Contrato de Locação
SUMÁRIO
1. Breve histórico. 2. A locação na sociedade de mercado. 3. Campo de incidência do Código Ci-
vil. 4. Elementos contratuais. 4.1. Cessão do uso e gozo. 4.2. Coisa infungível. 4.3. Retribuição
(aluguel). 4.4. Temporariedade (prazo). 5. Natureza jurídica. 6. Obrigações dos contratantes.
6.1. Obrigações do locador. 6.2. Obrigações do locatário. 7. Extinção da locação. 7.1. Extinção
da locação com prazo. 7.2. Extinção da locação sem prazo. 7.3. Extinção pela venda do bem
locado. 7.4. Extinção pelo inadimplemento. 7.5. Extinção pela morte de uma das partes.
970 Curso de Direito Civil
“É bom que haja uma ação de despejo, sempre deveria haver, em toda casa, para que assim o
sentimento do precário nos proibisse de revestir as paredes alheias com nossa ternura e de nos
afeiçoarmos sem sentir até a humilde torneira, e ao corrimão da escada como se fosse um ombro e
amigo onde pousamos a mão.”
(Rubem Braga, Sobre o inferno)
Contrato de Locação 971
1
Breve histórico
No Direito Romano, eram conhecidas três formas de locação: locatio conductio rei
(locação de coisa); locatio conductio operarum (locação do trabalho humano); e locatio
conductio operis (locação de obra). Esses contratos procuravam proporcionar a alguém,
mediante certa forma de remuneração, a prestação do uso de uma coisa infungível:
a prestação de serviços ou a execução de um determinado trabalho, pela via da em-
preitada. Lembra Pontes de Miranda1 que, inicialmente, locavam-se forças humanas e
animais e, posteriormente, as coisas, especialmente os bens imóveis, que acabou por
se tornar a modalidade mais importante.
Nesse sentido, o CC/1916, sob a rubrica “Da locação”, cuidava das três modalida-
des milenares de locação: coisas, serviços e empreitada. Espelhando a visão liberal e
individualista da codificação europeia dos oitocentos, o Código Bevilácqua disciplinou
a locação sob o signo da autonomia da vontade, com a preponderância de normas de
caráter dispositivo, suscetíveis de exclusão pelo consenso dos contratantes. Nada mais
natural, afinal, a propriedade e os contratos formavam os pilares de um regime dedicado
à apropriação e conservação de bens. Os direitos fundamentais se concretizavam com
o livre estabelecimento de relações particulares, refletindo a clivagem entre o público
e o privado, diante de um Estado ausente, espectador inerte do jogo do mercado, que
só se manifestava em última instância, para preservar as regras do jogo.
Todavia, nas primeiras décadas do século XX, o Estado liberal demonstrou sinais de
fadiga. A “mão invisível” do mercado não foi capaz de solucionar as premências sociais,
pois inexistiam instituições que o regulassem. A percepção de que o ordenamento
jurídico deveria agir para atenuar desigualdades e libertar indivíduos de necessidades
propiciou o surgimento do intervencionista Estado social, o welfare state. Os direitos
sociais de segunda geração já não mais correspondiam a uma posição de abstenção
por parte do Estado, mas à efetivação de prestações positivas pela via de concessão de
direitos promocionais e condições materiais para o desfrute de liberdades. Na tríade
formada pela locação de coisas, de obra e de mão de obra, a empreitada (obra) foi a
única que se desligou da terminologia originária. Já as locações de coisas e de serviços
foram as mais atingidas pelas rápidas mutações do breve século XX.
Por conseguinte, especificamente no campo da locação imobiliária, o Estado Social
introduziu normas de ordem pública cujo objetivo era frear a autonomia da vontade
em relações jurídicas marcadas pela assimetria, em um cenário de déficit habitacional
decorrente de um processo de industrialização que desencadeou acelerada urbanização.
Os códigos perdem o papel monopolista, passando a concorrer, em um primeiro momen-
to, com a legislação emergencial e, posteriormente, com microssistemas normativos.
A supressão da locação urbana do alcance do Código Civil denotava a desconfiança
social sobre a pretensa igualdade das relações jurídicas privadas.
1
PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de direito privado, t. 40, p. 10.
972 Curso de Direito Civil
2
O built to suit contém elementos de diversos contratos típicos – como o contrato de empreitada e o de
locação –, mas não se resume a nenhum deles. Trata-se de um contrato atípico cuja celebração é autorizada
pelo artigo 425 do Código Civil no âmbito da autonomia privada dos particulares. Daí que não se pode
interpretá-lo, a princípio, de acordo com a Lei de Locações, cuja índole protetiva não se coaduna com uma
operação que ordinariamente é utilizada por duas empresas que formalmente encontram-se em pé de
igualdade na contratação.
Contrato de Locação 973
deste capítulo”. Em uma dessas ironias da vida, no início do século XXI, assiste-se ao
renascimento da velha “locação de mão de obra” como um contrato útil e usual para
vínculos profissionais especializados, ao exemplo de atores, jornalistas, analistas de
sistemas, além dos clássicos casos de advogados, contadores e consultores técnicos.3
Finalmente, apartando-se da clássica tripartição emanada do direito romano e ado-
tada pelo CC/1916, mediante o uso de terminologia própria e adequada, o CC/2002
afasta as duas primeiras espécies de locação, convertendo-as aos atuais contratos de
prestação de serviço e empreitada. A locação de coisas é a única modalidade cujo de-
nominação foi preservada pelo Código Civil em vigor.
Ademais, houve a unificação das locações civil e mercantil – esta anteriormente
situada no Código Comercial de 1850 –, pois toda a matéria é agora versada no Capí-
tulo V, do Título VI, do Livro “Do Direito das Obrigações”, relativo às várias espécies
contratuais.
2
A locação na sociedade de mercado
“O neurótico constrói um castelo no ar.
O psicótico mora nele.
O psiquiatra cobra o aluguel.”
(Jerome Lawrence)
Vivemos em uma época em que quase tudo pode ser comprado ou vendido, ou mesmo
locado. Nas últimas três décadas, os mercados e os seus valores passaram a governar
a nossa vida como nunca. Hoje, a lógica do contrato não se aplica mais apenas a bens
materiais: governa crescentemente a vida como um todo e alcança esferas da vida com
as quais nada têm a ver. Assim, fomos resvalando da situação de ter uma economia de
mercado para a de ser uma sociedade de mercado. O filósofo Michael Sandel4 debate
os limites morais e políticos do mercado, ou seja, discute em que circunstâncias ele
faz ou não sentido, e quais os valores que governarão as diferentes áreas da vida cívica
e social. O fato é que algumas das boas coisas da vida são corrompidas ou degradadas
a partir do instante em que são convertidas em mercadoria.
Especialmente no terreno da locação, o Professor de Harvard trata dos contratos de
cessão de espaço para publicidade comercial, que colonizou todos os recantos da vida.
Após discorrer sobre propagandas em paredes de mictórios, lingeries de prostitutas
e profissionais exóticos, transformação de carros particulares em outdoor ambulante,
3
RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Análise comparativista dos contratos built to suit.
4
SANDEL, Michael, O que o dinheiro não compra, p. 13-17. “A diferença é esta: uma economia de mercado é
uma ferramenta – valiosa e eficaz – de organização de uma atividade produtiva. Uma sociedade de mercado
é um modo de vida em que os valores de mercado permeiam cada aspecto da atividade humana. É um lugar
em que as relações sociais são reformatadas a imagem do mercado” (p. 16).
