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A teoria geral dos sistemas na teoria das orqanizacões

Fernando C. Preste. Motta·

1. Introdução. 2. Origens. 3. As Grandes Figuras. 4.


Idéias Centrais. 5. A Teoria Geral dos Sistemas e a
Organlzaç/jo. 6. Criticas.

Estamos presenciando um movimento 2. Origens


sul generis no desenvolvimento científico. Pa-
rece que, repentinamente, todos os ramos do Com base nessa constatação, alguns
conhecimento, tornados estranhos uns aos cientistas orientaram suas preocupações pa-
outros pela especialização extremada, come- ra o desenvolvimento de uma teoria geral
çaram a ressentir-se do isolamento em que dos sistemas, que desse conta das semelhan-
se encontravam, passando a buscar mais e ças, sem prejuízo das diferenças. Nesse par-
mais suas bases comuns. Talvez pela neces- ticular, salienta-se a obra do biólogo alemão
sidade crescente de estudos interdisciplina- Ludwig von Bertalanffy que concebeu o mo-
res, capazes de analisar a realidade de ân- dêlo do sistema aberto, entendido como com-
gulos diversos e complementares, talvez pe- piexo de elementos em interação e em inter-
la comunicação muito mais rápida e fácil en- cambio 'contínuo com o ambiente. Em seu li-
tre especialistas em campos diferentes, co- vro Teoria geral dos sistemas, êsse autor
meçou-se a tomar consciência de que uma apresenta a teoria e tece considerações a
série de principios desenvolvidos nos diver- respeito de suas potencialidades na física, na
sos ramos do conhecimento científico não biologia e nas ciências socl~is. No mesmo li-
passavam de mera duplicação de esforços, vro, von Bertalanffy lança os pressupostos e
pois outras ciências já os haviam desenvol- orientações básicos de sua teoria geral dos
vido. Isto não quer dizer, porém, que só ha- sistemas, como segue:
ja uma ciência, ou que a frsica, a química e a) há uma tendência para a integração nas
a psicologia tratem dos mesmos objetos. Se- várias ciências naturais e sociais;
ria tolice imaginar que todos os, principios e .b) tal integração parece orientar-se para uma
conclusões de uma aplicar-se-iam às demais. teoria dos sistemas;
O que se foi percebendo é que muitos dêsses c) essa teoria pode ser um meio importante
princípios e conclusões valiam para várias de objetivar os campos não-físicos do co-
ciências, na medida em que tOdas tratavam nhecimento cientifico, especialmente nas
com objetos que podiam ser entendidos co- ciências sociais;
mo sistemas, fOssem êlesfrsicos, qutrntccs, d) desenvolvendo princípios unificadores que
psiquicos etc. atravessam verticalmente os universos par-
ticulares das diversas ciências, essa teo-
• Professor-assistente do Departamento de Administra-
ção Gerai e Reiações Industriais da Escola de Ad- ria aproxima-nos -do Objetivo da unidade
ministração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação
Getúlio Vargas.
da ciência;

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro. 11(1): 17-33 Jan.lMar. 1971

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e) isso pode levar a uma integração muito nhecimento, elevado nível de divulgação. Es-
necessária na educação cientlfica. 1 sa ciência social recebeu-o da antropologia,
Muitos são os estudiosos que têm pro- e mais especialmente de Radcliffe-Brown e
curado aplicar a, teoria geral dos sistemas a Malinovsky, antropólogos inglêses do perío-
seus diversos campos. No caso particular das do entre guerras que, por sua vez, o importa-
ciências sociais, o modêlo do sistema aber- ram da biologia. Na sociologia, foi com Tal-
to tem revelado enormes potencialidades, cott Parsons que o funcionalismo atingiu seu
quer pela sua abrangência, quer pela sua mais alto nível de desenvolvimento. Sociólo-
flexibilidade. De grande importância são os gos como Spencer e Dürkheim, entretanto,
trabalhos do psicólogo J. G. Miller, do eco- já apresentavam em suas formulações nume-
nomista Kenneth Boulding, do cientista polí- rosos exemplos de teorização funcionalista, 3
tico David Easton e do sociólogo Walter Bu- o que demonstra que já existiam na sociolo-
ckley. Embora o impacto da teoria geral dos gia precondições para a importação do fun-
sistemas venha sendo grande na sociologia, cionalismo. Foi a obra de Parsons, contudo.
o estágio em que se encontrava a teoria so- que chegou à teoria das organizações, mar-
ciológica por ocasião dos primeiros contatos cando-a profundamente e determinando seu
com a nova abordagem fêz com que se ini- desenvolvimento futuro. Será a ela, portan-
ciasse um processo simbiótico, cujo desen- to, que dedicaremos nossa atenção. O par-
volvimento é difícil prever. Com efeito, a pre- sonísmo, nome pelo qual nos referiremos de
dominância do funcionalismo de Talcott Par- agora em diante à obra de Talcott Parsons,
sons na sociologia contemporânea tem pos- está muito longe de ser simples, e qualquer
sibilitado a essa ciência atingir níveis sem- tentativa de tratá-lo em poucas linhas é ar-
pre mais altos de sistematização, apesar das riscada senão impossível. O que procurare-
limitações indiscutlveis que, tal método apre- mos fazer será simplesmente seguir a evo-
senta. De qualquer forma, porém, a perspec- lução do pensamento parsoniano nos seus
tiva funcionalista também é sistêmica, em- aspectos básicos, voltando nosso interêsse
bora bastante diferente daquela da teoria ge- para a passagem de uma visão micro para
rai dos sistemas. a macro, crucial para a consolidação da po-
Para o estudo da aplicação do modê- sição destacada que o parsonlsmo passou a
lo do sistema aberto à teoria das organiza- ocupar como método de análise dos fenô-
ções, a percepção dêsse processo simbióti- menos sociais.
co é fundámental, já que se apresenta na Alguns estudiosos da teoria sociológi-
maior parte dos trabalhos ~essa linha. Fun- ca chamam a microabordagem parsoniana
damentai, portanto, parece ser também o co- de acionismo social e sua macroabordagem
nhecimento do funcionalismo. Muito do que de imperativismo funcional. O primeiro' está
dissemos no artigo O Estruturalismo na Teo- voltado para a explicação da ação, enquanto
rla das- Organizações 2 vale para o funciona- .unidade, através de variáveis-padrão; já o
lismo, uma vez que êste não deixa de ser segundo para a explicação do sistema social,
uma forma de estruturalismo. Algumas consi- através de imperativos funcionais. Ambos es-
derações adicionais, porém, fazem-se neces- tão preocupados com o problema da seleção
sárias: êste método não nasceu na sociolo- ou estabilização de escolhas, procurando
gia, embora tenha atingido, nessa área' do co- identificar os processos sociais internos e ex-
ternos que por ela se responsabilizam. Pa-
1 Von Bertalanffy, Ludwig. Gen.ra. syst.in theory. ra o acionismo social a resposta está na
New York, George Braziller" 1968.' p. 38.
socialização como processo interno e na di-
2 Prestes Motta, Fernando C" O estruturalismo na
t~oria das organizações. R.vlsta de admlnl.traçio d. 3 Ver Berlinck, Manoel T. O funcionalismo n. so-
.mpr •••• , E.A.E.S.P., 10 (4): 1970. ciologia • na antropologia. EoAoEoSoPo, FoGoV o, p. 1.

