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Lorena Holzmann

Oswaldo Baptista Duarte Filho


Reitor

Romeu Cardozo Rocha Filho


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Oswaldo Mário Serra Truzzí


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EdUFSCar - Editora da Universidade Federal de São Carlos


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Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
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dilemas da democracia

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Assistente em Administração

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* A produção da presente obra foi iniciada sob a gestão do Prof. Dr. Deonísio da Editora da UFSCar
Silva e concluída na atual gestão.
SÃO CARLOS
2001
2001, Lorena Holzmann

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS


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Joaquim Cardozo

No barulho das usinas/


Diagramação: Dígito Editoração Eletrônica e Soluções Editoriais Na sombra áspera e pálida que desce dos sheds,
Capa (criação e execução): Camilo Holzmann da Silva e Gustavo Duarte Um dia os homens desapareceram,
No entanto
Braços de ferro gesticulam enérgicos/
Bocas/ abertas, de fogo vociferam/
Ouvem-se vozes telegráficas de comando.

Ficha catalográfíca elaborada pelo DeFT da


Bibiioteca Comunitária da UFSCar Autômatos!

Os homens se encantaram,
Se enlearam, se perderam
Holzmann/ Lorena Nas formas e movimentos dos grandes maquinismos?
H762o Ou são as almas que trabalham,
Operários sem patrão : gfgestão cooperativa e dilemas Almas forçadas/ almas perdidas/ almas penadas?
da democracia / Lorena Holzmann. São Carlos : Oh! Com certeza os homens morreram

EdUFSCar, 2001 E às máquinas legaram


171 p. O sopro divino.

ISBN 85-85173-60-2

l. Cooperativas 2. Trabalhadores na indústria.


3. Movimento operário. I. Título

CDD - 334 (20a)


CDU - 334
A memória de
Elisabeth Souza Lobo
Apresentação - Paul Singer .......................................................................... 9

Introdução ............................................................................................. 13

Primeira Parte
Um breve Esboço da Tïajetória da Metalúrgica Wallig
l- Nascimento, Apogeu e Declínio de urna Grande Empresa................... 20

2- A Resistência dos Operários Gaúchos .................................................25

Segunda Parte
As Cooperativas; Uma Nova Forma de Gestão

l- Mudanças nas Condições Jurídicas dos TrabaIhadores-As saciados ..... 32


2- O Reinicio das Atividades ...................................................................42

3" A Construção de um Novo Cotídiano de Trabalho.............................. 53

Os coordenadores - a rejeição da autoridade ..................................... 53

A flexibilidade de horários ................................................................63

4- Fundadores e Novatos ....................................................................... 69

5- A Divisão das "Sobras" - Confronto entre Capital e Trabalho ............. 78

6- A Política de Remuneração.................................,............................... 91

7- O Dia-a-Dia na Fábrica.................................................................... 105

8- A Tomada de Decisões ..................................................................... "126

9- A Gestão das Cooperativas ..............................................................137

Conclusões ........................................................................................... 155

Epïïogo................................................................................................ 159

Bibliografia .......................................................................................... 165


Este estudo primoroso de Lorena Holzmann tem por base tese
de doutoramento, aprovada na Universidade de São Paulo, em 1992.
O seu objeto é a Indústria Wallig, que chegou a se cekbrizar como
fabricante do fogão a gás mais prestigioso do Brasil, e foi atingida
pela grande recessão de 198Ï-83. Mas, o seu fechamento enquanto
empresa capitalista não foi aceito pêlos operários, seu sindicato e a
própria opinião pública do Rio Grande do Sul. Os trabalhadores
formaram duas cooperativas - urna fundição e uma mecânica - e
após muita luta conseguiram alugar as instalações da massa falida
para prosseguir as operações da antiga empresa.
Esta epopéía, que ainda prossegue hoje/ foi na época algo inédito,
sendo sob todos os pontos de vista uma reinvençao. Na história do
capitalismo industrial/ eventos desta natureza são bastante antigos,
Marx se refere a eles em O Capital. Desde a primeira metade do
século XIX, trabalhadores desempregados ou ameaçados pelo desem-
prego aprenderam a se organizar em cooperações de produção,
frequentemente se apossando das instalações e máquinas da empresa
que antes os assalariava, para prosseguir na atividade mas agora na
condição de auto-empregados coletivo5. Mas/ esta experiência
histórica se perdeu da memória da classe durante os trinta anos 'dou-
rados/ após a 2 Guerra Mundial/ quando os países desenvolvidos
mantiveram suas economias em pleno emprego e países em
desenvolvimento (dos quais o Brasil foi neste período paradigmático)
incorporaram grande parte de suas populações urbanas no prole-
tariado industrial.
Enquanto Lorena Holzmann pesquisava a experiência de gestão
das Cooperativas Wallig, no começo da década dos 90, a abertura do rativa acabou sendo a alternativa adotada por exclusão das demais
mercado interno às importações/ combinada com recessões induzidas formas de organização empresarial sobretudo para evitar o pagamento
para (debalde) estabilizar os preços, lançavam o Brasil em sua maior de encargos trabalhistas. Aparentemente, o caráter democrático e
crise industrial. Empresas fechavam aos magotes/ milhões de postos igualitário do cooperativismo pouco pesou na decisão, o que não
de trabalho eram eliminados/ o desemprego em massa, inaugurado evitou, no entanto, que tão logo as cooperativas começaram a operar/
nos anos 80, atingia novos picos. Nestas condições/ muitos traba- os seus membros tirassem as consequências: aboliram a autoridade
Ihadores e seus sindicatos começaram a organizar cooperativas para dos mestres, convertidos em coordenadores, o relógio de ponto/ a
assumir a massa falida de seus ex-empregadores, o que acabou acar- divi5ão profissional do trabalho,
retando a fundação do que parece ser uma inovação institucional A terceira parte do livro expõe pormenorizadamente a experiên-
brasileira: a ANTEAG - Associação Nacional de Trabalhadores de cia da autogestão nas duas cooperafcivas, através de numerosas
Empresas de Auto Gestão e Participação Acionária. entrevistas com os protagonistas da mesma. O texto transmite o
Em 1996, a luta contra o desemprego e a exclusão social entusiasmo despertado pela descoberta da autonomia e da
mediante a criação de empresas autogeridas tornou-se tão signifi- solidariedade/ que a organização cooperativa imprime à atividade
cativa que passou a chamar a atenção de sefcores mais atentos da produtiva. Mias, não perde em momento algum a objetividade e o
opinião pública. Os primeiros seminários e encontros foram realizados senso crítico, ao examinar inúmeros aspectos em que estes valores se
e surgiu naturalmente o interesse em conhecer melhor a natureza/ a perdem/ seja porque as direções não permitem tornar transparentes
amplitude e a variedade das experiências de economia solidária que suas decisões (particularmente o valor das retiradas mensais)/ seja
um pouco por toda parte estavam se multiplicando pelo Brasil afora. porque muitos trabalhadores se sentem inibidos como oradores/ prefe-
No ano seguinte, por iniciativa de estudantes de economia, iniciamos rindo participar das assembleia por via indireta/ através de colegas
um seminário sobre a temática na USE Algumas estudantes de ciências com mais instrução, que dominam melhor o idioma.
sociais aderiram a esta atividade e localizaram, na biblioteca da Facul- Ë difícil exceder-se nos elogios a este texto. Lorena Holzmann
dade de Filosofia e Ciências Humanas/ um exemplar da tese de Lorena desvenda com delicadeza e sagacidade o relacionamento humano entre
Holzmann/ intitulada sugestivamente Operários sem patrões. Tão os trabalhadores, que pela primeira vez na vida trabalham sem
logo tomamos conhecimento de seu teor decidimos estudá-la mmu- patrões. O leitor acompanha o dia a dia na fábrica e na fundição,
ciosamente no referido seminário, para alcançar pela primeira vez assiste os conflitos que opõem veteranos a novatos, dirigentes eleitos
um conhecimento aprofundado da economia solidária em sua prática das cooperativas aos que os elegeram, trabalhadores empenhados a
contemporânea. colegas que abandonam o serviço e o negligenciam. Assiste o desen-
rolar de greve em uma das cooperativas/ destituição e substituição
O leitor deste livro terá a oportunidade de acompanhar de perto de diretoria. E terá a oportunidade única de apreciar os efeitos da
a história da Indústria WaIIig/ desde a sua fundação no começo do aplicação dos princípios de Rochedale, a desalienação do trabalhador
século até as peripécias, no ocaso do 'Milagre Económico', que culmi- e as consequências da sua aplicação defeituosa e incompleta.
naram em sua falência. As lutas e manobras financeiras, jurídicas e Este livro está destinado a se tornar um clássico da literatura
políticas para impedir que a empresa e os empregos que ela sustentava brasileira sobre economia solidária. Depois dele outras teses foram
simplesmente desaparecessem são relatadas com rigor e atenção para completadas, dedicadas a estudar outras experiências autogestionárias
o detalhe revelador das forças em presença, tanto os trabalhadores/ em diferentes partes do Brasil. Nenhuma delas, até o momento (pelo
seu sindicato e eventuais aliados como os que se opunham à solução que sei) foi publicada. O grande trabalho de Lorena Holzmann da
que acabou sendo encontrada. Silva abre o que poderá se tornar um fílao de estudos científicos
Nesta parte do livro/ surpreende o desconhecimento quase total sobre as organizações solidárias que a crise do trabalho vai suscitando
do cooperativismo industrial, mesmo em Porto Alegre/ por parte de no Brasil .Estudos que contribuirão para que a prática da economia
trabalhadores e sindicalistas. Como a autora bem mostra/ a coope- solidária seja depurada de seus vícios, adequando-se ao momento

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histórico que o Brasil está vivendo na passagem do século XX ao
XXI.
Esta obra (e as que vão alargando a vereda recém-aberta) deixa
claro que a cooperativa de produção é muito mais que um paliativo
para a solução da crise do trabalho. Este tipo de empresa apresenta
uma racionalídade diferente da sua congénere capitalista. Em primeiro
lugar, porque recusa a gestão hierárquica e burocrática da grande
empresa capitalista, o que permite crer que cada trabalhador empe-
nhará todo seu esforço no trabalho, sem que haja necessidade de
supervisão e vigilância por parte de superiores. E em segundo lugar,
porque ela se defronta com a relativa inflexibilidade do quadro de
pe5soal e de sua folha de pagamento, o que impõe em momentos de
crise uma negociação necessariamente solidária entre os sócios para
determinar como as perdas serão repartidas. E em terceiro, porque o
capital da cooperativa se reparte em uma parte divisível, que pertence Este livro contém parte de minha tese de doutorado, apresentada
individualmente aos sócios, e outra indivisível/ que pertence apenas ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de
ao coletivo e portanto aos sócios que nele atuam a cada momento. São Paulo, em 1992. Ele trata da experiência de trabalho e de gestão
Os cooperadores que se retiram da empresa sacam suas parcelas do de duas cooperativas industriais/ organizadas pêlos empregados da
fundo divisível/ mas deixam como 'legado/ à cooperativa o dinheiro A/Ietalúrgica Wallig, de Porto Alegre, após a falência da empresa.
que contribuíram ao fundo indivisível. Fundada em 1904 em Porto Alegre, depois de mais de 70 anos
A economia solidária se desenvolve em resposta às crises do de sólida expansão, a empresa começou a enfrentar dificuldades que
capitalismo e/ na medida em que se expande e robustece, demonstra culminaram com sua falência em 1981. Mantida em funcionamento
que a democracia na produção e distribuição não é utopia e nem se durante os três anos seguintes pelo Banco do Brasil, síndico da massa
opõe ao desenvolvimento das forças produtivas. Ela constitui, ao lado falida, que esperava poder recuperá-la financeiramente/ a empresa
da democracia participativa, no plano da política e no da economia/ teve suas atividades suspensas em julho de 1984, diante da frustração
uma cabeça de ponte dum modo de produção que a) está por vir e b) daquele propósito. Os funcionários/ que estavam mobilizados em
se destina a colocar o desenvolvimento das forças produtivas a serviço torno da reivindicação do pagamento de seus salários atrasados e na
do trabalhador. Este modo de produção tem sido teorizado como sócia- busca de urna solução que impedisse o fechamento definitivo da
lismo, comunismo ou anarquismo. E ele substituirá o capitalismo se empresa, não aceitaram como um fato consumado a decisão da Justiça
for capaz de dar autenticidade à autogestão e fazer da cooperação de encerrar as ativldades e de lacrar os portões das fábricas. Contí-
(mais do que da competição} o novo motor do progresso social e nuaram buscando uma alternativa que permitisse a reativação das
económico. operações da empresa e a manutenção de seus empregos. O resultado
daquela mobilização foi a fundação de duas cooperativas/ corres-
Paul Singer pendentes às duas plantas industriais da empresa em Porto Alegre,
das quais todos os trabalhadores passaram a ser sócios. Contratos de
locação das instalações e de depósito civil dos bens móveis/ firmados
com o Banco do Brasil/ viabilizaram a retomada da produção pelo
grupo de trabalhadores.
E o tipo de gestão então inaugurada nas duas cooperativas que
conferiu a esta pesquisa um interesse particular/ pois na condição de

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sócios, os fundadores assumiram sua administração, reformularam Sua própria vivência dentro da fábrica tornou evidente o quanto o
normas disciplinares e puseram fim a mecanismos de controle que controle do processo de trabalho pêlos operários era uma força política
até então regulavam seu cotidiano de trabalho. Acrescente-se a estas de resistência que precisava ser quebrada para liberar o capital de
reformulações voluntariamente decididas/ a vigência de procedi- obstáculos a sua expansão. A resposta à resistência operária no final
mentos democráticos em cumprimento da legislação que regulamenta do século XIX nos Estados Unidos foi dada com. a reorganização do
a formação e funcionamento de organizações cooperativistas no país. processo de trabalho a partir de princípios e técnicas que Taylor
Os trabalhadores passavam a ter condições de organizar afirmava científicos e neutros, com os quais os interesses políticos
autonomamente suas atividades rotineiras e de direção das empresas, do capital poderiam ser mascarados/ fazendo crer que o local de
já que não havia mais um patrão ao qual estivessem subordinados. trabalho se constituía como espaço despolitizado.
Isto fez com que, inicialmente, eles se sentissem donos dos empreen- Mas a abordagem da fábrica como locus importante das contra-
dimentos, Com isto eliminava-se também a separação entre capital e dições entre capital e trabalho é hoje um campo em expansão de
trabalho/ já que os próprios trabalhadores passavam a ser proprie- investigação nas ciências sociais. Esta abordagem tem trazido à
tários, pela posse de cotas do capital social que cada um havia visibilidade o Jogo de resistências e estratégias que se dá no interior
adquirido. Assim, o antagonismo entre vendedores de força de da fábrica/ recolocando-a como espaço político. A estruturação da
trabalho e proprietários dos meios de produção/ essência do modo dominação do capital que se dá também neste espaço, ao mesmo
capitalista de organização da produção, parecia ter sido suprimido. tempo que responde e enfrenta práticas operárias que visam deses-
Desde o advento da sociedade capitalista aquele antagonismo truturá-la, é um processo que vai incorporando limites restritivos
tem sido abordado e registrado em rica e numerosa bibliografia, dando ao poder do capital nas condições de compra e uso da força de trabalho,
conta das diferentes formas sob as quais ele se expressa. De início compondo um conjunto de direitos e deveres entre as partes que se
privilegiando predominantemente os aspectos mais visíveis e públicos consagram como regras orientadoras nas suas relações. E neste terre-

que aquele antagonismo assumia, como greves, mobilizações/ orga- no que os trabalhadores contraem sua experiência como assalariados
nizaçâo sindical e partidária, insurreições, etc, mantinha à parte das do capital, da qual oposição e consenso são componentes indis-
investigações o espaço privado e oculto da fábrica e as formas que o sodáveis.

confronto capital e trabalho assumia no seu interior. Era como se O conceito de experiência de que me utilizo/ formulado por
este fosse um espaço neutro, no qual tecnologia e organização do Thompson, "compreende a resposta mental e emocional/ seja de um
trabalho atendessem meramente a requisitos de eficiência, sem relação indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos infcerre-
com as condições de enfrentamento entre trabalhadores e empresários. lacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento"
De Decca (1983) chama a atenção para a ausência da abordagem da (Thompson, 1981:15). Assim entendida/ a experiência é um processo
fábrica como um locus de luta dos trabalhadores contra o capital permanente de reelaboração de novas respostas construídas frente a
mesmo entre autores que se consagraram como críticos e denun- situações em contínua mutação. Ainda segundo o mesmo autor/ "os

dantes do domínio e da exploração capitalista. Incluem-se entre esses homens e mulheres também retornam como sujeitos/ dentro deste
termo - não como sujeitos autónomos/ "indivíduos livres', mas como
autores, referências obrigatórias na literatura sobre o tema/ como
Marx (1972) ou como Braverman (1981), cuja análise detalhada das pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas
transformações do processo de trabalho no século XX é importante determinadas corno necessidades e interesses e como antagonismos,
contribuição para o conhecimento do capitalismo contemporâneo. E e em seguida tratam.' essa experiência em sua consciência e sua cultura
significativo que tenha sido Taylor (1982) um dos primeiros autores (...) das mais complexas maneiras (...) e em seguida agem/ por sua

a registrar a resistência operária dentro das fábricas/ reconhecendo- vez, sobre uma situação determinada" (ïhompson/ 1981:182).
a como um entrave ao processo de acumulação do capital/ e contra o Neste contínuo refazer da experiência diante de novas situações,
qual idealizou e implantou a estratégia que serviu de ponto de apoio as pessoas respondem a partir de vivências anteriores/ em relação às
para o modelo dominante de organização do trabalho no século XX. quais construíram valores/ noções, condutas e práticas que se

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configuram como um património orientador da elaboração de no- Este livro é composto de duas partes. Na primeira exponho a
vás respostas às situações novas que se apresentam. Foi assim com trajetória da empresa Waliig desde sua fundação até sua falência,
os trabalhadores das Cooperativas. bem como a resistência de seus empregados ao fechamento das fábri-
Ao fundá-las e a elas se integrarem como sócios e não mais cãs por decisão da Justiça, até a fundação das Cooperativas. Essa
como empregados, os trabalhadores passaram a ter iguais direitos e parte é um resumo da versão original deste trabalho e resultado de
deveres e/ com a supressão da antiga hierarquia existente nas fábricas/ pesquisa bibliográfica e de documentos de diversas fontes e de algumas
pretenderam "eliminar qualquer ideia de subordinação"/ como foi entrevistas, o que me permitiu reconstituir tanto o papel que a em-
afirmado numa entrevista. Ê neste núcleo de mudanças que se presa ocupou no setor industrial no Rio Grande do Sul, e aconteci-
apoiaram os operários para apontar as diferenças existentes nas mentos que influíram na sua derrocada, quanto aspectos relacionados
cooperativas/ em comparação com as experiências anteriores de com estratégias internas de gestão/ políticas de expansão, etc.
trabalho em empresas regidas pela CLT. Nestas/ consideradas pêlos A segunda parte baseia-se quase exclusivamente no material
operários como "empresas normais", a experiência de trabalho obtido em 41 entrevistas realizadas com os associados das Coopera-
combinava direitos adquiridos com submissão/ com constrangimento tivas, nas quais foram ouvidos dirigentes/ associados da produção e
para "mostrar produção", com o recebimento de ordens sem poder da administração, fundadores e associados admitidos posteriormente
contestá-las/ a não terem suas opiniões consideradas ("a nossa opinião (tratados como "novatos"), coordenadores (que substituíram as che"
não valia nada", afirmou um entrevistado), Ë a partir dessa expe- fías da estrutura hierárquica vigente na empresa falida) e coordenados,
riência de trabalho sob a hegemonia do capital que os associados das contemplando a diversidade de situações existentes nas duas coope-
cooperativas construíram seu novo cotidiano dentro das fábricas, ratívas. Nas entrevistas utilizei um roteiro padronizado, com questões
reelaborando suas condutas e expectativas, relativas à tornada de decisões e à participação dos associados nesse
O objeto deste estudo foi esta reelaboração, buscando identificar processo em todas as esferas das cooperativas, desde a definição de
o que era "diferente". Nesta trajetória, foi se tornando claro que na políticas áe investimento e remuneração até a organização do processo
nova situação não havia sido superado o padrão gerencial tradicional de trabalho, relações entre os trabalhadores, vigência das novas regras
de divisão entre uns poucos que mandam e um grande número que disciplinares, avaliação da própria situação legal determinada pela
obedece (Zwerdling/ 1980), mas mecanismos de controle que condição de sócios e a consequente perda de direitos trabalhistas,
caracterizam aquele padrão haviam sido atenuados e combinados assim como a avaliação da própria experiência como trabalhadores-
com novas práticas que abriam alguns espaços de participação aos proprietários.
trabalhadores. Não se tratava/ pois/ de uma experiência radical de Em cada um dos 9 capítulos que integram a II Parte deste
organização igualitária dos trabalhadores (embora fosse este o conteú- trabalho é analisada uma dessas dimensões,
do do discurso de alguns de seus integrantes)/ na qual eles tivessem Depois das Conclusões incluo nesta versão o que chamei de
assumido o controle da gestão dos empreendimentos. Epïïogo, no quaï é apresentado o que ocorreu com as Cooperativas
Foi o modo como o tradicional e a inovação se combinaram que depois de concluído meu trabalho de campo/ em 1989. No segundo
caracterizou o "diferente" na gestão das Cooperativas/ a partir do semestre de 1991, quando finalizava a redação definitiva de minha
qual foi construída uma nova experiência de trabalho, da qual não tese/ tomei conhecimento do movimento que ocorrera numa da5 coo-
fez parte a contestação da organização capitalista do trabalho e da peratívas na qual os trabalhadores da produção/ descontententes com
própria sociedade capitalista como um sistema ordenador do conjunto a direção, destituiram-na/ elegendo e dando posse a um novo Conselho
das relações sociais. Mesmo na ausência de um patrão personificando de Administração. Além disso/ a perspectiva da retomada pelo
o capital, os valores do trabalho/ da hierarquia, da disciplina com os proprietário da antiga empresa/ das instalações e dos equipamentos
quais o capital constrói sua legitimidade, se reproduziram neste utilizados pelas Cooperativas, colocava os associados diante de novos
contexto, assegurando a operação dos mecanismos de geração e apro- problemas e de um novo desafio, apontados nas Conclusões deste
priação de trabalho excedente. É isto que procurei evidenciar. trabalho. O Epiïogo registra como estes foram enfrentados em cada

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urna das Cooperativas e o resultado diferente a que cada uma delas
chegou: uma conseguindo superá-las, e a outra acabando por ser
liquidada.
Na realização da pesquisa de campo contei, em diferentes
momentos, com a colaboração de Rosemery Brum, Neusa Valcarezzi
e Laura da Rocha Dutra/ a quem agradeço'.
O trabalho de investigação empírica e a trajetória teórica
percorrida contaram, com a orientação da Professora Dra. Elisabeth
Souza Lobo, com quem tive a oportunidade de manter, ao longo de
quatro anos/ uma rica interlocuçao intelectual e o reatamento de
uma antiga amizade. A fatalidade veio interrompê-los. Mas a
contribuição de Beth foi fundamental para a realização deste trabalho.
Com sua orientação segura, solidária e desafiadora, soube apontar
caminhos para a superação de dúvidas que/ por vezes, pareciam
insolúveis. Muito obrigada.
Devo também meus agradecimentos aos integrantes da Banca
de Defesa de Tese, Professores Drs, Francisco de Oliveira, José Ricardo
Ramalho, Heloisa de Souza Martins/ Regina Morei e em. especial ao
Professor António Flávio Pierucci/ que a presidiu. O diálogo franco e
respeitoso que comigo mantiveram no momento da defesa, sem abrir
mão de uma avaliação rigorosa e intelectualmente profíqua/ mini-
mizou as tensões próprias da ocasião e sugeriu pertinentes refor-
mulações/ algumas das quais foram levadas em conta nesta versão.
Agradeço particularmente aos associados das Cooperativas
Wallig. Somente com sua inestimável colaboração na prestação de
informações/ na franqueza de seus depoimentos, na manifestação
sem temores de suas opiniões, expectativas e frustrações, foi possível
a concretização deste trabalho.
Devo um agradecimento especial ao Professor Paul Singer, pelo
seu empenho na publicação deste livro.
Dedico esta obra a meus filhos Tiago e Camilo, para quem o
trabalho deve ser/ também, prazer, e para meus pais Léo e Wilma,
com quem aprendi que qualquer trabalho, mesmo o mais humilde,
merece respeito.

