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A evolução do homem

e das mentalidades
uma perspectiva através do corpo
Rui Proença Garcia*

O reencontro do homem com o seu corpo é


Ao longo dos tempos o corpo foi entendido de forma
talvez uma das características mais
marcantes do tempo atual. A afetividade, o
diferenciada e valorizado de acordo com os códigos
prazer e o culto do corpo são, nas palavras de
culturais vigentes. Sendo como é, um produto da Gervilla (1993), reconhecidamente valoriza-
biologia e da cultura, o corpo retrata com fidelidade a dos. O corpo não é mais aquela "entidade obs-
sociedade a que pertence. Embora entendamos que cura" de que falava Santo Agostinho mas a
não é possível olhar para o corpo numa perspectiva sede da nossa existência.
diacrónica admitimos que através da forma corporal se
possa aspirar a uma história da evolução do homem e
A redescoberta do corpo é o corolário da
evolução da nossa sociedade, onde "a priorida-
das mentalidades. Ler no corpo a sociedade é, assim,
de do conjunto oficial apaga-se em benefício dos
o propósito deste trabalho e o corpo torna-se legível interesses e das vontades das partes individuais,
porque se encontra submetido a uma cultura. os códigos sociais que fixavam o homem às so-
lidariedades de grupo já não podem subsistir"
(Lipovetsky, 1989. p. 179). Cada vez mais inde-

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pendente em relação às imposições coletivas, o paz de "pecar", havia compaixão. Tinha que
homem atual começa a olhar mais para si, para o desaparecer para que nem sequer fosse sepul-
seu corpo, transferindo para este valores que até tado. Tinha que ser purificado.
então lhe seriam um pouco estranhos.
Não bastava o castigo da destruição do
O corpo começou, então, a invocar vá- corpo vivido, nem mesmo do corpo enquanto
rias áreas do conhecimento humano para ser entidade orgânica, enquanto totalidade bioló-
cabalmente percebido. Invocou a Filosofia gica e animal. O corpo, como substância mate-
através, por exemplo, de Vergílio Ferreira rial, como existência física tinha também que
(Invocação ao meu corpo), José Gil (Meta- ser destruído, desaparecer completamente para
morfoses do corpo). Invocou a socio-antro- que não deixasse qualquer rasto de ignomínia.
pologia pelas palavras de David Le Breton Esta destruição mostra-nos que, à época e ao
(Anthropologie du Corps et Modernité), de contrário daquilo que agora é considerado (p.e.,
Norbert Elias (p.e., O processo civi- ver Entralgo, 1991), a realidade terrena do ho-
lizacional), de Anthony Giddens (p.e. mem não se esgotava na morte. Algo transcen-
Modernidade e identidade pessoal). Apelou à dia à própria matéria constitutiva do corpo.
Teologia para dar o seu testemunho, através
de Douglas Davies ("Cristianismo", in Ritos
de passagem). Invocou áreas de interface de Talvez este período histórico, da
conhecimentos como a Medicina e a inquisição, tivesse sido um dos mais impor-
Filosofia, através de Pedro Entralgo (El tantes relativamente à questão do corpo, o que
Cuerpo Humano), da História e da An- de alguma forma contraria o sentimento geral
Com o seu uso acerca desta temática, que considera este perío-
tropologia, na análise de Jorge Crespo (His-
metafórico o do como aquele onde o corpo foi mais esque-
tória do corpo), ou da Filosofia e a Antro-
corpo pologia com o discurso de Gilles Lipovetsky cido. Repare-se que a inquisição considerava
deixou de ser algo (p.e., o Crepúsculo do dever) e desembocou o corpo material como portador de um espíri-
exterior à cultura na Pedagogia, onde Jorge Bento tem produ- to e que as idéias da pessoa só eram completa-
e à sociedade para zido um discurso admirável (p.e., O outro mente anuladas pela destruição do corpo físi-
se assumir como lado do desporto). co, mesmo já desprovido da sua anima. O cor-
uma das suas po físico era, assim, considerado como algo
manifestações
Todas estas diferentes abordagens, muito importante, assistindo-se através dele à
mais marcantes. que fragmentaram o próprio corpo, possibi- transcendência da matéria. Caso contrário nada
litaram que este se mostrasse como uma di- justificaria a sua cremação pelo fogo purifica-
mensão constitutiva e expressiva do ser do dor. A morte do "portador" das idéias seria
Homem (Vaz, 1993. v.I), permitindo supor suficiente.
que cada ambiente sócio-cultural, cada ci-
vilização, cada religião, cada filosofia, cada Nesta multiplicidade de verdadeiros
estética possui ou possuem os seus corpos, usos metafóricos do corpo, criaram-se idios-
sendo assim possível intentar perspectivar sincrasias identificadoras de épocas, de cultu-
"A evolução do homem e das mentalidades" ras, de povos e mesmo de lugares. O corpo
através do corpo, das suas formas e dos va- deixou de ser algo exterior à cultura para se
lores nele encerrados. assumir como uma das suas manifestações
mais marcantes, dando assim razão ao pensa-
Ao longo dos séculos o corpo tem sido mento de Karl Marx para quem o animal é a
representado, analisado, discutido, criado e sua vida, o homem produz a sua; a começar
recriado, tem sido alvo de proibições, de ta- pelo corpo.
bus. Estabeleceram-se éticas e a não observân-
cia de alguns dos seus princípios legitimou a Com o seu uso metafórico o corpo dei-
mutilação, a destruição e a cremação de cor- xou de ser algo exterior à cultura e à socieda-
pos. O corpo, que já tinha sido sede de prazer de para se assumir como uma das suas mani-
por excelência, transformou-se unicamente em festações mais marcantes.
sede de sofrimento. Na inquisição não basta-
va só o sofrimento. A tortura até à morte não Afirmam Bottiroli e Ferraro (1995) que
era ainda suficiente. Havia mesmo a necessi- a cultura intervém no corpo dos membros de
dade de fazer desaparecer o próprio corpo. determinada comunidade através do desenvol-
Nem para o corpo desprovido de vida, inca- vimento de certas atitudes, posturas e proce-

