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(Jriente lrv1édio

~ O mundo árabe
},;faria Iédda' Linhares

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Conciso e e~Çlrecedor, este livro permite


conhecer a fu~do a,história do Oriente
Médio e do Mun'd"oArabe. Remontando à
crise do império ot~mano e à interferência
de ingleses e franceses na região, ao fim da
Primeira Guerra Mundial, a autora analisa
as razões dós conflitos étnicos, religiosos e
políticos que tornaram o Oriente Médio um
verdadeiro barril de pólvora.

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Maria Yedda Linhares


~~lEITURAS~~~~
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Coleção Primeiros Passos

As Cruzadas Vistas pelos Árabes Ó que é Direito Internacional


Amin Maalouf José Monserrat Filho

Entre Árabes e Judeus o que é Geopolítica


Uma reportagem de vida Demêtrio Magnoli ORIENTE MeDIO
Helena Salem E O MUNDO DOS ÁRABES
o que é Imperialismo
As Mil e Uma Noites Afrânio Mendes Catani
Vais. 1 a s ?!l'edição
René R. Khawan (trad.) o que é Questão Palestina
Helena Salem
Por uma História
Profana da Palestina
Lotfallah Soliman
Coleção Tudo é História
Samarcanda
Amin Maalouf A Formação do 3~ Mundo
Ladislau Dowbor

História da Ordem
Internacional
Carlos Roberto Pellegrino
SBD-FFLCH-USP
A Poesia Árabe Moderna e
o Brasil
Slimane Zeghidour 11111111111111111111111111\ 1111111111111
273550

editora brasiliense
30:;;-
131.2.-
v-. .r5
Copyright © by Maria Yedda Unhares, 1982
3_~, Nenhuma parte desta publicação pode-ser gravada,
~3 armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzidapor meios mecânicos ou outros quaisquer
sem autorização prévia do editor.

ISBN: 85;11-02053-5
Primeira edição, 1982
3!' edição, 1992

lNDICE
Revisão: José W. S. Momes ~
Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos

Apresentação 7
O Oriente Médio e o mundo árabe 10
DEDALUS - Acervo- FFLCH
A formação dos Estados árabes contemporâneos 27
O mundo árabe sob o signo da mudança (1945·,
1980) 74
1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111I~I Conclusão: ontem e hoje 108
Indicações para leitura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 114
20900008960

I-
.;1·
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01139 - São Paulo - SP
Fone (011) 67-9171 - Fax 826-8708
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IMPRESSO NO BRASIL
8 Maria Yedda Linhares
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 9

citos de conquistadores de várias procedências, de


comerciantes e financistas, cruzados medievais e simplificar o texto e selecionar enfoques, sobretudo
capitalistas, em busca de poder, glória e riquezas. aqueles de ordem política, sacrificando outros possi-
Ao escrever este pequeno livro, tive em mente velmente mais relevantes como os relativos à cultura
dirigi-lo a esse leitor comum que tenta ir um pouco árabe e ao Islã, cujo tratamento deverá competir a
além das manchetes dosjornais escritos ou televisio- um especialista mais adequado, em momento opor-
tuno, Espera-se, pois, que o caráter introdutório
nados, na esperança de ajudâ-lo a perceber melhor
deste pequeno livro seja compreendido e perdoado,
as malhas de uma questão internacional que envolve
nas suas imperfeições e omissões, pelo leitor.
centenas de milhões de seres humanos espalhados
por uma superfície terrestre superior a dez milhões
de quilômetros quadrados. Mas, na impossibilidade
de tudo abranger, já que o espaço é reduzido e as
questões são múltiplas, limito a temática do Oriente
Médio ao mundo árabe, ao mesmo tempo em que a
amplio de modo a incorporar os países do norte da
África (Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia), geogra-
ficamente situados fora do quadro do Oriente Médio.
Dessa forma, estão excluídos, do raio de análise,
países, e respectivos problemas internacionais, como
o Irã, o Afeganistão e a Turquia (Ásia Menor), sendo
que a questão palestina que emergiu em conseqüên-
cia do surgimento do Estado de Israel receberá uma
atenção lateral por ser alvo de tratamento específico
em outro livro desta Coleção.
Vários problemas envolvem a grafia dos nomes
árabes. Tendo em vista ajudar o leitor e não intro-
duzir um elemento de complicação, optei pela trans-
literação corrente, influência francesa e inglesa, sem
entrar em maiores discussões de caráter lingüístico.
Por não se tratar de um livro de erudição e, sim, de
introdução ao leitor não especialista, procurou-se
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 11