1 Sou grata aos meus colegas do Departamento de Sociologia da Universidade


Federal do Rio Grande do Sul, que me liberaram dos encargos docentes du-
ranfce a realização de meu doutoramento, e à CAPES-PICD que, com a
concessão de uma bolsa, tornou-o viável.

18 19
pequenas oficinas que surgiram na região colonial a se transformarem
em estabelecimentos fabris, instalando economias de escala e
intensificando o processo de acumulação.
Em 1904, um imigrante alemão/ Pedro Wallig/ fundou em Porto Foi o que ocorreu com a pequena oficina de Pedro Wallíg, que
Alegre uma pequena oficina na qual começou a produzir camas de no início da década de 20 já ultrapassara as fronteiras do Estado,
ferro. Empregava então apenas 8 operários. Em pouco tempo passou exportando seus produtos para o mercado nacional.
a fabricar também fogões a lenha. O pequeno capital inicial de cinco Muito cedo a empresa começou a preocupar-se com a assistência
contos de réis cresceu rapidamente: somava já cem contos de réis em aos seus empregados. Em 1912 organizou uma Caixa de Socorro,
1915, elevando-se para dois mil contos de réis em 1922. O mesmo através da qual prestava auxílio pecuniário a seus empregados em caso
número de 160 operários empregados nas duas últimas datas, de doença, e aos familiares destes, em caso de morte. A assistência aos
comparado com o incremento de capital/ dá uma ideia do processo empregados, uma prática comum entre o empresariado gaúcho no
de modernização tecnológica ocorrido na empresa, que no início dos início do século (Fesavento, 1988), adotada também pelo fundador da
anos 20 Já estava quase completamente mecanizada, como observou Metalúrgica Wallíg, foi mantida e ampliada por seus sucessores, que
um atento visitante (fílancato, 1923). A pequena oficina havia se muitas décadas depois renovavam a certeza de sua validade, ao
transformado num empreendimento fabril em menos de duas reconhecer que ela contribuía "decisivamente para elevar os níveis de
décadas, havia ampliado suas instalações com a construção de novos produtividade do pessoal com imediatos reflexos sobre a qualidade e a
prédios e diversificado a produção. Fabricava também cofres de quantidade de toda a produção da empresa" (Metalúrgica Wallig, l 964).
segurança, portas de aço para casafortes, prensas de copiar e móveis Sob a díreção de João Wallig, um dos filhos do fundador da
de aço. Havia também instalado uma fundição, que fornecia para a
empresa, ela se transformou numa referência da indústria gaúcha,
própria empresa chapas de aço de diferentes espessuras/ peças e
lançando no mercado nacional, com pioneírismo, produtos até então
componentes empregados nos produtos por ela fabricados.
não fabricados no país. Foi o caso do fogão doméstico a gás/ lançado
No final do século XIX/ o Rio Grande do Sul foi uma das regiões
em 1927 e de cozinhas industriais, cujo primeiro modelo foi exibido
no país que se beneficiou do surto de industrialização que então
na Exposição Comemorativa do Centenário da Revolução Farroupilha,
ocorreu. O complexo colonial-imigrante foi decisivo na criação de
realizada em Porto Alegre/ em 1935.
condições favoráveis a este processo (Rache, 1969; Lopes, 1976;
Durante mais de 40 anos em que esteve na direção da firma,
Amado, 1978; Castro/ 1975; 5inger/ 1974; Reichel/1979; Pesavento,
João Waiïig construiu e sedimentou a concepção de que a empresa
1988), na medida em que constituiu um mercado para produtos
era uma grande família. Falecido na década de 60, ainda foi lembrado
industrializados, oferta de mão-de-obra e capital, gerado na comercia-
com respeito e admiração por antigos funcionários entrevistados nas
lizaçâo da produção agrícola. A maioria dos estabelecimentos indus-
cooperativas, onde permaneceram como sócios depois da falência da
triais surgidos neste contexto não eram fábricas, mas pequenas oficinas
empresa. Seu João/ como era chamado, era presença frequente na
artesanais, com pequena inversão de capital e empregando poucos
operários. Esta estrutura industrial que Já começava a se esboçar no fábrica/ cujas dependências percorria todas as manhãs, seçâo por
último quartel do século XÏX, principalmente em Porto Alegre, o centro seção/ quando cumprimentava a todos/ muitos dos quais tratava
comercial mais importante de escoamento da produção colonial, pelo próprio nome. Cfuando viajava, costumava enviar correspon"
traduzia um padrão de acumulação de capital em confcraste com o dência a seus colaboradores mais próximos. Era acessível aos opera-
setor industrial que se desenvolvia no sul do Estado, em particular na rios/ tratando-os com respeito e sem arrogância. Os empregados eram

cidade de Rio Grande. Vinculada à economia pecuária e do charque, gratos pela forma como ele dirigia a empresa e como os tratava e
que já concentrara capitais/ a indústria nessa zona nasceu com caráter sentiam-se valorizados como colaboradores do empresário. Um dos
fabril, com grandes capitais concentrados em poucos estabelecimentos/ entrevistados afirmou: "o seu João era muito patriarcal, era o pai".

nos quais era empregado um grande número de operários. Outro declarou, com emoção: "a Wallig me deu uma carreira, me
O processo de concentração/centralização de capitais levou uma chance na

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A relação do empresário com seus empregados contribuía para de 71 mil m2, localizada na zona norte da cidade. O aumento da
faze-los sentirem-se valorizados enquanto indivíduos/ não submersos capacidade instalada, que passava a operar com energia elétrica
numa massa anónima de trabalhadores. Dessa relação resultava uma produzida em gerador próprio, possibilitou a diversificação da
disposição subjetiva favorável à colaboração com o capital, produção e a ampliação da clientela. A empresa passou a fornecer
personificado na pessoa do empresário João Wallig, como alguns peças e componentes para a indústria de máquinas e para o setor
depoimentos evidenciaram. A conduta do empresário era sentida como automobilístico/ que começava a ser implantado no país.
expressão do zelo do patrão pelo bom andamento da empresa e pelo Posteriormente, uma outra planta foi construída nesta área, na qual
bem-estar de seus empregados/ dando a estes uma sensação de foram abrigados os setores de cozinhas e lavanáerias industriais,
segurança. É interessante registrar que um antigo empregado da fogões a gás e a lenha e a linha de aquecedores e acumuladores de
firma, já na condição de associado de uma das cooperativas/ ao relem- água. Em 1959, a fundição passou à subsidiária Moto-Peças WaIIig
brar o abandono dessas práticas pêlos sucessores de João Wallig, S.A./ separando-se da empresa original. Em 1962, com a agregação
associou-o à falência da empresa, que teria resultado de desinteresse a esta subsidiária dos setores de cozinha? e ïavanderias industriais/
da direção pelo que ocorria no seu interior. A importância deste regis- foi formada a Máquinas e Moto-Peças Wallig S.A. A fabricação de
tro fica por conta do entendimento dos trabalhadores sobre o papel fogões domésticos a lenha e a gás/ a linha de aquecedores e
do patrão na empresa e de sua responsabilidade para com seus empre- acumuladores de água foram assumidas peia Metalúrgica Wallig S.A.
gados, que se traduz na capacidade de bem administrá-la. Isto significa As duas empresas se mantiveram como pessoasjurídicas autónomas
estar presente no dia-a-dia da empresa, tomar conhecimento de tudo até 1974, ano em que sua fusão deu origem à Waiïig Sul S.A. Indústria
que nela se passa/ zelando pelo seu funcionamento, garantindo assim e Comércio. Já então o grupo contava com outras duas empresas, a
o emprego de seus funcionários. Walïig Nordeste/ inaugurada em Campina Grande/Paraíba/ em 1967,
Atento à rotina de sua empresa, João Wallig foi também um e a Metalúrgica Paulista/ instalada em São Paulo e que havia sido
ativo participante em iniciativas do empresariado gaúcho que, em comprada no fim dos anos 60. Todas as empresas do grupo passavam
conjunto, buscava consolidar-se como um grupo de interesses, arti- a ser comandadas pela holding Metalúrgica Walïig S.A.
culando estratégias na sua defesa. Assim foi na formação do Centro A década de 60 foi o apogeu na trajetória de crescimento da
da Indústria Fabril do Estado, em 1930, cuja comissão encarregada empresa. A produção de bens de capital se somava a ampliação da
de elaborar os estatutos integrou, bem como de algumas diretorias/ linha de bens de consumo: diferentes modelos de aquecedores e
após a fundação do Centro. João Wallig foi também um dos acumuladores de água/ a gás e elétricos e uma linha de fogões
empresários que contribuiu para a manutenção da Gewerbeschule continuamente aperfeiçoados, técnica e esteticamente. O modelo
(Escola de Ofícios)/ fundada em 1914 em Porto Alegre, por um grupo Visoramic, que havia sido lançado em 1957, era o mais moderno e
de empresários de origem germânica. Esta Escola, que funcionou por luxuoso fogão doméstico da época, comercializado em todo o mercado
mais de vinte anos/ teve um papel de destaque na qualificação da nacional. A novidade deste modelo eram o visor panorâmico de forno
mão-de-obra operária (Weüner/ 1983, 1984, 1989). e a utilização de cores na pintura de alguns detalhes/ acrescidos
Nos primeiros anos da década de 50, a Wallig iniciou a produção posteriormente de acendimento automático dos queimadores (l 964).
em massa de fogões a gás/ para o que reformulou o processo de Outros dois modelos, igualmente de luxo, foram desenvolvidos
trabalho na fábrica, implantando a linha de montagem, fragmentando posteriormente: o Visomaster, também modelo gabinete, com 6
e simplificando as tarefas de montagem, atribuindo cada uma delas queimadores, e o Visorete, um fogão menor, com 4 queimadores e
a um único operário, enfim, racionalizando a produção segundo pés de aço inoxidável.
princípios e técnicas formulados por TayÏor e Ford (Holzmann, 1992). A marca Wallig conquistava o mercado nacional de fogões de
Gradativamente/ outros setores da fábrica passaram por idêntica luxo, destinados a consumidores de alto poder aquisitivo. Um estudo
reformulação. de mercado contratado pela empresa apontou a inexistência/ no
Em 1953, a empresa inaugurou uma nova fundição numa área mercado brasileiro/ de um produto para consumidores de poder

22 23
aquisitivo médio. Na falta de outra opção, estes adquiriam os fogões compromisso do Governo Federal de repassar recursos, somado à
de tiüo üopular, acessíveis do ponto de vista económico mas obsoiescência dos equipamentos (Exame/ 27-02-1980} não permitiu
insatisfatórios quanto às expectativas de qualidade e estética. A partir à empresa superar os resultados deficitários. A transferência para
destas informações a empresa definiu uma estratégia para "dominar São Paulo da fábrica de fogões de Porto Alegre, com equipamentos
o mercado"/ que previa a produção de fogões com menos requinte e mais modernos/ não reverteu este desempenho. A partir de 1970 a
menor preço mas com a qualidade e a estética de seus modelos de Wallig passou a recorrer a empréstimos bancários, aumentando seu
luxo e que atendessem ao bolso e ao gosto do que foi chamado endividamenfco. Todo o grupo começou a sofrer as consequências dês-
"consumidor da classe média", e a entrada também no mercado de tas dificuldades: em 1973 a Metalúrgica Paulista foi fechada e a linha
modelos populares. de produção de fogões domésticos transferida para o Nordeste. Em
A primeira etapa desta estratégia se cumpriu em 1967 com a 1979 também a fábrica de Campina Grande encerrou suas atividades
inauguração da Wallig Nordeste em Campina Grande, uma moderna e em dezembro do mesmo ano a fábrica de Porto Alegre parou de
fábrica na qual seria produzido um único modelo para a classe média. funcionar por falta de matéria prima e de recursos para o pagamento
Para a instalação da nova fábrica a empresa valeu-se dos incentivos dos salários dos funcionários.
fiscais do mecanismo 34/18, com os quais a Sudene criava condições Na época, a opinião partilhada por autoridades do Governo do
para o investimento de capitais no Nordeste/ com a finalidade alegada Estado, empresários gaúchos e funcionários da própria empresa, era
de promover o desenvolvimento da região e diminuir as diferenças de que sua deterioração resultará da incapacidade gerencial e
sociais e económicas em relação ao sul do país (Oliveira/ 1977; Oliveira financeira da empresa em sustentar o ousado voo que empreendera
e Reischtul/ 1973; Hirschmann, 1967; Visão, 1974). com a instalação da fábrica no Nordeste e com a incorporação da
A nova fábrica tinha uma capacidade instalada para produzir Metalúrgica Paulista, resultando no comprometimento da que fora
até 40 mil unidades por mês (Exame, 2 7-02-1980) mas, segundo uma das mais sólidas empresas industriais no Estado/ com presença
informações de um engenheiro familiarizado com a história da decisiva também no mercado nacional.
empresa, não ultrapassou as 15 mil unidades mensais, empregando Foi neste quadro que se iniciou a resistência dos trabalhadores
em torno de 400 operários. A planta industrial de Porto Alegre tinha gaúchos contra o atraso no pagamento dos seus salários e contra a
uma produção mensal aproximada de 8.000 unidades, empregando paralisação das operações da empresa.
800 operários. Comparando-as/ fica evidente o avanço tecnológico e
o caráter capital-intensivo da planta do Nordeste em relação a sua
congénere no Sul.
A segunda etapa da estratégia de expansão da empresa foi quase
simultânea à inauguração da fábrica no Nordeste e se concretizou
com a compra da Metalúrgica Paulista, instalada em São Paulo/ que
produzia fogões a gás e aquecedores de água da marca Cosmopolita.
Esta empresa estava em situação pré-f alimentar e sua transferência
para o grupo Wallíg resultou de uma série de contatos e negociações
entre a direção da firma gaúcha e o Governo Federal/ ao cabo dos
quais a empresa paulista passou para o controle do grupo Wallig. A
transação foi concretizada depois que o Governo Federal se compro-
meteu a reescalonar as dívidas da empresa paulista, devidas sobretudo
a órgãos e bancos estatais (ÏNPS, Receita Federal, Banco do Brasil e
Caixa Económica Federal) e assegurar os recursos necessários a sua
normalização produtiva e financeira. Mas o não cumprimento do

25
01-1981). Aos fornecedores foi dado o prazo de 20 dias para
habilitarem seus créditos. Feito isto, as atividades industriais poderiam
ser retomadas, com o objetivo de restabelecer o funcionamento da
Em. janeiro de 1981, o atraso no pagamento dos salários na massa falida para tentar mais tarde levantar a falência/ conforme
Wallig Sul, que se tornara rotina ao longo do ano anterior, assumiu declarou o Superintendente Regional Adjunto do Banco do Brasil em
maior gravidade com o anúncio do Superintendente Regional do Banco entrevista ao jornal Zero Hora, em 31 de janeiro. Acrescentou que,
do Brasil de que não haveria, por parte do Banco/ liberação dos em decorrência do encerramento dos contratos de trabalho com a
recursos pleiteados pela empresa para pagar os salários do mês de Wallig, os funcionários já haviam entrado com seus pedidos de
dezembro. indenização, cujo pagamento só seria feito quando houvesse a
Já há alguns meses, dois funcionários do Banco tinham liquidação da falência. Até então, o valor das indenizações ficaria
assumido a administração financeira da empresa. A redução na depositado, indisponível para os funcionários.
produção, em consequência da falta de matéria-prima cujo Nos primeiros dias de fevereiro as atividades foram retomadas,
suprimento fora suspenso por alguns fornecedores, provocou a em meio à disposição áe normalizar a produção e recuperar a empresa.
redução do contingente de trabalhadores. Os 2.500 funcionários Isto foi buscado ao longo dos três anos seguintes/ sem sucesso.
empregados no período de funcionamento pleno da empresa haviam Em abril de 1984, novamente se tornou crítica a situação da
sido reduzidos a aproximadamente 850 no início de 198'l. Foi este empresa/ com o anúncio do Banco do Brasil da disposição de aban-
grupo que desencadeou um movimento, pressionando as autoridades donar a administração da massa falida, diante do insucesso na tenta-
para que encontrassem uma solução (para a empresa) que assegurasse tiva de recuperá-la. Se efefcivada esta decisão, a Metalúrgica estaria
o pagamento dos seus salários atrasados e garantisse a continuidade com sua história definitivamente encerrada.
das operações da empresa e a manutenção de seus empregos. A solução Para evitar este desfecho, os 450 funcionários remanescentes
imediata pretendida pêlos trabalhadores era a liberação de recursos novamente se mobilizaram. Foi organizada uma comissão que assu-
pelo Banco do Brasil, para o pagamento dos seus salários. míu a condução do movimento.
A ampla cobertura dada pela imprensa na ocasião revela a A conjuntura nacional de recessão e desemprego (Zeni e Passos/
ambiguidade das autoridades do Governo do Estado, do Banco do 1989; Bandeira e Grundlingh, 1988) desenhava um cenário sombrio
Brasil e da Delegacia Regional do Trabalho nas negociações que para os trabalhadores da Wallig/ apontando grandes dificuldades para
mantinham com uma comissão organizada pêlos funcionários da encontrar novas colocações se fossem demitidos da massa falida.
empresa, ora manifestando disposição de encontrar soluções, ora Mesmo desconhecendo estatísticas e diagnósticos, eles sabiam, pela
eximindo-se da responsabilidade ou de vontade de encaminhá-las no sua experiência cotidiana/ que o momento lhes era desfavorável e
sentido de atender aos interesses dos trabalhadores. Em meio à que as oportunidades de conseguir outro emprego eram escassas.
expectativa de uma decisão que lhes fosse favorável, os trabalhadores Resolveram então manter-se organizados.
foram surpreendidos, no dia 22 de janeiro/ com a decretação da Ao mesmo tempo que intensificavam os contatos com autori-
falência da empresa. Os portões foram lacrados por ordem judicial e dades do Executivo e do Legislativo estaduais/ buscando sua interme-
o Banco do Brasil foi designado síndico da massa falida. diação junto ao Banco do Brasil, a comissão de funcionários tentava
O inventário realizado pelo Banco apontou a existência de uma também encontrar uma solução junto ao empresariado, que assegu-
dívida de Cr$200 milhões com a Previdência Social, uma dívida ainda rasse a continuidade do funcionamento da empresa e os empregos de
maior com o BNDE (Zero Hora, 27-01-1981), débitos com todos seus funcionários. Mas estas tentativas foram frustradas, na
fornecedores privados, não recolhimento do FGTS desde abril de 1977, medida em que havia, por parte de um empresário, interesse na
ainda que "a indústria/ quando da demissão de seus empregados, aquisição de algumas máquinas; outro pretendia a compra de um
atendia o compromisso do Fundo com relação aquele empregado conjunto de equipamentos e a contratação da mão-de-obra que os
desligado, evitando, assim, prejuízos maiores" (Correio do Povo, 25- operava; outro ainda pretendia comprar a linha de água quente (aque-

26 27
cederes e acumuladores). Integrante da comissão de funcionários
A comissão de funcionários passou a examinar as possibilidades
O modelo cooperativista apresentava a vantagem de desobrigar
de organizar uma nova empresa que viesse a pertencer aos próprios
a pessoa jurídica dos encargos trabalhistas, atendendo ao critério de
trabalhadores. O entendimento de que/ quem quer que viesse a assumi-
minimizar custos que orientava a comissão. Reunindo sócios e não
la, viria sem recursos, levou os integrantes da comissão a se
assalariados, a relação dos participantes do empreendimento deixaria
perguntarem: "se sem recursos/ porque não nós mesmos assumirmos
de ser regulamentada pela CLT e passaria a ser regida por outro
o empreendimento?" A primeira possibilidade examinada foi a de
estatuto.
constituir uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada,
integrada por pequeno número de pessoas/ provavelmente aqueles que É, nos precisávamos evitar, sob qualquer forma/ digamos
faziam parte da comissão de funcionários. Esta alternativa mostrou-se assim, qualquer conotação com a CLT e com Justiça do
inviável diante dos recursos escassos de que este grupo poderia dispor Tïabalho; afinal de contas porque, por este meio, nós
poderíamos vir a ser onerados com os encargos sociais.
para formar o capital inicial que permitisse operar a empresa. A cogi-
integrante da comissão de funcionários
tação de uma sociedade limitada, com participação democrática de todo
o pessoal também foi abandonada, em virtude de implicar castos Consolidada esta ideia na comissão de funcionários/ o passo
imediatos com encargos sociais decorrentes da integração de força de seguinte foi levá-la ao conjunto dos trabalhadores/ para submetê-la
trabalho assalariada ao empreendimento. Pelo mesmo motivo, a a sua apreciação e torná-la realidade/ de fato e de direito.
alternativa de formar uma sociedade anónima também foi rejeitada. Muitas reuniões foram realizadas/ nas quais o projeto da
Neste caso, era preciso também afastar a suspeita de que havia/ por cooperativa foi sendo discutido e delineado.
trás da atuação da comissão, a articulação de interesses de ex-dirigentes
Tivemos que desenvolver um trabalho quase que
da empresa, considerados pêlos empregados como responsáveis pela
educativo, elucidativo. Antes de mais nada educativo(...)
sua má administração e que a levara à falência. Nestas reuniões de esclarecimento é que se desenvolveu, na
Um critério estava sendo fundamental no exame das alternati- prática, o trabalho quase que de catequese do grande
vás: minimizar todo e qualquer custo. Na5 hipóteses examinadas, a grupo(..J haveria alterações nas esferas individuais, tanto
condição de assalariamento da força de trabalho apontava sempre a de ordem trabalhista como na ordem tributária, previden-
impossibilidade de atender àquele critério, pois todas elas implicavam ciaria, todas essas modificações nós tratamos de informar
em assumir encargos trabalhistas, o que significava custos indese- previamente.

jados. Estas alternativas foram então descartadas após o exame de As implicações da organização de uma empresa cooperativísta,
sua inviabilídade ou implicações. A presença/ na comissão, de fun- da qual todos os trabalhadores fossem associados também foram
cíonários com conhecimento em administração e legislação permitiu examinadas e incorporadas ao projeto.
analisar cada uma das alternativas à luz da5 disposições do direito
comercial. Nós estabelecemos algumas outras normas: nos não
teríamos Fundo de Garantia, nós não teríamos pagamento
Surgiu, então, como alternativa derradeira, a ideia da formação
de aviso prévio nu caso se houvesse despedidos. Não efetua-
de uma cooperativa. Como esta ideia surgiu e quem a trouxe para
ríamos pagamentos adicionais de insalubridade, ou mesmo
exame da comissão foram questões para as quais não obtive resposta horas-extras. Enfim, todos estes valores que pudessem signi-
nas entrevistas realizadas e nas fontes documentais examinadas. ficar custos. Nós estaríamos nos afastando de nossa contabi-
O projeto das cooperativas foi formulado por exclusão de outras lidade, digamos assim. Isto faz parte do nosso pacto social.
alternativas. Na medida em que fosse possível nós reabilitaríamos alguma
coisa, sempre a partir do entendimento que nós não éramos
Buscamos a cooperativa porque a tínhamos como a
mais empregados. (...) Enfim, isto foi perfeitamente enten-
última alternativa ou a única alternativa de continuarmos
dído pela comunidade fundadora.
trabalhando. Por isso, tão-somente por isso.

