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ANPUH - Brasil
Representante da ANPUH/Brasil no
Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ)
Ismênia de Lima Martins - UFF (Titular)
Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira - UERJ (Suplente)
Revisão: Armando Olivetti
Diagramação: Flavio Peralta (Estúdio O.L.M.)
Sumário
Apresentação 7
Entrevista
Mônica Lima e Souza 131
Martha Abreu e Silvio de Almeida Carvalho Filho
Artigos
Reflexões sobre o ensino colonial em África: trajetórias
da instituição escolar no antigo Sudão (1889-1952) 139
Patricia Teixeira Santos
E-storia
E-storia 307
Dilton C. S. Maynard e Marcos Silva
Resenhas
Historiografia e Nação no Brasil – um clássico e suas possibilidades,
da gênese da historiografia ao lugar da História Ensinada nos dias de hoje 329
Mauro Cezar Coelho
Apresentação
A revista História Hoje inicia uma nova fase com a publicação do núme-
ro 1 desta série. Em julho de 2011, retomando discussões e anseios que mar-
caram sua criação em 2003, o Conselho Editorial assumiu a tarefa de revitali-
zar o periódico, adotando a temática “História e Ensino” como estrutura de
sua linha editorial. Para isso, investiu na publicação de Dossiês Temáticos,
reviu a periodicidade da revista, agora semestral, e criou novas seções para a
RHHJ – “História Hoje na Sala de Aula”, “E-Storia” e “Falando de História
Hoje”, com a finalidade de manter canais de diálogo permanentes com pro-
fessores e pesquisadores, discutindo e compartilhando experiências. Por fim,
a migração para a base OJS/SEER, ao garantir acesso amplo e maior qualidade
editorial, completa este momento significativo na institucionalização da RHHJ
na Anpuh/Brasil, no momento em que completamos 50 anos.
Neste número, abrimos com o Dossiê “Ensino da História da África e
da Cultura Afro-brasileira”, organizado por Martha Campos Abreu e Silvio
de Almeida Carvalho Filho. Ele reúne autores com experiências ricas e subs-
tantivas para refletir sobre as conquistas e desafios decorrentes da implantação
das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. O resultado, como se verá, é extraordiná-
rio! Participam dele Marina de Mello e Souza (“Algumas impressões e suges-
tões sobre o ensino de história da África”), Anderson Ribeiro Oliva (“Entre
máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da
África nas escolas brasileiras”), Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho
(“Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil”), Vere-
na Alberti (“Proposta de material didático para a história das relações étnico-
-raciais”), Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza (“O ensino de história
entre o dever de memória e o direito à história”) e Amilcar Araujo Pereira
(“‘Por uma autêntica democracia racial!’: os movimentos negros nas escolas e
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Apresentação
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Apresentação
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Apresentação • Dossiê
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Apresentação • Dossiê
Resumo Abstract
Com base na experiência como professo- From my experience as a teacher of Af-
ra de história da África e no contato com rican history and the contact with
professores de níveis diversos, indico al- teachers working in different levels, I
guns problemas referentes ao ensino de point out some problems concerning
teaching African history and, second-
história da África e, secundariamente,
arily, afro-Brazilian culture, and I sug-
cultura afro-brasileira, e proponho for-
gest ways that can help teachers to ap-
mas de o professor abordar o tema e proach the subject and to enhance their
aprimorar seu domínio sobre a área. knowledge about this area.
Palavras-chave: ensino de história da Keywords: teaching of African history;
África; pesquisa de história da África; researching African history; struggling
vencendo preconceitos. against prejudices.
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Se é possível fazer a crítica ao conteúdo de história, que insiste em dar mais ênfa-
se à história da África, e continua não abrindo muito espaço para se analisar o
papel do negro como sujeito político após a abolição da escravidão, as demais
disciplinas, como geografia, sociologia e filosofia, possibilitam essa abordagem.3
É fato que ao fazer essa observação a autora está apontando para a defi-
ciência no tratamento do negro como agente histórico, mas atribui isso à aten-
ção excessiva dada à história da África. No meu entender, o que acontece é
justamente o contrário. Uma vez que os professores pouco sabem acerca das
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sileira, como aliás, conforme dito no início deste texto, é indicado por várias
pessoas que se detiveram sobre o assunto. Dessa perspectiva, é fundamental o
ensino de temas africanos, considerados não apenas pelos seus aspectos nega-
tivos, largamente divulgados pela imprensa e pelas mídias oficiais, mas sim
pelo que podemos chamar de aspectos positivos, ou seja, as características
culturais e formas de organização social e política próprias, os processos his-
tóricos tanto internos quanto pertinentes à sua relação com outros continentes,
seja com as sociedades ocidentais, seja com as orientais.
No meu entender, ao tratarmos de assuntos africanos em geral e história
da África em particular, devemos partir do princípio de que temos pouca, ou
mesmo nenhuma familiaridade com os temas relativos ao continente africano.
Dessa forma, como já dito, o estudo e a pesquisa são requisitos fundamentais
para adquirirmos essa familiaridade e aprofundar o conhecimento sobre a
África. Se olharmos para a trajetória da construção desse conhecimento no
âmbito do chamado mundo ocidental, do qual fazemos parte, veremos que os
europeus só passaram a conhecer melhor o continente africano na segunda
metade do século XIX, quando se multiplicaram as expedições de exploração.
Naquele momento, além de o combate às doenças ali existentes ter se tornado
mais eficiente, permitindo a maior sobrevivência dos estrangeiros, as técnicas
de medição e de transporte estavam aprimoradas, o que contribuiu para a
elaboração de um conhecimento mais preciso sobre o interior da África. Nes-
se processo são importantes as sociedades de geografia e as companhias de
comércio interessadas em atuar nos espaços africanos, principalmente com-
prando matérias-primas e explorando suas riquezas naturais.
Outro princípio fundamental do qual devemos partir diz respeito aos pre-
conceitos associados aos povos africanos e suas sociedades. Quando o conhe-
cimento sobre o continente começou a se aprofundar, predominavam as ideias
de hierarquia entre as raças, baseada em diferenças biológicas, e de hierarquia
entre as sociedades, fundada em níveis de evolução. Nesse contexto a África
era vista como um continente atrasado, primitivo, habitado por populações
em estágios inferiores da evolução humana. Havia variações nessa classificação,
e no Brasil, no final do século XIX e ao longo do XX, os iorubás eram vistos
como superiores aos bantos, percebidos como detentores de culturas menos
complexas, portanto mais primitivas. Essa postura deve ser entendida como
resultado de uma maneira de pensar historicamente constituída, ligada a de-
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lhistas, fica aqui a minha modesta contribuição no que diz respeito às possibi-
lidades de aprimoramento individual.
NOTAS
1
BAKKE, Raquel Rua Baptista. Na escola com os orixás: o ensino das religiões afro-brasi-
leiras na aplicação da Lei 10.639. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social, Departamento de Antropologia, FFLCH, USP. São Paulo, 2011. p.88.
2
Dentre as traduções mais recentes destaco os oito volumes da História Geral da África
disponíveis em www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/gene-
ral_history_of_africa_collection_in_portuguese-1/; M’BOKOLO, Elikia. África negra. His-
tória e civilizações. Trad. Alfredo Margarido. Salvador: Ed. UFBA; São Paulo: Casa das
Áfricas, 2009; THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico,
1400-1800. Trad. Marisa Rocha Motta. Rio de Janeiro: Campus; Elsevier, 2004; LOVEJOY,
Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Trad. Regina A. R. F.
Bhering e Luiz Guilherme B. Chaves. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Dentre os
autores nacionais, destaca-se SILVA, Alberto da Costa e, autor de, entre outros, A enxada
e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Edusp,
1992; A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira; Fundação Biblioteca Nacional, 2002; Um rio chamado atlântico: a África no Bra-
sil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Ed. UFRJ, 2003; Francisco Félix de
Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Ed. Uerj, 2004. Quanto a
trabalhos produzidos no âmbito dos programas de pós-graduação, foram publicados al-
guns produzidos no Departamento de História da USP, como: GEBARA, Alexsander. A
África de Richard Francis Burton: antropologia, política e livre-comércio, 1861, 1865. São
Paulo: Alameda, 2010; SANTOS, Gabriela Aparecida dos. Reino de Gaza: o desafio portu-
guês na ocupação do sul de Moçambique (1821-1897). São Paulo: Alameda, 2010; SILVA,
Juliana Ribeiro da. Homens de ferro: os ferreiros da África central no século XIX. São Pau-
lo: Alameda, 2011.
3
BAKKE, Raquel Ruas Batista, op. cit., p.74-75.
4
Para referências de narrativas de diversos momentos e procedências, ver FAGE, J. D. A
evolução da historiografia da África. História Geral da África I, p.1-22. Disponível em:
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000318.pdf.
5
SANTOS, Catarina Madeira; TAVARES, Ana Paula. Africae Monumenta, v.I. Arquivo
Caculo Cacahenda. Lisboa: Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga/ Instituto
de Investigação Científica Tropical, 2002, apresenta um conjunto de textos que exemplifi-
cam a apropriação da escrita por sociedades centro-africanas antes do século XIX.
6
Um texto clássico sobre a questão da oralidade e da memória nas sociedades africanas é
HAMPATÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (Org.) História Geral da
África I. Metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática; Unesco, 1980. Também
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Resumo Abstract
O presente artigo tem como objetivo This article aims at analyze the reflexes,
analisar os reflexos, na construção das in the construction of individual and
identidades individuais e coletivas de es- collective identities of students, of the
tudantes, das abordagens de conteúdos approaches of contents about African
sobre a história africana no ensino brasi- history in Brazilian education. Based on
leiro. Partindo dos referenciais teóricos the theoretical references connected to
ligados aos Estudos Culturais, o trabalho Cultural Studies, the study analyzes how
analisa a forma como o tratamento con- the treatment accorded to the subject
cedido ao assunto pode fomentar, inter- can foster, interdict and justify the exis-
ditar e justificar a existência de reflexos tence of plural reflections of identity –
identitários plurais – com a presença das with the presence of the African ‘masks’
‘máscaras’ africanas de reconhecimento of recognition of others and of self-rec-
do outro e de autorreconhecimento – em ognition – in our school spaces. The text
nossos espaços escolares. Ao mesmo also proposes to discuss the meaning of
tempo o texto se propõe a discutir o sen- national identity in a society composed
tido da identidade nacional em uma so- by hybrid sets of population, complex
ciedade composta por conjuntos popula- and marked by intercultural and multi-
cionais híbridos, complexos e marcados cultural relations formulated along its
pelas relações interculturais e multicultu- recent historical composition.
rais geradas ao longo de sua composição Keywords: identities; teaching of Afri-
histórica mais recente. can history; Cultural Studies.
Palavras-chave: identidades; ensino de
história africana; Estudos Culturais.
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fronteiras, entendidas como Bhabha nos lembra: “lugar onde algo começa a se
fazer presente” (2003, p.26-27).
Ou seja, apesar de apresentar conteúdos formais e preestabelecidos aos
estudantes – prescritos por leis, normas e currículos –, a apropriação das ‘li-
ções’, a construção de novas leituras de mundo e de entendimentos sobre as
realidades coletivas e individuais apresentam-se justamente como parte de um
movimento de elaboração de novas identidades. Identidades que não são aque-
las apresentadas pelas abordagens do conteúdo preestabelecido ou as informa-
das pelos estudantes. Formas distintas de inscrição cultural se articulam nessa
fronteira, tornando a Escola um espaço de grande relevância na formação de
algumas de nossas múltiplas identidades.
O mais interessante é que na Escola ensina-se um tipo específico de me-
mória, de História e de pertencimento. As experiências relativas à trajetória de
vida pessoal de cada um de seus integrantes são inicialmente ignoradas. Seus
sujeitos são vistos como subalternos a uma cultura e valores a serem apreen-
didos. Como em uma microesfera das experiências coloniais, a sala de aula
torna-se um lugar de dominação cultural, de colonização imaginária. Nela uma
suposta identidade comum ou pré-concebida (brasileiro, homem, mulher, ne-
gro, branco) desloca-se e conflita com uma alteridade complexa.
A imagem esperada do que definiria uma determinada entidade (‘brasi-
leiro’) fragmenta-se e se torna insólita diante de tantos outros. Se, durante
grande parte dos séculos XIX e XX, a escola reproduziu uma imagem homo-
gênea de brasilidade – de franca ascendência europeia, branca, cristã, ociden-
tal, masculina e elitista –, ao confrontar-se com outras expressões e inscrições
culturais e identitárias – como a africanidade, a latinidade, as leituras feminis-
tas, as múltiplas filiações religiosas e não-elitistas – criou-se um espaço de
conflito e recriação do que somos e de como nos percebemos e aceitamos.
Gusmão lembra que “a escola não consegue captar as expressões culturais
presentes na modernidade e nas relações de identidade” servindo a determi-
nados objetivos nas sociedades modernas: formar o cidadão e o profissional.
Neste caso os debates sobre a memória cultural ou as diferentes formas de
reconhecimento cultural estariam fora de suas intenções ou ações prioritárias,
marcadas por claras distorções de origem. A única memória que deveria ser
apreendida nas salas de aulas deveria ter base científica e se confundir com as
ideias de nação e memória nacional, produzidas ou aceitas pelos agentes que
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Reflexões finais
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mas para TODOS. Valorizar e respeitar são importantes práticas que devemos
trabalhar em nossas salas de aulas. Conhecer as contribuições para a constru-
ção do patrimônio histórico-cultural da humanidade e do Brasil dessas socie-
dades permite que tenhamos uma visão mais panorâmica da nossa condição
humana, de nossas múltiplas identidades e de nossa pluralidade cultural.
NOTAS
1
Uma versão anterior e modificada deste texto foi apresentada como parte introdutória de
material instrucional a ser utilizado no curso de Aperfeiçoamento de Docentes promovido
pelo Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (Ciar), da Faculdade de História da Uni-
versidade Federal de Goiás.
2
Entre algumas das principais referências podemos citar os seguintes trabalhos: APPIAH,
Kwame Anthony. Na casa de meu pai. Trad. Vera Ribeiro. 1.ed. Rio de Janeiro: Contra-
ponto, 1997; APPIAH, Kwane Anthony. La ética de la identidad. Trad. Lilia Mosconi. 1.ed.
Buenos Aires: Katz, 2007; BHABHA, Homi. Race time and the revision of modernity. In:
BACK, Les; SOLOMOS, John (Org.) Theories of race and racism. London: Routledge, 2000.
p.354-368; GILROY, Paul. Entre campos: nações, culturas e o Fascínio da Raça. São Paulo:
Annablume, 2007; GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência.
Rio de Janeiro: Ucam; Ed. 34, 2001; HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações
culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009; HALL, Stuart. Old and new identities, old and
new ethnicities. In: BACK; SOLOMOS (Org.), 2000, p.144-153;
MBEMBE, Achille. As formas africanas de autoinscrição. Revista Estudos Afro-Asiáticos,
Rio de Janeiro, ano 23, n.1, p.171-209, 2001.
3
Ver BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais. Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos pa-
râmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998 (a), p.55.
4
Como é de conhecimento geral, a LDB, no que diz respeito ao ensino de história africana,
foi alterada pelas Leis nº 10.639, de 9 jan. 2003, e 11.645, de 10 mar. 2008. O trecho citado
encontra-se no 4º parágrafo do artigo 25.
5
GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Os filhos da África em Portugal: antropologia, mul-
ticulturalidade e educação. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2004. p.61.
6
Principalmente as seguintes referências: FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas.
Rio de Janeiro: Fator, 1983; FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Ci-
vilização Brasileira, 1979.
7
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003. p.20.
Wlamyra Albuquerque*
Walter Fraga Filho**
Resumo Abstract
O objetivo deste ensaio é compartilhar The objective of this essay is to share
com profissionais da área de história as with historians reflections and dilem-
reflexões e dilemas que a nós se apre- mas concerning the elaboration of Uma
sentaram no processo de elaboração de história do negro no Brasil, a book pub-
Uma história do negro no Brasil, livro lished by the Fundação Palmares/MinC
publicado em parceria pela Fundação and the Centro de Estudos Afro-Orien-
Palmares/MinC e pelo Centro de Estu- tais (Ceao)/UFBA in 2006. We consider
dos Afro-Orientais (Ceao)/ UFBA, em that issues such as the relationship be-
2006. Consideramos que questões como tween historiography and the demands
a relação entre historiografia e deman- of the contemporary black movement,
das do movimento negro contempo as well as the offshoots of research con-
râneo, assim como os desdobramentos cerning the history of Africa, the Afri-
das pesquisas sobre a história da África, can diaspora and the trajectories of Af-
da diáspora africana e das trajetórias das ro-Brazilian populations in terms of
populações afro-brasileiras para a edu- basic education persist in the debate
cação básica persistem como relevantes around the National Directives for Edu-
no debate sobre a efetivação das Diretri- cation on Ethnic-Racial Relationship
zes Curriculares Nacionais para a Edu- and for the teaching of African and Af-
cação das Relações Étnico-Raciais e para ro-Brazilian Culture and History.
o Ensino de História e Cultura Afro- Keywords: history; culture; history of
-brasileira e Africana. the blacks; Law 10.639/2003.
Palavras-chave: história; cultura; histó-
ria do negro; Lei 10.639/2003.
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bilizar para alunos das redes públicas os títulos selecionados pelos professores
e gestores.11
Assim sendo, quando se tornou público o interesse do Ministério da Cul-
tura, por meio da Fundação Palmares, de viabilizar a publicação de um con-
junto de livros e vídeos voltados à temática étnico-racial, já havia acúmulo de
debate entre os historiadores acerca dessa literatura e uma antiga preocupação
do Estado com a literatura acessada por professores e alunos. A grande novi-
dade foi o papel decisivo dos movimentos sociais no repensar sobre a memó-
ria nacional.
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Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Na-
cional da Consciência Negra”.
Vale aqui sublinhar que o artigo 26-A não só estabelece o que, a História
e Cultura da África e Afro-Brasileira, mas qual perspectiva adotar no ensino:
lutas políticas e o protagonismo negro na sociedade brasileira. Ficou eviden-
ciado, assim, que a finalidade não era a mera inclusão de conteúdos, mas a
eleição das áreas de história, literatura e educação artística como campos para
redefinição no discurso oficial, a ser acionado no espaço escolar, do lugar dos
africanos e dos afro-brasileiros na cena nacional.15
Por sua vez, a compreensão de que História e Cultura veiculadas nos
currículos oficiais exercem peso importante na contínua (re)construção da
memória nacional, faz que as Diretrizes sejam, a um só tempo, conquista po-
lítica e desafio profissional. Inscritas nas ações afirmativas, elas trouxeram
para o discurso do Estado o reconhecimento de que predomina no país “um
imaginário étnico-racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as
raízes europeias da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que
são a indígena, a africana, a asiática” (ibidem, p.13).
Antes disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino
Médio, coerentes com a LDB, já enfatizavam a centralidade nos programas de
história de conteúdos relativos à história da África e dos afro-brasileiros.16 Na
análise de Hebe Mattos, “os PCNs, aprovados pelo MEC em 1996, sem dúvida,
precederam e prepararam as Diretrizes Curriculares para a Educação das Re-
lações Étnico-Raciais (2004). As conexões entre os dois textos, produzidos por
governos de orientações políticas distintas, revelam como esse tipo de inter-
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A demanda por reparação visa que o Estado e a sociedade tomem medidas para
ressarcir os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais,
políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude
das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manuten-
ção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir na
formulação de políticas, no pós-abolição. (ibidem, p.11)
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Os diálogos e tensões numa sociedade plural nos levam a uma última ques-
tão neste breve ensaio: é a que se refere ao capítulo intitulado “Cultura negra,
cultura nacional: samba, carnaval, capoeira e candomblé”. A decisão de dedicar
um capítulo às práticas culturais fez parte do nosso esforço de atender ao pro-
pósito de colaborar para a valorização do pertencimento racial na contempora-
neidade. Daí candomblé, samba e capoeira serem apresentados mais do que
como provas da força de culturas de origem africana no novo continente, e sim
como estratégias políticas e simbólicas de construção de identidades e, portanto,
de enfrentamento ao racismo. Centrar-se nesse repertório cultural foi também
uma oportunidade para abordar o modo como em determinado contexto as
invenções negras foram subsumidas, diluídas e por vezes silenciadas no caldo de
uma cultura nacional autêntica e harmoniosa. Se o discurso da democracia racial
está superado entre nós, era e continua ser fundamental analisar como são cons-
truídas e representadas as marcas da presença negra na sociedade brasileira. Pôr
em evidência, deixar à mostra o protagonismo dos africanos e afro-brasileiros
no contexto cultural do país, foi o principal propósito do livro.
Diante de tantos riscos e colecionando aprendizados que nem sempre se
materializaram no texto, tivemos a expectativa de colaborar com a reescrita de
uma história engajada em enfrentar e pôr fim às desigualdades raciais. Mas
não temos dúvidas de que Uma história do negro no Brasil é apenas um ponto
de partida. Como está inscrito no seu título, outras histórias dos negros podem
e devem ser concebidas, pondo em diálogo pesquisa acadêmica e demandas
sociais. Nós mesmos nos animamos com essa tarefa, por isso voltamos a en-
frentar essas e outras questões ao publicarmos, em 2009, outro paradidático:
Uma história da cultura afro-brasileira.23 Ainda assim estamos convencidos de
que esta história precisa ser recontada por profissionais em sintonia com as
demandas de uma sociedade que busca redesenhar a memória nacional, na
expectativa de valorizar as trajetórias africanas e afro-brasileiras.
NOTAS
1
ALBUQUERQUE, Wlamyra; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil.
Salvador: Centro de Estudos Afro-orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.
2
As teses foram publicadas com os seguintes títulos: ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O
jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Le-
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Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho
Resumo Abstract
O artigo discute diretrizes e sugestões para The paper discusses guidelines and sug-
a elaboração de materiais didáticos sobre a gestions for the compiling of teaching
história das relações raciais no Brasil, con- material on the history of race relations
siderando especialmente sua disponibili- in Brazil, considering its placement on
zação na internet. A proposta parte de the internet. The proposal is based on
pressupostos que concernem, de um lado, some assumptions from the field of his-
ao ensino de história e, de outro, ao uso de tory education and of the uses of ICT in
tecnologias de informação e comunicação pedagogical material. It presents nine
na elaboração de conteúdo pedagógico. sets of enquiry questions, each of them
São apresentados nove conjuntos de ques- related to a range of historical sources to
tões, com sugestões de fontes e tarefas a be worked out by pupils through spe-
serem executadas pelos alunos, abarcando cific tasks. It embraces topics from slave
desde a opção pelo trabalho escravo na labour, in the 16th century, to the polar-
América Portuguesa até a polarização que ization observed nowadays between
se verifica atualmente entre os que defen- those who defend affirmative actions
dem políticas de promoção da igualdade and those opposing them.
racial e os que são contrários a elas. Keywords: history education; ICT and
Palavras-chave: ensino de história; uso history teaching; teaching of African-
de tecnologias da informação e comuni- Brazilian culture and history.
cação no ensino de história; ensino de
história e cultura afro-brasileira.
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Verena Alberti
O trabalho com os documentos históricos desde cedo pode ser justamente uma
fórmula para não adiarmos as tarefas que o mundo contemporâneo exige da es-
cola – que o aluno compreenda a lógica dos meios de comunicação, especialmen-
te os de massa, para não ser agente passivo da manobra de informações, reconhe-
cendo outras visões de mundo, desabsolutizando-as e demarcando a sua
identidade de sujeito da própria existência.8
Ou seja, o que se defende aqui é que não se utilize uma página da internet
como se fosse um livro didático tradicional, com textos prontos, no estilo de
apostilas, e alguns documentos servindo de ilustração. A ideia é aproveitar o
potencial e o alcance das TICs para fomentar o exercício da pesquisa e o tra-
balho com as fontes. Nesse sentido, os pressupostos de que trata esse item
coincidem com os pressupostos do próprio ensino de história, como já discu-
tido no item anterior. O trabalho com documentos permite que os alunos não
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Verena Alberti
O dossiê
O dossiê aqui proposto teria como alvo alunos do segundo ciclo do ensi-
no fundamental e do ensino médio, mas poderia ser útil a outros públicos
também. Além de orientações para professores e de um tutorial sobre o traba-
lho com fontes, seu conteúdo viria dividido em unidades, que poderiam ser
trabalhadas independentemente e sem necessidade de seguir a ordem de apre-
sentação.
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Verena Alberti
Por essa razão, convém introduzir esta unidade com atividades que per-
mitam colocar em xeque algumas pré-noções, como, por exemplo, a ideia de
que todo negro era escravo e vice-versa e a de que, entre os séculos XVI e XIX,
a alternativa à escravidão era o trabalho livre assalariado.
