como na versão final do n.º 2 do artigo 496º do Código, passou antes a dizer-se que, por morte da vítima, o
direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e
bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes, e, por último, aos irmãos ou
sobrinhos que os representem.
Com esta eliminação da referência à transmissão do direito à indemnização, com a substituição dos herdeiros, na
titularidade da indemnização, pelo cônjuge e familiares mais próximos da vitima, à margem da sucessão legítima, em
termos diferentes da ordem normal da vocação sucessória, o legislador quis manifestamente chamar estas pessoas, por
direito próprio, a receberem, como titulares originários do direito, a indemnização dos danos não patrimoniais causados à
vitima da lesão mortal - e que a esta competiria, se viva fosse. E é confrangedor verificar que ainda hoje há julgadores – e
julgadores qualificados - que interpretam e aplicam o disposto no n.º 2 do artigo 496º do Código Civil, como se o preceito
legal não tivesse história ou o intérprete desdenhosamente fizesse gala de a ignorar ou como se o texto da versão definitiva
da disposição coincidisse integralmente com a redacção das normas correspondentes, quer do Anteprojecto de Vaz Serra,
quer da 1ª revisão ministerial».
***
«1.1- Em caso de lesão de que provenha a morte, o Código Civil prevê expressamente um direito a indemnização
por danos não patrimoniais sofridos, além da vítima, pelas pessoas referidas no art. 496º, nº 2, isto é, pelo cônjuge não
separado judicialmente de pessoas e bens e pelos filhos ou outros descendentes e, na falta destes, pelos pais ou outros
descendentes e, por último, pelos irmãos ou sobrinhos que os representem.
Não sofre qualquer dúvida que o direito à vida, nos termos deste normativo, constitui um dano autónomo,
susceptível de reparação pecuniária.
Já não se apresenta totalmente uniforme o entendimento em saber se a reparação deste dano nasce, por direito
próprio, na esfera jurídica das pessoas referidas no aludido nº 2 e pela ordem aí estabelecida ou se nasce no património da
vítima e se transmite, por via sucessória, para essas mesmas pessoas.
Com argumentação sólida estruturada não só nos trabalhos preparatórios do Código Civil, como também na
interpretação objectiva do próprio texto do nº 2 do art. 496º, conclui Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed.,
pág. 613 que da leitura deste preceito decorre que nenhum direito de indemnização se atribui, por via sucessória, aos
herdeiros da vítima, como sucessores mortis causa, pelos danos morais correspondentes à perda da vida, quando a morte
da pessoa atingida tenha sido consequência imediata da lesão e que, no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a
indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não
aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.° 2
do artigo 496º.
Esta nos parece ser, efectivamente, a orientação que a lei perfilhou.
Aliás, a indemnização destina-se, essencialmente, a reparar um dano. Enquanto não houver dano ainda não
existe a obrigação de indemnizar. Logo, no caso de lesão de perda da vida do lesado, o dano de morte já não se pode
constituir na sua esfera jurídica. E se não era titular deste direito no momento da morte, não pode transmiti-lo, por
inexistente, para os seus sucessores.
A indemnização pela perda do direito à vida cabe, não aos herdeiros da vítima por via sucessória, mas aos
familiares referidos e segundo a ordem estabelecida no nº 2 do art. 496º C.Civil, por direito próprio; neste sentido pode ver-
se, entre outros, o ac. S.T.J., de 1999/03/16, in B.M.J 485º-386 .
Ao lado do dano morte e dele diferente, há o dano sofrido pela própria vítima no período que mediou entre o
momento do acidente e a sua morte.
Pode acontecer, e segundo os recorrentes isso aconteceu no caso vertente, que a vítima não tenha morte
imediata e durante período de tempo que sobreviva ao acidente passe por um quadro deveras doloroso.
Este dano vivido pela vítima antes da sua morte é passível de indemnização, estando englobado nos danos não
patrimoniais sofridos pela vítima a que se refere o nº 3 do mencionado art. 496º.
Estes danos nascem ainda na titularidade da vítima. Mas, como expressivamente refere a lei, também o direito
compensatório por estes danos cabe a certas pessoas ligadas por relações familiares ao falecido. Há aqui uma transmissão
de direitos daquela personalidade falecida, mas não um chamamento à titularidade dos bens patrimoniais que lhe
pertenciam, segundo as regras da sucessão, como também se refere no ac. S.T.J., de 2005/06/16 in www.dgsi.pt/jstj .
Quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio, a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais
causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse.
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Naquele nº 3 incluem-se ainda os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima com a sua morte,
danos próprios desses familiares.
Mas os familiares com direito a indemnização por danos próprios decorrentes da morte da vítima são apenas os
referidos no nº 2 do art. 496º.
1.2 - Dilucidada esta questão, impõe-se partir para a verdadeira questão controvertida colocada qual seja a de
saber se os recorrentes, enquanto pais da vítima, que se finou no estado de casada e sem filhos, têm direito a
indemnização por danos não patrimoniais pela morte do filho.
