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Curso de Direito Civil – Contratos – 3ª Série – UNIARA.

Períodos Diurno e Noturno: Prof. Marco Aurélio Bortolin

Aulas 1 e 2 – Ementa: I - Orientação geral sobre o curso (regras sobre aulas e provas, plano de ensino e
bibliografia). II – 1º Tema: Dos contratos em geral (introdução, noção básica, importância do estudo e
evolução). Princípios Eleitos (Autonomia da Vontade, Força Obrigatória, Consensualismo, Relatividade
Subjetiva dos Efeitos dos Contratos, Função Social do Contrato, Equivalência Material e Boa-Fé
Objetiva).

I) Orientação geral sobre o curso (regras sobre aulas e provas – plano de ensino e bibliografia).

1. Mensagem introdutória e objetivos do plano de ensino para o


curso: o Direito dos Contratos se constitui em uma importantíssima parte do Direito Civil, sobretudo,
porque o estudo dos contratos habilita o alunado a aplicar concretamente na análise de uma relação
jurídica grande parte dos fundamentos já estudados na Parte Geral e na Teoria Geral das Obrigações antes
analisados no Código Civil pelas respectivas Disciplinas do Curso, e ao mesmo tempo, prepara os
estudantes para o futuro estudo dos Direitos Reais, do Direito Empresarial, do Direito de Família e até do
Direito das Sucessões, todos de alguma forma ligados a temas dos Contratos em Geral (regras gerais) ou
dos Contratos em Espécie (tipos de contratos), além de se tratar de matéria fundamental para o correto
entendimento dos negócios jurídicos de consumo, que serão estudados pelos alunos na quarta série do
Curso de Direito da UNIARA.

Para tanto, a presente disciplina, de acordo com seu plano de ensino,


alinha como objetivos centrais:

a) tornar o alunado capaz de compreender o Direito dos Contratos de


forma ampla, e de perceber a correspondência entre o Direito dos Contratos e os demais ramos do Direito
Civil, além de servir de pressuposto para o estudo do Direito do Consumidor;

b) transmitir ao alunado a importância do Direito dos Contratos na


atualidade, através de uma nova visão, também considerada uma visão mais social dos contratos,
informada por princípios modernos (Função Social e Boa-Fé Objetiva), em razão de sua aplicação
extremamente frequente nas relações humanas cotidianas de vida em sociedade;

c) demonstrar que embora extenso, o Direito dos Contratos é passagem


indispensável para a preparação do alunado para a vida prática no Direito, já que nas mais variadas
carreiras jurídicas, os futuros profissionais do Direito estarão diante de lides constantes em torno da

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formação, desenvolvimento e conclusão dos contratos, o que somente indica a importância crescente do
conhecimento dessa disciplina para os alunos.

2. Bibliografia básica. O Direito dos Contratos conta com vasto acervo


de obras de doutrina jurídica e de comentários ao Código Civil. Para o desenvolvimento de nossas aulas,
recomenda o professor com base no plano de ensino, as três seguintes obras básicas:

a) VENOSA, Silvio de Salvo - “Direito Civil – Contratos” - Vol. III - 17ª


ed. São Paulo: Editora Atlas, 2.016.

b) GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo – “Novo


Curso de Direito Civil” – Vol.4/Tomo I, 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

c) GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo – “Novo


Curso de Direito Civil” – Vol.4 /Tomo II, 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

d) GONÇALVES, Carlos Roberto – “Direito Civil Brasileiro: Contratos e


Atos Unilaterais”, Vol. III, 13ªed., - São Paulo: Saraiva, 2016.

II. Dos Contratos em Geral. Disposições Gerais.

1. Introdução. Para o adequado estudo do contrato, e ainda, da própria


norma jurídica que o rege atualmente, fundamental se mostra perceber a importância desse tema.