que ligavam o Ocidente e o Oriente, sempre percor-


rida por invasores provenientes da Ásia Central ou do
continente que se passaria a chamar de Europa.
Terra de impérios, hoje desaparecidos, e de conquis-
tadores, da Antiguidade aos Tempos Modernos, foi
também sede das religiões monoteístas, o Judaísmo,
o Cristianismo e o Islã. Terra sobre a qual se suce-
deram, através dos milênios, povos, culturas e civili-
zações as mais diversas, influências étnicas e cultu-
o ORIENTE ~DIO rais as mais variadas, bem como sistemas de organi-
E O MUNDO ÁRABE r zação social e política diferenciados. Terra e povos
que, aos poucos, perderam o comando da história
que construíram e foram submergidos por outras cor-
rentes históricas, da Ásia Central ou da Europa. Daí
A expressão Oriente Médio tomou-se corrente a a marca da decadência, do marasmo e do atraso que,
partir dos anos 40 deste século e introduziu-se, de sobretudo, nos últimos séculos, carrega consigo a
súbito, no vocabulário político internacional para imagem do Oriente Médio na mentalidade do homem
designar uma área do globo terrestre de cerca de uma do Ocidente capitalista, cristão e tecnicista dos nos-
dezena de milhões de quilômetros quadrados e uma sos dias.
população em crescimento explosivo cujas cifras Mas se a expressão Oriente Médio é recente, a
ultrapassam a marca dos 200 milhões de habitantes. de Oriente Próximo predominou até princípios deste
Englobando os países que se situam entre o Mediter- século, distinguindo-o, assim, daquele Oriente mais
râneo Oriental, o Mar Negro meridional e o Oceano longínquo, e ainda mais misterioso, o Extremo Orien-
Índico, na faixa compreendida entre o golfo de Aden te, a Ásia do Pacífico, do velho Império Chinês e do
e as cercanias do Golfo Pérsico, engloba o Vale do Japão. Aplicava-se às terras e aos povos sob domínio
Nilo, o Crescente Fértil, a península da Arábia, o do Império Otomano que se instalou em Constanti-
planalto do Irã, a Ásia Menor e o Afeganistão. Na nopla no século XV, e por mais de um século amea-
Antiguidade, caracterizou-se por ter sido o berço de çou a Europa. Contra os turcos que vinham da Ásia,
grandes civilizações: o Egito dos faraôs, a Assíria, a muçulmanos convertidos, valentes na sua agressivi-
Babilônia, a Pérsia, a Fenícia. Ao longo dos milê- dade guerreira e, nesse sentido, uma ameaça para a
nios, foi terra de passagem, encruzilhada das rotas Europa cristã, uniram-se reis e papas. A partir do
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século XVII, parecia debelado o perigo. No entanto, O ponto crucial da chamada Questão do Oriente
eles se instalaram no sudeste do continente, domi- consistia para as chancelarias européias em expulsar
nando a Península Balcânica e o Mediterrâneo Orien- os turcos da Europa. Sob sua dominação encontra-
tal, os Estreitos de Dardanelos e Bôsforo, a Ásia vam-se além dos gregos, albaneses, búlgaros e rume-
Menor, os vales do Tigre e do Eufrates, a Síria e a nos (os principados da Moldávia e da Valáquia),
Palestina, a península da-Arâbía, cruzaram o estreito várias comunidades eslavas, como os bosníacos, os
de Suez e apoderaram-se do Nilo, estendendo-se so- sérvios, os herzegovinos, o que provocava atritos per-
bre o Norte da África - o Maghreb - e exercendo o manentes com a Áustria, de um lado, e com o Impé-
seu protetorado até o Marrocos. rio tzarista, de outro. Na Ásia, tinham sob sua
Ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, a pre- guarda os árabes, como expressão mais genérica, e a
r pequena multidão de minorias que habitavam os
sença dos turcos, organizados sob a denominação de
Império Otomano, e como Califado - ou seja, como diferentes territ6rios sob administração civil e reli-
organização religiosa suprema dos muçulmanos - giosa otomana. Além do mais, a guarda dos Estreitos
tornou-se cada vez mais incômoda aos Estados que se Bôsforo e Dardanelos dava-lhes o controle sobre a
fortaleciam e desenvolviam no continente europeu e, entrada do Mar Negro da mesma forma como a do
sobretudo, nas suas vizinhanças, como o Império estreito. de Suez era fundamental como acesso ao
austríaco Habsburgo e o Império Russo moscovita. Mar Vermelho, ao golfo de Aden e ao Oceano Ín-
O controle que exerciam sobre os povos balcânicos dico. No século da expansão do capitalismo, das
estendia-se do Mar Adriático (a Iugoslávia de hoje) lutas nacionalistas européias, do militarismo e da