Por morte da vítima, diz-se no n.º 2 do art. 496º, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em
conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes,
aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
Do teor literal deste texto normativo decorre que este direito de indemnização cabe, em simultaneidade, ao
cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido.
Só na falta desta primeira classe de familiares é que os referidos no segundo grupo terão direito a essa
indemnização, ou seja, só se não houver cônjuge nem descendentes da vítima é que os ascendentes passarão a ter direito
à indemnização neste sentido se pronuncia também Antunes Varela, ob. cit., pág. 624.
Este comando normativo está, aliás, de acordo com a regra contida no art. 2135º C.Civil, ao preconizar que,
dentro de cada classe de sucessíveis, os parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais afastado.
Ora, segundo alegam os recorrentes, a vítima, seu filho, faleceu no estado de casado e sem filhos.
Segundo o princípio do chamamento sucessivo consagrado no nº 2 do art. 496º, só na falta de qualquer dos
familiares aludidos no primeiro grupo é que serão chamados os familiares dos grupos seguintes.
Uma vez que a vítima era casada, o cônjuge integra o primeiro desses grupos e, como não havia filhos, será o
único titular do direito a indemnização devida pela sua morte , não tendo os pais da vítima direito a compensação por
danos não patrimoniais (quer dos sofridos pela vítima, quer por eles próprios) com a morte do filho.» - Ac. do STJ (Cons.º
A. Sobrinho) de 24 de Maio de 2007, P.º 07B1359.
***
«No caso em apreço o critério para compensação do dano não patrimonial – perda do bem vida – é
determinado segundo a equidade.
A lei civil considera indemnizáveis os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do
direito” – art. 496º, nº 1, do Código Civil.
O nº 3 do art. 496º do Código Civil estatui: “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo
tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º; no caso de morte, podem ser
atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a
indemnização nos termos do número anterior”.
A propósito deste normativo os Professores Antunes Varela e Pires de Lima, in “Código Civil Anotado” – vol. I,
págs. 500/501, comentam:
“Por outro lado, na fixação da indemnização equitativa prescrita no nº 3 do artigo 496º deverá o tribunal tomar em
linha de conta, como parcela autónoma da soma de valores indemnizatórios a que haja de proceder, a perda da vida da
vítima, entre os danos morais sofridos pelos familiares.
Ao lado dos desgostos ou dos vexames causados pela agressão ou pela causa dela, a falta do lesado é, para os
seus familiares, salvo raríssimas e anómalas excepções, causa de um profundo sofrimento – tanto mais intenso quanto
mais fortes fossem os laços de afecto que uniam estes àquele (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., vol. I,
159).
E esse sofrimento – esse dano moral – deve ser indemnizado (cfr. a parte final do nº3 do artigo).”
(...) “ O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer
caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do
responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.
E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa
prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
A perda da vida da vítima deve ser indemnizada, pese embora a indiscutível afirmação de que a Vida, como bem
supremo que é, não tem preço, como é costume afirmar-se.
Sendo invioláveis a vida privada, a honra e os direitos que se inscrevem no âmbito da personalidade individual,
não faria sentido que a violação e supressão da expressão máxima e suporte desses direitos, ficasse civilmente impune.
51
Na lata definição de Savatier dano moral é “Todo o sofrimento humano que não resulta de uma perda pecuniária”.
Na RLJ nº 123, pág. 279, em comentário ao Acórdão do STJ, de 23.5.85, o Professor Antunes Varela, com a
autoridade do seu saber, escreveu:
“ (...) A compensação pecuniária prevista na lei visa cobrir um dano, que é a perda da vida causada pela lesão,
embora na determinação do seu montante o julgador não possa, como resulta do disposto no nº 3 do art. 496º e no art.
494º do Código Civil, abstrair do grau de culpa do agente, do reflexo económico-social que o facto tem na vida dos
familiares do lesado, nem da repercussão que o pagamento da indemnização pode ter na situação patrimonial do
responsável... (...) a indemnização pela morte de uma pessoa não tem um valor fixo...”.
A compensação pela perda do direito á vida deve reflectir o grau de reprovação da conduta do lesante. Menezes
Cordeiro “Direito das Obrigações”, 2° vol, p. 288 ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais
representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa
função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.
Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma
“pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se
atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.
Menezes Leitão realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve:
“assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento
do lesante” – “Direito das Obrigações”, vol.I, 299.
Pinto Monteiro, de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um
“castigo”, uma “pena para o lesante” – cfr. “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n°l, 1° ano, Setembro, 1992, p.
21.
No caso em apreço foi grosseira a sua actuação ao conduzir de modo distraído – manuseava um telemóvel – um
veículo pesado de mercadorias com um semi-reboque acoplado, não tendo, culposamente, avistado a vítima que atropelou
mortalmente.
Assim, e tendo em conta que o Supremo Tribunal de Justiça tem atribuído pela perda do bem vida, valores que se
situam entre os € 50.000,00 e 60.000,00 Cfr. Ac. deste Supremo Tribunal de 5.7.2007 – Proc. 07A1734, in www.dgsi.pt,
parece-nos mais equitativa a compensação, atribuindo a quantia de € 50.000,00, ao invés dos € 30.000,00 que o Acórdão
recorrido fixou – Ac. do STJ (Cons.º Fonseca Ramos) de 10.7.2008, no Pº 08A2677 .