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ferenciação de papéis e no contrOle social drão Revlstas,i>vemos que o define como uma
como processos externos. Para o imperati- descrição verbal do curso de. ação concreto
vismo funcional, está na diferenciação estru- visto. como desejável, combinado com um re-
turai como processo interno e na especifica- fOrço no sentido de que certas ações futu-
ção normativa e nas transações com o ambi- ras se conformem com êsse curso. Tal defi-
ente como processos externos. nição, porém, não deixa claras as origens
As primeiras formulações do acionis- .da norma. No que se refere a duas normas
mo social datam dos ancs trinta, quando especificas, a racionalidade econômica e a
Parsons começou a desenvolver sua teoria Integraçlo valorativa, entretanto, Parsons afir-
da açlo. Por essa época o teórico afirmou ma que são propriedades emergentes da ação
que não havia propriedades grupais que não que somente podem ser observadas quando
fOssem redutiveis a propriedades de siste- uma pluralidade de ações é tratada como um
mas de ação e que não havia teoria analftica sistema integrado. Tal afirmação demonstra
de grupos que não fOsse traduzivel em têr- claramente a gênese social da ação. Essa
mos da teoria da ação." Nessa ocasião, êle pressuposição parsoniana torna-se ainda mais
estava especialmente interessado no proces- clara, quando o autor sustenta que sistemas
so de escolha de meios e fins possiveis para de valOres-padrão e outros padrões culturais,
a ação, baseando-se na suposição de que o quando institucionalizados em sistemas so-
comportamento humano envolve, necessària- ciais e internalizados em sistemas de perso-
mente, processos volitivos, não importando nalidade, levam o ator à orientação para fins
que o ator seja individuo, coletividade ou sis- e à regulamentação normativa dos meios e
tema cultural. Para Parsons, na escolha de das atividades expressivas, sempre que as
meios alternativos para o atingimento de um necessidades do ator possibilitam escolhas
fim, a ação obedece a uma orientaçlo nor- nessas áreas.
mativa. Assim, dentro da esfera de contrô- De acOrdo com Parsons e ShiJls,
le do ator, os meios empregados não podem, em dada situação, o ator confronta-se com
via de regra, ser concebidos como escolhi- uma série de escolhas que precisa fazer
dos randOmicamenteou como completamen- antes que a situação faça sentido para êie.
te dependentes das condições da ação.. mas O pressuposto é o de que os objetos da
sempre como sujeitos à influência de um "fa- situação não interagem com a estrutura
tor seletivo independente determinado", que cognitiva - do ator de modo a determinar
precisa ser conhecido para a compreensão automàticamente o significado da situação.
de um curso de ação concreto .. Dessa for- Antes que ela lhe faça sentido, o autor se de-
mulação depreende-se que os têrmos fator fronta com cinco dicotomias que orientam
seletivo Independente determinado ou, sim-
snas escolhas. Tais dlcotemlaa não são nada
plesmente norma e situaçlo são básicos para
mais, nada menos, que as variáveis-padrão.
a compreensão da análise parsoniana da es-
Em suma, o que Parsonse Shills sugerem é
colha humana e, portanto, da ação social.
que qualquer necessidade de personalidade,
Como o conceito de situação .é de entendi-
ou qualquer expectativa de papel da estrutu-
mento relativamente fácil, cumpre conhecer
ra social envolve uma combinação de valô-
a definição dada por Parsons ao primeiro
res das cinco variáveis-padrão. Essas dicoto-
têrmo. Recorrendo a seu artigo Variáveis-Pa-
mias permitem trinta e duas combinações di-
4 Parsons, Talcott. The atructur. 01 social acUon. ferentesde valOres-padrão básicos. Interna-
Glencoe, IIIlnols, Free Press, 1949. p. 747. Iizados no sistema de personalidade, tais va-
1) Parsons, Talcott. Pattern varlables revised - a lOres servem. de ponto de partida para a clas-
response to Robert Dubin, Amerlcan aoclologlcal •.••
vlew, 467-83, agO. 1960.
sificação dos tipos possiveis de necessida-