974 Curso de Direito Civil
mediante aluguel mensal para divulgar logo de bebidas energéticas, ou mesmo o uso
da própria casa de moradia como meio de divulgação das grandes marcas, culmina o
autor por descrever a transformação do corpo em outdoor, sendo bastante aquiescên-
cia daquele que será tatuado com a logomarca de certo produto. Não se trata de um
tatoo permanente, mas provisório, que pode ser periodicamente substituído mediante
remuneração, mesmo que paradoxalmente colocado sob a própria testa! Para muitos,
se aquilo que se negocia como objeto de publicidade é a casa, o banheiro público ou a
testa, pouco importa. Desde que o bem jurídico pertença a pessoa que o venda e desde
que a operação econômica seja voluntária, ninguém terá o direito de objetar, afinal, os
mercados não discriminam entre preferências louváveis ou indesejáveis.5
Todavia, Sandel conforta aqueles que acreditam que comercializar o corpo humano
significa um modo errado de lhe atribuir valor, através de dois tipos de objeções aos
argumentos tipo laissez-faire que sustentam as escolhas neutras do mercado. Um tem
a ver com equanimidade: ou seja, se a pessoa transforma a sua casa em outdoor, o seu
carro, bíceps e nuca em um letreiro ambulante, pode-se questionar se a sua liberdade de
escolha não estava coagida por grave necessidade econômica que a impeliu a contratar
em condições de evidente desigualdade e em termos injustos de cooperação social; a
segunda objeção se prende à corrupção: mesmo em uma utópica sociedade sem diferenças
de poder e riqueza, existem certos bens cuja comercialização pode corromper a sua
própria essência e, portanto, não podem ser tratados como instrumentos de lucro e
uso. Ter uma tatuagem na testa patrocinada, mesmo que removível após certo tempo,
é uma maneira equivocada de atribuir valor ao corpo, além de algo humilhante, ainda
que a decisão tenha sido livremente adotada. Enfim, os mercados não são simples
mecanismos; eles também encarnam certos valores e devem zelar não apenas pelas
normas, mas também pelos bens que devem governá-los.6
As duas objeções levantadas concernem a escolhas éticas e políticas, apontando
para as desigualdades que as escolhas de mercado podem refletir e as atitudes que as
relações de mercado podem prejudicar. Porém, como resgatar esses dilemas éticos para
o campo do direito civil, especificamente para o objeto do contrato de locação em 2015?
Em uma análise fria, poder-se-ia sustentar que a cessão temporária de espaços do
corpo humano para fins de publicidade seria um contrato de locação de coisas, afinal aí
se conjugam os 4 atributos desse negócio jurídico: a) cessão de uso e gozo; b) coisa
infungível; c) retribuição (aluguel); d) temporariedade (prazo). Assim, a questão deverá
ser tratada pela disciplina contratual da locação do Código Civil.
Entretanto, de contrato não se trata, sendo o bem jurídico corpo – bem como
qualquer de suas partes isoladas – despido de conteúdo patrimonial. O traço da
5
SANDEL, Michael, O que o dinheiro não compra, p. 180-185.
6
SANDEL, Michael, O que o dinheiro não compra, p. 186-188: “As objeções da equanimidade e da corrupção
diferem em suas implicações no que diz respeito ao mercado: o argumento da equanimidade não levanta
objeção à mercantilização de certos bens sob a alegação de que são preciosos, sagrados ou que não tem
preço; insurge-se contra a venda de bens num contexto de desigualdade suficientemente grave para gerar
condições injustas de barganha” (p. 112).
Contrato de Locação 975
3
Campo de incidência do Código Civil
O Código Civil disciplina a locação de coisas nos arts. 565 a 578. A teor do art.
565, “na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo deter-
minado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição”. Em
outros termos, a locação de coisas decorre do fato de o locador colocar à disposição
do locatário o uso e fruição de um bem por um certo período, cabendo a este pagar
àquele um determinado preço.
O âmbito de aplicação das referidas normas é contrato de locação de coisas infun-
gíveis. De fato, a redução do objeto da locação é consequência da autonomização dos
contratos de prestação de serviços (arts. 593 a 609, CC/2002) e empreitada (arts. 610
a 626, CC/2002).
O Código Civil monopoliza a locação de bens móveis infungíveis. Aqui podemos
cogitar de uma ampla variedade de objetos, como vestimentas, eletrodomésticos,
eletrônicos (do iPad ao tablet7 e ao aparelho celular), automóveis, tratores, container,
gerador de energia, tenda, caçamba, mobiliários domésticos e uma infinidade de coisas
que a criatividade humana possa engendrar.
Porém, nem todas os negócios envolvendo a cessão temporária de coisas infungíveis
se submetem ao Código Civil. Nas disposições finais e transitórias, significativa é a
advertência do art. 2.036 do CC: “A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei
especial, por esta continua a ser regida”.
Aqui o legislador não tergiversou: a Lei do Inquilinato continua em vigor e, na
qualidade de norma especial, mantém a regência sobre matéria de locação de imóveis
urbanos residenciais e não residenciais, sobre a qual o Código Civil corretamente
não se debruçou. Com efeito, todo contrato em que se verifique assimetria entre as
partes deve ser enfrentado pela legislação especial, cuja função será a de acautelar a
parte vulnerável, ao estabelecer prévia igualdade material entre os contratantes (v. g.,
as relações de trabalho e de consumo). O CC apenas regulamenta os contratos em
7
Dois jovens empreendedores resolveram investir na locação de tablets, em Curitiba. O empreendimen-
to surgiu após uma “pesquisa de novas ideias”, como explicaram os sócios, que desejavam empreender.
“Encontramos em Barcelona, Madri e Paris empresas que alugam tablets. Lá, a locação é mais voltada para
o turismo”, relatou Baggetti. Para inovar no serviço, os rapazes desenvolveram aplicativos próprios. “Não
queríamos apenas alugar o tablet”, afirmou Coelho. A empresa atinge pessoas físicas e jurídicas. Nos seis
meses de atuação, já atendeu mais de 40 clientes. Atualmente, eles contam com um estoque de 30 tablets.
“A gente adquire de acordo com a demanda. Não adianta ter um estoque muito grande porque os tablets
estão sempre sendo atualizados e nós queremos oferecer um material com tecnologia de ponta”, contou
o estudante de administração. A expectativa dos sócios é de crescimento. Eles explicam que o principal
adversário é a falta de conhecimento das pessoas sobre o serviço que prestam. Por essa razão, eles têm
investido na prospecção de clientes e em novas ideias. “É um serviço novo que cresce junto com o merca-
do”, pontuou Baggetti. A empresa oferece dois modelos de tablets. A diária custa R$ 17,90; já na locação
por uma semana, a diária sai por R$ 13,99. Também é possível alugar o aparelho anualmente por R$ 4,99
a diária. Os tablets alugados pela empresa custam, em média, entre R$ 1.800,00 e R$ 2.500,00. www.
g1parana.com.br colhido em 9.7.2014.
Contrato de Locação 977
8
Informativo no 0476, Período: 6 a 10 de junho de 2011. Quarta Turma. Trata o recurso da possibilidade de
o Estado ajuizar ação de reintegração de posse de imóvel público ocupado por servidor de autarquia desde antes de sua
extinção, com alegada anuência verbal do Poder Público. A Turma entendeu que não se pode falar em contrato verbal
firmado com a Administração Pública, uma vez que, pela natureza da relação jurídica, é inadmissível referida pactuação,
não podendo, daí, exsurgir direitos. Ademais, não seria admissível avença celebrada com autarquia tendo por objeto
locação de bem público sem as cláusulas essenciais que prevejam direitos e obrigações. A referida avença não propiciaria
o efetivo controle do ato administrativo no que tange à observância dos princípios da impessoalidade, moralidade e
legalidade. Não tendo relevância jurídica o aludido contrato verbal supostamente firmado com a autarquia, torna-se
nítido haver mera detenção do imóvel público pelo recorrido. Tendo o recorrente feito notificação judicial ao recorrido
para que desocupasse o imóvel, com a recusa do detentor, passou a haver esbulho possessório, mostrando-se adequado o
ajuizamento de ação de reintegração de posse. Não havendo posse, mas mera detenção, não socorre o recorrente o art.