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dimentos, favorecendo assim um uso técnico AMAZÔNIA E CORPO
e instrumental do próprio corpo. Aliás, o uso
diferenciado do corpo é, para Mauss (1989), No âmbito de um vasto projeto comum
uma forma de reconhecer a sociedade. Diz o das Universidades do Porto e do Amazonas2,
autor (p.367) que cada sociedade tem os seus temos vindo a estudar sistematicamente alguns
hábitos. Os hábitos do corpo também pode- povos que habitam a floresta amazônica bra-
rão identificá-la. sileira. Nesta investigação, para lá da beleza
paradisíaca da própria Amazônia, da sua fauna
Mas, para lá dos hábitos, atitudes ou e flora, da percepção in loco da importância
comportamentos adquiridos por uma apren- ecológica da floresta equatorial, outros cen-
dizagem, a cultura cria corpos mesmo na- tros de interesse aparecem como importantes
quilo que o corpo tem de mais somático. e passíveis de um olhar e de um questio-
Mais corpo, menos corpo, salientação desta namento antropológico. Os símbolos, os mi-
característica ou daquela forma, evidenciam tos, os rituais, toda uma vivência de povos que
padrões de cultura que importam apenas são primitivos por mera convenção ou
equacionar. É assim possíve1 "conhecer" a porque são efetivamente os primeiros, possi-
evolução do homem através do uso, do esta- bilitam um diálogo entre culturas milenares.
tuto, da forma, dos hábitos corporais. Mauss
|1989) intenta mesmo uma "pequena histó- Temos total consciência das dificulda-
ria" do homem através da marcha. des desta empresa, dentro das quais é justo
recordar a dificuldade de transpor em lingua-
São muitas as questões e os discursos gem escrita os comportamentos simbólicos dos
levantados pelo corpo e mesmo as teorias for- indígenas. Sabemos que tanto o símbolo como
muladas a partir deste. Eichberg (1995) de- a nossa escrita são formas de linguagem, mas
monstra como é que diferentes concepções de situadas em níveis diferentes. Não é possível
corpo, em diferentes países, refletem-se na traduzir uma linguagem para outra por uma
sociedade. Por exemplo, na Alemanha é pos- simples operação de tradução, mas é necessá-
sível a divisão do corpo em Kõrper e em Leib, rio um enorme esforço hermenêutico, esforço
o que possibilita a noção dicotômica entre cor- esse que nem sempre é conseguido3. A tradu-
po como sujeito e corpo como objecto. ção do símbolo é acima de tudo uma interpre-
tação. Embora havendo limites para o número
Gabriele Klein consegue, através da de interpretações (ver Eco, 1992), a nossa não
dança, descortinar dois aspectos fundamentais é a única possível, estando sempre condicio-
na linguagem: ter um corpo e ser um corpo, nada ao nosso código cultural.
polarizando, desta forma, o corpo instrumen-
tal do corpo enquanto sujeito (Klein, 1995). Estar na Amazônia é ser presente à nos-
sa própria sociogénese. É perceber aquilo que
Michel Foucault, Merleau-Ponty e realmente somos, mas sem outras roupagens
Goffman, analisaram o corpo como o princi- que a tecnologia deu ou dá, roupagens essas
pal foco de poder. O corpo, sempre o corpo, que muitas vezes despem mais o homem da
surge como um elemento central desta tripla sua essência que o revestem. A técnica quase
conceptualização sobre o poder. invariavelmente não faz mais que ocultar ou
mascarar a nossa própria identidade, esconden-
Norbert Elias, numa das suas obras fun- do aquilo que somos, mostrando aquilo que
damentais, O processo civilizacional, percebe deveríamos ser mas não somos.
que no decurso desse processo alguns impul-
sos foram (e são) submetidos a uma regula- Estar com os povos da floresta é perce-
mentação e a uma transformação por parte do ber a ecologia de uma outra forma.4 É perce-
homem, tentando silenciar do corpo a sua lin- ber sem qualquer preconceito a relação entre
guagem instintival. a vida e a morte.

Ler no corpo a sociedade é assim um Estar na floresta é perceber a nossa pe-


propósito deste trabalho e o corpo torna-se le- quenez, as nossas insuficiências, a falibilida-
gível porque se encontra submetido a uma cul- de dos nossos conhecimentos. É compreender
tura. a noção de evolução ou de involução do ho-

