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FIG. 10, 18 A ARTE GREGA Na peninsula helénica, um novo componente étnico modifica e caracteriza progres- sivamente a cultura da proto-histéria mediterranea. A crescente infiltragao de po- vos provenientes do norte (dérios) determina, em contrapartida, a migragao dos povos helénicos da costa ocidental para o Oriente: a Asia Menor converte~ no centro da cultura jonica, sempre imbuida de um célido sentimento da natureza e sensivel a todas as modulacées afetivas, o que a torna sutilmente antitética ao se~ vero rigorismo formal, & tendéncia ao simbdlico e ao abstrato, propria da tradigao dérica, que domina o periodo dito medievo helénico, entre os séculos x11 €1% a.C. s ceramicas, a configuracao dos vasos apresenta curvaturas suaves e a decoragao, cromaticamente severa, é quase matematica na medigdo rigorosa dos intervalos en- tre os desenhos. Com a combinagao das duas componentes, dérica e jOnica, tentou- se explicar a coexisténcia, na grande arte grega, de uma abstrata exigeneia a priori de ordem, simetria e proporgao, e de uma sempre renovada, ds vezes impettiosa e dramatica, experiéncia de vida. Na verdade, da fase arcaica a clissica, e desta d difu- is, desenvolvimento histérico da arte ¢ inseparavel do desenvolvimento da cultura e da consciéncia politica do povo helénico. sao das correntes helenis Desde seu primeiro aparecimento no ambito da civilizagao mediterranea, a sociedade grega se funda no pensamento de um perfeito equilibrio entre humani- dade e natureza: nada existe na realidade que nao se defina ou tome forma na consciéncia humana. Aristoteles explicard que o primeiro estagio da “politica” éa familia (oikia), 0 segundo € a aldeia (koin2), 0 terceiro ¢ a cidade (polis). As pro- prias leis do Estado tém seu fundamento nas leis naturais; e “natural” ¢ 0 funda- mento da légica e da ciencia, da moral e da religido. Mas nem por isso a vida é equilibrio imovel, estagnacao; ¢ antes aspiragao continua a uma condigao ideal, de perfeita liberdade “natural”. Por esse ideal de liberdade a Grécia combateré longa- mente o império persa, iltima forma do obscuro despotismo asiatico; e essa lon- ga luta histrica nada mais sera do que o resultado da mitica luta de liberagao da Aart . Ne consciéncia dos opressivos terrores do mundo pré-histérico e proto-histérico, com suas ameacadoras poténcias sobrenaturais. Dessa continua luta, mitica ¢ hi térica, pela libertagao da consciéncia e pelo limpido conhecimento do real, a arte figurativa é, mais ainda do que um testemunho, um fator essencial. Concebida co- mo 0 mais puro e perfeito dos fendmenos naturais, revela na clareza de suas for- masa forma ideal da natureza na sua esséncia universal, que est além de qualquer contingéncia acidental. Nesse sentido, tem uma fungao ativa ou construtiva: alia- se ao pensamento dos filsofos e ao genio inspirado dos poetas na busca de uma verdade que nao esta além, mas dentro das coisas e que nao se alcanga ultrapas- sando a experiéncia, mas aprofundando-a ¢ esclarecendo-a. Explica-se também assim 0 que, aos nossos olhos, poderia parecer um limite da arte classica: 0 fato de eleger quase como tinico objeto a figura humana. Essa é de fato considerada, entre todas as formas naturais, a mais préxima do ideal, a mais livre das contin- géncias acidentais. Nela vé-se como a civilizagao, interpretando os significados profundos da natureza, idealiza suas formas. Costuma-se dividir o desenvolvimento hist6rico da arte grega em trés periodos: arcaico, do século vit ao fim do v1 a.C.; cldssico, até a metade do 1v a.C.s helenistico, até a metade do século 1a.C. Essa divisao esquematica reflete o tradicional concei to evolucionista, segundo o qual o periodo classico deveria ser considerado como 0 momento do apogeu, precedido por uma fase de preparacao ou de progresso € se- guido por outra de declinio ou dissolugao. Bssa tese nao ¢ aceitavel, porque cada si tuacao histérica deve ser avaliada no seu significado prdprio e nao somente em relacdo a outras. Todavia, a fase central, dita cldssica, produziu obras de tao alto ni- vel que podem ser consideradas pela posteridade como exemplos de perfeigao abso- uta, podendo pois constituir o fundamento de uma teoria da arte ou da estética. Com o termo cldssico, relativamente recente, os tebricos dos séculos xvitt € xx indicaram, de fato, a perfeigao da forma artistica, seu carter de universali- dade,a eternidade do seu valor. A forma artistica é dada como absoluta e univer- sal quando implica e exprime um conceito total do mundo. Como o conceito do mundo que encontra na arte sua expressio total é 0 de determinado momento da civilizagao grega,a universalidade da arte classica nao é uma qualidade supra-his- torica, mas identifica-se com a sua historicidade. Diremos, pois, que talvez em nenhum outro perfodo a arte tenha expressado tao plenamente a realidade hist6- rica, no seu conjunto, como no periodo dito clissico da arte grega. E claro que a arte cléssica néo poderia ser plenamente a expressio da realidade histérica se 0 seu desenvolvimento nao atuasse como desenvolvimento histdrico, ou seja, se a obra do artista nao fizesse pressupor uma hicida consciéncia da experiencia do passado e da finalidade a qual aspira.A arte classica tem, pois, seu fundamento no passado e visa a perfei¢ao absoluta. Portanto, o trabalho do artista aparece sempre ligado a um interesse tedrico, programatico, que encontra as vezes sua expressao em cdnones ou leis formais. O canon se refere, para a arquitetura, as relagées métricas entre as partes e en- tre cada parte e o todo; para a escultura, as dimensoes relativas das partes da fi gura humana. O cénon nao é, contudo, uma constante iconografica ou um tipo de imagem a ser repetido uniformemente, mas um sistema de proporgdes entre as partes e das partes com o todo: nesse sentido reflete o conceito helénico da rea- Jidade como relagao harménica de partes e da existéncia individual como relagao 48 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO

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