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Mitos e falácias acerca do pré-natal

Uma das formas de violência obstétrica identificada no discurso das mulheres refere-se à fala
de profissionais que prestam assistência no pré-natal. Foi possível constatar a propagação de
informações falsas através de argumentos inconsistentes, que são percebidos como um
recurso empregado para dar o comando sobre o tipo de parto que será realizado. Algumas
mulheres, apesar de questionarem a indicação médica, abnegam do parto desejado devido a
pressões familiares e a insegurança de substituir o profissional responsável por acompanhar o
parto, no fim da gestação.

Aí de repente ela disse que o Pedro tinha duas circulares no pescoço, e aí


essa foi a explicação que ela deu para o Pedro nascer de cesariana. Eu, muito
jovem, eu acreditei piamente nela, mas eu tinha alguma coisa no meu
inconsciente, tinha alguma coisa que me falava que eu estava errada, que não
era aquilo. Só que quem é que com 38 pra 39 semanas ia mudar a médica,
vai contrariar, e se der algum problema, e, assim, a família inteira: “Não, tem
que ter o parto agora”. E aí eu fui para cesárea (Cecília Aguiar)

Percebem-se alguns elementos que são utilizados enquanto indicadores de cesariana por parte
desses profissionais, como: a presença de circulares no pescoço do bebê, seu tamanho:
“grande demais”, a experiência de parto cirúrgico no parto anterior e a proximidade de uma
gravidez para outra.

Faltavam três semanas pro meu bebê nascer, e aí ele disse que, apesar dela
ter virado, ter se encaixado, ela tava grande demais. Ai ele pediu para que eu
fizesse uma ultrassom e indicou um médico. Nós vimos o meu bebê se
mexendo, estava tudo bem. Depois a gente viu uma imagem congelada com
um bebê com 3 circulares no pescoço e logo ali a gente percebeu que não era
a nossa filha ali (...) dali a gente saiu e fomos a uma outra clínica fazer com
um médico em quem a gente tinha confiança, que acompanhou o meu
primeiro parto, minha primeira gestação. Aí eu fiz o ultrassom lá meio hora
depois, e não tinha circular no pescoço. (Camila Oliveira)

Só que o problema, quer dizer, que os médicos diziam aqui era que tinha
sido muito recente um filho do outro. Eu sei que hoje em dia, eles usam
muito essa estratégia, vamos dizer assim: “Então, você teve parto cesárea,
você vai ter que ter o outro de cesárea”. (Cecília Aguiar)

Os relatos das puérperas demonstram que inicialmente elas buscavam o parto natural, mas não
recebiam suporte dos profissionais, que revelavam sua preferência pelo parto cirúrgico em
razão dos benefícios que este lhe traria. A cesariana, principalmente eletiva, possibilita que o
profissional “ganhe” mais tempo, por não esperar os processos fisiológicos do parto, que são
imprevisíveis e podem durar horas. Assim como, segurança, visto que, não será surpreendido
por mulheres em trabalho de parto, querendo parir. E, por último, “controle” sobre o
nascimento, quanto ao dia, a hora e o local.

E aí, primeiro, começou assim, com indicações de médico, de amigas, né?


Só que a maioria deles queriam fazer meu parto cesariana, eles me induziam
a fazer o parto cesariana. Que eu chegava neles e falava assim “Ah doutor,
me fala sobre o parto normal”. E ele me falava assim: “Não, Amanda, hoje
em dia, não tem isso, não, parto normal?” Que hoje em dia cesariana era
coisa rápida, fazia, ia pra casa, recuperava, não tinha problema nenhum.
(Alice Brumado)

(...) O que eu levei em conta foi a minha ansiedade e a opinião do médico,


que queria mais saber do tempo dele, que era mais valioso do que a vida da
minha filha. (Cintia Cruz)

Acabei mudando de obstetra, as histórias que eu ouvia é que ele arrumava


desculpas arrumava qualquer argumento pra poder fazer cesárea nas
pacientes dele. (Florisbela Carvalho)

Em relação aos mitos e falácias no pré-natal, os profissionais de saúde evidenciam falas que
implícita ou explicitamente desqualificam e diminuem a capacidade da mulher de realizar o
parto fisiológico, sendo capaz de motivar a substituição do parto fisiológico para o cirúrgico.