924 do CPC – que impossibilita a reintegração liminar em prejuízo de quem tem a posse da coisa há mais de ano e dia.
REsp 888.417-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7.6.2011.
9
Informativo no 0542, Período: 27 de junho de 2014. Quarta Turma. DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO CO-
MERCIAL DE IMÓVEL DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. Empresa pública federal que realize contrato de
locação comercial de imóvel de sua propriedade não pode escusar-se de renovar o contrato na hipótese em que o locatário
tenha cumprido todos os requisitos exigidos pela Lei de Locações (Lei 8.245/1991) para garantir o direito à renovação.
Inicialmente, vale ressaltar que somente as locações de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios,
de suas autarquias e fundações públicas não se submetem às normas da Lei de locações, conforme previsto no art. 1o,
parágrafo único, “a”, 1, desse diploma legal. Nos termos do Decreto-lei 200/1967 e do art. 173, § 1o, da CF, as
empresas públicas são dotadas de personalidade jurídica de direito privado e, ressalvadas as hipóteses constitucionais,
sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive nas relações jurídicas contratuais que venham
a manter. Nesse contexto, na hipótese em que empresa pública realize contrato de locação comercial de imóvel de sua
propriedade, sendo o imóvel locado bem de natureza privada – por ser de titularidade de empresa pública que se sujeita
ao regime jurídico de direito privado –, o contrato locatício firmado também é de natureza privada, e não administrativa,
submetendo-se à Lei de Locações. Assim sendo, tendo o locatário obedecido a todos os requisitos exigidos na referida lei
para garantir o direito à renovação do contrato, não é possível à locadora escusar-se da renovação. Nesse aspecto, ensina
a doutrina que “As locações são contratos de direito privado, figure a administração como locadora ou locatária. Neste
último caso, não há norma na disciplina locatícia que retire do locador seus poderes legais. Naquele outro também não
se pode descaracterizar o contrato de natureza privada, se foi este o tipo de pacto eleito pela administração, até porque,
se ela o desejasse, firmaria contrato administrativo de concessão de uso.” REsp 1.224.007-RJ, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 24.4.2014.
980 Curso de Direito Civil
Assim, será o Código Reale que disciplinará o contrato de garagem, bem como
negócios jurídicos que envolvam espaços publicitários em prédio alheio. Todavia, se
o contrato tiver por objeto a locação de terreno urbano, encontra-se ele submetido às
regras da Lei no 8.245/91, sendo indiferente para sua classificação o fato de ter sido o
referido imóvel destinado à construção de vagas de garagem por parte do locatário.10
Observe-se que não se excluirá a incidência da Lei no 8.245/91 no contrato entre
o garagista e o usuário da garagem, se a vaga de estacionamento se vincular a uma
locação de imóvel. Isto é, apenas será afastada a lei especial para aquelas locações
exclusivamente destinadas a veículos, sem qualquer vinculação com um imóvel loca-
do, seja este residencial ou não residencial. Nesses casos, a retomada da coisa pelo
locador não será regulada pela ação de despejo – específica para a Lei do Inquilinato
–, pois resilida eficazmente a locação, para que se opere a restituição de coisa locada,
será exercida a pretensão de reintegração de posse.11
Nesse sentido, explica Sylvio Capanema12 que tanto a locação da vaga de garagem
como de espaços de publicidade não se revestem de maior densidade social a justificar
restrição mais intensa à autonomia privada dos contratantes. Portanto, no que tange
aos imóveis urbanos, os contratos locatícios submetidos ao Código Civil serão aque-
les que envolvam vagas de estacionamento, espaços de publicidade e aos prédios de
titularidade dos Estados, Municípios e suas autarquias e fundações.
Outrossim, excluem-se do Código Civil os contratos de arrendamento rural,
submetidos à Lei no 4.504/64 – Estatuto da Terra.13 O termo arrendamento, explica
Venosa,14 é utilizado entre nós preferentemente para as locações imobiliárias rurais.
Nada impede que, para ser evitada repetição, locação e arrendamento sejam utilizados
indistintamente. No entanto, o arrendamento prende-se mais à ideia de imóvel rural
porque abrange a percepção de frutos, além do uso. Na locação, realça-se a relação de
uso. A nosso ver, o contrato de arrendamento rural tem como elemento essencial a
posse do imóvel pelo arrendatário, que passa a ter o uso e gozo da propriedade. Dessa
forma, na hipótese em que tenha sido firmado contrato de arrendamento rural sem
que o arrendatário tenha efetivamente exercido a posse direta da terra a ser explorada,
10
Informativo no 0505, Período: 20 de setembro a 3 de outubro de 2012. Terceira Turma. A locação de prédio
urbano para a exploração de serviço de estacionamento submete-se às disposições da Lei n. 8.245/1991. A locação que
objetiva a exploração de serviço de estacionamento não se compreende na exceção contida no art. 1o, parágrafo único,
a, item 2, da Lei n. 8.245/1991, que prevê que as locações de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacio-
namento de veículos continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais. AgRg no REsp 1.230.012-SP, Rel.
Min. Massami Uyeda, julgado em 2.10.2012.
11
VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada, p. 15-16.
12
SOUZA, Sylvio Capanema de. Da locação do imóvel urbano, p. 27.
13
STJ, Informativo no 0522 Período: 1o de agosto de 2013. Como instrumento típico de direito agrário, o contrato
de arrendamento rural também é regido por normas de caráter público e social, de observação obrigatória e, por isso,
irrenunciáveis, tendo como finalidade precípua a proteção daqueles que, pelo seu trabalho, tornam a terra produtiva
e dela extraem riquezas, dando efetividade à função social da terra (REsp 1.339.432-MS, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 16.4.2013).
14
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Contratos em espécie, p. 142.
Contrato de Locação 981
4
Elementos contratuais
Afastando-se da acepção ampla de locação tanto a prestação de serviço como a em-
preitada, da leitura do art. 565 do Código Civil surge o contrato de locação de coisas
como o negócio jurídico pelo qual uma das partes, mediante contraprestação, concede à outra
em caráter temporário o uso e gozo de coisa infungível.
Do aludido conceito podemos extrair 4 elementos constantes em qualquer contrato
dessa natureza: a) cessão de uso e gozo; b) coisa infungível; c) retribuição (aluguel);
d) temporariedade (prazo).
15
STJ. Informativo no 0506, Período: 4 a 17 de outubro de 2012. Terceira Turma. O proprietário possui
legitimidade passiva ad causam para responder por eventuais danos relativos ao uso de sua propriedade decorrentes
do descumprimento dos deveres condominiais pelo locatário. Ao firmar um contrato de locação de imóvel, o locador
mantém a posse indireta do imóvel, entendida como o poder residual concernente à vigilância, à conservação ou mesmo
o aproveitamento de certas vantagens da coisa, mesmo depois de transferir a outrem o direito de usar o bem objeto da
locação. Dessa forma, ao locador cumpre zelar pelo uso adequado de sua propriedade, assegurando-se que o locatário dê
a destinação correta ao imóvel, visto que lhe são conferidos instrumentos coercitivos para compelir o locatário a cum-
prir as disposições condominiais, inclusive com a possibilidade de ajuizamento de ação de despejo, nos termos da Lei n.
