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A CRIANÇA QUE A

PSICANÁLISE FREUDIANA
DESCORTINA: CONSIDERAÇÕES
1
Léia Priszkulnik

A criança, pelo menos a maioria das que temos hoje de criança não é um dado
vivem em sociedades industrializadas, tem atemporal. Pode-se dizer que é uma “in-
como principal ocupação a escola. O fato venção” da modernidade. Segundo o his-
de ela precisar freqüentar a escola, ser edu- toriador francês Philippe Ariès (1981), no
cada e se preparar gradualmente para a decorrer da História, a criança tem ocupa-
vida adulta aparece como “natural” e in- do diferentes posições ante as expectati-
questionável. vas dos pais e da sociedade.
Atualmente, a criança está no centro Tomando como ponto de partida a
dos estudos de várias áreas de conhecimen- sociedade medieval, Ariès (1981, p. 156)
to: não só a psicologia, mas também a me- afirma que nesse período, “assim que a
dicina, a biologia, a pedagogia, a psicaná- criança tinha condições de viver sem a so-
lise, a educação física, a história, a socio- licitude constante de sua mãe ou de sua
logia, entre outras, pesquisam e escrevem ama”, ela passava a fazer parte do grupo
sobre ela. Mas qual a idéia de criança que dos adultos, participando das mesmas ati-
permeia todos esses trabalhos? A criança vidades e freqüentando os mesmos espa-
como “um adulto em miniatura”, como ços. Não havia uma preocupação com a
“uma tábula rasa”, como “um ser inocen- educação escolar. A diferença e a passa-
te” ou como “um ser plenamente feliz”? gem entre o mundo da criança e o mundo
Essa criança que vem sendo estudada sem- do adulto não se constituíam em proble-
pre existiu? ma, já que a criança, independente da mãe,
O presente capítulo visa buscar algu- passava a integrar o grupo dos adultos, no
mas respostas a essas indagações, e, para qual fazia seu aprendizado para a vida.
isso, o caminho a ser trilhado passa por al- Conseqüentemente, a transmissão dos co-
guns aspectos considerados na história da nhecimentos prescindia de instituições
criança no Ocidente e nos escritos de Freud. especializadas e de textos escritos. Em re-
lação a isso, o autor escreve (Ariès, 1981,
p. 229):
A CRIANÇA NO OCIDENTE
Não havia lugar para a escola
nessa transmissão através da
Com o passar dos séculos, o conceito
aprendizagem direta de uma ge-
de criança e de infância modificou-se de ração a outra. [...] E a escola era
acordo com visões de mundo peculiares a na realidade uma exceção, e o
um determinado tempo e lugar. A idéia que fato de mais tarde ela ter-se es-
12 Dante De Rose Jr. e colaboradores

tendido a toda a sociedade não civilidade da linguagem” (Ariès, 1981, p.