Algumas tarefas podem ser cogitadas aqui. Por exemplo, apresentar aos
alunos imagens (pinturas, tapeçarias, esculturas etc.) de escravos negros e não
negros de diferentes regiões (incluindo a Europa Ocidental e o Oriente) ao
longo da história e pedir que descrevam o que veem e se perguntem o que
haveria de comum nos documentos. Em seguida, seriam apresentadas as refe-
rências completas das fontes para que os alunos as ordenassem cronologica-
mente e refletissem sobre similaridades e diferenças entre elas. Além das ima-
gens propriamente ditas, o material pode ser complementado com outras
fontes primárias e secundárias que deem conta de diferentes exemplos e con-
cepções de escravidão através da história. Dependendo das possibilidades ofe-
recidas pelo material e das circunstâncias de sua aplicação, pode-se também
perguntar aos alunos por que acham que lhes foi solicitado ordenar as fontes
cronologicamente. Isso permite que controlem o processo de aprendizagem e
reflitam, no caso específico, sobre possíveis mudanças e continuidades. Por
fim, pode-se pedir que os alunos elaborem uma definição geral da escravidão
e, numa etapa posterior, reflitam sobre quais perguntas ainda precisariam ser
feitas para dar conta do tráfico transatlântico e da escravidão africana nas
Américas – isto é, que também decidam que passos precisam ser dados para
ampliarem seu conhecimento.13
Outra tarefa que pode ser útil nessa introdução gira em torno de fontes
primárias e secundárias que mostrem condições de trabalho em diferentes
partes do mundo entre os séculos XVI e XIX, para que os alunos possam iden-
tificar outras formas de trabalho compulsório ou em condições degradantes
(por exemplo, a servidão por contrato na América inglesa, ou o trabalho in-
fantil nas minas de carvão da Inglaterra oitocentista). Muitas vezes tendemos
a transferir para o passado conhecimentos que adquirimos de nossas experiên-
cias atuais, e pode acontecer de os alunos reduzirem as relações de trabalho de
outrora a apenas duas opções: a escravidão, de um lado, e o trabalho livre as-
salariado, de outro. Conhecer outras relações de trabalho do passado é impor-
tante para colocar em xeque a noção bastante comum de que o escravo negro
é a vítima por excelência, e seu corpo, o lugar exclusivo de sofrimento e pro-
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formas de comunicação, revoltas e assim por diante. O aluno pode clicar sobre
uma região, atividade, organização política etc., e obter um conjunto de fontes
a seu respeito.
Uma das vantagens do uso de TICs em material didático, especialmente
no caso de conteúdo disponibilizado na internet, é o fato de, uma vez estabe-
lecido um padrão ou molde, sempre ser possível acrescentar novos itens àque-
le recurso. Assim, é evidente que um mapa que pretenda representar a diver-
sidade de práticas sociais, políticas, econômicas e culturais de 1500 a 1888 no
território que hoje é o Brasil jamais esgotará todas as possibilidades. O dossiê
pode, inicialmente, apresentar algumas dessas práticas, para, conforme forem
sendo encontradas e selecionadas mais informações e fontes, estas sejam acres-
centadas ao mapa.
A atividade sugerida para esta unidade é uma espécie de jogo da genera-
lização, no qual alunos formulam afirmativas convincentes, mas incorretas,
sobre assuntos abarcados no mapa (por exemplo: “Todos os quilombos fica-
vam distantes das vilas”) e desafiam os colegas a descobrirem onde está a ge-
neralização, com base nas fontes disponibilizadas no mapa. O colega que des-
cobrir, pode denunciar: “Não é tão simples!”, e apontar onde está a
generalização. Em seguida, os alunos podem refletir sobre uma redação mais
apropriada (por exemplo: “Nem todos os quilombos ficavam distantes das
vilas, como mostra o exemplo x, que...”).18
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Verena Alberti
O que sei sobre a O que a fonte O que a fonte O que O que a fonte
fonte: o que é, me diz sobre o permite inferir mais a não me diz e
quem é o autor, personagem sobre o mundo fonte me como posso
quando produziu da biografia à época em que diz saber mais
a fonte e, se for o personagem sobre isso
possível, por quê viveu
(suas intenções)
A última tarefa seria uma composição das duas primeiras: escrever uma
apresentação do personagem, discutindo sua relevância para o estudo da his-
tória e comentando aquilo que sua biografia permite e aquilo que não permi-
te afirmar. Com esse exercício ficaria bastante claro para os alunos que os
conhecimentos que temos do passado são condicionados pelas fontes de que
dispomos e dependem das perguntas que a elas fazemos. É importante notar
– e desejável que os alunos também percebam isso – que esse constrangimen-
to não significa necessariamente uma limitação do nosso conhecimento, mas
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Verena Alberti
Outro elemento importante para dar conta desta unidade é o fato de ape-
nas 5% da população brasileira ser escrava em 1888, o que mostra, de forma
bastante incisiva, que havia muito mais negros livres e libertos do que escravos,
antes do 13 de Maio. As fontes aqui podem apresentar estimativas da popula-
ção escrava no século XIX, as abolições em províncias como Amazonas, Ceará
e Rio Grande do Sul (uma pergunta de pesquisa bem interessante pode ser por
que a abolição ocorreu nesses estados quatro anos antes de no restante do país),
processos de libertação como os que eram defendidos por Luiz Gama, diferen-
tes modalidades de alforria, inclusive as obtidas por pecúlio dos próprios es-
cravos, exemplos de famílias negras com recursos, como as dos irmãos Rebou-
ças e outras fotografadas pelo fotógrafo Militão, cotidiano e subsistência em
comunidades negras rurais etc. A ideia é apresentar africanos e seus descen-
dentes como senhores de seu destino muito antes de 1888.
Pode-se acrescentar a esse conjunto de fontes documentos que indiquem
que, mesmo livre ou liberto, o negro estava sujeito a restrições importantes e
não raro corria o risco de ser escravizado. O Código Criminal de 1831 e o
exemplo de Luiz Gama podem ser fontes eloquentes, entre outras.
A atividade a ser desenvolvida em relação a esta seção da unidade poderia
ser, mais uma vez, uma redação seguindo um molde pré-elaborado, como já
sugerido para a Unidade V. O molde começaria novamente com uma intro-
dução genérica, a ser completada pelo aluno, e teria espaço para a inserção de
exemplos aprendidos com o material oferecido.
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rou tanto tempo para a escravidão ser abolida no Brasil. Uma forma de ajudar
os alunos a esquematizar seu texto seria fornecer cartões com dados e/ou afir-
mativas extraídos das fontes utilizadas na unidade, e sugerir que, discutindo
com alguns colegas, arranjem os cartões na forma de um mapa mental. Seria
interessante fornecer também alguns cartões em branco, para que os próprios
alunos os completem com dados e afirmativas que considerem igualmente
relevantes. Uma vez selecionados os cartões que integrarão o mapa mental e
definido o arranjo – isto é, a natureza das relações entre as informações con-
sideradas relevantes –, os alunos podem se voltar para a redação do ensaio
sobre a questão proposta.
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Verena Alberti
de o final do século XIX. Quando o aluno clica sobre uma organização, tem
acesso a uma breve informação sobre ela e a diferentes fontes – artigos, mani-
festos, pôsteres, fotografias, filmes, gravações sonoras, entrevistas etc. A tarefa
consiste em escolher alguns desses movimentos para preencher este quadro:
Esta unidade tem o objetivo de chamar a atenção para o olhar não euro-
peu sobre outros povos. Interessa aqui pesquisar se e como pessoas de diferen-
Sobre a fonte: título (o Que cuidados preciso tomar para interpretar O que a
aluno pode atribuir essa fonte? (Por exemplo, que cuidados fonte me
um título), local, data, precisamos tomar com a reprodução do diz?
por quem e por que foi diálogo com um tupinambá por Jean de
produzida? Léry, na década de 1550?)
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Verena Alberti
Observações finais
é dos judeus que perceberam que precisavam sair da Alemanha antes do ho-
locausto – digo aos alunos que é importante estar ‘alfabetizado no mundo’
para talvez compreender alguns sinais e tomar decisões. É um exemplo radical,
mas eu me permito ser um pouco radical quando se trata de defender a impor-
tância da matéria! Uma aluna então perguntou se havia sido a primeira gran-
de perseguição aos judeus no mundo, e acabamos caindo no assunto dos
cristãos-novos, que, para não serem perseguidos pelos impérios português e
espanhol, mudaram de religião e de nome – ‘Oliveira’, ‘Pereira’ etc. Esse é um
exemplo clássico, que os alunos em geral já conhecem. Outra aluna sugeriu
que o sobrenome ‘Costa’ também deveria ser de cristão-novo. Expliquei que
já ouvira falar que ‘Costa’ era um sobrenome comum a descendentes de escra-
vos africanos, os negros ‘da Costa’, e até desenhei no quadro a costa ocidental
da África para ajudar a visualizar a informação. Nesse ínterim, um celular
tocou (todos também já experimentamos essa situação), e os alunos começa-
ram a rir. Perguntei: “Por que estão rindo? Por causa do celular?”. “Não”, foi
a resposta, “é porque ele” – apontaram um colega – “é Costa”. E eu disse:
“Interessante, vocês estão rindo porque ele é ‘Costa’? E se ele fosse ‘Oliveira’,
ou ‘Pereira’? Também ririam? E ‘Smith’?”.
Como disse, foi um episódio simples, que poderia ter acontecido em qual-
quer sala de aula do país, independentemente da cor dos alunos. Não era uma
aula sobre África ou sobre história e cultura afro-brasileira. Era uma aula sobre
história, simplesmente. E me forneceu material para refletir – a ponto de eu
ter decidido relatá-lo aqui. Ele mostra como é fundamental tratarmos das
ideias sobre raça e cor no Brasil e da história das relações étnico-raciais. Sem-
pre respeitando os alunos e seus preconceitos – quase podemos dizer que eles
não têm culpa do que sentem e pensam. Cabe a nós, professores, tentar mudá-
-los a esse respeito. Uma das formas de fazê-lo é a que defendo neste texto:
disponibilizar cada vez mais material útil e de qualidade, que talvez possa, com
repetições, insistência e vontade, derrubar preconceitos, a ponto de se tornar
quase impossível rir de um colega com sobrenome ‘Costa’.
NOTAS
1
Este texto é parte dos resultados de minha pesquisa de pós-doutorado na área de ensino
de história, realizada na Inglaterra, na University of East Anglia e no Institute of Education
da University of London, durante o ano de 2009. Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoa-
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10
Ver a caixa de fontes (“source box”) deste exemplo: www.nationalarchives.gov.uk/edu-
cation/worldwar2/theatres-of-war/western-europe/investigation/d-day/sources/; Acesso
em: 31 jan. 2012.
11
ALBERTI, Verena. “Algumas estratégias para o ensino de história e cultura afro-brasilei-
ra”. Artigo no prelo, a ser publicado no livro Ensino de história e diversidade, organizado
por Amilcar Araujo Pereira e Ana Maria Monteiro, como parte das atividades do Labora-
tório de Estudos e Pesquisas em Ensino de História (Lepeh/UFRJ).
12
PHILLIPS, Robert. Historical significance – the forgotten ‘Key Element’. Teaching His-
tory 106: Citizens & Communities. Historical Association, Mar. 2002, p.14-19, p.18. Dis-
ponível para membros da Historical Association em www.history.org.uk/resources/secon-
dary_resource_869_12.html; Acesso em: 3 jul. 2011. (Tradução nossa).
13
Essa proposta de introdução ao tema foi sugerida por um grupo de três alunos do curso
de formação de professores de história do Institute of Education (IoE) da University of
London de que tive oportunidade de participar durante meu estágio de pós-doutorado. A
sugestão foi apresentada na aula de 26/10/2009, que tinha como foco a avaliação do pro-
cesso de aprendizagem pelos próprios alunos.
14
Já tive oportunidade de explorar essa questão em: 1) ALBERTI, Verena. “História e me-
mória na sala de aula e o ensino de temas controversos”, artigo no prelo a ser publicado na
trilogia História, memória e o ensino das ditaduras do século XX, coletânea organizada por
Samantha Viz Quadrat, Denise Rollemberg e Alessandra Carvalho, da Universidade Fede-
ral Fluminense; 2) ALBERTI, Verena. “Algumas estratégias para o ensino de história e
cultura afro-brasileira”, artigo no prelo a ser publicado no livro Ensino de História e Diver-
sidade, cit.; e 3) ALBERTI, Verena. Oral history interviews as historical sources in the clas-
sroom. Words & Silences. The Journal of the International Oral History Association. The
Workings of Oral History, v.6, n.1, p.29-36, Dec. 2011. ISSN 1405-6410 Online ISSN 2222-
4181. Disponível em: wordsandsilences.org/index.php/ws/issue/view/4/showToc.
15
Fontes interessantes podem ser encontradas em www.wdl.org/pt/; Acesso em: 31 jan.
2012.
16
Publicado no Brasil como CASTELNAU, Francis de. Entrevistas com escravos africanos
na Bahia oitocentista. Rio de Janeiro: J. Olympio Ed., 2006.
17
Um bom exemplo de mapa animado encontra-se em www.nationalarchives.gov.uk/edu-
cation/worldwar2/theatres-of-war/western-europe/1939/index.htm; Acesso em: 31 jan.
2012.
18
O jogo da generalização, também chamado “Too simple game”, foi proposto por Chris-
tine Counsell, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge (UK),
e sua explicação está disponível para associados da Historical Association em www.history.
org.uk/resources/secondary_resource_2444.html; Acesso em: 31 jan. 2012.
19
Sobre o uso de biografias no ensino de história, ver também: ALBERTI, Verena. Biogra-
fias dos avós: uma experiência de pesquisa no ensino médio. Trabalho apresentado no
Simpósio “Ensino de história: saberes e práticas curriculares”, coordenado por Ana Maria
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Verena Alberti
Monteiro (UFRJ), Arlette Gasparello (UFF) e Carmen Gabriel (UFRJ), no XII Encontro
Regional de História “Usos do passado”, organizado pela Associação Nacional de História
(Anpuh) – Rio de Janeiro. Niterói, UFF, 14-18 ago. 2006. Disponível em: cpdoc.fgv.br/
producao_intelectual/arq/1564.pdf.
20
Ver, entre outros: RAMOS, André Raimundo Ferreira. Escravidão indígena: entre o mi-
to e novas perspectivas de debates. Revista de Estudos e Pesquisas, Brasília: Ministério da
Justiça, Fundação Nacional do Índio, Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas, v.I, n.1,
2004. Disponível em: www.funai.gov.br/projetos/Plano_editorial/Pdf/REP1-1/8-A%20
escravid%E3o%20do%20ind%EDgena%20-%20entre%20o%20mito%20e%20novas%20
perspectivas%20de%20debate%20-%20Andr%E9%20Ramos.pdf; Acesso em: 2 jul. 2011.
21
Na seleção do material desta unidade, será de grande valia, ao lado de outros estudos, a
compilação de CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do índio: ensaios e documentos.
São Paulo: Brasiliense, 1987.
22
Ferramenta semelhante pode ser encontrada em: www.nationalarchives.gov.uk/cabine-
tpapers/alevelstudies/what-is-writing-frame.htm; Acesso em: 31 jan. 2012.
23
Ver exemplo interessante para o caso da campanha pelo voto feminino na Inglaterra em:
www.nationalarchives.gov.uk/education/britain1906to1918/g3/gallery3.htm; Acesso em:
31 jan. 2012.
24
A esse respeito, ver MARTIN, Dave. What do you think? Using online forums to impro-
ve students’ historical knowledge and understanding. Simulating History, Historical Asso-
ciation, Dec. 2008, p.31-38; e SNAPE, Dominic; ALLEN, Katy. Challenging not balancing:
developing Year 7’s grasp of historical argument through online discussion and a virtual
book. Teaching History, v.133, cit., p.45-51. Disponível para membros da Historical Asso-
ciation em: www.history.org.uk/resources/secondary_resource_1976_12.html; Acesso em:
31 jan. 2012.
25
Discuto questões sensíveis e controversas também nos textos citados na nota 14.
26
Ver, a respeito: www.asia.si.edu/EncompassingtheGlobe/Africa.htm; Acesso em 31 jan.
2012.
Resumo Abstract
Análise das possibilidades do estudo de Analysis of the possibilities of studying
manifestações culturais afro-brasileiras African-Brazilian cultural events in the
no ensino de história. Problematização teaching of history. Reflections on the
dos dilemas enfrentados na efetivação dilemmas faced in the realization of the
da Lei 11.645/2008 com foco nas poten-
Law 11.645/2008 with a focus on reflec-
cialidades reflexivas disponíveis aos do-
tive capabilities available to the teach-
centes nesse contexto de positivação de
memórias e de tensões em torno da his- ers in this context of positive memories
tória. and tensions around the history.
Palavras-chave: ensino de história; his- Keywords: teaching history; history and
tória e cultura afro-brasileiras; Folias de African-Brazilian culture; Folias de Reis
Reis e Congados em aulas de história. and Congados in history classes.
* Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Av. Antônio Carlos,
6627, Pampulha. 31270-901 Belo Horizonte – MG – Brasil. juniasales@fae.ufmg.br
** Doutorando em Educação, professor bolsista REUNI. Faculdade de Educação, Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha. 31270-901 Belo Horizonte
– MG – Brasil. lucianoroza@gmail.com
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Considerações finais
antes registrados ou valorizados em agendas educativas que são mais que uma
exigência normativa, são atos que correlacionam o direito à palavra à capaci-
dade de lembrar por meio da troca intergeracional.
Além disso, o fato de existirem crianças ou jovens congadeiros, ou inte-
grantes de guardas e folias na escola pode ser um dos recursos mais fortes
para processamento de positivações e visibilizações, pois a escola pode orga-
nizar apresentações e entrevistas com seus grupos, incluindo-os como copar-
tícipes da cultura. Essa é uma das mais poderosas formas através das quais a
escola poderá alterar posturas em face das práticas culturais.
Destacamos o desafio de equilíbrio entre a visibilização de histórias e a
sua necessária abordagem investigativa e problemática, sem subterfúgios ou
silenciamentos. E com o direito ao encantamento, à expressão de memórias e
às inquietações e curiosidades que novas gerações trazem.
À abordagem da história estão presentes os emblemas de sua confecção,
narrativas arbitradas pela pesquisa, ancoradas em investigação documental e
arbítrios. O ensino de história não pode prescindir de uma análise da invenção
histórica, do processo de escrita da história com suas eleições. Em função dis-
so, não é possível admitir o impedimento de estudo da história nem tampou-
co a sua mitificação. Mas é necessário convocar a palavra dita, ressonante, a
palavra dos mestres, e a sua gestualidade e também os movimentos narrativos
dos rituais celebrativos, que passam a compor o universo de fontes de estudo
da história. Há, certamente, alargamento das margens que delimitavam o con-
ceito de fontes para o estudo da história nessa nova dinâmica educativa.
Há correlação entre paisagens sonoras e fulgurações gestuais, encenações
e performances que reúnem história, agenda política contemporânea e expres-
sividades que atravessam tempos e se alteram dinamicamente nas atuações
públicas de Congados e Reisados. O ensino de história pode se realizar reunin-
do essas dimensões estéticas, sensíveis, culturais e políticas, fazendo dos diá-
logos temporais e espaciais os motes para reflexão marcada pela compreensão
da mutabilidade da cultura e pela seleção histórica. Um jogo de temporalidades
que se expressa na dinâmica de experiência da cultura da qual os alunos tam-
bém participam. Trata-se de uma dinâmica em que gesto, palavra, ritualidade,
ancestralidade, sonoridades e silêncio são profundamente educativos.
NOTAS
1
ABREU, Martha. Cultura política, música popular e cultura afro-brasileira: algumas
questões para a pesquisa e o ensino de história. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria
Fernanda B.; GOUVÊA, Maria de Fátima S. (Org.) Culturas políticas: ensaios de história
cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005; MATTOS,
Hebe, O ensino de história e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In: ABREU,
Martha; SOIHET, Rachel (Org.) Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologias.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003; MATTOS, Hebe; ABREU, Martha. Em torno das
“Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africanas”: uma conversa com historiado-
res. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: Ed. FGV, n.41, p.5-20, 2008.
2
Há reconfigurações no campo do patrimônio, sobretudo com o advento da noção de pa-
trimônio imaterial. Está colocado um novo desafio, não exatamente relacionado à tarefa de
salvaguarda de bens (os artefatos, objetos, edificações), mas de afirmação de um compro-
misso social para que os sistemas e práticas que sustentam os patrimônios imateriais per-
maneçam vivos. Sendo assim, as medidas de salvaguarda e proteção voltam-se à valoriza-
ção dos saberes e do papel social dos detentores e dos transmissores, enfim, dos mestres de
tradições culturais, acompanhada do debate a respeito dos problemas gerados pela musei-
ficação e pela espetacularização do patrimônio, com repercussões nos processos educati-
vos. CHOAY, Françoise. As questões do patrimônio: antologia para um combate. Lisboa:
Ed. 70, 2011. GONÇALVES, J. R. O patrimônio como categoria de pensamento. In:
ABREU, Regina; CHAGAS, Mario (Org.) Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003; ORIÁ, Riçado; PEREIRA, Júnia Sales. Desafios teórico-meto-
dológicos da relação educação e patrimônio. Anais eletrônicos do VII Seminário Nacional
Memória, cidades e educação das sensibilidades. Centro de Memória da Unicamp, Campi-
nas (SP), 2012.
3
SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei 10.639/2003 como fruto da luta antirracista do Movi-
mento Negro. In: BRASIL. MEC. SECAD. Educação antirracista: caminhos abertos pela
Lei Federal 10.639/2003. Brasília: Secad, 2005. p.21-37.
4
PEREIRA, Júnia Sales. Reconhecendo ou construindo uma polaridade étnico-identitária?
Desafios do ensino de história no imediato contexto pós-lei 10.639. Estudos Históricos, Rio
de Janeiro: Ed. FGV, n.41, p.21-43, 2008.
5
O Congado e a Folia de Reis, apesar da relativa duração temporal dessas práticas cultu-
rais, são manifestações presentes na contemporaneidade em alguns estados brasileiros,
sobretudo em algumas regiões no interior dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e
São Paulo. Ver: RIOS, Sebastião. Os cantos da Festa do Reinado de Nossa Senhora do Ro-
sário e da Folia de Reis. Sociedade e Cultura, v.9, n.1, p.65-76, 2006.
6
O Congado e a Folia de Reis são manifestações da cultura popular caracterizadas pelo
hibridismo entre tradições de práticas religiosas e profanas ibéricas, africanas e indígenas.
Em síntese, a Folia de Reis é compreendida no bojo do catolicismo popular como marcada
por danças, procissões e cortejos que representam a viagem dos três Reis Magos em busca
do Menino Jesus. No Brasil foi utilizada pelos jesuítas na catequese, e os rituais usados fo-
ram posteriormente apropriados também pelos negros escravizados e libertos e mestiços
em festas de devoção católica. A Folia de Reis no Brasil assumiu conotações regionais, ex-
pressas por meio da presença de elementos comuns e por aqueles diferentes em cada re-
gião (como palhaços desviantes, brincantes, instrumentos variados). Atualmente, são estu-
dadas como manifestações culturais nas quais se manifestam elementos de culturas negras
e como formas de manifestação de uma memória negra (SOUZA, 2010). O Congado é
entendido como uma manifestação do catolicismo negro desenvolvida a partir do período
colonial, a qual remete suas origens ao cristianismo africano que se segue à conversão do
Reino do Congo. Durante a América Colonial Portuguesa, nas irmandades negras, os afri-
canos e descendentes reconstruíam e criavam novos laços de solidariedade e de identidade
fraturados pela experiência do tráfico e da escravidão. Nesse contexto, os negros no culto
aos santos católicos estabeleciam diálogos e trocas culturais entre elementos e padrões eu-
ropeus de devoção e os de suas próprias concepções religiosas, fazendo que práticas cultu-
rais africanas fossem ressignificadas, mantendo-se vivas e concomitantemente sendo alte-
radas pelo fato de representarem uma manifestação de devoção católica. Ver: AGUIAR,
Marcos M. de. Festas e rituais de inversão hierárquica nas irmandades negras de Minas
colonial. In: JANCSÓ, István; KANTOR, Iris (Org.) Festa: cultura e sociabilidade na Amé-
rica portuguesa. São Paulo: Imprensa Oficial; Edusp; Hucitec; Fapesp, 2001, v.1, p.361-393;
SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação
de rei congo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002; SOUZA, Luiz Gustavo Mendel. No cami-
nho dos mestres: um estudo de Folias de Reis. Anais eletrônicos da Anpuh-PI, 2010. Dis-
ponível em: www.anpuhpi.org.br/congresso/anais2010/arquivos/s1_Luiz%20Gustavo%20
Mendel%20Souza.pdf; Acesso em: 1 dez. 2011.
7
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, To-
maz Tadeu da (Org.) Alienígenas na sala de aula. 6.ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1995. p.159-
177.
8
Mesmo considerando que a Lei 10.639/2003 foi modificada pela Lei 11.645/2008, estamos
mantendo a primeira, dada a centralidade que ocupa na discussão proposta, e também por
referência às Diretrizes correlatas à lei que orientam as análises.
9
SODRÉ, Moniz. A verdade seduzida: por um conceito de cultura no Brasil. Rio de Janeiro:
DP&A, 2005.
10
LUCAS, Glaura. Diferentes perspectivas sobre o contexto e o significado do congado
mineiro. In: TUGNY, Rosângela Pereira de; QUEIROZ, Ruben Caixeta de (Org.) Músicas
africanas e indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006. p.75-82.
11
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da moderni-
dade. São Paulo: Edusp, 2000; GILROY, Paul. O Atlântico negro. Rio de Janeiro: Ed. 34,
2001; HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2003.
12
OLIVEIRA, Claudia Marques. Cultura afro-brasileira e educação: significados de ser
criança negra e congadeira em Pedro Leopoldo, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) –
Faculdade de Educação, UFMG, 2011. Disponível em: www.bibliotecadigital.ufmg.br/ds-
pace/handle/1843/FAEC-8NPLAL; Acesso em: 10 fev. 2012.
13
SANSONE, Lívio. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na
produção cultural negra no Brasil. Salvador: Ed. UFBA; Pallas, 2003.
14
LUCAS, Glaura. Os sons do rosário: o congado mineiro dos Arturos e Jatobá. Belo Hori-
zonte: Ed. UFMG, 2002; FRANÇA, Cecília Cavalieri. Festa mestiça: o congado na sala de
aula. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011; TINHORÃO, José R. Os sons dos negros no Brasil:
cantos, danças, folguedos, origens. São Paulo: Art Ed., 1988; TUGNY, Rosângela Pereira
de; QUEIROZ, Ruben Caixeta de (Org.) Músicas africanas e indígenas no Brasil. Belo Ho-
rizonte: Ed. UFMG, 2006.