28 29
Nós queríamos afastar a ideia de subordinação.
Entendíamos desde o início que nós somos sócios entre
nós mesmos, somos autónomos, mantemos, digamos, com
a sociedade, uma relação de trabalho, mas não de emprego.
(grifo meu).
Integrante da comissão de funcionários

Os trabalhadores decidiram que cada uma das duas fábricas da


empresa instaladas em Porto Alegre seria organizada como uma
cooperativa autónoma, e em 30 de julho de 1984 foram eleitos os
respectivos Conselhos de Administração para um mandato provisório
de um ano, com a incumbência de implantar as cooperativas.
Mas persistiam obstáculos à concretização deste propósito devido
à indefinição da situação legal do espólio da massa falida, eximindo-
se o Banco do Brasil e a Vara de Falências de assumir uma decisão
final. Já então a empresa deixara de funcionar/ mas os trabalhadores
não arrefeciam na sua disposição de colocá-la de novo em operação,
sob a forma de cooperativas, já legalmente constituídas e registradas.
Finalmente, um despacho do Juiz da Vara de Falências de Porto
Alegre, com data de 4 de setembro, autorizava as cooperativas a
assumirem as atividades na Wallig Sul. Isto foi viabilizado através
de contratos das mesmas com o Banco do Brasil, pêlos quais as
cooperativas locavam as instalações da massa falida e assumiam a
responsabilidade civil áa guarda dos equipamentos e dos estoques. A
utilização dos bens infungíveis se daria gratuitamente. QLuanto aos
estoques, se houvesse opção de compra por parte das cooperativas,
seu preço seria o de mercado/ com prazo de carência de 90 dias e
pagamentos mensais correspondentes a 10% do faturamento do mês,
Os recursos para fazer frente a estes compromissos e colocar as
fábricas novamente em operação foram obtidos com a reunião dos
50% dos valores que cada ex-empregado/ agora sócio das cooperativas,
recebeu como indenizaçao pela suspensão do contrato de trabalho.
Depois de mais de um mês de paralisação/ as duas fábricas
retomavam suas atividades.
Começava a ser construída uma experiência original de gestão
e de trabalho industriais.

31
30
ração/ promoções, investimentos/ etc.
A consolidação do empreendimento conduziu a algumas diferen-
dações quanto a normas internas adotadas, correspondentes a neces-
Os ex-empregados da WaIIig Sul optaram pela fundação de duas sidades das situações específicas de cada uma delas e que serão
cooperativas correspondentes às duas plantas industriais que analisadas neste trabalho. Antes/ porém serão examinadas as novas
integravam a empresa/ a fundição e a mecânica. Estas duas fábricas. condições legais que passaram a regular as relações de trabalho e
até 1974 haviam constituído pessoas jurídicas autónomas, mas suas implicações para os associados das duas Cooperativa?.
naquele ano sua fusão deu origem à Wallig Sul S.A. Indústria e Aquelas relações passaram a ser definidas pêlos estatutos/ ela-
Comércio. borados de conformidade com a Lei ? 5.764, de 16 de dezembro de
A decisão dos trabalhadores foi justificada em nome da grande 1971, que instituiu o regime Jurídico das cooperativas no país e definiu
diferença existente entre as duas fábricas em reiação ao processo a política nacional de cooperativismo. Por esta Lei "qualquer que seja
produtivo aos segmentos de mercados que atendiam/ à matéria prima o tipo de cooperativa/ não existe vínculo empregatício entre ela e
utilizada, às características da mão-de-obra empregada. Entenderam seus associados" (Art. 90) mas, em relação a empregados que venham
que mantê-las unidas implicaria em maiores dificuldades a ser admitidos/ as cooperativas se igualam às demais empresas
administrativas, tornando mais complexas as operações de quanto às obrigações trabalhistas e previdenciárias (Art. 91). Para
programação, de apuração de custos, de definição das rotinas evitar os custos decorrentes destas obrigações/ os fundadores
produtivas, de gerência da mâo-de-obra, entre outras. As condições decidiram que todos seus integrantes, mesmo os que viessem a ser
de trabalho e os requisitos da mao-de-obra tinham características admitidos posteriormente/ deveriam sê-lo na condição de associados
fundamentalmente distintas nas duas fábricas: enquanto na mecânica e nunca como empregados. E, como associados/ se obrigariam a pres-
a ma_íona era constituída de trabalhadores qualificados e semi- tar serviço autónomo na sede da Cooperativa/ nas condições previstas
quaïifícados/ exercendo um trabalho "mais limpo", na fundição a no artigo 3° do Estatuto/ que dispõem:
maioria era formada de ajudantes, o que quer dizer mão-de-obra
Poderão associar-se à Cooperativa os trabalhadores que
não qualificada, trabalhando em condições ambientais muito
exerçam suas atívidades por conta própria, dentro da área
adversas/ com muito ruído, poeira e altas temperaturas. As diferenças de ação, e que/ tendo livre disposição de suas pessoas e
se expressavam também em relação à rotatividade da mâo-de-obra. bens, concordem com o presente estatuto e com os interesses
alta na fundição e pouco significativa na mecânica. e objetivos da entidade, vindo prestar serviço autónomo na
No entendimento da comissão de funcionários, o tratamento sede da Cooperativa, (grifos meus).
inadequado destas diferenças/ ocorrido após a fusão das duas empre-
Esta disposição estatutária dá conta da particularidade das
sãs/ em 1974, tinha algo a ver com a crise que levara à falência da
Wallig. Cooperativas Wallig frente às demais, consideradas na Lei n. 5.764
como modalidades consagradas/ cuja característica é a presíação direta
Em cima destas avaliações/ propuseram a formação de duas
de serviços aos associados, que preservam sua autonomia nas ativi-
cooperativas autónomas/ o que foi aceito pelo grande grupo, daí sur-
dades que exercem - através das quais se vinculam a uma cooperativa
gindo a COOPerativa Industrial Mecânica dos Trabalhadores na Wallig
(ex.: produtorÊS rurais/ artesãos) - ou na forma de consumir os bens
Sul Ltda. (COOMEC) e a Cooperativa Industrial de Fundidos dos Traba-
e serviços prestados pela cooperativa (ex.: eletrificação rural/ serviços
Ihadores na WaÏlig Sul Ltda. (COOFUND).
médicos, habitação). Nas Cooperativas Waiïig, seriam os associados
As duas cooperativas nasceram gémeas, porque resultantes da
que prestariam serviços à entidade, o que as caracterizava como coo-
luta unitária dos ex-funcionários da falida WaÏIjg Sul e porque se
perativas de trabalho. O trabalho dos associados era de natureza
organizaram juridicamente de modo semelhante, aprovando estatutos
industrial, do que resultou uma concepção muito particular do caráter
idênticos. No entanto/ cada uma delas seria autónoma para definir
autónomo do serviço prestado pêlos associados. Como trabalho in-
suas estratégias operacionais e suas políticas internas de remune-
dusírial complexo, não poderia prescindir do trabalhador coletivo, na

32 33
acePção que Ihedeu Ma^ (Marx, 1972:273, vJ) requerendo, seriam expressos em cotas-partes no valor unitário de Cr$ 1.000,00
portanto/ a atividade simultânea de um grupo (um mil cruzeiros). Como fora decidido que não seriam contratados
parciais/ exercida no mesmo espaço, em empregados, ficou estabelecido que associados que viessem a ser
compIemeiiÈanedade de tarefas. No caso das cooperativas, os operários admitidos após a fundação deveriam subscrever um mínimo de
parciais que formam o trabalhador coletivo não seriam autónomos duzentas cotas-partes (Art. 17°), podendo fazê-lo de uma vez ou em
no sentido de definirem livremente os métodos empregados e o ritmo até 10 prestações (Art. 18"), a serem descontadas da remuneração
a ser imprimido à atívídaáe da qual resultaria um produto por eles mensal recebida pêlos serviços prestados/ no caso de o novo associado
mesmo concebido/ exercida num tempo e num espaço também não dispor de outros recursos para cumprir esta disposição. Aquela
livremente estabelecido. Deste modo/ a nova constituição jurídica dos remuneração, cabe ressalvar, não seria salário, mas pró labore, forma
empreendimentos não alterava as condições concretas de trabalho^ jurídica de remuneração da prestação de serviços dos sócios de um
a forma de integração e de athddade dos associados no seu cotidiano. empreendimento económico.
pois as disposições estatutárias pelas quais os associados seriam Entre os novos direitos adquiridos na condição de associados
trabalhadores por conta própria que prestariam serviço autónomo nas destacava-se a possibilidade, pelo menos formal/ de participação
sedes das respectivas cooperativas significavam, exclusivamente. igualitária na tornada de decisões, através da singularidade do voto.
ausência de vínculo empregaíício entre os trabalhadores-as5ociados O fórum de exercício desse direito seria a Assembleia Geral dos
e^__I,?es,mas' Ac^aeks fo^am enquadrados na categoria de Associados, órgão soberano na Cooperativa. Em qualquer outra
'trabalhadores por conta própria" e excluídos da legislação trabalhista sociedade de capitais, seja companhia limitada ou sociedade por ações,
a assembleia geral é, também, o órgão soberano. Mas nessas, cada
e_fimção.legal dasituaçâo dos ^abalhadores-associados provocou unidade de capital corresponde a um voto, assegurando aos sócios
?Ïnifi5atlYas mudanças nos direitos e deveres que passaram a regu- ou acionistas com participação majoritária no capital social, o poder
lar sua vida no trabalho e que implicavam, de imediato, sobretudo de tomar decisões em nome do conjunto da sociedade. Como não há
em desvantagens, como a perda do direito ao Ï 3° salárío7às- férias limites quanto à proporção do capital ou das açÕes que cada sócio
remuneradas, às indenizações e aviso prévio, quando demitidos, ao pode possuir, uma só pessoa que detenha mais da metade do capital
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, PÏS^PASEP, à exclusão da e/ou das ações detém, sozinha, o poder decisório/ ao qual a "minoria",
Justiça do Trabalho na intermediação de quesfôes trabaïhistas e uma independente de quantas pessoas a integram, se subordina. Nessas
perda particularmente significativa/ que é a carteira profissional modalidades de sociedade os empregados estão excluídos do processo
de tornada de decisões, cabendo-ïhes exclusivamente cumprir suas
Em conímpartida a estas perdas, conquistavam novos direitos atribuições funcionais para concretizar as metas definidas pela
e.assumlam novos deveres' definidos nos estatutos, adequados à direção, que determina também os meios com que deverão ser viabili-
legislação cooperativista em vigência no país/ que por sua vez atende zadas.
aos princípios universalmente consagrados neste tipo de sociedade Nas Cooperativas Wallig/ todos os trabalhadores que nelas vies-
(Pinho, 1977; Padilha/ 1966).
Para fazer parte da cooperativa/ o pretendente deveria subscrever Desta forma, as decisões seriam tornadas num fórum integrado por
um determinado número de coías-partes do capital social, com'o trabalhadores que exercessem suas atividades dentro da própria
que assumiria os mesmos direitos e deveres dos demais associados. sociedade/ vivendo e partilhando seu dia-a-dia e dele não participariam
viesse a
É nesse fórum que os associados exerceriam seu direito de voto/
Fora convencionado na fase prévia à fundação que os fundadores elegendo e até podendo destituir, parcial ou integralmente, a direção
com a metade dos valores resd.sórins rcr^ln» das cooperativas/ deliberando sobre a prestação de contas e os planos
de trabalho, decidindo o destino a ser dado às "sobras"/ resultado

34 35
líquido apurado ao final de um ano fiscal/ e apreciando e votando
nomia operacional, como se pode verificar pela leitura do artigo 35
^cursoLÍassociados contra decisões do Conselho de Administração"
Essas atribuições do conjunto dos trabalhadores quando'reumdo s
Compete ao Conselho Administrativo dentro dos limites
ï^lslembiéia f<Tm para eles realmente inusitadas, porque~cons^
da Lei e deste Estatuto, atendidas decisões de Assembleia
tituiram espaços de participação aos quais nunca tinham lido~acesso
Gerai, pÏanejar e traçar normas para as operações e serviços
^nteriorïente e que configuravan'ï possibilidades de uma' gestão
da cooperativa e controiar os resultados.
democrática, pelo menos formalmente. Mais adiante, examinaremos
Parágrafo 1o - No desempenho de suas funções, cabem-
mais detalhadamente cada uma delas.
lhe entre outras as seguintes atribuições:
A^ díreçao da Cooperativa seria exercida por um Conselho de a) Programar as operações e serviços, estabelecendo
ao composto de presidente, vice-presidente/ secretário e qualidades e fixando quantidades, valores, prazos e taxas
^ls.c.°ï.síheirï/ eleíto para um mandato d^írês ano5/fíndoo~qual de encargos e demais condições necessárias a sua efetivação;
teria um terço de sua composição renovada. Qualquer associado!n"o b} Avaliar e providenciar o montante dos recursos financei-

leno gozo de seus direitos, poderia 5er eleito para esse CorueÍho" ros e dos meios necessários ao atendimento das operações
e serviços; c) Estimar previamente a rentabilidade das
assim como para o Conselho Fiscal, formado por três titulares e"fcrês
operações e serviços e sua viabilidade; d) Fixar as despesas
suplentes\com.mandato de_um ano/ Podendo reeÍeger "apenas um
de administração em orçamento anual que indique a fonte
feridos seus integrantes. De acordo com o Art.33do E^atutou;A
dos recursos para sua cobertura; e) indicar os aciminis-
eleição (para os Conselhos de Administração e Fiscal)" recafrá sobre os tradores de serviço, dentre os associados; f) Fixar as normas
associados/ como pressuposto/ assim/ haverá inevitável acumuïomtre de disciplina funcional; g) Julgar os recursos formulados
cargo e junção" (grifos meus). Isto signífíca que ao serelerto'paraumi pêlos associados contra decisões disciplinares; h) Designar
cargo em um^ desses Conselhos/ o associado continuaria exercendo substitutos nos impedimentos evenfcuais dos associados; i)
suasatividades.perman€níes/ isto é' a funç^ desempenhada^a Avaliar a conveniência e fixar o limiíe das fianças para

estrutura produtiva ou administrativa da Cooperativa, determinada associados que manipulam dinheiro ou valores; j) Estabe-
lecer as normas para funcionamento da cooperativa;
pelajiualifícação Profissional de cada um. A5sim/ a'eleição"d7u^í
k) Contratar os serviços de Auditoria, se necessário; l)
associado para um cargo diretívo não o afastaria de sua ïtivídade
indicar os bancos, nos quais devam ser feitos os depósitos
rotineira^ continuando a exercê-la lado-a-lado com os demais
dos numerários disponíveis e fixar o limite máximo do saldo
trabalhadores.^caráter temporário da ocupação dos "cargoFcÍe que poderá ser mantido em caixa; m) Estabelecer as normas
direçao e a possibilidade da rotatividade daqueles que viessemuaSc"upá^ de controle das operações e serviços, verificando, mensal-
Lpodenamatenuara seParaçâo rígida entre dingentes'edïngidlos, mente no mínimo, o estado econômico-financeiro da
?SSImcomoa P£rsPectiva da inversão nas posições ocupadas poderia cooperativa e o desenvolvimento dos negócios e atividades
com que se eliminasse o caráter da instância dirigente como em geral, através de balancetes de contabilidade e

acima, distante e estranha ao conjunto dos trabalhadores0 e afastava demonstrativos especificados; n) Deliberar sobre a admissão,
demissão e eliminação de associados; o) Fbcar anualmente
i esfera do trabalho a figura do patrão. Os dirigentes estariam nesta
taxas para a constituição de reservas destinadas a cobrir a
condição porque eleitos pelo conjunto dos trabalhadores" e"nâcTem
depreciação ou desgaste dos valores que compõem o atívo
função de sua participação no capital. Assim como poderiam ser eïeï-
permanente, bem a5sim para atender eventuais créditos
tos, poderiam também ser destituídos de seus cargos/ se a7sim deli- mcobráveis; p) Deliberar sobre convocação de Assembleia
berasse a Assembleia Geral. Geral; q) Aiienar ou onerar bens imóveis, com expressa
Ainda que essa fosse a instância deliberativa suprema e soberana autorização da Assembleia Geral; r) Contrair obrigações,
da Cooperativa para questões ordinárias ou para assuntos exTraor- transigir e constituir mandatários; s) Zelar pelo cumpri-
dinanos_consÍderados de interesse da mesma, as inúmeras atrFbïïiçÕes mento das leis do cooperativismo e outras aplicáveis, bem
assim pelo entendimento da legislação fiscal.
do Conselho de Administração lhe garantiram uma signifícativa auto-

36
37
.ESÏJÏmpI°Ieque de atribuições reservava um sifínifícativo poder associar-se, salvo deliberação em contrário do Conselho de
;.decÍsao..ao_conselho de Administr^o;conTpar?Íc'ula°rudes^uueer Administração; c) Deixar, reiteradamente, de cumprir
P^TLal~atmdadesdeJ>lan^^^ disposições de Lei/ do Estal-uto ou deliberações tornadas pela

á^S^;sSOE^=^^^^^ /iis viesse a se restringir ao Neste caso, caberia ao Conselho de Administração decidir pela
cl eliminação do associado mas somente após reiteradas notificações
Cão de decisões já tornadas. Mas, na eventualidade'dis?o
ocorrer, cabe ao mesmo, com a devida lavratura, no Livro de Matrícula, das
i, por dïsposição estatuiria a »^^^.
notificações e dos motivos que as provocaram (Art 13o do Estatuto}.
^^^^^^^IU^ÏÏ-intervetïi;^-^ A decisão do Conselho de Administração não encerraria o caso/ pois
.re£ttï_s-Em outra parte deste írabalho será exammado' o associado eliminado poderia recorrer da mesma, junto à Assembleia
^irtribuÏãc;,daAssemt'Iéia ^ ^"^i^ueSuadd°e ÏTa° Geral, num prazo de trinta dias (Art. 13°, § 2°).
^LT:«cabeAama7a"a;nfa"o'parauIOC^^
Estas normas que regulariam o processo de exclusão de qualquer
S^7/^Ï^ao^^a:d^^^^^ associado eram duplamente favoráveis em relação às vigentes para
^^^,Admm"traç£^recürl:q^^^^S^
não ratífícá-las.
os trabalhadores assalariados. Um dos aspectos positivos era a pos-
sibíUdade de recorrer da decisão e pô-la em discussão na Assembleia
din.^m.aI,gmlraso.slaAssembléia Geralera a in^ância onde proce-
roce- Geral, onde o demitido poderia expor a sua versão dos fatos que
IÍOCmsdtodeAdmimstratãopodena^^^^ levaram à sua eliminação e apresentar sua defesa, pleiteando sua
^tond"^lrsl!nterpostoPO;'u^ permanência na Cooperativa. Este processo teria uma tramitação
mais rápida do que a das demandas trabalhistas via Justiça do Traba-
independentemente do uso efeíivo deste direito, sua exi.fpn^
ZïSd^s tabaiha^^^^^
lho (que não raramente se arrastam por muitos meses e até anos),
além de se esgotar no próprio âmbito da comunidade de trabalho,
Tlaolongo de íoda sua vivência ^^riordeïabaÍho^nZ^^hZ' julgado pêlos próprios companheiros/ participes, de alguma forma,
^^tadiCMbreasdm'^
^^^^ml^^ossw^^^^^t^^^^
dos fatos em apreciação.
Outro fator positivo decorrente das normas que regulamentam
pldhav!.as-ido.sempre' até então. de acatar orden7etor°rmamcZ

^^ziI^^aj^EE^^^Z:s^
a eliminação de associados era não sujeitá-los ao desemprego em
virtude de conjunturas económicas desfavoráveis, que levam comu-
^ÜO^Nascooperativas' a POssibíÍidade de opmarem7'de1 mente à diminuição da produção e, na maioria das empresas atingidas/
S^r.p:ÏTã&!çõ?^=am^:^^^^^^^^
^tantZ.as de connvênciano-trab^ïco'mJouu^IdÏXS sd^Zanv:
à redução da mão-de-obra empregada. Esta solução não foi prevista
nas Cooperativas como procedimento para enfrentar situações de
retração de mercado, mas esperava-se que seus associados
. A.nov^condiçãode trabalhadores-associados também assesu- assumissem, coletiva e solidariamente/ as perdas dela resultantes/
ra^,aïinte_grantesdas COOPe"tívaruma7oTma"paarrucbnradseseS: implantando soluções que não implicassem na eUminação de

^^ëi fvm^^^^^S^
r,antla.dLemprego"; já 1ue "^um-a.,sociad"o po"dSa"^'^nagdao
integrantes do seu quadro social. No início do ano de Ï990, diante
das dificuldades enfrentadas em decorrência do Plano Colíor/ assim
siçoes estatutárias/ conforme o Art. 12, pelo quaï7
Coomec, em entrevista concedida ao

^lmáe OÏOSmoíívos' ° conselho de Administração é


obngado a elimínar.0 associado que7aTEx"erçailqua7cï°uerc Na Coofund, aos 450 sócios, apenas 50 estão trabalhan-
atíyjdade considerada prejudicial1 a cooperatíva^ulL do. Os restantes gozam uma licença remunerada, enquanto
i os objetivos desta; b) Deixar de exercer atívÍdSe as encomendas não reaquecem. Demissões é uma figura
na secíe ou na área de açâo da cooperativa/ que lhe facultou que não cabe no cooperativismo. Se todos são sócios áa

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39
^^r^^-r—^s..) ° ,ue nas quais, à parcela de capital subscrito por cada sócio corresponde
igual parcela a ser recebida na divisão dos lucros/dividendos. Nas
Cooperativas, outros critérios poderiam presidir aquela distribuição,
propostos/ discutidos e deliberados, soberanamente, naquela Assem-
bléía.
Em relação a toda vivência anterior como trabalhadores assala-
nados, essa possibilidade introduziu práticas desconhecidas pêlos tra-
a^er dado"à"queÏesl'"re'sT,Sr p,aLtenna.de.ÏMarcspeito dodertmo balhadores a5sociados/ a quem nunca foram prestadas contas dos
»°^^ador^:"DIol?oatoasl'dqeÏame ^m^e^wperativi^ resultados positivos do desempenho das empresas em que haviam
". 5.764 devem-se7drfuuz"idaasTYT/^mconformidaclecom a L° trabalhado (mas haviam sido sempre os primeiros e mais pesadamente
obriga?i"o;vco"uspeLdTnTo"^.pfla_fo™fãoT
p^"^i^^^^^^^op^^^ s
atingidos quando aquele desempenho era desfavorável/ como tinham
recente e pessoalmente experimentado com a falência da Wallig) e
Ke.erva: P^aT^T^co0^^ ^nd,os obrigató"°» »o"o~de muito menos ainda haviam sido solicitados a opinar sobre o que
sobra^^ lfí;^^^^S,def;arimlio%ld:: fazer com os lucros obtidos. Como assalariados, os direitos a que
^ezaÏeda;'=^ XaloSt ^^:^.qualquer faziam jus não contemplavam qualquer possibilidade de intervenção
Educacional e Socíaf(FATES^ ^^°2UI\dod€ AS5isí™ía Técnica; na destinação dos lucros. Esta era e continua sendo atribuição exclu-
^^c:^^^^^^^tee<teacio^'l; siva dos detentores do capital,
cooperativista:-Pame7t^F^^^LOU,.entídades que atuem no ^etor Como trabalhadores-associados, com participação no capital
d€w^^^^ ^^: ^^a^s;^ssobras'D^r
ïi5ï£^^^:^l==
social das Cooperativas/ adquiriram o direito de participar naquela
decisão através de critérios mutáveis, por eles mesmos estabelecidos

^SSTS^ëïE^^ ^w^s
e em cuja determinação cada associado teria igual parcela de poder
decisório.
ça^Z seTo'rZ^a°S ÏiD^nTOMmmto^estïladoTa'"P^5 Esses novos direitos, derivados da condição de associados, cuja
^ado a^ve^:r^ ^'^ ^; ^;;^°±,nov(ï:ou^íi:
para este Fundo7t" """° PUI Lenro üas sobras seriam destinadas
contrapartida eram os deveres de acatar as disposições estatutárias,
estabeleceram os parâmetros das novas relações de trabalho que
passaram a pautar a convivência do coletivo de trabalhadores que

^ssss^^^^
"da, ^S5^:: ^S"sm~ras ^"^. ^- assumiu o risco de enfrentar o desafio de serem os próprios agentes
de um empreendimento económico. Formalmente/ o conjunto de

^^^^^^^^enan,^
disposições reguladoras daquelas relações se assentou em princípios
democráticos comumente inexistentes em qualquer empresa e,

s^s^^^ss^^s
cotas): mas"^n'four^em ^Zorç^ do.capi.t_Ï sub.scrito '(°úme7o"de portanto, sem fazerem parte da experiência anterior de trabalho dos
associados das Cooperativas Waliïg. A metaboUzaçao desses novos
princípios formais com as práticas cotidianas deste conjunto de
trabalhadores, intermediadas pelas expectativas, valores e experiências

^s^^^^^sss^
individuais ou coletivas, constituiu a riqueza e a originalidade deste
empreendimento, com suas contradições e conflitos, acertos, erros e
ambiguidades.