A maioria das mulheres engravida e fala assim: “Eu queria um parto


normal”. Ao longo do pré-natal é que essa ideia muda. E às vezes são coisas
muito sutis, do tipo: “Nossa que bebezão, né, será que passa?” “Difícil né?
Um bebê grande assim.” É só minar a coragem da mulher. “Ah, você quer
um parto normal, parabéns, porque dói bastante, é muito difícil, você é bem
corajosa.” Esse tipo de mensagem subliminar de que o parto normal é uma
coisa difícil, dolorosa, um desafio superdifícil da mulher vencer, isso aí já
vai minando, ela fala: “Poxa, é mesmo, né?”, será que eu estou pronta para
isso?” (Cristimara Souza, obstetriz)

Os mitos de pré-natal são vários. Primeiro, assim, aquela conversa de salão


de beleza que é da prima da minha vizinha, que a prima da minha vizinha foi
tentar um parto normal, aconteceu uma coisa horrorosa. Em consultórios,
mitos que a gente vê são: de que o bebê é grande e não passa, que a mulher é
velha, não pode parir, e daí velha é acima de 30, 35 ou que ela é muito nova
para parir, que ela é muito gorda para parir, que ela é muito magra para parir,
que ela é sedentária, que ela pode ficar larga, enfim, que dói muito... pressão
alta não pode ter parto normal, diabetes não pode ter parto
normal...(Cristimara Souza, Obstetriz)

O nosso modelo de parto atual no Brasil, e ainda em muitos países do


mundo, sem duvida nenhuma, ele é tratado, ele é baseado na doença. A gente
às vezes acaba fazendo o que a gente chama de efeito Nocebo do pré-natal,
que a gente vive tachando essa mulher, né? “Ou ela tem uma pressão muito
alta, ou ela tem uma pressão muito baixa, ela tem muito liquido, ela tem
muito liquido, ela engordou muito, ela engordou pouco”, sempre a gente vai
criando, questões menores, na verdade, pra mostrar que essa mulher, ela tem
problema. É muito difícil uma mulher sair de uma consulta pré-natal
dizendo: “Eu estou ótima, eu estou feliz, está tudo bem”. O sonho que a
gente tem é que a gente possa realmente poder compreender isso e poder
compreender que, principalmente no cenário brasileiro, a gente tem espaço
pra todo mundo. O que a gente não tem espaço é pra um parto absolutamente
medicalizado, que não olha pra singularidade dessa mulher e trata tudo atrás
dos protocolos, como se os protocolos dessem conta de situações tão
peculiares, tão delicadas e tão individuais, como é o processo do parto e
nascimento. (Iná Rocha, Enfermeira obstétrica, PhD)

Algumas intervenções ocorrem precocemente não respeitando completar o tempo da gestação


e o bebê anunciar que está pronto para vir ao mundo, podendo acarretar o nascimento de
crianças prematuras. Os profissionais muitas vezes atribuem a responsabilidade da
antecipação do parto para a mulher mesmo tendo induzido a escolha por meio da exposição de
falácias, por exemplo, ao declarar que a mulher não entrou em trabalho de parto.

E a outra fala que a gente ouve bastante é que a mulher não entrou em
trabalho de parto, que é uma coisa que assim, é falaciosa, que assim, todas as
mulheres entram em trabalho de parto. Agora, se a gente operar a mulher
antes de ela entrar em trabalho de parto, ela não vai entrar em trabalho de
parto obviamente. Mas, se aguardar o tempo, aguardar até 42 semanas, que é
até quanto dura uma gestação, as mulheres vão entrar em trabalho de parto.
(Cristimara Souza, Obstetriz)

E a gente não pode escamotear a realidade. Muitas cesáreas são realizadas


por conveniência médica. Quando se entrevistam mulheres no pós-parto, elas
muitas vezes acreditam que houve uma indicação real de cesariana. Quando
se vai entrevistar os médicos, eles vão atribuir a culpa da cesariana a uma
decisão da mulher. (Carina Macedo, médica obstetra, PhD)

As falas dos profissionais de saúde entrevistadas estão de acordo com a fala das puérperas ao
identificarem narrativas utilizadas para a contraindicação do parto natural. A mulher recebe
atributos considerados negativos que indicariam a necessidade de intervenção no parto,
inclusive antes de esperar o curso natural da gravidez, como as contrações e o rompimento da
bolsa de água.