15
RIOS, Kênia Souza; RAMOS, Francisco Régis Lopes. O cultivo da lembrança no multi-
culturalismo: além da memória, mas aquém da história. In: FUNES, Eurípedes; RAMOS,
Francisco Regis Lopes; RIBARD, Franck; RIOS, Kênia Souza (Org.) África, Brasil, Portu-
gal: história e ensino de história. Fortaleza: Ed. UFC, 2010. p.216-228.
Resumo Abstract
O objetivo deste artigo é apresentar al- The aim of this paper is to present some
guns aspectos das histórias dos movi- aspects of the black movement’s histo-
mentos negros no Brasil, assim como ries in Brazil, as well as lead the reader
levar o leitor a refletir sobre a importân- to reflect on the importance of estab-
cia de se estabelecer uma prática de en-
lishing a history teaching practice that
sino de história que contemple as dife-
addresses the different matrices forming
rentes matrizes formadoras de nossa
sociedade. Brazilian society.
Palavras-chave: Brasil; movimento ne- Keywords: Brazil; black movement; his-
gro; ensino de história. tory teaching.
A frase que dá título a este artigo, “por uma autêntica democracia racial!”,
encerra o documento intitulado “Carta Aberta à População”,1 divulgado pelo
então recém-criado Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial
(MUCDR) durante ato público realizado no dia 7 de julho de 1978 nas esca-
darias do Teatro Municipal de São Paulo, em protesto contra a morte de um
operário negro em uma delegacia de São Paulo e contra a expulsão de quatro
atletas negros de um clube paulista. Esse ato público, que contou com a parti-
cipação de lideranças negras de outros estados brasileiros, além de ser um ato
de protesto, tinha o objetivo de criar as bases para a construção de uma orga-
nização que unificasse toda a luta contra o racismo no Brasil. Essa luta vinha
sendo levada a cabo até então por diversas organizações negras espalhadas por
diferentes estados e criadas principalmente a partir de 1974, em meio ao pro-
* Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Av. Pasteur, 250, sala
233, Campus Praia Vermelha. 22290-240 Rio de Janeiro – RJ – Brasil. amilcarpereira@fe.ufrj.br.
Nós achávamos que a luta era dentro das escolas, era fazendo parcerias. Em 1982
nós fizemos um convênio com a Secretaria de Educação porque nós queríamos a
participação dos professores. Eles colocaram os professores à disposição para
participarem da Semana do Negro. A gente fazia assim: “Vamos para o bairro do
João Paulo”. Todos os professores das escolas que ficavam no bairro do João Pau-
lo e adjacências iam para o mesmo local. E nós distribuíamos o material que a
Secretaria de Educação também ajudou a rodar, deu o papel e tudo. E os de nós
que seguravam mais eram os professores ... Foi algo que depois nós fizemos um
documento e apresentamos lá no encontro da Candido Mendes, no Rio de Janei-
ro, em 1982. Me convidaram para participar de uma mesa redonda chamada
“Movimento negro nos anos 1980” ... Quando fiz o relato, depois eles disseram:
“Incrível, você esteve em 1979 conversando conosco [no IPCN, Instituto de Pes-
quisa das Culturas Negras, fundado em 1975 no Rio de Janeiro] e nós lhe demos
orientação. Hoje você chega aqui e mostra um movimento que ninguém está fa-
zendo. E lá no Maranhão!”. Todo mundo ficou encantado que a gente estivesse
principalmente trabalhando o aspecto da educação, que a gente considerava
prioridade.9
Essa intervenção nas escolas se ampliou muito nas últimas décadas, não
só através da entrada de militantes negros nas escolas, seja por meio de parce-
rias ou da criação e distribuição de materiais didáticos, como faziam Mundinha
Mas por que estudar as histórias dos movimentos negros no Brasil? Talvez
a melhor pergunta aqui seja esta: por que não estudamos as histórias dos mo-
vimentos negros no Brasil durante a nossa formação escolar?
Em cada período da história do Brasil houve movimentos negros com
características distintas, que ainda precisam ser bastante pesquisadas e mais
bem conhecidas. Tenho adotado o termo ‘movimento negro contemporâneo’
para designar, como já afirmei, as organizações e indivíduos que atuaram a
partir da década de 1970 em torno da questão racial, lutando contra o racismo
e por melhores condições de vida para a população negra, seja através de prá-
ticas culturais, de estratégias políticas, de iniciativas educacionais etc. – o que
faz da diversidade e da pluralidade características desse movimento social. Ao
longo de minhas pesquisas pude perceber nesse conjunto, complexo e diverso,
características específicas que diferem das apresentadas por movimentos ne-
gros em períodos anteriores. A própria atuação em torno da questão racial,
por exemplo, é algo que só se tornou possível a partir da consolidação da ideia
de raça, em meados do século XIX.15 O que não significa que não tenha exis-
tido a luta dos negros no Brasil em períodos anteriores.
Joel Rufino dos Santos, partindo da afirmação de que “movimento negro
é, antes de tudo, aquilo que seus protagonistas dizem que é movimento negro”,
verificava nos discursos das lideranças do movimento, na década de 1980, duas
definições existentes para o termo ‘movimento negro’. A primeira, que ele
chama de movimento negro ‘no sentido estrito’ e diz ser ‘excludente’, consi-
derava “movimento negro exclusivamente o conjunto de entidades e ações dos
Não existe o Brasil sem o africano, nem existe o africano no Brasil sem o seu pro-
tagonismo de luta antiescravista e antirracista. Fundada por um lado na tradição
de luta quilombola que atravessa todo o período colonial e do Império e sacode
até fazer ruir as estruturas da economia escravocrata e, por outro, na militância
abolicionista protagonizada por figuras como Luiz Gama e outros, a atividade
afro-brasileira se exprimia nas primeiras décadas deste século sobretudo na forma
de organização de clubes, irmandades religiosas e associações recreativas.17
lutas contra a escravidão em nosso país, as histórias das lutas dos movimentos
negros e suas diferentes implicações para a formação de nossa sociedade.
Assim como o sistema escravista abrangeu todo o território nacional, as
lutas contra a escravidão também se espalharam por todo o país, na medida em
que, como dizem João José Reis e Flávio Gomes, “onde houve escravidão hou-
ve resistência. E de vários tipos”.18 Se o sistema escravista teve alguma impor-
tância para a estruturação do que conhecemos como o Brasil no século XIX, e
se onde houve escravidão também houve a luta contra a escravidão, então a
luta contra a escravidão também foi um elemento estruturante, que contribuiu,
portanto, para a formação de nossa sociedade. Essa resistência, de que falam
João Reis e Flávio Gomes, as lutas travadas de diferentes formas, desde as re-
voltas e a criação dos quilombos, tão bem estudados por esses e outros autores,
até formas menos estudadas como as ações na Justiça para libertar pessoas es-
cravizadas através do uso das leis, levadas a cabo pelo rábula negro Luiz Gama19
e por outros atores sociais, ou a ação no campo da educação, como a criação de
escolas ainda no século XIX, como fez a escritora e professora negra Maria
Firmina dos Reis no Maranhão em 1880,20 todas essas formas de resistência e
luta foram importantes para a formação de nossa sociedade.
As lutas da população negra no Brasil ganharam nova dimensão no pe-
ríodo pós-abolição. Importantes organizações surgiram e se espalharam pelo
país. Homens e mulheres negros, intelectuais, políticos, artistas, trabalhadores
etc., se organizaram para lutar de diferentes formas contra a discriminação
racial e por melhores condições de vida para a população negra. A publicação
dos jornais da chamada ‘imprensa negra’ foi uma estratégia importante, desde
o final do século XIX, para expressar os anseios e reivindicações desses setores
da população negra que se organizavam nas grandes cidades, especialmente
em São Paulo. Entre os jornais criados por negros no início do século XX, um
dos mais conhecidos e estudados é O Clarim d’Alvorada, criado em 1924 na
cidade de São Paulo por José Correia Leite e Jayme de Aguiar. Principalmente
a partir de 1928, O Clarim d’Alvorada passou a se destacar como representan-
te da luta contra a discriminação racial no Brasil, publicando diversas matérias
fazendo críticas e denúncias de situações de discriminação.
A Frente Negra Brasileira (FNB), fundada em São Paulo em 1931 e com
ramificações em vários estados brasileiros (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Es-
pírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia), foi a maior organização
Art. 1o – Fica fundada nesta cidade de São Paulo, para se irradiar por todo o Bra-
sil, a Frente Negra Brasileira, união política e social da Gente Negra Nacional,
para a afirmação dos direitos históricos da mesma, em virtude da sua atividade
material e moral no passado e para reivindicação de seus direitos sociais e políti-
cos, atuais, na Comunhão Brasileira.21
Em São Paulo, apareceram o Club 13 de Maio dos Homens Pretos (1902), o Cen-
tro Literário dos Homens de Cor (1903), a Sociedade Propugnadora 13 de Maio
(1906), o Centro Cultural Henrique Dias (1908), a Sociedade União Cívica dos
Homens de Cor (1915), a Associação Protetora dos Brasileiros Pretos (1917); no
Rio de Janeiro, o Centro da Federação dos Homens de Cor; em Pelotas/RS, a
Sociedade Progresso da Raça Africana (1891); em Lages/SC, o Centro Cívico
Cruz e Souza (1918). Em São Paulo, a agremiação negra mais antiga desse pe-
ríodo foi o Clube 28 de Setembro, constituído em 1897. As maiores delas foram o
Grupo Dramático e Recreativo Kosmos e o Centro Cívico Palmares, fundados
em 1908 e 1926, respectivamente.22
À guisa de conclusão...
NOTAS
1
Disponível em GONZALEZ, Lélia. O Movimento Negro na última década. In: GONZALEZ,
Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982. p.48-50.
2
Sobre a história do movimento negro contemporâneo, ver: PEREIRA, Amilcar A. “O
Mundo Negro”: a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-1995).
Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense. Niterói (RJ), 2010.
3
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) patroci-
nou uma série de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil entre os anos de 1951 e 1952,
pesquisas essas que, em seu conjunto, ficaram conhecidas como “Projeto Unesco”. As pes-
quisas, desenvolvidas no Nordeste e no Sudeste do Brasil, tinham o objetivo de apresentar
ao mundo a experiência brasileira no campo das relações raciais, julgada, na época, como
bem-sucedida e ‘harmoniosa’. Entretanto, como afirmou Oracy Nogueira, um dos respon-
sáveis pelo projeto Unesco no interior do estado de São Paulo, “a principal tendência que
chama a atenção, nos estudos patrocinados pela Unesco, é a de reconhecerem seus autores
a existência de preconceito racial no Brasil. Assim, pela primeira vez, o depoimento de
cientistas sociais vem, francamente, de encontro [sic, o correto seria “ao encontro de”] e
em reforço ao que, com base em sua própria experiência, já proclamavam, de um modo
geral, os brasileiros de cor”. NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudos de
relações raciais. São Paulo: T. A. Queiroz, 1985. p.77.
4
Florestan Fernandes foi, com Roger Bastide, responsável pelas pesquisas do Projeto
Unesco na cidade de São Paulo, e se tornou pioneiro entre os intelectuais brasileiros que
primeiro denunciaram a existência de racismo e o chamado ‘mito da democracia racial’ no
Brasil. Ver, entre outros: FERNANDES, Florestan. A integração do negro à sociedade de
classes. São Paulo: Ed. Nacional, 1965; e FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos
brancos. 2.ed. rev. São Paulo: Global, 2007.
5
Ver, por exemplo: ALBERTO, Paulina Laura. Black Activism and the cultural conditions
for citizenship in a multi-racial Brazil, 1920-1982. Tese (Doutorado em História) – Univer-
sity of Pennsylvania. Philadelphia, 2005; e KÖSSLING, Karin Sant’Anna. As lutas anti-ra-
cistas de afrodescendentes sob vigilância do Deops/SP (1964-1983). Dissertação (Mestrado
em História Social) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.
6
A construção do 20 de Novembro como data a ser celebrada pela população negra foi a
própria razão do surgimento de uma das primeiras organizações do movimento negro
contemporâneo brasileiro, o Grupo Palmares. Esse Grupo foi fundado por Oliveira Silvei-
ra, com outros militantes, em 1971, em Porto Alegre (RS). O Grupo Palmares elegeu o
Quilombo dos Palmares como passagem mais importante da história do negro no Brasil e
realizou, ainda em 1971, o primeiro ato evocativo de celebração do 20 de Novembro. Se-
guindo a proposição do Grupo Palmares, durante a segunda Assembleia Nacional do
MNU, realizada no dia 4 de novembro de 1978, em Salvador (BA), foi estabelecido o 20 de
Novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra” – que hoje é feriado em mais de
400 municípios brasileiros e também faz parte do calendário escolar, por determinação do
Artigo 79-B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) alterada pela Lei
10.639/2003.
7
HASENBALG, Carlos. Desigualdades raciais no Brasil. In: HASENBALG, Carlos; SILVA,
Nelson V. Estrutura social, mobilidade e raça. São Paulo: Vértice, 1988. p.121-122.
8
Maria Raimunda Araújo nasceu em São Luís em 8 de janeiro de 1943. Formada em co-
municação social pela Federação das Escolas Superiores do Maranhão em 1975, Mundinha
Araújo, como é conhecida, foi fundadora do Centro de Cultura Negra do Maranhão
(CCN), em 1979, primeira vice-presidente da entidade, de 1980 a 1982, e ocupou a presi-
dência no mandato seguinte, de 1982 a 1984. Foi diretora do Arquivo Público do Estado do
Maranhão entre 1991 e 2003. A entrevista citada foi gravada em 10 set. 2004, em São Luís
do Maranhão, durante a realização da pesquisa “História do movimento negro no Brasil:
ABREU, Martha; SOIHET, Raquel (Org.) Ensino de História: conceitos, temáticas e meto-
dologias. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2003. p.128.
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares
13
Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília, 1998. p.17.
14
Vale lembrar que, em função da mobilização dos movimentos indígenas, a Lei 11.645, de
10 mar. 2008, tornou ainda mais complexa a discussão sobre os currículos de História no
Brasil ao alterar a Lei 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional
(LDB), de 20 dez. 1996, já modificada pela Lei 10.639, de 9 jan. 2003, para incluir no currí-
culo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Bra-
sileira e Indígena”.
Sobre a construção da ideia de raça, ver o primeiro capítulo de minha tese de doutorado:
15
PEREIRA, 2010.
16
SANTOS, Joel Rufino dos. O Movimento Negro e a crise brasileira. Política e Adminis-
tração, v.2, p.287-303, jul.-set. 1985.
17
NASCIMENTO, Abdias do; NASCIMENTO, Elisa Larkin. Reflexões sobre o movimento
negro no Brasil, 1938-1997. In: GUIMARÃES, Antônio Sérgio A.; HUNTLEY, Lynn. Ti-
rando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p.204.
18
REIS, João J.; GOMES, Flávio. Liberdade por um fio: histórias dos quilombos no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.9.
19
Luiz Gama (1830-1882) nasceu em Salvador, Bahia, e é considerado por muitos historia-
dores como um dos maiores abolicionistas brasileiros. Embora tenha nascido livre, por ser
filho de uma escrava forra, foi vendido como escravo pelo pai aos 10 anos de idade. Na
juventude aprendeu a ler e tomou ciência de sua condição de homem livre. Autodidata,
tornou-se rábula, um advogado sem formação universitária, e atuou nos tribunais em São
Paulo, onde conseguiu libertar mais de 500 pessoas escravizadas. Foi também jornalista e
fundador do Partido Republicano Paulista. Ver: SANTOS, Luiz Carlos. Luiz Gama. São
Paulo: Selo Negro, 2010.
20
Maria Firmina dos Reis (1825-1917) nasceu em São Luís do Maranhão. Autodidata, foi
professora, musicista, compôs o Hino à libertação dos escravos, colaborou em vários jor-
nais com poesias e em 1859 publicou o livro Úrsula, que pode ser considerado o primeiro
romance abolicionista brasileiro e um dos primeiros de autoria feminina no Brasil. Em
1880 fundou a primeira escola mista do Maranhão. Ver: MENDES, Algemira Macedo.
Amélia Beviláqua e Maria Firmina dos Reis na história da literatura: representação, ima-
gens e memórias nos séculos XIX e XX. Tese (Doutorado em Letras) – PUC/RS. Porto
Alegre, 2006.
21
Apud LEITE, José Correia; CUTI (Luiz Silva). ...E disse o velho militante José Correia
Leite: depoimentos e artigos. Org. e textos: CUTI (Luiz Silva). São Paulo: Secretaria Muni-
cipal de Cultura, 1992. p.95.
DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos.
22
* Universidade Federal Fluminense (UFF). Campus do Gragoatá, bloco “O”, sala 421, São
Domingos. 24210-350 Niterói – RJ – Brasil. martha.abreu@pq.cnpq.br
** Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Largo de São Francisco de Paula, n.1, sala 201,
Centro. 20051-070 Rio de Janeiro – RJ – Brasil. silvioacf@gmail.com
presença africana na história do Brasil. Como disse antes, ainda não enxerga-
va a África, apenas entrevia. E foi a partir dessa experiência, sobre a qual eu
contava nas aulas em que participava como monitora em História do Brasil,
que a professora da disciplina (Maria Conceição Pinto de Góes, hoje aposen-
tada pela UFRJ) percebeu meu interesse sobre aspectos da vida dos africanos
escravizados, principalmente as ações rebeldes – perceptíveis na documentação
do Judiciário, com a qual eu trabalhava. Assim, quando ela soube do processo
seletivo para um mestrado em Estudos de África no Colegio de México, me
avisou e se dispôs a escrever uma carta de recomendação. Nesse momento eu
já terminara minha graduação.
Para mim, México e África pareciam quase que igualmente distantes, em
termos de conhecimento. Mas igualmente fascinantes. Parti para o processo
seletivo, animada com a possibilidade de ser paga para estudar (raríssimo nes-
sa época), e ainda mais aprender sobre um assunto desconhecido, e num lugar
tão diferente. Fiz a entrevista, enviei cartas e um trabalho para avaliarem. Tu-
do por correio, não havia internet. Era o ano de 1985, primeiro semestre. E
veio o resultado, a aprovação, a bolsa, a viagem, os medos e as descobertas.
Conheci o Colegio de México, com seu excelente curso, e sua biblioteca exta-
siante (era mesmo), seu ambiente de estudo, professores com 100% de dedi-
cação a um pequeno grupo de estudantes (éramos 14) também com dedicação
integral aos “estudos de África”. E foi no México que meu interesse – e mais
do que isso, minha paixão por História da África – se consolidou. Durante o
mestrado dei as minhas primeiras palestras sobre História da África a estudan-
tes de História em universidades mexicanas.
Trabalhar com ensino de História da África na formação de futuros pro-
fessores e pesquisadores no Brasil foi algo que comecei mesmo em 1992, já de
volta, depois do mestrado. Foi na UFMA, em São Luís, onde criei a ementa e
ministrei pela primeira vez essa disciplina – e aonde voltei, em 1994, também
para o mesmo fim. Como fui parar lá? Por indicação de José Maria Nunes
Pereira, do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, um dos pioneiros nos estudos
de África no Brasil, e que deu a aula inaugural o primeiro curso, em 1992. E
depois vieram outras experiências semelhantes, em outras universidades. Sim,
tudo isso foi bem antes da Lei 10.639/2003...
Resumo Abstract
O artigo consiste no estudo da trajetória The paper focuses on the trajectory of
da constituição das escolas coloniais no the constitution of colonial schools, in
território que corresponde, atualmente, the territory which currently corre-
aos países do Sudão e Sudão do Sul (de- sponds to the countries of Sudan and
cretado autônomo no ano de 2011). O Southern Sudan (enacted autonomous
ensino colonial desenvolvido pelas mis- in 2011). The colonial education devel-
sões católicas foi fundamental para hie- oped by the catholic missions was es-
rarquização de populações e para a con- sential for the hierarchization of popu-
sagração da divisão política e territorial lations and for the consecration of
dos povos sudaneses. O processo escolar political and territorial division of the
também desenvolveu a formação de Sudanese people. The school process
quadros da elite e produziu conteúdos has also developed the formation of pic-
históricos escolares que circularam para tures of the elite and produced histori-
além das fronteiras coloniais, e que fo- cal school content that circulated be-
ram ensinados também para a infância e yond the colonial borders, and which
a juventude na Europa. Assim, jovens was also taught to children and youth in
africanos e europeus aprenderam os Europe. Thus, young Africans and Eu-
mesmos conteúdos sobre a África, po- ropeans have both learned the same
rém os vivenciaram de forma hierarqui- content about Africa, but they have ex-
camente diferenciada. perienced them in a hierarchically dif-
Palavras-chave: ensino colonial; hie- ferentiated way.
rarquia de populações; saber histórico- Keywords: colonial education; hierarchy of
-escolar. populations; historical-school knowledge.
*Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Estrada do Caminho Velho, 333. 07252-312 Guarulhos
– SP – Brasil. patricia.teixeira.santos@pq.cnpq.br
des existentes, construindo uma própria, que se fortaleceria por ser a negação
das demais e por superá-las pelo contraste da sua eficiência catequética, esco-
lar e econômica.
No ano de 1876 d. Comboni comprou terras e criou a colônia antiescra-
vista de Malbes. Essa seria uma alternativa para a insegurança do próprio tra-
balho missionário, na medida em que as aldeias missionárias eram, por vezes,
atacadas por mercadores de escravos, e era também um espaço que deveria
claramente se contrapor às zawyas e às sociedades tradicionais que impunham,
a cada instante, limites e negociações para a manutenção da presença missio-
nária.3
Contudo, o fato de estarem tão interdependentes dessas estruturas locais
colocou esses missionários num papel privilegiado de mediação entre as so-
ciedades islâmicas e tradicionais e as autoridades egípcias e otomanas que
controlavam o Sudão e, posteriormente, as autoridades inglesas.
Em 1885, Comboni já havia morrido e suas missões foram convulsiona-
das pela revolta islâmica, liderada por Muhammad Ahmad Ibn Allah, consi-
derado Mahdi (O bem guiado), que construiu uma série de políticas de alian-
ças com os povos do Sul e do norte do Sudão e que impôs pesados limites às
presenças otomana, egípcia e inglesa. Um grupo de missionários e seus cate-
cúmenos foram feitos prisioneiros, e os missionários que escaparam com seus
bens, com as populações dos aldeamentos e os catequistas, se transferiram do
centro do Sudão para o sul do Egito, para as cidades de Wadi Halfa e depois
Gezira.
O custo financeiro e moral dessa transferência foi altíssimo para os mis-
sionários, mas justificado para as autoridades eclesiásticas sob o princípio de
que era necessário salvar o trabalho missionário católico e isso significava,
concretamente, o deslocamento material, financeiro, de infraestrutura e po-
pulacional para uma região ‘menos ameaçadora’ e já sob influência colonial
britânica.4
Nesse processo de deslocamento percebeu-se que o trabalho missionário
não tinha a oportunidade de crescer pela via do proselitismo. O fundamental
era conservar a cristandade já conquistada, e, para isso, a construção de uma
escola de artes e ofícios se fazia de fundamental importância.
Na ausência da possibilidade de proselitismo e batismo, criavam-se esco-
las, construía-se um prédio-fortaleza, abrigo do mundo externo, e controla-
vam-se os corpos dos jovens refugiados e das crianças com o ensino do traba-
lho manual, ‘adequado para os indígenas’, na medida em que direcionava a
energia dos ‘instintos’ para a construção da civilização.
A escola de Gezira funcionou de 1889 a 1905 e foi dirigida nos seus pri-
mórdios pelo padre Casemiro Giacomelli. Apostando na educação dos sentidos
e da sensibilidade, a escola, sob a orientação de Giacomelli, enfatizava o traba-
lho manual, a educação musical e o teatro para a elevação e o desenvolvimen-
to de instintos superiores nos catecúmenos.5
A escola recebia crianças da sociedade circundante, que tinha, em muitos
casos, laços de parentesco e religiosos muito próximos com os moradores da
escola de Gezira. Os padres, já sob legislação britânica, recebiam em suas es-
colas crianças não católicas, as quais aprendiam nos ofícios o seu papel dentro
da hierarquia de populações do Império.
Os materiais escolares e o mobiliário eram construídos, segundo os mis-
sionários, de acordo com as especificidades de tamanho e idade dos seus alu-
nos. Essa preocupação também podia ser percebida nas missões dos Padres de
Nossa Senhora da África (conhecidos como Padres Brancos) que construíram
escolas na Argélia para crianças muçulmanas.
Nas escolas dos Padres Brancos ensinava-se a geografia colonial, alfabe-
tizava-se no francês e se ensinava, investindo-se para isso modernos recursos
educativos, a biologia do corpo humano.6 Para estas aulas, em particular, as
crianças tinham acesso a encartes do corpo humano, aprendendo, de forma
lúdica, a fisiologia e a anatomia.
Nas escolas francesas do início do século, bem como nas italianas, as fotos
e os relatos dos missionários eram muitas vezes censurados. A revista missio-
nária dos Padres Combonianos, Nigrizia, chegou a ser censurada em algumas
dioceses porque colocavam na sua capa homens e mulheres nus, que, mais do
que ilustrar, demonstravam outra forma social de lidar com o corpo. Além
disso, em muitas escolas religiosas e públicas do ensino elementar os encartes
para estudo do corpo humano, semelhantes aos que eram usados nas escolas
argelinas pelos missionários de Nossa Senhora da África, não eram permitidos.
Assim como na censura das revistas, mostrar o corpo numa dimensão tão
profunda e detalhada poderia despertar uma percepção de corpo que talvez
extrapolasse as possibilidades do seu controle social e o impediria de ser ‘cor-
retamente educado’ e ‘controlado’.
árabe, uma vez que esta poderia trazer, no seu bojo, a ameaça do proselitismo
islâmico.