Inegavelmente, o contrato representou, desde as civilizações mais


remotas, um instrumento indispensável para garantir o bem-estar do homem. Por óbvio, o contrato surgiu
com a própria vida em sociedade, e tal como o homem, originariamente de forma extremamente simples e
rudimentar, como o escambo em sociedades tribais, sendo que sua evolução jurídica que se iniciou na
Grécia Antiga e que foi adequadamente aprofundado e sistematizado pelo Direito Romano nas Institutas
de Justiniano, acompanhou a evolução da vida social, passando pelo inevitável declínio da Idade Média
sem perder importância no Direito Canônico, e obtendo resgate devido no Direito Moderno que se seguiu
à Revolução Francesa.

Atualmente, forçoso é reconhecer que a complexidade e importância do


contrato atingiram um nível elevadíssimo, sobretudo em razão da forma e frequência dos contratos de
consumo, da complexidade e importância econômica dos contratos empresariais, e sem dúvida, na garantia
e efeitos jurídicos que os contratos entre particulares e os de consumo propiciam, mormente para a criação

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e estabilização de direitos.

Necessário, assim, reconhecer que para o estudo do Direito Civil, a Teoria


Geral dos Contratos é fundamental, já que esta materializa a própria obrigação antes estudada, exige
simultâneo conhecimento dos Fundamentos da Parte Geral do Código Civil, e acaba por ser
invariavelmente utilizado para o exercício da propriedade, posse, direitos reais de garantia no Direito da
Coisas, além de também incidir no estudo do Direito de Família e com maior relevância no Direito das
Sucessões.

Mas para iniciarmos nosso estudo, importante investigarmos a localização


do estudo do contrato no ordenamento jurídico.

Sob tal prisma, não podemos esquecer que o Direito Privado pode ser
dividido em dois grandes ramos, quais sejam, o primeiro, consistente em direitos privados não
patrimoniais, que são aqueles notadamente referentes ao estado e personalidade da pessoa humana, e o
segundo, consistente em direitos patrimoniais, ou seja, de expressão ou valor econômico direto ou
indireto, que por sua vez se dividem em direitos reais e direitos pessoais ou obrigacionais. Basicamente, os
direitos reais, notadamente erga omnes, recaem diretamente sobre as coisas, vinculando essas ao seu
titular, que passa a deter sobre as mesmas as prerrogativas de sequela e preferência, ao passo que os
direitos obrigacionais, caracterizam-se por seu efeito inter partes, e conferem ao credor o direito de exigir
do devedor determinada prestação, e neste campo dos Direitos Pessoais ou Obrigacionais, evidente é a
correlação entre os já estudados negócio jurídico e obrigação e o agora visado contrato .

Sabemos também, que a obrigação é a relação jurídica através da qual


alguém se compromete a dar, fazer ou deixar de fazer algo, em favor de outrem, de forma tal que, caso não
observe a estipulação voluntariamente, poderá ser compelido patrimonialmente a honrar o compromisso.
Na relação obrigacional, o liame, o vínculo estabelecido entre as partes é admitido e regulado pela lei, e
por tal razão recebe proteção do Estado Juiz, na medida em que tal poder obrigacional é dotado de sanção.
Do vínculo obrigacional, decorre a dívida e a responsabilidade para o sujeito passivo. Os alunos e alunas
de Direito, por certo, devem conhecer desde o estudo da Parte Geral do Código Civil a importância da
correlação entre o ato/fato/negócio jurídico, a obrigação e o contrato.

Basicamente, podemos considerar com segurança, que o contrato é via


criadora da obrigação, viabilizando a constituição do negócio jurídico cujos efeitos são perseguidos pelas
partes contratantes e admitidas pelo Direito, e que concede força jurígena (de criação jurídica) ao negócio
almejado pelos celebrantes.

2. Conceituação. Apenas para verificarmos como a noção jurídica deste

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instituto tem sofrido constante mutação em razão da atual relativização do antigo caráter absoluto do
contrato em face de sua nova função social e boa-fé objetiva, extraímos da melhor doutrina jurídica dois
conceitos de contrato.