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mem. Enfim, estar na Amazônia é tomar co- nos duradouras que permitem qualquer pers-
nhecimento daquilo que provavelmente fomos, pectiva evolutiva do homem a partir do corpo,
dos caminhos que percorremos até agora, do mas sim através do seu uso, da sua forma ex-
reconhecimento de desvios que eventualmen- terior, mesmo do soma, do seu valor, que per-
te fomos sujeitos. mitem que olhemos para ele (passe o dualismo)
e consigamos ler uma história, a história da
Naturalmente que a investigação que condição humana.
estamos a efetuar orienta-se para objetivos
de um projeto específico das Ciências do Com a forma do corpo representamos
Desporto, onde a escolha do patrimônio um pobre ou um rico, uma pessoa alegre ou
lúdico-ritual e sua interpretação à luz de um uma outra triste, uma pessoa sã ou uma doen-
quadro conceituai relevante para a Antro- te, enfim uma miríade de situações que são
pologia do Desporto, assume-se como a ta- muito bem utilizadas no teatro. Não esquecer,
refa mais importante. Porém, é nossa inten- também, que determinada patologia da coluna
ção equacionar sempre uma atividade, seja vertebral se chama lordose porque as pessoas
de trabalho, recreativa ou religiosa, pela sua com essa doença ficam com um porte seme-
componente cultural, não procedendo a di- lhante aos lordes. A imagem do corpo reflete
visões extrememente úteis numa perspectiva aquilo que somos, havendo uma total inter-
didática, mas desprovida de sentidos exis- penetração da categoria do ter com a do ser.
tenciais.
Assim, cada cultura, quer as passadas
Nesta perspectiva, aparece o estudo do quer as atuais, produzem os seus corpos e os
corpo nas suas variadas manifestações, o seu próprios rabiscos representativos do corpo re-
uso, estatuto, mesmo o ontológico, inserindo- fletem essas mesmas culturas.5 O desenho que
o num determinado código cultural, tentando representa um homem primitivo é inconfundí-
encontrar bases para estabelecer um fio con- vel. Há marcas que o distinguem de um ho-
dutor à evolução humana através das suas re- mem de outro tempo.
presentações.
A questão do corpo sempre marcou a
É neste sentido que se pronuncia José nossa visão da Amazônia. Era lá, para os eu-
Leite de Vasconcelos, na sua Etnografia por- ropeus da era dos descobrimentos, que corria
tuguesa (v.l), logo na página primeira, ao a mítica fonte da juventude, cujas águas asse-
afirmar que "até o aspecto físico (modo de guravam a perpetuação do corpo. Em nenhu-
andar, gesticular, etc.)" se assume como uma ma outra parte o mito do eterno retorno se faz
unidade dentro de cada comunidade (Vas- sentir com tanta força e intensidade. É no cor-
concelos, 1994). Se num dado momento his- po que esse mito atua. A vida eterna é repre-
tórico é possível perceber a pluralidade de sentada pelo corpo jovem, o corpo incor-
culturas pelo corpo, também será possível, ruptível.
embora com um esforço bem maior, perce-
ber a história pelas representações corporais. A Amazônia, nas lendas européias, era
povoada por seres grotescos, com corpos dis-
Na Amazônia, em virtude de se encontra- formes. E também reveladora a idéia que os
rem dispersas pela floresta grupos étnicos em nativos encontravam-se ainda em perfeito es-
variados estágios sócio-histórico-culturais, é tado natural, pelo que não tinham atingido o
possível, através de um estudo transversal, esta- estatuto humano, com todas as implicações
belecer um primeiro esboço do corpo como um sociais e mesmo religiosas que daí emergiam.
imprint das sociedades ao longo dos tempos.
Podemos apontar apenas como exem-
Se o corpo fosse apenas (e aqui o 'ape- plo o livro de divulgação de lendas da Amazô-
nas' não é de forma alguma uma idéia pejora- nia denominado O magnífico folclore de
tiva) uma máquina física, regida por leis me- parintins (Saunier, s/d), onde são referidos al-
cânicas (quiçá imutáveis), tal conceito guns seres da selva tal como Juma (homem
evolutivo não seria de todo possível. Com efei- com três metros de altura), Mapinguari (mons-
to, não são essas características mais ou me- tro com a boca na barriga), Curupira (pequeno
índio, espécie de duende da floresta, com os

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calcanhares virados para a frente) ou a Yara po não é de todo sobreponível àquela que a
(uma sereia do Amazonas). sociedade urbana preconiza.