Tal visão, corroborada pelos ingleses, alimentava mutuamente a divisão
política e missionária do Sudão, onde as fronteiras estabelecidas por ambos se
reforçavam e consolidavam o princípio de que o sul deveria ter uma adminis-
tração distinta e subalterna ao norte. Para os missionários, tal divisão era in-
teressante, porque de fato poderia permitir o desenvolvimento de um estabe-
lecimento das bases materiais da cristandade e do êxito da presença católica
nessa região de África.
Assim, consolidou-se primeiro na discursividade colonial e missionária
o princípio da distinção do sul em relação ao norte, separação que deveria ser
consolidada por um sistema de ensino que garantisse a subalternidade do sul,
para não se chocar com os interesses ingleses, mas que ao mesmo tempo con-
ferisse à Igreja missionária na região uma série de proteções e direitos de tute-
la, o que conferiria a possibilidade de êxito à ação missionária católica.
As escolas artesanais e os ateliês missionários traziam para o seu interior
os artistas tradicionais dos diferentes povos do sul do antigo Sudão e conferiam
a esses e aos catequistas locais o importante papel de construção da infraestru-
tura material e eclesial para a consolidação da tutela católica sobre ‘os povos
indígenas’.
A educação passa a ser vista como meio para fazer esses povos retornarem
à sua ‘essência primeira’, porém conduzida de forma moderna para o serviço
ao trabalho e para a consolidação da ordem colonial/civilizacional.
As expressões afetivas das crianças e dos jovens, como o sorriso e a ter-
nura dos gestos, são sinais publicados nas capas da revista Nigrizia, que refor-
çava no campo da narrativa o princípio de que a educação dos nativos deveria
basear-se no aprimoramento dos “instintos primevos” e buscaria elevá-los,
através de uma educação afetiva e coercitiva do corpo, para o “grau da civili-
zação”, já “intrínseco, porém ainda não revelado”.
As escolas artesanais eram hierarquizadas por idade e destinavam-se so-
mente aos meninos. As mulheres e meninas eram alvo da catequese nos aldea
mentos missionários e dos trabalhos domésticos dentro deles. O mobiliário
era adequado à faixa etária dos alunos, e a sofisticação e modernidade dos
instrumentos do trabalho e da técnica eram exaltados como forma de inserção
da África no cenário internacional da produção feita com fins civilizatórios, e
O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com pa-
ciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados
ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os Socialistas; mas contra a
natureza todos os esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os
homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de
talento, de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce
espontaneamente a desigualdade das condições. Esta desigualdade, por outro la-
do, reverte em proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; por-
que a vida social requer um organismo muito variado e funções muito diversas,
e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funções é, principal-
mente, a diferença das suas respectivas condições.
Pelo que diz respeito ao trabalho em particular, o homem, mesmo no estado
de inocência, não era destinado a viver na ociosidade, mas, ao que a vontade teria
abraçado livremente como exercício agradável, a necessidade lhe acrescentou,
depois do pecado, o sentimento da dor e o impôs como uma expiação...8
revolta social era a perdição do mundo colonial, no caos e nas trevas, de uma
existência sem a intervenção europeia.
Nesse contexto, saberes, imagens e experiências de África dos missioná-
rios começaram a ser ensinados em livros religiosos, textos de história e nos
primeiros quadrinhos infantis católicos, os quais celebravam personagens em-
blemáticos que representavam o ‘mundo selvagem’. O interlocutor e narrador
dessas histórias era, em grande parte, o padre missionário branco.
As crianças que dependiam da educação católica artesanal na Europa,
filhas de operários em difíceis condições de vida e crianças africanas nas esco-
las de artes e ofícios, aprendiam com o trabalho manual a forma de inserção
hierárquica e subalterna, em que as crianças não brancas eram ainda mais
subalternas, porque hierarquicamente consideradas mais ‘necessitadas’ que as
crianças pobres das periferias do mundo industrial italiano, francês e alemão.
Além disso, a preocupação didática com a infância nas escolas públicas e
nas escolas coloniais começou na década de 1930 a ganhar um importante
destaque. Autores e autoridades civis e religiosas ligadas ao processo de educa-
ção das massas circularam no universo didático das escolas coloniais e da edu-
cação dos filhos de operários, e, assim, crianças europeias e africanas aprende-
ram os mesmos conteúdos sobre quem eram os seus ancestrais. É celebre o
relato de Leopold Sedar Senghor, que veio a ser o primeiro presidente do Sene-
gal: ele dizia ter aprendido na escola que “seus antepassados eram os gauleses”.
No universo das colônias britânicas em África havia preocupação com a
forte evasão escolar. Uma das razões apontadas era que elas não conseguiam
se ver retratadas nos livros de história, que contavam o passado da nação co-
lonizadora. A solução adotada foi a de acrescentar, ao final de cada capítulo,
uma parte de mitos e fábulas africanos, onde as crianças aprenderiam sobre o
seu passado.9 Acreditava-se que com o advento da escola e da administração
colonial o ‘genuíno passado africano’ havia sido destruído, e que caberia à
escola criar um novo passado para poder envolver e criar condições de con-
trole sobre os insubordinados alunos das escolas artesanais e de educação ele-
mentar.
Se no sul do Sudão as escolas de artes e ofícios tiveram um papel impor-
tante de ordenamento e hierarquização de populações para o êxito do projeto
colonial e do trabalho missionário, em Khartum foi criado em 1929 o Combo-
ni College, fundamental para formação de quadros administrativos de alto
Há quem atribua a salvação das missões no sul do Sudão, durante esse período
crítico que estão a atravessar, ao nosso Colégio. O povo e o governo estimam-nos
e conhecem-nos só por meio desta obra.
Atualmente estudam na nossa Escola dois filhos do Mahdi; os filhos do ministro
das Finanças, do ministro da Saúde, do ministro do Local Government; muitos
filhos de deputados, dos chefes da política etc. Muitos dirigentes do país saíram
do nosso Colégio. Consequências: benefícios, facilidades, auxílio aos missionários,
apreciados e até amados.
Há trinta anos, o povo insultava o missionário, agora já não. Apesar do regula-
mento rígido, o povo prefere enviar os filhos ao Comboni College, devido à serie-
dade da formação cultural e humana que recebeu nele. Basta ver o horário escolar,
para termos uma ideia disso: aulas das 7:10 horas até às 1:30, e das 16:10 h até às
18:30, estudo. Praticamente os rapazes passam o dia inteiro com os missionários.11
Considerações finais
Figura 1 – Prédio da escola de Gezira com o corpo docente, alunos e habilitações re-
presentadas – carpintaria, alfaiataria e sapataria. Gezira, 1896. Archivio Fotografico
Comboniano – Roma
NOTAS
1
Este artigo resulta de pesquisa sobre o ensino técnico em África, intitulada “Combonia-
nos em Carapira: ensino e missão, Moçambique, 1964-1997”, desenvolvida com o apoio da
FCT, através do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto.
2
AZZI, Riolando. Cristandade colonial: um projeto autoritário. São Paulo: Paulinas, 1987.
p.28-33.
3
Sobre a história de Malbes, ver: SANTOS, Patricia Teixeira. Regenerar a África com a
África: o projeto de evangelização da África central de D. Daniele Comboni, vigário apos-
tólico (1864-1881). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2000. p.149-160.
4
Ver: SCHERMANN, Patricia Santos. Fé, guerra e escravidão: cristãos e muçulmanos face
à Mahdiyya no Sudão. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2005. p.340-381.
5
Ver documento do Archivio Comboniano – Roma – ACR A/145/8 – GIORNALE PADRE
CASEMIRO GIACOMELLI. (1882-1902).
6
LEBLOND, Marius-Ary. Lavigerie et les Pères Blancs. Tours: Maison Mame, 1938. p.47-
50.
7
Ver documento do Archivio Comboniano – Roma – ACR A/24/2 – DIARIO COLONIA
ANTI SCHIAVISTA – GEZIRA (1894-1905).
8
RERUM NOVARUM. Carta encíclica de sua Santidade o Papa Leão XIII sobre as condi-
ções dos operários. Trad. Manuel Alves da Silva, SJ. São Paulo: Paulinas, 2002. p.20-21.
9
SCHERMANN, Patricia Santos. Educação dos súditos versus a formação do cidadão: em-
bates sobre a educação no Sudão. Cadernos Penesb, Niterói, n.8, p.13-35, 2008.
10
ACHEBE, Chinua. A educação de uma criança sob o protetorado britânico: ensaios. Trad.
Isa Mara Lando. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p.29-30.
11
Comboni College. Revista Além-Mar, n.12, p.17-19, jun. 1957.
12
A Voz da Igreja – a escola católica em África. Revista Além-Mar, n.6, p.5, jun. 1966.
Resumo Abstract
O artigo busca apresentar um pouco da The article seeks to present a little of the
tradição das bandas de congo da cidade tradition of Serra Congo groups, in the
da Serra, na Região Metropolitana de Metropolitan Region of Vitória (ES), fo-
Vitória (ES), focalizando especialmente cusing mainly on the history of the par-
a história da participação das crianças ticipation of children in these cultural
nessas manifestações culturais. Com ba- events. The intention is, from a portrait
se em um retrato dessa participação ao of this participation over the course of
longo dos tempos, constituído por ob- time, made up from the ethnographic
servação etnográfica, entrevistas e ou- observation, interviews and other sour-
tras fontes, pretende-se entender me- ces, understand better the work structu-
lhor o trabalho estruturado feito com as red done with children in the so-called
crianças nas chamadas “bandas de con- “children Congo groups” of the region.
go mirins” da região. Apontam-se al- I will point out some elements of the
guns elementos do processo de trans- process of cultural transmission of kno-
missão cultural de conhecimentos wledge related to this culture, and show
referentes a essa cultura e mostra-se co- how they are still worth of old forms
mo tais elementos ainda se valem de and traditional teaching of culture in
formas antigas e tradicionais de ensino these communities. With this, I seek to
da cultura presentes nessas comunida- present a popular face of an education
des. Com isso, apresenta-se a face popu- non-school and experience of the Afro-
lar de um ensino não escolar e a vivên- -Brazilian culture in a Brazilian city.
cia da cultura afro-brasileira em um Keywords: cultural transmission; Con-
município brasileiro. go groups; children.
Palavras-chave: transmissão cultural;
banda de congo; crianças.
* Mestrando em História Social das Relações Políticas. Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes), Programa de Pós-Graduação em História. Av. Fernando Ferrari, 514 – Campus de
Goiabeiras. 29075-910 Vitória – ES – Brasil. micheldalcolcosta2@gmail.com
tudo, temas de louvor, agradecimento e honra aos santos da Igreja aos quais
rendem homenagens. A homenagem aparece também nos estandartes de cada
grupo, podendo haver estandartes de dois santos, ou mais, na mesma banda.11
Na cidade da Serra essa cultura é muito forte, e é essa a área cultural que
possui o maior número de grupos em todo o Espírito Santo. Em sua grande
maioria, esses grupos são organizados e administrados pelas suas comunidades
e pela Associação das Bandas de Congo da Serra (ABC-Serra). Fundada em
1986, é uma entidade criada para organizar, proteger e fortalecer os grupos e
lutar por seus direitos dentro da municipalidade, junto à sociedade e ao Poder
Público.12
Citemos algumas das inúmeras denominações de bandas de congo do
município da Serra: Banda de Congo de Nossa Senhora da Conceição, de Ja-
caraípe; Banda de Congo de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, do
bairro Pitanga; Banda de Congo de São Sebastião e São Benedito, de Nova
Almeida; Banda de Congo de São Benedito, de Santiago; Banda de Congo
Folclórico de São Benedito, do Bairro São Domingos, na região da Serra Sede;
Banda de Congo de Santo Expedito, também do Bairro São Domingos; Banda
de Congo Konshaça, de Serra Sede; e Banda de Congo São Benedito, do bairro
Campinho da Serra.
Uma das festas da Serra Sede, a de São Benedito, é tida como a mais im-
portante, e ocorre no mínimo desde meados do século XVIII,13 sendo consi-
derada uma das maiores festas dedicadas a São Benedito no Espírito Santo. Em
seu ritual há, em resumo, um cortejo festivo que percorre as ruas do Centro
da Serra, nas proximidades da Igreja Matriz, com a finalidade de celebrar São
Benedito, culminando com a fincada de um mastro com a bandeira do santo
em frente ao templo.
Ocorre um ritual em torno desse mastro. No início da preparação dos
festejos, o mastro é cortado pelo povo, capitaneado por Mestre Expedito,14 da
Banda de Congo de Santo Expedito, de São Domingos. Depois, essa madeira,
ainda verde,15 é puxada simbolicamente por uma junta de bois, que são enfei-
tados e acompanhados por um cortejo do povo e de cavaleiros.16 Trata-se de
um cortejo preparatório para o que ocorre nos dias 25 e 26 de dezembro,
quando o mastro, já preparado, é posto dentro de um navio com rodas e pu-
xado pelas ruas da cidade, até ser fincado no dia dedicado a São Benedito, 26
de dezembro. Esse ciclo anual do ritual, portanto, se inicia com o corte da
na época colonial. A forma cultural das bandas de congo, no caso, é mais an-
tiga que os rituais da fincada do mastro, descrito resumidamente linhas atrás,
que surgiu já no século XIX, depois da independência do Brasil. Podemos
periodizar a participação das crianças em várias fases da trajetória histórica
desses grupos na cidade.
A primeira fase da história desses grupos pode ser chamada de ‘espontâ-
nea’. Acredito ser talvez a mais longa de todas as etapas, já que algumas de suas
características perduram até a realidade atual, quando vivemos outro momento
histórico. Recebe a denominação de ‘tempo de participação espontânea’ por-
que remonta a um momento em que ainda não havia estruturas organizadas
de ensino, entendidas como papéis específicos dentro das comunidades para
esse trabalho. Hoje, o trabalho com as crianças nas bandas de congo está es-
truturado com base na Associação de Bandas de Congo (ABC-Serra), graças a
uma lei municipal que a regulamenta, e envolve os coordenadores dos grupos,
instrumentos e indumentárias próprias para as crianças, grupos mirins oficiais
etc. Enfim, há toda uma estrutura de aprendizado e de vida direcionada para
as crianças, que não existia no período histórico que se denomina primeira
fase, ‘espontânea’.
Podemos dizer que, na fase espontânea, aos pais, mães, parentes e mem-
bros sábios da comunidade cabiam as relações de ensino com as crianças, e
isso certamente acontecia muito mais por meio do processo de imitação e
participação livre nos momentos em que os adultos estavam vivenciando a
prática cultural.18
O trabalho com as crianças nessa fase primeira estaria relacionado com
ligações familiares e apegos a determinado aspecto cultural. Para entender o
processo de relação das crianças com a cultura da música das bandas de congo
é preciso ter como pano de fundo as formas antigas de transmissão cultural
adotadas pelas tribos indígenas e pelas próprias tribos africanas, que foram as
construtoras dessa arte. Esta é uma hipótese inferida da história desses grupos.
Na atualidade, as coisas andam de forma diferente, mas evidentemente com
permanências dessa primeira fase.
Temos notícias, graças à história oral, de que na década de 1940 ocorreu
na Serra um momento histórico importante: a experiência da Banda de Congo
de Antônio Rosa, formada por garotos e amigos, o chamado “Conguinho”.
Desse grupo participou Mestre Victor Sacramento, muito antes de se tornar
A partir do final da década de 1990 surgiu uma nova fase histórica, que
chamarei aqui de ‘estruturada’. Foram constituídos papéis estruturais especí-
ficos, como por exemplo a figura dos coordenadores das bandas mirins, que
deram impulso aos novos trabalhos dos mestres das bandas de congo adultas.
Constituíram, assim, relações novas no interior das comunidades, inserindo-as
em situações e possibilidades nos campos da tradição, da arte de seus ancestrais
e em sua história. Podemos dizer que a reprodução da cultura das bandas de
congo, através da passagem do conhecimento entre as gerações, ganhou um
impulso fenomenal.
A grande responsável pela realização do projeto das bandas mirins da
atualidade junto às crianças da Serra é a Associação das Bandas de Congo
(ABC-Serra). A entidade firmou parceria histórica com a Prefeitura Municipal
no alvorecer do novo milênio, quando se estabeleceu que as bandas de congo
ciativas piloto foram sendo aperfeiçoadas até chegarem à fase estruturada que
está sendo vivenciada efetivamente desde o ano 2000.
Bandas mirins
As crianças são inscritas nos projetos das diversas bandas de congo tradi-
cionais adultas da cidade da Serra. Geralmente são coordenadas pelos mestres
dos grupos adultos, com a coparticipação de coordenadores específicos esco-
lhidos nas comunidades para cuidar do aprendizado, dos encontros de ensaio
e das apresentações.
Nos encontros previamente marcados se ensinam elementos básicos das
bandas de congo, de acordo com os costumes de cada comunidade. As crian-
ças aprendem as letras das canções tradicionais e as melodias, apesar de, pela
própria experiência, poderem já ter tido algum contato com as toadas tocadas
pelos grupos adultos. Aprendem a história do congo e suas tradições e adqui-
rem conhecimentos sobre o instrumental.
Cada congueirinho, com idade entre 3 e 14 anos, passa por uma avaliação,
para saber qual instrumento vai tocar. Os mais desenvoltos, que aprendem a
tocar vários instrumentos, aprendem também a função de mestre ou capitão
do grupo e ficam incumbidos de governar o conjunto, organizando os instru-
mentistas para que todos toquem dentro do ritmo, cadência e entonação cor-
reta. Em geral, esses pequenos mestres utilizam um apito (como os grupos
adultos) para auxiliar na organização da orquestra de percussão e das vozes
em coro, que são a marca da música das bandas de congo.
Passam o ano se encontrando para conversar, aprender e ensaiar, prepa-
rando as diversas apresentações que fazem em eventos e escolas, apresentações
estas para as quais são encaminhados pelos seus coordenadores e pela própria
ABC-Serra. Os pontos altos de suas apresentações são os Encontros de Bandas
de Congo Mirins da Serra e o de Nova Almeida, bairro da cidade. O primeiro
ocorre todo dezembro nas ruas da Serra Sede; o segundo é realizado em janei-
ro, nas imediações da Igreja Jesuítica dos Reis Magos.24 Esses encontros não
possuem data fixa e já se deram em vários dias desses meses. O importante é
que ocorram em dezembro e janeiro, como uma das partes dos festejos de São
Benedito da Serra Sede (dezembro) e de São Sebastião e São Benedito de Nova
próprio da festa nas bandas mirins, que aprendem nos ensaios e encontros,
diferente do repertório da festa tradicional.
O repertório das cantigas é um elemento estrutural para as bandas adultas
e também para o método de ensino dos mirins. Ao ensinar o ritmo e o reper-
tório tradicional, os coordenadores e mestres dos mirins passam um conceito
do que é a banda de congo e, com isso, inserem os pequenos na própria tradi-
ção das comunidades.
Prol da Cultura, que foram músicos na União Jovens dos Reis Magos de Nova
Almeida. É, também, o caso da Banda Jovens de Manguinhos e da Cultura
Congo de Bicanga, composta em parte por jovens músicos que cresceram
acompanhando os projetos das bandas de congo mirins do Convênio ABC/
PMS, instituído em 1999.26
Um dos aspectos que pude observar nos cortejos e apresentações é que as
bandas de crianças ainda não possuem a potência completa verificada na adul-
ta ou mesmo nas de jovens, sem deixarem, no entanto, de ser animadas e
alegres. Em especial no cortejo da Banda de Congo Mirim São Benedito de
Santiago, algumas das crianças foram acompanhadas de perto pelos pais, por
coordenadores, ou mesmo por alguns músicos mais velhos, para ajudar no
acompanhamento dos instrumentos e no cantar. E esses adultos iam dando
aos pequenos um apoio, pois estes se tornavam o centro das atenções. A ideia
era fazê-los alcançar, naquela situação nova, da caminhada cantando, um bom
nível de musicalidade. Mestre Antônio Freitas ordenava, com sua casaca, dan-
do ritmo e firmeza aos mirins. Os mais velhos animavam os pequenos nesse
sentido, com evidente respeito aos tamanhos, idades e experiências.
Houve um momento em que Valdirene, pacientemente, parou de cantar
em sequência, como vinha ocorrendo, e fez os tocadores de casaca ficarem só
marcando suavemente o ritmo, numa espécie de exercício de aprendizado que
eles devem sempre fazer. E os tocadores dos outros instrumentos também fi-
caram levemente acompanhando, sem cantar nenhuma canção. E andaram
assim, como se estivessem fazendo uma espécie de aquecimento e de trabalho
de harmonia, para que houvesse a evolução que eles queriam desde o início.
No grupo de crianças, observa-se um núcleo mais desenvolvido em torno
do mestre mirim do apito. Em torno desse grupo há outro mais jovem, que
está ainda se inteirando da musicalidade do congo. Isso é dito sem o intuito de
minorar o resultado coletivo da banda mirim, uma vez que o seu conjunto,
sem exceção, é importante para o todo das canções em execução. Mas, ao que
parece, o tocador de bumbo (que é um instrumento importantíssimo para a
banda de congo, pois dá a sustentação e a base para o todo do conjunto, como
vários congueiros reconhecem) tem peso preponderante no núcleo forte do
grupo, para a música ecoar de forma mais solta. O tocador de bumbo, ao que
parece, é fundamental no trabalho de montagem de uma banda mirim, e mes-
mo de uma banda adulta ou de qualquer idade. Por isso, ele deve ser escolhido
Considerações finais
NOTAS
1
CARTA do Folclore Brasileiro. Folclore. Órgão Informativo da Comissão Espírito-Santen-
se de Folclore, jul.-dez. 1951, p.25. Para uma discussão sobre os congressos e estratégias do
movimento folclórico brasileiro ver VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e missão: o movi-
mento folclórico brasileiro, 1947-1964. Rio de Janeiro: Funarte; Fundação Getúlio Vargas,
1997, especialmente cap. 4.
2
RIBEIRO, Darcy. Estudos de Antropologia da Civilização. Teoria do Brasil. Livro I. 2.ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p.139, grifos meus.
3
SOUZA, João Francisco. A transmissão cultural. Sociopoética, ISSN 1980 7856, v.1, n.3,
jan.-jul. 2009. Disponível em: eduep.uepb.edu.br/sociopoetica/publicacoes/v1n3pdf/02_
joaofrancisco.pdf; Acesso em: 21 dez. 2011.
4
DUSSEL, Inés. A transmissão cultural assediada: metamorfoses da cultura comum na
escola. Trad. Neide Luzia de Rezende. Cadernos de Pesquisa, v.39, n.137, p.351-365, maio-
-ago. 2009. p.358. Disponível em: www.scielo.br/pdf/cp/v39n137/v39n137a02.pdf; Acesso
em: 21 dez. 2011.
5
BURKE, Peter. O que é história cultural? Trad. Sergio Goes de Paula. 2.ed. rev. e ampliada.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p.130. Peter Burke cita ainda que seria um processo de
reconstrução, aquilo que Lévi-Strauss chamou de bricolage, e de Certeau, de reutilização.
6
BANDA DE CONGO Amores da Lua. 50 anos. CD de áudio. Vitória (ES), 1999;
ASCIMENTO, Adriano Roberto Afonso; MENANDRO, Paulo Rogério Meira. Canto de
N
tambor e sereia: identidade e participação nas Bandas de Congo da Barra do Jucu. Vitória
(ES): Edufes, 2002; BARROS, Paula Guedes. Banda de Congo da Barra do Jucu/ Estado do
Espírito Santo. Folheto 4. Sub-Reitoria Comunitária/ Coordenação de Folclore. Vitória,
1983; MAZOCO, Eliomar Carlos. O congo de máscaras. Vitória: Edufes, 1990.
7
A noção de ‘área cultural’ vem de Franz Boas, que a utiliza em seu método comparativo
em Antropologia Cultural. Ela se refere a um território geográfico onde se manifestam
traços culturais de uma determinada forma cultural específica. BOAS, Franz. Antropologia
Cultural. Org., Apresentação e Trad. Celso Castro. 3.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
8
Alguns estudos se debruçaram sobre a história das bandas de congo. Sobre isso ver
EVES, Guilherme Santos. Bandas de Congos. Cadernos de Folclore. Rio de Janeiro: MEC/
N
Secretaria de Assuntos Culturais/Funarte, 1980, n.30; e COSTA, Michel Dal Col. As Ban-
das de Congo da Serra e seu ciclo folclórico e religioso: princípios de sua etnografia e histó-
ria. Relatório de Pesquisa em poder do autor. Associação de Bandas de Congo da Serra
(ABC-Serra), 2010.
9
Há alguns anos, a Serra recebeu a visita de pesquisa de Carlos Stasi, estudioso na área
musical, especialista em instrumentos de raspar, os chamados reco-recos, do Centro de
Raspadores, sediado em Campinas (SP). Ele atestou em suas pesquisas pelo mundo a espe-
cificidade dos reco-recos capixabas, considerando-os únicos em sua forma. O folclorista
capixaba Guilherme Santos Neves defendia a tese de esse instrumento ser uma contribui-
ção indígena, e sobre isso ver NEVES, Guilherme Santos. Coletânea de estudos e registros
do folclore capixaba. 1944-1982. 2v. Vitória: Centro Cultural de Estudos e Pesquisas do
Espírito Santo, 2008, especialmente v.2, p.219-228.
10
Para uma descrição detalhada dos instrumentos das bandas de congo do Espírito Santo,
ver especialmente a Segunda Parte de LINS, Jaceguay. O Congo do Espírito Santo: uma
panorâmica musicológica das bandas de congo. Vitória: s.n., 2009.
11
Para se ter um contato direto com as toadas das bandas de congo ver os CDs das bandas
de congo da Serra: BANDAS de Congo da Serra. O Canto da Alma – v.1 e 2. CD de áudio.
Associação das Bandas de Congo da Serra – ABC-Serra. Serra, s.d.; BANDAS de Congo da
Serra. O Canto da Alma – Homenagem ao Mestre Antônio Rosa. CD de áudio. Associação
das Bandas de Congo da Serra – ABC-Serra. Serra, s.d. Para adquirir esses CDs e instru-
mentos próprios das bandas de congo entrar em contato com a ABC-Serra pelo telefone
(27) 9961-5246. Ver ainda NEVES, 1980, e LINS, 2009, especialmente a terceira parte, on-
de o autor trata da melodia das músicas desses grupos.