Na visão clássica de Caio Mário da Silva Pereira o “contrato é um acordo


de vontades, na conformidade com a lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar,
modificar ou extinguir direitos” (Instituições de Direito Civil, V.III, , 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
1990) e na não menos tradicional lição do mestre Orlando Gomes, o “contrato é assim, o negócio jurídico
bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos
interesses que regularam”, e ainda, “contrato é todo acordo de vontades destinado a constituir uma
relação jurídica de natureza patrimonial e dotado de eficácia obrigacional” (Contratos, 12ª ed./6ª
tiragem. Rio de Janeiro. Forense. 1993).

No entanto, sob a moderna ordem constitucional vigente, o contrato


aparece mais socializado e regido por boa-fé objetiva em sua estrutura, por exemplo, consoante conceito
de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, para quem o contrato é o “negócio jurídico por meio
do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e boa-fé objetiva,
autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia de suas próprias
vontades” (Novo Curso de Direito Civil – V 4, T. I, 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2006).

Maria Helena Diniz destaca que o contrato “é o acordo de duas ou mais


vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses
entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza
patrimonial” (“Curso de Direito Civil Brasileiro – V. 3 – Teoria das Obrigações Contratuais e
Extracontratuais” – 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 14/16),destacando a renomada jurista que da
noção de contrato podem ser extraídos dois elementos, sendo um deles o elemento “estrutural”,
decorrente da justaposição de duas ou mais vontades antagônicas, e outro denominado de “funcional”,
que encerra a composição desses interesses para constituir, modificar ou extinguir obrigações de cunho
patrimonial.

3. Noção básica. Distinção entre o negócio e o instrumento e seu


conteúdo. Na prática, a ideia de contrato é utilizada em acepções distintas, ora para designar o negócio
jurídico gerador de obrigações, ora para designar o instrumento em que se formaliza o acordo de vontades.
No plano teórico, contudo, por contrato devemos entender apenas o negócio jurídico propriamente havido
por acordo de vontades provido de força jurígena, ou seja, capaz de criar direitos ou obrigações, ao passo
no plano fático sua materialização em escrito público ou particular, ou ainda por comunicação verbal ou

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mímica, deve ser tido como sendo o instrumento contratual.

Esse instrumento contratual que todos nós conhecemos, normalmente é


composto de duas partes, denominadas de preâmbulo e contexto. O preâmbulo apresenta as partes
contratantes e indica a natureza do negócio jurídico, ao passo que o contexto encerra todas as cláusulas
que contém as disposições contratuais específicas.

4. Evolução. O contrato, como instrumento determinante da autonomia da


vontade está em transformação. Se no passado era visto como fato gerador de um vínculo obrigacional
absoluto com força de lei entre os contratantes, sobretudo com o pensamento iluminista que elevou a
figura do homem ao topo do Direito, culminando com o Código de Napoleão, fazendo contaminar todo o
enfoque jurídico moderno dado ao contrato até o fim do Século XIX, mais recentemente, após a
Revolução Industrial, aquela força vinculante e obrigatória intransponível foi gradativamente cedendo
espaço a uma interpretação jurídica menos antropocêntrica e bem mais social, sobretudo com a
contribuição do pensamento jurídico germânico materializado no famoso Código Civil Alemão (BGB).

O contrato contemporâneo continua a servir para circular riquezas,


transferir bens, otimizar a vida em sociedade, agilizar os negócios e conferir segurança aos celebrantes do
pacto contratual, mas não por sua força obrigatória deve servir de mecanismo para opressão econômica,
ou como máscara ou ferramenta legalizada para a imposição desmedida do forte contra o fraco econômico
ou social apenas por gerar vinculação entre as partes. Atualmente, a força jurígena do contrato, qual seja, a
de criar pela força humana a obrigação, encontra limites na dignidade da pessoa humana, nos direitos
sociais maiores, e na concepção de que o contrato deve ser legal, mas também justo de acordo com o
segmento econômico em que se situa.

No Brasil, embora conhecida doutrinariamente, essa concepção


contemporânea chegou com grande atraso, somente materializada após a Constituição Federal de 1988,
com o advento do Código de Defesa do Consumidor de 1990, e mais tarde, com o atual Código Civil de
2002.