-^sssss^^^^
41
registrar os horários de entrada e saída dos associados do seu setor.

dua^^^^s^^m^as;ltívldad" - Com a flexibilizaçao dos horários, foi suprimido o uso do cartao-


ponto/ passando díretamenfce a cada coordenador a atribuição de fazer
reaMadeb^n ^wT^s^nvZC^° desafio-*^u^

^^^^^^^^d^^^^
aqueles registros, forma de controle da assiduidade adotada. Ajornada
resultará desuaTeZtTn^ceoZ?^ent.oque lhes.P"tencia e"q^
semanal de trabalho estabelecida foi de 45 horas/ três a menos do
que a jornada máxima legal vigente na época da fundação das Coo-
direitos e "ovosde7£ur^uDaT^lÏleÏde.econômica definia ntovosï
perativas/ com horário para início e término das atividades. Mas o
dÏâod"oïc^ eTO^°^paTtaraZ!rnaÏT;tluaÏ^ rigor na observação deste horário foi eliminado: eventuais atrasos,
no;opaïrãoIdseXmoonla^rnSa,m;lmr^^^^^^^^^^
trabaIho~e7ouqualZ^el^onq^deler"pautarseuc^^^^ saídas antecipadas, faltas ou afastamentos durante o período de
trabalho poderiam ser compensados depois do horário regulamentar/
nação. A partird"e7te"enTenZm^df:;LTOles,e.práticas d""bordÍ-'
tuMasporr~coordm'ado^naeImmnLforaÍn aboMas as *efías:"subZ no mesmo dia ou em qualquer outro dia ao longo do mês. O não
a flexMÏdade"drS5. e' em lugar do caItâ°-Po^fo\\'do^da cumprimento das horas convencionadas de trabalho implicaria em
desconto proporcional do pró labore do associado. No entanto, mesmo

^S^^^^c^^?,0^-
daïi,."eçgo"da"CO'OaM?Cpresa fallcia/ assim exPlicadaP~oru"m'meëmb'roo
que não houvesse outras sanções para eventuais atrasos ou faltas
não compensados, condutas habituais de não cumprimento dos
horários deveriam ser advertidas pelo coordenador e/ se reincidentes/
passíveis de medidas mais rigorosa por parte do Conselho de
~^o:e^S^aJon-.toetona, Administração/ admitindo-se inclusive a medida extrema de afasta-
^?:z^<s csp^s^mu^a mento do associado. A ftexibilizaçao do horário não eximia os associa-

^^^S^^az^w^^
hierarquia/ ou não mVp^T^a_cut' para queb^r essa dos de seu cumprimento e nem lhes garantia autonomia na determi-
nação de seu tempo de trabalho, mas atenuava o rigoroso controle
baÏ;o^f^oqnTrionoS^mprÏB°decimr^^^^^^
do tempo a que os empregados estão sujeitos. Sua implantação

C^::SS^ SS±^^
aparüdpa^oT^ô^^n^Pnmd^ ^ coope^^
pressupôs o engajamento responsável de cada um na tarefa coletiva
que haviam assumido e a disposição de observar regras por eles mês-

^^^^S^^^^u^
^aIhacIo^ï^Ï^ ^^
^S:iS?^edm=s
mos definidas, o que esperavam concretizar facilmente, Já que todos
se integravam ao empreendimento como seus donos. Nesta condição,
as primeiras medidas práticas que adotaram tiveram o significado
àiretor, a função ïos ucocorLC^TfêncÍa:D_e acordo co^"mesm/o
de suprimir a "ideia de subordinação" presente na hierarquia autori-
tarefas e ^Sar o7^nï^m^lana aser de distribuir'^
^peird^^^^^ P"Uema;S^
faria da força de trabalho e no controle do tempo, elementos inte-

^Si]^^^^ë:::i^^2 grados na organização capitalista do trabalho, justificados como


essenciais à sua eficácia, mas de fato/ mecanismos que asseguram ao

^^S^^Z^^- P^n. à
d;,Ïsua'exFr^"^nPaOsdS^ans;^^^^^^
capital o exercício de sua dominação.
Desde o advento da sociedade capitalista/ o capitai buscou apro-
priar-se do tempo de trabalho, de início destruindo a autonomia dos
taInanormafeaÏ'o'Sa7^SS^SP^Mda;lendofu^^^^^ trabalhadores na determinação de sua duração, confinando-os num
"°va hierarqu7a7as^Laa^ur^s,nTdltiras- Mas sua P""ï-âona
espaço de trabalho sob vigilância permanente do capital (Marglin/
b"'g° d"rtÍc^a^S^^;^ttéaÏa' c°^a7tri° 1980). Reunidos na fábrica, eram obrigados a cumprir jornadas de
tar^.ente °'s^baaI^XÏ^S,^J;TectÍTO setor^
e aTOli^M^==^a^s^ïi
trabalho cuja duração era definida pelo capital, e submetidos a uma
nova notação do tempo (Thompson/ 1979), no centro da qual se
consolidava uma concepção de um "tempo para o capital" que destruía
42
43
as referências tradicionais na contagem do tempo. A redução gradativa cujos ocupantes exercem poderes parciais, num âmbito de abrangência
dajornada de trabalho/ arduamente conquistada pêlos trabalhadores/ variável mas sempre restrito, atuando como agentes dos interesses
tem sido o resultado de uma intensa luta contra o capital e suas do capital sobre os trabalhadores das posições subalternas e
estratégias para manter e intensificar o controle do tempo de trabalho. submetidos, eles mesmos, à autoridade daqueles que ocupam posições
Modificando-se continuamente em decorrência do avanço da luta superiores naquela estrutura. Os trabalhadores assim divididos se
entre capital e trabalho, aquelas estratégias incluem a adoção de relacionam de modo ambíguo/ num misto de colaboração e
regulamentos e sanções disciplinares, que pela coerçâo ou pela hostilidade/ tecendo uma rede informal de normas de solidariedade e
persuasão (..."uma operária fez mais de 100 meadas por dia e outras resistência (Castoriadis/ 1985) que Mothe chamou de "moralidade
chegaram a 130. Uma das razões deste progresso foi a compra de coletiva" (Mothe/ 1957) com a qual os trabalhadores se contrapõem
quatro lenços, um por máquina, cada um valendo meio penny que o às normas impostas pelo capital e àqueles que atuam em seu nome.
senhor Harrison [o diretor da fábrica] colocou sobre as máquinas, Na nova situação de trabalho nas Cooperativas, seus fundadores
como prémio ás moças que produzissem mais") (Marglin, 1980;60) consideraram desnecessário e até impróprio manter a hierarquia de
impõem ou induzem o trabalhador ao máximo emprego produtivo autoridade da antiga empresa/ pois nelas deixava de existir a figura
do tempo/ suprimindo a porosidade na jornada de trablho; formas do patrão, todos se igualando na condição de sócios e identificados
de pagamento mais adequadas para obter dos trabalhadores com o mesmo objetívo de fazer de sua iniciativa um empreendimento
intensificação do trabalho/ reduzindo o "desperdício do tempo//; bem sucedido.
práticas paternalistas de cooptaçao dos trabalhadores aos objetivos Com esta disposição retomaram as atividades produtivas depois
do capital. No entanto, nenhuma delas tão efetiva no controle do de quase dois meses de paralisação. Não encontraram dificuldades
tempo como a resultante da organização racional do trabalho, que para pôr em operação as duas fábricas/ pois "cada um sabia o que
na versão taylorista ou na fordiana/ ou na combinação de ambas/ fazer". Muitos dos antigos trabalhadores daWallig, que tinham partí-
estabelece tempos padronizados para a execução de tarefas cada vez cïpado da resistência contra seu fechamento definitivo/ eram empre-
mais fragmentadas/ simples e repetitivas/ para as quais cada operário gados da empresa há muitos anos, familiarizados com as rotinas de
é especial e rapidamente treinado. O ciclo de operações tende a uma trabalho, os procedimentos técnicos e com os produtos fabricados.
permanente redução, só freiada pela resistência dos trabalhadores. O Como nada disto foi alterado/ o início das atividades das Cooperativas
capital impõe a observância rigorosa dos horários de início e término foi uma retomada das antigas rotinas de trabalho. Mas a disposição
da jornada de trabalho, punindo os faltosos com sanções que podem dos trabalhadores era diferente.
incidir sobre seus salários/ reduzindo-os e podendo até provocar sua ... então, a reorganização foi bem mais fácil do que se
demissão. O relógio-ponto se transforma no primeiro signo do esperava. Talvez pelo próprio pe5soal, a motivação do
domínio do capital, com o qual o trabalhador se defronta cada manha/ pessoal em começar uma coisa nova, que seria a coo-
como observou Simone Weil; peratíva. Então, com a boa vontade de todos, foi até bem
fácil.
O primeiro detalhe que, cada dia torna a semdao sensível Coordenador de fábrica, COOMEC
é o relógio ponto. O caminho da casa à fábrica está
dominado pelo fato de que é preciso chegar antes de um Tudo que pudesse representar redução de custos e que viesse a
segundo mecamcamente determinado. (...) o acaso não tem se traduzir em benefícios futuros para os próprios trabalhadores foi
direito de cidadania na fábrica. (Weil/ 1979:131) objeto de redobrados cuidados.
Os trabalhadores-assodados das Cooperativas/ querendo afastar É que na cooperativa aqui, a gente procura poupar luz/
de sua nova condição de trabalho qualquer "ideia de subordinação"/ água, é a gente que paga, ne. Até o próprio material que a
concretizaram esta intenção suprimindo o relógio-ponto Juntamente gente tá cortando, de repente sobra, se guarda, se faltar
com as chefias. Estas são a expressão da hierarquização da força de para outra coisa.
Torneiro-mecânico, COOMEC
trabalho numa estrutura de autoridade, um conjunto de posit

44 45
Esta nova disposição possibilitou também uma circulação dos Ele fazia estritamente o que era função dele, porque é
tr abalhadores em diferentes tarefas, deslocando-se para outras característico de uma relação CLT. O cara é soldador, é tor-
atividades que não as habitualmente desempenhadas por cada um. neiro, ele só trabalha naquilo do que é a especialidade dele,
Em parte, esta circulação se fez necessária devido ao reduzido a função dele. Ele só vai fazer peça de torno, ele só vai potir.

contingente de trabalhadores que retomou as operações das duas Ele simplesmente, numa relação normal, se ele não tem
trabalho prá fazer como polidor, ele não vai fazer outra
fábricas/ em comparação com o número de empregados existente no
coisa. E nem a empresa tem a condição de deslocar ele prá
auge do funcionamento da empresa ou mesmo nos períodos que
fazer outro serviço, por limitação legal (grifo meu). Cfuer
antecederam a falência. Mas se esta circulação ocorreu, foi dizer, se deslocar, ele pode se negar a fazer, se ele quizer
fundamentalmente devido á motivação dos trabalhadores. uma atividade diferente, ele corre o risco de uma redama-
tória trabalMsta, equiparação salarial, coisas que numa em-
Poderíamos dizer que em parte de fábrica, todos fazem
presa normal tu não pode tentar. No caso das Cooperativas/
quase tudo. (...) Ele vai trabalhar naquela área naquele
onde nós não temos uma relação fcrabathista, o pessoal,
momento em que ele é mais neces5ário (...) e o pessoal
além de estar interessado, ele sabe que quanto mais ele puder
também não se apega só naquele trabalho dele dentro da
produzir, mais vai dar faturamento, vai dar crescimento.
função dele, que seria serralheiro/ montador ou poHdor.
Porque ele se beneficia. Então, ele sabendo disso, se ele ter-
(...} Há uma troca, de acordo com a necessidade de trabalho
no momento. minou aquela tarefa dele e o coordenador pede prá ele ajudar
o outro, mesmo que ele não seja profissional, vai fazer o
Coordenador de fábrica, COOMEC
serviço de um outro profissional que ele não conheça/ mas
Ao coordenador cabia fazer a distribuição das tarefas, avaliar a ele pode ir lá e ajudar. Vai lá auxiliar ele.
necessidade de concentrar esforços num determinado setor em dado
A limitação legal citada se refere ao artigo 468 da CLT, que dispõe:
momento e deslocar os operários, conforme estas demandas. Estes
deslocamentos foram aceitos sem resistências, mesmo que signifi- Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alte-
cassem o desempenho de tarefas consideradas inferiores à classificação ração das respectivas condições por mútuo consentimento/
profissional de cada um. e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indi-
retamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade
Eu não fazia isto na situação anterior. Não pediram e da ciáusula infringente desta garantia.
acho que se pedissem eu não ia. Mania de empregado. É paragr. único: Não se considera alteração unilateral a
que eu sou torneíro-mecânico, então eu sentia que ia me determinação do empregador para que o respectivo
rebaixar fazendo serviço de ajudante. Até acho errado isso. empregado reverta o cargo efetivo, anteriormente ocupado,
mas prá me valorizar... deixando o exercício de função de confiança.
Aqui na cooperativa Já fui deslocado (para outro setor).
O torneiro estava com pouco serviço, deu uma queda no Os trabalhadores faziam uma leitura própria desta disposição/
serviço (...), eu fui lá fazer polimento, de ajudante (...). Se pela qual entendiam que o empregador fica impedido de deslocar
fosse na época da Wallig eu Já não iria, porque não era qualquer funcionário para tarefas que não aquelas corre5pondentes
cooperativa, não tinha obrigação. à função para a qual foi contratado. E os trabalhadores, interpretando
- E agora tem? a sua moda este princípio geral/ faziam dele argumento de defesa
Agora não é bem obrigação, é prá mim e se eu não contra eventuais tentativas do empregador de mudá-los de função.
fizer aquilo, estou prejudicando a mim mesmo.
Sobretudo entre trabalhadores qualificados/ essa atitude tinha o
Torneiro-mecânico, COOMEC
significado de defesa do seu status profissional, determinado pela
Outro depoimento retomou esta mesma questão e apesar de lon- sua qualificação, e o desempenho de outras tarefas/ particularmente
go/ é oportuno reproduzi-lo, pois expressa a disposição generalizada en- as consideradas inferiores na hierarquia de qualificação - na qual a
tre os fundadores das Cooperativas na fase inicial de seu funcionamento. condição de ajudante é a mais babca - tinha, para eles/ o estigma de

47
um rebaixamento que recusavam com veemênda. Sua integração Alguns clientes enfrentaram essa i
no coletivo de trabalho se dava através das qualificações que cada a normalidade de suas outros fornecedores.
um possuía e que se constituíam nas referências para a construção e Com o reinicio los a
a valorização de sua identidade enquanto produtores. Wallíg, especialmente porque o desenvolvimento de qualquer peça
As condições em que as atívidades das Cooperativas foram ini- de fundição é um processo técnico, que exige testes/ experiências,
ciadas levaram a uma ruptura nos padrões conhecidos e defendidos ajustes, demandando algum tempo. A COOFUND podia fornecer aos
pêlos trabalhadores na sua experiência anterior de trabalho. O foco antigos clientes, num curto prazo, os mesmos componentes antes
de referência da sua afirmação enquanto trabalhador deslocava-se fornecidos pela Fundição WaÍíig. Mas/ buscando se defender de
do interior da fábrica do coletivo de trabalhadores no qual se eventuais colapsos naquele fornecimento, particularmente
integrava como indivíduo/ para a comunidade externa à fabrica: problemático quando monopolizado por uma única empresa, alguns
fornecedores e clientes/ em dúvidas quanto à viabilidade da iniciativa o ieaue de seus fornecedores, o que implicou,
e até os próprios familiares, envolvidos nos riscos que os trabalhadores >, em desvantagens para a COOFUND.
haviam assumido ao aderirem às Cooperativas. A esta comunidade
Muitos desses clientes mandaram duplicar os ferramen-
externa é que deviam dar mostras de sua capacidade de fazer daquele tais, guardaram em seus estoques ou mandaram para ou-
prqjeto uma realidade bem-sucedida, o que dependia fundamental- tros fornecedores. (...) Hoje eles colocam sua programação
mente da sua atividade coletiva, a qual se entregaram, sem medir conosco, os pedidos, mas não na sua totalidade (...)
esforços. Poderíamos ter uma fatia maior do mercado.
Associado-diretor, COOFUND
Nós iniciamos a produção com um pedido de 100 tone-
ladas de peças. Para o universo do pessoal de produção era O cumprimento dos prazos acordados com os clientes era outro
uma tonelagem significativa. Cfuatro ou cinco peças dis- fator que as Cooperativas precisavam observar com rigor/ para con-
tintas, algumas delas com alto grau de dificuldade. Naquela quistar a credibilidade necessária à consolidação de seu projeto. Se
ocasrão, todos se envolveram em todas as atividades, fun-
para cumpri-los fosse preciso estender a jornada de trabalho para
coes. Não havia coordenador nem coordenado. 5e era hora
além das 45 horas semanais estabelecidas/ ou assumir mais encargos,
de ir para o rebelo, não importava se era soldador, moldador.
isto foi feito pêlos associados fundadores, sem receber adicional de
todo mundo participou.
hora-extra,
Assodado-diretor, COOFUND
As condições em que as Cooperativas começaram a funcionar
A recuperação da credibilidade Junto aos clientes era uma implicaram também em intensificação do trabalho para alguns
condição essencial para o êxito das Cooperativas/ particularmente associados, em alguns setores das fábricas. Nas duas plantas, o
para a fundição/ que produzia bens intermediários para outros ramos número de trabalhadores tinha sido gradativamente reduzido com
industriais em especial para a indústria de máquinas e para o setor as demissões durante a crise da Waïlig e após sua falência, desfakando
automobilístico. A Metalúrgica Wallig fora, em certos casos/ o único o quadro funcional em número e desmantelando equipes de trabalho.
fornecedor de determinados componentes para alguns clientes/ produ- Na falta de trabalhadores qualificados e experientes para coordenar
zindo peças com ferramental que pertencia aos próprios clientes. cada setor das fábricas, antigos mestres tiveram que assumir a
Só a Fundição Waliïg produzia aquele tipo de peça, que coordenação de mais de um setor/ alargando sua área de atuaçâo.
não tinha cópia em outra empresa. Aí, de repente, faliu. Os
No meu caso específico, aumentou, dificultou/ porque
ferramentais não puderam sair daqui, processo Judicial/ aumentou a área de trabalho. Antes, como chefe, era um
tudo lacrado, etc. Então, aquele cliente que tinha um estoque setor só, dois, ou gerente. (...) Então, especialmente para
de segurança, mas mínimo, ficou apavorado. Porque não mim, agora, em tudo que é canto eu trabalho. (...) Justo
sabia se seriam retomados os negócios.
na época de abrir a cooperativa, nem todo mundo que estava
Associado -diretor, COOMEC trabalhando na massa falida ficou na cooperativa. O chefe
de fogões não ficou. Então precisaríamos de mais um ali.
Para poder atender os
Então eu assumi mais aquela parte e outro coordenador
de novos
assumiu outra parte do aquecedor. Eu fiquei com o fogão a
lenha, tudo que diz respeito a fogão a lenha e mais parte de
manutenção. Nós tínhamos manutenção e ficamos sem para isso, recuperar o
manutenção. Então a manutenção daqui é feita por nós a só
mesmos, através da ferramentaria. Então, isso aumentou
o serviço que a gente tem, em toda a parte da fábrica. bocas/ destinado a uma fabca de consumidores de poder aquisitivo
Coordenador de fábrica, COOMEC (Zero Hora, 01-12-1990).
A duplicação de tarefas ou o prolongamento eventual da jornada Depois de um ano de .ïvas já eram
:dido. Na COOMEC, os principais
aos os fogões a lenha,
do que somente eles seriam os beneficiados, já que comercializados no interior Estado/ os aquecedores de água/
os fabricados em e 15 litros de passagem de água por
não por um patrão. A ideia presente em todas as cabeças e os ua quente, com capacidade de 75 e
era a io era destinada ao
mercado paulista, 30% ao gaúcho e os restantes 10%
aqui é diferente porque aqui é considerado nosso. Pelo
comercializados em outros ;. Continuavam a ser produzidas
menos uma parti daqui é de cada um. Então isso incentiva
;, cujo setor apresentava uma
o pessoal mais.
pela direção da Cooperativa (Zero
Operário, COOMEC
Hora, 01-12-1990).