12
Recentemente, a ABC-Serra recebeu, das mãos do então presidente Luis Inácio Lula da
Silva e do ministro da Cultura Gilberto Gil, a Comenda do Mérito Cultural, por grandes
serviços prestados à cultura brasileira.
13
Época em que foi fundada a Matriz e Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Serra,
no Centro da Sede, onde até hoje se celebram missas e ocorre toda a vida da comunidade
católica da região. É em frente a essa igreja que o Mastro de São Benedito é fincado todo ano.
14
ANDRADE, Expedito. Entrevista concedida a Michel Dal Col Costa no Jardim Guana-
bara, Serra (ES), 2003.
15
Geralmente, em matas próximas à comunidade é colhida uma árvore chamada na região
de ‘guanandi’, que é previamente trabalhada pelos festeiros até o ponto em que, como
mastro simbólico, vai ser puxada em cortejo pelo itinerário tradicional do festejo. COSTA,
Michel Dal Col. Cadernos de registro de observação de campo. Serra (ES), 2008-2011. (Mi-
meogr.).
16
Tradição similar aos cavaleiros da Festa de São Benedito da Serra ocorre na cidade de
Aparecida (São Paulo), em sua Festa de São Benedito. Lá eles também fincam um mastro
em frente à Igreja de São Benedito, e o cortejo é acompanhado pelos ‘Cavaleiros de São
Benedito’. Na Serra, existe uma explicação para esse elemento: os cavaleiros representam
os capatazes e senhores de escravos, que, no início, acompanhavam a festa dos escravos,
para não terem surpresas. SILVA, Cristina Schmidt. Viva São Benedito! Festa popular e
turismo religioso em tempo de globalização. Aparecida (SP): Ed. Santuário, 2000. Ver tam-
bém COSTA, 2008-2011.
17
HISTÓRICO da criação dos festejos de São Benedito da Serra e o primeiro congo criado
pelos escravos. Documento da Associação das Bandas de Congo da Serra, atribuído a An-
tônio de Pádua Machado (Mestre Antônio Rosa). Arquivo da ABC-Serra. Serra, s.d. Ver
ainda COSTA, Michel Dal Col. A explicação tradicional da Festa de São Benedito da Serra-
-ES e a proteção divina nos dramas no mar ao longo da história. Trabalho apresentado no
XV Congresso Brasileiro de Folclore. São José dos Campos (SP), 2011.
18
RODRIGUES, José (Mestre Chuchu) e BRANDES, Vladenira Corrêa de (Dona Neri-
nha). Entrevista. Entrevistador: Michel Dal Col Costa. Realizada na casa dos entrevistados,
em Campinho da Serra, em 31 maio 2003.
19
SACRAMENTO, Victor. Entrevista concedida a Michel Dal Col Costa, em 2 abr. 2008,
na casa do entrevistado, na Serra Sede. O sr. Victor, nascido em 1932, faleceu há algum
tempo, e de suas palavras é possível inferir que a sua participação na banda de congo infan-
to-juvenil precursora ocorreu quando ele tinha entre 11 e 26 anos, aproximadamente. Ou-
tro participante desse grupo foi o sr. Alberico Pereira da Penha, o Seu “Liliu”. Esse antigo
mestre me concedeu também uma entrevista e disse que participou desse grupo quando
tinha 13 ou 14 anos. Nessa época, seu Victor, mais jovem, ainda não participava. PENHA,
Alberico Pereira da (Liliu). Entrevista realizada em 23 abr. 2008 por Michel Dal Col Costa
na casa do entrevistado, em Barcelona – Serra (ES).
20
COSTA (2008-2011); e MIRANDA, José Carlos. Entrevista concedida ao autor, Serra
(ES), 2011.
21
Mestre Antônio Rosa, como é conhecido o falecido Antônio de Pádua Machado, foi um
dos grandes líderes das bandas de congo e dos festejos folclóricos e religiosos da Serra e do
Espírito Santo. Hoje recebe muitas homenagens, e uma delas está no museu e espaço de
exposições Casa do Congo de Serra Sede, que recebeu seu nome. Para conhecer um pouco
da história do Mestre Antônio Rosa, ver COSTA, Michel Dal Col. Mestre Antônio Rosa.
Festeiro Serrano de Autoridade. Série Protagonistas da Serra. Jornal Tempo Novo, Serra
(ES), 23-30 dez. 2011, ano 27, p.8.
22
CARVALHO, Fábio; DIAS, Alcione (Coord.) O congo na escola: elemento ressignifica-
dor de conhecimentos. Texto do projeto “Congo na Escola”. Vitória (ES), depois de 1999
(ano de início do projeto). Arquivo pessoal; e BENTO, Vacinto do Rosário (Mestre Zé
Bento). Entrevista concedida a Michel Dal Col Costa, realizada na casa do entrevistado, em
Nova Almeida, em 27 jul. 2002.
23
LEI nº 2.288 da Prefeitura Municipal da Serra, Estado do Espírito Santo. Secretaria de
Administração e Recursos Humanos. Publicada no Diário Oficial em 16 maio 2000. Vitó-
ria (ES); PIMENTEL, Teresinha Ozória Machado. Entrevista concedida a Michel Dal Col
Costa, realizada na Sede da Associação das Bandas de Congo da Serra. Serra, 2000;
“VERBA dá novo ânimo às Bandas de Congo da Serra”. Jornal Tempo Novo, 13 maio 2003,
p.4; CONVÊNIO nº 014/2003-Setur; Processo nº 087.1058/2002. Prefeitura Municipal da
Serra, Estado do Espírito Santo. Publicado no Diário Oficial em 25 fev. 2003. Vitória, 2003.
24
BANDA MIRIM de congo desfila neste domingo. Jornal Tempo Novo, 21 dez. 2001, Ge-
ral, p.27.
25
VALDIRENE. (Rainha da Banda de Congo de Santiago). Banda de congo mirim de São
Benedito de Santiago. Documento produzido na Casa do Congo Mestre Antônio Rosa.
Serra, s.d.; HISTÓRICO da Banda de Congo Mirim União Jovens dos Reis Magos. Docu-
mento produzido na Casa do Congo Mestre Antônio Rosa. Documento avulso, s.n., s.d.;
CONGO MIRIM Sant’Anna estreia hoje em Manguinhos. Jornal Tempo Novo, Serra (ES),
30 jun. 2001; BANDA DE CONGO Mirim São Benedito e Santo Antônio de Pádua. Docu-
mento produzido na Casa do Congo Mestre Antônio Rosa. Texto avulso, s.n., s.d.
26
A HORA e a vez das crianças do congo. A Gazeta, Vitória, 17 maio 2002. Em Foco, p.4;
TOCAR e cantar é mais que uma brincadeira. Notícia Agora, 26 ago. 2001, Cidade, p.7.
27
É um cumprimento de uma das metas da ABC-Serra, como mostra o PROJETO SOCIAL
Cultural de Revitalização das Bandas de Congo do Município da Serra (ES). Acervo ABC-
-Serra. Serra, s.d.
Resumo Abstract
O artigo busca relacionar as trajetórias The article seeks to relate the trajecto-
da mobilização política das organiza- ries of political mobilization of social
ções sociais do Movimento Negro na organizations in the Black Movement in
luta contra o racismo, sobretudo no que the fight against racism, especially in re-
concerne à educação escolar, com as da gard to school education, with the sci-
produção científica publicada pelos se- entific production published by the fol-
guidores da corrente teórica das teorias lowers of the current theory of critical
críticas do currículo. A proposta é traçar theories of the Curriculum. The pro-
um paralelo entre conceitos das corren- posal is to draw a parallel between cur-
tes políticas e científicas de modo a re- rent policies and concepts of science to
forçar o arcabouço teórico das práticas enhance the theoretical framework of
pedagógicas que visem à implementa- teaching practices aimed at the imple-
ção da educação das relações étnico-ra- mentation of the Education of Racial
ciais no Brasil como proposto pela Lei Relations in Brazil as proposed by Law
10.639/2003. 10.639/2003.
Palavras-chave: teorias críticas do currí- Keywords: critical theories of curricu-
culo; Movimento Negro; Lei 10.639/2003. lum; Black Movement; Law 10.639/2003.
No dia 9 de janeiro de 2003 foi promulgada a Lei 10.639, que alterou a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional instituindo a obrigatoriedade do
Mais uma vez as lideranças dos Movimentos Sociais Negros denunciaram ao go-
verno brasileiro a discriminação racial, bem como condenaram o racismo contra
os negros no Brasil. Mais do que isto, as lideranças negras dos Movimentos So-
ciais Negros não ficaram só nas e com as denúncias, elas entregaram ao chefe de
Estado brasileiro o Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Ra-
cial... (Santos, 2007, p.166)
A educação, mesmo que não seja a única via de mitigar tais desigualdades, de-
monstra relevante papel na busca de uma verdadeira democracia onde todos os
Gatti Júnior19 chama a atenção para o fato de que, por conta de uma série
de fatores que implicam uma formação insuficiente de grande parte dos do-
centes da Educação Básica no Brasil, o paradigma educacional tradicional ain-
da é, se não majoritário, pelo menos significativo, apesar dos diversos estudos
críticos amplamente divulgados na comunidade científica. Somente uma mu-
dança de postura da prática pedagógica pode transformar esse panorama em
que o senso comum (como já reiteramos, muitas vezes lotado de preconceitos)
concorre com a fundamentação teórica na formação epistemológica dos pro-
jetos e práticas educativos. A literatura disponível para instrumentalizar os
professores como intelectuais reflexivos externa conceitos que contribuem
para um entendimento de que
Considerações finais
NOTAS
1
MOORE, Carlos. O racismo através da História: da Antiguidade à Modernidade. 2007.
Disponível em: scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-BR&q=O+RACISMO+ATRAV%C3
%89S+DA+HIST%C3%93RIA%3A+++DA+ANTIGUIDADE+%C3%80+MODERNIDA
DE&btnG=Pesquisar&lr=; Acesso em: 13 set. 2009
2
Cf. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 156p.
3
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Trad. Joaquim José de
Moura Ramos. Lisboa: Ed. Presença, 1970. 123p.
4
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 107p.
p.22-23.
5
GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem. Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Artmed, 1997. 270p.
6
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm; Acesso em: 18 ago. 2011.
7
CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e dis-
criminação na educação infantil. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2003.
8
PAIXÃO, Marcelo. Relatório anual das desigualdades raciais no Brasil: 2007-2008. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 2008. 213p.
9
MEC/MJ/SEPPIR. Contribuições para a implantação da Lei 10.639/2003. Proposta de Pla-
no Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da educação das re-
lações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei
10.639/2003. Brasília, 2008. p.6.
10
LOPES, Alice Casemiro; MACEDO, Elizabeth (Org.) Currículo: debates contemporâ-
neos. São Paulo: Cortez, 2002. 240p. p.13-18.
11
IPEA. Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a Abolição. Bra-
sília: Diretoria de Estudos Sociais (Disoc), 2008. p.6.
MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO/PE. O Negro e a Educação – VIII Encontro de
12
Resumo Abstract
A institucionalização do ensino de histó- The institutionalization of the teaching
ria da África e de cultura afro-brasileira of African history and African-Brazilian
nas escolas abriu caminho para o debate culture in the schools gave way to the de-
acerca da inserção desses conteúdos nos bate about the inclusion of such content
currículos de história. O precedente levou in the curriculums of history. This prece-
os historiadores a se perguntarem sobre o dent has led historians to wonder about
conteúdo e o ensino dessa história e da the content and teaching of that history
cultura produzida pelos povos africanos e and of the culture produced by African
por seus descendentes. Este texto é estru- peoples and their descendants. This text
turado com base em duas possibilidades is structured upon two methodological
metodológicas para esse ensino: a diáspo- possibilities for the teaching of those the-
ra e as comunidades quilombolas. Apre- mes: the Diaspora and maroon commu-
sentamos elementos para uma metodolo- nities. We present some elements for a
gia e uma didática do ensino de história methodology and a didactic of teaching
que considerem as experiências diaspóri- history that consider the experiences of
cas das populações negras e o espaço do black diasporic space and maroon com-
quilombo como local de recriação cultural munities as a place of recreation of cultu-
de elementos africanos. Analisamos o per- ral elements of Africa. We analyze the
curso histórico que culminou na institu- historical background that led to the ins-
cionalização desse ensino e alguns ele- titutionalization of the teaching of Afri-
mentos relacionados a esses conteúdos. can history and African-Brazilian culture
Palavras-chave: ensino de história da Áfri- and show some aspects of these subjects.
ca; diáspora; comunidades quilombolas. Keywords: teaching of African history;
diaspora; maroon communities.
tinentes não têm um epíteto racial como esse. ‘Negro’ tornou-se sinônimo de
uma essência racializante na qual toda uma linguagem adjetivada de inferio-
ridade fixava os africanos e seus descendentes em tais estereótipos.6
Essa narrativa em torno do vocábulo negro é, no entanto, ressignificada.
Hall argumenta como esse termo tem articulado a noção de negritude,8 como
7
ção nos currículos escolares oficiais se voltaram para o ensino da história afri-
cana e afro-brasileira, cujas ações datam das décadas de 1970 e 1980 nos de-
nominados ‘estudos africanos’.18
A Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, de 1986, recomendou
à Assembleia Constituinte de 1987: “o processo educacional respeitará todos
os aspectos da cultura brasileira. É obrigatória a inclusão nos currículos esco-
lares de I, II, e III graus do ensino da história da África e da história do Negro
no Brasil”.19 As legislações em nível local mostraram um processo gradativo
de incorporação do ensino da temática étnico-racial como proposta de uma
educação voltada para novas relações raciais.
A partir da década de 1990, as ações focaram denúncias de estereotipia
em livros didáticos e de práticas preconceituosas nas escolas. Alguns municí-
pios passaram a atender parcialmente às reivindicações legais20 dos movimen-
tos sociais negros, os quais se organizaram e exigiram do Estado brasileiro que
as ações de combate ao racismo se tornassem política de Estado. Ainda na
década de 1990 a influência de organismos multilaterais e de uma concepção
de educação focada na produtividade e no investimento promoveu as medidas
para universalização da educação. Paulatinamente, as ações políticas dos mo-
vimentos sociais negros se reverteram em políticas educacionais para o com-
bate ao racismo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) corroboram a
ideia de existir um currículo mínimo para o ensino básico e médio, o eixo
‘Pluralidade Cultural’, no qual se encaixam as questões étnico-raciais, e refle-
tem um reconhecimento pelo Estado brasileiro da característica multicultural
e racial da sociedade brasileira. No que se refere ao ensino de história, o lugar
da escravização ainda era predominante nessa época, com a forte influência
das leituras marxistas sobre a escravidão, por meio das quais as populações
africanas e negras entraram na história a ser ensinada.
No âmbito estatal, a criação do Grupo de Trabalho Interministerial Po-
pulação Negra (1998), resultante da Marcha Zumbi dos Palmares Contra o
Racismo pela Cidadania e a Vida (1995), se insere nas medidas de incorporação
dos conteúdos relativos à história africana e afro-brasileira e nas Políticas de
Ação Afirmativa. A promulgação da Lei 10.639/2003 se consolida como o re-
sultado de uma luta histórica dos movimentos sociais negros por uma educa-
ção que contemple a diversidade e a diferença.
Educação quilombola
história além do que está no livro didático ou apostila, mas que é possível
compreendê-la, ensiná-la e aprendê-la na dinâmica em que estamos inseridos,
transformando a lógica do “currículo uniforme”,36 pois o considerado ‘não
saber’ também é conhecimento.
Em linhas gerais, a comunidade apresenta aspectos peculiares quanto à
sua formação e organização. Localizada no centro da floresta, prescinde de
saneamento básico, energia elétrica ou estrada, tendo seus moradores de se
deslocar por trilhas. A organização social é marcada por papéis definidos, for-
temente marcados pelo gênero, prefigurando uma dimensão ‘invisível’ 37 das
normas sociais válidas no interior da comunidade.
O plural se apresenta como uma diversidade de jogos, brincadeiras e si-
tuações lúdicas. Dentre os mais conhecidos estão a mancala e pernas de pau,
que permitem ver como as crianças em diversos espaços inspiram suas brin-
cadeiras a partir de referências culturais – no caso citado, matrizes africanas
–, embora elas também estejam conectadas com a sua contemporaneidade,
como nos momentos em que brincam com o celular. Hoje, o lúdico assume
forma variada, transitando entre o saber local e os saberes advindos do conví-
vio com outros espaços e pessoas. Por exemplo, os mais jovens ouvem músicas
como o rap, como os jovens que vivem nas cidades, mas não deixam de ouvir
canções sertanejas e conhecem danças tradicionais como o fandango.
Na comunidade existem escolas iniciadas com as pessoas do local: os que
mais sabiam ensinavam aos outros, até o reconhecimento pelo poder público
municipal. Quando essas iniciativas foram reconhecidas como escolas públi-
cas, os professores que passaram a atuar deixaram de ser necessariamente do
entorno e trouxeram outras referências, normalmente de experiência urbana.
Os materiais didáticos utilizados partem de outra realidade e pouco ressoam
no fazer cotidiano dos habitantes de Bombas. Uma vez que essas escolas fazem
parte da rede municipal, os materiais didáticos, sobretudo apostilas indicadas
pela Secretaria de Educação, uniformizam o conhecimento, sem atentar para
a diversidade do conhecimento ou para as especificidades do contexto. Deslo-
cam, quando não renegam, os saberes produzidos pela comunidade.
Tornando mais claro: as narrativas do grupo recuperam tradições que
dialogam com o passado e o presente, com a história, trazendo elementos
(categorias do saber histórico) como trabalho, terra, tempo, espaço, ocupação
territorial, exploração capital, classe social, divisão de trabalho, gênero, rela-
Considerações finais
com seu ensino: nos primeiros anos de escolarização os pedagogos são respon-
sáveis por articular o campo, e nem sempre a formação desses profissionais
atenta para as demandas do ensino de história, fato que pode gerar equívocos
e consequências nos anos posteriores. É nesse cenário que se insere o desafio
de ensinar e aprender história no século XXI.
No decorrer do debate proposto neste texto foram trabalhadas algumas
questões epistemológicas e metodológicas sobre o ensino de história e cultura
afro-brasileira e africana. A questão do método é um dos pontos chaves na
perspectiva do ensino, especialmente no que toca ao ensino de história. Des-
taca-se assim a categoria diáspora e a dimensão dos quilombos como alterna-
tivas metodológicas criativas para ensinar a história das populações africanas
e de seus descendentes.
Tais noções rompem com os elos nodais na construção do conhecimento
histórico. Rompimento, aqui, não significa uma ruptura vazia na qual a pro-
posta seria trocar uma perspectiva pela outra, romantizando a história e seu
ensino, mas potencializar diversas formas de construir metodologias conforme
o conteúdo a ser ofertado. Implica considerar as especificidades locais e regio-
nais de escolas, perfis de estudantes e professores, o que permite ampliar as
formas de ensinar história. Em relação ao estudo de história da África e cultu-
ra afro-brasileira e africana as características específicas sobre o lugar dessas
temáticas no ensino da história é fundamental. Aqui consideramos que o en-
sino desses conteúdos específicos deve ser construído de forma orgânica na
preparação da didática dos conteúdos.
Os cursos de formação de profissionais da educação sobre a temática da
educação das relações étnico-raciais apontam que esses profissionais mantêm
uma ideia estereotipada sobre o Continente africano e sobre as pessoas que
habitam esse espaço. Muitos tiveram pouca ou nenhuma incursão nesses con-
teúdos, durante sua trajetória escolar. Com os historiadores em formação isso
se repete, sendo flagrantes nas salas de aulas as opiniões ainda enviesadas sobre
os africanos e seus descendentes. A publicação em português da Coleção His-
tória Geral da África,39 sob indicação da Unesco, vem agir no sentido de dis-
ponibilizar um material denso sobre a história do Continente africano. A des-
crição dos capítulos por historiadores dedicados ao tema da história africana
revela postura que aponta para uma construção histórica sobre os africanos e
suas produções culturais, de forma a considerar suas especificidades, e permi-
NOTAS
1
CASTRO, Amélia D. O ensino: objeto da didática. In: CARVALHO, Anna Maria P. de.
Ensinar a ensinar: didática para a escola fundamental e média. São Paulo: Cengage Lear-
ning, 2001. p.13-29.
2
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão
do nacionalismo. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p.330.
3
Não esqueçamos o contexto e o impacto da análise de Hegel sobre a ausência da história
dos povos negros africanos à época, “A África não é uma parte histórica do mundo”
(HEGEL, G. W. F. Filosofia da História. Brasília: Ed. UnB, 1995, apud OLIVA, Anderson
Ribeiro. A história da África nos bancos escolares: representações e imprecisões na litera-
tura didática. Est. Afro-Asiáticos, v.25, n.3 p.421-461, 2003; p.438) e o fato de que textos
como esses continuam ainda hoje a ser lidos nos cursos de formação de historiadores.
4
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: Ed. UFBA,
2008.
5
GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Ed.
34, 2001. p.432; MIGNOLO, W. D. La idea de América Latina: la herida colonial y la opci-
ón descolonial. Barcelona: Gedisa Ed., 2007. p.240.
6
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Trad. Myriam Avila, Eliana Lourenço L. Reis,
Glaucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. p.238.
7
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik. Belo Hori-
zonte: UFMG, 2009. p.410.
8
Movimento artístico e político criado por intelectuais negros de maioria da língua france-
sa, na década de 1930, que produziu uma crítica literária ao colonialismo e ao racismo.
9
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus
identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p.150. (Col. Cultura e Identidade Bra-
sileira).
10
WEDDERBURN, Carlos Moore. Novas bases para o Ensino da História da África no
Brasil. In: Educação Anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal 10.639/2003. Brasília:
Secad/MEC, 2005. p.134-142.
11
CURTIN, P. D. Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição a
história em geral. In: KI-ZERBO, Joseph (Org.) História Geral da África. 2.ed. rev. Brasília:
Unesco, 2010. p.44.
12
O termo afrocêntrico se refere a uma perspectiva aplicada ao modo de estudar as temáti-
cas relativas ao continente africano por uma perspectiva orgânica, pensada desde o início
a partir de uma forma específica de operar o tempo e a narrativa acerca das experiências
africanas (ASANTI, in: CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. Trad.
Dinah Kleve. São Paulo: Selo Negro, 2000. 598p. p.62-64).
13
Cf. THORTON, J. A África e os africanos na formação do mundo atlântico 1400-1800.
Rio de Janeiro: Elsevier; Campus, 2004.
14
NDIAYE, Pap. La condition noire: essai sur une minorité française. Paris: Gallimard,
2008. p.501.
15
Referimo-nos ao decreto imperial de 1870, que impedia o acesso de negros escravizados
às escolas, entre outras leis que impediam o acesso a africanos livres ou libertos.
16
Estamos nos referindo às medidas legislativas de caráter estatal, no entanto não descon-
sideramos as propostas pedagógicas das associações negras como, por exemplo, o Teatro
Experimental do Negro (TEN) e da Frente Negra Brasileira.
17
DAVILA, Jerry. Diploma de brancura. Política social e racial no Brasil – 1917-1945. São
Paulo: Ed. Unesp, 2006. p.399.
18
PINTO, R. P. Movimento negro e a educação do negro: a ênfase na identidade. Cadernos
de pesquisa, São Paulo, n.86, p.25-38, 1993.
19
SANTOS, S. A. A lei 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro.
SECAD. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília,
2005. p.21-38.
20
Nas leis de Porto Alegre em 1991, de Belém em 1994, na disciplina de História. Para a
efetivação dos conteúdos na disciplina, as leis propõem, de maneira geral, levantamento de
bibliografia específica, reuniões e organização de seminários. Em 1994, o município de
Aracaju institui curso preparatório para a inclusão de conteúdos relativos à História e Cul-
tura do negro e do índio na rede de ensino. Em 1994 o município institui o ensino da ‘Raça
Negra’. Em São Paulo, no ano de 1996, o município institui os ‘estudos contra a discrimi-
nação racial’; em Brasília, também em 1996, os conteúdos relativos à ‘Raça Negra’ são in-
cluídos no sistema de ensino do Distrito Federal.
21
WIEVIORKA, M. O racismo: uma introdução. Trad. Fany Kon. 1.ed. São Paulo: Perspec-
tiva, 2007. p.164.
22
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v.5. Trad. Peter
Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Ed. 34, 1997. p.235.
23
Valentin Mudimbe chama de discours subreptices um determinado modo pelo qual os
discursos são construídos e repetidos. Ver em NDIAYE, 2008.
24
Cf. em Quilombismo (2.ed. Brasília: Fundação Cultural Palmares; OR Ed., 2002) a análise
de Abdias do Nascimento da proposta de ‘Estado quilombista’.
25
REIS, João J. Quilombos e revoltas no Brasil. O povo negro no Brasil. Revista da USP,
São Paulo, v.28, p.14-39, 1996. p.16.
26
No século XVI, o Conselho Ultramarino denominava quilombo como “toda habitação
de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ran-
chos levantados nem se achem pilões neles” (MOURA apud MUNANGA; GOMES, 2006,
p.70). Já no século XIX, a lei Provincial 157 (9 ago. 1848, Rio Grande do Sul) define: “por
A. História e Historiografia do Brasil pós 64. São Paulo: Paz e Terra, 1985.
43
Obras de Luís da Câmara Cascudo, no caso de contos tradicionais, folclóricos e provér-
bios.
44
Além de filmes do circuito comercial, observar a produção de documentários como Qui-
lombos da Bahia (dir. Antônio Olavo. Salvador: Portfolium, 2005).
