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2 Anselmo de Canterburry. Proslogion, in Anselm of Canterbury: The Major Works, organizado por B. Davies e G. R.
Evas, traduzido por M. J. Charlesworth, 82 – 104. Oxford: Oxford University Press, 1998. Tradução do inglês nossa.
C2. Há alguma coisa maior do que “uma coisa da qual nada maior pode ser pensado”
(instanciação3, P6)
C3. “Uma coisa da qual nada maior pode ser pensado” não pode existir só na compreensão.
Tem que existir também na realidade (reduction, P6 – C2).
C4. Deus existe (substituição4 de definiendum para definiens, C3, P1).
3 Inferência lógica que implica razões do geral para o particular. Ex: de “todos os homens são mortais”
para “Anselmo é mortal”, em que “Anselmo” é uma instância de “homens”. Também pode ser
identificado sob o título dictum de omni et nullo, que significa que o que pode ser afirmado ou negado
universalmente com verdade de um conceito, pode também com verdade ser afirmado ou negado de um
outro conceito que cai sob o primeiro. O princípio deriva diretamente de Aristóteles, ver Categorias [3]
1b10, 22.
4 Trata-se de uma regra de inferência lógica, pode ser expressa formalmente da seguinte maneira: Se a = b,
então a pode substituir b, donde o resultado é uma instanciação de substituição da expressão original.
Em alguns sistemas de dedução para lógica proposicional, uma nova expressão (i.e., proposição) pode ser
introduzida numa linha de uma derivação se ela é uma instância de substituição de uma linha anterior da
derivação (HUNTER, 1971, p. 118). É assim que novas linhas são introduzidas em alguns sistemas
axiomáticos. Em sistemas que usam regras de transformação, uma regra pode incluir o uso de uma
instância de substituição para propósitos de introduzir uma certa variável de uma derivação. Aqui temos
um sistema axiomático-dedutivo como estrutura formal do argumento dialético de Anselmo. Outrossim,
na lógica de primeira ordem, toda fórmula proposicional fechada (C4) que pode ser derivada de uma
fórmula proposicional aberta (P1) por substituição é dita ser uma instância de substituição. Se (P1) fosse
uma fórmula proposicional fechada, diríamos que ela própria é sua única instância de substituição.
Entretanto, o conteúdo semântico e ontológico de ambas é distinto, portanto, o argumento é linear, não
circular.
se de uma falácia de falsa analogia. Ademais, faça-se o teste de substituir a premissa de Anselmo
pela de Gaunilo e verás que o argumento chegará à conclusão de a = b, i.é., será tomada uma
premissa axiomática fechada cuja conclusão será ela própria, ao passo que no argumento
anselmiano (Cf. nota 4) a conclusão é semanticamente nova. Essa crítica pode ser ignorada sem
prejuízo.
Outrossim, em 1781, cerca de 7 séculos mais tarde, uma crítica mais sofisticada foi erigida
por Immanuel Kant, na Crítica da Razão Pura, em B 626. Podemos dizer, de maneira resumida, que
esse filósofo acusara Anselmo de usar inadvertidamente o termo existência, o que ataca diretamente
a premissa primeira do argumento, como um predicado real, i.é., uma propriedade de algum objeto
da realidade cuja subsistência é instada em si mesmo, o que este filósofo chama de nôumeno – neste
caso, Deus. A isto Kant chama de ideias regulativas da razão pura, i.é, para ele se trata de um uso
especulativo da razão que prescindindo da experiência possível (empírica) possa tratar do
conhecimento de um ente supremo e oferece a solução de girar essas categorias todas que
comumente são atribuídas a objetos a priori para a estrutura de conhecimento interna ao sujeito, i.é.,
as atribui como elementos da arquitetura da subjetividade e lega ao que é possível conhecer
(fenômenos) o modo de ser um feixe de contingências articulado no interior da subjetividade de um
agente perceptor, legando o Deus sobre o qual Anselmo argumenta à incognoscibilidade. Isso, em
fato, é um debate de princípios, e Aristóteles já nos ensinara que acerca de princípios não se disputa.
Kant é, autodenominado, um Idealista (Transcendental) e, em tom de demarcação, denominaria
Anselmo de Realista, do ponto de vista metafísico. Com isso queremos dizer que não há neste
embate uma posição que possa ser tomada como certa, visto que ambas são parciais – parcialmente
erradas, parcialmente verdadeiras. Cabe-nos apenas aprender com ambos pensadores e acompanhar
o decurso histórico de suas ideias. A crítica de Kant é externa ao argumento de Anselmo, pois parte
das premissas e estruturas que compõe o seu sistema (e trata-se literalmente de um sistema), de
modo que nos parece pouco profícuo procurar tensões entre os dois autores.
Para não nos prolongarmos em delongas loquazes, achemos uma conclusão enfim. Ao se
tratar das pretensões de elaborar provas para a existência de Deus, sejam elas a priori ou a
posteriori, serão, é patente, sempre incompletas, pois serão finitudes buscando indicar a infinitude,
o parcial buscando indicar o Absoluto. Mas dentre ambas, é patente que as demonstrações a priori
são mais razoáveis, dada a falibilidade e contingencialidade da experiência empírica 5. A prova da
existência de Deus, portanto, deve ser a priori, erigida sob a lógica6, a que chamamos já há algum
matemáticas, capazes de gerar regras de cálculo exatas, que permitiam substituir, com vantagem, a lógica
inventada por Aristóteles. Malgrado se possa considerá-la uma formalização bem sucedida das ricas
possibilidades da gramática grega, nem por isso ela se mostrou mais confiável. Não só os escolásticos se
deixaram guiar por essa lógica natural do espírito humano, dela fazendo a pedra angular de seu edifício
especulativo, com as conhecidas ressonâncias teológicas, mas até mesmo Immanuel Kant, com o peso de
três críticas da razão, a considerou conquista definitiva do engenho, criada do começo ao fim por um só
homem, à qual nada mais há de se acrescentar. Mas quando a filosofia logra reduzir-se inteiramente à
lógica, quem sai logrado é o filósofo, porque, ao atingir o rigor dos axiomas, ela se desfaz do amor à
sabedoria, perde o interesse pela vida e nada mais lhe ocorre dizer sobre o mundo e o homem, tão
inseguros da própria contingência. Assim, deve contentar-se com as certezas fáceis da abstenção.”
(SANTOS, José Henrique. O trabalho do negativo. São Paulo: Loyola, 2007. p. 16)
7 “Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob, não dos filósofos e estudiosos.” (tradução nossa)
PASCAL, Pensamentos, Editions du Seuil, Paris, 1967.