III. Princípios.

1. Princípios tradicionais. A importância dos princípios jurídicos não


pode ser sumariamente minimizada pelos alunos, pois tal fonte é ordenadora da correta interpretação de
outras fontes, especialmente a lei. Em relação ao contrato aplica-se a mesma importância do estudo dos
princípios.

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Sob tal prisma, por princípios tradicionais da Teoria Geral dos Contratos
podemos, com segurança, destacar:

1.1.Princípio da Autonomia da Vontade. Tal princípio indica como


critério de interpretação, o reconhecimento do poder decorrente da personalidade jurídica da pessoa física
ou jurídica de suscitar, mediante declaração de vontade válida, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem
jurídica, segundo nos orienta a clássica lição de Orlando Gomes (Contratos, 12ª ed./6ª tiragem. Rio de
Janeiro. Forense. 1993).

Sem dúvida, deriva da capacidade de fato e de direito estudada na Parte


Geral do Código Civil, ou seja, trata-se de princípio que rege a liberdade de contratar, o que nos conduz a
reconhecer, a partir de seu estudo, a existência de um autêntico poder de qualquer agente capaz de criar,
modificar ou extinguir direitos, bem como, obrigações. Compreende a particular e privada liberdade de
contratar e de ajustar o conteúdo da contratação, sendo tal liberdade, por óbvio, sempre limitada pela lei,
pela ordem pública e pelo uso regular do direito, mas que o Direito reconhece capaz de criar
autonomamente, pela vontade do emissor, um vínculo jurídico obrigacional exigível, dotado de força para
responsabilizar patrimonialmente o emissor ao seu cumprimento;

1.2.Princípio da Força Vinculante (também chamado de Força


Obrigatória). Princípio ainda atual, mas derivado de antiga regra (em latim, pacta sunt servanda, que no
Direito Romano da antiguidade encerrava a noção de que o contrato faz lei entre as partes), tal princípio é
importante para resguardar a segurança jurídica do contrato.

Por óbvio que o dirigismo contratual do Estado na atualidade diminui essa


força, mas nem por isso sua substância pode ser considerada extinta em nenhuma hipótese. Trata-se de
princípio que nos lembra a inegável imperatividade ao contrato, ou seja, indica que de fato o contrato,
como força capaz de criar, modificar ou extinguir direitos ou obrigações, vincula concretamente os
contratantes ao seu conteúdo, devendo o contrato, em regra, sempre ser cumprido, sem possibilidade de
dissipação do vínculo, salvo pelo cumprimento do contrato ou pelo advento de outro negócio jurídico que
desfaça o contrato anterior (distrato), e isso porque o contrato deve traduzir segurança e somente haverá
certeza de segurança se o contrato gerar a criação de um vínculo reconhecido pelo Direito, que
verdadeiramente impeça a alteração unilateral e imotivada do contrato por um dos contratantes, sem a
justa concordância do outro.

O Princípio da Força Obrigatória não impõe um conceito absoluto


atualmente, mas antes da Revolução Industrial era realmente um critério quase intransponível para
representar a vinculação das partes contratantes. No Direito Brasileiro, desde o advento da Constituição

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Federal, e a concreta positivação do Princípio da Dignidade Humana em nossa Lex Superior, a Força
Obrigatória Contratual tem sofrido constante processo de relativização, mormente com o advento do
Código de Defesa do Consumidor, e mais recentemente, com a entrada em vigor do Código Civil em
2002.

Podemos buscar uma demonstração dessa transformação conceitual da


força vinculante na atualidade, de sorte a tornar esse estudo mais simplificado. Talvez o exemplo mais
claro resida nos contratos de planos privados de saúde. A exploração desse segmento é totalmente válida
pela iniciativa privada, pois o Estado não reserva para si o monopólio dos serviços de saúde à população.
Essa ausência de reserva pública dos serviços de saúde permite que a iniciativa privada explore esse
segmento econômico, e dele extraia lucros, justamente porque o Estado reconhece sua incapacidade de
abastecer toda a população.