O corpo, sempre nas suas formas, a


exteriorizar os medos genésicos, os medos da DAS SOCIEDADES TRADICIONAIS ÀS
ancestralidade. O corpo aparece, assim, como SOCIEDADES URBANAS
lugar de representação, isto é, de uma repre-
sentação, de tornar presente aquilo que nos é Não é difícil, mesmo para um leigo, ob-
primordial. servar que o conceito de beleza não é trans-
cultural nem tão pouco intemporal, mas subor-
O corpo exprime, em certa medida, a dina-se a cada momento, a cada povo, a cada
autoconsciência social. Os exemplos multipli- região e, por vezes, a cada estrato social. A bele-
cam-se, mesmo sabendo que "quem vê caras za, pretensamente universal, é de fato topológica,
não vê corações". Mas um corpo grotesco fun- marcada pelo lugar de onde e por onde é
ciona melhor que qualquer outro para ilustrar perspectivada. No mesmo momento histórico
determinadas personagens. O corcunda de coexistem vários modelos corporais, vários con-
Notre Dame, de Victor Hugo, é bem expressi- ceitos implícitos ou explícitos de estética. Ana-
lisemos alguns corpos do nosso tempo.
vo. Igualmente, a imagem poética do desco-
nhecido tenebroso que tem que ser dominado
é um corpo, gigantesco, é certo, mas um cor- Em alguns locais de África e da Ásia a
po, com formas humanas como é o caso da beleza feminina expressa-se pelo tamanho do
imagem camoniana do Adamastor. pescoço. Daí o uso de pesadas argolas no sen-
tido de transformarem o corpo naquilo que
correntemente é designado por mulheres gira-
É pelas razões emergentes destes exem- fa. Para além do status conferido pelo número
plos que damos razão a Giddens (1994) quan- de argolas há uma evidente tentativa de
do afirma que cada vez menos o corpo é um modelação do corpo anatômico, de uma trans-
dado extrínseco, funcionando fora dos siste- formação de determinado segmento em algo
mas referenciais da sociedade para passar a social e culturalmente aceitável.
ser reflexivamente mobilizado por esses sis-
temas. Aquelas práticas que parecem tratar-
No Brasil, na Amazônia é por demais
se de uma manifestação narcisista da aparên-
conhecida a imagem de certos índios com o
cia corporal são de fato a expressão de uma lábio inferior deformado em relação ao padrão
preocupação bem mais profunda e ativa da "normal". Provavelmente ser belo e importan-
construção e controle do corpo. A busca da te pressupõe essa mutação estética.
beleza não é uma obsessão doentia, mas uma
necessidade social.
Também se conhecem povos onde há a
obrigação da noiva, antes de casar, de engor-
O estilo de vida6 que adotamos também dar até atingir o peso da futura sogra, numa
se expressa e manifesta-se através do corpo tentativa vã de o futuro marido sentir-se como
somático. Não só temos o direito de escolher na casa materna, embora sejam legítimas ou-
o estilo de vida como também temos o direito tras interpretações.
de escolher o nosso próprio corpo. O corpo
não é um dado adquirido, mas uma constante
Em algumas sociedades orientais há uma
modelação de acordo com vários parâmetros
forte ligação entre o tamanho do pé e a beleza.
sócio-culturais.
Quanto mais pequeno é o pé mais bonita se é.
Por isso práticas de mutilação de dedos,
Nas sociedades mais estáveis (provavel- enfaixamentos brutais do pé são correntes e tão
mente a expressão 'menos instáveis' aproxima- naturais como qualquer prática a que nos habi-
se mais do próprio conceito de sociedade), tuamos no dia-a-dia das nossas vidas.
onde não há grandes possibilidades de esco-
lha de um estilo de vida, pois o que existe é
Todos estes procedimentos de embele-
único, não faz sentido conceber narrativas de
afirmação pessoal através do corpo. Ele é, exis- zamento do corpo são atuais, embora perten-
te, está aí, e tem que ser mantido. A lógica da centes a sociedades diferenciadas. Contudo,
intervenção de cada um em relação ao seu cor- todos eles possuem algo em comum: a mutila-

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ção ou a deformação de determinada parte do Embora tenhamos consciência do risco
corpo. Quer o pescoço, o lábio ou o pé que por que poderemos correr, consideramos a segun-
transmissão genética é inerente ao ser huma- da representação um caso de utilização do cor-
no, não está de acordo com a idealização do po enquanto fim, ao contrário da Barbie que
corpo belo, pelo que urge modificá-lo. expressa o corpo como um meio.

O corpo humano é tratado como um O uso sensual do corpo "ensinado" às


bocado de madeira que cada um talhou e ar- meninas através da Barbie, naquilo que pode
ranjou conforme a sua vontade. Daqui nascem ser denominado de "uso instrumental do cor-
práticas ritualizadas que acompanham a vida po", acontece porque o corpo tem que estar a
de cada um. A modelização do corpo é assim serviço da cultura.
um fenômeno que se inscreve no código cul-
tural de cada sociedade é inscrito em determi- O corpo é, assim, como já indicamos,
nado momento histórico. mais uma forma de simbolizar os nossos va-
lores, a nossa cultura, a nossa identidade. Face
Naturalmente que uma leitura descon- a esta simbólica poderemos utilizar as palavras
textualizada destas práticas estéticas poderá mimetismo, mutilações e sacrifícios para des-
causar algum sorriso ou, ao invés, alguma im- crever a nossa ação sobre o corpo somático, o
pressão em virtude da palavra "mutilação". corpo anatômico. Se fossemos alemães podería-
mos sintetizar dizendo que o Leib subordina o
Mas como é que é que esses povos rea- Kõrper.
giriam se lhes dissessem o que nas nossas so-
ciedades urbanas é feito em busca da beleza? Mimetismo, porque queremos imitar o
Imaginemos que lhes era dado a conhecer uma meio que nos envolve, escondendo o que so-
prática mais que usual em muitos de nós que mos, realçando aquilo que o meio é ou pre-
moramos em altos edifícios e que o descemos tende ser. Se somos gordos usamos roupas
de elevador, que vamos de carro para um gi- mais largas e compridas ou com riscas verti-
násio (agora rebatizados de "centros de bele- cais. Se somos baixos procuramos sapatos com
za"), que pagamos para lá entrar, que estamos saltos bem altos na tentativa de confundir o
uma hora a subir e a descer um degrau (p.e., observador. Enfim, se a nossa narrativa de
passe a publicidade, o step Reebok), que vol- auto-identidade passa por uma forte e farta
tamos de carro para casa e que subimos para o cabeleira e a calvice já se instalou, nada me-
nosso 10o andar de elevador. Com certeza cau- lhor que utilizar uma peruca.
saria tanto espanto e admiração a outros como
as suas práticas causam a nós. Mutilações, porque temos que retirar
do corpo aquilo que socialmente está a mais.
Atualmente, para a sociedade urbana, a Algumas operações plásticas, os métodos de
beleza identifica-se a um corpo moreno e emagrecimento tipo Tallon, as alquimias
verticalizado, corpo esse que é reproduzido propostas pela publicidade espelham bem
maravilhosamente pela boneca mais famosa do aquilo que o homem é capaz de realizar para
mundo, a Barbie. E o modelo que percorre as que o seu corpo fique igual aos modelos da
passarelles da moda, que surgem nos filmes, moda.
nas revistas ou outras publicações de beleza.
As top models mais famosas expressam esse Sacrifícios, porque alguns regimes ali-
corpo. Mas este modelo não é o único, mesmo mentares são tão ascéticos que fariam corar de
num país pequeno como Portugal. Se olhar- vergonha ou inveja muitos eremitas que por va-
mos com atenção para as Barbies tradicionais lores religiosos passaram fome. Tudo pode acon-
de regiões como o Alentejo rural, vemos mu- tecer tendo como valor supremo a obediência a
lheres menos verticalizadas, onde se revela, valores corporais. Se em tempos atrás a anorexia
acima de tudo, a condição maternal. O princí- estava diretamente relacionada à superação de
pio da representação é, para nós, equivalente. apetites sensuais da boca em busca de valores
Um "artesanato", o de Hollywood, faz sobres- mais elevados, anorexia que, segundo Giddens
sair uma sensualidade plastificada, outro, so- (1994), não era freqüente em mulheres ou ado-
bretudo o de cariz popular rural, orienta-se lescentes, atualmente liga-se ao cultivo da apa-
mais pela "função" corporal específica da rência corporal, sendo característico, embora não
mulher, a maternidade. em exclusividade, desses grupos sociais.