justifica descrever por meio dela 135); e as relações e os contatos recomen-
a educação medieval; seria con- dados revelam a necessidade de se evitar
siderar a exceção como a regra. associá-la “a brincadeiras que giravam em
A regra comum a todos era a
aprendizagem direta. torno de temas sexuais” (Ariès, 1981, p.
129). Ou seja, as conversas e os contatos
Com o passar do tempo, a situação físicos associados a assuntos sexuais pas-
começa a se modificar e aparece a cons- sam a ser proibidos para não “corromper”
ciência de separar e distinguir a criança a criança em sua inocência.
do adulto. Ariès assinala que é entre os Ariès (1981, p. 164) aponta que os
educadores e os moralistas do século XVII, moralistas e os educadores do século XVII
preocupados com a disciplina e a raciona- mostravam-se também preocupados com
lidade dos costumes, que vemos formar- o cuidado corporal, mas o objetivo é mo-
se um outro sentimento da infância. Assim, ral: “um corpo mal-enrijecido inclinava à
“o apego à infância e à sua particularidade moleza, à preguiça, à concupiscência, a to-
[se exprime nesse momento] por meio do dos os vícios”.
interesse psicológico e da preocupação Por surgir a preocupação de separar
moral” (Ariès, 1981, p. 162). A criança pas- e distinguir a criança do adulto, os crité-
sa a ser vista como imperfeita e, com isso, rios usados para marcar a diferença em re-
surge a necessidade de conhecê-la melhor lação ao mundo dos adultos merecem ser
para poder corrigi-la e torná-la um adulto destacados. Como bem assinala Ariès
honrado. Vários textos do fim do século (1981, p. 181), a diferença começa “pelo
XVI e do século XVII incluem observações sentimento mais elementar de sua fraque-
sobre a psicologia infantil. A educação, za, que a rebaixava ao nível das camadas
então nos estabelecimentos de ensino, tor- sociais mais inferiores”, ou seja, começa
na-se um importante meio de formação pela humilhação; essa “preocupação em
moral e intelectual por meio de uma disci- humilhar a infância para distingui-la e
plina rígida, que adota o castigo corporal melhorá-la se atenuaria ao longo do sécu-
(até surras) quando necessário. A preocu- lo XVIII”. Também nesse século, o senti-
pação maior é, segundo Ariès (1981, p. mento de a criança ser uma frágil criatura
163), “fazer dessas crianças pessoas hon- de Deus que precisa, ao mesmo tempo, ser
radas e probas e homens racionais”. preservada e disciplinada passa para a vida
Com a crescente preocupação moral familiar. Além disso, surge também a pre-
e uma farta literatura moral e pedagógi- ocupação com o corpo que goza de boa
ca, uma nova noção se impõe, a da “ino- saúde, ou seja, com a higiene e a saúde
cência infantil”. Ariès (1981, p. 140) mos- física da criança. Para apontar o novo lu-
tra como a concepção moral da infância gar que a criança passa a ocupar na famí-
insistia na sua fraqueza, “associava sua fra- lia, Ariès (1981, p. 164) escreve:
queza à sua inocência, verdadeiro reflexo
Tudo o que se referia às crianças
da pureza divina, e colocava a educação
e à família tornara-se um assun-
na primeira fileira das obrigações huma- to sério e digno de atenção. Não
nas”. Assim, essa noção aparece para “pro- apenas o futuro da criança, mas
teger” a criança e, em conseqüência disso, também sua simples presença e
as leituras recomendadas “revelam uma existência eram dignas de preo-
nova preocupação com o pudor e um novo cupação – a criança havia assu-
cuidado em evitar afrontas à castidade e à mido um lugar central na família.
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 13
A partir do século XVIII, vários pensa- castigos corporais mais suaves. Com isso,
dores começam a chamar a atenção para a a importância moral e social da educação
infância. Segundo Martins (2008, p. 138), aumenta e a formação metódica da crian-
ça em instituições especializadas é adap-
[...] pensadores como Rousseau, tada às novas finalidades. A infância, en-
Madame d’Épinay e Pestalozzi tão, acaba sendo prolongada até quase
chamaram a atenção para a espe- toda a duração do ciclo escolar. Ariès
cificidade e as necessidades da
(1981, p. 233) assinala que “nossa civili-
infância, denunciando práticas e
métodos educativos inadequados zação moderna, de base escolar, [é] então
para a compreensão das crianças definitivamente estabelecida”.
e para o seu desenvolvimento fí-
sico, moral e intelectual. Esses au-
tores desenham uma nova ima-
gem da criança semelhante à se- A partir do século XVIII, a educação e a
mente de uma árvore, promessa saúde passam a ser as duas principais
de futuro, contanto que bem preocupações dos pais em relação aos
orientada e conduzida. As publi- filhos. A família passa a se organizar em
cações desses autores e o méto- torno da criança.
do educativo proposto por eles
encontraram guarida ainda no sé-
culo XVIII, mas foi no século se- Assim, a partir do século XVIII, Ariès
guinte que suas idéias foram apli- destaca que a educação e a saúde passam
cadas pelas escolas e principal-
a ser as duas principais preocupações dos
mente pelos pais, que começaram
a ver suas crianças de uma forma pais em relação aos filhos. A família passa
mais afetiva. a “se organizar em torno da criança e [er-
guer] entre ela e a sociedade o muro da
Uma das conseqüências dessa preo- vida privada” (Ariès, p. 278), aparecendo,
cupação com a educação da criança é a assim, a família moderna.
organização da escola nos moldes mais No final do século XIX, a ciência que
próximos da que prevalece atualmente, ou se desenvolve começa a mostrar uma crian-
seja, o início da separação dos alunos por ça mortalmente atingida pelas doenças
idade e em classes regulares; a correspon- infecciosas e vítima do regime escolar. A
dência entre idade e classe escolar torna- higiene infantil, então, inicia o combate à
se cada vez mais rigorosa nos anos subse- mortalidade, e os novos conhecimentos co-
qüentes, ou melhor, “a preocupação com meçam a questionar os princípios educa-
a idade se [torna] fundamental no século tivos. Inicia-se uma série de estudos e pes-
XIX e em nossos dias”, como afirma Ariès quisas tendo a criança como temática, ou
(1981, p. 166). seja, a criança passa a ser objeto específi-
No século XIX, novas concepções de co de estudo das várias áreas de conheci-
criança e de educação se consolidam. A mento. Outro fato importante é a institui-
infância encarada como fraqueza que ne- ção da escolaridade primária obrigatória,
cessita da humilhação para ser melhorada que é adotada, mais ou menos a partir de
cede lugar à idéia de a criança precisar ser 1890, nos países ocidentais atingidos pela
preparada para a vida adulta, preparação industrialização crescente.
que exige cuidados e uma formação com Vale a pena ressaltar que no Brasil essa
disciplina rigorosa e efetiva, sem as surras história tem alguns aspectos característicos.
de antigamente, mas ainda recorrendo a Como aponta Del Priore (1999, p. 10),
14 Dante De Rose Jr. e colaboradores

entre nós, tanto a escolarização ros trabalhos realizados sob o


quanto a emergência da vida pri- ponto de vista dos processos de
vada chegaram com grande atra- aprendizagem começam a flores-
so. Comparado aos países ociden- cer no século XX, com o estudo
tais, onde o capitalismo instalou- sistemático da criança, por meio
se no alvorecer da Idade Moder- de investigações acerca de seu de-
na, o Brasil, país pobre, apoiado senvolvimento, seu pensamento
inicialmente no antigo sistema e sua inteligência (Priszkulnik,
colonial e posteriormente em 1997, p. 134).
uma tardia industrialização, dei-
xou sobrar pouco espaço para tais
questões. Sem a presença de um
sistema econômico que exigisse Os primeiros trabalhos realizados sob o
a adequação física e mental dos ponto de vista dos processos de apren-
indivíduos a uma nova forma de dizagem começam a florescer no século
trabalho, os instrumentos que XX, com o estudo sistemático da crian-
permitiriam tal adaptação não ça, por meio de investigações acerca de
foram implementados com a mes- seu desenvolvimento, seu pensamento e
ma eficácia. sua inteligência.