Por meio de argumentos falaciosos manifestados por profissionais de saúde responsáveis pelo
pré-natal, a mulher é induzida a realizar um parto não desejado, sendo depreciada quanto à
capacidade de dar à luz da maneira escolhida através de falas desmotivadoras.
O protagonismo da mulher no parto

Esta categoria surgiu a partir da descrição feita pelas entrevistadas referente à posição que a
mulher ocupa no seu processo parturitivo. Este foi reconhecido como passivo e submisso.
Diante do cenário hospitalar a mulher pode tornar-se invisível, sem voz e autonomia,
favorecendo a emissão de verbalizações rudes e irritadiças por parte de profissionais de saúde.
A mulher possui um papel secundário, sendo vista como um corpo por meio do qual, se
alcançará o objetivo final, que é o nascimento. E, ao se expressar, a gestante corre o risco de
incomodar os atores principais do parto, que estão comandando o espaço.

Eu me lembro ter perguntando pra minha médica: “Tá tudo bem com ele?”
Porque, eu falei pra ela que, quando ele nascesse, eu queria que ele viesse
pra mim, eu já não estava feliz com aquela cesárea, né? “Olha, quando o
Pedro nascer, por favor, deixa ele comigo, deixa ele comigo”. E eu
perguntava: “Tá tudo bem?”, e ninguém me respondia. E eu preocupada,
porque o Pedro tinha que ir pro outro canto, com o pediatra, e eu: “Tá tudo
bem com ele, tá tudo bem com ele?” Ela chegou pra mim, assim: Andréa, tá
tudo bem com o teu filho, fica calma” Assim, eu, eu falei: “Tá bom, tá tudo
bem, mas que quero ele aqui comigo”, sabe, assim, eu fiquei me sentindo tão
fragilizada com a resposta grosseira que ela me deu. E ela foi tão insensível,
sabe, num momento tão importante pra mim, ela não respeitou aquilo.
(Cecilia Aguiar)

As mulheres discorrem também, sobre a falta de respeito sofrida no momento do parto,


evidenciado pela má qualidade da relação profissional-paciente, assim como, a falta de
reconhecimento quanto a sua posição diante do nascimento de seu filho. Muitas vezes, aos
médicos são conferidos os méritos da criança ter vindo ao mundo saudável, abstraindo a
participação da mulher no processo.

O que eu acho muito engraçado nesse processo é que a justificativa das


pessoas, e até dos familiares, é de que: “Mas elas nasceram bem, nasceram
com saúde. Nasceram... Os médicos cumpriram o papel deles de trazer com
saúde.” Eu falei “não, quem trouxe com saúde foi eu”. Assim, eu sou grata a
eles, claro, mas, eu acho que a história podia ser muito mais bonita, né. Tudo
isso podia ter sido muito mais rico pra mim enquanto mulher, pra mim
enquanto mãe, né? Então é frustrante, sim, muito frustrante. (Beatriz Brito)

Ao falar sobre a experiência com o parto normal, a entrevistada salienta sua perspectiva de ter
desempenhado um papel ativo no processo e ter protagonizado o seu parto, o que a fez sentir-
se bem consigo mesma. Também, relata uma conexão com o bebê e um trabalho conjunto no
momento de dar á luz como fator positivo que marca o princípio de uma relação mãe-filho.
E foi ótimo, foi ótimo, foi uma experiência muito bacana, porque aí veio a
Nina. Foram 12 horas de trabalho de parto, foi uma experiência maravilhosa,
já me senti assim: “Pronto, posso ir embora desse mundo, porque eu já
passei...”, sabe, assim, foi bem exatamente isso que eu senti, como se eu
tivesse feito o parto, sabe? Eu e a Nina, uma coisa nossa! (Cecilia Aguiar)

Ah, foi tão... dá até vontade de ter outro filho, sabe? Foi tão linda essa
experiência, e o mais legal de tudo foi que o Felipinho veio pro meu peito e
ficou no meu peito, mamando por duas horas. [...] “Eu me senti muito capaz,
eu me senti forte, sabe? Uma leoa, uma mãe que fez do melhor pro seu
filho“. (Cecilia Aguiar)

O depoimento de alguns profissionais de saúde expõe a modificação do parto de um evento


essencialmente feminino para um fenômeno hospitalar que surge com o avanço tecnológico e
traz um novo elemento para a cena: o médico. Com isso, as mulheres perdem a autoridade
sobre o nascimento e passam a submeter-se a determinados requisitos e exigências.