Janeiro/Março 1971 fO

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des. Institucionalizadds no sistema social, estabilidade do sistema de valOres lnstltuclo-
fornecem uma classificação dos componen- nalizados; o atingimento de metas refere-se à
tes das definições de expectativas de papéis. relação entre o ator e um ou mais objetos
A estabilidade do critério de escolha, por seu da situação, relação esta que maxlrníza a es-
turno, fica assegurada pela socialização, pe- tabilidade do sistema, já que êste precisa
los mecanismos de diferenciação de papéis atingir metas através do contrôle dos elemen-
e pelos contrôles sociais. 6 tos da situação; a adaptabilidade refere-se ao
Resumindo, o acionismo social afirma contrõle, éle próprio, do ambiente para o atin-
que uma outra alternativa em cada par de gimento de metas e, finalmente, a integra-
variáveis-pádrãO .é engendrada e mantida no ção refere-se à manutenção de solidariedade
interior dos que desempenham determinados entre as unidades para o funcionamento efi-
papéis e que os sistemas de cinco critérios ciente do sistema. 7
socialmente gerados servem como guia bá- Isto quer dizer que todo e qualquer sis-
sico do ator para as escolhas das ações re- tema social deve ser estudado em têrmos de
queridas para o desempenho cotidiano. As- manutenção, atingimento de metas, adaptabi-
sim, o papel do médico com relação ao paci- lidade e integração, ou melhor, em têrmos
ente pode ser caracterizado pelo conjunto de dos meios que utiliza para satisfazer êsses
universalismo, desempenho, especificidade, imperativos funcionais. Tal afirmação impli-
neutralidade e orientação coletiva. Por outro ca na observação de que o funcionalismo é
lado. o do paciente pode ser caracterizado altamente abrangente, pretendendO explicar
por um conjunto diverso e complementar. Tais através de um grande aparato conceitual tô-
inter-relações de duas ou mais pessoas le- da a enorme variedade de sistemas sociais
vam à adoção de uma visão macroscópica, a existentes. No que se refere à análise organi-
que se pode chamar imperativismo funcional. zacional, teorizações funcionalistas estão já
A evolução do pensamento parsoniano presentes nas obras de vários estruturalistas
do acionismo social para o imperativismo como Merton, Gouldner e Etzioni. Além disso,
funcional é paralela ao declínio do voluntaris- o próprio Parsons escreveu um artigo de es-
mo nesse mesmo pensamento. À medida em pecial interêsse para nós, por tratar exclusi-
que evolui a teoria, os elementos socialmen- vamente da organização. Trata-se de Suges-
te gerados vão dando lugar aos impostos. As- tões para uma Abordagem SociOlógica da
sim, enquanto o acionismo social se concen- Teoria das Organizações. 8
tra no processo de escolha, o imperativismo Outras influências também têm sido ab-
enfatiza a seleção de alternativas. Seu pres- sorvidas por muitos dos estudiosos que ado-
suposto é o de que todo sistema social taram o modêlo do sistema aberto na teoria
enfrenta quatro Imperativos funcionais aos das organizações. Entre essas são bastante
quais não pode deixar de satisfazer. Tais im- significativas as exercidas pela pelcoloqla so-
perativos são o da manutençlo, satlsfelto pe- cial, especialmente pela obra de F. H. AI/port.
los valôres sociais e subsistemas culturais, o que, libertando-se de uma concepção behavio-
da Integração, satisfeito pelas normas sociais rista estreita, desenvolveu suas idéias em uma
e subsistemas ,sociais, o do atlngimento de linha bastante adequada à abordagem sistê-
metas, satisfeito pelas coletividades sociais mica das organizações. Nessa linha, sua de-
e subsistemas polfticos e o da adaptabilida- finição de estrutura como ciclos de eventos
de, satisfeito pelos papéis sociais e subsis-
7 Ver Wallace, Walter L. Soclologlcal theory. Chica-
tema econômico. A manutenção se refere à go. Aldine Publishing, 1969.

6 Parsons, Talcott & Shllls, Edward A. Toward a 8 Parsons, Talcott. Suggestlons for a soclologlcal
general theory 01 actlon. New York, Harper Tochbooks, approach of the theory of organlzations. Adminlstratlv.
1951. p. 56. . quarterty. Cornell University, Ithaca. 1 (1 e 2): 1956.

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paralelos ou tangenciais que ocorrem em um eficiente precisa levar em conta tanto as im-
sistema social não só amplia o campo da psi- portações que o subsistema social faz do am-
cologia social, antes limitado aos pequenos biente, isto é, valôres e aspirações, como
grupos, como também procura explicar a in- também as que faz o subsistema técnico, ou
teração dos elementos de um sistema social. seja, matérias-primas, equipamentos etc.
Um esquema conceitual de maior com-
3. As grandes figuras plexidade é proposto pelo sociólogo George
Homans em seu livro The human group. Tal
Vários têm sido os esquemas concei-
esquema. embora aplicável às organizações
tuais propostos por teóricos das organiza-
ções que optaram pelo modêlo do sistema complexas, pretende aplicar-se principalmen-
aberto. A ordem em que tais esquemasrse- te aos pequenos grupos.
rão acresentaccs parece corresponder, a Para Homans, o ambiente em que exis-
grosso modo, a níveis de complexidade sem- te um sistema social é diferenciado e tal di-
pre mais altos. ferenciação define atividades e interações aos
Entra os pioneiros no esfôrço de de- participantes do sistema. Ao conjunto dessas
senvolver uma análise organizacional sistê- atividades e interações impostas pelo ambi-
mica estão, indiscutivelmente, os estudiosos' ente, quer físico, cultural' ou tecnológico. o
do Instituto de Relações Humanas de Tavis- autor chama sistema externo. As variáveis bá-
tock, na Inglaterra, entre os quais se desta- sicas dêsse esquema conceitual são ativida-
cam os nomes E. L. Trist e A. K. Rice. Suas des, interações e,'sentimentos. Tais variáveis
análises partem de pesquisas realizadas nas são apresentadas como interdependentes, ou
minas de carvão de seu país e na indústria seja, qualquer' modificação em qualquer de-
têxtil indiana. De especial interêsse são os las irá produzir transformações nas demais.
livros Escolha organizacional, de Trist, e A Assim, pode-se afirmar que quanto mais ele-
emprêsa e se.u ambiente, de Rice. Outro livro vado,fôr o grau de interação de duas ou mais
de Rice é Produtividade e organização so- pessoas, mais positivos serão os sentimen-
cial: a experiência de Ahmedabad. Devemos a tos que nutrirão uma (s) para com a (s) ou-
Trist a identificação de dois subsistemas da , tra (s) e vice-versa. Tais sentimentos posi-
organização: técnico e social, o primeiro tivos, por seu turno, produzirão novas normas,
compreendendo as demandas da tarefa, a im- novas atividades e assim por diante. .. O au-
plantação flsica e o equipamento existente, tor conclui que, além das atividades e intera-
sendo portanto responsável pela eficiência ções impostas pelo ambiente, há atividades e
potencial da organização e, o segundo, pelas interações geradas pelo próprio sistema. Ao
relações sociais daqueles encarregados da conjunto dessas atividades e interação êle
execução da tarefa, que transformam a efici- chama sistema interno. Sistema interno e sis-
ência potencial em eficiência real. Rice pre- tema externo, por sua vez, não são apenas
ocupa-se mais com as transações da organi- dependentes entre si; a interdependência in-
zação com seu ambiente. Para êsse autor, clui também o ambiente. Referindo-se aos
qualquer emprêsa, considerada como um sis- cuidados que deve ter a liderança para ser
tema aberto, pode ser definida por suas im- eficiente, Homans considera a situação to-
portações e exportações, isto é, pela mani- tal um complexo que inclui os seguintes ele-
festação de suas relações com o ambiente. 9 mentos:
A grande mensagem do modêlo de a) ambiente físico e social, Incluindo no últi-
Tavistock parece ser a de que a organização mo os grupos maiores, dos quais os partici-
pantes do grupo fazem parte ou com os quais
9 Rice. A. K. The enterprl •• and ns envlronmenL
London, Tavistock Publications, 1963. p. 16.
mantêm contatos:

.21
Janeiro/Março 1971
QUADRO I: O ModaIo de Tavistock

AMIlIENTE

PRODUTO

I
I
b) os materlals, ferramentas e técnicas com fornecedoras ou consumidoras; e, finalmen-
os quais o grupo atua sôbre o ambiente; te, em terceiro. as subestruturas, tais como
c) o sistema externo, isto é, as relações en- grupos formais e lntormals.. Grande atenção
tre os membros do grupo, necessárias a sua " dedicada por Likert à coordenação. Segun-
ação no ambiente; do êle, o sucesso de uma organização depen-
d) o sistema interno, isto é, as relações so- de do esfOrço coordenado de seus membros
ciais que se desenvolvem a partir do sistema a tal esfôrço implica na compreensão das ca-
externo e reagem a êle; racterístlcas organizacionais básicas, as quais
e) as normas do grupo. identifica como estrutura, processos de cole-
ta de informações e mensuração, de comu-
Lembra ainda que todos êsses elemen- nicação e tomada de decisões, recursos pa-
tos são interdependentes e que qualquer mu- ra a execução, além de processos de influ-
dança em um dêles acarretará transformações enciação, conjunto de atitudes e motivações. 11
nos demais. 10 Um outro livro Interessante de A principal mensagem do autor, porém, pare-
Homans é Comportamento social: suas for- ce ser a de que a organização eficiente de-
mas alamantaras. Resta dizer que êsse so- ve estar alerta às relações internas e exter-
ciólogo é provàvelmente a segunda grande nas, maximizando o desempenho dos elos de
figura da sociologia americana ccntemporã- ligação, no sentido de seus interêsses.
I"\ea.
Outro esquema muito interessante é o
Os três esquemas conceituais, que se- apresentado por R. L. Kahn, D . M . Wolfe,
rão apresentados a seguir, foram desenvol- R. P. Quinn, J. O. Snoeck e R. A. Rosenthal
vidos pelo grupo de estudiosos do Centro de em seu livro Strass organizacional: astudos
Pesquisa Social da Universidade de Michigan, sabre conflito da papéis a amblgüidada. es-
nos Estados Unidos, dirigido por Rensis Li- ses autores consideram o esquema de Likert
kert. de grande validade, mas sugerem que aquêle
O primeiro dêles é do próprio Likert, autor não ~istinguiu claramente os grupos psi-
tendo sido apresentado em seu Jivro Novos cológicos dos elos de ligação. Para êles, é
padraa. da admlnlstraçlo. ~sse autor suge- mais interessante a utilização do conceito de
re que a organização pode ser vista como um conjunto de papéis (rola sal) do que de grupo.
sistema de interligação de grupos. Sugere, Assim, não são pessoas, em sentido absolu-
ainda, que os grupos são ligados por indiví- to, que estão interligadas, mas sim pessoas
duos em posições-chave, que pertencem ao desempenhando determinados papéis. E.xis-
mesmo tempo a dois ou mais grupos. Da tem, portanto, conjuntos de papéis, os quais
mesma forma, a organização relaciona-se apresentarão determinadas estruturas. A or-
com o seu ambiente através dêsses indiví- ganização pode, pois, ser pensada em têr-
duos que desempenham o papel de elos de mos de um sistema de conjuntos de papéis
ligação. esse ambiente, contudo, não é al- que se sobrepõem e se ligam, saindo alguns
go impessoal, mas sim um conjunto de outros dos limites da própria organização. A partir
sistemas. A essa altura, Likert distingue os dessas idéias os autores estudam os confli-
vários sistemas que compõem o ambiente de tos de papéis e a ambigüidade, dando aten-
uma dada organização. Há, em primeiro lu- ção especial à interdependência de variáveis
gar, os sistemas de larga escala, tais como tais como posição na organização, aspirações,
o sistema industrial ou a sociedade global; percepção, reações aos conflitos e eficiên-
em segundo lugar, os sistemas do mesmo nl- cia.12
vel, tais como as organizações concorrentes,
11 Llkert, Rensls. N.w paU.rn. of management. Tó-
10 Homans, George C. EI grupo humano. Eudeba, quio, Internatlonal Student Edltlon, Kogakusha Compa-
Editorial Unlversltarla de Buenos Aires, 1950. p. 449. ny, 1961. p. 178.

Janeiro/Março 1971 23

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t:sse esquema foi integrado em outro Integração); e por Csrzo e Yanouzas em Or-
mais amplo e complexo por R. L . Kahn e ganizações formais - uma abordagem slstê-
D. Katz em seu livro Psicologia social das or- mica (um esfôrço em direção da quantifica-
ganizações. Essa obra procura apresentar em ção).
um nível relativamente alto de detalhe a apli-
cação da teoria getai dos sistemas à teoria 4. Idéias centrais
das organizações, partindo de uma compara-
ção das potencialidades das principais cor- 4.1 O Homem Funcional
rentes sociológicas e psicológicas para a
análise organizacional. A principal proposta De acOrdo com a abordagem sistêmi-
dos autores é no sentido de que a teoria das ca, a organização é vista em têrmos de com-
organizações se liberte do dilema indivíduo- portamentos inter-relacionados. Há uma ten-
estrutura, que as abordagens de base psico- dência muito grande a enfatizar mais os pa-
lógica e sociológica não conseguiram resol- péisque as pessoas desempenham do que
ver. Para êles a solução daquele dilema está as próprias pessoas, entendendo-se papel co-
na adoção da teoria geral dos sistemas. Seu mo um conjunto de atividades associadas a
esquema conceitual, porém, está, mais do um ponto específico do espaço organizacio-
que todos os outros, repleto de influências nal, a que se pode chamar cargo. Como ob-
parsonianas, bem como da psicologia social servamos ao citar o esquema conceitual de
de F. H. Allport, a quem o livro é dedicado. Kahn, Wolfe, Quinn, Snoek e Rosenthal, a
Para Katz e Kahn, a organização não organização acaba por ser entendida como
possui estrutura no sentido usual do têrmo, um sistema de conjuntos de papéis, median-
isto é, de auton-omiafísica identificável e per- te os quais as pessoas se mantêm inter-rela-
manente. Sua estrutura só pode ser identifi- cionadas. No interior de um conjunto de pa-
cada no sentido definido por F. H. Allport, péis, um indivíduo exerce determinadas ações
isto é, como ciclos de eventos. Assim, em para relacionar-se com os demais; tais ações
têrmos gerais, poderíamos afirmar que a es- compõem o comportamento do papel. Além
trutura de uma organização difere em natu- disso, cada participante de um conjunto de
reza daquela dos sistemas fisicos e biológi- papéis mantém determinadas expectativas
cos, sendo inseparável de seu funcionamento.
Outras obras importantes de Kahn são
Poder e conflito nas organizações, co-autoria
de Elise Boulding, e Liderança em relaçlo à
produtividade e moral, co-autoria de D. Katz.
Dêsse último, é também importante a obra
Psicologia social, co-autoria de R. L. Schan-
ck. Além disso, ambos escreveram artigos do
maior interêsse, bem como capítulos espar-
sos de livros na área da teoria das organi-
zações.
Outros esquemas conceituais interes-
santes são os desenvolvidos por Johnson,
Katz e Rosenzweig em seu livro já clássico
Teoria e administraçlo de sistemas; por Law-
rence e Lorsch (modêlo de diferenciação e

12 Ver Schein, Edgar H. Psicologia na Indústria. Lls·


boa, Clássica EditOra, 1968. p. 212-22.

