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RESUMO
A proposta do artigo é desenvolver uma análise do consumo de cultura midiática é apropriado pela
crítica da revista em quadrinhos Turma da Mônica revista, bem como que estratégias enunciativas são
Jovem (TMJ), dentro dos pressupostos teóricos e utilizadas para inscrever o público infantojuvenil
metodológicos dos estudos da semiótica discursiva, nesse discurso. Os resultados mostram que a revista
tendo como pano de fundo a sociedade de consumo TMJ, parte integrante em menor escala da indústria
atual. Foram analisadas 36 revistinhas publicadas, da informação e do entretenimento, que dita “moda
mensalmente, nos anos de 2012, 2013 e 2014. Des- e tendências” para o público infantojuvenil, retroa-
se total, dez revistas tiveram o consumo de cultura limenta-se, no momento em que define as temáticas
midiática, como problemática principal, trabalhada a serem desenvolvidas em seus roteiros, prevendo
em seus enredos. Neste artigo, o corpus de análi- um sucesso, quase sempre garantido, perante seus
se é formado pela edição 71, intitulada “Meu Ído- leitores.
lo”, com o objetivo de identificar como o discurso
PALAVRAS-CHAVE
Consumo infantil; Cultura midiática; Educação; Turma da Mônica Jovem.
1
Este artigo faz parte da pesquisa desenvolvida na tese intitulada “Educação em consumo, na linguagem dos qua-
drinhos: uma análise crítica da revista Turma da Mônica Jovem”, defendida em 6 de abril de 2015, no Programa
de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo.
ABSTRACT
The purpose of the paper is to develop a critical of the media consumer culture is appropriated by
analysis of Monica Teen (TMJ) comic book within the comic book as well as what enunciatives strate-
the theoretical and methodological assumptions of gies are used to enroll children and teenagers public
the discursive semiotic studies, with the backdrop in this speech. The results show that TMJ, which is
of the current consumption society. 36 comics pub- also part, in a smaller scale, of the information and
lished, monthly, in the years 2012-2013-2014, were entertainment industry that spread “fashion and
analyzed. From this amount, ten comics brought the trends” for this public, feeds itself, at the time set-
consumption of media culture as the main problem ting out the themes to be developed in its scripts, an-
worked out in their plots. In this article, the analysis ticipating a hit, almost always guaranteed, towards
corpus is formed by Monica Teen number 71, enti- its readers.
tled “My Idol”, in order to identify how the discourse
KEYWORDS
Children’s Consumption; Media Culture; Education; Monica Teen.
SOBRE OS AUTORES
SUBMETIDO EM
Janeiro de 2015
APROVADO EM
Maio de 2016
Eles cresceram! Como aconteceu com seus leitores que, desde o ano de sua cria-
ção, em 1963, acompanham as aventuras da famosa turma. Hoje, Mônica, Cebolinha,
Cascão, Magali e outros personagens são adolescentes que namoram, preocupam-se com
sua aparência, com seu futuro, dentre outros questionamentos típicos da fase que atra-
vessam. Criada em agosto de 2008, a revista em quadrinhos “Turma da Mônica Jovem”,
ou TMJ, como é conhecida, tem estilo mangá (referência aos quadrinhos japoneses) e
traz os mesmos personagens, mas com características bem distintas da antiga turma:
Mônica não é mais baixinha e gorducha; Magali come moderadamente e tem uma ali-
mentação saudável; Cebolinha foi à fonoaudióloga e só fala errado quando está nervoso
e, por fim, Cascão toma banho, periodicamente.
Agora, a turma o Mônica não é mais aquela Magali continua ma- continue não gostando
chama (a pedidos) menininha de vestidi- grinha como sempre da ideia, agora toma
de “Cebola”, e não nho vermelho que corria foi, porém essa fase de banho, de vez em
tem mais cinco fios. atrás dos garotos com um crescimento só aumen- quando. Também, não
(...) Hoje em dia, coelhinho. Na verdade, tou seu apetite. dá pra praticar tantos
não troca mais os seu guarda-roupa mudou No entanto, agora ela esportes radicais como
“erres” pelos “eles”, muito, ainda que continue cuida mais do seu cor- skate, mountain bike
desde que tratou uma predileção pelo ver- po e se preocupa mais e ficar sem suar...
sua dislalia com melho. Ainda é um pouco com a qualidade de sua imagina sem banho?
uma fonoaudióloga, dentucinha, mas deixou de alimentação, pratican- A turma foi fazendo
mas quando está ser baixinha e gorducha faz do esportes aeróbicos, sua cabeça e, com o
nervoso, acaba dando muito tempo. queimando calorias e tempo, ele adotou esse
pequenos “escole- Duas coisas não mudaram, se alimentando à base costume “bizarro” que
gões”. Conquistar a desde que era pequena: sua de uma dieta saudável. toda humanidade tem
rua? Não.. é pouco... amizade com a turma e seu Magali continua chamado “banho”.