O parto e nascimento eram uma coisa absolutamente de mulheres, entre


mulheres. De lá pra cá, a gente teve muitas mudanças. A gente teve um
grande avanço da tecnologia, a entrada da figura do médico no cenário do
parto. (Iná Rocha, enfermeira obstétrica, PhD)

Quando as mulheres, através de uma migração em massa, foram para os


hospitais para terem seus filhos, elas perderam o poder sobre o nascimento e
entregaram nas mãos dos médicos. As mulheres acabaram se conformando a
padrões rígidos estabelecidos pelo sistema médico de que tem que parir num
determinado número de horas e que têm que se comportar de uma forma
padronizada. (Joshua Barbosa, médico obstetra)

Segundo os profissionais, há uma crença social e cultural que faz com que todos acreditem
que as mulheres são incapazes e insuficientes para realizar o parto fisiológico sem
intervenções externas.

A gente se formou acreditando que o corpo da mulher é defeituoso, que a


mulher, ela precisa de intervenção pra poder parir, que a nossa intervenção
sempre será necessária.(Carina Macedo, médica obstetra, PhD)

As próprias mulheres acreditam que são incapazes de ter seus filhos de uma
forma mais fisiológica e mais natural exatamente porque a cultura contamina
a sua autoestima. E aí um processo que era para ser essencialmente o
empoderamento das mulheres no momento de gerar a vida, de parir, de dar à
luz, se transformou num processo que fundamentalmente fortalece os
médicos e as corporações. (Joshua Barbosa, médico obstetra)

As mulheres têm seus corpos invadidos por procedimentos que não são autorizados e
permitidos pela mesma e seguem condutas impostas por não acreditar ter a possibilidade de
eleger as condições em que será vivenciado seu parto.

As mulheres não são perguntadas se aquilo que se pretende fazer pode ser
feito no corpo delas. (Damares Azevedo, médica epidemiologista, PhD)
Se você só oferece pra ela um parto ruim, cheio de intervenção, violento,
deitada, de perna aberta, ou com uma cesárea marcada, ela não tem opção,
ela não tem escolha. Agora se ela puder escolher tudo que diz respeito ao
parto dela, ao nascimento do filho dela, aí você tem um leque enorme de
opções. Se ela estiver consciente das escolhas, ela vai ter um bom parto,
independente do que ela escolheu, ela vai ter um bom parto. (Cristimara
Souza, obstetriz)

Logo, o ingresso do parto no ambiente hospitalar modifica o cenário do nascimento e a


parturiente se torna passiva no processo, favorecendo a existência de relações verticais que
culminam em atitudes desrespeitosas, intervenções externas desnecessárias, bem como, na
realização de procedimentos não autorizados pela mesma, resultado da sua submissão aos
profissionais de saúde e sua omissão na cena do parto.

Procedimentos utilizados no parto

Os discursos das entrevistadas sinalizam para a realização de técnicas dispensáveis e


impróprias que são percebidas como agressivas. As mulheres ao relatarem sua experiência no
parto, apresentam fatores que consideram desnecessários e violentos. Os métodos destacados
pelas mulheres foram: amarrar a parturiente, separá-la do filho imediatamente após o
nascimento para a realização de procedimentos padrões, o ambiente hospitalar em si
(estrutura, luz, temperatura) e o modo dos profissionais manusearem o bebê.

Ver minha filha, saindo de mim da maneira que ela foi tirada, rapidamente
sendo mostrada pra mim por um pediatra que não deixou nem ela, nem
chegar perto de mim... Eu pedi pra me desamarrarem, não desamarraram.
Depois, no vídeo, que eu vi o tratamento que deram pra ela, passando por
diversos procedimentos que eu considero altamente... Desnecessários, além
do frio, aquela luz forte no olho dela e ela chorando... Além de ter sido tirada
com brutalidade, teve que passar por tudo isso no primeiro minuto de vida.
(Cintia Cruz)