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quanto ao papel dos demais e procura enviar conclusões gerais tornam claro o fato de que
àqueles essas expectativas. Da mesma for- administradores bem sucedidos, utilizando
ma, cada participante percebe e interpreta um padrão realmente democrático de lide-
tais expectativas no sentido de alterar ou re- rança, com muita participação dos subordi-
forçar o seu comportamento do papel. Por nados, obtêm dêsses um alto grau de envol-
sua vez, êsse comportamento irá alterar ou vimento e de interêsse pelo trabalho, além
reforçar as expectativas de papel dos demais. de maior responsabilidade. Meltzer, em 1956,
~sse esquema não é, contudo, fecha- estudando o comportamento de cientistas,
do. Nêle intervêm variáveis que compõem chegou a conclusões muito semelhantes. O
o contexto em que está inserido. Tais variá- sucesso do cientista no desempenho de seu
veis são de três classes: organizacionais, de papel parece estar diretamente relacionado
personalidade e interpessoais. Assim, a po- com os recursos de que dispõe para seu
sição que o indivrduo ocupa na hierarquia, a trabalho e com a liberdade de que desfruta.
maior ou menor flexibilidade de sua persona- Importante, porém, é não imaginar que
lidade e as relações interpessoais que man- a liberdade está relacionada apenas com o
tém são de enorme importância para o pro- trabalho tradicionalmente definido como in-
cesso. Na verdade, podemos concluir que to- telectual ou artístico. Pode ser bem verda-
dos os aspectos de comportamento de um deiro que os especialistas que compõem o
indivIduo são relevantes para o desempenho departamento de criação de uma agência de
de um papel. Katz e Kahnt em seu livro Psi- propaganda ou o departamento de pesquisa
cologia social das,organlzaç6e., sugerem que e desenvolvimento de um laboratório neces-
um dos grandes entraves à identificação do sitem mais de liberdade do que o pessoal bu-
homem com a organização é sua "inclusão rocrático. Entretanto, se quisermos promover
parcial", isto é, a organização não quer o ho- a identificação com a organização, o interês-
mem integral, mas apenas os aspectos que se pelo trabalho e a iniciativa, devemos es-
considera relevantes para a tarefa a ser tender a liberdade a todos, embora sempre
executada. sendo tais aspectos geralmente levando em conta a natureza das atividades
definidos de forma muito estreita. Um método a serem desempenhadas. Além disso, para
comum utilizado pelas organizações para evi- que a liberdade aja realmente como fator de
tar a manifestação de aspectos individuais maior produtividade, duas outras variáveis,
considerados irrelevantes é a descrição pre- porém, devem ser consideradas: a interação
cisa de uma única maneira certa de executar e o estrmulo. Para que o indivíduo livre seja
uma tarefa e o contrOle por supervisão cer- produtivo, deve fazer parte de fato de um
rada. A êsse respeito, muitas pesquisas rea- sistema social ativo. A interação motiva o in-
lizadas nas duas últimas décadas têm reve- dividuo, já que êle passa a conhecer as ex-
lado que trabalhadores livres para estabele- pectativas que os outros têm de seu papel.
cer seu próprio ritmo de trabalho tendem a O estímulo, por sua vez, lhe dá a medida de
ser mais produtivos. e evidente que .liberda- como o seu comportamento está atendendo
de por si só não garante produtividade; tudo às expectativas e o incita a alterá-lo ou a
depende de como essa liberdade é ofereci- prosseguir. Likert e Willits (1940) fizeram um
da. A evidência das pesquisas realizadas estudo que demonstrou muito bem a interde-
nessa área é a de que administradores bem pendência dessas variáveis em companhias
sucedidos geralmente estabelecem metas e de seguro. 11
objetivos amplos, impondo poucas direções Se estamos apresentando liberdade e
especIficas. Trabalhos emplrlcos interessan- interação como variáveis interdependentes, é
tes nesse sentido são os de Kahn (1958), Katz
e Kahn (1951) e Mann e Dent (1954). Suas
13 Ver Llkert. Rensls. N.w paU.ma
Op. clt., p. 20.
o. INInag.m.nt.
Janeiro/Março 1971
evidente que entendemos liberdade de uma dade, por exemplo, facilitam a obtenção de
forma ampla. Existe uma concepção mais es- resposta dos outros a um dado comporta-
treita de liberdade, incompatrvel com a inte- mento; além disso, conforme os seus traços
ração social. ~ verdade que, para interagir, de personalidade, uma pessoa irá perceber
os homens são obrigados a fazer concessões. pressões externas, o que implica o fato de
~, porém, do processo de interação que re- que tais pressões são recebidas e afetam di-
tiram suas satisfações, inclusive a noção de ferentemente pessoas distintas.
liberdade. O importante é que o indivIduo se
Em terceiro lugar, a forma como uma
sinta livre. Como lembra Homans, citando
pessoa se comporta no sistema de papéis irá
Dürkheim: "Uma sociedade é livre à medida
afetar o seu futuro comportamento, no sen-
que exige de' seus membros um comportamen-
tido de alterá-lo ou reforçá-lo, mas também
to natural". 14 Tal afirmação pOde ser trans-
afetará a sua própria personalidade e as suas
portada para o nível organizacional.
relações com os demais. Assim, relações in-
terpessoais passadas e presentes afetarão re-
4.2 Os Conflitos de Papéis
lações interpessoais futuras. 15
Quando, a propósito da idéia do ho- Em função das variáveis internas e ex-
mem funcional, discorremos sObre o sistema ternas intervenientes é natural o surgimento
de papéis, frisamos que tal sistema é aber- de conflitos, que podem ser genêricamente
to e que é influenciado por três classes de chemados conflitos de papéis. ~sses confli-
variáveis: organizacionais, de personalidade e tos podem ser de vários tipos. Há em primei-
relações interpessoais. Vamos, agora, ver ro lugar o conflito interno que ocorre quando
quais as variáveis que compõem cada uma as expectativas de papel de um participan-
dessas classes. te do conjunto são incompatrveis entre si. Há,
em segundo lugar, o conflito que ocorre quan-
Em primeiro lugar, as expectativas de
do as expectativas de dois ou mais partici-
papel são em grande medida determinadas
pantes do conjunto são incompatrveis. Em ter-
pelo contexto organizacional mais amplo. Es-
ceiro lugar, temos o caso das expectativas
trutura organizacional, especialização funcio-
de um papel serem incompatrveis com as ex-
nai, divisão de trabalho e o sistema formal
pectativas de outro desempenhado pela mes-
de recompensas determinam grandemente o
ma pessoa e, ainda, o conflito interno que
que uma pessoa deve fazer. Regra geral, as
ocorre quando as expectativas de uma pes-
condições organizacionais que definem a po-
soa se chocam com as expectativas do con-
sição de uma pessoa determinam sua expe-
junto de papéis em que está inserida. Final-
riência organizacional, suas expectativas e
mente, há o caso em que as expectativas não
'as pressões que tal experiência e tais expec-
são incompatíveis, mas a pessoa não é ca-
tativas lhe impõem.
paz de satisfazer as expectativas próprias e
Em segundo lugar, as propensões pes- dos demais no tempo e nos padrões de qua-
soais a agir de certo modo, os motivos, valõ- lidade exigidos. Kahn e seus colaboradores
res, a sensibilidade, as angústias e os hábi- chamam tais conflitos respectivamente de:
tos individuais afetam o sistema de papéis Intrasender, Intel'l88nder, Interrole, conflito
de várias formas. Alguns traços de personali- pessoal de papel e sobrecarga do papel.
14 Ver Homans, George. Th. hum.n group. Op. clt. SegundQ os mesmos autores, as ori-
p.333. gens e as conseqÜências dos conflitos de pa-
15 Ver Kahn, R. L., Wolfe, D. M., Qulnn, R. P., Snoeck. péiS podem ser resumidas na afirmação de
J. D. & Rosenthal, R.A. Organlzallon.1 str••• : .Iudl •• In que expectativas contraditórias de papéis pro-
rol. confllct and .mblgulty. New York, John Wney and
Sons, 1964. p. 33. vocam pressões opostas de papéis, que ge-