***
«D - A autora reclama uma indemnização pela perda do direito à vida do seu filho nado-morto, em consequência
das lesões sofridas no ventre materno e que tiveram como causa o acidente em apreço.
A Relação negou o aludido direito, fundando-se no disposto no artº 66º do C. Civil, que determina que a
personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida e no facto dos direitos que a lei confere aos
nascituros dependerem do seu nascimento. Assim, concluiu que, uma vez que o filho da autora morreu no seu ventre, não
podia beneficiar de qualquer direito próprio, nomeadamente indemnizatório.
A indemnzação por falecimento devido a acto ilícito, a reparação do chamado direito à vida tem sido aceite pela
jurisprudência deste STJ, embora os recortes jurídicos de tal direito sejam ainda polémicos. Em qualquer dos casos, porém,
sempre se terá de entender que esse direito indemnizatório se reporta à morte de uma pessoa jurídica singular, pelo que, a
se admitir que a personalidade jurídica só surge nos termos do citado artº 66º, então, a morte do feto não é indemnizável
nestes termos, como decdiu a 2º instância. Neste sentido o Ac. STJ de 25.05.85 – RLJ 3795 185.
Esta posição faz parte da nossa tradição jurídica, uma vez que outra não era a posição do C. de Seabra:
artº 6º - “A capacidade judiciária adquire-se pelo nascimento; mas o indivíduo, logo que é procriado, fica debaixo
da protecção da lei, e tem-se por nascido para os efeitos declarados no presente código.”
artº 110º - “Só é tido por filho, para os efeitos legais, aquele de quem se prove, que nasceu com vida e com figura
humana.”
artº 1.479º - “Os nascituros podem adquirir por doação, contanto que estejam concebidos ao tempo da mesma
doação e nasçam com vida.”
artº 1776º - “Só podem adquirir por testamento as criaturas existentes, entre as quais é contado o embrião.
§ único. Reputa-se existente o embrião, que nasce com vida e figura humana, dentro dos trezentos dias,
contados desde a morte do testador.
E é neste sentido que parecem ir Gomes Canotilho e Vital Moreira quando escrevem – Constituição nota IV ao
artº 24º :
52
“A Constituição não garante apenas o direito à vida, enquanto direito fundamental das pessoas. Protege
igualmente a própria vida humana, independentemente dos seus titulares, como valor ou bem objectivo. É nesse sentido
que aponta a redacção do nº 1. Enquanto bem ou valor constitucionalmente protegido, o conceito constitucional de vida
humana parece abranger não apenas a vida das pessoas, mas também a vida pré-natal, ainda não investida numa
pessoa,... a vida intra uterina. (bold e sublinhado nossos)”.
A questão terá de ser determinada em sede da jurisprudência nacional, uma vez que a posição do Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem, tal como resulta da sua decisão de 02.06.04 é a seguinte:
“No plano europeu, o Tribunal observa que a questão da natureza e do estatuto do embrião e/ou do feto, não é
objecto dum consenso...apesar de se verem surgir elementos de protecção deste/destes, a propósito dos progressos
científicos e das consequências futuras da pesquisa sobre as manipulações genéticas, as procriações medicamente
assistidas ou das experiências com o embrião. No máximo, pode-se encontrar como denominador comum dos Estados a
pertença à espécie humana; é a potencialidade deste ser e a sua capacidade em tornar-se uma pessoa, a qual é aliás
protegida pelo direito civil em grande número de Estados, como em França, em matéria de sucessões ou de liberalidades,
mas também no Reino Unido...que devem ser protegidas, em nome da dignidade humana, sem para isso criar “uma
pessoa” que teria um “direito à vida”, no sentido do artº 2º”.
Para concluir “...o Tribunal está convencido de que não é desejável, nem mesmo possível actualmente responder
em abstracto à questão de saber se a criança por nascer é uma pessoa”.
Exposto o tema deste modo, pareceria ele de fácil solução face às normas da lei ordinária. O nascituro, que como
tal falecia, não teria tido personalidade jurídica, não podendo ser titular de qualquer direito, como, no caso em apreço, do
direito à vida.
E - No entanto, há que reconhecer a existência de correntes doutrinais que, valendo-se do nº 1 do artº 24º da
Constituição, que prescreve a inviolabilidade da vida humana, arguem de inconstitucional o artº 66º. O surgimento da
personalidade jurídica seria assim reconduzível ao momento da concepção.
Para Mário Emílio F. Bigotte Chorão – Estudos em Homenagem Ao Professor Doutor Soares Martinez - , a
interpretação do artº 24º nº 1 feita pelo Tribunal Constitucional tem sido insatisfatória na medida em que - Acs. nºs 25/84 de
19.03.84 e 85/85 de 29.05.85 - , entende que “a vida pré-natal é protegida, não a título de direito subjectivo do nascituro,
que carece de personalidade jurídica, mas como mero valor ou bem objectivo...que o legislador ordinário pode