Assim, no Brasil, a expansão da edu-


cação começa sobretudo a partir de 1930,
época em que também algumas condições Nesse período, final do século XIX e
estão concorrendo para a implantação início do século XX, Freud, com a psicaná-
definitiva do processo de industrialização lise, abre um campo de investigação antes
no país. desconhecido. Introduz a noção de incons-
Voltando à escolaridade obrigatória, ciente, abalando a confiança que a cultu-
com ela e com o funcionamento regular ra ocidental deposita na razão, e “desco-
das classes, surge um grupo de crianças bre” a sexualidade infantil, provocando
que se mostra com dificuldades acentua- também abalo na concepção que o ser hu-
das em acompanhar as exigências da esco- mano tem dele mesmo. A neuropsiquiatria
la. Essa nova categoria de criança, a crian- infantil começa a buscar uma semiologia
ça com problemas de leitura e de escrita, realmente característica da criança e dife-
desperta o interesse de profissionais como rente da do adulto. No campo da psicolo-
pedagogos, professores, psicólogos e até gia, os estudos sistemáticos sobre crian-
médicos, tanto que ças realmente florescem nas primeiras dé-
cadas do século XX. A partir de 1930, os
estudos científicos começam a enfocar os
as primeiras observações e des-
problemas e as inadaptações da, então,
crições sobre distúrbios de leitu-
ra e de escrita são realizadas por “criança escolar”.
médicos no final do século XIX. O século XX vai assistir à extraordi-
Conseqüentemente, as primeiras nária aceleração das descobertas científi-
teorias elaboradas se caracteri- cas e à utilização dos instrumentos tecno-
zam por um pensamento orga- lógicos decorrentes. Da máquina de escre-
nicista, em que as pesquisas de ver ao microcomputador, do telefone sem
alterações anatomofisiológicas, fio à internet, da penicilina ao Prozac®,
de fatores inatos e de herança
do raio X à tomografia computadorizada,
genética têm papel preponderan-
te, e por uma busca de classifica- etc. Todo esse conhecimento científico e
ção centrada na ordenação de seus efeitos tecnológicos “passaram a fa-
nosografias precisas. Os primei- zer parte das forças econômicas produti-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 15
vas da sociedade e trouxeram mudanças tes em periódicos científicos, em revistas
sociais de grande porte na divisão social semanais, em artigos de jornais, em repor-
do trabalho, na produção e na distribui- tagens na televisão e em sites na internet.
ção dos objetos, na forma de consumi-los” Esses especialistas, muitas vezes, indicam
(Chauí, 1996, p. 285). como tratar a criança, como falar com ela,
Como exemplo, pode-se citar o desen- como agir com ela, etc., e essas indicações,
volvimento de novos medicamentos. Essas frutos de pesquisas científicas, podem in-
novas drogas têm aparecido com uma ve- terferir de tal maneira no relacionamento
locidade espantosa e têm corroborado com entre adulto e criança que acabam levan-
a idéia de que qualquer sofrimento huma- do muitos pais a desconfiarem de sua com-
no pode e deve ser tratado, quase que ex- petência para educar um filho e muitos
clusivamente, pelo uso de um medicamen- professores a desconfiarem de sua com-
to apropriado. Essa situação tem alterado petência para ensinar um aluno.
a forma do ser humano (criança e adulto)
relacionar-se com seu corpo, com suas do-
res, com suas dificuldades, etc.
É importante ressaltar também o pa- Nesse final do século XX e início do sé-
pel da mídia em relação aos medicamen- culo XXI a educação, a saúde, o bem-
estar, as relações entre pais e filhos, etc.
tos. As novidades são lançadas pelos labo-
são assuntos constantes em periódicos
ratórios e pelos centros de pesquisas com científicos, em revistas semanais, em
muito alarde. Essas novidades prometem artigos de jornais, em reportagens na
curar a depressão, a impotência sexual, a televisão e em sites na internet.
obesidade, o pânico, o transtorno do défi-
cit de atenção, etc., e até problemas do
cotidiano de qualquer ser humano, como
a timidez ou a ansiedade. As informações Hoje, os espaços que a criança ocupa
são difundidas maciçamente e acabam sen- se ampliaram. Ela pode ser vista na esco-
do assimiladas, muitas vezes, sem qualquer la, na rua, no parque de diversão, mas tam-
crítica, terminando por influenciar o pú- bém em um programa de televisão, na pro-
blico em geral e membros de várias pro- paganda de um produto de consumo, em
fissões (inclusive a médica). Melman um desfile de moda, em um filme de cine-
(2008) salienta a excessiva utilização de ma. Nossa sociedade de consumo vem per-
psicotrópicos atualmente e como a hiperme- cebendo que a criança pode ser um bom
dicação “contém mais riscos do que van- consumidor e, também, um excelente
tagens”, principalmente para as crianças, agente para induzir o consumo. Por estar
sobretudo no que diz respeito ao uso pre- exposta à mídia, ela tem acesso aos anún-
coce, recomendado pelos laboratórios, de cios de produtos e, também, a informações
neurolépticos (inibidores das funções psi- que antes eram vedadas a ela (pedofilia,
comotoras). O autor ainda adverte para estupro, assassinato, sexualidade, etc.).
“as implicações nefastas tanto sobre o de- Atualmente, o ciclo escolar se esten-
senvolvimento quanto sobre o estado físi- de por vários anos, e a escola é o lugar
co da criança”. privilegiado para formar a criança e torná-
Nesse final do século XX e início do la um adulto preparado para enfrentar os
século XXI, pode-se afirmar que a criança desafios do novo milênio. Mas existem
se torna ainda mais o centro das atenções cada vez mais pais que, além da escola,
e das preocupações dos adultos. A educa- praticamente obrigam seus filhos a apren-
ção, a saúde, o bem-estar, as relações en- der uma segunda ou terceira língua, apren-
tre pais e filhos, etc. são assuntos constan- der computação, praticar algum esporte,
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o que faz com que algumas crianças te- Para Chauí (1996, p. 169), com a no-
nham o dia repleto de atividades. ção de inconsciente surge algo desconhe-
A história atual da criança, no Brasil cido – ou só indiretamente conhecido – pa-
e no mundo, tem evidenciado contradições ra a consciência, algo sobre o qual a cons-
relevantes. Como escreve Del Priore (1999, ciência nunca poderá refletir diretamente
p. 8): e que determina tudo que a consciência e
o sujeito sentem, falam, dizem e pensam.
Existe uma enorme distância en- Com a noção de inconsciente, Freud des-
tre o mundo infantil descrito pe- cobre “uma poderosa limitação às preten-
las organizações internacionais, sões da consciência para dominar e con-
pelas não-governamentais ou pe-
trolar a realidade e o conhecimento”.
las autoridades e aquele no qual
a criança encontra-se cotidiana- O inconsciente freudiano não deve
mente imersa. O mundo do qual ser pensado como o lugar da irracio-
a “criança deveria ser” ou “ter” nalidade em oposição à racionalidade da
é diferente daquele onde ela vi- consciência. Ele tem seus atributos e sua
ve, ou, no mais das vezes, sobre- lógica própria (lógica do inconsciente),
vive. O primeiro é feito de ex- que diferem marcadamente das leis da ati-
pressões como “a criança precisa”, vidade psíquica consciente (lógica do cons-
“ela deve”, “seria oportuno que”,
ciente). O inconsciente freudiano designa
“vamos nos engajar para que”,
etc., até o irônico “vamos torcer um sistema psíquico que possui um modo
para”. No segundo, as crianças próprio de funcionamento (processo pri-
são enfaticamente orientadas pa- mário, deslocamento e condensação) e
ra o trabalho, o ensino, o ades- opera segundo leis próprias (desconhece
tramento físico e moral, sobran- o tempo, a negação, a contradição). A
do-lhes pouco tempo para a ima- melhor maneira para se admitir a existên-
gem que normalmente se lhes cia do inconsciente é prestando atenção
está associada: aquela do riso e
nas suas formações. Nasio (1999, p. 33)
da brincadeira.
escreve de forma clara sobre isso.