8.245/1991. Assim, tratando-se de direito de vizinhança, a obrigação é propter rem, ou seja, decorre da propriedade
da coisa. Por isso, o proprietário com posse indireta não pode se eximir de responder pelos danos causados pelo uso in-
devido de sua propriedade. Todavia, a demanda também pode ser ajuizada contra o possuidor do imóvel que, em tese, é
quem comete a infração condominial, sem excluir a responsabilidade do proprietário. REsp 1.125.153-RS, Rel. Min.
Massami Uyeda, julgado em 4.10.2012.
Contrato de Locação 983
recairá sobre o titular de um direito real ou obrigacional que cede a posse direta a um
terceiro. Com efeito, o desdobramento possessório pode comportar uma verticalização
em vários graus. Concebe-se, no mínimo, a viabilidade de uma tripartição da posse.
Assim, exempli gratia, o próprio usufrutuário do bem poderá locar o bem que não lhe
pertence, mas sob o qual ostenta direito real de fruição (art. 1.394, CC). Em suma, a
posse direta sempre será una, cabendo àquele que mantiver atuação material sobre a
coisa; o que se desdobra verdadeiramente é a posse indireta, que, no exemplo, caberá
tanto ao proprietário como ao usufrutuário.16
Tratando-se de compropriedade, segundo a parte final do art. 1.323 do Código
Civil, “preferir-se-á, em condições iguais, o condômino ao que não é”. Assim, se a
deliberação da maioria dos condôminos for pela locação da coisa, qualquer condômino
preferirá a estranhos, simplesmente ofertando tanto por tanto. Bem pontua Francisco
Loureiro17 que “tem a norma razão de ser, pois via de regra o condômino melhor ze-
lará pela coisa comum a ele locada, além de seu quinhão ideal responder por eventual
inadimplemento. Constitui ademais, meio eficaz de evitar a fraude da maioria, locando
a coisa por valor inferior ao do mercado, em detrimento de condômino minoritário”.
16
STJ, Informativo no 0515, Período: 3 de abril de 2013. Terceira Turma. DIREITO CIVIL. LEGITIMIDADE
DO LOCADOR PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO DE DESPEJO. O locador, ainda que não seja o proprietário
do imóvel alugado, é parte legítima para a propositura de ação de despejo fundada na prática de infração legal/contra-
tual ou na falta de pagamento de aluguéis. A Lei n. 8.245/1991 (Lei de Locações) especifica as hipóteses nas quais é
exigida a prova da propriedade para o ajuizamento da ação de despejo. Nos demais casos, entre os quais se encontram
os ora analisados, deve-se atentar para a natureza pessoal da relação de locação, de modo a considerar desnecessária
a condição de proprietário para a propositura da demanda. Ademais, cabe invocar o princípio da boa-fé objetiva, cuja
função de relevo é impedir que o contratante adote comportamento que contrarie o conteúdo de manifestação anterior,
em cuja seriedade o outro pactuante confiou. Assim, uma vez celebrado contrato de locação de imóvel, fere o aludido
princípio a atitude do locatário que, após exercer a posse direta do imóvel, alega que o locador, por não ser o proprietário
do imóvel, não tem legitimidade para o ajuizamento de eventual ação de despejo nas hipóteses em que a lei não exige
essa condição do demandante. REsp 1.196.824-AL, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19.2.2013.
LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado, p. 1238. Conclui o autor: “É omisso o preceito
17
quanto ao modo de exercício da preferência, razão pela qual se aplica a regra do art. 504 do CC. Caso
diversos condôminos almejem a preferência, aplicam-se, por analogia, os critérios de prioridade entre os
consortes, previstos no art. 1.322. Não cabe à maioria negar a preferência do minoritário, porque a norma
em questão é cogente”.
984 Curso de Direito Civil
18
STJ, Informativo no 0504, Período: 10 a 19 de setembro de 2012. Terceira Turma. O comodante pode fixar
aluguel de forma unilateral em caso de mora do comodatário na restituição da coisa emprestada, desde que em montante
não superior ao dobro do valor de mercado. O art. 582, 2a parte, do CC dispõe que o comodatário constituído em mora,
além de por ela responder, pagará, até restituir a coisa, o aluguel que for arbitrado pelo comodante. A natureza desse
aluguel é de uma autêntica pena privada, e não de indenização pela ocupação indevida do imóvel emprestado. O objetivo
central do aluguel não é transmudar o comodato em contrato de locação, mas sim coagir o comodatário a restituir o
mais rapidamente possível a coisa emprestada, que indevidamente não foi devolvida no prazo legal. O arbitramento do
aluguel-pena não pode ser feito de forma abusiva, devendo respeito aos princípios da boa-fé objetiva (art. 422/CC), da
vedação ao enriquecimento sem causa e do repúdio ao abuso de direito (art. 187/CC). Havendo arbitramento em valor
exagerado, poderá ser objeto de controle judicial, com eventual aplicação analógica da regra do parágrafo único do art.
575 do CC, que, no aluguel-pena fixado pelo locador, confere ao juiz a faculdade de redução quando o valor arbitrado
se mostre manifestamente excessivo ou abusivo. Para não se caracterizar como abusivo, o montante do aluguel-pena
não pode ser superior ao dobro da média do mercado, considerando que não deve servir de meio para o enriquecimento
injustificado do comodante. REsp 1.175.848-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 18.9.2012.
19
CAMPOS LUDWIG, Marcos de. Usos e costumes no processo obrigacional, p. 163.
Contrato de Locação 987
do contrato, criando para a outra a sensação legítima de ter havido a renúncia àquela
prerrogativa. Assim, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão do loca-
dor de exigir retroativamente valores em dinheiro que foram por ele dispensados, de
forma a preservar uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a
relação contratual pelo locatário.20 Aliás, enfatiza Hamid Bdine que o comportamento
capaz de provocar modificações contratuais poderia ser reconhecido pela incidência da
hipótese prevista no art. 111 do Código Civil, no qual o próprio silêncio é havido como
anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, não sendo necessária a
declaração expressa de vontade.21
No tocante à periodicidade do pagamento da retribuição, assevera o inciso II do art.
569 do Código Civil que o locatário é obrigado: a pagar pontualmente o aluguel nos prazos
ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar. Em princípio, as prestações
sucessivas serão pagas na época convencionada no contrato.
Todavia, no silêncio da convenção, o legislador remete ao costume do lugar do
pagamento. Mais ponderada, nesse sentido, parece-nos a Lei do Inquilinato (art. 23
da Lei no 8.245/91), que estabelece o prazo legal supletivo do sexto dia útil do mês
seguinte ao aluguel vencido. Mas, nas locações regidas pelo CC, será necessário bus-
car os usos e práticas do local do pagamento, que será o do local do imóvel (art. 328
do CC) ou, tratando-se de bem móvel, o domicílio do inquilino, salvo se as partes
convencionarem o contrário – dívida portável (art. 327 do CC).