45
Cf. AMÂNCIO, I. M. C.; GOMES, N. L.; JORGE, M. L. S. Literaturas africanas e afro-
-brasileira na prática pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p.168.
Resumo Abstract
O presente texto busca destacar a im- This paper seeks to emphasize the im-
portância da construção de um novo portance of constructing a new perspec-
olhar no que diz respeito ao ensino de tive regarding the teaching of African
história e cultura africanas e afro-brasi- and Afro-Brazilian history and culture.
leiras. O texto se divide em dois mo- The text is divided in two sections: the
mentos: o primeiro versa sobre a impor- first relates to the importance of the
tância da alteração da Lei de Diretrizes e changing of the Law of Guidelines and
Bases da Educação brasileira, por meio Bases of Brazilian Education, by means
da Lei 10.639/2003, e sua relação com a of the Law 10.639/2003 and its relation-
formação de docentes. O segundo apon- ship with the process of training teach-
ta para uma sugestão de trabalho em ers. The second suggests a way to work
sala de aula: parte-se do contexto inte- with the issue in classrooms: as a part of
lectual pós-abolição no Brasil, indican- the intellectual context in post-abolition
do sua relação com o senso comum e a in Brazil, indicating the liaison with
maneira como este articula a manuten- common sense and the ways in which it
ção de estereótipos e estigmas acerca da reinforces the maintenance of stigmas
população negra no Brasil. and stereotypes about black population
Palavras-chave: educação; cultura e his- in Brazil.
tória afro-brasileiras; relações raciais. Keywords: education; afro-brazilian
history and culture; racial relationship.
Para além da educação escolar falha, é certo afirmar que as interpretações racis-
tas e discriminatórias elaboradas sobre a África e incorporadas pelos brasileiros
são resultado do casamento de ações e pensamentos do passado e do presente ...
As distorções, simplificações e generalizações de sua história e de suas popu-
lações são comuns a várias partes e tempos do mundo ocidental. Dessa forma, se
continuarmos a reproduzir leituras e falas ... é muito provável que o imaginário
de nossas futuras gerações sobre a África não sofra modificações significativas.
(Oliva, 2003, p.431)
Desde sua sanção até o presente momento esta lei foi objeto de inúmeros
debates que proporcionaram uma fortuna crítica bastante extensa, ainda mais
porque no mesmo período ganham espaço no Brasil as políticas de ações afir-
mativas para a população negra. A Lei 10.639/2003, como se pode observar,
altera o artigo 26 da LDB, colocando de maneira enfática a obrigatoriedade do
ensino de História da África e das populações africanas e afro-brasileiras. O
texto da lei permite a formulação de algumas inferências: a primeira, bastante
evidente, é que essa temática vinha sendo negligenciada, ou seja, ela admite a
negação/invisibilização desses conteúdos por parte da educação brasileira. As-
sim, a partir da promulgação da lei intensificou-se o debate em torno da obli-
teração dessa temática no meio educacional. Tal debate indicou, entre outras
questões, a ausência de um número mais expressivo de profissionais especia-
lizados em história africana no Brasil, bem como localizou a falta de conteúdos
referentes a esse tema na formação dos/das docentes. A situação no que diz
respeito aos temas referentes à história e cultura afro-brasileira é um tanto
diferente, pois nesse caso existia um número bem mais expressivo de profis-
sionais aptos a lidar com o conteúdo. O problema consistia em esses assuntos
se fazerem presentes na formação dos/das docentes (Costa, 2011).
Esse cenário de início dos anos 2000 vem dando sinais de reversão, mui-
to em função da legislação aprovada e sancionada em 2003, fruto de uma luta
de anos dos movimentos sociais da população negra. Os cursos superiores de
História vêm buscando transformar as disciplinas sobre África, até então op-
tativas raramente ofertadas, em disciplinas obrigatórias. Os concursos para
docentes efetivos nessa área são evidências dessas mudanças. Por exemplo, em
2010 a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fizeram concursos para docentes nessa área.
Em 2011 a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) abriu vaga, e no
mesmo ano a Universidade Federal da Bahia (UFBA) realizou concurso para
suprir a demanda. São estas algumas evidências da nova situação.
Mas, se por um lado esse reflexo da Lei 10.639/2003 pode ser entendido
como positivo, por outro se torna relevante observar que entre as Universida-
des formarem profissionais e estes estarem em sala de aula existe um lapso de
tempo considerável, os professores e professoras que já estão em sala podem
não ter tido essa formação e, em teoria, têm a obrigação de trabalhar história
e cultura africanas e afro-brasileiras. Nesse ponto pode surgir uma situação
perigosa, mais perigosa, talvez, que a própria obliteração dessa temática, que
é a abordagem por meio de visões estereotipadas, estigmatizantes, exotizantes,
enfim, visões que venham a sacramentar posições oriundas do colonialismo,
do racismo científico, da democracia racial.
As posições referentes à visão colonialista receberam críticas bastante
apropriadas dos estudos pós-coloniais, bem como dos estudos culturais. As
teorias feministas também colaboraram e colaboram na crítica à abordagem
colonialista.4 Não são poucas as abordagens que explicitam o caráter racista da
cultura ocidental, tais como o trabalho, já clássico, de Frantz Fanon.5 Sobre a
história e a crítica ao racismo científico são muitas as obras disponíveis: pode-
mos citar, entre outras, as de Tzvetan Todorov para a gênese do racialismo,
sobre a ideia de raça o texto de Michael Banton e, para inserção dessas questões
no cenário brasileiro, obras como as de Mariza Corrêa e de Lilia Moritz
Schwarcz.6
Com efeito, a fortuna crítica da ‘democracia racial’, acerca da sua cons-
trução e desconstrução, é abundante. A ideia de que no Brasil não haveria
preconceito de cor e raça não é nova, porém seu uso, mais sistematizado, pode
ser localizado, especialmente, na década de 1880, ou seja, às vésperas da Abo-
lição (1888). Por exemplo, Joaquim Nabuco (1849-1910) via a situação racial
no Brasil assim:
A escravidão, por felicidade nossa, nunca azedou a alma do escravo contra o se-
nhor – falando coletivamente – nem criou entre as duas raças ódio recíproco que
existe naturalmente entre opressores e oprimidos. Por esse motivo, o contato en-
tre elas foi sempre isento de asperezas, fora da escravidão, e o homem de cor
achou todas as avenidas abertas diante de si.7
não parece ter sido apenas pela persuasão ideológica, apoiada em relações de fa-
vor entre as raças, que os negros e seus descendentes foram socialmente excluí-
dos da participação de vários setores da vida pública brasileira, mas também pela
manutenção de uma política autoritária em cuja definição a presença da discri-
minação não pode ser esquecida. Essa exclusão parece ter sido também o resul-
tado de uma atuação coerente, apoiada por um racismo ‘científico’, que legitimou
iniciativas políticas seja no nível nacional – como no caso dos privilégios conce-
didos à imigração que tiveram como consequência uma entrada maciça de bran-
cos no país – seja em nível regional, como políticas específicas de repressão das
atividades religiosas ou culturais dos negros ... Se não foi explicitado em leis civis
discriminatórias, como a segregação racial norte-americana, o racismo, enquan-
to crença na superioridade de determinada raça e na inferioridade de outras, teve
larga vigência entre os nossos intelectuais no período do final do século passado
[século XIX] e início deste [século XX], sendo o ponto central de suas análises a
respeito de nossa definição como povo e nação. (Corrêa, 2001, p.63)
do africanismo entre nós, a dos negros no Novo Mundo. É antes de tudo a histó-
ria da formação de um tipo novo pela ação de cinco fatores, formação sextiária
em que predomina a mestiçagem. Todo o brasileiro é mestiço, quando não no san-
gue, nas ideias. Os operários deste fato inicial têm sido: o português, o negro, o
índio, o meio físico e a imitação estrangeira. (Romero, 2001, p.57, grifo nosso)
so antes do crime, embora sem recorrer à busca por ‘caras de bandido’. Nesse
sentido faz-se o monitoramento dos pensamentos, pois, por meio deles se lo-
calizaria o/a criminoso/a em potencial.21 Ou seja, vigiando-se o pensamento,
é possível monitorar o crime. Troca-se a aparência física pela aparência dos
pensamentos para indicar o tipo criminoso.22
O nascimento dos institutos de identificação está intimamente ligado à
perspectiva há pouco exposta. O instituto de identificação francês, pioneiro na
área, tinha como grande objetivo localizar possíveis criminosos – identificar o
tipo criminoso. Fazendo uso de métodos à época considerados científicos,
como os da craniometria, o instituto procurou identificar e classificar a popu-
lação parisiense na busca dos desviantes. Coincidentemente ou não, a cons-
trução ‘científica’ do protótipo do criminoso era exatamente igual à da popu-
lação pobre da capital francesa, ou seja, o procedimento era em realidade mais
um meio de estigmatizar, perseguir e oprimir a já sofrida população pobre de
Paris.23 No Brasil tais teorias tiveram ampla aceitação; um dos seus mais proe-
minentes divulgadores foi o médico maranhense, radicado na Bahia, Raymun-
do Nina Rodrigues (1862-1906); todavia, esse intelectual nada mais fez do que
dar ‘cores de cientificidade’ a algo já usual.24 Desde fins do século XIX, ou
mesmo antes, a assertiva “cara de bandido” significa pobre, preferencialmente
negro e/ou afrodescendente, e a sua oposta, “não tinha cara de bandido”, re-
fere-se a brancos, bem trajados, não pobres. Enfim, por trás de duas assertivas
corriqueiras podemos discutir intelectuais e ciência do século XIX e princípio
do século XX, a constituição de processos de discriminação e estigmatização
que não dependem, necessariamente, de nenhuma legislação específica.25 Na
contemporaneidade a situação se alterou, contudo, a lógica das abordagens
policiais não foge muito a esse princípio: tal questão pode ser trabalhada em
sala de aula, por exemplo, com base na música Todo camburão tem um pouco
de navio negreiro, do grupo O Rappa, donde se avalia a comunicação entre as
premissas de fins de século XIX com as do início do século XXI no que diz
respeito à estigmatização das populações negras e pobres.26
As assertivas que dizem “Carioca é tudo vagabundo!” e “Baiano é tudo
preguiçoso!”, ademais complementadas com outra máxima recorrente, “Só
sabem fazer festa!”, também é uma vertente importante desse processo de es-
tigmatização oriundo do racismo científico do século XIX. Pois qual é o perfil
da maioria da população, tanto da cidade do Rio de Janeiro quanto do próprio
contrário disso. Porém, é mais provável que, ao surgir uma exceção, a pessoa
seja percebida na condição de intruso/a e, praticamente ao primeiro deslize,
surja a assertiva que indica seu caráter de estrangeiro, de indesejado, de im-
pertinente, num meio que não seria o seu: “Preto, quando não faz na entrada,
faz na saída!”. Tal situação também pode ser apreendida como a materialização
de outra expressão clássica da situação racial brasileira: “Não existe racismo
no Brasil, pois aqui o preto sabe o seu lugar!”. Não é esse um exemplo fantás-
tico de internalização de papéis sociais? O da superioridade de uns e da infe-
rioridade de outros, com manutenção do individualismo? Todos esses elemen-
tos remetem, então, para a permanência de um tipo de reflexão intelectual.
Esta ocupa o lugar de uma legislação específica, pois sua ampla divulgação
constrói barreiras invisíveis dentro dos indivíduos (Costa, 2007b).
A perpetuação dessas barreiras se dá por inúmeros instrumentos, alguns
já apresentados aqui, mas um deles nos interessa sobremaneira: a atuação dos
intelectuais de fins do século XIX e início do século XX. Raymundo Nina Ro-
drigues, Sílvio Romero e Euclides da Cunha, entre outros, estão vivos na re-
presentação que se faz de suas obras. A atuação desses e de outros intelectuais
do período compreendido entre 1880 e 1930 é essencial para a construção e
manutenção das barreiras invisíveis mencionadas. Suas considerações são
peças-chave no processo de internalização e naturalização dos papéis sociais
de superioridade e inferioridade presentes na sociedade brasileira. Nina Ro-
drigues indicava a respeito do povo brasileiro a necessidade premente de
mestiço que não seria um qualquer, aleatório, mas um tipo específico e bem
definido: seria o mais branco possível.30 Em suas próprias palavras: “o mestiço,
que é a genuína formação histórica brasileira, ficará só diante do branco qua-
se puro, com o qual se há de, mais cedo ou mais tarde, confundir” (Romero,
2001, p.101). Ele concorda aqui com outra posição interessante de Nina Ro-
drigues, o mestiço de retorno a uma suposta origem, neste caso “o mulato
claro de retorno à raça branca”.31 E tudo isso acaba por se resumir em outra
expressão bastante usual do dia a dia, “O brasileiro é isso, um pouquinho de
tudo!”. Assertiva ambígua e complexa que, por um lado, refuta a pureza racial
como um critério relevante e, por outro, impossibilita a discussão em torno
dos mecanismos de discriminação no interior da sociedade brasileira. Tal as-
sertiva foi desta forma inserida por Euclides da Cunha em Os sertões: “Não
temos unidade de raça. Não a teremos, talvez, nunca”.32 Para ele isso era mo-
tivo de lamentação. A falta de uma unidade racial era entendida como empe-
cilho sério ao desenvolvimento do país. A ausência em questão seria a marca
peremptória da suposta dificuldade do Brasil em desenvolver-se. Contempo-
raneamente, em conversas casuais, essa marca de origem, considerada ruim, é
trazida à tona para sustentar argumentações acerca dos problemas brasileiros
e da dificuldade em resolvê-los.
As assertivas citadas aqui são exemplos significativos da transposição de
uma discussão intelectual para o cotidiano, sem que se perceba a complexida-
de do conteúdo presente. Estimular essa discussão é algo rico por alguns mo-
tivos.
1. Demonstrar o quanto os intelectuais estão presentes em nossa vida co-
tidiana, em vez de serem aquelas criaturas distantes, encurvadas, com
óculos de lentes grossas e palavras esquisitas. Muito pelo contrário: eles
estão no cotidiano, por meio da apropriação que fazemos de suas ideias,
nos terminais de ônibus, nos botequins, nos estádios de futebol, na
sala de jantar, no momento em que se assiste à telenovela.
2. Indicar como discussões intelectuais de fins do século XIX e do início
do século XX, construídas para responder a determinadas demandas,
se mantêm em forte comunicação com o contexto sócio-histórico con-
temporâneo e, em grande medida, ainda pelo mesmo motivo – justificar
e ou manter uma dada hierarquia social. E, como indica Marisa Corrêa,
NOTAS
1
OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares: representações e
imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, n.3, p.431, 2003.
2
COSTA, Hilton. Formação de professores: por um novo olhar da história e cultura afro-
-brasileira. In: PINHEL, André; COSTA, Hilton; SILVEIRA, Marco Silva da. (Org.) Uma
década de políticas afirmativas: panorama, argumentos e resultados. Ponta Grossa (PR):
Ed. UEPG, 2011.
3
Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm.
4
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2003.
5
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Ed. UFBA, 2008.
6
TODOROV, Tzvetan. Nós e os Outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana.
v.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993; BANTON, Michael. A ideia de raça. Lisboa: Ed. 70,
1979; CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia
no Brasil. 2.ed. Bragança Paulista (SP): Ed. USF, 2001; SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espe-
táculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993.
7
NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003.
p.40.
8
ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. Tomo I. Org. Luiz Antonio Barreto.
Rio de Janeiro: Imago; Aracaju: UFS, 2001.
9
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 21.ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.
10
Sobre o projeto Unesco, ação que contemplava a equipe de F. Fernandes, ver MAIO,
1997; ver, também: COSTA, 2011.
11
MAIO, Marcos Chor. A história do projeto Unesco: estudos raciais e ciências sociais no
Brasil. Tese (Doutorado) – Instituto Universitário de Pesquisas. Rio de Janeiro, 1997.
12
Entre outros, podemos citar: FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos.
São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1971; PEREIRA, João Baptista Borges. Cor, profis-
são e mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo. São Paulo: Pioneira; Ed. USP, 1967;
TELLES, Edward. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2003; GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e anti-racismo no
Brasil. São Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo; Ed. 34, 1999; ______.
Classes, raças e democracia. São Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo;
Ed. 34, 2002; ______. Preconceito e discriminação. São Paulo: Fundação de Apoio à Univer-
sidade de São Paulo; Ed. 34, 2004.
13
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4.ed. São
Paulo: Ed. Unesp, 1997.
14
COSTA, Hilton. Hierarquias brasileiras: a abolição da escravatura e as teorias do racismo
científico. Comunicação apresentada no III Encontro ESCRAVIDÃO E LIBERDADE NO
BRASIL MERIDIONAL. Florianópolis, 2007a.
15
COSTA, João Cruz. Contribuição à História das ideias no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967.
16
Cientificismo é uma crença desenvolvida em fins do século XVIII e amplamente divulga-
da no transcorrer do século XIX, que defende a ideia de humanidade genérica desenvol-
vendo-se de modo linear do menos ao mais avançado, definição clássica de progresso, e tal
desenvolvimento só seria possível, bem como sua compreensão e aprimoramento, através
da ciência; Positivismo pode ser lido como uma sistematização das crenças cientificistas,
realizada por Auguste Comte: ele apregoa que toda explicação e todo conhecimento advêm
da ciência e pela ciência; Racismo Científico, doutrina que defendia a existência de raças
humanas distintas entre si; apesar de poderem se combinar, o resultado dessa ação geral-
mente era considerado ruim, e tais diferenças eram cientificamente passíveis de compro-
vação, definindo de modo definitivo a superioridade de uns e a inferioridade de outros.
17
Francisco José de Oliveira Vianna nasceu em Saquarema, estado do Rio de Janeiro, em
1883, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 1951. Bacharel em Direito, historiador e
sociólogo, foi consultor jurídico do Ministério do Trabalho e ministro do Tribunal de
Contas; também foi membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Entre suas principais obras figuram: Populações meridionais do Bra-
sil (1920), O idealismo na evolução política do Império e da República (1922), A evolução do
povo brasileiro (1923), Problemas de política objetiva (1930), Raça e assimilação (1932),
Formação étnica do Brasil colonial (1932) e Instituições políticas brasileiras (2v., 1949), to-
das elas marcadas por forte conservadorismo. Os conservadores sempre constituíram um
grupo determinante na História das Ideias, e essas obras são consideradas como um mo-
mento importante dos estudos brasileiros.
18
Definições bastante acessíveis acerca do que pode ser compreendido por História das
Ideias e História Intelectual são encontradas em CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,
Ronaldo (Org.) Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro:
Campus, 1997.
19
Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero nasceu em Lagarto, Sergipe, em 21 de abril
de 1851, e faleceu em 18 de julho de 1914, no Rio de Janeiro. Bacharel em Direito, foi pro-
fessor do Colégio Dom Pedro II e da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de
Janeiro, membro da Academia Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro e sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa.
20
Cesare Lombroso nasceu em Verona no dia 6 de novembro de 1835 e faleceu em Turim
em 19 de outubro de 1909. Formou-se em medicina na Universidade de Pavia em 1858, e
no ano seguinte na Universidade de Gênova. Depois de formado, segue para Viena para
aperfeiçoar seus conhecimentos e lá se alinha ao pensamento positivista. Desde cedo de-
monstra interesse em estudos sobre a loucura, mas logo se volta para uma vertente mais
antropológica. Essas observações têm início em Pavia, num curso de psiquiatria. Daí lança
hipóteses acerca da influência do meio sobre a mente. Dirige o manicômio de Pádua de
1871 a 1876, ano em que assume a cadeira de Higiene e Medicina Legal da Universidade de
Turim. Nesse mesmo ano publica sua primeira obra sobre criminologia, onde já aparece a
influência da ‘frenologia’: O homem delinquente.
21
MINORITY REPORT. Dir. Steven Spielberg, com Tom Cruise, Estados Unidos, 2002.
22
COSTA, Hilton. A vida do senso comum: do racismo científico do pós-abolição ao dia a
dia contemporâneo. In: COSTA, Hilton; SILVA, Paulo Vinicius Baptista da. Notas de his-
tória e cultura afro-brasileiras. Ponta Grossa (PR): Ed. UEPG, 2007b.
23
Sobre o instituto de identificação parisiense há reflexão breve, mas interessante em
SCHWARCZ, 1993.
24
Raymundo Nina Rodrigues nasceu em 4 de dezembro de 1862 na cidade de Vargem
Resumo Abstract
O artigo tem como objetivo lançar um The article aims to cast a glance at the
olhar sobre a construção de uma nova construction of a new historiography
historiografia sobre a África, destacan- about Africa, highlighting the historical
do o movimento histórico que promo-
movement which promoted this process
veu o processo de construção desta his-
and the characteristics of this new histo-
toriografia e suas características. Visa
riography. It also seeks to recover and
também resgatar e caracterizar a produ-
ção histórica brasileira sobre o afro-bra- characterize the historical production of
sileiro. the African-Brazilian population.
Palavras-chave: história; historiografia Keywords: history; African historiogra-
africana; historiografia afro-brasileira. phy; African-Brazilian historiography.
A (des)construção da historiografia
da África pelos africanos
Os primeiros trabalhos sobre a história da África são tão antigos quanto o início
da história escrita. Os historiadores do velho mundo mediterrânico e os da civi-
lização islâmica medieval tomaram como quadro de referência o conjunto do
mundo conhecido, que compreendia uma considerável porção da África.1
Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada. No pre-
sente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus na África. O
resto são trevas... e as trevas não constituem tema de história. Compreendam-me
bem. Eu não nego que tenham existido homens mesmo em países obscuros e
séculos obscuros, nem que eles tenham tido uma vida política e uma cultura in-
teressantes para os sociólogos e os antropólogos; mas creio que a história é essen-
cialmente uma forma de movimento e mesmo de movimento intencional. Não se
trata simplesmente de uma fantasmagoria de formas e de costumes em transfor-
mação, de batalhas e de conquistas, de dinastias e de usurpações, de estruturas
sociais e de desintegração social.6
Por força disso, aspectos das sociedades e culturas africanas como práticas
agrárias, receitas de cozinha, medicamentos da farmacopeia, direitos consue-
tudinários, organizações políticas, produções artísticas, celebrações religiosas
e refinados códigos de etiqueta eram temáticas não cogitadas8 ou marginais,
vistas pelo contraponto de uma “compreensão econômico-social europeia (o
capitalismo); culturalista (modernidade, cultura greco-romana); religiosa
(judaico-cristã); racial (‘branca’), etc.” (Barbosa, 2008, p.48).
Numa espécie de movimento contrário, um grupo de intelectuais africa-
nos mobilizou esforços no sentido de reescrever a história africana:
nial e, mais longe ainda, nas primeiras tentativas de resistência ao jugo europeu.
Estes trabalhos sobre os movimentos de resistência e de protesto constituem uma
importante contribuição para corrigir os desvios da história colonial... (Curtin,
2010, p.44)
nortear uma nova escrita da história teve como eixo três pontos básicos – in-
terdisciplinaridade, perspectiva totalizante e história-problema e os movimen-
tos de libertação nacional na África –, passaram a impulsionar os estudos his-
tóricos, com a formulação de métodos de investigação e interpretação
histórica.
Dessa forma, a História da África passou a ser (re)escrita considerando o
africano como sujeito da sua própria história, agindo de forma decisiva nos
acontecimentos históricos. Além disso, a História Oral passou a ser utilizada
como suporte para construir uma nova interpretação da África, e a interdisci-
plinaridade tornou-se instrumento para estabelecer um diálogo com outras
áreas do conhecimento visando uma compreensão maior de determinados
aspectos, sobretudo materiais e culturais. Enfim, estabeleceu-se, entre 1950 e
1980, um processo de (des)construção da história da África pelos profissionais
africanos. O maior exemplo desse processo foi a participação de intelectuais
estrangeiros, principalmente africanos, num projeto com apoio e financiamen-
to da Unesco que visava produzir uma nova história da África.
Com efeito, construiu-se uma crítica sobre essa ideia acerca dos territórios
da Diáspora. Estes passaram a ter papel decisivo “na formação de novas me-
mórias, saberes e fazeres no Mundo Atlântico” (ibidem, p.365). A obra de Luiz
Felipe de Alencastro, O trato dos viventes: a formação do Brasil no Atlântico
Sul, publicado também pela Companhia das Letras em 2001, constitui exemplo
interessante dessa nova perspectiva.
Os dois debates atuais no campo da historiografia africana destacados
neste artigo (Tráfico negreiro e Territórios da Diáspora) apenas mencionam
o enriquecimento e as possibilidades presentes nesse campo de estudos.
Considerações finais
minar, para o conjunto da sua população, num curto espaço de tempo, uma
gama de conhecimentos multidisciplinares sobre o mundo africano”.28
Sabe-se que o povo afrodescendente há séculos vem sofrendo preconcei-
tos no interior de nossa sociedade. Parafraseando Laureano, “somente o co-
nhecimento da história e uma compreensão de sua cultura vão encaminhar a
nossa sociedade para o rompimento com práticas preconceituosas e discrimi-
natórias”.29
NOTAS
1
FAGE, J. D. A evolução da historiografia da África. In: UNESCO. História Geral da Áfri-
ca, I: Metodologia e pré-história da África. 2.ed. Brasília, 2010. p.1.
2
SAID, E. W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
3
Olhos no sentido de observação e percepção da África a partir de uma ideologia e de um
discurso tendo como base os parâmetros europeus...
4
HOBSBAWM, E. A era do capital (1848-1975). 13.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
5
OLIVA, A. R. A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na
literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, n.3, 2003. p.436.
6
TREVOR-HOPER citado em FAGE, 2010, p.8-9.
7
BARBOSA, Muryatan Santana. Eurocentrismo, História e História da África. Revista
Sankofa, n.1, jun. 2008. p.47.
8
HAMA, B.; KI-ZERBO, J. A evolução da historiografia da África. In: UNESCO. História
Geral da África. I: Metodologia e pré-história da África. 2.ed. Brasília, 2010.