Os contratos vinculam as partes em torno dos serviços de saúde oferecidos


pela iniciativa privada, e obviamente, representam o instrumento através do qual os fornecedores desses
serviços irão regular a oferta buscando maior lucro. O resultado dessa perspectiva econômica
materializada no contrato, muitas vezes, se traduz em instrumentos com cláusulas restritivas para os
serviços mais custosos, sem qualquer possibilidade do outro contratante debater o conteúdo do ajuste,
simplesmente porque o contrato já está impresso, pronto e acabado.

Posteriormente, aquele contratante que crê estar sob cobertura contratual


para problemas de sua saúde, se surpreende diante do alcance de certas cláusulas contratuais, justamente
quando precisa invocar o vínculo contratual para proteger sua saúde fragilizada. Atualmente, há
mecanismos legais e princípios que norteiam uma certa relativização dessa força vinculante em situações
que exijam um maior respeito do contrato a valores maiores, individuais ou sociais, no exemplo dado, o
Código de Defesa do Consumidor e a Lei dos Planos de Saúde, e os Princípios Contratuais da Boa-Fé
Objetiva e da Função Social;

1.3.Princípio da Relatividade Subjetiva dos Efeitos Contratuais. Os


efeitos do contrato, em regra, atingem apenas os celebrantes do contrato, não podendo, por óbvio, vincular
a outrem que ao pacto não anuiu. Esta vinculação subjetiva voltada aos integrantes do contrato comporta
exceções que são extraídas das modalidades contratuais de estipulação em favor de terceiro e do contrato
com pessoa a declarar que logo mais adiante serão estudados em nosso curso, mas como critério básico de
interpretação, esse princípio orienta o intérprete a não permitir a propagação indevida dos efeitos de um
contrato a quem dele não seja parte.

1.4. Princípio do Consensualismo. Ao contrário do que se verificava na

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Antiguidade, o formalismo da contratação atualmente é excepcional, bastando, nos dias atuais, a simples
operação intelectual do concurso de vontades para gerar o contrato. Esse princípio é quase uma
constatação da evolução do meio social que gerou uma transformação praticamente obrigatória do Direito
em relação à constituição e validade dos contratos, impondo-se um menor formalismo em favorecimento
da agilidade dos negócios e simplicidade de elaboração, com a mesma eficácia jurídica. Atualmente,
poucos negócios jurídicos são formais na sua essência, ou seja, encerram formas legais para sua validade e
eficácia. Normalmente, citamos como exceções o casamento civil e negócios envolvendo a transmissão de
imóveis. Em regra, teremos liberdade na lei para a celebração de contratos sem uma forma obrigatória de
constituição.

2. Princípios Contemporâneos. Seguramente, como decorrência do


Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, outros princípios passaram a ser francamente
identificados em nosso ordenamento, o que também ocorre com o Direito Contratual. Nesta seara, por
princípios atuais, de claro apelo social, resumidamente podemos ressaltar:

2.1 Princípio da Função Social do Contrato. Antes ignorada no Código


Civil de 1916, mas resgatada pela Constituição Federal de 1988, que deu roupagem socializante ao
exercício da propriedade privada, e que fez repercutir no universo jurídico do contrato, a função social já
havia sido identificada para os contratos de consumo no Código de Defesa do Consumidor, e como
também ocorreu com a boa-fé objetiva, foi resgatada para os contratos em geral no atual Código Civil, em
seu artigo 421, que reza:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da


função social do contrato.

Por esse princípio, o contrato não encerra mais exclusiva importância e


interesse aos seus celebrantes, não mais pode ser interpretado como regra absoluta de criação de
obrigações e direitos, e ainda, cumpre um importante papel para a sociedade, devendo respeitar não apenas
os interesses particulares dos contratantes, mas também, valores sociais e coletivos, atrelados ao ambiente,
ao conjunto de consumidores, à segurança das pessoas, ao bem-estar daqueles que direta ou indiretamente
possam sofrer algum reflexo do contrato. Segundo o artigo 421, do Código Civil, a função social do
contrato passa a estabelecer um próprio limite para a autonomia da vontade para a liberdade de contratar.
Há na norma o reconhecimento de um interesse maior de que a sociedade não seja engolida pela força do
capital cujo contrato pode servir de instrumento.