É possível a cobrança antecipada do aluguel? Na Lei no 8.245/91 a regra geral é a da
impossibilidade de exigência antecipada do pagamento (art. 20), excepcionando-se a
hipótese em que não houver nenhuma das garantias locatícias definidas no art. 37 da
mesma lei. Ou seja, sem caução, fiança ou seguro de fiança locatícia, o locador pode
perseguir antecipadamente a prestação do mês vincendo. Outra exceção explícita do
art. 20 da Lei do Inquilinato recai sobre a locação por temporada. Já no Código Civil
não há norma impeditiva à antecipação do aluguel, sendo um equívoco se cogitar da
aplicação analógica de norma de ordem pública concebida para a locação de imóveis
urbanos. Portanto, é livre a pactuação de cobrança antecipada nos contratos locatícios
afetos ao Código Civil, mesmo que a locação não disciplinada por lei especial seja
20
STJ, Informativo no 0478, Período: 20 a 24 de junho de 2011. Terceira Turma. CORREÇÃO MO-
NETÁRIA. RENÚNCIA. O recorrente firmou com a recorrida o contrato de prestação de serviços jurídicos com
a previsão de correção monetária anual. Sucede que, durante os seis anos de validade do contrato, o recorrente não
buscou reajustar os valores, o que só foi perseguido mediante ação de cobrança após a rescisão contratual. Contudo,
emerge dos autos não se tratar de simples renúncia ao direito à correção monetária (que tem natureza disponível),
pois, ao final, o recorrente, movido por algo além da liberalidade, visou à própria manutenção do contrato. Dessarte,
o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão de exigir retroativamente a correção monetária dos valores
que era regularmente dispensada, pleito que, se acolhido, frustraria uma expectativa legítima construída e mantida
ao longo de toda a relação processual, daí se reconhecer presente o instituto da supressio. REsp 1.202.514-RS, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 21.6.2011.
21
BDINE JR., Hamid Charaf. Código Civil comentado, p. 290.
988 Curso de Direito Civil
atraída pelo CDC.22 Os usos negociais são recorrentes nesse sentido. Aluguel de DVDs,
roupas, salões de festa: a prática reiterada é a do pagamento antecipado.
22
STJ, AgRg no Ag 1347140/PE, Rel. Min. Marco Buzzi, 4a T., DJe 5.6.2013. Inaplicabilidade do Código de
Defesa do Consumidor ao contrato de locação, regido especificamente pela Lei no 8.245/91. Precedentes.
Contrato de Locação 989
5
Natureza jurídica
A natureza jurídica do contrato de locação pode ser evidenciada por 6 inexoráveis
atributos: bilateral, oneroso, comutativo, consensual, não solene e de execução periódica.
a) contrato bilateral: as duas partes ocupam, simultaneamente, a dupla posição de
credor e devedor. Cada qual tem direitos e obrigações. À obrigação de uma corres-
ponde o direito de outra. O locador cede o uso e gozo do bem em troca de retribuição
pecuniária, sendo que os principais deveres das partes se localizam nos arts. 566 e 569
do Código Civil. Ao contrato bilateral não basta – como se extrai da literalidade da
expressão – a mera bilateralidade das obrigações para ambos os contratantes, porém
a correspectividade e reciprocidade entre elas.
É essencial à bilateralidade a caracterização do sinalagma, no sentido de uma obriga-
ção ser a causa da outra. Assim, a bilateralidade da locação emana de duas obrigações,
ao mesmo tempo principais e mutuamente correlatas, na qual, tanto quem entrega
a coisa, como quem recebe a retribuição periódica, percebam na prestação do outro
uma compensação suficiente à sua própria prestação. Enfim, a obrigação de cada um
dos contratantes aparece como equivalente da assumida pelo outro, o que implica no
campo da eficácia, na possibilidade de aplicação à locação de modelos jurídicos como a
exceptio non adimpleti contractus (art. 476, CC) e a cláusula resolutiva tácita (art. 474, CC).
É fundamental que o estudioso da matéria não confunda negócio jurídico bila-
teral com contrato bilateral. O contrato é a expressão maior dos negócios jurídicos
bilaterais. Todo contrato é negócio bilateral. Em qualquer contrato há sempre duas
ou mais declarações de vontade, com conteúdos diversos, que se harmonizam ou se
conciliam mutuamente, ajustando-se uma à outra, como as diversas partes de um
mesmo objeto, pois se dirigem à produção de um resultado jurídico unitário, embora
tendo para cada um dos declarantes, ou grupo de declarantes, significações distintas
e até de certo modo antagônicas;24
b) contrato oneroso: os contratos são gratuitos ou onerosos, consoante originem, de
acordo com a intenção das partes, vantagens para uma só delas ou para as duas. A
23
STJ, REsp 861711/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3a T., DJe 17.5.2011. Validade dos “contratos
de locação com opção de compra” de máquinas fotocopiadoras, não se justificando sua transmutação em “compra e venda
à prestação”. Concreção do princípio da autonomia privada em sua dimensão primária (liberdade contratual).
24
ABREU FILHO, José, cf. O Negócio Jurídico e sua Teoria geral, p. 73.
990 Curso de Direito Civil
25
BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Obrigações, p. 179.
Contrato de Locação 991
R$ 2.000,00 – que na verdade vale R$ 800,00 – apenas para se instalar com a família
próximo a seu trabalho, pelo risco de perder o emprego em decorrência dos constantes
atrasos pelas longas distâncias percorridas até então. Essa aferição de proporcionalidade
é incompatível com a natureza dos contratos aleatórios;
d) contrato consensual: contrato consensual é aquele em que o acordo de vontades
das partes é bastante ao seu aperfeiçoamento. Forma-se solo consensu, mediante a in-
tegração de duas ou mais declarações de vontade, sem qualquer exigência adicional.
Assim ocorre não apenas na locação, mas também na compra e venda, mandato e na
maior parte dos contratos. Já o contrato real é aquele que, além do consenso das partes,
demanda a entrega da coisa para o seu aperfeiçoamento. Não basta a manifestação de
vontades acordes, sendo necessária a tradição do objeto para a constituição válida do
negócio jurídico. É o que se dá nos contratos de depósito, comodato e mútuo.
Em outros termos, nos negócios jurídicos reais o suporte fático prevê, como ele-
mento nuclear, além do consenso entre os figurantes, um ato-fato representado pela
tradição do objeto da prestação. No mútuo, por exemplo, exige-se a entrega ao mu-
tuário do dinheiro. Em contrapartida, revestindo-se a locação de natureza consensual,
aperfeiçoando-se com o acordo de vontades, a entrega da coisa móvel ou imóvel para
o locatário não será pressuposto de existência, e sim fase de execução.
Se o consensualismo na locação é normalmente instrumentalizado por um contrato
escrito, nada impede, como pondera Paulo Sanseverino26 que seja concretizado por
telefone, fac-simile ou internet, a dificuldade será a demonstração da efetiva existência
do contrato e de suas cláusulas. Essa dificuldade de prova do conteúdo do negócio,
entretanto, é questão processual, que não se confunde com a sua natureza consensual.
Por necessário, premissa básica para que se aperfeiçoe o acordo de vontades será a
capacidade das partes. Especificamente quanto ao locador do imóvel, a capacidade plena
será a mesma para a prática dos demais atos da vida civil. Como ato de administração
patrimonial, a contratação dispensa a legitimação própria para os atos de disposição
de bens (art. 1.647, I, CC) – como a compra e venda e a hipoteca –, cuja consequência
mais grave será a anulabilidade do ato pela falta da outorga conjugal (art. 1.649 do
CC), não havendo o eventual suprimento judicial (art. 1.648 do CC). Assim, preservará
a validade a locação de bem imóvel sem o consentimento do marido ou da esposa,
apenas se expondo a sanção da ineficácia a eventual concessão de aval ou fiança em
garantia do locatário, sem que o fiador ou avalista a submeta a outorga do cônjuge;
e) contrato não solene: todo negócio jurídico possui uma forma. Em seu suporte
fático há uma manifestação de vontade, significando que todo ato de autonomia
privada pressupõe uma determinada forma pelo qual será exteriorizado na atividade
econômica. Trate-se de forma verbal ou escrita, todo contrato é formal. Porém, por
uma questão de segurança jurídica, determinados contratos exigem para a sua validade
não apenas o consenso das partes, mas ainda determinada forma específica. Assim,
surgirá o contrato solene, que pode ser conceituado como aquele a que a lei impõe uma
26
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Contratos nominados II, p. 210.