9
CURTIN, P. D. Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à
história em geral. In: UNESCO. História Geral da África. I: Metodologia e pré-história da
África. 2.ed. Brasília, 2010. p.43.
10
PEREIRA, Amauri Mendes. Por que estudar História da África. Grupo de Estudos Afro-
-brasileiros e Educação, Rio de Janeiro: Uerj, n.21, s.d. p.7.
11
Na página do domínio público encontram-se os oito volumes.
12
AZEVEDO, Amailton Magno. África, Diáspora e o Mundo Atlântico na Modernidade:
perspectivas historiográficas. Caderno de Pesquisa Histórica, Uberlândia (MG), v.23, n.2,
jul.-dez. 2010. p.363.
13
RODRIGUES, N. Os africanos no Brasil. São Paulo: Madras, 2008.
14
MAMIGONIAN, B. G. África no Brasil: mapa de uma área em expansão. Revista de His-
tória da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n.9, v.5, 2004. p.34.
15
ZAMPARONI, V. Estudos africanos no Brasil: Veredas. Revista de Educação Pública,
v.4, n.5, 1995.
16
LEITE, M. D. O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia. 4.ed. São Paulo:
Pioneira, 1983.
17
FREYRE, G. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Record, 1998.
18
Cabe destacar que Freire, ao observar aspectos relacionados ao espaço da escravidão
doméstica, acabou estendendo esses aspectos ao âmbito do escravismo colonial, dando a
ele uma conotação menos dura.
19
RAMOS, A. O Negro Brasileiro. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1940.
20
CARNEIRO, E. Antologia do Negro Brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1950.
21
VIANA FILHO, L. O Negro na Bahia. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1946.
22
Entrevista concedida por Waldir Freitas Oliveira. Estudos Avançados, São Paulo, v.50,
n.18, 2004. p.128.
23
PRADO JÚNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1945.
24
FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. v.1. 3.ed. São Paulo: Áti-
ca, 1978.
25
IANNI, O. Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
26
Os estudiosos da chamada escola histórico-sociológica paulista (1960-1970) encaminha-
ram seus estudos no sentido de afirmar a completa anomia social a que a escravidão acaba-
va reduzindo o africano. Ver VAINFAS, Ronaldo. Colonização, miscigenação e questão
racial: notas sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira. Revista Tempo, Universi-
dade Federal Fluminense, n.8, ago. 1999. p.9.
27
RODRIGUES, J. H. Brasil e África – outro horizonte. Rio de Janeiro: Civilização Brasilei-
ra, 1961.
28
WEDDERBURN, Carlos Moore. Novas Bases para o ensino da História da África no
Brasil. In: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabeti-
zação e Diversidade. Educação Anti-Racista: caminhos abertos pela Lei Federal
10.639/2003. Brasília, 2005. p.4.
29
LAUREANO, M. A. O Ensino de História da África. Ciência e Letras, Porto Alegre, n.44,
2008. p.343.
Resumo Abstract
O texto relata os resultados de uma pes- The text is the report of the results of a
quisa sobre cibercultura e as possibilida- research about cyberculture and the
des de sua utilização pedagógica. Além possibilities of its pedagogic use. Be-
disso, descreve os esforços de constru- sides, it describes the efforts of con-
ção de um instrumento metodológico struction of a methodological instru-
de pesquisa acadêmica utilizando o es- ment of academic research using the
paço cibernético como principal fonte cybernetic space as main source of in-
de informações. formation.
Palavras-chave: cibercultura; pesquisa Keywords: cyberculture; academic re-
acadêmica; representação docente. search; educational representation.
Fica evidente que deixou de fazer sentido falar do computador como se fosse
uma referência totalizável em si. Entenda-se bem: o computador isolado já se
tornou um objeto obsoleto. Hoje o computador só faz sentido como nó de acesso
a essa vasta redificação planetária. E como tal passou a ser entendido pela quase
totalidade de seus usuários. Essa imersão nas redes digitais passou a ser uma ex-
periência concreta até mesmo das crianças, que têm acesso a um computador li-
gado à rede mundial de computadores. O computador isolado deixou pratica-
mente de existir e, com sua desaparição, desapareceram muitos aspectos da
anterior experiência do aprender.5
1. Comunidades virtuais
2. Cidades digitais
3. Poesia digital
que circula nos computadores (discos rígido e flexível), nos CD-ROMs e nos sites
da internet. Essa poesia pode ser chamada de poesia experimental, nova poesia
visual, poesia digital, poesia internética ou nova poesia das mídias e, de certa
forma, ela se constitui num gênero, o gênero da poesia digital, como um dos
muitos gêneros de poesia existentes (poesia verbal, visual, sonora etc.).20
4. Webart
das redes, sobre o princípio de que qualquer um é livre para divulgar sua men-
sagem.
Com base nessa classificação e na percepção de que a cultura das comu-
nidades virtuais tem um potencial pedagógico ainda por ser explorado, algu-
mas categorias importantes vêm à tona. Destacam-se os conceitos de ‘comu-
nidades aprendentes’, ‘inteligência coletiva’ e ‘ecologia cognitiva’.
A ideia básica que se pode apreender da articulação desses conceitos é que
as ‘comunidades virtuais’, enquanto coletivos interconectados para fins peda-
gógicos, podem aspirar a se tornarem ‘comunidades aprendentes’ que desen-
volvam uma ‘inteligência coletiva’ a partir do compartilhamento de uma rica
‘ecologia cognitiva’.
Na definição de Lévy (2000, p.28), inteligência coletiva “é uma inteligên-
cia distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em
tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências”. O
objetivo da inteligência coletiva seria, então, o ‘enriquecimento mútuo’ das
pessoas que partilham a mesma comunidade virtual aprendente.
Para conceituar ‘ecologia cognitiva’, Lévy argumenta:
A principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conheci-
mentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competên-
cia deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento. O
professor torna-se um animador da inteligência coletiva dos grupos que estão a
seu encargo. Sua atividade será centrada no acompanhamento e na gestão das
Considerações finais
Anexo
A INTEGRAÇÃO DO CIBERESPAÇO NA PRÁXIS DOS PROFESSORES DE HUMANIDADES
FORMULÁRIO DE AVALIAÇÃO DE WEBSITES / TEMA DA PESQUISA: CIBERCULTURA
10. URL
11. Autor(es)
(Responsável)
Pessoal ________________________________________________________________
Institucional ___________________________________________________________
Não Identificado.
12. Validação: Baixa Média Elevada.
(Confiabilidade da Informação)
FASE PARCIAL
13. Sinopse
14. Características/Curiosidades
NOTAS
1
As manifestações da cibercultura abrangem várias subculturas, desde videogames, webart,
música, fotografia, filmes, universo hacker, tecnologias de ponta, poesia digital e ciberjor-
nalismo, passando pelas comunidades virtuais e práticas sociais online, tais como chats,
weblogs, fotologs, webcams, listas, newsgroups ou fóruns. Abrange também o cibersexo, o
imaginário cyberpunk e até as FlashMobs, as manifestações-relâmpago, combinadas e di-
vulgadas no ciberespaço por pessoas, a maioria desconhecidas, para se reunirem em locais
públicos e dispersarem-se logo em seguida sem uma causa definida. De um modo geral
fala-se de ciberarte, ciberliteratura, ciberciência, cibercidadania, cibersociologia, ciberpsi-
cologia, cibergeografia e cibersociedades, e até a criação de cidades digitais também é con-
siderada um subproduto desta nova expressão cultural.
2
Um estudo introdutório sobre essas questões pode ser encontrado em: PALACIOS, Mar-
cos. A internet como ambiente de pesquisa: problemas de validação e normalização de
documentos online. Revista da FAEEBA, Faculdade de Educação do Estado da Bahia, Sal-
vador, n.6, jul.-dez. 1996.
3
SCHOLAR.GOOGLE. Disponível em: scholar.google.com.br/intl/pt-BR/scholar/about.
html; Acesso em: 2 jun. 2006.
4
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultu-
ra. São Paulo: Paulus, 2003. p.20.
5
ASSMANN, H. Redes digitais e metamorfose do aprender. Petrópolis (RJ): Vozes, 2005.
p.9.
6
Um texto de fácil acesso, que apresenta a lógica de funcionamento do Google, foi publi-
cado pela revista SuperInteressante (n.201, jun. 2004), intitulado: “O Mundo Google”.
Também já é possível encontrar nas livrarias mais de uma dezena de títulos de obras que
abordam diferentes aspectos dessa ferramenta de busca. O próprio website do mecanismo
de busca disponibiliza algumas informações básicas sobre seu funcionamento e dicas de
operacionalização: www.google.com.br/intl/pt-BR/about.html.
7
A revista SuperInteressante (jun. 2004) comparou o funcionamento do Google ao do
mundo acadêmico, onde a importância de uma publicação é aferida pelo número de cita-
ções que ela recebe em outras obras do meio universitário.
8
GOOGLE. Disponível em: www.google.com.br/intl/pt_BR//why_use.html; Acesso em: 4
jun. 2006.
9
GALIMBERTI, Carlo; GATTI, Fabiana. Nova mídia e família. In: PELUSO, Ângelo
(Org.) Informática e afetividade. Bauru (SP): Edusc, 1998.
10
TURKLE, Sherry. A vida no ecrã: a identidade na era da internet. Lisboa: Relógio D’água,
1997.
11
RHEINGOLD, Howard. The virtual community. Disponível em: www.rheingold.com/
vc/book/; Acesso em: 4 jun. 2006.
12
CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a
sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p.108.
13
WELLMAN, Barry; GULIA, Milena. Comunidades virtuais como comunidades: os sur-
fistas da rede não viajam sozinhos. Disponível em: members.fortunecity.com/cibercultura/
vol6/comucomo.html; Acesso em: 5 mar. 2005.
14
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3.ed. São
Paulo: Loyola, 2000.
15
www.amsterdam.nl/asp/get.asp?ItmIdt=00000494&SitIdt=00000005&VarIdt=00000002.
16
www.comune.bologna.it/.
17
www.aveiro-digital.pt/.
18
ZANCHETI, 2004, citado em DA SILVA, Michele Tancman Candido. A (ciber)geografia
das cidades digitais. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografia y Ciências Sociales, Bar-
celona: Universidad de Barcelona, v.VIII, n.170 (36), 1 ago. 2004. [ISSN:1138-9788]. Dis-
ponível em: www.ub.es/geocrit/sn/sn-170-36.htm; Acesso em: 30 nov. 2004.
19
www.redegoverno.gov.br/.
20
ANTONIO, Jorge Luiz. O gênero poesia digital. Symposium, ano 5, n.1, jan.-jun. 2001.
p.65.
21
www.ekac.org./index.html.
22
www.capparelli.com.br.
23
www.pucsp.br/pos/cos/epe/mostra/; www.ociocriativo.com.br/poesiadigital/epoesia/;
artecno.ucs.br/; www.cce.ufsc.br/nupill/; www.lucialeao.pro.br/.
24
www.aulablog.com/.
25
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. p.27.
26
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informá-
tica. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1993. p.10-11.
Resumo Abstract
O artigo traça um perfil das propostas The article presents a profile of curricu-
curriculares produzidas entre 2007 e lar proposals produced between 2007
2011, por 18 estados da Federação, des- and 2011 by 18 states of Brazil, for the
tinadas aos anos finais do ensino funda- final years of primary education. The
mental. O texto é um dos resultados da text is one of the results of a research
pesquisa empreendida nos últimos três undertaken in the last three years by re-
anos por pesquisadores das universida- searchers at the federal universities of
des federais do Rio Grande do Norte e Rio Grande do Norte and Sergipe,
de Sergipe, que prioriza o exame das ex- which prioritizes the review of learning
pectativas de aprendizagem histórica expectations in terms of historical pur-
em termos de finalidades, quantidades, poses, amounts, distribution, skills,
distribuição, habilidades, conhecimen- knowledge and levels of incorporation
tos e níveis de incorporação da pesquisa of cutting edge research. The goal is to
de ponta. O objetivo é fornecer subsí- provide subsidies for knowledge and
dios para o conhecimento e a discussão discussion of public policy and point
sobre políticas públicas e apontar a out the opportunity to research issues
oportunidade de investigação de temáti- and problems few explored by the acad-
cas e problemas ainda pouco explorados emy.
pela academia. Keywords: History Teaching, Curricu-
Palavras-chave: ensino de história; cur- lum, Elementary school.
rículo; ensino fundamental.
dos os nomes de Paulo Freire e de Dermeval Saviani. Tais ideias são por demais
conhecidas da maioria dos profissionais: desenvolvimento humano em termos
de estágios, respeito aos saberes prévios, aluno como construtor de conheci-
mento, professor como mediador das situações de aprendizagem, pedagogia
das competências e dialogismo.
Novidade mesmo, afirmaríamos, foi o crescimento da produção acadê-
mica resultante da pesquisa básica sobre o ensino de história. Encontros na-
cionais, revistas, consolidação de grupos de investigação e formação de mestres
e doutores proporcionaram o acúmulo de grande experiência analítica (em-
bora de forma desequilibrada) sobre os aspectos que envolvem a aprendizagem
histórica em todas as etapas do ensino básico e até do nível superior. Quais os
desdobramentos dessa nova conjuntura para a formatação das propostas cur-
riculares elaboradas nos estados do Brasil no período 2007-2012? Que desafios
detectados no final da década de 1980 foram superados e que novos problemas
se busca enfrentar? Qual o perfil das expectativas de aprendizagem formuladas
na última década para os anos finais do ensino fundamental – ambiente privi-
legiado de formação de pré-adolescentes e adolescentes onde atua o profissio-
nal com formação inicial em história?
Este artigo retoma a discussão por nós levantada nos últimos três anos3
no sentido de produzir indicadores sobre a experiência brasileira em termos
de ensino de história, visando subsidiar políticas públicas, bem como chamar
a atenção dos pesquisadores para a importância do investimento na investiga-
ção sobre determinadas temáticas e problemas que fogem aos interesses de tal
ou tal estado, corrente historiográfica, pedagógica, ou seja, que refletem sobre
o ensino de história em escala nacional, frente a outros movimentos e expe-
riências internacionais.
Nos trabalhos de 2011, examinamos as prescrições de pesquisadores de
vários países sobre o ensino de história como também as expectativas de apren-
dizagem produzidas para os anos iniciais do ensino fundamental, no âmbito
de 12 capitais brasileiras. Aqui, dando continuidade à pesquisa, analisamos as
propostas curriculares produzidas para os anos finais do ensino fundamental,
entre os anos 2007 e 2012, em 18 estados da Federação.4 Nosso objetivo é es-
clarecer alguns pontos que consideramos fundamentais para o conhecimento
da realidade brasileira em termos de prescrições sobre o ensino de história. Os
indicadores que se seguem fornecem, portanto, a estrutura deste artigo: 1. o
devedora da nova história social alemã, que tem Rüsen como figura de proa.
No entanto, para a eleição dos ‘conteúdos estruturantes’ (relações de trabalho,
relações de poder e relações culturais), os autores das expectativas reivindicam
a contribuição de Eric Hobsbawm e Edward Thompson (trabalho), Norberto
Bobbio e Michel Foucault (poder), Raymond Williams, Roger Chartier e Car-
lo Ginzburg (cultura).
No que se refere às funções da disciplina escolar História, a situação se
inverte, uma vez que a maioria explicita essa informação fundamental para os
professores, sobretudo. Mesmo na ausência de explicitação da ideia de história-
-ciência, a maioria das propostas converge para quatro grandes finalidades: a
formação de identidades, a capacitação para a cidadania, a leitura crítica da
realidade e a compreensão dos procedimentos meta-históricos.
Assim, uma verdadeira vulgata, interligando identidade, cidadania, leitu-
ra da realidade e operação historiográfica, se instaura nas propostas. A forma-
ção da identidade surge como aquisição das noções e compreensão das iden-
tidades individuais/pessoais e coletivas (locais, nacionais, por exemplo). A
identidade também aparece na forma de sentimento de pertença, compreensão
de si e dos outros, e de percepção da condição do aluno como sujeito histórico.
Identidade oscila entre fundamentos e abordagens políticas, antropológicas e
historiográficas, mas que convergem para a ideia de formação cidadã.
A cidadania é requerida em termos de conhecimento dos princípios, com-
preensão e preparação para a ação (atuação). É também traduzida como luta
contra a exclusão social e em favor dos direitos fundamentais. Cidadania faz
par com a preparação do aluno para a vida em regime democrático, o desen-
volvimento da habilidade de fazer escolhas, agir e intervir no mundo que o
cerca. Aqui surge o terceiro e mais referido objetivo para o ensino de história:
a habilidade de ler o real.
A leitura da realidade, anunciada como leitura do mundo que cerca o
aluno, do presente ou da sociedade, atribui à disciplina escolar História a res-
ponsabilidade de desenvolver no/com o aluno as habilidades de observar, in-
terpretar, compreender e pensar.
O domínio dos conteúdos meta-históricos, por fim, complementa o leque
de finalidades expresso pela vulgata histórica. As justificativas implícitas, aqui,
parecem oscilar entre as orientações da psicologia do desenvolvimento – a
habilidade de identificar semelhanças e diferenças, continuidades e permanên-
50%
40%
30%
20%
10%
0%
AC AL AM BA CE ES GO MS MT MG PB PR PE RJ RS SP SE TO
-10%
80%
40%
30%
20%
10%
0%
AC AL ES GO MS MT MG PB PE RJ RS SP TO
40%
que
30%
abordam valores e atitudes, prevalecem as habilidades de baixa complexi-
dade
20%
cognitiva – lembrar e compreender –, indicando maior ênfase na aquisi-
ção
10% de informações em detrimento da resolução de situações-problema.
0% Este é o momento de retomar aquela indagação do tópico anterior, acer-
AC AL AM BA CE GO MS MT MG PB PR PE RJ RS SP SE TO
ca da menor frequênciaBreve
de objetivos
Conjuntural
‘específicos’
Longa
nas propostas do Espírito
Longuíssima
Santo, Mato Grosso e Paraíba e indicar que se trata de uma ressignificação dos
conteúdos históricos e não, propriamente, de uma redução do espaço da his-
tória no currículo. Os valores e as atitudes, cidadãos em sua maioria, seriam
absorvidos como tarefas da disciplina, tão importantes quanto a compreensão
de acontecimentos do passado próximo ou distante.
No entanto, independentemente do desempenho desses e de outros esta-
dos, como demonstra o Gráfico 2, valores, atitudes e habilidades linguísticas
representam aproximadamente 6% do total de expectativas no Brasil. Caso
quiséssemos estabelecer um paralelo entre a tipologia empregada neste artigo
e as possíveis razões que fundamentam a introdução dos objetivos gerais,15
sobretudo aqueles que abordam valores e atitudes, poderíamos afirmar, com
convicção, que os princípios éticos, estéticos e de cidadania, seja na sua versão
a 20%
partir do emprego dessas mesmas habilidades (são os ‘fatos’ ou os ‘conteúdos
propriamente ditos’ da vulgata docente). Nomeamos os primeiros conteúdos
10%
como
0% meta-históricos,
AC AL AM BA
e osES
CE
últimos,
GO MS
como substantivos.
MT MG PB
ElesRJrepresentam,
PR PE RS SP SE
res-
TO
pectivamente, 11% e 79% do
-10%
total
6 anoo
das expectativas
7 ano 8 ano
o
prescritas.
9 anoo
16
o
80%
60%
40%
20%
0%
AC AL AM BA CE ES GO MS MT MG PB PR PE RJ RS SP SE TO
Substantivos Meta-históricos
Habilidades Conhecimentos
Identificar Acontecimento (o conceito e o
referente)
Analisar Anacronismo (o conceito e o
referente)
Utilizar Escalas (Cartografia)
Definir, reconhecer, reconhecer a História-ciência (o conceito e o
importância e compreender referente)
Discutir Conceitos históricos
Comparar Cronologias
Identificar Durações
Analisar, comparar, compreender, Fontes históricas
identificar, interpretar, ler, reconhecer,
reconhecer a importância (para a escrita da
história), utilizar, criticar e verificar
Reconhecer, diferenciar História conhecimento/história
processo (vida) e história/mito
Relacionar História individual e história
coletiva
Compreender Historicidade
Interpretar Fontes (imagens)
Comparar, interpretar, relacionar, buscar Informações em fontes históricas
Comparar, compreender Interpretações (versões) históricas
Compreender, relacionar Tempo (medidas de)
Identificar, coletar, discutir, comparar Memórias
Diferenciar Narrativa e mito
Diferenciar, comparar, compreender, Narrativas
produzir, utilizar
Desenvolver Noções de simultaneidade,
mudança, permanência, ruptura,
continuidade, descontinuidade e
transformações
continua
Habilidades Conhecimentos
Conhecer Noções de tempo, espaço, duração
e periodização, temporalidade e
historicidade
Estimular, projetar Pesquisa histórica
Refletir Tempo (presente/passado)
Desenvolver Procedimentos de observação,
descrição, registro, comparação,
análise e síntese
Problematizar, refletir Sujeito histórico (conceito)
Conhecer, identificar, compreender, Tempo
comparar representar (em linhas de
tempo), medir
Refletir Valor do ensino de história
Outra informação relevante, mas que esse quadro não pode fornecer, é a
frequência dos conhecimentos e das habilidades. De maneira geral (no soma-
tório de todas as propostas), os conteúdos privilegiados são: fonte histórica,
história-ciência e tempo. Esses três conceitos – isolados ou associados – pre-
enchem mais da metade dos objetivos e estão presentes, respectivamente, em
11, 13 e 9 propostas, contabilizando 47, 26 e 14 ocorrências.
Quanto às habilidades, dos 27 verbos listados no Quadro 1, compreender,
identificar, interpretar, comparar, conhecer e reconhecer concentram 50% das
expectativas relativas aos conteúdos meta-históricos. Essa concentração reve-
la um dado preocupante em relação aos procedimentos da pesquisa e da escri-
ta da história: é diminuta a presença de habilidades de maior complexidade
como analisar e diferenciar, e quase ausentes as iniciativas de avaliar (criticar/
julgar) e criar (hipóteses/generalizações/narrativas).
Habilidades* Conhecimentos*
Habilidades Conhecimentos
Compreender (7%), Acontecimentos – Abolição, abolicionismo, absolutismo, acordos
identificar (7%), (Conferência de Berlim, Congresso de Viena, Aliados, Eixo, Pacto de
relacionar (3%), Varsóvia), Anistia, bandeiras, barroco, belle époque, capitalismo,
caracterizar, capitanias hereditárias, caudilhismo, código de desmembramento,
analisar (3%), colônia, colonização (espanhola, europeia, francesa, inglesa, portuguesa),
refletir, ler, escrever, Coluna Prestes, Confederação dos Tamoios, conquista/domínio (sobre os
reconhecer (2%), territórios indígenas, do movimento Cartista, sertão, do campo sobre a
comparar, discutir, cidade, de Goiás, do Brasil, da América), Constituição de 1824,
conhecer, definir, contracultura, controle, propriedade/posse/uso da terra, coronelismo,
descrever, crise (de 1929, do século XIV), crescimento do Sudeste brasileiro,
problematizar (1%), cruzadas, democratização, depressão econômica, descobertas
avaliar, diferenciar, (tecnológicas, arqueológicas), descolonização, desemprego,
estimular, imaginar, desenvolvimentismo, despotismo esclarecido, Diretas Já, ditadura
localizar (tempo/ (militar, Vargas), domesticação de plantas e animais, divisão social do
espaço), promover, trabalho, dominação muçulmana, economia (do açúcar, café), emigração,
sintetizar, valorizar escravidão (antiga, moderna), centralização do poder, exclusão (social,
e verificar. econômica), êxodo rural, família real/corte no Brasil, Fascismo, festivais
gastronômicos (GO), feudalismo, FICA (GO), Frente Negra Brasileira,
fundamentalismo, globalização, Golpe Militar de 1964, governo (Jânio
continua
Habilidades Conhecimentos
Habilidades* Conhecimentos*
continuação
Habilidades* Conhecimentos*
* Os números relativos são extraídos da base de 1.118 objetivos que veiculam conteúdos substantivos.
Os conhecimentos destituídos de porcentagem alcançaram menos de 1% desse total.
Pré- Pré-
% Atemporal Antigo Medieval Moderno Contemporâneo
-histórico -colombiano
AC 60 2 3 1 3 20 9
AL 7 – – – – 4 89
AM 34 – – 9 3 18 36
BA 4 4 4 8 12 28 40
CE 6 2 2 2 1 18 70
ES 100 – – – – – –
GO 27 1 2 5 1 22 43
MS 16 6 1 18 1 12 46
MT 93 – – – – 3 5
MG 11 4 – – 2 18 65
PB 38 8 – 4 1 12 37
PR 77 – – – 4 11 7
PE 14 – 3 4 3 19 58
RJ 21 9 – 11 7 19 34
RS – – 2 3 3 27 65
SP 5 2 3 7 9 31 43
SE 6 6 3 6 10 11 59
TO 81 1 1 – 1 5 13
Mesmo entre aquelas propostas que dataram a maioria dos seus objetivos,
chamaram a nossa atenção as propostas centradas no contemporâneo (AL), e que
não explicitam a abordagem dos períodos pré-histórico (AM, PE, RS) e antigo
(MG). Isso reforça ainda mais a hipótese de que a compreensão sobre a relevân-
cia do contemporâneo – bastante significativa no início da década de 1930 –
cresceu ainda mais nos currículos, ampliando de 40%, na reforma Francisco
Campos,36 para 57% nas reformas locais da primeira década do século XXI.37
Caminho inverso têm tomado os períodos antigo e medieval, reduzidos,
respectivamente (e também em relação à reforma Francisco Campos) de 22%
e 13% para 3% e 6% nas atuais reformas. Os acontecimentos da pré-história
(considerada a experiência americana – aqui categorizada de pré-colombiana)
mantiveram sua representação no currículo. Outra mudança importante foi a
introdução dos conteúdos sem referências temporais.38
Saber a frequência com que aparecem os períodos em cada proposta é
importante, mas conhecer as formas de distribuí-los ao longo dos anos finais
do ensino fundamental é ainda mais esclarecedor. Para tanto, comparamos as
propostas aos dois perfis aqui citados: a distribuição total dos currículos no
Brasil de 2012 e a clássica distribuição dos períodos na reforma Francisco Cam-
pos. Examinando a distribuição das expectativas atemporais, percebemos pro-
postas que apresentam progressão decrescente (TO, PE, MG, GO) ou distribui-
ção equânime para todos os anos (AL, AM, ES, MT, PB). Outras estão mais
próximas das totalizações da reforma Campos (BA, CE, RJ, RS, SE), que apre-
senta (se não expectativas, mas) acontecimentos datados em sua totalidade.