As formações do inconsciente
O mundo do qual a “criança deveria ser” apresentam-se diante de nós
ou “ter” é diferente daquele onde ela como atos, falas ou imagens ines-
vive, ou, no mais das vezes, sobrevive. peradas, que surgem abrupta-
mente e transcendem nossas in-
tenções e nosso saber conscien-
te; esses atos podem ser condu-
tas corriqueiras, por exemplo, os
CONTRIBUIÇÕES DA atos falhos, os esquecimentos, os
PSICANÁLISE FREUDIANA sonhos, ou mesmo o aparecimen-
to repentino desta ou daquela
Freud, com a psicanálise, traz um idéia, ou a invenção improvisada
novo discurso sobre o ser humano, não de um poema ou de um conceito
como indivíduo (objeto da ciência), mas abstrato, ou ainda certas manifes-
marcado pelo inconsciente, por essa “ou- tações patológicas que fazem so-
frer, como os sintomas neuróticos
tra cena” ao mesmo tempo inquietante e ou psicóticos; (...) os produtos do
familiar, um ser humano passível de so- inconsciente são sempre atos sur-
nhar, amar, desejar, construir crenças, preendentes e enigmáticos para
odiar, culpar-se, etc. a consciência do sujeito.
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 17
Com a “descoberta” da sexualidade
infantil (perverso-polimorfa), Freud pro- Freud aponta para um sujeito que esca-
pa ao controle da educação.
voca uma enorme onda de protestos. Ele
mesmo se refere a isso, assinalando que