Hoje eu falto que recuperar aquelas horas. Se eu


ACOOFUNDjá no
faUar, estou io/ eu sei, o meu serviço. O que eu investira aproximadamentí ;/ 31-W-

fizer contra a i, eu faço contra mim mesmo. mais um, posteriormente/ assim
Operário, COOMEC como a inste ário de análise e equipamentos para

O processo de formação de uma mentalidade diferente em relaçã.


ao
ao
As direções das Cooperativas já começavam a esboçar o projeto
e coletívo com este destíno foi
nnr mstaiacoes
o junto com as ivas. O elemento decisivo na for-

depósito civil com o Banco do Brasil perderiam validade. Era preciso/


numa sc para as
Cooperativas, que sig sua cot em relação
Ao encerrar o primeiro mês de atividades, os resultados obtidos
à antiga Wallig Sul e sua falência.

normalização do
projeto como viável.
estivesse em operação toda L. As relações
A imprensa começou a divulgar os resultados positivos
comerciais com o mercado externo foram reatadas com o fechamento
alcançados pelas Cooperativas/
de uma antiga e

50
51
relações de trabalho que tinham sido implantadas. A experiência das
Cooperativas Wallig passou a ser divulgada como um exemplo bem
sucedido de autogestão (ístoÉ/ 24-10-1984:43; Nova Direção, 1985;
:ondições que passariam a regular as relações
Exame, 05-02-986:36; Veja, 26-02-986:93) no qual os trabalhadores
das Cooperativas tinha sido discutidas na fase em que sua organização
eram seus próprios patrões, as decisões eram tornadas democrática-
fora proposta. Aqueles que aderiram ao projeío, aceitando os riscos e
mente com a participação de todos/ a pontualidade e a assiduidade
as perdas que ele implicava, tinham noção bem clara de que teriam
eram muito altas apesar de terem sido suprimidas as formas de con-
também novos direitos e novos deveres, que se constituíram nas
trole usuais do sistema celetista, a ocorrência de acidentes de trabalho
referências para a construção de um novo padrão de relações/ no
sofrera queda significativa, assim como o recurso a atestados médicos-
qual a condição anterior áe empregado foi negada, com os signos e as
passando o serviço médico das Cooperativas a uma situação de
práticas de subordinação que a definiam e foi afirmada a situação de
igualdade como sócio das Cooperativas. Esse processo não se deu sem
No entanto, apesar dos elementos inovadores e positivos
conflitos/ na medida em que a reivindicação da igualdade efetiva
pela imprensa, a nova situação de trabalho não foi
esbarrou na persistência de concepções/ valores e práticas vigentes
implantada sem a ocorrência de conflitos e de questionamentos, multi-
na situação anterior de trabalho, contrários ao discurso da igualdade
plicados posteriormente, com o ingresso de novos associados/ que
ivas.
não haviam participado do movimento de resistência ao fechamento
da antiga Wallig e que fizeram uma "nova leitura" da condição de
associado numa cooperativa/ nem sempre em consonância com a
dos fundadores. A experiência anterior de trabalho dos associados das
Cooperativas, tanto fundadores como novatos, como passaram a ser
chamados aqueles que não integraram o quadro social inicial, sendo
admitidos posteriormente/ estava marcada pela sua inserção numa
estrutura hierárquica de

no organograma
quando situados nos escalões mais
estrutura. A supressão desta trouxe mudanças muito significativas
no seu dia-a-dia de trabalho. Os coordenadores, que substituíram as
antigas chefias, teriam atribuições de nahireza exclusivamente técnica,
de articular as atividades rotineiras nas respectivas áreas de atuação
e de orientar e auxiliar seus coordenados frente a dificuldades
eventuais ou imprevistos. Os antigos mestres da Waiïig Sul passaram
à condição de coordenadores, presumivelmente em função de sua
maior experiência na fábrica e do conhecimento mais global do
processo produtivo na respectiva área de atuaçao, e por isso estariam
mais capacitados para distribuir as tarefas e acompanhar sua execução
rotineira. Como a coordenação passou a ser entendida como uma
função essencialmente técnica e sendo os mestres operários
qualificados, não houve oposição a que eies viessem a desempenhá-
la. Com este caráter/ as coordenadorias foram aceitas por todos e

53
52
^" egradores das múïíiPïas de relacionamento entre os coordenadores e os demais associados.
los integrantes de um colete
•), como atestam os depoimentos" abaixo gente pegou uma convivência com os encarregados
porque no início da cooperativa todo mundo aprendeu a
,.ocoordmador é nec£ssário/ Porque ele tem mais sabe- meter a mão. Todos juntos, encarregados e funcionários,
e ajuda quem não sabe.
(...) Todos mais unidos. Era uma equipe só.
Operário, COOFUND Operário, COOFUND

.^:.í£mque ter coordenaáor/ aquela pessoa que para dís-


Ïir ;?LSrefa57enf'm7eaïzT^rta:^-q^ pqau" ^"0 foram superados com a consolidação das Cooperativas. Não foi
podem simpiesmente ser executadas'peÍo oïïtrolas^aJou [uns antigos mestres,
Operário, COOMEC vë-l enfrentar
seus reproduzir o
..tnecessario° coordenad^ Parque em qualquer setor anteriormente vigente e autoritária
d^?dasmte_temque..teraISUémqu^Pd^m^o^ os operários.
^ameiode foraf nâo diS° ^°^n'ose'ntídolldeïâ^tlr£aa
^to, mas prá organizar pelo menos as tarefas" dis- Tem ainda coordenador lá dentro que ainda tem a ma-
tribuir as tarefas, entende? ' ~" "'"'"" "ü wi-w' ul:>-
nia de pensar que é chefe.
Operário, COOMEC (...) todos tem que trabalhar, nós pegamos o próprio
coordenador e botemos a!i prá panela, troço com gesso e
, ^saiopímoes são expressão ^ Ponto de vista dominante nas gasolina prá dar brilho no inox, prá tirar a graxa e ele vai.
sd^^SlT;:aLewelTJPerceP.çãoqu"e"osolPe:^ (...) Se todo mundo tá ocupado e de é que tá folgado, a

^S^SSï^^^
su:LfrJlgmentaçâo £nquanto produtor Tn7erido7nLu!mlü gente diz "seu fulano, dá prá o senhor dar uma límpadinha
naquelas panelas prá nós poder entregar hoje?" e ele vai,
),o que requeria a intervenção de alguém" pode ser que ele não goste mas nunca disse assim 'Ah! eu
,n,e^a,na^"o_de, ro~nJunTO^""f"êZ^^^^^ tenho o que fazer", a gente chega e ele vai, sem bronca
;nS^artícuIando as difere"t" operaçõe7a7erem're°ali^u nenhuma. Ás vezes ainda quando ele vai largar, entregar o

^^^5ua^^'^^^^^ produto, providenciar um carrinho prá levar prá expedição,


aí a gente então larga foguete, deixa o cara meio vermelho
^epda;xpe.nemM .e:sabedoria" ad1"i™'""ta ^sãoZ^u"^:
.MalhaJ"uaçao .do paPeI dos "°rdenado"r'eTdeuPe^ndoo
Operário, COOMEC
relonhe°mcntode (iue de's*"de fat'0- «•"^ ^Ir'te^rre"dÏspa^^,arinÏ
Sod:^ttde.roÏ^ra""ES"s:s;at^^^^^^^ para dar ordens e impor punições
> consentimento à atuação dos coordenadoreT^ ^ —udm^os / as efias foram submetidas a pequenas
vinganças, com as quais as anteriores foram invertidas. Os
:':stïïo3e fosse admitido uma Pessoa exclusivamente
operários passaram a "cobr •rodução\ não segundo os padrões
^lTlmaÍolde •^mfrento'™7r^evmZIp^^ de novas práticas que/ ao ressal-
ZS chegandoe OP^°^ eÏe:^^S:T: anteriormente vigentes, mas
demai5 associado^ isto é uma quest-aSdeutemp^u

Ascoi >es iniciais


das Cooperativas, mar- ir de seus subordinados. A
cada s por vontade
vencer o desafio com o 3 superioridade das chefias
ário entre iguais
submeterem à vontade e aos ipondo aos coordenadores
do novo

54
55
-se e assim, assim que eu quero". E acontecia isso. Tinha aquela
•s. E se com
ISSO. força atuante sobre o operário: "faz assim e fim".
Para alguns coordenadores, as mudanças trouxeram dificuldades Coordenador de área, COOMEC

?^Lnãf_ haviaT enfrenílado na situação'anterior de chefes7pre^


sionando-os a desenvolver recursos de entendimentos fundados no A função de coordenador na cooperativa é mais difícil
diálogo. porque na iniciativa privada se tem poder e na cooperativa
tem que levar mai5 na conversa, mais na amizade. Na firma/
__ïí^p^nto eu acho que coorde"ador é mais difícil que o cara não quer trabalhar, se manda embora, na cooperativa
um chefe. Porque a gente tem que avaliar muito bem-lna tem que tentar conversar e recuperar o operário.
hora de falar com outro associado. Ao passo que no outro Coordenador de área, COOFUND
sistema não-, transmitia a ordem/ acompanhava o serviço/
Esses procedimentos implicaram em maior lentidão no equa-
mas sempre mandando diretamente. (...) O associado'se
resguarda um pouco da ordem; "Não tem nada de mandar. cionamento de divergências, o que não foi visto como algo muito
vamos trabalhar junto, ne?" Essa é que é a maior dificuldade^ negativo pêlos coordenadores. Estes assumiram a necessidade de
(^ J Um que é mais radical, um que não aceita o coordenador dialogar com seus coordenados/ frente à recusa desses em se sujeitarem
dtz: 'Agora não, a cooperativa não tem coordenador". Ele a imposições ou ordens. Se acatá-las era inevitável quando emanavam
não aceita o coordenador, então ele dificulta a atuaçâo do de chefias, passou a ser inaceitável quando formuladas por coorde-
coordenador. Não chega a criar um clima de animosidade." nadares, já que com estes partilhavam a mesma condição de sócios
só momentaneamente. Como era anberiormente só na hora
das cooperativas. Se a5 novas condições de convivência trouxeram
da discussão: "Então, olha/ assim e assim. Enquanto'nao
para os coordenadores as dificuldades Já apontadas, para a maioria
me provar que tá errado, então vamos fazer assim". E então
dos associados sem função de coordenação elas implicaram predo-
dá^aqude, não chega a ser atrito, aqude aquecimento de
ânimos, no momento. Meia hora depois tá í-udo normal, minantemeníe em mudanças positivas, como a maior liberdade vígen-
Antes essa situação era mais difícil (de ocorrer) porque o te/ o fim da pressão permanente das chefias vigente nas situações
operário que levantasse a voz, o chefe tinha respaldo'pela anteriores de trabalho, o maior respeito com que passaram a ser
ÏÈl??eque toma5se- Não ía ïevantar a voz com supenor, tratados, a valorização da sua opinião quanto aos procedimentos de
simplesmente baixava. Ele tinha o que n05 não temos. Nós trabalho/ a possibilidade de diálogo e entendimento. Os depoimentos
não temos punição/ nem nada. A gente procura mai5 re- abaixo revelam o significado dessas mudanças.
solver isso com diálogo. O si5tema de empresa não. O chefe
é autoridade. ...nas outras tem chefia em cima, sempre cobrando, ne,

Coordenador de área, COOMEC exigindo produção, controle de tempo, pegar no serviço no


horário/ não faltar serviço, etc. Aqui é bem diferente,
trabalha mais à vontade.
A forma de executar as tarefas era mais imposta de maneira Operário, COOMEC
indiscutível pelo coordenador e os operários não a aceitavam resig-
nadamente. Estes passaram a Tem diferença. Antigamente não se tinha tanta liberdade.
o direito de questioná-la,
assim como sugerir ou Operário, COOMEC
esse direito, cobrando dos
É diferente de uma empresa. Lá existe pressão para
Porque antes, por exemplo/ o chefe de seçao poderia produzir mais. Na cooperativa não existe e5ta pressão. Na
!?porL"faz \ss0"' Na COOPerativaJá não é assim. Â gente empresa privada existe um controle que aqui não tem. Não
dá e o pessoal executa. Às vezes, diante da resistênciatem se pode sair para ir ao banheiro. Eu vejo esta diferença.
que provar o que deve modificar. Ao passo que na chefia Operário, COOFUND
não. Mesmo que estivesse errado, chegava e dizia: "faz

56 57
Coordenador é diferente de chefe. Com o coordenador a nísmos de controle usualmente operante5 em qualquer situação de
gente pode brincar a vontade, mas com o chefe cie empresa, trabalho, mas/ por ter sido interpretado de modo diferenciado/ gerou
se a gente fala algo que ele não gostou, te queima na cara. uma multiplicidade de comportamentos, levando a divergências e,
Na cooperativa a gente conversa com o chefe e ele não às vezes, ao conflito. A recusa radical de qualquer forma de hierarquia
rebabca a gente.
ou de intervenção na articulação das atividades produtivas foijusti-
Operário, COOFUND
ficada com o argumento de que elas eram inadmissíveis entre iguais.
A partir desse pressuposto, às vezes os coordenadores foram contes-
. ? t£m mais Iiberdade- A liberdade é que os chefes
não ficam dando em cima. (...) A fiscalização^ em termo5
fados no exercício de suas funções.
da qualidade do serviço. Não há tanta fiscalização de como
Na cabeça dos coordenados não há necessidade de
se trabalha. (...) Na outra empresa era diferente. Tinha um
coordenador. (...) Inclusive eu fui numa reunião na
chefe de seção que estava sempre em cima, tinha que dar
COOFUND em que uma das questões levantadas é essa, o
tantas peças por dia. [Às vezes dá palpites para melhorar o
pessoal achava que não havia necessidade de coordenador
trabalho, conversa sobre isso com o coordenadori. Na outra
e com o que um coordenador ganha deveria ser dividido
empresa isso não acontecia. Ninguém perguntava nada. A
entre todos e o coordenador até passaria a ser um coorde-
nossa opinião não valia nada.
nado, vamos dizer assim, um igual a eles. (...) Nós chegamos
Operário, COOFUND
num ponto em que/ de repente, nós tivemos que colocar
ponto aberto porque o coordenador, se ele tenta impor
E diferente porque os coordenadores não dão tanto em
alguma coisa, em seguida vem a negativa, entende? As
cima como encarregado. Nós temos uma certa liberdade.
pessoas brigam, discutem (...) se ele manda assim "tu vai
Operário/ COOFUND fazer"/ ele "isso eu não vou fazer", chega a esse ponto. (...)
O Conselho (de Adminstração} teve que baixar determi-
O chefe não está em cima da gente toda hora. (...)
nações: "é proibido fazer is5o, tem que fazer aquilo", porque
Antigamente eu apontava a ida deles ao banheiro. Depois
o coordenador tentou impor a ordem e não conseguiu. Ele
de um diálogo com o coordenador achamos melhor deixar
recuou e deixou o barco ir.
isto de lado, prá não dar mais problemas.
Setor administrativo, COOFUND
Operário, COOFUND
Havia/ por vezes, o entendimento de que numa "empresa nor- Essas contestações mais radicais à função dos coordenadores
ma]// a pressão das chefias sobre os operários era inevitável, porque ocorriam com maior intensidade na COOFUND. Dentro da própria
todos estavam integrados numa cadeia de obrigações que devem ser Cooperativa/ elas eram atribuídas às características peculiares das
cumpridas/ sob pena de sofrerem sanções. Os chefes: fundições/ onde as condições de trabalho extremamente penosas indu-
.itorítários
com seus subordinados porque esta atitude era exigida ziam a uma alta rotatividade. Um grande número dos operários da
seus su-
penares hierárquicos. fundição eram não qualificados e só permaneciam no emprego na
falta de oportunidades em outros ramos industriais, nos quais as
O coordenador, como na empresa G, que eu trabalhei,
condições de trabalho fossem menos adversas, em consequência do
mesmo o coordenador/ ele pressiona porque ele já é
pressionado de cima/ ele também tem medo 'de perder o
que não se orientavam pela expectativa de permanecer na empresa e
emprego dele numa empresa normal. Então, ele com medo progredir funcionalmente dentro dela.
de perder o emprego dele/ ele pressiona tu; "olha, se tu fazer Essa disposição era bastante comum entre os associados da
de novo. tu vai embora"/ ou vai ter isso ou vai ter alguma COOFUND, já então majoritariamente integrada por não-fundador es,
coisa.
que só aceitavam se integrar no seu quadro social, com as perdas
Almoxarifado, COOMEC que a condição de sócio implicava/ quando o mercado de trabalho
Das mudança? introduzidas resultou um relaxamento nos meca- não lhes oferecesse outra alternativa.

58 59
Hoje, principalmente entre os nao-qualificados/ que vem Tinha regras. Ir no banheiro duas vezes de manhã, duas
em busca da associação, ele não vem para associasse, não vezes de tarde. Não ficar muito tempo. Não conversar, não
e Ideolog!a/ pelo contrário, ele vem buscar um emprego. bater papo com o companheiro do lado/ deixar o
Está desempregado, tá no mercado, o mercado tá com uma companheiro trabalhar, não ir na outra seção. Tinha muita
série de dificuldades, de maneiras que, temporariamente, gente que ia na outra seçao tomar cafezinho, conversar;
ele busca um emprego para satisfazer suas necessidades parece que fava em casa, fumar cigarro/ bater papo. Assim
imediatas^ Então, esse é um dos problemas que nós temos ó. a maior saia de visita. C...) O banheiro era enorme, tinha
na fundição.
uns bancos grandes lá, muitas vezes chegava lá tinha mu-
Administração/ COOFUND Iher tornando banho, fumando, arrumando o armário,

Esses trabalhadores não se integravam à Cooperativa com a umas pintando a unha, em horário de serviço.
Operária, COOMEC
disposiçâo de nela permanecer e não seidmkificavamoucomproïne-
t!amc.omoprojeto-A Ieitura quedele fazicim' a Partir das mformações Na opinião desta operária isto acontecia porque havia pouco
superfídais ïerecebiam íluando admitidos, era a de rupturïradï porque o coordenador não era autoritário.
?ic^o5?adroes disdPlinares usuaís no que chamavam de "empresa
Eu acho até uma coisa muito bacana de ele não ser
normal", com a rejeição de qualquer manifestação que~entendíam
autoritário lá dentro, porque eu acho que ele deveria ser.
como_exercícíodeauloridade-_Não acatamento de disposições dos (...) Uma vez ele mandou a T, "tu vai lá e encaixota aquilo
coordenadores/ inobservâncm dos horários, absenteísmo-começaram lá" e ela "eu não vou, manda a fulana lá, não to a fim de
a acontecer com frequência, provocando o descontentamento entre ir". Ele saía quieto e ia fazer. (...) Ás vezes ia lá, olhava, via,
os próprios associados/ que só balançava a cabeça e saía e vinha fazer o serviço que
aquele tava fazendo. (...) Na Waiïig não tem esse negócio
fizeram um ababío~a5smado dizendo que /J5e um
de o chefe tá em cima. Não tem esse negócio de medo.
af50cía, .faltar tanías vezes"-'- "se ur" associado chegar
atrasado". . "se um associado se estender no almoço, no A destituição das atribuições das antigas chefias de permanente
horário do lanche"... será advertido uma, duas, três vezes e controle e cobrança do desempenho dos operários, ao mesmo tempo
na quarta vez ele tem que ser dispensado. que foi considerada como algo muito positivo por todos os associados/
Administração, COOFUND foi também responsabilizada pela negligência com que alguns enca-
As normas dispostas no abaixo-assinado foram ado fadas como ravam o trabalho. A inexistência de mecanismos alternativos de
um regimento interno, aceito pela maioria dos associados/ e sua não controle (que fossem além das pressões circunstanciais desencadeadas
observância poderia implíca/em desligamenl do faltoso, preser- por alguns associados menos tolerantes com condutas consideradas
vando-se o direito deste recorrer à Assembleia Geral. Em 1989, numa incorretas}/ exercidos pelo coletivo de trabalhadores - que pudessem
das assembleias realizadas/ foram julgados recursos áe quatro cobrar de cada um a sua parcela de responsabilidade - abriu espaço
associados desligados da COOFUND por faltas disciplinares, de assi- para a ocorrência daquelas atitudes negligentes, produzindo um clima
duidade e pontualidade e nenhum deles teve decisão favorável da de insatisfação, pois os que se consideravam cumpridores de suas
Assembleia. tarefas se sentiam prejudicados por aqueles que/ na sua opinião, abu-
Como a função dos coordenadores foi da autoridade savam da liberdade existente.
das antigas chefias/ a sonegação no cumprims das regras disci- Se de um lado existia a percepção de que havia associados que
plinares existentes passou a ser mais tolerada. na ausência de novos abusavam dessa liberdade, havia também o entendimento de que
mecanismos que cobrassem seu cumprimento. outros não sabiam conviver com ela, mantendo-se extremamente
Isto ocorreu também
na COOMEC. Alguns associados manifestaram sua discordância com dependente de ordens "superiores"/ como relatou um coordenador
estas práticas, sentindo-se prejudicados/ porque,', enquanto assumiam
suas tarefas com responsabilidade, outros //ï
Hoje em dia eu tenho que me sentir como um deles, ne,

60
61
todo mundo é sócio. (.,.) Como isso é uma coisa nova ejes de tensões para os trabalhadores/ era/ ao mesmo tempo uma garantia
^u^u_am,me conslderando como um chefe e eu sempre presumida de que condutas negligentes não seriam toleradas Daí a
digo para eles que não é assim. (...) O pessoa! acostumado forma ambígua como as novas condições eram vividas e avaliadas.
15e^Ïna!ldad0' entãoeles continuam esperando que a gente O depoimento da operária afirmando que "acha muito bacana
mande. Eu sempre digo: "olha, vocês tem liberdade teïn
o coordenador não ser autoritário/ mas acha que ele devia sê-lo", é a
tsso^ tem aquilo para fazer/ vocês podem ir fazendo', não
precisa esperar que alguém chegue/7 Tem genbe que não síntese dessa ambiguidade.
sabe trabalhar sem chefe, porque será que as pessoas não
trabalhar sem chefe, ne?

^A substituição de chefias por coordenadores provocou mudanças Já vimos que ajornada de trabalho estabelecida nas Cooperativas
muito significativas nas relações entre os trabalhadores^ como revelam foi de 45 horas semanais, três a menos do que a jornada legal então
os depoimentos registrados. Formados como trabalhadores no mter^r vigente e que seriam cumpridas de segunda à sexta feira no horário
desorganizações hierárquicas autoritárias, ao-se msenrcmnum^no^a das 7 às 12 horas e das 13 às 17 horas, com 15 minutos de intervalo
rcalidade'naqual sePretendeu dimmar aquelas carartenïtica^munom^ em cada turno. Posteriormente foi estabelecido o turno da noite na
Ïcondição de i§ualdade que todos passavam a desfrutar/'oïassocïïdos
vlvlam_e5sa nova situaçâo_com ambiguidade. O relaxamento d7um Além da redução da jornada de trabalho, foi decidido que não
ron^okngor^^^ a possibilidade de contestar determma"ç0e7í mais seria utilizado o relógio-ponto/ ficando sob a responsabildade
Ju^tifícaeívas quando discordavam de seus conteúdos" a" substí^câo dos coordenadores apontar os horários de chegada e saída dos
L submisso e da autoridade pelo diálogo produziram"umambÏen^ trabalhadores de seus respectivos setores. Atrasos eventuais/ faltas
dlmaíorliberdade/ no qual eles se sentiam Sre5p"eitadolupoïndo ou saídas durante o expediente poderiam ser compensados, no mesmo
trabalhar mais à vontade, sem medo e sem pressões; Mascas lmelsm^ dia ou posÈeriormente, a critério do associado. Esses registros, feitos
condÍçoesdavam °P°ríumd^e a conduta^deneg7igêndan7traba^ pêlos coordenadores, seriam passados para o setor financeiro que
gerandodesconteníamenío entre os ^^ciadosqu°e"s7conside7a"valm no caso de não recuperação de horas não trabalhadas, procederia o
cumpridores de seus deveres e se sentiam prejudicados por aqulde7< desconto correspondente no pró labore do associado.
l'?OMbÏmu.sar, essa liberdade". Com i.sto;a avaliação"soblre7n^a A maioria dos associados considerava essa mudança muito
^ apontar as contradições que ela gerou. O parâ^ positiva/ em relação aos regulamentos vigentes em qualquer empresa.
m.eíro.para esta avaliação/ construído a partir da expenTnaaantTr^r É diferente do que era antes. Quantas vezes eu chegava
d^rato!h.°- :tantopc>dia serrecu^do, como-rervind'icado"Q.u"a'nd'o"o correndo porque tinha que bater o cartâo-ponto. Por um
^se sentia prejudicado no novo contexto/ pela recusïde minuto nós perdia o repouso do fim-de-semana. Nós não
oulrolassociados apautarem suas Pautas/ peloque/entendiamTeruo temos cartâo-ponto. Acho isso uma grande coisa.
lïp^to.dlcooperatíva"/, OUPelos antí^os códigos discipÍmares/ Refeitório, COOMEC
estabeleciam os critérios de distinção entre 05 boïs''e"o7mau7^n^
?a.nos-..íiendiaa defmder °retorno da vigência daqu'de7códigol Se batesse o cartao-ponto um minuto atrasado ou eu
perdia a minha hora, tinha que ir na doutora justificar o
^'tS>£.patróes/ eram' mtao- a^^^"dS minuto atrasado para ela, prá mim só perder a meia hora
porque senão ia perder o repouso, entende? Então e aquela
.Mas.adlmmuíção/ ou até ainexístência, segundo depoimentos,
tensão/ é como eu digo, agora não tenho este problema, se
das pressões exercidas pelas chefias/ fontesïe tSsões^ m^^em^e
eu chegar cinco, dez minutos atrasados eu vou tranquilo,
dmuncmáosl foi.por todos av31iada ^^umaspecto"P^itTvoiíJnac não tem problema, eu compenso depois. A pressão que
noya/sltuaçao de tr3balho-No entanto/ na m£dí^ ^ que abria; vinha de cima era bem, era terrível em termos de horário,
Para que os -deveres do bom funcionário- debcassem desercumprfd em termos disso, em termos daquilo, um minuto atrasado
e outras coisas mais que pressionavam o operário a