ao Mar Negro (Rumânia e Bulgâria), abrangendo a diplomacia do prestígio, por parte dos Estados da
Grécia e a Tessália, Creta e Chipre. Dessa forma, Europa, não é dificil compreender que em torno dos
dominavam as rotas do Mediterrâneo Oriental e problemas otomanos se desenvolveram disputas di-
aquelas que conduziam ao Índico e à Ásia Central, plomáticas e conflitos armados. Foi no bojo dessas
bem como o Norte da. África, ou seja, o Mediterrâneo competições que surgiram as questões balcânicas
Meridional. A presença do Império Otomano na Eu- (formação das nacionalidades e dos Estados que se
ropa constituiu-se, pois, um problema a preocupar, libertaram da dominação turca), a questão do Egito
de forma crescente, os governos europeus e transfor- e da construção do Canal de Suez (na segunda me-
mou-se, ao longo do século XIX, a partir de 1815, tade do século XIX) e a ocupação do Norte da África
numa das questões fundamentais da política interna- (Tripolitânia, Tunísia, Argélia e Marrocos), como
cional, entrando na linguagem diplomática daquele parte da política imperialista européia do período.
século como a Questão do Oriente. Da mesma forma, elas traduziam a decadência do
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Império turco, a ponto de ser este denominado na pretensa guardiã da Cruz (pleiteando resguardar o
época de "O Homem Doente da Europa", cujo fim Santo Sepulcro em Jerusalém), em oposição aos rus-
estaria próximo, tratando-se apenas de saber como sos ortodoxos que também se julgavam herdeiros da
apressar sua morte. fé cristã em terras otomanas, e, ainda, em se instituir
Nesse momento, ou seja, ao longo do século XIX ao longo do século XIX como potência moderniza-
e até a Primeira Guerra Mundial de 1914-1918, dora e protetora do Egito, vestígios da passagem de
cabia, primeiramente, à Grã-Bretanha maior soma Napoleão pelo Nilo. Da mesma forma, a sua política
de interesse nas terras asiáticas do Império Oto- militarista, a partir de 1830, levou-a progressiva-'
mano, na medida em que elas comandavam as rotas mente a ocupar a Argélia e, daí por diante, como
de acesso à Índia. Interesse estratégico, portanto. medida de "proteção" da Argélia, já no final do sé-
Mas cabia também ao Império tzarista defender a r culo, a estender-se sobre a Tunísia e o Marrocos,
sua política de acesso direto ao Mediterrâneo oriental incorporando essas províncias turcas ao Império
(um mar quente), fazendo-o sair de sua famosa "pri- Francês como Protetorados.
são continental", já denunciada desde os tempos de Mas é lícito ao leitor indagar se é só de interesses
Pedro o Grande. E, para tanto, era-lhe necessário estratégicos que se alimentam os Impérios. Onde es-
enfrentar o otomano e favorecer o seu enfraqueci- tariam, pois, os outros interesses, aqueles de cunho
mento através do fortalecimento das aspirações na- econômico que movem banqueiros, comerciantes,
cionalistas dos povos subjugados pelos turcos (rume- industriais e os desempregados em busca de lucros,
nos, búlgaros, gregos, eslavos do sul). Por outro lado, posições sociais, empregos e aventuras? No petróleo,
a expansão territorial do Império russo em direção ao dirão logo alguns. No entanto, o petróleo é fato rela-
sul colocava a questão estratégica, para os russos, de tivamente recente na região e sua importância só se
controle sobre a Pérsia (o Irã de hoje) e sobre o Afe- tornou primordial nos últimos quarenta ou cinqüenta
ganistão, originando os sucessivos atritos com o go- anos. No século XIX e nos anos da Primeira Guerra
verno britânico que caracterizaram os episódios di- Mundial, quando emergiu para as chancelarias euro-
plomáticos e armados da rivalidade anglo-russa ao péias outro problema - a questão árabe - a tecno-
longo do século XIX. Quanto à França, a sua en- logia capitalista era pouco dependente do petróleo e
trada no cenário do Oriente Próximo, além das ve- este ainda não tinha um papel importante nas deci-
lhas heranças das Cruzadas e do Reino Latino de sões políticas das Potências. Poucos pareciam ser os
Jerusalém do século XII, parece menos transparente atrativos econômicos oferecidos pelas terras do Orien-
à luz das estratégias imperiais. Coube-lhe o papel te Próximo.
preponderante de, mais uma vez, se colocar como
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A geografia . entre si por grandes extensões de desertos ou de