26 Revista r,IeAdministração de Empr'sas


ratmente afetam a experiência emocional de cial de seus cargos. O pagamento, todavia.
uma pessoa, intensificando os conflitos inter- não era por peça, mas por dia de trabalho.
nos, aumentando a tensão associada com vá- Aos operários foi feita a seguinte pergunta:
rios aspectos do trabalho, reduzindo a satis- "Pessoas diferentes desejam coisas diferen-
.fação com o trabalho e dominando a confian- tes. Quais as coisas que você considera im-
ça nos superiores e na organização como portantes no trabalho?" Os dados do qua-
um todo. O conflito de papéis tem um custo .dro 3 mostram a freqüência de escolhas feitas
muito grande para o índlvlduo em têrmos pelos operários quando lhes foi pedido que
emocionais e interpessoais e também repre- colocassem as três coisas que consideravam
senta um alto custo para à organização, na mais importante em uma lista de dez itens.
medlda que esta depende da coordenação e Aos supervisores foi solicitado que indicas-
colaboração. efetiva interna e externa de suas sem quais as coisas que, na sua oplnão, os
partes. te trabalhadores indicariam e quais as que êles
próprios consideravam mais importantes. Aos
4.3 Incentivos mistos supervisores gerais (um nrvel mais alto) foi
Uma pesquisa realizada pelo Centro feito pedido idêntico. A lista de dez itens in-
de Pesquisa Social da Universidade de Mi- cluía tanto variáveis econOmicas quanto va-
chigan, em 1951, revelou aspectos muito riáveis psicossociais, distriburdas aleatoria-
importantes do problema dos incentivos. Es- mente quando apresentadas aos pesquisados.
sa pesquisa foi levada a cabo em uma gran- Como se pode observar pela leitura do qua-
de emprêsa industrial, que havia adotadopa- dro 3, os superiores "Superestimaram bastan-
drões de tempo para uma parcela substan-
18 •••••• p.70.

QUADRO·R"

ENVIA o PAPBL aJ!CI!BI! o PAPBL

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PAPIIL

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Janeiro/Março 1971 27
te a Importância que os subordinados da- 5. A teoria gera. doa alatemaa e a organlza-
vam aos fatOres econOmicos e subestimaram 910.
a que davam aos fatOres psicossociais. Assim,
no que diz respeito a altos salários, 61% dos Quando discorremos sObre as grandes
supervisores estimaram que seus subordina- figuras da perspectiva sistêmica na teoria das
dos lhes dariam g~ande importância, todavia organizações, procuramos dar ao leitor uma
apenas 280/0 consideraram dessa forma. rápida idéia dos modelos que propuseram.
Likert sugere, porém, que por várias Neste item do artigo, pretendemos detalhar
razões êsses dados não dão uma idéia clara mais o esquema conceitual de Katz e Kahn
da importância, indiscutivelmente grande, dos que nos parece o mais abrangente e com-
motivos econOmicos na situação de trabalho. plexo.19
Embora não entre na análise dessas razões, O pressuposto básico dêsse esquema
o fato de a pesquisa ter sido realizada pelo ou modêlo é, evidentemente, o de que a or-
Instituto de Pesquisa Social da Universidade ganização é um sistema aberto, Como tal, ela
de Michingan, o qual êle dirige, dá-lhe cre- apresenta as seguintes caracterrsticas:
dibilidade suficiente'. A principal generaliza- a) Importação de energia
ção a que chega Rensis Likert a partir dessa A organização recebe insumos do am-
e de outras pesquisas relativas à motivação biente, ou seja: matéria-prima, mão-de-obra
é a seguinte: etc.
"Os supervisores e administradores na b) Processamento
indústria e no govêrno norte-americano que A organização processa êsses insu-
têm conseguido altos rndices de produtivida- mos com vistas a transformá-los em produ-
de, custos baixos, menor rndice de rotativi- tos, entendendo-se como tal: produtos aca-
dade de pessoal e absentersmo, além de al- bados, mão-de-obra treinada etc.
tos níveis de motivação e satisfação de seus
c) Exportação de energia
subordinados, adotam, em geral, um padrão
de liderança diferente daquele adotado pe- A organização coloca seus produtos no
los que atingem nrveis mais baixos, Tal pa- .ambiente.
drão de liderança difere muito do pregado d) Ciclos de eventos
pelas teorias tradicionais da administração". 111 A energia colocada no ambiente retor-
Parece que s6 uma visão sistêmica da orga- na à organização para a repetição de seus ci-
nização pode indicar as linhas mestras dêsse cios de eventos. São eventos, mais do que
padrão. A partir dessa generalização, Likert coisas, que são estruturados, de modo que
caminha para o desenvolvimento de seu mo- estrutura venha a ser um conceito mais di-
dêlo, de grande importância para a perspec- nâmico 'que estático. Dessa forma, o méto-
tiva sistêmica das organizações, como um do básico para identificar uma estrutura or-
passo decisivo em direção do modêlo de ganizacional é seguir a cadeia de eventos
Katz e Kahn, que será a seguir objeto princi- desde a importação até o retOrno da energia.
pal de nossa atenção.
e) Entropia negativa
17 Kahn, R, L., Wolf., D. M., Qulnn, R. P., Snoeck, Entropia é um processo pelo qual tõ-
J.D. & Ros.nthal, R.A. OrganlzatloMl atr••• : atud•••
In rol. conftlct and amblgulty. Op. clt. p. 30. das as formas organizadas tendem à homo-
genização e, finalmente, à morte. A organiza-
18 Llk.rt, R.nsls. N.w patterna of m.nagemenL Op. ção, porém, através da reposição qualitativa
clt. p. 47.
de energia pode resistir ao processo entr6pi-
19 V.r Katz, David & Kahn, R. L. The social paycho- co. A êsse processo reativo chamamos entro-
logy of organlzatlon •• N.w Vork, John Wlley and Sons,
1966.
pia negativa.