62 63
trabalhar sempre com medo. O que dá tranquilidade aqui é todo sem chegar atrasado. Tirei o prémio quatro anos a
a gente trabalhar sem medo. Se eu chegar cinco minutos fio. Mas as pessoas que moram longe, que dependem de
atrasado e eu não me preocupo de saí correndo e pegar um ônibus, é mais difícil.
ônibu5 prá bater o cartão, eu posso ficar uns cinco, dez Refeitório, COOMEC
minutos depois da hora, eu recupera aquilo ali, entende? e
o medo e5se de ir prá rua, ne? Tem gente que é mais consciente, que antes da hora de
Operário, COOMEC trabalho já estão na cooperativa. Tem outros que chegam
atrasado.
Coordenador, COOPUND
5e chegar atra5ado eles não ficam enchendo o saco. Na
outra firma era um baita sermão. Aqui não.
Ajudante, COOFUND E eu nunca gostei de ser chamada a atenção. Nunca gostei
mesmo. Procurava sempre pular na frente prá nunca se
O controle do tempo é/ para os trabaihadores, fonte permanente chamada atenção. Porque eu to ali paga, se eu entrei pra
de tensões. Particularmente/ mas não só, a necessidade de observar trabalhar, eu tinha que trabalhar, eu tinha que fazer o meu
rigorosamente os horários de início da jornada, sob o risco até de serviço,
perda do emprego, é o primeiro enfrentamento diário do trabalhador Operária, COOMEC

com o poder do capital, consubstanciado no relógio-ponto e que se


Trabalhei vinte e sete anos e meio como operário, hoje
renova ao longo da jornada de trabalho/ através depressões1 para
sou aposentado e nunca falhei a hora, cheguei atrasado/
que os tempos-padrões previstos para a execução de cada tarefa sejam
nunca saí sem dar justificativa, inclusive nunca perdi um
cumpridos/ instalando dentro das fábricas a ditadura dos cronôme-
domingo em vinte e sete anos e meio. Não era operâno-
tros. Pequenas frações de tempo passam a ser critério de avaliação do padrão por que sempre era brigão.
desempenho dos trabalhadores e de sua adequação à ordem índus- Operário, COOMEC
tríal O temor de se atrasar, um minuto que seja, tão frequentemente
A adoçâo da flexibilidade de horários distencionou os associa-
citado pêlos trabalhadores, se integra a sua rotina, com resultados
negativos para seu estado de ânimo/ em permanente tensão. As dos/ proporcionando-lhes mais tranquilidade no trabalho/ mas não
os isentou de se esforçar para que os horários fossem cumpridos,
grandes distâncias que em geral devem ser percorridas da casa até o
fazendo de atrasos ou faltas, não a regra, mas sua exceçáo e rema-
local de trabalho as dificuldades dos serviços de transporte coktivo/
problemas no trânsito provocando atrasos nos percursos geram nos dências não deveriam ser negligentemente toleradas. O que se pre-
trabalhadores um sentimento de incerteza quanto a sua capacidade tendeu, com esta modificação, foi o relaxamento dos mecanismos de

de observar aqueles horários, decorrente de fa fores que não podem controle, indicadores de relações de subordinação, inadequadas en~
controlar externos e independentes de sua vontade ^de cumprir as tre iguais, esperando-se que todos, espontânea e responsavelmente,
assumissem e observassem as regras vigentes, porque elas existiam.
responsabiljdades que consideram inerentes à condição de trabalhador.
Um minuto apenas passa a ser uma fraçao de tempo valiosa/ linha Tem horário prá cumprir e há cobranças, apesar de certa
divisória entre o bom e o mau funcionário. Esse critério/ estabelecido liberdade.
pela direçâo das empresas e uma das formas de exercício do controle Operário, COOFUND
do capital sobre os trabalhadores/ é internaiizado por estes como
indicador do trabalhador exemplar". Observar este critério é motivo Basicamente o pessoal não marca ponto. E o pessoal
normalmente chega no horário. E por incrível que pa-
de orgulho e afirmação da condição operária/ que para muitos pres-
reça, nós não temos cartao-ponto e o pessoal cumpre
supõe responsabilidade no cumprimento das normas que lhes são
horário, (faltas?) Bem pouco/ muito pouco. O si5tema
impostas.
de cooperativa acrescenta principalmente o senso de res-
ponsabiïidade de cada um. Tanto no trabalho como in-
Antes tinha um prémio para quem trabalhasse o ano

65
clusive até nos horários. (...) Eu acho que seria mais ou do abuso. É pessoal chegando oito horas, quinze para as oito,
menos isto, a consdentízaçao do pessoal de que ele esta dez prás oito, oito e meia, nove horas, onze e trinta sai, chega
trabalhando numa coisa dele. à uma e trinta, saí cinco horas. Aonde eu cumpro um horário
Coordenador de fábrica, COOMEC e o outro associado não quer cumprir/ é prâ bonito?
Operário, COOMEC
Eu acho isto aqui uma vantagem. (...) Ele controiava
quando era chefe de seçâo e agora contínua, ne. 50 que é Nem sempre é bom. Dentro dos setores existem pessoas
um pouco diferente; antes controlava no cartão-ponto. E que pensam diferente. Tem gente que usa a abolição do cartão-
agora não/ vai mai5 na confiança. (...) Só posso dizer que é ponto para "ah, tá na hora. Não vou bater cartão mesmo...
uma vantagem na cooperativa, a liberdade, Se o cara quer mais um minuto menos um minuto não faz diferença".
sair, sai. Quer tirar feriazinha, dá prá tirar. Na outra empresa Coordenador, COOFUND
é tudo cumprido rigorosamente. Quer dizer, fica difícil. Não
fica nada parecido uma firma com a outra. A avaliação negativa da eliminação do cartão-ponto foijustifi-
Operário, COOMEC cada, em geral/ pelo uso indevido que alguns associados faziam da
liberdade que lhes era dada/ descumprindo os horários estabelecidos,
Na cooperativa tem mais liberdade. Não é porque se pode gerando condições de desigualdade, contra as quais outros associados
chegar atrasado. Aqui ninguém chega atrasado. É tudo no se rebelavam, ensaiando mecanismos informais de controle que eram,
horário certo.
por sua vez, contestados.
Operário/ COOFUND O mesmo associado que reivindicava o retorno do cartão-ponto,
assim relatou o funcionamento daqueles mecanismos:
Pode-se chegar atrasado mas não abusar. Só no caso de
uma nece5sidade. Lá dentro no nosso setor quando acontece de sairem

Operário, COOFUND mais cedo, a gente também não vai estar toda a hora no
coordenador dizendo assim "po, fulano saiu uma hora mais
Mas havia atrasos e não cumprimento de horários, contra os cedo", "olha, ele chegou oito horas", então a gente deixa ,
quais alguns associados se manifestavam com indignação/ sentindo- quem resolve é o coordenador, depoi5 quando a gente fizer
se prejudicados. Esses associados tinham opiniões diferenciadas em uma reunião, a gente já tem uma relação lá, "olha, o
relação à flexibilidade de horários. Podiam rejeitá-la, às vezes de modo coordenador pagou as horas, fulano faltou tantas horas
radical, ser indiferentes a da ou considerá-la positiva, mas discor- num mês e como é que é?" Aí eles ficam loucos: 'To/ mas

dando do abuso de alguns e da falta de um controle mais efetivo na como? agora deu prá ser dedo-duro?"
Operário, COOMEC
cobrança do cumprimento dos horários de trabalho.
A assimilação diferenciada da eliminação do cartão-ponto era
Por mim, se colocarem o cartão-ponto não faria
diferença porque meu horário é o mesmo. Tendo ou não, motivo para divergências entre os associados/ como revelam os depoi-
sena a mesma coisa. mentos transcritos. Considerada predominantemente como uma me-
Escritório, COOFUND dida positiva, que eliminava a tensão, o medo de se atrasar e das
punições, usuais nas outras empresas para este tipo de transgressão,
Para algumas pessoas foi uma medida positiva, mas tem os associados se opunham a ela quando entendiam que ela dava mar-
pessoas que não/ como é que diz, não sabe aproveitar essa gem a abusos. Estes eram/ para eles, o uso indevido da liberdade
liberdade. (...) chegam atrasado5 e a gente tem que controlar propiciada pelo relaxamento dos horários. Neste caso/ reivindicavam
as 20 pessoas. o retorno do padrão anterior/ de exigência rigorosa no cumprimento
Coordenador de fábrica, COOMEC de horários/ sempre reconhecida como negativa por ser fonte
permanente de ansiedade e de temores, mas que sujeitava a todos,
Eu sou um que batalho pelo tal cartão-ponto, por causa
igualmente, ao cumprimento das mesmas regras. O que os associados

66 67
íal?ÏJ_rativas/ejeitaXam com mais veernênda era o comporta-
mento diferenciado que observavam no dia-a-dia de trabalho^nten-
dido como incompatível com a igualdade de direitos 7 deveres*' A trajetória comum de luta, construída na mobilização contra
o fechamento da Wallig Sul e a consolidação da alternativa concreíi-
pautar a conduta de todos dentro das Cooperativas, decorrente
condição comum de sócios. zada na organização das Cooperativas fizeram surgir enfcre seus fun-
dadores um forte sentimento de solidariedade, alicerçado no enten-
O pessoal de maneira geral se comporta mais ou menos dimento de que a colaboração mútua era imprescindível para o êxito
em matéria de horário. Nós cumprimos, mas os "grandes"
do empreendimento que haviam assumido. Somente eles seriam os
não cumprem.
beneficiados se os resultados obtidos fossem positivos, como seriam,
Coordenador fábrica, COOFUND
também, os únicos prejudicados no caso dele fracassar. Eles iniciaram.
A^identíficaçâo de condutas diferenciadas em relação às novas as atividades nas duas fábricas convictos de que seus esforços não
normalque reSulavam o funcionamento das Cooperativas passava iriam beneficiar um patrão/ mas retornar para eles próprios, e isto
^íomar:comor_eferência distmtas categorias de associado^ a"partír foi decisivo para produzir entre eles uma forte identidade de interesses.
ampliação dos seus quadros sociais "com novas admissões" É entre os fundadores que se manifestava com maior vigor o senti-
A divagem entre fundadores e novatos permeava as" manífes- mento de pertinência às Cooperativas, expresso pela declaração de
tações dos entrevistados, que a ela atribuíam tanto a"existênciade que trabalhavam em algo de que todos eram/ em parte, donos. Nessas
prmlégios reservados aos fundadores, quanto incompreensão eïu^ condição, integraram-se às rotinas de trabalho abandonando valores
só com as Cooperativas/ que caracterizaria a conduta arraigados, construídos na sua experiência de trabalho, que Èinham
novatos. sido, até então, afirmações de sua condição de trabalhadores e de
^miportância dessa divagem merece uma exposição mais suas qualificações profissionais, ciosamente defendidas. A aceitação
voluntária de qualquer tarefa, mesmo que ela fosse inferior às suas
qualificações/ sem. significar para os trabalhadores, rebaixamento
pessoal/ revela a mudança nas disposições que moviam. 05 associados
na fase de implantação das cooperativas. Todos "metiam a mão" onde
fosse necessário concentrar esforços para cumprir os prazo5 de entrega
dos pedidos aos clientes, e antigos chefes, na nova condição de coor-
denadores, assumiram esta tarefa lado-a-Iado com os demais asso-
dados. As relações de autoridade cederam lugar ao diálogo/ exigido
pêlos coordenados diante de atitudes impositivas de coordenadores
ainda imbuídos das antigas atribuições que tiaham como chefes. Todos
se esforçaram para se adaptar às novas regras, que eles próprios
tinham estabelecido.

A crítica sempre é difícil, hoje cuja aceito melhor. Mesmo


a crítica de um subordinado hoje é normal.
Coordenador na COOFUND

O desafio de consolidar as cooperativas e provar que eram ca-


pazes de vencer as dificuldades que aceitaram enfrentar era um
estímulo para todos.

Eu pensava que isto aqui dava dinheiro e tava sendo

68
ma laclministrado- Tá provado isto, estamos aqui até hoje. novas normas de convivência e de trabalho e a aceitação de outros
(^..) Tinha uma proposta em outra empresa, mas acreditei objetivos que não os exclusivamente relacionados ao salário A rota-
nasso aqui, queria provar alguma coisajunto com as outras
tividade era maior entre os ajudantes/ trabalhadores sem qualificação,
pessoas, que isto aqui ia dar certo.
pior remunerados e sujeitos a condições de trabalho mais penosas.
Coordenador na COOFUND
Não limitados a um tipo de trabalho concreto que restringe as
Após alguns meses de funcionamento/ novos sócios foram sendo oportunidades de emprego para os trabalhadores qualificados/ os
admitidos/ pois o grupo fundador já começava a se7pequeno" ajudantes circulam entre diferentes ramos industriais, desempe-
aos pedído5 recebidos dos clientes. Com o ingresso desses nhando tarefas auxiliares simples, que não requerem aprendizado
novos sócios/ foi encerrada a primeira fase na história das Coovera- prévio. Migram de um emprego para outro/ levados por salários me-
uvas, conforme relato do presidente delas. Íhores ou condições de trabalho menos penosas do que as vigentes
novatos/ como Passamm a ser denominados os novos asso- na fundição, na qual tendem a ser trabalhadores transitórios, na
s/ não tinham nenhuma familiaridade com a história da funda- expectativa de obter um emprego melhor Ê com esta orientação que
çaoÏscooperativas e do movimento dos operários que a precedeu/ semtegraram na COOFUND, do que resultou uma rotatividade alta
enenhum compromisso com o projeto coletivo assumidopelosíünd^ e uma-ausencia do compromisso e da identificação que motivaram
L.e?aram às COOPerativas em busca de um emprego e de um os fundadores.
salário. Ao tornarem conhecimento do que significaria^trabalhar numa As dificuldades da COOFUND para recrutar mão-de-obra com
cooperativa como seu associado, muitos' pretendentes às vaeas estas características e com esta orientação/ pouco disposta a aceitar
oflrecidas desistiram de OCUPá-las/ sobretudo devido àperda"Sos um emprego onde inexistem direitos trabalhistas, obrigou sua direção
direitos trabalhistas que a condição implicava. Os que aceïtaraminte^ a buscar alguma compensação/ para poder contar com a força de
grar-se as Cooperativas/ em geral foram levados a esta decisão devido trabalho necessária. Foi então implantada uma poupança compuí-
1 escassas oportunidades de encontrar outras colocações em virtude sória, para a qual cada associado contribuía com 3% (ou mais/ se
das osalações na oferta e procura de mão-de-obra~nomercado"de assim o desejasse) de seu pró labore e a Cooperativa com uma parte
3. Integrados aos quadros sociais das Cooperativas os nova'- proporcional ao tempo de trabalho de cada um. Esta quantia era
tos vieram a se constituir numa categoria distinta dos fundadores. A mensalmente depositada em contas bancárias nominais bloqueadas,
?^!:!Lde!Ï5ferencïaçao entre.o\as~sociados'começaramaemergí^ liberadas só e quando o associado se desligasse da Cooperativa. Esta
atitudes próximas ao preconceito de um grupo contra outro. Para os poupança deveria suprir a inexiíitência do FGTS, mas alguns traba-
fundadores/ havia uma,tendêncía/ entre'os^ novatos/ àdispficêncïa Íhadores não a consideraram um substitutivo satisfatório para este
com suas tarefas/ à não identifícação com os princípios coopera tivistas Fundo, afirmando que ela "era uma mixaria".
e a não fazer o uso devido das condições de mais liberdade existentes Posteriormente, aquela decisão foi alterada por proposta do Con-
nas Cooperativas. Para os novatos/ os fundadores eram mais consi- selho de Administração/ aprovada pela Assembleia, podendo a pou-
eïdos^_tmham Privilégios que lhes eram negados. A reTaçaoentre pança vir a ser liberada no mês de dezembro, ou em qualquer época
S! Ts^rupos era ambí§uana medida em que se verificava por parte do ano para a aquisição de casa própria ou por motivos de saúde.
de alguns novatos, o reconhecimento de que os fundadore^deímm Da alta taxa de rotatividade na COOFUND, do afastamento de
teimais direitos, pois as Cooperativas foram resultado de uma'Íuta muitos fundadores e da ampliação do quadro de associados resultou
?Ï'iï^Ï_estes mantíyeramPara eviíar o fechamento da WaÚig Sul, que a maioria dos seus trabalhadores passou a ser integrada por
nelas arriscaram o dinheiro de suas indenizações, mesmo na inceorteza novatos.
sobre o resultado que obteriam. Este processo não ocorreu na COOMEC, onde a rotatividade era
A diferença entre as duas categorias de associados se aprofundou pequena/ como havia sido também na época da Wallig Sul. A mão-
mais na fundição do que na mecânica. Naquela/ a alta rotatividade de-obra empregada nessa planta era, em grande parte/ qualificada e
da mão-de-obra dificultou a socialização dos novos assocïados às semi-qualificada/ com um nível salarial mais elevado e com condições

70 71
de trabalho menos árduas que na fundição. O número dos fundadores Na firma, o cara não quer trabalhar, se manda embora.
que se afastaram da Cooperativa era pouco significativo e~ entreis Na Cooperativa tem que tentar conversar e recuperar o
"T05 associadosa taxa de permanência era elevada, o que tornava operário (...}. Quando não tem solução leva para o Conselho.
viável uma socialização mais satisfatória dos novatos "em ïela^ Não há muitos casos. A maioria é do pessoal novo.
COOFUND, coordenador de fábrica, fundador
ao5 propósitos originais do empreendimento.
A familiaridade dos novatos com este5 propósitos era construída
Cooperativa é direitos iguais, todos trabalhando com o
na convivência diária com os associados Já integrados à rotina "das
mesmo pensamento, uma comunhão. Todos tem que
Cooperatívas/ que se encarregavam de iniciá-los no aprendizado das trabalhar, se desprender de tudo em função da Cooperativa.
Ie8ra5vig_entes' das ^uaiseles íos novatos) eram apenas superficial^ (,..) Nem todos incorporam os princípios da Cooperativa. A
mentemteirados ao se candidatarem aos postos de trabalho oferecidos maioria sim. Os que não param no trabalho n3o incor-
??elalcoúpemtívas- Geralmente/ era nessa ocasião que peIa"pnmeÍra poram.
vez tornavam contato com os fundamentos do cooperativismo "Mas COOFUND. coordenador do setor

a rápida introdução pela qual passavam e a inexistência de atividades


reguÏresde fwmação e Formação sobre o que écoo~perativ^mo Na mecânica, não vejo desinteresse de ninguém. A gente
vê que cada um pega e faz. Não sei se é pela liberdade, que
(previstas nos Estatutos), reduzia'sua compreensão desÍa forma de
não tem ninguém cuidando. Às vezes eu fico pensando:
orgaïzaçao â mexistência de d^eítos trabalhistas, à possibilidade de
Como é lindo, cada um nas suas máquinas, trabalhando,
PÏtÍ"par no rateio da5 sobrãs e na ^™Ïação das regras relativas
Do outro lado (na fundição} não sei.
a horários e a chefias. Estes eram os elementos para eles mais noïáveis COOMEC, operária, fundadora
; organização assumida pelo empreendimento industrial
ao qual^ se integravam. Com esta compreensão limitada'do "auï"e Apesar do grande entusiasmo desta associada com a Coopera-
cooperativismo^ foi através da convivência com os demais assoc?ados tiva, ela admitia que aconteciam reclamações de uns associados con-
que.osnovatos foramkvados a assumir como seu o empreendimento tra outros, devido à diferença na dedicação ao trabalho, acrescentando:
3, com resultados nem sempre satisfatórios para a ir Isso sempre tem. Os antigos não. Sempre tem um que
todo. acha que tá trabalhando mais que o outro. Isto nunca vai
O conhecimento limitado do cooperativismo foi também obser- terminar.
vado entre os fundadores, mas a atitude destes" em"reÍacã"cTas
Outro operário assim relatou a disposição diferente entre funda-
Cooperativas Wallig se diferenciava da atitude dos novato^ïanto
dores e novatos:
em função do papel que tiveram na sua fundação quanto dos mteres^
seLque_nelas tinham e que (ïi2iam resPeitoa sua participação no .e oitenta por cento é quem é novato. Um fundador mês-

rapTlatravés das í:of:as-Partes subscritas. Ao ter presente que muitos mo ele cumpre o horário pra manter a ordem prá poder
berrar na hora. Dificilmente o fundador abusa. (...) Tinha
i fundadores eram empregados da WaÏIíg Sul há muïtos~ano's"os
uns lá que diziam prá mim, assim, na minha cara: "fun-
^indenizações recebidas não foram, em geral, desprezíve"is
dador tem que se ralar, eu não botei dinheiro aqui dentro,
e sua transformação em cotas lhes garantiu um número dessas muito
não tenho nada a perder. Eu trabalho, eu não trabalho e
supenor às 200í:otasexigi^as como mínimo a ser subscrito por novos ganho aumento todos os meses/ prá que eu vou trabalhar? E
^ssoaados'.Daí resultou um interesse diferenciado no desempenho sinal que vocês estão gostando do meu serviço." Aí eu chego
Cooperativas/ que se expressava em atitudes de maior o'u menor pró coordenador, olha aqui ó, não Èem serviço prá aquele
comprometimento e identifícação com aquele desempenho, gerando cara lá, me manda pra cá que eu vou botar serviço prá ele,
Ïluf!SL^° _dïsPares como sua aceitação ou sua recusa/ chegando, porque ele tá gozando que aqui não tem chefe, não tem isso,
com frequência/ ao níveï do ressentimento de uns contra outrosocomo não tem aquilo, então vamos botar ordem na casa.
revelam os depoimentos a seguir; COOMEC, operário fundador

72 73
A mesma questão foi retomada em outros depoimentos: Acho que existe uma pequena diferença prá eles,
diferença de salário deles. (...) Eles tem mais liberdade, mais
Eles (na COOFUND) tiveram ia maiores problemas que ainda do que nós, (...) Porque eles são mais velhos.
nós por trabalhar com muita gente nova porque lá o COOFUND, ajudante, novato
número de fundadores é bem menor que o nosso e eies
precisam de muito mais operários pra produzir do que nós, Mas aqui é fictício que todos sejam iguais. Os fundadores
então pelo número maior de novatos que não estavam tem melhores condições. Tem melhores salários, tem mais
dentro do pensamento dos fundadores houve mais proble- cotas, tem mais vantagens, são mais acreditados.
mas e sérios problemas. São pessoas que são banidas do COOMEC/COOFUND/ portaria, novato
mercado de trabalho e vem de uma empresa e eles querem
continuar numa empresa, eles não querem entrar no ritmo Os fundadores prejudicam muito os novatos/ enfcão eles
da cooperativa.
acham que tem mais direito que os novatos. E tem uma
COOMEC, almoxarifado, fundador senhora"lá, uma tal de dona D., então ela, a mesa (de
montagem) era dela, quem pegava na mesa ela não debcava,
Em determinadas ocasiões, principalmente para ela brigava. Achava que a mesa era só dela e quem tentasse
associados novos, essa turma que entrou, dependendo da aprender ela prejudicava.
necessidade de trabalho são admitidos, muitas vezes, pelo (...) Os mais antigos maltratavam os novatos, como eles
não entendimento desse espírito cooperativista, é necessário, chamam lá dentro, trabalham mais que os fundadores. Tem
digamos muitas vezes, que cíiamÊmos a atenção, (... um fundador lá, um tal de E/ um senhor que agita, que
porque ele simplesmente acha-se sempre acostumado briga com todo mundo, mas não trabalha não faz nada.
dentro de uma indústria, de uma fábrica/ sendo mandado. Na hora do serviço, de 9 horas se ele trabalha 3 é muito.
cumprindo certas normas que lhe são obrigatórias, então, (...) Os fundadores, a saída era às 5 e meia, chegava 5 e
quando sente dentro da Cooperativa, com toda essa 15 eles tornavam banho e saíam. Q.uando era às 9 da manhS
liberdade de açao, muitos, muitos não, alguns, há excessoes, eles vinham entrando. E faz de conta que não tinha
então eles realmente necessitam de uma conversa. coordenador. Essa dona D., essa geralmente nunca chegou
necessitam ser chamados à realidade para que acompanhe atrasada mas 5:20, 5:15 ela saía e aqueles minutos nunca
o ritmo dos demais associados. eram descontados. Agora se um novato saía, aí era
(,,.) Sendo um associado que esteja ingressando na nossa
descontado.
cooperativa, temos que incentivá-lo a fazer com que ele Às vezes os fundadores eram muito provalecidos. Faziam
entenda o espírito do cooperativismo. às vezes coisa mais errada que os novatos e não eram... pra
COOMEC, almoxarifado, fundador eles o passe era livre lá dentro, E o novato não, tudo para
ele era cobrado. (...)
Estes depoimentos de sócios fundadores revelam a diversidade
Até alguns homens lá uma vez se agrediram dentro do
do entendimento das causas de divergências entre eÏes e os novatos
refeitório por caasa de fofocas. (...) Deu briga, deu agressão
superáveis quando atribuídas à falta de conhecimento e compreensão
e não aconteceu nada porque eram dois fundadores. (...)
do "espírito cooperatívista/// que uma conversa amistosa poderia resol- Prá ele? é mais fácil eles dispensarem um novato. Se botarem
ver, mas que davam origem a dês entendimentos mais graves quando eles (os fundadores) prá rua vai ter que mexer no dinheiro
resultavam de negativas conscientes de integração àquele espirito, da cooperativa, ne?
como se verificou num dos depoimentos acima ("fundador tem que COOMEC, operária, novata
se ralar").
Esse ponto de vista de que a base da diferenciação entre os asso-
Os novatos confirmaram a existência de diferenças entre eles e
ciados era sua participação no capital das Cooperativas/ expressa no
os fundadores. Estas diferenças podiam ser acete quando conside-
número de cotas/ apareceu também em outros depoimentos, como o
radas justas, ou rejeitadas, se entendidas como discriminatórias, como
fonte de injustiça, gerando ressentimentos. registrado a seguir.

