Você está na página 1de 3

Brasil cai para última posição em

ranking sobre prestígio do professor


NOVEMBER 07, 2018
SÃO PAULO - Percepção de falta de respeito dos alunos, salários insuficientes e uma
carreira pouco segura para os jovens. É assim que a maioria da população brasileira
enxerga a profissão docente e coloca o País como o que dá menos prestígio
aos professores. Esse cenário foi revelado pelo Índice Global de Status de Professores
de 2018, divulgado na noite desta quarta-feira, 7, pela Varkey Foundation, organização
voltada para a educação. O levantamento avalia como a população de 35 países enxerga
a profissão.

Enquanto há uma tendência global de crescimento no prestígio dado aos professores, o


Brasil regrediu nos últimos cinco anos. Em 2013, quando o estudo foi feita pela
primeira vez e avaliou 21 nações, o País aparecia na penúltima colocação. Na edição
deste ano, com a piora na percepção sobre o respeito dos alunos e com menos pais
dispostos a incentivar seus filhos a seguir a profissão, o índice nacional piorou e
colocou o País como lanterna do ranking.

Para chegar ao indicador, foram entrevistadas mil pessoas, de 16 a 64 anos, em cada


país e mais de 5,5 mil docentes. No Brasil, apenas 9% acreditam que os alunos
respeitam seus professores – na China, o líder, 81% veem esse respeito. O dado aparece
em consonância com o fato de que só 20% dos pais brasileiros afirmam que
encorajariam seus filhos a seguir a carreira – ante 55% dos pais chineses.

O estudo também indica que o brasileiro subestima a jornada de trabalho da profissão.


A sociedade estima uma carga horária semanal média de 39 horas, ante o relato dos
professores de uma média de 48 horas. Segundo a pesquisa, essa percepção é forte nos
países latino-americanos e se diferencia de países como Finlândia, Canadá e Japão,
onde os docentes trabalham menos horas do que a percepção de suas comunidades.

A mesma tendência é observada em relação aos salários. Enquanto brasileiros


consideram que um salário justo para os professores seria de U$ 25 mil (cerca de R$ 93
mil) ao ano, a remuneração real média relatada pelos profissionais é de U$ 15 mil (cerca
de R$ 56 mil).

Professor de Geografia, Heleno de Oliveira, de 52 anos, diz ter sentido a desvalorização


da profissão nos 35 anos em que atua em sala de aula. “Cada vez são mais comuns os
relatos de colegas que foram agredidos ou xingados por alunos, que precisam ter mais
de um emprego para se sustentar ou que adoecem por causa da pressão”, diz o docente,
que dá aula em escolas da rede pública de São Paulo.

Ele diz ter descoberto a vocação aos 17 anos, como estagiário. Ver os alunos
aprendendo e interessados p é o que motiva Oliveira a continuar em sala. “Já pensei
algumas vezes em desistir porque saio às 22 horas da escola, preparo minhas aulas até
as 2 horas da manhã. E o salário é muito pequeno diante de tanto esforço. O que me
segura é a relação com alguns alunos, perceber que posso fazer a diferença na vida de
alguns”, diz.
Luiz Antonio, professor de Língua Portuguesa em duas escolas privadas do centro de
São Paulo, diz que sente desrespeito maior dos pais do que dos jovens. “Tem uma
interferência muito grande da família, que tira a nossa autonomia. Não gostam quando
chamamos atenção do filho, questionam o conteúdo. Não entendem que estudamos e
temos formação para ensinar não só a disciplina, mas como conviver dentro da escola”,
diz ele, de 44 anos – 20 em sala de aula.

Para especialistas, a repercussão de projetos como o Escola sem Partido, que defende
vetar a “doutrinação ideológica” em classe, pode agravar ainda mais tensão no ambiente
escolar.

O estudo também identificou que a valorização docente está ligada ao desempenho dos
alunos. Países com melhores notas no Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (Pisa), maior avaliação de estudantes do mundo.

“Mais respeito aos professores significa que estudantes com melhor desempenho serão
atraídos para a profissão, que melhores docentes irão permanecer na carreira. São
fatores muito importantes para melhorar os resultados educacionais dos países”,
explicou ao Estado Vikas Pota, presidente da Varkey Foundation.

Para ele, o poder público precisa investir em ações para apoiar os professores, tanto
financeiramente como na melhora de condições de trabalho, para que os índices
educacionais do país progridam. Na última edição do Pisa, em 2016, o Brasil apareceu
entre os dez últimos do ranking. De 70 nações avaliadas, o País ficou na posição 63.ª em
Ciências, 65.ª em Matemática e 59.ª em Leitura.

A baixa remuneração é um dos principais fatores para a desvalorização da


carreira docente?

Os baixos salários são, ao mesmo tempo, causa e consequência. As pessoas


desvalorizam o professor porque ele ganha pouco e ele ganha pouco porque não é
valorizado nas políticas públicas. Além disso, os políticos sempre falam genericamente
sobre a valorização do docente. Nunca se desenvolve a ideia de que é preciso melhorar a
questão salarial, a evolução da carreira, as condições de trabalho e o apoio que ele deve
receber da equipe escolar e das famílias.

Os pais também desvalorizam o professor?

Na maioria dos casos, o professor não conta com o apoio da família porque muitas não
querem se envolver com o que acontece na escola. Então, não querem saber do mal
comportamento ou do baixo desempenho do filho. Preferem culpar o professor por essas
situações. Propostas que estão sendo colocadas nesse momento, como o Escola Sem
Partido (em tramitação no Congresso Nacional e defendido pelo presidente eleito, Jair
Bolsonaro, do PSL), tendem a acirrar essa relação por colocar pais e professores em
lados opostos, por incentivar que o docente seja vigiado, controlado, perca a autonomia
sobre o quê e como ensinar.

O País está perdendo bons professores pela forma como os trata?


Sim. Os jovens com melhor desempenho vão para as profissões mais valorizadas, com
melhores salários. Os cursos de Licenciatura e Pedagogia são vistos como o “que
sobrou”, porque ninguém quer seguir a carreira. Cada vez menos temos fatores de
recompensa. A médio e longo prazo, isso é um desastre para a educação do Brasil.

Você também pode gostar