992 Curso de Direito Civil
6
Obrigações dos contratantes
A bilateralidade ínsita à locação predispõe ambos os contratantes a direitos e
obrigações em todos os momentos da vida do negócio jurídico. Os arts. 566 a 568 do
Código Civil enumeram as obrigações do locador. A seu turno, os deveres legais do
locatário são perfilados nos arts. 569 e 570 do Código Civil.
27
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil, p. 438.
994 Curso de Direito Civil
O princípio da boa-fé objetiva indica que não é suficiente a entrega material da coisa
para se alcançar o adimplemento. Acresça-se ao cumprimento da obrigação principal o
dever instrumental de cooperação com o locatário, aqui traduzido na necessidade de
entrega da coisa em condições de cumprir perfeitamente a sua destinação, resguardan-
do-se as legítimas expectativas do possuidor direto. Em síntese, por mais que a posse
do bem se transfira ao locatário, evidenciado o mau estado de conservação, poderá
ele optar pela resolução face ao descumprimento da obrigação ou então pela tutela
específica da entrega em situação adequada ao uso a que se destina.
Se, em princípio, as despesas de conservação da coisa incumbem ao locador, tal obri-
gação poderá ser transferida ao locatário, em razão de cláusula expressa em contrário.
Adiante, o locador garantirá ao locatário o uso pacífico da coisa (art. 566, II, CC).
Temos aqui mais uma derivação da boa-fé objetiva. A obrigação principal do locador
é a de ceder a posse direta da coisa ao locatário. Todavia, por mais que o contrato de
locação omita referência a qualquer outro comportamento do cedente, é corolário
lógico da solidariedade contratual o dever do locador de cooperar com o locatário no
sentido do exitoso desenvolvimento das finalidades do negócio jurídico.
Isso importa em afirmar que, durante a locação – antes do advento de seu termo
ou, não havendo termo, antes do prazo da interpelação – o locador deverá se abster de
comportamentos que perturbem o regular uso e fruição do bem de modo a não frus-
trar as legítimas expectativas de confiança do locatário quanto a seriedade da avença.
Nesse diapasão, qualquer tentativa injustificada de retomada da coisa será infrutífera,
podendo o locatário ajuizar ação possessória para a tutela de sua posse direta em
face do proprietário que desrespeite a temporariedade da relação obrigacional. Basta
pensar no aluguel de uma vaga autônoma de garagem, na qual familiares do locador
frequentemente estacionam os seus veículos, prejudicando a plena fruição do bem
por parte do locatário.
O que se passa na locação é a reiteração das regras atinentes ao desdobramento da
posse (art. 1.197, CC). O possuidor direto (locatário) pode defender a posse mesmo
contra o possuidor indireto (locador), na vigência da relação jurídica, em virtude de
qualquer tipo de agressão à sua posse. De fato, enquanto perdurar a temporária rela-
ção jurídica de direito obrigacional, a tutela possessória deferida ao possuidor direto
será dirigida em face de erga omnes, incluindo-se no polo passivo o próprio locador,
que eventualmente desrespeite a vigência do negócio jurídico. Basta lembrar, tal qual
enuncia Francisco Loureiro,28 a hipótese comum na periferia das grandes cidades, do
locador que pretende retomar a coisa locada pra uso próprio, ou por ter escoado o
prazo, ou mesmo, por falta de pagamento, sem usar o devido processo legal, retirando
o bem do locatário à força, ou praticando atos turbativos, como o corte de energia
elétrica ou da água corrente. Tem o locatário ação possessória contra o locador, em
razão da conduta ilícita deste, que molesta a sua posse.
28
LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado, p. 1064.
Contrato de Locação 995
Prosseguindo, dispõe o art. 567 do Código Civil que: “Se, durante a locação, se
deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução pro-
porcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que
se destinava”.
O dispositivo não cuida dos vícios redibitórios do bem locado (art. 441 do CC),
pois faz alusão à deterioração da coisa em momento posterior à contratação, gerando a
perda do sinalagma funcional do contrato que nasceu equilibrado em suas prestações e
desprovido de vício oculto que lhe prejudicasse a funcionalidade. Nessa toada, louve-se
o Código Civil pelo recurso ao vocábulo resolver, ao invés de rescindir. Enquanto o termo
rescisão se aplica à desconstituição do contrato por vícios anteriores à contratação, tal
como o vício redibitório, a palavra resolução se destina à extinção do negócio bilateral
por uma inexecução superveniente ao acordo de vontades.
Frise-se, por necessário, que o dispositivo mira na deterioração da coisa, ou seja, cuida
exclusivamente da degeneração ou destruição parcial do bem locado, sem mencionar a
possibilidade de destruição total e insuscetível de reparo. Em caso de ruína completa
do bem motivada pelo fortuito, será inexorável a extinção do contrato, seguindo-se a
regra geral do art. 393 do Código Civil.
Outrossim, a opção entre a mitigação do valor locatício ou a resolução do contrato
somente se viabilizará se a deterioração sofrida pelo bem locado decorrer do fortuito,
ou seja, um fato não imputável ao comportamento dos contratantes. De fato, haven-
do culpa do locador pela degeneração superveniente do bem, ao locatário será lícita
a cumulação de qualquer das duas alternativas assinaladas no dispositivo com uma
pretensão indenizatória decorrente do fato culposo. Por outro lado, se a culpa for do
locatário, incidirá o art. 569 do Código Civil.
Em princípio, a leitura do artigo sugere que diante da depreciação da funcionalidade
do bem seja outorgado ao locatário o direito potestativo de reduzir proporcionalmente
o valor locatício, ou resolver o contrato, extinguindo a relação contratual. Mas mesmo
o exercício de uma potestade pode resultar em abuso do direito, quando a eleição da
faculdade resolutória for exigida diante de uma insignificante avaria no bem, causada
pelo decurso do tempo. Preservando a regra da proporcionalidade, a parte final do
mencionado art. 567 condiciona o exercício do direito potestativo extintivo à deterio-
ração que retire da coisa “o fim a que se destinava”. Assim, somente uma significativa
depreciação material da coisa determinará a extinção do contrato. Caso contrário,
atende-se ao princípio da conservação do negócio jurídico, prevalecendo a redução
proporcional das prestações no restante do percurso contratual.
O art. 567 é uma regra subsidiária. A solução imediata para os casos de deteriora-
ção superveniente sempre passam pela óbvia possibilidade do locador providenciar o
reparo necessário para o prosseguimento normal do contrato – o que aliás se infere
da dicção do art. 566, I, do Código Civil. Sendo o conserto inviável – e permanecendo
viável a fruição do bem –, cogitar-se-á da redução proporcional do montante locatício.