75
Aqui ninguém mexe com seu J. porque ele tem muitas mais que o outro, que Já tinha 4 anos Ïá dentro. E eletra-
cotas; se resolvesse sair da cooperativa levaria muito balhava sempre mais. Então acho que isto aí é errado. Mas
dinheiro e debíaria a cooperativa em má situação. É muito não é a gente que vai dizer o que tem que fazer. Oue è um
respeitado. simples"funcionario, ainda mais novato. Se fosse um
COOMEC/COOFUND, portaria, novato fundador, tudo bem.
COOMEC, operária, novata
Se o grande número de cotas que um associado possuía podia
fazer com que ele fosse alvo de maior consideração, a "antiguidade" As representações dos trabalhadores sobre o que é Justar certo
taï^ m Podiaser reinvindicada como um direito, que devia assegurar no mundo do trabalho se traduziam no reconhecimento de feitos
primazia aos fundadores e aos sócios mais antigos. Manifestações diferentes que legitimavam a desigualdade entre eles ou a negavam.
neste sentido podiam surgir no caso de promoção que beneficiasse Mesmo que esta não tenha respaldo legal nos estatutos das coopera-
um novato em detrimento de um fundador ou que igualasse os dois tivas, onde todos tinham a mesma condição de sócios, sua represen-
na mesma classificação profissional, recebendo o mesmo pró labore. Jão permeava a construção da nova experiência, na qual a situação
Um fato como este podia gerar descontentamento e contestação. É conTreta de inserção nas cooperativas nem sempre era o fator decisivo^
demonstrativo desta atitude o caso de um associado que foi admitido Do modo" como a desigualdade era pensada e vivida resultou^uma
como ajudante de uma função qualificada e algum tempo depois foi mulïpUcidade de arranjos de diferentes categorias de sócios^torno
promovido/ por ter se habilitado em cursos de cálcuk/técnico e de de questões rotineiras ou mesmo de decisões importantes para o con-
leitura^e de interpretação áe desenho.Esta promoção provocou a > dos associados, tornando incerto o resultado dessas deliberações.
insatisfação do associado qualificado/ do qual o promovido fora JFo que "aconteceu/ por exemplo/ em relação à divisão das
auxiliar. O diálogo abaixo/ reproduzido pelo coordenador do setor. "sobras", que analiso a seguir.
ao qual aquele associado foi expressar sua inconformidade com a
promoção do novato é revelador do direito de antiguidade que às
vezes era reinvindicado.

- Mas o rapaz não sabe fazer o serviço?


- Sabe.
- Ele faz errado?
- Não, faz direitinho.
- Tão bem quanto tu?
- Tão bem quanto eu.
- Então porque? Se fosse numa empresa convencional,
pessoas que exercem a mesma função são obrigadas a
^a ° meslno saïário, então porque aqui não?
- Não porque não éjusto/ porque eu tenho mais tempo
de casa. Eu sou sócio fundador, então eu tenho mais direitos.
eu coloquei meu dinheiro aqui, então eu tenho mais direitos.
não è assim?

A reivindicação deste direito para os fundadores, ou mesmo


para associados novatos mas com mais tempo de trabalho na Coope-
ratíva, podia também ser encontrada entre os próprios novatos/ como
revelou o depoimento abaixo:

E um rapaz fava lá há 6 meses e tava ganhando muito

76 77
recebe um. E aquele que faz dez, recebe dez. Eu continuo
discutindo: eu acho mesmo assim que não se evita que o
poder económico 5e sobreponha, na medida em que um
camarada tem um módulo rural, se lá se considerasse/

^i^K^^^^^^S
teoricamente, ele vai produzir x. Outro/ que tem dez
módulos, vai produzir lOx. Necessariamente esse aqui vai
receber um retorno, vai receber dez e o poder económico
está sendo gratificado, está se impondo de qualquer forma.
De formas que eu me rebelo contra esse tipo de colocação.
Em todo o caso, se nós transferíssemos isso para nossa
cooperativa, as nossas operações seriam a prestação do
nosso trabalho individual, na medida em que esse trabalho
é remunerado díferendadamente. È, por que existe também,
digamos, um tipo de operação diferente prá cada um. Mas
nem por isso desfigura nisto a operação. Então é uma forma

^p^^^zs ^^ce^ ^^^^


drA^embleTa'Gae^Í>(ït° Ï°soc^°' ^Ivo.ddiberação em contrari°
de gratificar as operações que são quantificadas pêlos nossos
pró labore diferenciados.

teïs^rd^r^Ï,^' 4,tLOVH).NO caso.de cooperativasmduus"


^^'^^^s '^z^esK^^^
Esta citação revela uma análise mais elaborada das disposições
legais do regime cooperativista/ das dificuldades em aplicá-las numa
obtídos7âofru7o^a^^ZÏ?Ie.unpossíve1', Já que.os multados cooperativa industrial e da argumentação em defesa de critérios mais
^c^ ^^d;^:Sl(^adad-o^t^: adequados para orientar a divisão das sobras. Uma análise com este
teor era inexiíentes entre a grande maioria dos associados, que em
geral tinham pouca ou nenhuma familiaridade com a legislação e
orientavam suas decisões a partir de fafcores mais imediatos e circuns-
critos às suas condições individuais de inserção na Cooperativa, ou
..AJegísIaçao das COOP"ativas, a rigor, pelo entendimento de que diferentes direitos, relacionados com o capi-

r^^^^3r:i?^?°l^ï
S^?í^=SS
tal investido ou com o trabalho realizado, deviam ser contemplados.
Eram estas orientações que presidiam as decisões sobre os critérios
de distribuição das sobras, transformando o momento destas decisões

^^SSSï^S
em ocasião de intensos debates e até de conflitos. O resultado deste
processo foi sempre aleatório, dependendo do poder de argumentação

ï=^^SSSSi
de seus proponentes na defesa de diferentes propostas apresentadas
em Assembleia, e da sua capacidade de aglutinação e de estabelecer

sH^sssssë
alianças.
A primeira divergência em torno da distribuição das sobras emer-
giu ao final do primeiro exercício. A euforia dos fundadores ao longo

EÉiiÍjSsES
^umaroop!rativa de Produção ^"ïoïpoï Se°miü^u do primeiro ano de funcionamento era alimentada pela expectativa
de grandes ganhos, disseminando-se entre eles a certeza de que cada
um ganharia um Fuca. Apesar do resultado bastante positivo apurado
no primeiro exercício/ aquela expectativa não se concretizou. O Conse-
lho Administrativo/ na prestação de contas à Assembleia Geral/ defen-

78
79
del^n£CÊÏdade de não fazer nenh^^ distribuição para não dími- tivéssemos pegado dez mil de lucro, hoje nós tínhamos mil
mur o capital de giro/ argumentando que as sobras eram contábei7e e quinhentos cruzeiros de Juro". Aí, com aquele aumento
^ãodinh"ro sobrando nu^a prateleira ou no cofre de um ba^. nós passamos quatro meses, três a quatro meses sem ganhar
aumento. ele5 deram um aumento bom, vinte mais cinco,
D^antedafmstraçaodas ^Pectativas, a r€açãodemui"tosuas^ÏaLdos
mas não deram aumento depois. Aí deu muita briga, muita
foldemsafísfaçâo elnconf™dade/ gerando um dÍmatenT^lU^
bagunça, conseguimos dez. Até setembro eu estava com
p,^po.sta doconselho Adm™strativo contornou"as"dificuÏdades°
nove mil e seiscentos. (...) Então, de setembro para cá nosso
DZOis^mmtas.discussões/ foi finaïr"^e aprovada pel7As7emabÍém salário quase triplicou, mas foi com muita briga, agora
SCTla.decísão de que 600/0 das sobras ^riam'capÍtra^adasT1410^ eles estão achando que não vai sobrar nada.
difnbuídas entre os assodados, em duas parcelas m^ZUNão ob^
Í-ões sobre os critérios desta distribuição. As imprecisões quanto às moedas vigentes ou aos planos econô-
micos do governo Sarney são irrelevantes neste depoimento. O impor-
^ Na segunda etapa da coleta de depoimentos dos associados, rea-
^em diferentes momentos ao longo dos anosde~1988Tl989.ua tante são~as questões levantadas em relação aos procedimentos para
questão da distribuição das sobras já tinha adquirido umoutro cara" a tornada de decisões e a inconformidade do entrevistado com a forma
como foram encaminhados/ contrariando as normas que eles mesmos
t^ot^ado peïãs divergênci^ em torno doïcntérÍoTpara^a
^sao:DãdLãautonommáascoopeTatw^^^^^ haviam aprovado. Se a grande maioria aceitou, naquela oportunidade,
bramentos diferentes em cada uma delas. deixar de lado os procedimentos regulares dispostos nos Estatutos,
em nome de vantagens imediatas, a inconformidade que este fato
rido dEm1199«8781c,OO.ME^nao^vcm.bras corresP°"dentes ao exer-
gerou não deixa de'ser um dado importante, na medidaem que ek
^ioj,e l9s7^amrdocom informaçoes doseu"Departament7de
foi sentido como uma ruptura com um acordo previamente firmado.
I^°±MlsT.rdação ao exercfao anterior d986ro'pro;edïmentoc
petoquaLfoi_decididaadistribuiíao das sobras'ngo s'et'de"u\"efi'u^ A expectativa de participar de ganhos através da divisão das sobras
^^posiçoe^statutárias/ gerando in^^faç0e's Lem7eIaçëã*oiZ foi, sobretudo para os fundadores, uma forte motivação e estímulo
p,r,ópl° procedmTto e a suas ronseq^"c^Estevptroc^oteTiro^ para o afinco no trabalho, como indica o depoimento abaixo.
^dJln^guÏte-forma' segundo ° deP°™en-toïe'um^socSdo"da Temos que fazer uma determinada tarefa em uma hora,
J/ registrado em entrevista realizada em maio de 1988~ então eu posso assegurar que como cooperativa, estas
tarefas operacionais foram reduzidas a um tempo menor
O ano passado eu não ganhei nada. Eles fizeram um que se fosse uma empresa. (...) Há uma necessidade, entendo
plano'__eu achdaté que foí baixo aquiïo;'na"ipoca nós eu, de uma participação, para que depois os lucros, por
estávamos com duzentos e poucos associados, fízeram~uma ocasião das divisões das sobras sejam maiores, ao passo
que valia como uma assembleia, botaram assim: que como funcionário de uma empresa, aquela pessoa não
"Quem aceita 20% de aumento e 5% nas cotas ?"-Como"nós tem uma motivação maior, Ele trabalha como funcionário,
ymrlam05 samdodo PIano cruzado prá esse plano que nós como empregado, visando aquele salário estipulado. (...)
temos agora, o 5arney, entramos naquela' -Ah! 'eu vou Fora disso, somente através de uma promoção ou por
- mil cruzeíros(!) de aumento, mais 5% nas cotas, eu ocasião de fim de ano, -13° ou férias. Fora disso, não vejo
vou ganhar mais duzentos cruzeiros, trezentos cruzeiros'7 outra forma de ser gratificado.
Resultado: dezenove não assinaram, inclusive eu não assmei. COOMEC, almoxarifado
osoutros todos assínaram- "Bah! por que tu acha que~eu
vou perder mil cruzeiros?" Claro, "eles não tinham cotas" A troca daquela participação por aumento no pró labore/ logo
não tinham botado quase nada, outros tiveram olho'no depois corroído pela inflação, aprofundou o descontentamento de
dinheiro que era um baita de um aumento mil cruzeiros. associados que já haviam discordado da alteração nas regras do Jogo/
^.trlnta dias depoís °Plano cruzado desapareceu e a substituindo a Assembleia Geral por uma lista de assinaturas de apoio
lln;ação começou a 5ubir e a poupança começou a dar à proposta do Coruelho de Administração.
quinze, dezesseis por cento e eu digo, "olha aio, se nos Na COOFUND, as divergências foram relacionadas particular-

80 81
mente aoscntérios da distribuição das sobras votados em Assembleia em relação à anterior/ estabelecia que a metade das sobras seria divi-
GeÏl com decísões díferentes nos dois casos que~foramdeta;hadan dida em partes iguais e a outra metade por cotas. Avaliando que
mente descritos pêlos entrevistados e ambos com restados wTr<o~- poderiam vencer a proposta da divisão em partes iguais^que interes-
d.uzÍram.Ïscontentamento/ um deles aïcom"recur:sTjuudícli^^^-~ sava particularmente aos pequenos cotistas/ em sua maioria pessoal
tra a decisão da Assembleia.
da produção, estes descartaram as outras propostas e precipitaram o
^Em.l988/.osas50ciados.tíveram conhecimento prévio de que o processo de votação, cujo resultado favoreceu a divisão por cotas com
conselho de AdmimsÈraçao iria apresentar n-aAssembÍéTauGe^^ uma diferença de 5 votos em relação à proposta de divisão em^partes
propostadeque.as sobras do exercício anterior'fossem diïïdFdïs iguais. As outras duas propostas obtiveram uma votação insïgnifícante.
^opomonalmente aonúmer" de cotas de cada associado"Essa Ínfo"^ Na interpretação de um associado/ aquela votação foi o resultado
maçãodesagradou muitos trabalhadores, particularmente oTno^atos" de uma aliança entre o pessoal da produção e o da administração
queerammaioria (lembremos que na COOFUND a rotatividade era que tinham em comum a condição de serem grandes cotistas e que
muItlaÏa) e que Possuíam um pequeno número (kcotasuï conseguiram o apoio de outros associados para sua proposta.
slgmficana T.bcr quantias .irrisori^. mai^amda Te compa"ratd^
Tem assim ó, o pessoal de produção e o pessoal de
rom°Juej:aberia aos grandes cotistas-u^ grupo-mtegmdo"
adminstração, mais com as pessoas de mando aqui. Só que
^^!mÏadlllqu"presentariaapropOTt: ^ ^i^^^^ aqui se juntou e se fracionou o pessoal de produção que
iguais. A situação criada foi assim narrada po; um poetadoi"
tinha cotas, que se uniu ao pessoal que tinha cotas na
administração/ e aqui tinha uma moçada nova também de
^Ama5sa áeddiu ° seguinte' uma proposta que eu fui
administração que preferia também por partes iguais e que
simpático de inído e depoi5 eu achei que não era-viavel:
não foi à assembleia porque sábado às 5:30 da manha não
les queriam^ivídir todas as sobms em Partes iguais, ou
vai sair de casa prá isso, ainda mais que tem tão poucas
seja/ em 289 Partes_'g"a". Eram quinze miíhôes de
cruzaï5-Bomr m eu fíz todas as wntmhas prïvero" cotas e são os menos politizados da Cooperativa.

slgníficava (;")-Dava ão r^or de 50, parece-que"56 mil


A assembleia fora convocada para esse horário para que dela
cruzadoíi Prácada um' se dividisse por cotas, que7ra outra
pudessem participar os trabalhadores do turno da noite. Havia entre
propoÏar.ínclusive estatutó"^ a não ser que a Assembleia
alguns associados a suspeita de que a convocação para este horário
outra coisa que estó no estatuto, então
c.otaltinha genteque ia ganhar duzentos e não 5'eïquaííto tinha o propósito de esvaziá-la. Segundo informação dos associados,
eu sou um as5ociado médio, ia ganhar uns cento e vinte e ela teve início às 8:30, em última chamada,
poucos)'e amassa que era a maioria ia ganhar, parecei A decisão da assembleia beneficiou os associados que detinham
mil^e quinhentos ou três mil cruzados~Tssï"erï ^nï as maiores parcelas do capital/ na exata e exclusiva proporção desta
verdadeiro absurdo, fazer uma divisão dessas" se se" participação/ sem levar em conta nenhum outro critério que pudesse
que isso è uma cooperativa. (...) esses aqui tem 200 cotas. diferenciar a Cooperativa de qualquer empresa constituída como
soquee5ses üqui sao os5ue trabalham, são os que suam. E sociedade de capitais, nas quais/ salvo raras exceçoes, só estes são
Ï_ls; umacooPera^ fazer uma divisão que permita uma
beneficiados na partilha dos ganhos, na forma de lucros ou dividendos.
• tão grande de cotas não é carreto a meu ver.
A inconformidade dos pequenos cotistas com a decisão da
^Alp?deraçoes sobre a viabmdade £ Justiça (ou sua ausência) Assembleia criou um clima negativo na Cooperativa. O Conselho de
nas propostas em discussão levaram à busca de altemativaïquecorrï^ Administração resolveu contorná-lo, adotando medidas que atenuassem
gissem as distorções de cada uma delas. Numa assembleia queláinfdc a grande disparidade na distribuição das sobras/ mas mantendo uma
ten^num sábado de manhã/ duas outras propostastoram^e1- relação com o número de cotas de cada associado, embora não rigoro-
sentadas: uma delas/ a de que V3 das sobras fosse" dividido prowÏ- samente proporcional, como previa a proposta vencedora.
™.nalmmteaonúmero de-cotas- 1/3 P"P°róonaIao'pról'abo'rre Segundo o relato de um associado/ a solução encontrada foi a
1/3 em partes iguais. A outra proposta, um pouco modificada seguinte:

82 83
^_FOÍ um imPasse'_né. de alguns dias. Eles perderam com a Wallig, há muito tempo ele vinha com problemas,
cinco votos e aí o Conselho de AdminisÉraçao teve como atrasando o pagamento, a angústia do pessoal aqui dentro,
resolver. Deu no mínimo dezoito mil cruzados prateada parado e recebendo do Banco ao Brasil. Tudo isto deixou o
um no primeiro mês, depois no outro mais um tanto e no pessoal muito sensível, muito sofrido. Na medida que
terceiro ainda prós que passavam disto. fizeram parte do corpo que fundou as cooperativas, que
depositaram nisto a sua confiança, através do dinheiro que
^No_anoseëumte í1989)' a decisão da Assembleia sobre a
seria seu sustento por cinco, seis meses, a sua indenizaçao,
distribuição das sobras relativas ao exercícÍo"anteno7foTfaJv7ráld
eles se sentem prejudicados na medida em que agora são
aos^pequenos coíistas/ com a aprovação do critério de divisão~em incluídos nessa sociedade de pessoas que não depositaram
partesiguais\Esta dedsão desagradou a um grupo-d7fundador'esí importância alguma significante e obtêm os frutos na
cotïstas grandes e.médíos/ que recorreu à Justiça," nï t7ntativ*Tde mesma proporção que eles. Essa é uma das queixas do fun-
liéia, com o argumento de que a decisão era relativa dador: "Um que está aqui l ano tem o mesmo direito que
ao exemcíode 1988 e os admitidos em 1989 haviam toma"do"i eu, que criei Isto aqui, que acreditei."
?a.dfïlberaç£ votando na Assembléia- Argüiram também ^^1
Alguns fundadores, mesmo se sentindo prejudicados, aceitaram
Estatuto, a divisão deveria ser proporciona! ao número 7e roTasp
porque consideraram legítimo e democrá-
Com a questão subjúdíce; a distribuição das sobr'as foiïustada. de decisão/ com as propostas discutidas e
.EnÏ os associados áaCOOFUND entrevistados "entreTbrrde
ISSO
4datada realização da Assembleia Geral) e setembro do mesmo
ano^quando as ú]í™as entrevistas foram r ealízadas')7esta" questão A Assembleia é soberana. A gente vai pelo que a
Assembleia decide. Eu votei porque houve condições, o esta-
^vamm^presente/dividindo °Pimões/ íiue nâomrresVonïa^
tuto dá mesmo liberdade de escolha. Os sócios fundadores
nlcessarTmente.aos míer£sses ^ncretos dos benefícmdo<Tou
preferiam 50 por 50. Se ganhou partes iguais, tudo bem.
prejudicados pela decisão vencedora. Nem todos os novatosÏ;
Foi a maioria. Acho que esta proposta não sena a mais
constas a consideraram justa e nem todos os fundadores com ;
correta porque tem que se beneficiar os sócios fundadores,
número de cotas se rebelaram contra a decisão. mas tudo bem. AAssembléia venceu. Prá mim pessoalmente
Jïxaminando-se osjirgumentos de cada uma das categorias de seria melhor.
as!ociados/ Pode-se verifícar como eles se cruzavam7orientafc^
A referência à proposta apresentada no ano anterior de divisão
!emprepeïo íníeresse imediato e individual/ mas porum7concepcãoA
por cotas/ por pró labore e em partes iguais na proporção de 1/3
partolar do que é justo no mundo da produção e daïormFc^o
para cada critério, foi lembrada como maisjustajá que contemplaria
seus diferentes fatores devem ser remunerados.tEntre~os^undadoresu
diferentes situações individuais, cada uma delas resultante de uma
a orientação predominante era a de que a divisão das sobvaFde^ase
combinação particular de indicadores, remunerando cada um de acor-
proporcionalmente às cotas de cada associado. Esse criteriosos
do com sua posição específica na Cooperativa quanto ao número de
templava somente a remuneração do capital investido na cooperativ
cotas, a responsabilidade funcional, expressa pelas diferenças de pró
o que atendia particularmente aos inÈeresses dos fundadore^m^ir^
labore, na concepção dos associados, e a contribuição de cada um
nt?amente médios e §randes cotisías- ° depoimento abaixo e^uÏna
do critério de divisão por cotas. para os resultados coletivos.
Mas esta proposta não foi discutida em 1989, dividindo-se a
porquehá que !evar em consíderaçao também a posição Assembleia entre a proposta vencedora e a apresentada pelo Conselho
do fundador Esse elemento é aquele que vinha rde"um de Administração de distribuição de 50% por cotas e 50% em partes
processo de faiência da Wallig ou de uma serie cie problema^
iguais.
ele teve o salário atrasado, achatado e ele não via lá fora a
perspectiva de arranjar um novo trabalho, não via nenhuma Não concordo com a divisão por partes iguais. O lucro
chance de mudar sua situação. Este cidadão.sofreumuito deve ser baseado por aquilo que se empregou. O pró labore
Lpdotrabalho eo lucro pdo capítal "^Pregado. A propost-a mas vencemos ne. Mas Èeve cara desses que queriam por
nT!Justa era de 50% Por cotas e 50% Por parteTguaZ cotas, eles botaram a Cooperativa, na,., (risos) botaram
Acho^que os fundadores foram prejudicacÍ'o5rNalfun6di^ advogado porque eles queriam este dinheiro. Daí, até hoje
a maioria é não fundador.
não deu nada.