estepe, que parecem predispor o homem à vida nô-
Embora não seja um dado permanente pois sobre made.
ela é constante a ação dos homens, caracteriza-se a
geografia da região, nos seus aspectos mais gerais,
pelo clima árido, o que torna seus solos sujeitos a um
):. o Mundo Árabe
processo impiedoso de erosão e difíceis as condições Os árabes, povo, etnia ou "nação", desempe-
de desenvolvimento de uma agricultura intensiva. Na nharam a partir da VII século da era cristã um
sua paisagem é comum a visão do deserto, com suas papel de grande importância na história da humani-
populações nômades e suas caravanas que demandam dade. Tendo a Arábia como berço, estenderam-se,
os centros de comércio. Hoje em dia, porém, estradas f4 como conquistadores da fé de Maomé, como comer-
começam a cortar os desertos e, pouco a pouco, o ciantes e propagadores da cultura islâmica, da Meso-
caminhão, o trem e o automóvel vão se substituindo ao potâmia (Tigre e Eufrates) ao Marrocos. Etnica-
camelo e ao cavalo. Apesar do baixo índice pluvio- mente pertencem ao grupo semita da raça cauca-
métrico característico da maior parte dessas terras, siana. A península de onde, ao que se saiba, são
os solos não deixam de ser férteis, constituindo-se no originários, aparece isolada do resto do continente,
fator preponderante para fixação das populações em como uma projeção sobre o Oceano Índico, entre o
núcleos de povoamento. Assim, esses se concentram Mar Vermelho e o Golfo Pérsico, como se os grandes
ao longo das costas do Mediterrâneo, do Mar Egeu, movimentos de povos que caracterizaram por milê-
do Mar Negro, do Mar Câspio, do Mar Vermelho, do nios a história da Ásia anterior lhe tivessem perma-
Golfo Pérsico e do Oceano Indico, regadas pelas necido estranhos. Mas é ainda no seu próprio interior
precipitações que as altas cadeias de montanha favo- que ela mais se isola. A sua região central, o Nedj,
recem; aproximadamente um terço da população to- é separada do litoral por uma extensa cadeia de
tal vive nos vales dos cursos d'água que nascem nas montanhas e as regiões limítrofes mais facilmente se
montanhas, como o Nilo, o Tigre e o Eufrates. Uma. comunicam umas com as outras do que propria-
boa parte da população não-árabe, como a do Afega- .t mente com o seu interior. No centro, dominam os
nistão, do Azerbaidjã (província iraniana) e da Tur- desertos, com escassa população. Na periferia, zonas
quia oriental vive, sobretudo, nos altos planaltos do mais densamente povoadas e alimentadas por chuvas
interior, bem munidos de chuvas. Quanto à vege- - o Crescente Fértil - permitem a concentração de
tação, as zonas mais protegidas por cobertura vegetal agrupamentos humanos sedentários e favorecem o
apresentam-se mais ou menos isoladas e separadas surgimento de centros urbanos, entre os quais se dis-
18 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 19