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Todas estas características, especial- O corpo somático evidencia a síntese
mente as mutilações e os sacrifícios, acarre- entre a cultura e a biologia. Por exemplo, o
tam riscos, pelo que não é de todo desprezível ritual da moça-nova no povo Tiküna espelha
a idéia do corpo humano ser construído num com precisão a legitimação cultural de um dado
quadro de uma cultura de risco. estado biológico.

Equacionar o corpo pela sua beleza, Ora, a natureza de certa forma encon-
pela moda ou pela arte, é equacionar a evolu- tra-se prisioneira desse ritual, pois menina que
ção do próprio homem, é estudar as idios- engravide antes da ocorrência da festa é trata-
sincrasias e os sincretismos sociais, é, enfim, da de forma pouco correta.9 É a cultura que
constatar que mesmo o nosso corpo somático legitima determinado estado biológico e não
é um "prisioneiro" da cultura. Tal como nos este que se impõe à sociedade.
diz Anthony Giddens "o vestuário é muito
mais que um simples meio de proteção corpo- É provável, no tempo atual, que a soci-
ral: é, manifestamente, uma forma de demons- edade funcione de forma idêntica, mudando
tração simbólica, uma maneira de dar forma apenas o ritual. Nota-se que o corpo não é li-
exterior a narrativas de auto-identidade" vre de seguir o seu decurso natural, sendo ne-
(Giddens, 1994. p.55). cessária uma intervenção da cultura para O corpo somático
sancionar uma rotura biológica. evidencia a síntese
A moda não se resume ao vestuário e à entre a cultura e a
ornamentação. Expressa-se também pelo cor- Cazeneuve (s/d), acerca dos rituais biologia. Por
po. Por isso somos tentados a transferir a an- iniciáticos da puberdade, adianta que a criança exemplo, o ritual
terior afirmação de Giddens para o corpo. O não possui ainda a condição humana como um da moça-nova no
corpo, então, não é mais que uma das formas dado adquirido. Essa condição é uma criação. A povo Tiküna
encontradas para mostrarmos aos outros aqui- iniciação coloca o homem como participante espelha com
lo que realmente somos. numa natureza que o ultrapassa. As mutilações precisão a
ou os acrescentos corporais acentuam que o in- legitimação
divíduo não está mais limitado àquilo que a na- cultural de um
Desta forma, é fácil conferir ao corpo
tureza tinha produzido. A criança torna-se "ho- dado estado
uma dupla natureza7: uma natureza física e biológico.
biológica e uma natureza cultural. Biologia, mem", trazendo para sempre a marca que o afir-
física e cultura interpenetram-se, assim, de ma como «outra coisa». Ser homem, então, é uma
maneira notável no nosso corpo. A vontade, transcendência à natureza. A linguagem ou a
quer aquela intrínseca de cada um, quer aque- escatologia, de alguma forma, dão visibilidade a
la derivada ou condicionada por um código essa transcendência.
cultural, modela o nosso corpo.
É neste sentido que percebemos que o ritu-
Esta relação tão íntima entre biologia e al da moça-nova encerra dois aspectos fundamen-
cultura não é fruto de uma época, a nossa, mas tais para a compreensão da temática do corpo:
já é visível em povos primitivos da floresta 1. assunção plena da maturidade sexual, do
amazônica brasileira, embora em perspectivas final da infância e, por conseqüência, do prin-
diferentes. Em causa não estarão valores cípio da total individualidade;
efêmeros mas ontológicos. 2. passagem de uma existência fundamental-
mente biológica para uma eminentemente cul-
Um dos rituais mais interessantes que tural, expressando para sempre essa mutação
já documentamos na Amazônia diz respeito à com uma marca indelével no próprio corpo.
mutação ontológica operada pela entrada na
puberdade. O ritual da moça-nova no povo
Tikuna8 espelha bem a "domesticação" dos ins- DO CORPO COMO FIM AO
tintos por parte da cultura. As meninas, quan- CORPO COMO MEIO
do da primeira menstruação, passam por uma
série de provas iniciáticas, provas essas com Parece ter ficado mais ou menos eviden-
um elevado nível de violência física e psíqui- te que o corpo que somos é como é porque é
ca que chegam a demorar cerca de um ano, como deve ser. Este deve ser é que varia de
findas as quais ascendem a um novo estatuto cultura para cultura, de época para época, de
social, podendo então casar e ter filhos. lugar para lugar, de situação para situação.