Entre os noyatos,^ como a própria decisão da Assembleia evidpn- Estas foram manifestações de associados novatos que defen-
ciou, a maioria defendeu a'cor^ ^^^^s^^n' deram a proposta mais radical, de divisão por partes iguais, cujo
contraponto era a proposta de divisão por cotas, em torno das quais
Euconcordo com a decíLsao-Antes era por cota. Agora
a.chlqlelmatsju?°' Aquir. ° PessoaIV"er trabalha ^ se polarizaram as votações nos anos de 1988 e 1989, com resultados
ína de5mo]dag£m) fa^ a parte mais difmT Entâo"eu ^Ï^ distintos nos dois momentos.
qÏ/etodo mundoparócipa, se todo mundo batalha'.1 lse Mas não se verificou uma correspondência rigorosa entre a situa-
L°lomundo trabalha; nao qu^endo dïze7que"elie!sangoc cão concreta de cada associado e propostas de interesse imediato e
trabaiham',mas a gente trabalha muito mïs. Xnte7eu nZ individual de cada um, como ficou demonstrado no depoimento de
achava justo. Na minha opinião eu concordo "com plart^
alguns fundadores e grandes ou médios cotistas, motivados pelo
SJS8mte batalhou'POTqueDÕS ^^ entendimento de que/ num empreendimento cooperativista, a distri-
buição dos ganhos resultantes do esforço coletivo não poderia ser
tãodesiguafquanto a derivada da divisão por cotas, nem tão utópica
,NO,S .sempre tentamos por partes ië^s as duas vezes
quanto a divisão em partes iguais. A partir desse entendimento fo-
luLT.^aÏÏ_né?_ma;nLmragansh^od^
^os ganhemo eles não pagaram- P^vamprosïndïdoíï ram formuladas as propostas alternativas (de 1/3 ou meio-a-meio)
po^sso_que eu dígo; a"dífere"ça°pros"flundadorueïuEk;'s que/ mesmo derrotadas no ano anterior, ainda eram defendidas em
ganharam^ eles pagaram. Os novatos ganharam ^eïes n^ 1989 como mais razoáveis, também entre novatos.
^gaTl;dróseram que tmha 5ue Pa§ar i^o/-pagarïqun"o"
não sobrou dinheiro, ainda não pagaram,"' í'"&"* ^lullu/ Tenho poucas cotas mas não concordo com a divisão em
partes iguais. A forma ideal é a de 1/3,1/3,1/3. Acho que
>A.ïeÏãonao.era' como afírmou ° ajudante acima, de não a participação de cada cooperativado é importante Acho
^vlsobradodinheiro;m^TSM^^ que aquele que tirou a metade do seu dinheiro, os funda-

S^^r£Ï^J^iaIdeum^^^^°R^SS dores/e que poderia ter comprado um terreno, deveria


ganhar um pouco mais que os não fundadores, mas a
mado^brla;'_tramtaïôes Ie8ais do recu7so:"oasTociadou^t'e^Ía
maioria do pessoal não concorda.
q^ a.nÍCLÏtribuição das sobras- v°tadaemabnïd"eT^9eIac!nZ
n^o.efetívadaj'.msetembrodo-mcsmo"»°"q^"d^ Não acho a melhor solução dividir igualmente. Acho
^far^a-^mfeava uma questã^e,oMdÏ'^^nç^^a que deve ser vaiorizado o capital de quem entrou antes e o

^mto^™da àsditoen^ ^"tentes entre fundai:: Z:: trabalho de quem entrou depois. Uma forma combinada.
Aquela proposta anterior de 1/3 da sobra dividida em cotas/
los.ioqwïevava ao Pronto cumP"^^to~dardecirõe7daJA^mt--
1/3 em'partes iguais e 1/3 em pró labore. Acho que^deve
bléia^omente quando elas fossem favorave,:s"ao7ft,n"d^uo^s5em-
ser valorizado o capital, o trabalho de todos e o pró labore,
depoimento retomou esta questão.
pago de acordo com a responsabilidade de cada um. O capital
e a responsabilidade foram prejudicados pela divisão dos
Agora, se ganhassem aqueles caras que tem cotas, daí o
^que deu durante o ano todo ia tocar tudo~p'ráeÏes"< lucros em partes iguais. (...)

tem,mais.cotas que eu/ Por ^emplo/quernioltí^a Senti que o pessoal de cotas estavam temerosos de perder
condições de botar dinheiro alto ne, quando entremïcwüea e abriram mão de 50% daquilo que eles acham direito porque
ratíva. Até hcye nós não recebemos nada, Eu'acho'quelïoi i eles tem o capital. Já admitiam a divisão de 50% em colas e
porque nós vencemos porque daí tinha mais caras" aue l 50% em partes iguais. Não foi aceito na Assembleia. Na
entrou novo na Cooperativa que puseram powodin^o. l votação ganhou o povão. Se achei certo ou errado, eu acatei.
N.taclei.certoeste anoe nem °ano a"^"or. Acredito c quatro meses e querem ganhar igual. A mim não afeta.
ninguém falou nada até agora pïá senhora^' "L'UIl° qu£
Talvez fosse ganhar mais. Acho que deveria ser por cotas.
Na fundição eles entram e saem. Lá o serviço não dá pra
Jou.contra_adivisãopor Partes igua^ Porque não acho
^^ei^^g!nh^uala:i^m'^^^^ aguentar.

^racno°tsasleril° pouca5 cotas" Na tee'I"M™Iv"otdnïSaoa


A antiguidade coincidia, frequentemente/ com um grande
número de cotas, que os fundadores tiveram condições de integralizar,
As vezes/ também com ambigüi através da conversão dos valores de suas indenizações em cotas-partes.
como os dife-
rentes argumentos eram aceitos de Além disso, as dificuldades pelas quais os fundadores passaram ao
fragmentado, justificando,
e ao mesmo tempo negando, a longo da crise da Wallig Sul, os riscos que correram ao investirem
o e a justeza das decisões.
como revela o depoimento abaixo. nas Cooperativas eram também reivindicados como fatores que
deviam ser remunerados, e que favoreciam somente os fundadores.
,.N1°achoque a decís_ao foi boa' dev^ ser por cotas, o
Propostas intermediárias que possibilitariam corrigir a remu-
^TJ1! ïc-ap?stounTAté cluand°° fol.v^?',°erucSl'^
l!dldop.essoal que bnh^^^Mue^ouqvuTe^^om;np^ neração exclusiva do capital e que contemplassem também outros
^t^MasopesMaï^ueuap;s'to^ critérios foram repetidamente rejeitadas. Nos dois momentos de deci-
^TW;lscot^Ma^tm'0^ ^ ^ms^n^ são examinados, a grande cisão se deu entre os detentores de maiores
b°Ïm.nada então nao ganha "ada:'Ma^uo7e7sto parcelas do capital e o "povâo", a massa de ajudantes/ trabalhadores

^^:^^^^^^
LrabaIIT durante oan°ï'e"°Í^'r'ouft,idavqaJeI°e ap^s°naâoqdloe sem qualificação/ que conÈavam apenas com a sua força de trabalho
como fonte de remuneração. O número de cotas que possuíam era
ZTva<! ^^em^cotas achalque ° P^^Í^fu"dïç^ pequeno, não havia interesse em aumentá-lo porque seu trabalho na
naldeve ganhar nada/ os iïovatos-' "é."É""me"u^57^
Cooperativa era visto como transitório, não havendo identificação
p.ess/oal é.contra- se^"sTu^:. Ton^ênmieaudÏe^d^
S ^sidïdu;zpro^=:b^- ^
T:^;ope!50aï nâo acha assim-só querïaberdeÏuïrol1
com a consolidação e expansão do empreendimento. O interesse desses
trabalhadores se concentrava na expectativa de resultados imediatos,
Dizem que vão cancelar esta decisão' ~1"" ^"" "" ÍUL1U;" que diziam respeito à remuneração de sua força de trabalho, enquanto
os associados com grande número de cotas reivindicavam o direito
Niíïussão sobre °destino das sobras/ o fator central ,
de obter um retorno do capital que haviam investido. A inconformi-
re.mu.ÏalãoctorapïtaI;tra^
dade com as decisões, ora favorecendo um grupo/ ora outro, levou a
g^^ma^fcrcntesopmfõe7M^

=£^i]m'^^ES.
diferentes desdobramentos: em 1988, a revisão da decisão daAssem-

^SÍiS^SSS
bléia pelo Conselho Administrativo, corrigindo a disparidade na
distribuição das sobras, diante da grande insatisfação que ela produziu
entre os novatos; em 1989, com o recurso judicial de um grupo de

s-ï^ïsE^ES^
fundadores/ que se sentiram prejudicados com a não remuneração
de suas cotas.
O momento da decisão da distribuição das sobras foi sempre
.Jenhopena das pessoas com poucas cotas. Pra mim não um momento de aguçamento de tensões, pelo confronto entre dife-
atíngm muíto porque nao ganho m"i^Se~fo5se"em^art^ rentes interesses que conviviam nas Cooperativas. As tentativas de
Ígu:us.acho_que íria ganharu1"^. Masnaoach'olusÍop^cheos conciliar estas diferenças, propondo critérios que resultariam em
luenacLsepode ganhar °iucro lgual. Achoque'nâode;e^ maior equidade na distribuição dos ganhos não tiveram muito êxito,
Lerporpartes i8u.a""Tempe,s'oS"q°ueTntura4n;c ?oTs ao^
fazendo "com que, a cada ano, se renovassem as insatisfações e os
m^esLsa£m eoutras bataKam7^^orplr^^^^^^ ressentimentos. Em 1989, com a vitória da proposta da divisão por
na fundição, na mecânica não é tanto^FicïmZS"^
partes iguais, que beneficiava os novatos/ este ressentimento se expres-

89
g:unhTj:Ia^;m dos assoaados: "vencem-- - até ago. não

essen^^:PS:(S^^"eoe^detodose.a Inicialmente, foi acordado que o pró labore do pessoal das Coope-

^Srï^^^S^^T[Ï!ta(te?>:
baÍhTf^n^Z^coeoqnu^lgm^uu^ Aposição para otr^.
rativas teria como referência os salários vigentes no mercado/ corres-
pendentes à classificação das qualificações profissionais, sendo
aïeTnf^qZ^^r^^f^"^^^ independente do número de cotas de cada associado. O que recebiam
e°fc^aunXcmrenïoZSr2,qulna,omcoT^^^^ como empregados da massa falida, continuariam a ganhar nas Coope-
^ba7h^nTopmrmpteoc^adldsetThÏlr Ss resultados70 esï^^^ rativas, com o acordo de elevar os pró labore acima dos valores vigen-
Í°r"o°P^rnpaaSrtmranÏ ^te.r ?±Tcompmsadorer:deTer" tes no mercado e restabelecer vantagens equivalentes às celetistas,

zr^^^^^^^^^q^ desde que as condições financeiras das Cooperativas permitissem.


Mas era o Conselho de Administração que definiria a política de remu-
neração, de cuja formulação os demais associados não participariam.
A escala de pró labore não era divulgada, não sendo do conhecimento
"associado que" dTcÏaro^fuZZTem1^3. at.itu.dLrCTanctísta do do quadro social das Cooperativas. A pretendida transparência, anun-
dinheiro aquïdentro^n^n^^uuLtem_que se ralar/ eu não bot" ciada por um dos integrantes da comissão de mobilização que propôs
a fundação das Cooperativas, ficava assim, prejudicada.
As promoções funcionais, que significariam também melhorias
das Coopera^.111"1"'" que se tornaram manifestas no interior na remuneração, seriam recomendadas pêlos coordenadores ao Conse"
lho de Administração, que as apreciaria e as executaria, quando as
considerasse pertínentes.
Dada a natureza da relação existente entre os trabalhadores e
as Cooperativas, de associados e não de assalariados/ a remuneração
não era definida por políticas governamentais, mas uma questão
interna a ser negociada com a direçao.
Mas os salários vigentes no mercado eram sempre tornados pêlos
trabalhadores como referência para avaliar seus próprios ganhos.
Eles acompanhavam "o que estão pagando lá fora" para as diferentes
categorias profissionais e em geral/ comparavam sua remuneração
com "o salário do sindicato"/ o que queria dizer os pisos negociados
pelo sindicato da categoria metalúrgica em dissídios coletivos. A defa-
sagem, por vezes existente, entre aqueles salários e a remuneração
dos associados provocou insatisfações e até movimentos de reivindi-
cação salarial dentro das Cooperativas, motivados também pelo senti-
mento de inconformidade com a disparidade entre as remunerações,
denunciada particularmente por associados da produção, sem quaïi-
ficação ou ajudantes. Como a escala de pró labore não era divulgada,
os trabalhadores não tinham conhecimento efetivo daquela dispari-
dade e da sua verdadeira dimensão/ mas circulava entre eles a ideia
de que uns ganhavam muito mais do que outros. Isto era considerado
injusto exatamente por se tratar de uma cooperativa/ onde as dife-
renças de remuneração não poderiam ser tão grandes.
90
91
e termina ela, cada um faz uma coisa. Já é bem diferente o
As diferenças eram admitidas e aceitas como correias, pois a
nosso causo. Se precisar soldar tem o soláador, precisa poli-
ideia corrente era que cada trabalhador devia ser remunerado de acor-
dor tem os polidores, mas a responsabilidade é do serralhei-
do com sua qualificação profissional/ sua escolaridade, sua responsa- ro. Eu tenho aquela responsabilidade incrível. Já imaginou
bilidade/ seu esforço pessoal em melhor se capacitar para o trabalho pegar um caldeirão de quinhentos litros; botar dois sacos
através da realização de cursos profissionais, etc. de feijão ali dentro, liga o vapor e começa a ferver a válvula
Em relação às diferenças de remuneração, assim se manifestaram da tampa e entope e arrebenta e mata dois ou três cozinhei-
os trabalhadores: ros dentro de uma cozinha?
Serralheiro, COOMEC
Acho que cada um ganha pela capacidade, conforme a
função. O gerente é obrigado a ganhar mais, conforme a
Tem que haver uma hierarquia também de pró labore
escola. Acho certo.
por que é o seguinte/ eu acho que a função tem que ser
Ajudante, COOFUND
valorizada de acordo com a responsabilidade. Não é o
problema de ser trabalho mais importante ou menos ímpor-
Concordo que seja como numa empresa porque cada taníe, a responsabilidade na hora da cobrança é outra coisa,
profissão tem que ter esforço para chegar ao ponto mais ne. Um cortador de ferro terá que responder se cortar um
alto, O pe5soal estuda, faz cursos. Tem que ser igual às ferro a mais ou a menos, tem grande diferença do que sumir
firmas de fora. Uns sabem mais, outros sabem menos. Não
valores altos de um almoxarifado. CLuem vai responder é o
é querer menosprezar os que não sabem. Cada função tem coordenador. Não há aí questão de importância e sim de
seu pró labore.
responsabilidade.
Operário qualificado/ COOFUND Almoxarifado, COOMEC

Concordo com a diferença de pró labore, porque existem


Há pessoas que entendem que por ser cooperativa, todos
diferentes funções e cargos. Nós não podemos fazer diferente
deveriam ganhar igual, A grande maioria acha que não é
do que é no resto do país. Prá todos ganharem igual teríamos
cabível. Acham que deve haver respeito pelo estudo, pela
que ter aqui uma estrutura bem diferente. Não sei como
experiência, pelo tempo.
seria. Não daria certo, seria um pebíe fora d'água.
Administração, COOMEC
Coordenador de fábrica, COOFUND
Valorizando suas atribuições ou reconhecendo a importância
Em qualquer lugar há diferença. To no 2° grau e não maior de outras funções em relação às suas próprias/ os trabalhadores
acho direito ganhar a mesma coisa que alguém que entrou consideravam carretas as diferenças de remuneração/ pois as tarefas
hoje e que não está trabalhando para aquilo lá (referência e responsabilidades de cada um eram também diferentes. A respon-
à Cooperativa). sabilidade de cada função era medida pêlos efeitos que seu desempenho
Operário qualificado, COOFUND
inadequado poderia provocar, em termos de danos financeiros para
a cooperativa ou riscos para os usuários, e também pela complexidade
Ele é certo, Uma pessoa que só vira um caninha numa
das tarefas a ela vinculadas. Esta referência ficou evidenciada no depoi-
máquina o dia todo, aquilo ali é um serviço que qualquer
criança faz, quinze anos faria, então não pode ganhar o
mento do serralheiro que minimizou a qualificação dos trabalhadores
salário como eu ganho, pegando uma chapa bruta e lar- da linha de montagem dos aquecedores, cada um deles executando
gando uma máquina pronta. A responsabilidade é maior uma tarefa simples e parcelada, que, na sua opinião/ qualquer criança
que eles lá, que trabalham assim tipo linha de produção, poderia realizar, enquanto ele mesmo era capaz de montar uma má-
no setor de aquecedores, um faz uma parte o outro faz quina/ da fase inicial até sua expedição, o que o fazia sentir-se intei-
outra, aí quando chega ali um junta todas as peças e faz ramente responsável pelo produto final. Os trabalhadores parciais
quinhentos, mil aquecedores num mês. São vinte e poucas
da linha de montagem não teriam esta responsabilidade/ não estavam
pessoas prá trabalhar mas nenhuma pega ali numa ponta

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profissionalmente capacitados para o desempenho de trabalhos Não questiono os salários deles. A questão está nos
complexos, que requerem habilidades de leitura e ínfcerpreÈação de nossos salários. Mas concordo com a diferença.
desenho, domínio de cálculos (no caso da serralhería) ou de processos Ajudante, COOFUND
técnicos mais complexos/ como solda/ polimento ou esmaltagem, cita- A comparação com os salários vigentes fora das Cooperativas
dos pelo serralheiro. No depoimento deste associado/ revelou-se a era constante e estes eram utilizados como parâmetro de avaliação
valorização do conhecimento global de certas categorias de traba- da remuneração dos associados.
Ihadores industriais, frente à desqualificaçâo da força de trabalho
A rotatividade é grande na fundição, porque o trabalho
individual de trabalhadores subsumidos no trabalhador coletívo da
é muito rústico e pesa também a oscilação do pró labore
linha de montagem, na qual ninguém é pessoalmente responsável
em relação ao salário lá fora. Principalmente o ajudante
pelo produto final.
vai atrás do melhor pagamento. Mas não só o ajudante. O
As funções gerenciais também foram reconhecidas como mere- coordenador do controle de qualidade saiu. Estão pagando
cedoras de melhor remuneração, muito mais porque elas significam muito bem !á fora.
um acúmulo de conhecimentos, conquistado com o esforço individual Coordenador de fábrica, COOFUND
dos seus ocupantes, que se capacitaram em cursos diversos, do que
pela responsabilidade que lhes era atribuída. Esta responsabilidade Não estou satisfeito. Tem uma diferença grande entre
era reivindicada como decisiva na esfera produtiva, mas muito pouco eu e o que trabalha comigo, eu ganho pouco e ele ganha
na administração. mais e o nosso trabalho é o mesmo. Se trabalhasse fora
No conjunto, o critério mais importante alegado para aceitar a ainda ia ganhar menos.

diferença de remuneração vínculava-se à concepção da existência de Ajudante, COOFUND


diferentes saberes existentes no mundo do trabalho/ dos quais derivam
Acho que na rua não ganharia o que ganho aqui. Contente
parcelas diferenciadas de responsabilidade que devem ser contem-
a gente não tá. Se vou dizer que chega, não chega nunca.
piadas numa política de remuneração. O saber era estreitamente rela-
Mas se comparar com a rua, na cooperativa estão bem.
cionado com a educação formal e sempre entendido como um investi- Refeitório, COOMEC
mento e resultado de um esforço pessoal que deveria ser contemplado.
A aceitação da validade de remuneração diferenciada não levava/ A oscilação dos pró labore/ ora acima/ ora abaixo dos salários
no entanto, à conformidade com a grande disparidade nos valores de mercado, tinha alguma incidência sobre a rotatividade da mão-
pagos aos associados/ que todos julgavam existir, já que a escala de de-obra, particularmente na fundição/ ondejá era uma característica
pró labore não era do conhecimento geral. A insatisfação se manifes- consagrada, mas não podia ser considerada corno fator decisivo na
fava particularmente entre os trabalhadores sem qualificação, mas tam- rotatividade dos trabalhadores da COOFUND. Estes, mesmo quando
bem trabalhadores que reconheciam ser melhor remunerados revela- consideravam que poderiam ganhar mais numa outra empresa,
vam discordância com a grande disparidade que afirmavam existir. podiam, às vezes/ expressar claramente sua intenção de permanecer
na Cooperativa, devido a vantagens nela existentes, como a garantia
Não acho que todos deveriam ganhar igual. Deve ganhar
pela sua função, mas não tanto. O pessoal que trabalha, os de emprego ou a liberdade existente.
da produção ganham mais babco. Desse jeito não dá mais.
Não sairia da Cooperativa para ganhar pouco mais que
(grifo meu)
aqui. A gente pega amor pela firma. Amor à camiseta, como
Escritório, COOFUND
dizem. E também tem uma coisa, pelo trabalho garantido
que se tem na Cooperativa. A gente pensa muito. Sou pai
A gente é profissional, estudou para isso. Então eles de dois filhos, tenho família. Noutras firmas, às vezes eles
pensam que a gente ganha muito, mas não é isso. E eles fazem uma limpa geral. Aqui não. A gente tem trabalho
que ganham pouco. permanente. Se se ganha pouco, depois se recupera. Não
Modelaria, COOFUND

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há risco do desemprego. A insatisfação com a remuneração tanto podia gerar disposições
COOFUND, controle de qualidade favoráveis a trocar o trabalho nas Cooperativas por outro emprego,
como podia ser minimizada pelas vantagens nelas existentes/ tais
Não estou satisfeito com o que ganho, mas acho que se como a maior liberdade e a garantia de emprego, ou até mesmo pela
trabalhasse fora ganharia ainda menos. Outro emprego com impossibilidade de conseguir colocação fora das Cooperativas. Esta
salário melhor? Acho que ia pensar. O salário não seria o situação era bastante comum entre os aposentados que integravam
mais importante. Dependeria do ambiente de serviço. Na
o quadro de associados, os quais reconheciam que/ devido à idade e
cooperativa tem mais liberdade,
às condições de saúde/ dificilmente seriam aceitos por qualquer outra
Ajudante na modelaria, COOFUND
empresa. Com tempo de trabalho suficiente para se aposentarem
Mesmo reconhecendo que estas vantagens não existiam em ou- quando as Cooperativas foram fundadas, optaram por se integrar a
trás empresas, havia associados que aceitariam abrir mão delas em elas, garantindo uma receita adicional às aposentadorias/ sempre
troca de salários melhores fora da Cooperativa. Esta disposição era reclamadas como //ninharia//. Ainda com disposição para continuar
maior na COOFUND, onde foram inúmeras as declarações de que o trabalhando, esses aposentados tinham consciência de que suas opor-
que contava mesmo era o dinheiro no fim do mês/ não interessando tunidades no mercado de trabalho eram muito escassas ou mesmo
aos trabalhadores senão ganhos imediatos. inexistentes, e que fora das Cooperativas não teriam nenhuma chance
de competir com uma mão-de-obra abundante, mais jovem e, certa-
Com um salário maior, sairia da Cooperativa. Mesmo
com as condições de trabalho que aqui é melhor. niente, com melhores condições de saúde.
Escritório, COOFUND Se fosse mais nova procuraria um emprego que descon-
tasse Fundo de Garantia e desse 13°. Só se ganhasse muito
Não adianta chegar no fim do ano e ganhar 200 ou 300 mais/ mas na minha idade é mais difícil arrumar serviço
mais, se durante o período que trabalhou ganhou salário noutro lugar. Estou com 73 anos e 5 de cooperativa. Qyem
baixo. Não adianta nada. Se houver lucro, tudo bem, mas iria me dar emprego?
acho que deve haver melhores salários, porque é dele que Refeitório, COOMEC
se vive o dia-a-dia. O importante não é o lucro. O importante
é o salário.
Eu acho que ganho pouco pelo que eu faço, mas numa
Modelaria, COOFUND
empresa comum não ganharia mais. Porque eu sou
A referência para avaliar os próprios ganhos eram os salários aposentado e com a idade que eu tenho uma empresa não
correntes fora das Cooperativas, podendo aqueles estar acima ou abai- iria me empregar. Eu não passaria em teste nenhum de
saúde. Eu operei a coluna e problema de pressão alta, os
xo destes, para todos os associados ou para algumas categorias funcio-
nervos..,
nais, o que provocava também variações nos níveis de satisfação
Operário, COOMEC
com a remuneração recebida nas Cooperativas. Mas como estas não
estavam submetidas à política governamental, os associados não As vantagens que todos admitiam existir nas cooperativas em
tinham conhecimento prévio do que seria repassado aos seus vencí- comparação com qualquer outra empresa, e que podiam, circuns-
mentos no final do mês, aguardando com expectativa a possibilidade tancialmente, minimizar a insatisfação com a remuneração, estavam
de aumentos. ïonge de afastá-la das preocupações dos associados ou de inibir movi-
mentos de reivindicação desencadeados pêlos trabalhadores em dife-
Agente sempre tem a expectativa, desde o início do mês,
de quanto será o repasse para o pró labore. Há a comparação rentes momentos. Quando isto ocorreu, o alvo das pressões foi o
do que foi repassado na rua para o salário. A gente também Conselho de Administração, com o controle da política de remuneração
vive lá fora e paga o mesmo que o outro. das Cooperativas/ sem a participação ou a consulta ao conjunto dos
Coordenador de área, COOFUND associados. Os coordenadores podiam recomendar ao Conselho pro-

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