Isso mesmo se pode dizer em relação ao contemporâneo. Das 18 propos-
tas, 12 apresentam expectativas em progressão crescente (AC, BA, CE, GO,
MS, MG, PB, PR, PE, SP, SE, TO), ou seja, quanto mais se avança para o último
ano do ensino fundamental, mais se propõe o contemporâneo como tema
para discussão. De igual maneira, em 12 das 18 propostas, o contemporâneo
ocupa todos os anos letivos (AC, AL, AM, CE, GO, MS, MG, PB, PE, SE, TO).
Esses números representam uma permanência em relação à reforma Campos,
uma vez que 8 das 12 propostas que têm o contemporâneo como majoritário
reservam o 9º ano para as expectativas referentes a esse período.39
Desse exame, concluímos que não há modelo(s) dominante(s). Não se
pode mais classificar os currículos prescritos de história como majoritariamen-
te estruturados no quadripartidarismo (antigo, medieval, moderno e contem-
porâneo).
20% Porém, é cedo para se afirmar que os currículos contemporâneos
integram os tempos e as temáticas de forma sofisticada, distante daquele mo-
delo
10%
inaugurado pela reforma Campos. Isso só é possível conhecer por meio
do exame da relação entre esses tempos, capturada mediante o diálogo das
0%
durações.AC AL ES GO MS MT MG PB PE RJ RS SP TO
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
AC AL AM BA CE GO MS MT MG PB PR PE RJ RS SP SE TO
rências), breve e longa (8), conjuntural e longa (9), longa e longuíssima (9), e
longuíssima e conjuntural (1).
No que diz respeito aos espaços de ação – cenários ou locus dos aconteci-
mentos – os dados indicam exígua vantagem do espaço nacional-brasileiro
(36%) sobre o transcontinental (33%), seguidos de longe pelos espaços global
(13%) e continental (11%). A tríade estadual (5%), regional (1%) e local/mu-
nicipal (0,4%) apresenta a mais baixa frequência nas expectativas.
A distribuição desses espaços nos anos finais é bastante variável, não ex-
plicitando, portanto, um padrão. O local/municipal como cenário está presen-
te, apenas, em uma proposta (GO), situado nos dois primeiros anos,43 enquan-
to o recorte estadual ocupa três ou mais de três anos em quatro propostas (GO,
MG, MS, TO) e um entre os dois anos finais em dois currículos (AC, TO).44
Conclusões
FONTES
Notas
1
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Propostas curriculares de História: continuida-
des e transformações. In: BARRETO, Elba Siqueira de Sá (Org.) Os currículos do ensino
fundamental para as escolas brasileiras. 2.ed. São Paulo: Fundação Carlos Chagas; Campi-
nas (SP): Ed. Associados, 2000. p.127-161. p.128.
2
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronald. Domínios da história: ensaios de teoria
e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p.27-43.
3
FREITAS, Itamar; OLIVEIRA, Margarida Maria Dias. Ensino de história nos currículos
de história de doze municípios brasileiros: um perfil das habilidades e dos conhecimentos
prescritos para a alfabetização histórica das crianças (2000/2010). Publicado em 27 mar.
2011. Disponível em: itamarfo.blogspot.com.br/2011/03/curriculos-de-historia-e-expecta-
tivas.html; FREITAS, Itamar. O que deve “saber” e “saber fazer” o profissional de História?
17
Afora esses casos, nenhuma proposta formula objetivos para todos os anos finais do en-
sino fundamental.
18
Suponhamos a Revolução Francesa como exemplo. Certamente, as propostas que a in-
cluem esperarão que os alunos apreendam o nome e os interesses dos sujeitos envolvidos,
as causas, etapas, limites, consequências e importância da Revolução Francesa para deter-
minado grupo, povo ou sociedade – não necessariamente contemplando todos os indica-
dores ou obedecendo a essa mesma ordem de exposição.
19
Para Paul Ricoeur, o acontecimento em História corresponde ao que Aristóteles chama-
va de mutação de sorte – metabolé – na sua teoria formal da armação da intriga. Um acon-
tecimento é o que não somente contribui para o desenvolvimento da intriga, mas dá a esta
a forma dramática de uma mudança de sorte (Cf. RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. São
Paulo: Papirus, 1994. v.1, p.320).
20
Não foi possível chegar a uma classificação em 1% dos objetivos.
21
Maneira pela qual as coisas se apresentam ou se desenvolvem (HOUAISS, Antonio. Di-
cionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 2.0. Rio de Janeiro: Instituto Antonio
Houaiss; Objetiva, 2007. 1 CD-ROM).
22
Os termos constituintes dessa e das próximas tabelas não esgotam o glossário das pro-
postas. As palavras foram agrupadas e codificadas dentro do seu campo semântico para
viabilizar a estatística, tanto dos conhecimentos (a exemplo de bases/estrutura/matrizes,
causas/fatores/razões, expansão/crescimento/evolução/desenvolvimento, importância/in-
fluência/significado/legado/contribuição/papel/valor) quanto das habilidades (representar
por desenho/desenhar, destacar o papel.../reconhecer, debater/discutir, distinguir/diferen-
ciar, elencar/listar, entre outras).
23
Pode parecer irrelevante essa sutil diferença. Mas, se mensurarmos as propostas esta-
duais de história ao longo do século XX, não será difícil concluir que migramos da expec-
tativa direta para o exame do entorno e do interior, o que significa dizer, em termos peda-
gógicos, que estamos, gradativamente, substituindo a pergunta “o que é?” – inspiradora da
memorização e da resposta ao pé da letra – para as questões “como é?” e “por que é?” – su-
gerindo, assim, a compreensão sobre o que se estuda. O mesmo se pode dizer em termos
de teoria da história. Estamos mudando da história dita factual para a história problema.
24
As pequenas variações de ordem de exposição, entre essa listagem e o descrito na Tabela
1, apenas confirmam a informação sobre a representatividade dessas habilidades, uma vez
que os primeiros números (as porcentagens da tabela) são relativos ao total de objetivos, e
os últimos (os algarismos entre parênteses) informam sobre a frequência das habilidades
no total de propostas. Cruzando as duas informações, entretanto, é fácil concluir pela dis-
tribuição equilibrada de tal grupo de expectativas nas propostas brasileiras.
25
Os números relativos são extraídos da base de 1.118 objetivos que veiculam conteúdos
substantivos. Os conhecimentos destituídos de porcentagem alcançaram menos de 1%
desse total.
26
O conjunto ‘refletir, ler e escrever’, como já alertamos, apresenta-se em destaque, mas
está concentrado na proposta de um estado, apenas: São Paulo.
27
Como nos respectivos exemplos: “1. “Reconhecer no capitalismo financeiro os aspectos
da concentração de capital pelas nações industrializadas e a expansão do capitalismo como
a origem da internacionalização do capital e dos entraves do protecionismo” (PE, 9º ano);
2. “Relacionar a crise do socialismo e do capitalismo, nova expansão capitalista (globaliza-
ção)” (PB, 9º ano).
28
Conforme os exemplos: 1. “Discutir o sertão como expressão de uma cultura” (GO, 7º
ano); 2. “Identificar e caracterizar as instituições nacionais e internacionais que lutam pela
garantia dos direitos dos cidadãos” (TO, 9º ano).
29
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. São Paulo: Papirus, 1997. v.3.
30
Na tabela a seguir, observem, isolamos os objetivos que abordam a experiência do Novo
Mundo, anterior à colonização europeia, sob a rubrica de período pré-colombiano. Não
queremos criar um novo período. É, apenas, um procedimento operatório para separar um
tipo de acontecimento paralelo à experiência europeia e asiática, mas que não se enquadra
na periodização quadripartite ou nas classificações que tomam por base os estágios tecno-
lógicos comumente usados nos estudos de pré-história. Tentamos tratar com os mesmos
critérios os acontecimentos relativos à história da África, mas a proposta mostrou-se invi-
ável, dada a generalidade (ausência de referências sobre tempo e espaço no continente)
com que os objetos abordam tal experiência.
31
Aqui entendido como os acontecimentos referentes ao período iniciado a partir da Re-
volução Francesa.
32
Números calculados sobre o total de expectativas datáveis, já que 32% (474) dos 1.380
objetivos são atemporais (sobretudo aqueles relacionados aos conteúdos meta-históri-
cos) ou genéricos (sem referências cronológicas, a exemplo das expectativas que abor-
dam valores).
33
Se somarmos os objetivos que tratam de povos pré-colombianos (2%) aos da classe de
pré-história, os acontecimentos relacionados ao período medieval aparentam representa-
ção ainda mais reduzida.
34
Do total de expectativas que explicitam habilidades (111 não as explicitam), 86% (1.094)
são constituídas por um verbo, 12% (155) por dois e 1% (17) por três verbos. Há, também,
dois casos com quatro verbos e apenas um com cinco. Neste trabalho, priorizamos o pri-
meiro verbo de cada expectativa.
35
Os conjuntos antiga/contemporânea, pré-colombiano/moderno, antiga/média, antiga/
moderna, média/contemporânea foram empregados, mas nenhum deles alcançou a fre-
quência de 1%.
36
A proposta Francisco Campos destinava-se ao nível secundário e estruturava-se em cin-
co anos. No entanto, o público do secundário, em termos de faixa etária, é o mesmo dos
anos finais do ensino fundamental (em média, a partir dos 10 anos de idade – na verdade,
tratava-se de um curso pós-primário). Além disso, o secundário foi substituído pelo curso
de primeiro grau (séries 5ª, 6ª, 7ª e 8ª), que, por sua vez, ganhou o nome de ensino funda-
mental (anos finais). O elemento definidor da reforma Campos como termo de compara-
ção, entretanto, está no seu caráter inaugural em termos de currículo: é a primeira propos-
ta oficial, declaradamente integrada (Brasil/América/Mundo), como também o é a maioria
das propostas contemporâneas.
Esse fato talvez seja explicado pelo crescimento, na ausência de melhor termo, vegetativo
37
49
“Relacionar o processo da abolição da escravidão nas áreas dos confederados com o pro-
cesso de abolição no Brasil” (PE, 9º ano).
50
“Compreender as lutas socialistas e de libertação nacional contra a exploração e o domí-
nio imperialista, bem como seus impactos na América Latina” (PB, 9º ano).
Prezad@s colegas,
1. Viagem virtual
Viagens virtuais podem ser uma das maneiras mais interessantes de le-
vantar informações sobre países e regiões. Em função do compromisso de
localizar o estudante no tempo e no espaço, esse recurso online pode utilizar a
ampla gama de possibilidades da Internet. Assim, será possível ensinar sobre
outros países e/ou regiões apresentando filmes (www.youtube.com/), imagens
de satélite e mapas (Google Earth e Google Maps), além de fotos, guias de
turismo online etc.
2. Museus virtuais
3. Educação e entretenimento
Alguns recursos podem congregar não apenas um, mas diversos expe-
dientes pedagógicos. São ambientes que possibilitam desde viagens virtuais até
atividades que mesclam entretenimento e educação. Nesta edição, gostaríamos
de indicar um deles:
Artehistoria: www.artehistoria.jcyl.es
Ambiente em espanhol, a página Arte Historia oferece diferentes
ferramentas para o ensino de História. O sítio não se limita a uma
época específica, aborda assuntos que passam da Antiguidade
Clássica a temas recentes. Reúne biografias, mapas, animações e
conexão com o YouTube, entre outras opções. Os muitos recursos
fazem do sítio uma alternativa interessante para se encontrar
exemplos de experiências que podem ser levadas adiante de modo
interdisciplinar.
Resumo Abstract
O objetivo do texto é refletir sobre a di- The aim of this paper is to discuss the
vulgação científica, o ensino de História popularization of science, history tea-
e as possibilidades que a internet oferece ching and the possibilities the Internet
offers in this field. At the same time, we
nesse campo. E, ao mesmo tempo, dis-
intend to discuss a specific experience:
cutir uma experiência específica, a ela-
the website “Detetives do Passado” [De-
boração do site “Detetives do Passado”,
tectives of the Past], dedicated to the te-
produzido pelas autoras e dedicado ao aching of history and produced by the
ensino de história. authors.
Palavras-chave: divulgação científica; Keywords: popularization of science;
ensino de História; internet. history teaching; internet.
Os historiadores e a internet
NOTAS
1
A expressão é do Secretário de Educação de Bill Clinton, dita em 1996, por ocasião da
implantação da ligação, por telefone fixo, das salas de aula da Califórnia com a internet.
Citada em BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à in-
ternet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.303.
2
A Universidade Aberta da Grã-Bretanha (Open University) formou sua primeira turma
em 1971. A expressão ‘sociedade de aprendizagem’, depois de ter sido utilizada pelo segun-
do reitor da nova universidade das Nações Unidas, foi usada no título de estudo produzido
pela Comunidade Europeia em 1995. BRIGGS; BURKE, 2006, p.307-308.
3
Ver, a respeito, GALLO, Silvio; RIVERO, Cléa Maria (Org.) A formação de professores
na sociedade do conhecimento. Bauru (SP): Edusc, 2004. Ver também o interessante, em-
bora um tanto ingênuo, vídeo sobre o impacto das novas tecnologias na educação, postado
por Bruno Leal na rede social Café Historia. Disponível em: cafehistoria.ning.com/
video/o-impacto-das-novas; Acesso em: 5 mar. 2012. Outra forma de acessar o vídeo é
pelo YouTube: www.youtube.com/watch?v=Uppyy6eRcBQ&feature=player_embedded;
Acesso em: 5 mar. 2012.
4
Ver, a respeito, FIGUEIREDO, Luciano. História e informática: o uso do computador. In:
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.) Domínios da História. Rio de Ja-
neiro: Campus, 1997. Para uma história da relação entre os historiadores e a internet, ver a
excelente dissertação de mestrado de DANTAS, Camila Guimarães. O passado em bits:
memórias e histórias na internet. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação
em Memória Social, UniRio. Rio de Janeiro, 2008.
5
DANTAS, 2008, p.50. Ver o projeto Digital History em: chnm.gmu.edu/digitalhis-
tory/; Acesso em: 5 mar. 2012.
6
A imagem também foi citada em DANTAS, 2008, p.49.
7
O Banco de Dados do Projeto Resgate pode ser acessado no Centro de Memória Digital
da Universidade de Brasília, em www.cmd.unb.br/resgate_index.php.
8
As atividades do LABHOI podem ser acessadas em www.historia.uff.br/labhoi/. Ver, por
exemplo, os projetos de digitalização desenvolvidos por Mariza de Carvalho Soares, como
“A escravidão africana nos arquivos eclesiásticos”. Disponível em: www.historia.uff.br/
curias/modules/tinyd0/; Acesso em: 5 mar. 2012.
9
Para acessar os projetos desenvolvidos por esses grupos de pesquisa ver, respectivamente,
www.unicamp.br/cecult/ e www.ceo.historia.uff.br/.
10
Ver, por exemplo, os projetos desenvolvidos pelo Arquivo Nacional (www.arquivona-
cional.gov.br) e pela Biblioteca Nacional (www.bn.br). A questão da relação entre a His-
tória e a preservação de documentos criados em suporte digital vem sendo desenvolvida
por Camila Guimarães Dantas em seu projeto de doutorado, no Programa de Pós-Gradu-
ação em Memória Social da UniRio.
11
O Arquivo Nacional possui um grande Projeto – “O Arquivo Nacional e a História Luso-
-Brasileira” – elaborado com base na documentação da instituição, referente aos séculos
XVI ao XIX, e voltado, ao mesmo tempo, para a difusão do acervo e para a sala de aula.
Disponível em: www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.
htm?sid=134; Acesso em: 5 mar. 2012. Ver também, para um exemplo na universidade, o
Projeto “Pesquisa e Produção de Material Didático para o Ensino de História do Brasil
Colonial e República”, coordenado pelos professores Luiz Carlos Villalta e Priscila Bran-
dão Antunes, da UFMG. Disponível em: www.fafich.ufmg.br/pae/; Acesso em: 5 mar.
2012. A ideia aqui não é, nem o espaço permite, a de um inventário dos diversos projetos
em andamento nas universidades e em outras instituições de pesquisa. Mas um inventário
desse tipo seria importante. Como exemplo de portal dedicado ao Ensino de História em
outros países, ver teachinghistory.org/, da George Mason University, Estados Unidos;
Acesso em: 5 mar. 2012.
12
Os dados podem ser verificados no site da Capes: www.capes.gov.br. Para os dados
sobre a área de História, ver diretamente: conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/Projet
oRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarIes&codigoArea=70500002&descricaoArea=CI%C
ANCIAS+HUMANAS+&descricaoAreaConhecimento=HIST%D3RIA&descricaoAreaAv
aliacao=HIST%D3RIA; Acesso em: 5 mar. 2012 (o site foi atualizado em 2 mar. 2012). Para
os dados sobre a área de Ensino, ver: conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRel
acaoCursosServlet?acao=pesquisarIes&codigoArea=90200000&descricaoArea=MULTIDI
SCIPLINAR+&descricaoAreaConhecimento=ENSINO&descricaoAreaAvaliacao=ENSI
NO; Acesso em: 5 mar. 2012.
13
Ver, para o ensino fundamental, o Guia de livros didáticos: PNLD 2011: História
(2010). Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Para o
ensino médio, o Guia de livros didáticos: PNLD 2012: História (2011). Os volu-
mes podem ser acessados em: www.fnde.gov.br/index.php/pnld-guia-do-livro-didati-
co; acesso em: 5 mar. 2012.
14
O Conselho Técnico-Científico da Educação Superior da Capes aprovou em 24 de agosto
de 2009 o Roteiro para Classificação de Livros, que serviu de orientação para a classificação
de livros com base na avaliação trienal de 2010. Disponível em: www.capes.gov.br/images/
stories/download/avaliacao/Roteiro_livros_Trienio2007_2009.pdf; Acesso em: 5 mar. 2012).
Por decisão da área de História, os livros didáticos elaborados por pesquisadores devem ser
considerados como ‘inserção social’, item de menor importância na avaliação dos programas
de pós-graduação. Os critérios adotados pela área de História estão no Relatório de Avaliação
2007-2009 – trienal 2010. Disponível em: trienal.capes.gov.br/wp-content/uploads/2010/12/
HIST%C3%93RIA-RELAT%C3%93RIO-DE-AVALIA%C3%87%C3%83O-FINAL-dez10.
pdf; Acesso em: 5 mar. 2012.
15
A Revista tem uma seção – “Sala de aula” – voltada especificamente para o ensino de
História. Disponível em: www.revistadehistoria.com.br/sala-de-aula; Acesso em: 5 mar.
2012.
16
Sobre o grupo Oficinas de História, suas atividades e sua produção acadêmica, ver: www.
oficinasdehistoria.com.br/; Acesso em: 5 mar. 2012. O projeto Caixa de História pode ser
conhecido em projetocaixadehistoria.blogspot.com/; Acesso em: 5 mar. 2012.
17
National Council on Public History. Disponível em: ncph.org/cms/; Acesso em: 5 mar.
2012.
18
Ver, a respeito, o artigo de Brent Staples, “Cutting and Pasting: a senior thesis”, publica-
do no New York Times em 12 jul. 2010. Disponível em: www.nytimes.com/2010/07/13/
opinion/13tue4.html?_r=1&src=me&ref=opinion; Acesso em: 8 set. 2010.
19
Neste sentido, são conhecidas as proposições de Gilberto Gil para a flexibilização da le-
gislação do direito autoral. Ver o artigo de Gil, “Por uma reforma da lei do direito autoral”,
publicado em O Globo em 11 nov. 2007. Disponível em: www.creativecommons.org.br/
index.php?option=com_content&task=view&id=90&Itemid=1; Acesso em: 5 mar. 2012.
Alguns professores vêm encontrando alternativas interessantes para lidar com o plágio
realizado pelos alunos na internet, principalmente da Wikipedia: ver, por exemplo, o pro-
jeto de atualização de verbetes da Wikipedia desenvolvido por Juliana Bastos Marques, do
Departamento de História da UniRio. Mais informações sobre o projeto podem ser encon-
tradas em: wikipedianauniversidade.blogspot.com/; Acesso em: 5 mar. 2012.
20
A página do Numem é historiaunirio.com.br/numem/index.php, e o endereço do
Projeto é www.historiaunirio.com.br/numem/detetivesdopassado/. Como o acesso à inter-
net ainda é difícil em muitas regiões e escolas, foi feita uma edição em CD-ROM, com o
mesmo conteúdo do site, para ser distribuída às escolas.
21
As oficinas tiveram como inspiração as webquests, atividades de ensino baseadas na web,
principalmente o site canadense Mystery Quests: www.mysteryquests.ca/indexen.html;
Acesso em: 5 mar. 2012.
22
GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: _______. Mitos, emble-
mas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.143-179.
23
SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1985. As referências completas dos documentos utilizados
nas oficinas podem ser encontradas no próprio site.
NOTAS
1
Originalmente uma tese de doutoramento defendida em 1987 na Universidade Livre de
Berlim, sob a orientação do professor Hagen Schulze. Desde 1988, um resumo da tese
orienta um sem-número de reflexões sobre o período: GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado.
Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto
de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, n.1, p.5-27, 1988.
2
Ambos assinam o belíssimo ensaio que apresenta a obra: KNAUSS, Paulo; CEZAR,
Temístocles. O historiador viajante: itinerário do Rio de Janeiro a Jerusalém (Prefácio). In:
Historiografia e Nação no Brasil: 1838-1857. Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 2011. p.7-21.
Acrescento ao rol elaborado por eles as seguintes obras: D’INCAO, M. A. História e ideal:
ensaios sobre Caio Prado Jr. São Paulo: Brasiliense; Ed. Unesp, 1989; SAMARA, Eni de
Mesquita; SOIHET, Rachel; MATOS, Maria Izilda S. de. Gênero em debate: trajetórias e
perspectivas na historiografia contemporânea. São Paulo: Educ, 1997; FREITAS, Marcos
Cézar de (Org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2001; SILVA,
Rogério Forastieri da. História da historiografia: capítulos para uma história das histórias
da historiografia. Bauru: Edusc, 2001; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira; GUIMARÃES,
Lúcia Maria Paschoal; GONÇALVES, Márcia de Almeida; GONTIJO, Rebeca. Estudos de
historiografia brasileira. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2011.
3
Sobre isso ver COELHO, Mauro Cezar. A história, o índio e o livro didático: apontamen-
tos para uma reflexão sobre o saber histórico escolar. In: ROCHA, Helenice Aparecida
Bastos; REZNIK, Luís; MAGALHÃES, Marcelo de Souza (Org.) A história na escola: auto-
res, livros e leituras. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009. p.263-280.
NOTAS
1
LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Trad. Cynthia Farina. Belo Ho-
rizonte: Autêntica, 2004. p.7.
2
GINZBURG, Carlo. História na Era Google. Fronteiras do Pensamento, 29 nov. 2010.
(Conferência). Disponível em: www.youtube.com/watch?feature=player_
embedded&v=wSSHNqAbd7E (Vídeo); Acesso: 22 mar. 2012.
3
Página da ‘enciclopédia’ em Português: pt.metapedia.org/wiki/P%C3%A1gina_principal;
Acesso em: 23 mar. 2012.
4
Cujo conteúdo hoje se encontra disponível em outro endereço: www.nuevorden.net/por-
tugues/valhalla88.html; Acesso em: 23 mar. 2012.
5
Termo cunhado pela imprensa mundial para nomear o escândalo gerado pelo site Wiki-
leaks ao divulgar centenas de documentos e telegramas ‘secretos’ de autoridades da diplo-
macia norte-americana sobre vários países.
6
Para uma apreciação mais detida dos problemas de ordem teórico-metodológica na rela-
ção entre história e internet, sob o ponto de vista da Historiografia Digital, ver: COHEN,
Daniel J.; ROSENZWEIG, Roy. Digital History: a guide to gathering, preserving, and pre-
senting the past on the web. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2006. Dispo-
nível em: chnm.gmu.edu/digitalhistory/; Acesso em: 22 mar. 2012; RAGAZZINI, Dario. La
storiografia digitale. Torino: UTET Libreria, 2004. Em língua portuguesa, ver: LUCCHESI,
Anita. Histórias no ciberespaço: viagens sem mapas, sem referências e sem paradeiros no
território incógnito da web. Cadernos do Tempo Presente, ISSN 2179-2143, n.6. Disponí-
vel em: www.getempo.org/revistaget.asp?id_edicao=32&id_materia=111; Acesso em: 23
mar. 2012.
7
ROLLAND, Denis. Internet e história do tempo presente: estratégia de memória e mito-
logias políticas. Revista Tempo, Rio de Janeiro, n.16, p.59-92. jan. 2004. p.2. Disponível em:
www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg16-4.pdf; Acesso em: 23 mar. 2012.
Livro: SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo. Tradução. Edição. Cida-
de: Editora, ano. nnnp.
Capítulo ou parte de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. In:
SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo. Tradução. Edição. Cidade: Edi-
tora, ano. p.xxx-yyy.
Texto obtido na internet: SOBRENOME, Nome. Título. Data (se houver). Disponível em:
www..........; Acesso em: dd mmm. ano.