tinguiramBagdá e Damasco como autênticas capi- tâmia e à Anatólia, mas foram detidos por hordas
tais políticas e culturais. A localização geográfica da diferentes de hititas, huris, mitanis. Da mesma for-
Arábia e do Crescente Fértil entre o Oriente e o Oci- ma, vagas de migrantes indo-europeus lançaram-
dente, entre a Ásia, a África e a Europa; justifica sua se em direção ao Mediterrâneo e fundiram-se aos
considerável importância estratégica no cenário in- árabes e outras populações já sedentarizadas. Assim,
ternacional, importância ...essa que se tornou ainda a história antiga dos árabes dificilmente poderia ser
mais acentuada a partir da abertura do Canal de dissociada de seus contactos com os hititas, egípcios,
Suez (1869), do desenvolvimento da navegação marí- babilônicos, persas, gregos, romanos, hebreus, e
tima e, nos últimos decênios, com o descobrimento e assim sucessivamente. Logo, os povos aos quais cha-
a exploração de suas ricas jazidas de petróleo. Da mamos de árabes representam um conjunto hetero-
mesma forma, o desenvolvimento da aviação em gêneo -do ponto de vista étnico. Sua expansão, a
nosso século tornou importante essa região como es- partir do VIII século em direção ao Ocidente e atra-
cala nas comunicações com o Sudeste Asiático e o vés do norte da África, contribuiu, ainda mais, para
Extremo Oriente. essa diversidade, distinguindo-se, à parte, o mundo
Pela sua própria etimologia, a palavra árabe árabe do Oriente - Machrek - em oposição ao
significa "nômade que vive sob a sua tenda no de- mundo árabe do Ocidente - o Maghreb, norte-afri-
serto". Conseqüentemente, ela diz mais respeito a cano, pelas diferenças no falar e nos costumes. Hoje
um gênero de vida e de organização social do que a representam um conjunto em torno de 150 milhões
uma língua e, menos ainda, a uma raça. Na própria de habitantes sobre um total de mais de meio bilhão
península arábica, variada é a origem dos grupos de muçulmanos espalhados sobre dois continentes,
humanos que a povoam. A própria língua árabe, que a África e a Ásia, e abrangem os seguintes países ou
se difundiu, arabizou populações e gerou mais arabi- Estados: Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia (ponto de
zados do que árabes propriamente. ditos, povos que encontro entre o Oriente e o Ocidente árabes), Egito,
passaram a se identificar pela língua, pela religião e Sudão (parcialmente muçulmano arabizado e par-
pelos hábitos sociais. Assim como os povos, a língua cialmente africano, negróides nilóticos e animistas),
sofreu transformações e apresenta hoje variações Arábia Saudita, República Árabe do lêmen, Repú-
acentuadas segundo o país e o grau maior ou menor blica Democrática Popular do Iêmen, Mascate e
de assimilação com populações e culturas preexis- Omã (ex-sultanato), os Emirados Árabes Unidos,
tentes. Na Antiguidade, por alguns milênios, os nô- Iraque, Síria, Líbano, Jordânia, Koweit, e, como um
mades do centro da península emigraram para as caso à parte, em litígio, a Palestina representada pelo
terras mais férteis do norte, em direção à Mesopo- movimento contestatário anti-sionista dos palestinos ..
20 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 21