Mesmo o Ministério da Saúde não recomendando alguns procedimentos, podemos observar


através do relato da entrevistada, que algumas técnicas continuam sendo realizadas, como a
manobra de Kristeller e a episiotomia: “a minha bolsa rompeu em casa, mas, na hora de ter o meu
parto, o médico subiu em cima de mim e, junto com uma pediatra, né? Pra me ajudar... a pediatra
tentando empurrar, e eu mandava força, e o outro medico subiu em cima, me cortaram pra mim ter a
minha filha”. (Lilian Almeida)
Os especialistas na área de saúde apresentam práticas sofridas pelas mulheres durante o parto
que evidenciam a violência por meio de agressões verbais e manobras obstétricas que são
tidas como desagradáveis e hostis. Tal como, a presença de exigências que castram o direito
da mulher movimentar-se livremente e escolher a posição que melhor lhe agrada durante o
trabalho de parto, retirando-lhe a autonomia e liberdade.

A mulher é obrigada a ter o parto na posição convencional, ela tem que ficar
em repouso durante o trabalho de parto, ela sofre manobras desnecessárias.
(Carina Macedo, médica obstetra, PhD)

Elas são invadidas por certos procedimentos que às vezes são extremamente
agressivos. (Damares Azevedo, médica epidemiologista, PhD)

E na hora mesmo do parto, além de diversos comandos verbais agressivos,


inadequados e desnecessários, ainda há outras manobras como a episiotomia
e a manobra de Kristeller. (Carina Macedo, médica obstetra, PhD)

Além disso, os profissionais de saúde indicam o parto cirúrgico como um dos procedimentos
utilizados desnecessariamente. A cesariana é uma cirurgia que trouxe grandes avanços na área
de saúde; pois, anteriormente, ao ocorrer complicações no processo parturitivo, as técnicas
para lidar com esse episódio eram escassas. Com o surgimento do parto cirúrgico, muitas
vidas foram poupadas; contudo, quando a cesárea acontece em circunstâncias indevidas, ela
oferece mais malefícios do que benefícios para a mãe e o bebê.

A cesariana é uma cirurgia maravilhosa, que salva vidas todos os dias, mas
ela não é pra ser feita em todas as pacientes, né? De uma maneira
desnecessária fora do trabalho de parto. (Frida Santos, médica obstetra)

Estudos da Organização Mundial de Saúde mostram que a cesariana sem


uma indicação definida está associada com o aumento das complicações
respiratórias para o recém-nascido, aumento da chance de internação em UTI
neonatal e aumento da mortalidade neonatal. Para a mãe há um risco de
maiores complicações hemorrágicas e infecciosas, isso sem contar nas
repercussões em longo prazo. (Carina Macedo, médica obstetra, PhD)

Na percepção dos profissionais é importante que a gestante entre em trabalho de parto mesmo
que tenha optado pela cesariana. Quando isso não acontece e define-se a data e a hora que o
bebê irá nascer, chama-se de cesárea eletiva. Esse tipo de parto não respeita a fisiologia
natural do nascimento, sendo caracterizado como menos seguro.

O trabalho de parto de fato é fundamental para o nascimento. E, se a gente


for comparar segurança. Que é uma coisa que evidentemente as mães
procuram, é muito mais seguro respeitar as condições fisiológicas do
nascimento do que aquelas que não são fisiológicas, do tipo: “Amanhã, às 4
horas, esteja aqui, faça a internação, que, às 5 horas, ele vai nascer, e a gente
não combinou com ele”. (Richard Bassman, médico pediatra)

O uso de ocitocina sintética, a episiotomia e o parto horizontal, são alguns exemplos


destacados no discurso dos entrevistados, enquanto técnicas que não são necessárias e que
surgiram quando as mulheres passaram a dar à luz no ambiente hospitalar; desse modo, a
aplicação habitual delas é identificado como um ato danoso à parturiente.