2.2. Princípio da Boa-Fé Objetiva. Os romanos antigos viam a boa-fé


como um elemento de fidelidade das partes ao contrato firmado, ao passo que o pensamento jurídico

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germânico agregou a esse conceito latino o elemento lealdade frente ao negócio.

O Princípio da Boa-Fé Objetiva é decorrência dessa fase socializante da


propriedade e do contrato, trazida pela Constituição Federal de 1988, e positivada em específico pelo
Código de Defesa do Consumidor em 1990, recentemente trazido para o Direito Contratual Civil com o
atual texto de 2002 em seu artigo 422, ao estabelecer:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do


contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

De forma pacífica, a Doutrina reputa deficiente a redação desse


dispositivo, por sua limitação às fases de execução e conclusão, já que a boa-fé objetiva deve igualmente
estar presente na antes e depois da celebração do contrato, tal como no Direito do Consumidor. A
limitação traduzida por simples interpretação gramatical não prepondera e cede a qualquer interpretação
sistemática do Código Civil, ao relembramos do artigo 113, do Código Civil.

Por qualquer forma que se analise o citado dispositivo legal, a boa-fé


objetiva contratual, a par dos elementos tradicionalmente integrantes do contrato (partes capazes, objeto
lícito, forma prescrita ou não defesa em lei) encerrará elementos outros para a contratação, e que
implicitamente são traduzidos por confidencialidade, assistência, informação, lealdade e confiança
recíprocas. Na sempre lembrada lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Novo Curso
de Direito Civil – V 4, T. I, 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2006), a Boa Fé Objetiva gera um conjunto de
funções importantíssimas para a moderna disciplina de estudo e interpretação dos contratos, possibilitando
melhor interpretação da vontade dos contratantes (função interpretativa), maior proteção ao contratante
hipossuficiente econômico-social, via de regra atingido pela necessidade de contratar de forma
simplesmente adesiva (função protetiva), além de possibilitar maior e melhor limitação à liberdade de
contratar evitando-se o abuso de direito (função delimitadora do exercício de direitos subjetivos).

2.3.Princípio da Equivalência Material. Vez que lembrado pelos


renomados autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Novo Curso de Direito Civil – V 4,
T. I, 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2006), esse princípio nos faz relembrar os defeitos da lesão e do estado
de perigo nos negócios jurídicos, estampados na Parte Geral do Código Civil, para introduzir na moderna
sistemática dos contratos o elemento de equilíbrio das obrigações que traduza justiça e equidade do
contrato, como forma de permitir que estipulações contratuais visivelmente desproporcionais que
porventura possam impor opressão econômica através do contrato ou representar mecanismo de ganho
excessivo de uma parte em face da outra sejam alvo de anulabilidade do contrato.

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IV. Julgados relacionados aos temas da aula (fonte: www.tjsp.jus.br).

“CONTRATO DE ADESÃO – Assistência médico-hospitalar – Nulidade de cláusulas abusivas do contrato – No


direito atual, não mais prevalece o legalismo estrito, mas cada vez mais se abre espaço aos princípios jurídicos, tal
como a função social do contrato, que configura substrato jurídico para invalidar cláusulas abusivas, em especial na
hipótese de contrato de adesão – Visa-se, assim, a prevalência de interesse social maior, no caso, a saúde e a vida,
em prejuízo da gana pura e simplesmente financeira, vez que “a magnitude da saúde humana, não encerra
estimativa econômica” – Recurso desprovido” (TJSP - Apelação Cível n. 380.045-4/2-00 - São Paulo – 9ª Câmara de
Direito Privado - Relator: João Carlos Garcia – 12.04.05 – V.U.)

“CONTRATO - Princípio da boa-fé - Dever de assistência, de cooperação entre as partes que celebram o pacto -
Hipótese em que se objetiva garantir a ética da relação e o correto adimplemento da obrigação” (TRF - 4ª Reg.- RT
819/379).