Cebola agora quer gênio forte... aquela menina meiga Continua um garoto
conquistar o mundo Aliás, vai ver é por isso que e carinhosa e, é claro, inteligente, criativo e
com suas ideias de ainda é líder dessa turma, apaixonada por gatos. muito bagunceiro. (...)
uma geração pronta ou melhor, “galera”! Cascão, embora
para o futuro.
Entretanto, nas histórias de TMJ, essa transmissão de ensinamentos não é tão cla-
ra como nas histórias originais, abrindo margem para diversas apreensões do enunciado
pelo público leitor da revista. Uma vez que os produtos culturais estão sujeitos a diversas
possibilidades de leitura e apreensão pelo público leitor, a problematização da temática
deste artigo ocorre, no momento em que estamos analisando um público infantojuve-
nil, principalmente, crianças de oito a doze anos, leitores da revista, que atravessam um
momento de dúvidas e incertezas, estando a construir um repertório para entendimento
do mundo a sua volta. Assim, a preocupação com o que lhes é oferecido, em termos de
valores transmitidos por esses produtos da indústria midiática, é uma das justificativas
para a pesquisa em questão.
Como estudiosa dos processos de consumo, o interesse nessa pesquisa surgiu a partir
da leitura da TMJ nº 19 – intitulada “Surge uma estrela” (Sousa, 2010). Na edição, Magali
se via às voltas com o mundo do sucesso, ao ser selecionada para compor o casting da banda
Star Stars, derrotando sua melhor amiga, Mônica. Na história, Magali enfrenta o dilema
entre ter “glamour e fãs, brilho e magia, o sonho de toda garota” (SOUSA, 2010, p. 5-6) e
a amizade de Mônica, ressentida com a mudança de comportamento de Magali. A partir
daí, o desenrolar da trama apresenta o que seria o mundo ideal de uma estrela: namorados
famosos, descolados, boas-pintas, produzidos; alface e tomate no almoço, para melhorar a
performance e a silhueta; problemas na escola decorrentes do sono, durante as aulas; dentre
outras pistas que representam a sociedade de consumo contemporânea.
Essa denominação, utilizada por estudiosos, justifica-se no momento em que se
identifica que a cultura material e o consumo são aspectos fundamentais de qualquer so-
ciedade, mas apenas a sociedade moderna contemporânea tem sido caracterizada como
uma sociedade de consumo. Isso porque o consumo está preenchendo, para seus indi-
víduos, uma função acima e além daquela de satisfação das necessidades materiais e de
reprodução social comum aos demais grupos sociais (Barbosa, 2004).
Essas corporações, que reúnem TV, vídeo, cinema, computadores, internet, apare-
lhos de diversão eletrônicos e, ainda, rádios, revistas, jornais, outdoors e diversas formas
de comunicação imagética, sonora e/ou virtual, são agentes sociais poderosos. Segundo
Moreira (2003), o sistema midiático-cultural, agentes da educação informal, elabora e
difunde, de forma não totalmente intencional ou planejada, visões de mundo, sentidos e
explicações para a vida e a prática das pessoas e, deste modo, passa a influenciar sempre
mais seu cotidiano, sua linguagem e suas crenças. Apesar de o autor considerar essas
visões de mundo parcialmente intencionais e planejadas, sabemos que, por trás da indús-
tria midiática, existe todo um arcabouço de pesquisas e estudos na produção e difusão de
conhecimento, muito mais intencionais e parciais.
Oswald e Pereira (2008) afirmam que as produções culturais são grandes espe-
lhos usados pela sociedade para se olharem, repensarem-se e se recriarem. Por meio
delas, as pessoas compartilham descobertas, lutas, indagações e relações de poder, o que
pode nos ajudar a pensar a relação do público leitor com a história em quadrinhos.
Assim, desenhos que trazem a criança como protagonista não mais possuem,
como habitantes, duendes, bruxas ou fadas, mas, sim, heróis, na pele de crianças, cujas
marcas são a autonomia, a competência, o saber e a busca de reconhecimento por mérito
próprio, e não por poderes sobrenaturais. Essas são demandas “atravessadas pelo discur-
so da criança sábia, autônoma, competente e empreendedora, que prontamente se torna
independente dos adultos e apresenta desenvoltura ao lidar com o ambiente tecnológico
que a cerca” (SALGADO, 2008, p. 89).