a infância era encarada como ino- O conceito de sexualidade, para


cente e isenta dos intensos dese- Freud, é bem específico. A sexualidade está
jos do sexo, e não se pensava que
separada de uma ligação estreita com os
a luta contra o demônio da sen-
sualidade começasse antes da agi- órgãos sexuais e o sexo genital, e é consi-
tada idade da puberdade; tais derada uma função corpórea mais abran-
atividades sexuais ocasionais, gente que visa basicamente ao prazer e que
conforme tinha sido impossível pode vir, ou não, a servir às finalidades de
desprezar nas crianças, eram pos- reprodução. Laplanche e Pontalis (1976,
tas de lado como indícios de de- p. 619), no verbete sobre sexualidade, re-
generescência ou de depravação sumem nitidamente o conceito.
prematura, ou como curiosa aber-
ração da natureza; poucos dos Na experiência e na teoria psica-
achados da Psicanálise tiveram nalíticas, sexualidade não desig-
tanta contestação universal ou na apenas as atividades e o pra-
despertaram tamanha explosão zer que dependem do funciona-
de indignação como a afirmativa mento do aparelho genital, mas
de que a função sexual se inicia toda uma série de excitações e de
no começo da vida e revela sua atividades presentes desde a in-
presença por importantes indí- fância que proporcionam um pra-
cios mesmo na infância (Freud, zer irredutível na satisfação de
1976, p. 46-47). uma necessidade fisiológica fun-
damental (respiração, fome, fun-
ção de excreção, etc.) e que se
A “descoberta” da sexualidade infan-
encontram a título de componen-
til, sem indícios de degenerescência ou de tes na chamada forma normal de
depravação prematura ou como curiosa amor sexual.
aberração da natureza, provoca, então,
protestos e espanto na sociedade conser- Assim, para a psicanálise, o ser hu-
vadora do final do século XIX, já que até mano não tem seu destino sexual garanti-
essa época a criança era vista como um do (p. ex., a heterossexualidade), pois ele
símbolo de pureza, um ser assexuado. As- depende das vicissitudes de sua própria
sim, para escândalo da comunidade cien- vida e de sua estruturação inconsciente,
tífica e da moralidade cristã-vitoriana de ou seja, o destino sexual humano não é
então, a sagrada associação entre a crian- igual para todos.
ça e a inocência fica abalada. Mais ainda, O conceito freudiano de sexualidade
ao propor uma criança dotada de uma se- questiona a noção de instinto sexual como
xualidade (perverso-polimorfa), Freud uma seqüência estereotipada de ações em
aponta para um sujeito que escapa ao con- que o objeto visado é mais rígido e mais
trole da educação, pois não é possível do- fixo (sentido biológico), e propõe a noção
mesticar as pulsões (pulsões de vida – de pulsão sexual, em que o objeto não é
pulsões sexuais e de autoconservação – e fixo, nem os fins são “naturais”, caracte-
pulsões de morte – tendem para a redu- rística da sexualidade humana. Com suas
ção completa das tensões). reflexões no campo da sexualidade infan-
18 Dante De Rose Jr. e colaboradores