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - Apreensão pela polícia do bem alienado fiduciariamente, por suspeita de adulteração do
chassi - Suspensão no pagamento das parcelas do preço - Ruptura do contrato mantida - Proprietário fiduciário que
concorreu, por falta de diligência, para a superveniente apreensão do bem pela polícia - Violação do dever contratual
acessório de atuar conforme a boa-fé objetiva - Encargos da mora carreados ao devedor - Inadmissibilidade - Caso
de aplicação simples da correção monetária conforme “tabela prática” do TJSP - Consequente alteração da
distribuição das verbas da sucumbência, por força do princípio da causalidade - Recurso parcialmente provido”
(TJSP - Apelação Cível n. 807006-0/2 - São Paulo - 35ª Câmara de Direito Privado: Carlos Ortiz Gomes - 23.05.05 -
V.U.).

“CONTRATO – Financiamento rural – Cédulas rurais hipotecárias e pignoratícias – Bem móvel – Trator e acessórios
– Perda do mesmo em razão de incêndio não provocado pelo financiado – Determinação da instituição bancária de
continuidade no pagamento das parcelas do empréstimo pois o seguro dos bens não havia sido renovado –
Descabimento – Descumprimento do dever anexo do Banco de renovar a apólice que havia sido por ele contratada e
cujo o prêmio era cobrado junto com a parcela - Impossibilidade da alegação de falta de estipulação contratual, em
decorrência da necessidade de comportamento uniforme – Aplicação do princípio da boa-fé objetiva e da teoria
“venire contra factumproprium” – Art. 422 do Novo Código Civil – Resolução da avença decretada, determinada a
restituição das parcelas ao financiado a partir da data do sinistro – Ação procedente – Recurso provido para esse fim”
(TJSP - Apelação nº 7.082.630-7 – São Paulo - 18ª Câmara de Direito Privado – 14/09/06 - Rel. Des. Carlos Alberto
Lopes – v.u. – V. 13637).

“Ementa: APELAÇÃO - Ação declaratória cumulada com indenização por danos morais e materiais – Sentença –
Apelação – Preliminar de cerceamento de defesa afastada – Resolução de contrato de construção - Cumprimento de
90% da obra – Atraso na entrega da obra - Acolhimento da teoria do adimplemento substancial - Resolução
contratual incabível – Indenização por danos materiais. Devolução do valor total do investimento – Impossibilidade -
Construção realizada em sua quase totalidade – Prejuízo do autor que se prende ao saldo da obra – Pedido
contraditório, haja vista que o autor está na posse das obras edificadas em seu terreno – Tese inicial sem apoio na
boa-fé objetiva – Lucros cessantes – Parte que se apega à projeção de lucro e não ao efetivo prejuízo sofrido –
Pedido não acolhido – Sentença mantida – Recurso desprovido” (TJSP – Apelação 1016748-08.2015.8.26.0506 –
Relª. Desª. Jonize Sacchi de Oliveira – 24ª Câmara de Direito Privado – Ribeirão Preto – J. 23/01/2017).

“Ementa: AÇÃO DE COBRANÇA - Pretensão da apelada de receber sobreestadia ("Demurrage"), decorrente do

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atraso na devolução de container - Prescrição - Não ocorrência - Lei nº 9.611/1998 - Não incidência - Transporte
marítimo - Unimodal - Contrato que explicita os valores a serem cobrados - Entendimento pacificado no STJ de que
rege a espécie o prazo quinquenal do art. 206, § 5º, I, do Código Civil - Desnecessária a prova de propriedade do
container, quando há entre as partes contrato em que a apelante assume o dever de remunerar a apelada pelo
atraso na devolução do receptáculo - Incontroversa a mora na devolução, lastreada, ademais, por documentos, o
pagamento é de rigor - Não impugnados os cálculos apresentados em consonância com a avença (Art. 302 do
CPC/73) - Recurso desprovido” (TJSP – Apelação 1023964-46.2015.8.26.0562 – Rel. Des. Mendes Pereira – 15ª
Câmara de Direito Privado – Comarca: Santos – J. 19/01/2017).

V. Dispositivos do Código Civil referidos nesta aula (fonte: www.planalto.gov.br).

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé.

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