o tas aos lugares sagrados (à Kaaba de Meca e ao túmulo


do Profeta em Medina, pelo menos uma vez na vida
o Islã não é apenas o conjunto de dogmas teo- do fiel), a interdição de bebidas alcoólicas e de certos
lógicos e normas sociais que compõem a religião alimentos, ajihad ou "guerra santa" que assegura a
monoteísta pregada por Maomé, na Arábia do século salvação das almas daqueles mortos em combate pela
XII. Ê, antes de tudo, U1J1 tipo de comunidade civil fé.
guiada pelas leis do Corãoe por uma herança cul- Minucioso e extremamente poético na forma, o
tural comum, no sentido antropológico, ou seja, Corão condena a idolatria, o luxo e a ostentação,
como o "conjunto de todos os comportamentos so- reconhece a escravidão como uma instituição assim
cialmente adquiridos e transmitidos que se manifes- como a poligamia, e sobre a posição da mulher prega
tam através de todas as suas obras; comportamentos o seguinte: "O homem tem autoridade sobre a mu-
técnicos (inclusive as técnicas do corpo), práticas lher porque Deus fez um superior à outra e porque
econômicas, cognitivas, artísticas (inclusive as mani- ele gasta sua fortuna mantendo-a; assim, a boa mu-
festações mais humildes e mais momentâneas da pul- lher é obediente, protegendo as partes invisíveis por-
sação estética), jurídicas no sentido amplo (modos de que Deus as protegeu". (Sura 4:31.) E, ainda, a
agrupamento, relações de parentesco, etc.), ideoló- desobediência pela mulher ao marido deve ser pu-
gicas (nas sociedades pré- modernas, a religião), etc." nida com o banimento e castigos corporais, pontos
. (Maxime Rodinson, Les Arabes, Paris, PUF, 1979, esses hoje contestados pelos muçulmanos cujo com-
p. 20.) Islã, ou .islame, na sua etimologia- árabe, portamento face à mulher tem se tornado mais li-
significa resignação à vontade de Deus, e muçul- beral. Em todo o caso, é no tocante à posição da
mano (do árabe muslim , ou seja, "submetido. ao is- mulher na sociedade islâmica que mais se alarga a
lame") refere-se ao adepto de Maomé (ou Muham- diferença entre o mundo criado por Maomé e aquele
mad) e, portanto, aos ensinamentos do Profeta con- do Cristianismo e da chamada civilização ocidental,
tidos no Corão (Qurãn) o livro sagrado, o livro das pelo menos nos seus textos legais.
revelações feitas por Deus, segundo a tradição. Sua A história do império islâmico, com suas seitas e
doutrina repousa na fé de um Deus transcendente, dissidências internas, teve início, segundo a tradição,
Alá, próximo do Jeová dos judeus e dos cristãos, com a hégira, a era muçulmana, em 16 de julho de
e cuja pedra de toque é o dogma da predestinação e 622, dia em que o Profeta Maomé partiu de Meca
cujas práticas incluem a oração cotidiana, com o para Medina. Dessa data em diante, até a morte do
crente voltado para a direção de Meca - a cidade Profeta, a guerra se estendeu pela Arábia com o
santa - o jejum ritual, a caridade, a peregrinação objetivo de submeter as tribos árabes à sua religião.
22 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o ~undo dos Árabes 23