til, Freud descobre o corpo erógeno: o cor- Esse autor, seguindo o espírito da obra
po representado investido sexualmente; o freudiana, mostra de forma enfática a im-
corpo representado originário, ou a ima- portância da linguagem para a constitui-
gem que se tem do corpo, marcado pela ção do sujeito humano, já que somos hu-
pulsão, “no qual as manifestações somáti- manos porque falamos. O inconsciente,
cas surgem articuladas à fantasmática do como formulado por Freud, revela-se na
sujeito e suas vicissitudes” (Cukiert; Prisz- fala, mesmo que o sujeito não queira e
kulnik, 2000, p. 57). além de seu conhecimento consciente, ou
Como conseqüência, a noção de cor- seja, a linguagem opera fora de nosso con-
po para a psicanálise tem uma espe- trole consciente. Para estudar o discurso
cificidade que merece ser mencionada, pois humano, já que o humano é um sujeito
difere da noção de corpo para a biologia. falante, Lacan (1985) recorre à lingüísti-
ca e ao signo lingüístico (esse signo com-
O corpo biológico é um corpo porta duas faces, o significado ou o con-
objetivado (objeto da ciência), ceito da palavra e o significante ou a ima-
um organismo, para ser estuda-
gem acústica do som material), reexamina
do em termos de suas funções
(digestão, respiração, etc.), do o campo da linguagem e centra esse cam-
funcionamento específico dos po sobre o conceito de significante. Pro-
vários órgãos e seus tecidos, do curando articular o inconsciente freudiano
funcionamento das células. O cor- e a linguagem, Lacan (1985, p. 139) afir-
po, para a Psicanálise, é um corpo ma que o inconsciente é “estruturado, tra-
tecido e marcado pela sexualida- mado, encadeado, tecido de linguagem; e
de e pela linguagem (Priszkulnik, não somente o significante desempenha ali
2000, p. 20).
um papel tão grande quanto o significa-
Freud, portanto, propõe uma nova do, mas ele desempenha ali o papel fun-
leitura da corporeidade, que acaba ofere- damental”.
cendo uma nova leitura da construção do Um significante pode produzir várias
sujeito humano. significações, ou seja, uma mesma imagem
A psicanálise freudiana enfatiza a pa- acústica pode querer dizer coisas diferentes
lavra e o poder da palavra. Freud (1976a, p. para sujeitos diferentes; posso querer di-
214) destaca isso quando escreve: zer uma palavra com determinada signifi-
cação, mas quando falo, falo sem saber e
Não desprezemos a palavra; afi- sempre mais do que sei (além do conheci-
nal de contas, ela é um instru- mento consciente); portanto, ao falar, pos-
mento poderoso; é o meio pelo so estar dando à palavra uma significação
qual transmitimos nossos senti- diferente daquela que realmente queria
mentos a outros, nosso método dar. Quem ouve pode dar à mesma pala-
de influenciar outras pessoas; as
vra uma outra significação, bem diferente
palavras podem fazer um bem
indizível e causar terríveis feridas. da minha, da qual também não tem co-
nhecimento. Essa situação também abala
A palavra nomeia, ordena, alivia, con- a ilusão do ser humano de saber perfeita-
sola, cura; chega a criar quando nomeia mente o que está falando, de ter certeza
algo. O poder da palavra e o fato de o su- que o outro está entendendo plenamente
jeito humano estar inserido na linguagem o que está sendo falado e de ter a convic-
e falar merecem, de Jacques Lacan, um ção de que é possível uma comunicação
nome de peso no universo psicanalítico, sem ambigüidades. A fala tem a caracte-
um desenvolvimento teórico considerável. rística de ser inevitavelmente ambígua.
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 19
Lacan, nas suas formulações, também inevitável, e é inevitável pelo fato de o ser
se refere ao corpo marcado pela lingua- humano pertencer a uma dada filiação, a
gem, o corpo que pode ser “tocado” por uma dada sociedade, a uma dada cultura.
meio da palavra. Essa idéia de a palavra Portanto, nasce inserida na linguagem e
poder “tocar” e modificar o corpo aparece em um determinado contexto familiar e
em Freud (1972, p. 297), em um texto em socioeconômico-cultural. Essa criança
que discorre sobre o tratamento psíquico. freudiana, que já existe antes mesmo do
nascimento biológico, persiste no adulto,
[...] um leigo sem dúvida achará porque o que Freud acentua é a importân-
difícil compreender de que forma cia das impressões nos primeiros anos de
os distúrbios patológicos do cor- vida para a compreensão dos distúrbios
po e da mente podem ser elimi-
futuros.
nados por “meras” palavras. Ele
achará que lhe estão pedindo que Se pensarmos na palavra criança, ela
acredite em mágica. também é uma criação da linguagem, e
vimos como essa noção se modifica no
decorrer da História, e como a noção de
A CRIANÇA PARA FREUD criança, nos dias atuais, está muito ligada
à “criança escolar”. Então, a criança freu-
Com esses parâmetros – inconscien- diana está aquém e além da criança estuda-
te, sexualidade, corpo, linguagem –, como da, por exemplo, pela biologia e também
pensar a criança na perspectiva de psica- está aquém e além da criança escolar.
nálise freudiana? Demora algum tempo para a criança
A criança que Freud (1976b, p. 139) ter acesso à sua própria fala, para dispor
descortina, portadora de sexualidade, “é de uma função simbólica própria. Mas isso
capaz da maior parte das manifestações não significa que não se possa conversar
psíquicas do amor, por exemplo, a ternura, com ela. Ela nasce inserida na linguagem
a dedicação e o ciúme”, vive conflitos e e, portanto, precisará aprender a falar; os
contradições. Ela é um sujeito desejante, adultos que não conversam com crianças
está submetida às leis da linguagem que a pequenas pela simples razão de acredi-
determinam, demandando amor e não só tarem que elas não entendem o sentido
os objetos que satisfaçam suas necessida- das palavras estão equivocados; é eviden-
des. Não é a criança “inocente”, aquele ser te que o vocabulário delas é mais reduzi-
em quem o “demônio da sensualidade” não do, entretanto, quando nos dirigimos a elas
provoca abalos, inquietações e perturbações. com palavras mais simples, não só enten-
A construção desse sujeito humano dem o que está sendo dito, como as pala-
criança começa antes mesmo de ela nas- vras dirigidas a elas adquirem um sentido
cer biologicamente. Antes de vir ao mun- “humanizador” (somos seres humanos por-
do, já é falada pelos outros, já é marcada que falamos). Resgatar a criança por meio
pelo desejo inconsciente dos pais e ocupa de sua fala possibilita separá-la das con-
um lugar no imaginário deles (esses pais cepções que os adultos possam estar fa-
têm as marcas de seus pais, estes últimos zendo dela.
têm as marcas dos respectivos pais, e as- A criança freudiana nasce com o cor-
sim sucessivamente); ela é esperada de po-organismo que passará pelas etapas de
determinado jeito, já representa algo para desenvolvimento e de maturação estuda-
ambos os pais em função da história de das pela biologia. Entretanto, irá cons-
cada um, já tem um lugar marcado simbo- truindo seu corpo de modo que seja teci-
licamente. Ao nascer, encontra essa trama do e marcado pela sexualidade e pela lin-
20 Dante De Rose Jr. e colaboradores