2. Revista de Admlniatraç,o de Empr'sas


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f) Informação como Insumo, contrOle por re- to com outras estruturas dêsse ambiente; sub-
troalimentação e processo de codificação sistemas de manutenção, que se responsa-
Os insumos recebidos pela organiza~ bilizam pela realização do processamento, is-
ção podem ser também informativos, possibi- to é, que tratam da ligação das pessoas ao
litando a esta o conhecimento do ambiente e sistema, através de recompensas e punições;
do seu próprio funcionamento em relação a subsistemas adaptativos, que sentem mudan-
êle. O processo de codificação permite à or- ças ambientais relevantes e traduzem-nas pa-
ganizaçãQreceber apenas as informações pa- ra a organização e, finalmente, subsistemas
ra as quais está adaptada e o contrOle por administrativos, que são compostos por ati-
retroalimentação, a correção dos desvios. vidades organizadas para o contrôle, a coor-
g) Estado estável e homeostase dinâmica denação e a direção dos vários subsistemas.
Para impedir o processo entróplco, a Os dois principais subsistemas administrati-
organização procura manter uma relação vos são as estruturas reguladoras (legislati-
constante entre exportação e Importação de vas) e as de tomada de decisões.
energia, mantendo dessa forma o seu caráter A organização se distingue, porém, dos
organizacional. Entretanto, na tentativa de se demais sistemas sociais pelo seu alto nível
adaptar, a organização procura absorver no- . de planejamento. Em função disso, ela utili-
vas funções, ou mesmo subsistemas. Tal pro- za também um alto nlvel de contrôle, que in-
cesso de expansão faz com que ela assuma clui pressões ambientais e valOres e expecta-
seqüencialmente estados estáveis de nlveis di- tivas compartilhadas, mas especialmente a
ferentes. aplicação de regras, cuja violação implica em
h) Diferenciação penalidades. ·Um dos pontes importantes da
Em função da entropia negativa, a or- perspectiva ststêrntca da organização é a boa
ganização tende à multiplicação e à elabora- compreensão dos conceitos de papéis, nor-
ção de funções, o que determina também mul- mas e valôres, principais componentes de um
tiplicação de papéis e diferenciação interna. sistema social. Quanto a papéis basta acres-
i) Eqüiflnalidade centar que descrevem formas especificas de
Não existe uma única maneira certa de comportamento associadas com dadas tare-
a organização atingir um estado estável. Tal fas. São padrões de comportamento exigidos
estado pode ser atingido a partir de condi- de tOdas as pessoas que participam de um
ções Iniciais e através de meios diferentes. dado relacionamento funcional. Normas são.
Como sistema aberto, a organização expectativas .gerais de caráter reivindicativo
apresenta ainda limites, isto é: barreiras entre para todos aquêles que desempenham papéis
o sistema e o ambiente, que definem sua es- em um sistema. ValOres, finalmente, são jus-
fera de ação, e um determinado grau de aber- tificações e aspirações ideológicas mais ge-
tura, que dá uma idéia da sua receptividade a rais. Papéis, normas e valOres compõem as
insumos. .bases da integração do sistema.
Ocorre ainda que organizações são Uma vez identificados papéis, .normas
uma classe de sistemas sociais, que por sua e valOres como principais componentes de um
vez constituem uma classe de sistemas aber- sistema social, torna-se. posslvel o entendi-
tos. Como sistema social ela apresenta um rri~nto da organização em têrmos de três sub-
subsistema de produçlo, relacionado com a si$ternas que abrangem todos os que foram
transformação de Insumos em produtos, cujos mencionados, não se baseando em um crité-
ciclos de atividades compõem suas princi- rio funcional como no primeiro caso, mas no
pais funções; subsistemas de suportes, que dos principais componentes. Tais subsistemas
procuram e colocam energia no ambiente e seriam: técnico, social e cultural. O primeiro
tr-atam da manutenção de bom relacionamen- compreenderia as tarefas e suas demandas e