Dentro do contexto apresentado, o objetivo do presente artigo é analisar como o
discurso do consumo de cultura midiático é apropriado pela revista Turma da Mônica
Jovem, bem como que estratégias enunciativas são utilizadas para inscrever o público
infantojuvenil em seu discurso.
inclui aspectos dos três modelos expostos, porém, enfocando a crítica ideoló-
gica e analisando a política de representação das dimensões cruciais de gênero, raça,
classe e sexualidade na economia política e nas relações sociais das importantes em-
presas de mídia. Esse modelo também amplia a noção de análise textual, incluindo
questões de contexto social, controle, resistência e prazer, promovendo a produção
de mídia alternativa (KELLNER; SHARE, 2008, p. 702).
3 - PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
A pesquisa original a que este artigo se refere possui como universo um total de 36
revistinhas TMJ, publicadas, mensalmente, nos anos de 2012, 2013 e 2014. Desse total,
mais da metade delas – 22 revistas (61,1%) – teve o consumo como temática central da
história apresentada, condição necessária para compor a amostragem do estudo. Das qua-
tro categorias analisadas, a mais reiterada foi o consumo de cultura midiática, presente em
um total de dez revistas, representando 50% das revistas que trouxeram o consumo como
temática principal.
Com o objetivo de relacionar as revistas que apresentaram temática referente a essa
categoria, criamos um quadro informativo (quadro 2), apontando as intertextualidades
encontradas com os objetos da cultura midiática. Em sequência, no recorte selecionado,
desenvolvemos uma análise semiótica da capa de uma das revistas aqui categorizadas, cor-
respondente à edição nº 72 de TMJ, intitulada “Meu Ídolo”, publicada em julho de 2014.
Resgatando conceituações semióticas, entendemos por intertextualidade os discur-
sos que rearticulam um mundo referencial já tornado significante por algum outro sistema.
Assim, temos um texto-base que, de alguma forma, se oferece às variações intertextuais e
os textos concretizadores, aqueles que manipulam ou manuseiam o texto-base (CPS, acesso
em 28 de janeiro de 2015). No nosso caso, os textos-base são variados produtos midiáticos,
enquanto os textos concretizadores são as edições de TMJ, aqui relacionadas.
Ed.
Título Lançamento Capa Trama principal Intertextualidades
Nº
Intertextualidade com a
A turma do Colégio indústria japonesa dos
Limoeiro se transforma videogames, nos quais
em personagens de vide- existem eventos de lutas
Torneio
N° 42 01/ 2012 ogames que duelam entre online como o EVO e
de Games
si, por meio de games jogos como o Street
online. Temática envolve Fighter e Arcade Edition,
a questão real x virtual. muito populares entre os
fãs de videogames.
Há décadas, o cinema
História de tribunal, em se utiliza da temática do
que acontece um julga- tribunal para desenvolver
mento para descobrir variados roteiros, tais
quem adulterou a estátua como: “12 homens e uma
Campeões
Nº 62 09/ 2013 do Colégio Limoeiro, ten- sentença” (1957); “Os
da Justiça
do Toni como réu, Môni- acusados” (1998); “As
ca como Defesa e Cebola duas faces de um crime”
como Promotor. O juiz é (1996); “O advogado do
o professor Licurgo. Diabo” (1997); “Erin Bro-
ckovich” (2000) etc.
Primeira intertextualidade
com a série de TV “Contos
da Cripta” (1989), muito
conhecida entre fãs do
gênero de terror. Outras
Na noite do Dia das
referências: figura clássica
Bruxas, Madame
do fantasma sentado nas
Dia das costas de uma pessoa, do
Nº 63 10/2013 Creuzodete conta três
Bruxas filme “Imagens do Além”
histórias de terror, tendo
(2008); menina com os
como personagens a tur-
cabelos no rosto, alusão
ma do Colégio Limoeiro.
ao filme “O Chamado”
(2002); história recome-
ça, várias vezes, como no
filme “Efeito Borboleta”
(2004).
Intertextualidade com
Mônica e Maria são
os cantores adolescentes
sorteadas para passar um
Nº 72 Meu Ídolo 07/2014 da indústria pop, mais
dia ao lado do seu ídolo, o
diretamente com Justin
cantor teen Julinho Baby.
Bieber.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos observar que o consumo está muito presente ao longo das tramas de
TMJ, tendo aparecido como temática principal em mais de 60% das revistas publicadas
nos anos de 2012, 2013 e 2014. Também, ele é apropriado pela revista como modo de re-
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