Meca e Medina estão localizadas no Hedjaz, na parte O início dos chamados Tempos Modernos signi-
ocidental da península. O primeiro desses centros, fica para os árabes uma fase de decadência e de
situado no fundo de um vale dominado pelo Abu- perda de poder no conjunto do mundo islâmico. O
Kubaís, berço de Maomé e da revelação do Islã, já se herdeiro de Maomé, o seu novo lugar-tenente, o Ca-
distinguia como núcleo religioso e comercial, ponto lifa, chefe religioso supremo dos muçulmanos, seria
de convergência de tribos ....
politeístas da Arábia pré- desde então c:i Sultão otomano sediado em Constan-
islâmica que lá se reuniam com o objetivo de adorar a tinopla. Aliás, os árabes haviam perdido o seu ím-
Pedra Negra na velha Kaaba. Distinguia-se também peto conquistador embora tendo deixado por toda a
como lugar de passagem das caravanas que faziam o parte a marca civilizadora de sua passagem. O centro
comércio entre a Síria e o lêmen através do deserto. da península originária, no entanto, parecia perma-
A destruição da "pedra negra" marcou o ponto de necer fiel às suas tradições mais puras: o árabe,
partida de Maomé para a conversão de seus árabes, beduíno do deserto, isolado das invasões, preser-
tendo como instrumento a guerra santa. Seus suces- vando a língua e seus costumes, infenso aos contactos
sores foram os califas (Khalifâ) -lugares~tenentes e mais intensos e às influências de um outro árabe que
herdeiros - que conjugavam poder civil e religioso
ó
se sedentarizou, que se localizou nos centros urbanos
e o impunham pela conquista. A história dos dife- e administrativos, tornando-se artesão, comerciante,
rentes Califados é, por conseguinte, a longa e bri- homem de letras, burocrata, aberto a novas formas
lhante história da expansão do Islã sobre o Crescente de manifestação cultural e ao intercâmbio com ou-
Fértil, a Pérsia, o Egito, a Índia, o Norte da África, tros povos.
a Ibéria e a tentativa de penetrar na França. No sé- Por outro lado, a expansão dos navegantes do
culo XI, os turcos originários do Turquestão oci- Atlântico e do Mediterrâneo europeu, com a aber-
dental (Kazaquistão de hoje) foram convertidos ao tura das rotas oceânicas em direção ao Oriente, foi,
Islã, fizeram sua primeira investida em direção ao até certo ponto, fatal para a prosperidade do comér-
Crescente Fértil e à Ásia Menor (o império Seldjú- cio árabe que fazia o tráfico de mercadorias para as
cida) e impuseram uma longa dominação que se es- cidades européias. Os Tempos Modernos abriam a
tendeu até o século XIV, quando emergiram os oto- nova era da Europa, modificando, com rapidez cada
manos, do noroeste da antiga Frigia, nos confins da vez maior, o mapa econômico do mundo. Numa
província bizantina de Bitínia. Daí por diante, a visão retrospectiva romântica, poder-se-ia dizer que
História registra o avanço dos turcos otomanos sobre o mundo muçulmano e, dentro dele, o mundo árabe,
Bizâncio, até a queda de Constantinopla (1453), ou o passou a ter contados não apenas esporádicos mas,
que restava do velho Império Romano do Oriente. também, em situação de inferioridade face a uma
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 25
24 Maria Yedda Linhares