Alguns pesquisadores começaram a perceber que toda a assistência ao parto


era baseada em achismos, em dogmas médicos. Aí começaram a questionar e
aí a pesquisar e comparar resultados de partos, por exemplo: sem
episiotomia e com episiotomia, sem ocitocina, com ocitocina, e perceberam
que a maior parte dos procedimentos era nociva, dolorosa, e não tinha razão
de ser, para ser usado de rotina. (Cristimara Souza, obstetriz)

(...) e claro que, a hora que a gente coloca a mulher dentro do hospital, outras
duas coisas vem historicamente, que é o parto horizontal e a episiotomia”.
(Iná Rocha, enfermeira obstétrica, PhD)

Em todo o planeta, o número de mulheres que dão à luz seus bebês e


placenta somente graças à liberação deste coquetel de hormônios do amor,
este número está chegando a zero. Zero, na era da ocitocina sintética e da
cesariana fácil e rápida. Quando falamos de ocitocina sintética, é uma forma
de substituir o hormônio natural que as mulheres deveriam liberar por si
próprias. É óbvio que, quando uma mulher tem o seu filho por cesárea, ela
não está no mesmo equilíbrio hormonal que uma mulher que dá à luz por ela
própria. (Moisés Bauman, médico e pesquisador)

Portanto, o parto tem sido vivenciado por intermédio de técnicas obstétricas não
recomendadas, procedimentos rotineiros desnecessários, muitas vezes violentos, que limitam
a mulher durante o parto e trazem consequências negativas para a mãe e o bebê.

Acesso à assistência e informação

A escassez de informações concernente aos tipos de parto e as vantagens e desvantagens


decorrentes de cada modelo, favorece a existência de relações assimétricas entre a mulher e o
profissional de saúde. Por não deter o conhecimento, a mulher consente e submete-se mais
facilmente, deixando de escolher conscientemente o parto que deseja.

Eu achei que estava me preparando para o parto normal fazendo ioga,


conversando com pessoas que já tiveram parto normal, mas hoje eu tenho
consciência que eu não tinha nenhum conhecimento da fisiologia do parto
normal, da importância pro bebê, da importância pra mãe...e não levei isso
em conta. “...E, nesse momento, eu botei na minha cabeça: minha próxima
filha vai nascer da maneira mais natural possível. Isso não vai acontecer de
novo. E eu fui atrás de informação, pra procurar saber por que que, qual que
é uma maneira que eu poderia fazer com que minha filha nascesse bem, e eu
achei. (Cintia Cruz)

Andrea Garcia: Eu era muito jovem, eu tinha 22, 23 anos e eu não tinha essa
noção ainda desse mundo dos partos cesarianos. Eu achava que era possível
ter um parto normal, que a medica me conduziu a isso até o final da
gestação: “Não, você vai ter um parto normal, não se preocupa com isso, tá
tudo ok”. (Cecilia Aguiar)

Ao conhecer e compreender as características dos partos disponíveis, as gestantes tem a


possibilidade de discernir com maior convicção e segurança o parto mais satisfatório para ela
e seu bebê; sendo, portanto, um elemento empoderador do sujeito.

Logo depois que, o Pedro nasceu eu comecei a estudar, né? Eu tinha que ter
estudado antes isso. Aí eu comecei a estudar a história do parto normal e
falei: “Poxa, então, eu vou ter a Nina agora de parto normal”. (Cecilia
Aguiar)

A princípio, eu não tinha nem ideia de fazer o parto normal. Ainda não tinha
escolhido, tinha medo, mas eu fui descobrindo que realmente era o melhor,
fiz muita pesquisa, internet, conversando com amigas. (Alice Brumado)

A falta de acesso à assistência no parto é considerada um fator danoso à mulher, na medida


em que resulta em desfechos que poderiam ser evitados se existisse mobilidade ou instituições
de saúde próximas a estas populações, que oferecessem o acompanhamento e a intervenção
obstétrica necessária quando requisitado.

No Brasil, a gente tem dois modelos de parto em casa, que convivem de


formas diferentes. Um modelo é o modelo das parteiras tradicionais, que
estão no Norte e no Nordeste, que a gente tem em grande quantidade. Muitas
vezes essa mulher não tem acesso ao serviço de saúde, o que é um paradoxo:
às vezes elas precisam de cesariana e elas não tem acesso porque elas estão a
dois dias de canoa. (Iná Rocha, enfermeira obstétrica)

A falta de informação sobre os aspectos que permeiam o parto cooperam para a subordinação
da parturiente diante da escolha do modelo de assistência que deseja receber no nascimento de
seu filho e o conhecimento se constitui como um recurso que concede poder à mulher para
que realize uma escolha responsável. Quanto à carência de assistência devido à inexistência
de serviços de saúde nas proximidades, verifica-se a negação de serviços necessários e
essenciais à parturiente, ocasionando violência por meio de negligência.

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