30 R,vlsfa de Adminf.traç,o de Emprfsas


os papéis a ela associados. O segundo, as 8. Crfllcas
normas e as relações sociais a ela associa-
das e, finalmente, as expectativas sociais mais A teoria geral dos sistemas aplicada
amplas trazidas pelos insumos humanos que à teoria das organizações ainda não foi tão
desempenham papéis no subsistema técnico. criticada quanto outras correntes do pensa-
Voltando ao critério funcional, também mento administrativo. Acreditamos que uma
as organizações podem ser classificadas, le- das explicações mais relevantes para tal es-
vando-se primordialmente em conta sua fun- tá no fato de que ainda não houve tempo pa-
ção genotlpica, ou seja, a função que exer- ra sua análise mais aprofundada, já que' obras
ce como subsistema de sociedade global. mais importantes nessa linha são muito re-
Segundo êsse critério, Katz e Kahn 20 distin- centes. Além disso, a perspectiva sistêmica
guem quatro tipos de organizações: parece estar de acôrdo com a preocupação
a) Organizações econ6micas ou produtivas, estrutural-funcionalista que vem caracterizan-
relacionadas com o fornecimento de mer- do as ciências sociais nos palses capitalis-
cadorias e serviços, entre as quais estão tas nos últimos tempos, o que pode explicar
as emprêsas, inclusive as agrícolas. em parte uma propensão à sua aceitação,
b) Organizações de manutençlo, relacionadas ainda que com restrições, pela maior parte
com a socialização e o treinamento das dos cientistas sociais dêsses países. Final-
pessoas que irão desempenhar papéis em mente, a teoria geral dos sistemas na teoria
outras organizações e na sociedade global. das organizações não trata, a rigor, de temas
Entre essas estão as escolas, qualquer que negligenciados pelos behavioristas e estrutu-
seja o seu nlvel, e as igrejas. ralistas, mas apenas procura desenvolver al-
c) Organizações adaptativas, relacionadas gumas de suas idéias através de um método.
com a criação de conhecimentos e com o Isto faz com que os autores dessa linha fi-
desenvolvimento de novas soluções para quem salvaguardados, já que não se firmou
problemas. Entre essas estão os labora- ainda uma tradição de critica metodológica
tórios e organizações de pesquisa, inclu- na teoria das organizações.
sive algumas universidades. De qualquer forma, porém, existem
d) Organizações poUtlco-adminlstratlvas rela- nessa corrente de pensamento alguns pontos
cionadas com a coordenação e o contrõ- crlticos que, com o correr dos anos, não po-
le de recursos humanos e materiais. O es- derão deixar de ser explorados pelos esplritos
tado, os órgãos públicos em geral, os sin- menos conformados, aos quais cabe, em últi-
dicatos e os grupos de pressão estão nes- ma análise, uma parcela grande da responsa-
se grupo. bilidade pelo desenvolvimento cientifico.
Por essa tipologia, vemos claramente Em primeiro lugar, a teoria geral dos
que, embora uma organização possa ser en- sistemas pode ser responsável por uma ilu-
tendida como um sistema, ela também o po- são cientlfica. Com isto queremos dizer que
derá ser como um subsistema. O que se de- o elaborado aparato teórico dessa corrente
fine como sistema depende em grande par- deu aos cientistas sociais a oportunidade de
te do interêsse do analista, porém,' a interpre- realizarem uma velha aspiração: tornar os ob-
tação de uma estrutura social como sistema jetos de sua ciência suceptlveis de uma aná-
em relação a outras como supersistema e lise tão rigorosa quanto a utilizada pelas ci-
subsistemas depende de que o sistema tenha ências fís:cas. Ocorre, porém, que os instru-
um grau de autonomia maior do que os sub- mentos utilizados por essas últimas foram de-
sistemas e menor do que o supersistema. senvolvidos a partir do estudo dos .seus ob-
jetos e não importados de outras ciências. A
20 Katz & Kahn. The social paychology 01 organiza-
llon.. Op. cito capo 5. primeira linha que vislumbramos para a crttl-

Janeiro/Março 1971 31
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QUADRO 4.

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•...•.•. . .....•. ........ ~ IÚIOI ....•...

ca da teoria geral dos sistemas na teoria das excessiva ao papel desempenhado pelo ulti-
organizações está no seu biologismo. Nossa mo. A organizaçãq depende, para sua sobre-
pressuposição é a de que ao analisar as or- vivência, do crescimento e eficiência de sua
ganizações utilizando instrumentos importa- adaptabilidade ao ambiente, o que quer di-
dos da biologia e adaptados à natureza se- zer que a organização mais propensa a so-
cial das organizações, o teórico é vftima do breviver, crescer e ser eficiente é aquela na
que chamamos ilusão cientrfica, isto é, pas- qual os papéis, normas e valOres estiverem
sa a acreditar que o objeto de sua análise mais de acOrdo com as demandas do ambl-
tende a tornar-se tão previsfvel quanto os ente, o que em última análise traduz uma po-
sistemas biológicos e que seu campo do co- sição idealista que pressupõe a primazia do
nhecimento se presta ao rigor clentffico que sistema cultural, com relação aos sistemas
caracteriza as ciências ffsJcas. social e técnico e que negligencia o papel
Em segundo lugar, na ênfase dada às dinâmico das contradições internas das or-
relações entre organização e ambiente, a ganizações.
maioria dos teóricos de sistemas na análise e
evidente que as causas externas são
organizacional parece dar uma importância importantes mesmo no domfnio cultural. Ocor-

32 Revista de Administração d" Emprêsas


re, porém, que sua importância está relacIo- ~ curioso que a ênfase no papel do
nada com sua ação através das causas inter- ambiente se desenvolva num paíe como os
nas, que são primárias. Assim. a tentativa Estados Unidos, onde o inverso parece ser
de explicar um papel social a partir das nor- muito mais verdadeiro. Com a predominân-
mas e essas a partir dos valôres significa uma cia das grandes organizações, a necessidade
inversão do processo. Na verdade, os papéis do ambiente se adaptar às demandas dos oli-
compõem o sistema técnico que determina gopólios parece ser muito mais clara do que
as normas componentes do sistema social, a necessidade inversa. E ar parece estar um
as quais, por sua vez, determinam os valOres, filão precioso para a crltlca do caráter ideo-
ou o sistema cultural. Influências no sentido lógico da teoria geral dos sistemas na teoria
inverso ocorrem indiscut1velmente, mas cons- das organizações.
tituem um processo secundário.

A nova CONJUNTURA ECONOMICA permanece tradicional. ~ ainda objetiva; precisa, Imparcial e atuallUda.
Tudo como antes. Ficou, é claro, mais bonita, moderna, e seu formato • maior. Para facilitar as consultas
e tentar, depois, o leitor a deixA-Ia em cima da mesa,só para enfeitar.

Uma publicação da Fundação Getúlio Vargas. Procure nas bancas ou escreva para a Praia de Botafogo
188, Caixa Postal 21.120, ZC-G5, Rio de Janeiro, GB.

Aquilo que foi ficção ontem é reali-


dade científico-tecnolôgica hoje e
será rotina amanhã. O problema
crucial para o homem contemporâ-
neo é o conhecimento. Mantenha-se
em dia com o mundo de hoje e in-
formado sôbre o mundo de amanhã
lendo EL CORRE0. Publicação
mensal da UNESCOem nove idio-
mas - Ciência, Educação e Arte
além de I nformes Especiais. Esta e
outras publicações P2Cierão ser,soli-
citadas à FUNDAÇAO GETULIO
VARGAS. Praia de Botafogo 188,
CP 29 - ZC 02, Rio de Janeiro - GB.

EL

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