Malgrado o silêncio do Código Civil, aplicando-se o princípio da simetria, o loca-
dor também poderá obter a revisão judicial do preço a fim de resgatar o sinalagma
996 Curso de Direito Civil
29
STJ, Informativo no 523, de 14 de agosto de 2013. É possível a aplicação do CDC à relação entre proprietário
de imóvel e a imobiliária contratada por ele para administrar o bem. Isso porque o proprietário do imóvel é, de fato,
destinatário final fático e também econômico do serviço prestado. Revela-se, ainda, a presunção da sua vulnerabilidade,
seja porque o contrato firmado é de adesão, seja porque é uma atividade complexa e especializada ou, ainda, porque os
mercados se comportam de forma diferenciada e específica em cada lugar e período. No cenário caracterizado pela presença
da administradora na atividade de locação imobiliária sobressaem pelo menos duas relações jurídicas distintas: a de
prestação de serviços, estabelecida entre o proprietário de um ou mais imóveis e a administradora; e a de locação propria-
mente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação. Nas duas situações, evidencia-se
a destinação final econômica do serviço prestado ao contratante, devendo a relação jurídica estabelecida ser regida pelas
disposições do diploma consumerista. REsp 509.304-PR, 3a T., Rel. Min. Villas Bôas Cueva, julgado em 16.5.2013.
1000 Curso de Direito Civil
estado em que a recebeu, conforme impõe o art. 569, IV, do CC, e, mais importante,
elide a possibilidade de tratar a coisa como se sua fosse (art. 569, I, do CC).
Apesar de o Código Civil de 2002 silenciar a respeito, o direito de retenção também
é aplicável às acessões artificiais. Efetivamente, as construções detêm relevo econômico
superior às benfeitorias, não sendo lícito supor que alguém possa reter uma casa em
virtude da feitura de um banheiro (benfeitoria útil) e não receba idêntica proteção legal
quando, de boa-fé, tenha-se incumbido de construir a própria edificação. Mesmo não
se confundindo conceitualmente as acessões com as benfeitorias, ambas devem ser
indenizadas em caso de evicção, já que não teria nenhum sentido mandar indenizar
as benfeitorias e deixar de fora as acessões, utilizando para esse efeito um sentido
restrito, que só serviria para beneficiar o causador da lesão.
7
Extinção da locação
A cessação do contrato de locação pode se dar de forma fisiológica ou patológica. Ou
seja, o decesso do negócio jurídico tanto pode decorrer daquilo que se planejou para
o seu cumprimento normal como por perturbações supervenientes à sua celebração,
impactando na temática da resolução e da resilição da locação.
30
STJ, Informativo no 0540, Período: 28 de maio de 2014. Terceira Turma. DIREITO CIVIL. PENA CON-
VENCIONAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. Não se pode cumular multa compensatória prevista
em cláusula penal com indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação. Enquanto a cláusula
penal moratória manifesta com mais evidência a característica de reforço do vínculo obrigacional, a cláusula penal com-
pensatória prevê indenização que serve não apenas como punição pelo inadimplemento, mas também como prefixação
de perdas e danos. A finalidade da cláusula penal compensatória é recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente
decorram do inadimplemento total ou parcial da obrigação. Tanto assim que, eventualmente, sua execução poderá até
mesmo substituir a execução do próprio contrato. Não é possível, pois, cumular cláusula penal compensatória com perdas e
danos decorrentes de inadimplemento contratual. Com efeito, se as próprias partes já acordaram previamente o valor que
entendem suficiente para recompor os prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que, além
desse valor, ainda seja acrescido outro, com fundamento na mesma justificativa – a recomposição de prejuízos. Ademais,
nessas situações sobressaem direitos e interesses eminentemente disponíveis, de modo a não ter cabimento, em princípio,
a majoração oblíqua da indenização prefixada pela condenação cumulativa em perdas e danos. REsp 1.335.617-SP,
Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 27.3.2014.
1004 Curso de Direito Civil
mas doravante sem prazo. O contrato será o mesmo, as cláusulas não sofrem alteração,
inclusive no tocante ao valor da retribuição.
Na prática, o artigo inviabiliza a parte final da norma do art. 573. Com efeito, o lo-
cador está dispensado de interpelar o locatário para a restituição do bem nos contratos
com termo, mas se não agir será penalizado pela manutenção da locação, agora sem
novo prazo. Em síntese, a interpelação acaba se tornando um ônus para o locador, sob
pena de suportar um prejuízo para si: submeter-se à prorrogação indefinida do contrato.
Melhor seria se o legislador tivesse adotado regra semelhante à Lei do Inquilinato (art.
46, § 1o, da Lei no 8.245/91) e fixasse em trinta dias o prazo de exercício de oposição
por parte do locador, como condição de prorrogação contratual.
Com a prorrogação da locação, a resilição unilateral será a forma pela qual as partes
poderão extinguir o contrato.
Com efeito, nas locações sem prazo, a qualquer momento será facultado a ambos
os contratantes a denúncia vazia da locação. Vale dizer, dispensa-se motivação e pa-
gamento de indenização. Para tal desiderato, partindo a iniciativa do locador, deverá
interpelar o locatário para a restituição, a fim de constituí-la em mora ex persona (art.
397, parágrafo único, do CC), assinalando um tempo razoável para a devolução da
coisa. Com relação à denúncia pelo locatário será suficiente a devolução do bem locado,
conforme prazo estabelecido no contrato. Eis aqui uma concreta aplicação da resilição
unilateral. Cuida-se do direito potestativo de um dos contratantes impor a extinção
do contrato, independente do inadimplemento da outra parte, sem que o outro possa
a isto se opor, posto situado em posição de sujeição. De fato, a resilição unilateral é
modelo inerente aos contratos sem prazo, seja por já ter sido concebido sem a sua
determinação ou, pela prorrogação indeterminada de um contrato originariamente
submetido a um prazo. Em qualquer das hipóteses, vislumbra-se a faculdade da parte
exercer o poder liberatório, extinguindo o contrato. O fundamento da denúncia é a
vontade presumida do contratante no sentido de que não deseja se vincular de forma
perene, reservando-se ao direito potestativo de resilir o contrato a qualquer tempo,
de forma imotivada, mediante simples declaração de vontade.
Naturalmente, parece-nos que o poder do locador de submeter o locatário a um
prazo de restituição da coisa é sujeito ao transcurso de um período razoável para que
o locatário tenha obtido considerável retorno da finalidade almejada com o contrato
de locação. A título ilustrativo, a locação de um conjunto de britagem móvel para a
realização de uma grande obra, sem que se tenha estipulado prazo, não poderá ser
legitimamente desconstituída no mês seguinte à contratação, caso em que se instalaria
o abuso do direito à interpelação por parte do locador. A advertência é especialmente
importante nos contratos de adesão (art. 424, CC), com cláusulas preestabelecidas
unilateralmente de forma rígida por uma das partes no qual não há plena liberdade
contratual na relação jurídica, frequentemente o distrato será um ônus que pode confi-
gurar abuso de direito. Aplica-se aqui o disposto no parágrafo único do art. 473 do CC:
“Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos
1006 Curso de Direito Civil
31
BDINE JR., Hamid Charaf. Código Civil comentado, p. 379.
32
Enunciado 180 do Conselho de Justiça Federal: A regra do parágrafo único do art. 575 do nCC, que autoriza
a limitação pelo juiz do aluguel-pena arbitrado pelo locador, aplica-se também ao aluguel arbitrado pelo comodante,
autorizado pelo art. 582, 2a parte, do nCC.