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Nos povos cujas culturas temos vindo a Nestas regiões aquela expressão popu-
estudar, assistimos a uma espécie de liberta- lar "quem não trabuca não manduca" tem um
ção do corpo a partir do momento em que suas sentido totalmente diferente, uma vez que o
necessidades básicas estão resolvidas. O ho- trabalho não se constitui como o referencial
mem trabalha porque o seu corpo tem que ser mais importante da vida, mas apenas se apre-
alimentado. A mãe eventualmente mata o se- senta como uma necessidade acessória daque-
gundo gêmeo a nascer porque tem consciên- le corpo cuja tarefa fundamental é assegurar a
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cia que não poderá alimentá-lo, pois correria manutenção da estabilidade social .
o risco de ver perecer as duas crianças. Pelo
mesmo motivo, em alguns grupos étnicos, a De igual maneira quanto à forma cor-
mãe aborta ou mata o filho à nascença se este poral, também através do valor do corpo po-
ocorrer antes de três anos após o nascimento deremos localizar histórica ou localmente um
do filho anterior. povo. Nestes povos já estudados o corpo apa-
rece como um fim e raramente como um meio,
Poderão estes exemplos causar alguma naquilo que consideramos ser uma diferença
aflição ou mesmo horror a nós, pessoas da "ci- qualitativa em relação às sociedades urbanas
vilização", e intentar-nos a avaliações éticas atuais. O corpo não é, nesses povos, propria-
destes povos, que assim vivem desde os tem- mente um tema preocupante, o que contrasta
pos primordiais. com o tempo atual, onde provavelmente o dis-
curso em sua defesa nunca tenha sido tão exa-
Essa tentação etnocêntrica é compreen- cerbado e afetivo.
sível mas deslocada culturalmente. São códi-
gos de valores diferenciados que aqui se Na atualidade o corpo foi redescoberto
degladiam. Melhor ou pior, o código axio- e a sua tematização é constante. Assiste-se a
As narrativas de
lógico dos povos retratados é referente a uma um autêntico culto do mesmo, à multiplicação
auto-identidade
vida ocorrida num ambiente próprio, com as com propósito ou sem propósito dos seus dis-
passam por uma
suas dificuldades, com a sua história pelo que cursos, como se ele tivesse uma língua pró-
corporalidade do
EU. Cada EU importa situar o pensamento nessa realidade pria (Gil, 1995) que necessitasse de tradução.
constrói e modela para julgar, se é que nos assiste qualquer di- Mas, sem dúvida, nunca o corpo foi tão mal
o seu próprio reito de julgamento, àquilo que nos parecem tratado como o é neste momento e nós disso
monstruosidades. não temos consciência.
corpo. O corpo
não é mais algo
Há nestes povos uma completa fusão O corpo, talvez agora mais do que nun-
exterior à nossa
entre o eu sou e o próprio corpo. As necessi- ca, é um instrumento do ego ou, como apon-
existência mas a
dades desse corpo têm que ser resolvidas, fin- tou Lipovetsky (1994), o templo do EU. O
sede dessa exis-
das as quais o importante é a participação na body building parece ser a expressão máxima
tência.
vida da sociedade, nos rituais diários cujo ob- desta visão instrumental do corpo a serviço do
jetivo primário é a manutenção da própria so- nosso ego, pelo que se justifica plenamente a
ciedade. O corpo é o fim do trabalho. Se não expressão ego building utilizado por Gilles
houvesse corpo, ou se este não tivesse neces- Lipovetsky. Se com Descartes o corpo destina-
sidades primárias, com certeza não haveria tra- va-se a ser um instrumento da alma, agora pa-
balho. Aliás, a idéia cristã, mas não exclusiva- rece ser simplesmente um instrumento do Ego.
mente cristã, de paraíso, de certa forma retrata
este pensamento. O castigo do homem pelo Há assim uma corporalidade do EU. Cada
pecado que cometeu foi tornar-se um ser mor- EU constrói, modela o seu corpo. O corpo dei-
tal. Como tal tem que trabalhar para comer, xou de ser algo externo à nossa existência para
porque senão morre ainda mais depressa. ser a sede indiscutível dessa existência.

É nesta lógica que aparentemente decor- As narrativas de auto-identidade passam


re a vida de alguns povos que já estudamos. por uma corporalidade do EU. Cada EU cons-
Finda essa atividade, cujo corpo se assume trói e modela o seu próprio corpo. O corpo não
unicamente como um fim em si mesmo, o que é mais algo exterior à nossa existência mas a
importa é manter a coesão do grupo, sua perfei- sede dessa existência.
ta comunhão com as forças divinas. O corpo,
enquanto soma, então não é muito importante. A formação ou a acentuação de grupos

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musculares, a salientação de linhas que o cor- um corpo. O corpo é um dado material, um
po tem ou não tem, a evidenciação de um pa- dado indesmentível de matriz físico-material.
drão estético socialmente aceitável, conduzem- Mas as características do material somático, o
nos para práticas físicas de valor duvidoso, seu uso, a sua condição, estão sócio-cultural-
para excessos de toda a ordem. Mostra-se o mente determinadas. Se o corpo é tanto na sua
homem escondendo-se à humanidade11. Dá-se construção e na sua fruição, um fato social,
a conhecer o corpo mas oculta-se a identida- significa que cada um de nós na realidade não
de. Perpetua-se o efêmero esquecendo-se o tem um corpo proveniente do nascimento bio-
intemporal. Releva-se o biológico renegando lógico, mas que vai conquistando, modelando
a cultural, dicotomizando-se desta forma a em função das condicionantes espaço-tempo-
natureza e a cultura. rais onde a pessoa está inserida.