guagem (dependente das vicissitudes de esse fracasso pode ser até “saudável”, na
sua própria vida e de sua estruturação in- medida em que fracassar diante de um
consciente). Esse corpo, muitas vezes, não ideal inatingível é uma condição para se
coincide com o corpo-organismo e pode buscar um caminho próprio, para buscar
chegar a alterar seu funcionamento. usufruir suas características específicas e
Freud observa que o nascimento de singulares.
uma criança nunca corresponde exatamen- A psicanálise sublinha que idealizar
te ao que os pais esperam dela, pois o que o outro (criança, aluno, amigo, cônjuge,
eles esperam é a perfeição. Refere-se a isso etc.) é inevitável, uma vez que qualquer
escrevendo que os pais relação com o outro traz a marca do nar-
cisismo, faz parte da constituição do su-
acham-se sob a compulsão de atri- jeito humano, e ninguém se livra ou se
buir todas as perfeições ao filho “cura” dele.
[...] e de ocultar e esquecer todas Outro aspecto importante que mere-
as deficiências dele. [...] A crian-
ce ser enfatizado na relação entre a crian-
ça concretizará os sonhos doura-
dos que os pais jamais realizaram. ça e o adulto é a amnésia infantil. Freud
[...] O amor dos pais, tão como- se refere a essa questão, conhecida e ex-
vedor e no fundo tão infantil, nada plicada pela ciência como uma imaturida-
mais é senão o narcisismo dos pais de funcional da criança para registrar as
renascido, o qual, transformado suas impressões, apresentando uma expli-
em amor objetal, inequivocamen- cação específica. Laplanche e Pontalis
te, revela sua natureza anterior (1976, p. 52), no verbete amnésia infan-
(Freud, 1974, p. 108).
til, escrevem de maneira clara que é a
Assim, os pais sempre idealizam a
amnésia que geralmente cobre os
criança. Esperam que ela seja inteligente, fatos dos primeiros anos de vida.
educada, obediente, boa aluna, asseada, [Para Freud] ela resulta do recal-
ordeira, etc., enfim, uma supercriança que camento que incide na sexualida-
se transformará em um superadulto. Como de infantil e se estende à quase
é impossível para qualquer ser humano totalidade dos acontecimentos da
atingir a perfeição, quanto mais se espera infância. O campo abrangido pela
de uma criança, mais ela pode fracassar, e amnésia infantil encontraria o seu
limite temporal [por volta dos 5
ou 6 anos].

A amnésia infantil distancia o adulto


Os pais sempre idealizam a criança. Es-
da própria infância e é inevitável. É inevi-
peram que ela seja inteligente, educada,
obediente, boa aluna, asseada, ordeira, tável também que essa distância da pró-
etc., enfim, uma supercriança que se pria infância afaste o adulto da criança a
transformará em um superadulto. Como ponto de esta se tornar um enigma para
é impossível para qualquer ser humano ele. Assim, a psicanálise afirma que a crian-
atingir a perfeição, quanto mais se es- ça é sempre um enigma para o adulto
pera de uma criança, mais ela pode fra- (como o adulto também é um enigma para
cassar, e esse fracasso pode ser até “sau- a criança), pois a criança sempre interpe-
dável”, na medida em que fracassar di-
la o adulto (como o adulto também sem-
ante de um ideal inatingível é uma con-
dição para se buscar um caminho pró- pre interpela a criança). Muitas vezes, para
prio, para buscar usufruir suas caracte- encontrar soluções para lidar com a crian-
rísticas específicas e singulares. ça, o adulto busca respostas nos livros que
a descrevem, em experiências já conheci-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 21
das, etc., que podem trazer algum resul- res, pois esses são adultos e estão em po-
tado, mas, na maioria das vezes, acabam sição de educadores (os pais também es-
dificultando que ele perceba a criança (su- tão em posição de educadores, além de
jeito) na sua singularidade. Quanto mais provedores e protetores). O professor ide-
angústia a interpelação da criança provo- aliza a criança e espera que ela seja um
car, mais o adulto recorrerá a qualquer aluno inteligente, disciplinado, estudioso,
solução para conter essa angústia. Assim, obediente, etc. Ele também pode se sentir
aceitar que ela é sempre um enigma para interpelado pela criança e buscar respos-
o adulto significa reconhecer que a rela- tas prontas nas diversas teorias ou valer-
ção com a criança não está resguardada se de soluções preestabelecidas. Como pro-
de contradições, de choques e de confli- fissional que lida com a criança, sua con-
tos, e pode-se até tentar buscar conheci- cepção em relação a ela também pode in-
mentos, por exemplo, nas teorias, mas para fluenciar sua atitude diante dos adultos;
servirem de inspiração. se a criança é vista como um ser “menor”,
O pensamento do adulto sobre a ele pode assumir o papel de “defensor per-
criança implica necessariamente as con- pétuo da infância” e, dessa forma, hostili-
cepções e preconceitos dele em relação a zar e culpar os adultos responsáveis por
ela. Construir um ideal para a criança su- ela pelas dificuldades e sofrimentos que
põe obrigatoriamente construir um ideal ela apresenta; se a criança é vista como
para o adulto. Se existe a idéia da criança um ser “muito especial”, ele pode consi-
como um “adulto em miniatura”, o adulto derar que suas necessidades e seus dese-
é o padrão a ser atingido e, conseqüente- jos estão acima de tudo e que os adultos
mente, a criança pode ser vista como “infe- têm o dever de dedicar-se integralmente
rior” enquanto não atingir o padrão espe- a ela, mesmo em detrimento de suas pró-
rado. Se a criança é vista como uma “tábula prias vidas, o que também pode levá-lo a
rasa”, é vista como um “pedaço de barro” hostilizar e culpar os adultos responsáveis
(algo “menor”) que precisa ser moldado por ela por todas as dificuldades que ela
pelo adulto provedor e protetor. Assim, in- tenha. Essas duas situações evidenciam, de
dependentemente de como a criança é vis- novo, que determinada concepção de crian-
ta, existe o padrão de adulto a ser atingido. ça envolve, necessariamente, determina-
Dito de outra maneira, o adulto idealiza a da concepção de adulto.
criança sem perceber que também está Finalmente, podemos destacar que a
construindo um ideal para ele; pode ser um relação entre a criança e o adulto é mar-
ideal de pai ou de mãe, de professor(a), de cada por possibilidades e por impossibili-
trabalhador(a), de atleta, etc. dades. É possível, se o adulto procurar ul-
trapassar suas concepções e vencer seus
preconceitos, tentar enxergar a criança
“concreta” que está na sua frente, tentar
O adulto idealiza a criança sem perce- fazê-la falar em vez de só falar por ela e
ber que também está construindo um
para ela, tentar encará-la como ser huma-
ideal para ele; pode ser um ideal de pai
ou de mãe, de professor(a), de trabalha- no, com peculiaridades que não a tornem
dor(a), de atleta. “melhor” ou “pior” que ele. É impossível
porque nenhum ser humano consegue se
“curar” da amnésia infantil, porque ne-
nhum ser humano consegue anular suas
É importante ressaltar que muito do concepções e seus preconceitos e porque
que foi escrito até aqui em relação aos pais a comunicação entre os seres humanos é
aplica-se da mesma forma aos professo- marcada por ambigüidades.
22 Dante De Rose Jr. e colaboradores