Contrato de Locação 1007
no RGI (bem imóvel), o contrato de locação adquire eficácia real perante eventuais
adquirentes, submetendo-se estes ao aguardo do término do prazo estipulado para
o negócio jurídico. Não se cuida propriamente de uma conversão de uma situação
obrigacional em real, mas da manutenção da vigência do contrato. Isto é, apenas de
um acréscimo eficacial a um direito, mediante oponibilidade coletiva em razão da pu-
blicidade do registro e inserção de cláusula contratual. Nesse sentido, preconiza o § 1o
do art. 576 que: “O registro a que se refere este artigo será o de Títulos e Documentos
do domicílio do locador, quando a coisa for móvel; e será o Registro de Imóveis da
respectiva circunscrição, quando imóvel”.
Em reforço, ressalte-se a Súmula 442, STF: A inscrição do contrato de locação no registro
de imóveis, para a validade da cláusula de vigência contra o adquirente do imóvel, ou perante
terceiros, dispensa a transcrição no registro de títulos e documentos.
Tratando-se de locação não submetida à prazo, ou mesmo naquelas em que tenha
se prefigurado um termo mas o locatário não tenha se acautelado com o registro da
cláusula de vigência, submeter-se-á ao direito potestativo de resilição por parte do
novo proprietário. Contudo, cuidando-se de bens imóveis, impõe-se a notificação do
locatário com a concessão do prazo especial mínimo de noventa dias para a desocupação,
fluindo a partir da interpelação. O referido prazo é idêntico ao estabelecido pelo art.
8o da Lei no 8.245/91 para imóveis urbanos. Essa é a letra do § 2o do art. 576: “Em se
tratando de imóvel, e ainda no caso em que o locador não esteja obrigado a respeitar
o contrato, não poderá ele despedir o locatário, senão observado o prazo de noventa
dias após a notificação”.
Entendemos que o aludido prazo de 90 dias não é inflexível, submetendo-se à regra
geral sobre a prorrogação compulsória dos contratos em caso de resilição, conforme
as exigências da boa-fé e da função social ínsita a cada contrato de locação. Nesse
diapasão, estatui o parágrafo único do art. 473 do Código Civil que “se, porém, dada
a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para
a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo
compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”.
De qualquer forma, o brocardo “venda rompe a locação” tem a sua eficácia con-
dicionada ao exercício da interpelação pelo novo proprietário nos 90 dias, sob pena
de prosseguimento da relação locatícia, sucedendo o novo proprietário ao antigo na
posição de locador. Com efeito, é imperativo que o locatário não fique eternamente à
mercê do exercício da denúncia pelo novo proprietário.
Por último, na venda do bem locado inexiste o mecanismo do direito de preferên-
cia ao locatário no sistema do Código Civil. Inviável restaria a aplicação analógica do
art. 27 da Lei no 8.245/91 e nem o art. 92 do Estatuto da Terra, normas especiais que
resguardam o direito de preempção de inquilinos de imóveis urbanos e arrendatários
de terrenos rurais, o que justifica especial ênfase na preservação do direito social de
Contrato de Locação 1009
moradia.33 No tocante aos bens móveis e imóveis cuja locação é disciplinada pela lei
civil, a relativa igualdade entre as partes desaconselha a excessiva intervenção do or-
denamento no sentido de deferir ao locatário o automático direito de preferência em
caso de venda pelo locador.
Aliás, quando o Código Civil deseja por quaisquer razões atribuir ao particular o
direito de preferência assim expressamente o regula, tal como se infere da preempção
ao condômino em bem indivisível (art. 504, CC) ou da retrocessão na desapropriação
(art. 519, CC).34
Nada obstante, no âmbito de autonomia privada dos contratantes, é perfeitamente
válida uma cláusula contratual que estabeleça direito de preferência na hipótese de venda
do bem locado. Tal cláusula é especialmente interessante para o locatário, mitigando
o risco de venda simuladas. O sistema de preferência é deferido às partes no bojo da
compra e venda, para bens móveis e imóveis (art. 513, CC) e não haveria qualquer
motivo para interditá-lo do crivo da liberdade contratual de locadores e locatários.
33
STJ, Informativo no 522, 1o de agosto de 2013. O contrato firmado como “arrendamento de pastagens”, na
hipótese em que não tenha havido o exercício da posse direta da terra explorada pelo tomador da pastagem, não confere
o direito de preempção previsto na Lei 4.504/1966 e no Dec. 59.566/1966. De fato, o art. 92, § 3o, da Lei 4.504/1966
e o art. 45 do Dec. 59.566/1966 estabelecem o direito de preempção do arrendatário rural na aquisição do imóvel ar-
rendado. Pode-se afirmar que o referido direito foi conferido ao arrendatário rural como garantia do uso econômico da
terra explorada por ele, não abrangendo outras modalidades de contratos agrários por se tratar de norma restritiva do
direito de propriedade. Nesse contexto, vale observar que o contrato de arrendamento rural tem como elemento essencial
a posse do imóvel pelo arrendatário, que passa a ter o uso e gozo da propriedade. Dessa forma, na hipótese em que tenha
sido firmado contrato de “arrendamento de pastagens” sem que o tomador da pastagem tenha a posse direta da terra a
ser explorada, deve-se afastar a natureza do contrato de arrendamento para considerá-lo como de “locação de pastagem”,
caso em que não é possível exercer o direito de preferência que a lei estabelece para o arrendatário. REsp 1.339.432-MS,
4a T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16.4.2013.
O arquivado Projeto de Lei no 6.960 previa, dentre outros, alteração do art. 576 no sentido de estabelecer
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que envolvam os referidos bens. Na maior parte das vezes a locação se resumirá a
apenas um pagamento. Daí o domínio dos usos do comércio, reiterando práticas como
o do pagamento antecipado (v. g. aluguel de roupa para festa), ou do adimplemento no
momento de sua restituição (v. g. locação de automóveis). Não se olvide da natureza
disponível do preceito, pois a despeito das práticas consuetudinárias, as partes podem
livremente eleger um prazo para o cumprimento da obrigação.
O legislador foi econômico na redação do inciso II do art. 566, pois a pontualidade
não se refere apenas ao pagamento do aluguel em si, estendendo-se aos encargos da
locação, sejam eles contratuais ou legais. O inadimplemento da obrigação nos con-
tratos de locação disciplinados pelo Código Civil não conduz à ação de despejo, como
soí acontecer na Lei no 8.245/91.
Na lei civil comum, a inexecução do pagamento de prestações relativas a bens mó-
veis e imóveis gera a pretensão à resolução contratual (art. 475, CC) cumulada com
pedido sucessivo de reintegração de posse. Configurada a mora ex re com o simples
descumprimento da obrigação (art. 397, CC), será desnecessária a interpelação do
locatário para a constituição em mora. Os juros moratórios são devidos a partir do
vencimento contratual das parcelas em atraso, por se tratar de inadimplemento de
obrigação positiva e líquida. Isto é, se o contrato especifica o valor do aluguel e a data
de pagamento, os juros de mora fluem a partir do vencimento das prestações.
Caso haja resistência de restituição voluntária do bem por parte do locatário ina-
dimplente, primeiramente o locador deve suprimir a causa que justifica a posse – ou
seja, o contrato –, convertendo-a de justa em injusta (pelo vício da precariedade).
Configurado o esbulho possessório pela indevida recusa de restituição da coisa, entra
em cena a pretensão sucessiva de reintegração de posse.
Se o locador deseja obter os pagamentos em aberto, a pretensão de cobrança será
sujeita a três prazos: (a) três anos – prédios urbanos e rurais (Lei no 8.245/91 e art.
206, § 3o, I, do CC); (b) cinco anos – dívidas líquidas, constantes de instrumento pú-
blico ou particular (art. 206, § 5o, I, do CC); e (c) dez anos – dívidas ilíquidas ou não
tituladas, conforme o prazo geral do caput do art. 205 do CC.