Ora a dialética natureza/cultura não é Obviamente deste trabalho emergem


aceitável. A inter-relação entre estes mundos muito mais problemas que conclusões. Afinal,
é evidente, sendo o nosso corpo a expressão qual a relação entre corpo e ser? Terá razão
máxima desse mútuo relacionamento. Eviden- Anthony Giddens quando afirma que uma cri-
ciar um em detrimento do outro é um pecado ança não é um ser mas sim um há-de ser?
reducionista que importa ultrapassar. Nature-
za e cultura fundem-se assim, tornando-se evi-
dência através do corpo. É este corpo, fusão Se a questão do corpo pode ser respon-
da natureza com a cultura, que depois vai brin- dida através de dados sensíveis, já a questão
car, jogar, trabalhar, enfim, viver. "o que é o hHomem?" se apresenta com mais
dificuldades de resposta. Poder-se-á então
problematizar qual a relação entre o ser-ho-
O corpo, na nossa sociedade, é muitas mem e o ser-corpo. Provavelmente esta possí-
vezes simplesmente um meio para atingir al-
vel dialética exprimirá com toda a força uma
guma coisa. Com ele ganha-se fama, dinheiro.
identidade na diferença.
Mas é com ele em silêncio. A palavra, aquele
dom maravilhoso que é o princípio do mundo
em inúmeras mitologias ou tradições mile- Identidade porque só se é com um cor-
nares, não pode aparecer para não estragar o po. Diferença porque cada corpo exprime uma
conjunto. Palavras para quê, perguntam uns. cultura. O indígena da Amazônia tem ou é, tal
Palavras para sermos humanos, poderíamos como qualquer outro, um corpo, mas aquele
responder. Mas a palavra não interessa. As corpo só poderá ser de uma individualidade
formas corporais valem e "falam" por si. daquela cultura. O corpo é nosso (ou somos
nós), mas não pode ser concebido como uma
O corpo tende a ser cada vez mais e mais "propriedade" de um só indivíduo. E da sua
um simples meio, um instrumento. E como tal sociedade, do seu tempo, pelo que se torna le-
é uma expressão da cultura atual. Do corpo gítimo aspirar a uma "História da evolução do
como fim, expressão de uma sociedade onde homem e das mentalidades" através da repre-
o que interessa é o coletivo é o tradicional, sentação do corpo, quer dos seus aspectos ex-
caminhamos inequivocamente para o corpo teriores, a sua forma, quer através dos valores
simplesmente como meio, com inúmeras op- expressos. Lembremos que representar é tor-
ções de estilos de vida, onde o que interessa nar presente. Representar um corpo é tornar
acima de tudo é o hedonismo individual. presente uma cultura.

CONCLUSÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BENTO, Jorge. Desporto: matéria de ensino. Lisboa : Editorial
Talvez um trabalho sobre o corpo nun- Caminho, 1989.
ca tenha conclusões. Uma conclusão parece
ser algo de definitivo, pelo menos temporal- BOTTIROLI, Giovanni ; FERRARO, Guido. Soma/Psique.
mente, e este trabalho assume-se mais como Enciclopédia Einaudi (v. 32), INCM, 1995. p. 11-56.
algo interativo e por isso com poucas possibi-
CAZENEUVE, Jean. Sociologia do rito. Porto : Rés-Editora., s.d.
lidades de se poder extrair conclusões.
DAVIES, Douglas. Cristianismo. Ritos de passagem. Lisboa :
Contudo, o homem está no mundo com Publicações Europa América, 1995. p.58-83.