CONSIDERAÇÕES FINAIS DEL PRIORE, M. Apresentação. In: DEL PRIORE, M.


(Org.). História das crianças no Brasil. São Paulo:
Contexto, 1999. p. 7-17.
A psicanálise, ao trazer um novo dis-
FREUD, S. A questão da análise leiga. In: –––––––––– .
curso sobre o ser humano, destaca que Edição standard brasileira das obras psicológicas com-
qualquer relação entre sujeitos implica pletas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
desentendimentos, choques entre idéias, 1976a. v. 20, p. 205-293.
sentimentos de amor e ódio, culpas, ter- –––––––––– . O esclarecimento sexual das crianças. In:
nura mútua, enfim, toda a vasta gama de –––––––––– . Edição standard brasileira das obras psico-
lógicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
emoções e afetos que existem em cada um Imago, 1976b. v. 9, p. 135-144.
de nós. Conseqüentemente, a relação en-
–––––––––– . Sobre o narcisismo: uma introdução. In:
tre sujeitos não ocorre sem tropeços, e es- –––––––––– . Edição standard brasileira das obras psico-
ses tropeços são inevitáveis por sermos su- lógicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
jeitos marcados pelo inconsciente (o in- Imago, 1974. v. 14, p. 85-119.
consciente freudiano), por nossas relações –––––––––– . Tratamento psíquico (ou mental). In: ––––––– .
Edição standard brasileira das obras psicológicas com-
serem mediadas pela linguagem.
pletas de Sigmund Freud. v.7. Rio de Janeiro: Imago,
Freud, pela amplitude e a audácia 1972. v. 7, p. 293-327.
de suas especulações, contestou e conti-
–––––––––– . Um estudo autobiográfico. In: –––––––––– .
nua contestando, por meio de sua obra, Edição standard brasileira das obras psicológicas com-
tabus sociais, culturais, religiosos e cien- pletas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
tíficos. Afinal, ele descortina uma concep- 1976c. v. 20, p. 13-92.
ção de criança muito peculiar, inclusive LACAN, J. O seminário. Rio de Janeiro: J. Zahar,
1985. Livro 3: As psicoses.
contestando a concepção de as crianças
LAPLANCHE, J.; PONTALIS J.-B. Vocabulário da psi-
viverem um período calmo e tranqüilo ao
canálise. 3. ed. Lisboa: Moraes, 1976.
enfatizar que elas também vivem confli-
MARTINS, A. P. V. Vamos criar seu filho: os médicos
tos e contradições diante de questões es- puericultores e a pedagogia materna no século XX.
senciais do ser humano em relação a si Hist. Ciênc. Saúde – Manguinhos, v. 15, n. 1, p. 135-
mesmas e aos grandes mistérios da vida 154, jan./mar. 2008.
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