69
ECO, Umberto. Os limites da interpretação. Lisboa : Difel, balho, detém-se demoradamente em questões relativas ao
1992. corpo humano, dando a entender que o seu controle e uso
diferenciado através dos séculos expressa a sociogénese da
EICHBERG, Henning. "Body, Soma-and Nothing Else? Bodies ' nossa civilização. O autor acrescenta, ainda, e reforça essa
in Language". Sport Sciences Review, v.4, n.l, p.5-25, idéia, numa nota de rodapé (p.51), afirmando que cada um de
1995.
nós, na nossa microhistória, é levado a percorrer em parte os
processos que a sociedade percorreu durante a sua
ELIAS, Norbert. O processo civilizacional. Lisboa : Publica-
macrohistória. É por isso que não é socialmente reprovável o
ções Europa-América, 1989. 2v.
não controle, por exemplo, dos esfíncteres por parte de um
ENTRALGO, Pedro. El Cuerpo Humano - Teoria Actual. bebê e altamente reprovável num adulto sadio, tal como não
Madrid : Espasa-Calpe, 1991. era reprovável num adulto há centenas de anos e agora o é.
2
Referimo-nos ao projeto "Jogo, cultura e antropogénese: a
FERREIRA, Vergílio. Invocação ao meu corpo. Lisboa : Li-
influência portuguesa na atividade lúdica do Brasil. 1 -estudo
vraria Bertrand, 1978.
de povos da bacia amazônica", projeto conjunto da Faculdade
FREIRE, José R. Bessa (org.). A Amazônia colonial (1616-1798). de Ciências do Desporto e de Educação Física da
Manaus : Metro Cúbico, 1994. Universidade do Porto, da Faculdade de Educação Física da
Universidade do Amazonas e com o apoio do Departamento
GARCIA, Rui. Do Tempo Livre à Ecologia - Reflexões do e de Filosofia e do Departamento de Ciências Sociais da
para o Fim do século. las Jornadas de Sociologia do Des- Universidade do Amazonas.
porto. Funchal : Universidade da Madeira, 1995. 3
Ver a este propósito Gil (1995), nomeadamente o ponto 2.1
GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade pessoal. Oeiras : (O xamã, o corpo e a linguagem), p. 205-208.
Celta, 1994. 4
Para nós a ecologia não se resume unicamente aos
cuidados a ter com a natureza, mas também com a cultura.
GIL, José. Metamorfose do corpo. Lisboa: Regra de Ouro, 1980.
Colocamos no mesmo nível a cultura e o biológico como
as naturezas do homem pelo que o seu regresso à natureza
JANA, José. Para uma teoria do corpo humano. Lisboa : Ins-
far-se-á através de uma e da outra variável. Aliás,
tituto Piaget, 1995.
defendemos que o homem é homem porque se afastou da
KLEIN, Gabriele (1995). "Dance is Body - The Body as Main natureza (para maior desenvolvimento da relação homem-
Element of a Theory of Dance". Sport Sciences Review. cultura-natureza ver Garcia, 1995).
v.4, n.l,p.26-37, 1995. 5
Referimo-nos, por exemplo, ao "rabisco" de Mário Silva,
um desenho elaborado exclusivamente para o cartaz
LE BRETON, David. Anthropologie du Corps et Modernité.
anunciador do "I Congresso sobre a evolução do homem e
Paris : Presses Universitaires de France, 1992.
das mentalidades" (homenagem ao Prof. Doutor O. da Veiga
LIPOVETSKY, Gilles. O crepúsculo do dever, a ética indolor Ferreira). A palavra 'rabisco' foi utilizada pelo Dr. Joaquim
dos novos tempos democráticos. Lisboa : Dom Quixote, Parra Marujo, secretário da Comissão Organizadora do Con
1994. gresso, para titular o desenho do referido cartaz. O autor
quiz e conseguiu, através de uns simples riscos, retratar o
MAUSS, Mareei. Sociologie et Anthropologie. Paris : Presses corpo de um homem primitivo.
Universitaires de France, 1989. 6
Utilizamos a expressão "estilos de vida" no sentido
POPPER, Karl. O universo aberto. Lisboa : Europa-América, weberiano e não naquele sugerido pela publicidade
1992. consumista. Citando Giddens (1994) poderemos entender
essa expressão como um "conjunto mais ou menos integra
SAUNIER, Tonzinho. O magnífico folclore de Parintins. do de práticas que um indivíduo adota, não só porque essas
Manaus : Parintintin. s.d. práticas satisfazem necessidades utilitárias, mas porque dão
forma material a uma narrativa particular de auto-identi-
VAN GENNEP, Arnold. Les Rites de Passage. Paris : Nourry, dade" (p.73)
1909. 7
Talvez fosse mais correto falar de uma tripla natureza do
VASCONCELOS, José Leite. Etnografia Portuguesa. Lisboa : corpo, distinguindo bem, como fez Vaz (1993), as subs
INCM, 1994. v.l. tâncias material e orgânica do corpo próprio, o corpo vivido
e intencional. Contudo, neste trabalho preferimos incluir
VAZ, Henrique C. L. Antropologia filosófica. São Paulo : numa mesma categorial material o corpo físico e biológi
Loyola, 1993. v.l. co, distinguindo em simultâneo da categoria corpo cultural,
que caracteriza-se como uma transcendência à categoria
material. Numa linguagem popperiana diríamos que a ca
NOTA tegoria material (física e orgânica) se situa no Mundo 1,
enquanto que a segunda no Mundo 3 (Popper, 1992).
' Referimo-nos à obra O processo civilizacional, na sua 8
Este ritual foi observado em aldeia da etnia Tikuna na
edição portuguesa editada por Publicações Dom Quixote,
Lisboa, 1989. O autor, ao longo dos dois volumes do tra-

70
região da Tabatinga, oeste da Amazônia brasileira, junto ao como «natureza humana, caráter humano». Esta mesma idéia
Peru e à Colômbia, no Alto Rio Solimões. é defendida por Jana (1995) ao longo do seu livro Para uma
9 teoria do corpo humano.
A este respeito ver Cazeneuve (s/d), nomeadamente o ca-
pítulo "Os antepassados e a iniciação" (p.217-246)
10
Sobre a relação do trabalho com a vida do índio ver Freire
UNITERMOS
(1994), nomeadamente o ponto 3.3 (p. 14-15) acerca da
organização do trabalho. Com efeito, o tempo diário con- Corpo - Evolução do homem - Rituais - Ama-
sagrado ao trabalho é diminuto em virtude das condições zônia
naturais existentes, pelo que grande parte do dia é dedicado a
atividades que a nós parecem recreativas. * Rui Proença Garcia é doutor em Ciências
Quer para a Enciclopédia Britânica como para a Larouse, do Desporto. Professor na Faculdade de Ci-
ou ainda para o Dicionário Etimológico da Língua Portu- ências do Desporto e de Educação Física da
guesa (José Pedro Machado), 'humanidade' é traduzida Universidade do Porto.

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