culoXIX.
Europa que emergia como o centro de poder e de Por civilização árabe, entretanto, entende-se
decisão da História. Enquanto aqueles pareciam como sendo o conjunto de fenômenos culturais e
permanecer imutáveis, presos .ao passado e à tradi- artísticos referentes ao bloco político-ideológico do
ção, a Europa passava a representar a explosão de
Dar al-Islame (morada do Islã) em que os árabes
um mundo em mudança: idéias, sistemas de orga-
tiveram uma importância mais do que significativa.
nização política e social, "estruturas econômicas que
Como se poderia definir essa unidade? Se a língua
faziam revolver as sociedades humanas nos seus
religiosa era o árabe (a língua do Corão), no entanto
próprios fundamentos. O capitalismo emergente e a
as grandes realizações estéticas e intelectuais foram
revolução industrial a partir do final do século XVIII,
realizadas por pessoas cuja língua materna podia
aliados às concepções políticas, sociais, filosóficas,
tanto ser o árabe quanto o persa, o turco, o berbere
cien tíficas e estéticas da burguesia européia em as-
ou qualquer outra. Mas será o árabe a língua lite-
censão, irão marcar o mundo contemporâneo e pene-
rária por excelência, aquela que serviu de base à ex-
trar também no velho edifício do islamismo.
pansão do Islã. Inúmeros e brilhantes foram seus
poetas e prosadores, como nos primeiros tempos o
A Civilização Árabe grande poeta lírico e satírico Imrul Kais (originário
do Nedj), ou Abu Nowas (de origem persa, do X sé-
Existe um longo passado árabe anterior ao Islã. culo), citando-se, ainda, os contos das Mil e Uma
Se nos dias de hoje a população muçulmana do globo . Noites (também de origem persa) e a grande obra de
terrestre é superior a meio bilhão de pessoas, cal- um historiador norte-africano, Ibn Khaldum, que
cula-se em torno de 150 milhões o número de árabes, viveu e tnorreu no Maghreb no século XIV. Através
. os quais antes de serem adeptos do islamismo conhe- dos árabes, o Ocidente pôde conhecer os filósofos
cera:n o paganismo, o masdeísrno (religião dos persas gregos cujas obras foram encontradas na biblioteca
e medas), o judaísmo, o cristianismo. Nas guerras de dos Ptolomeus, no Egito, as quais foram por eles
conquista pôs-Maomé, sofreram eles influências cul- comentadas. No tocante à ciência, foram notáveis
turais diversas, desenvolveram outras atividades, vulgarizadores, desenvolvendo as matemáticas (so-
fundiram-se a outras etnias. Ao longo dos séculos, bretudo a álgebra e a geometria), a partir de EucIides
sobretudo no Oriente Próximo, comunidades cristãs e Arquimedes, a medicina, a geografia, a astronomia,
e judaicas de língua árabe permaneceram vinculadas ministrando o ensino (universidades do Cairo, de
ao arabismo, embora não-muçulmano, e exerceram Damasco e de Bagdá) e promovendo o saber. Nas
um papel importante, sobretudo os cristãos, na evo- artes, distinguiram-se na arquitetura e no desenho
lução dos movimentos anticoloniais, a partir do sé-
16 Maria Yedda Unhares

geométrico, de delicada e rara beleza. Segundo eles,


a sua decadência começou com a dominação turca,
a partir do XI e, sobretudo, do XV séculos. No
entanto, é forçoso lembrar que tanto o Império Oto-
mano quanto o Império Iraniano e o Mongol da
Índia, no mesmo período, viveram momentos de es-
plendor intelectual e artístico.
Em suma, para avaliar o fenômeno da expansão
árabe no murido, devem ser levados em consideração
os seguintes fatores: em primeiro lugar, os laços cul- A FORMAÇÃO DOS ESTADOS
turais, lingüísticos e institucionais que uniram as tri- ÃRABESCONTEMPORÂNEOS
bos do norte e do centro da Arábia no período prê-
islâmico; em segundo lugar, o papel político unifi-
cador e ideológico desempenhado pelo Islã depois da
Hégira do século VII, e, finalmente, segundo Ma- A crise do Império Otomano
xime Rodinson (op. cit., p. 51), "as condições sociais (o século XIX)
e políticas que permitiram a manutenção e a difusão
da língua árabe, que mantiveram em algumas tribos
seus modos de vida antigos e difundiram em outras As divisões de ordem teológica e política que
uma consciência de arabidade também presente en puseram em perigo a sobrevivência da obra de Mao-
tre aqueles que mudaram seu modo de vida". Os que mé, ainda no seu berço, com as primeiras divergên-
passaram a adotar a língua árabe, adquiriram, em cias sobre a sua sucessão, explicam a existência das
maior ou menor grau, essa consciência de pertencer a numerosas seitas em que se fracionou o mundo árabe
um mundo comum. Nos últimos tempos, principal- ainda "na fase áurea de conquista em nome da fé.
mente a partir do século XIX, outras correntes histó- Daí serem os persas chütas, as populações arabi-
ricas, provenientes da Europa ocidental e capitalista, zadas do Norte da África, wahabitas, para não falar-
na fase da expansão imperialista, trouxeram novos mos nos sunitas, zeidistas, nosairis, drusos, metualis
elementos de complexidade para o mundo árabe; e outros mais que traduzem dissidências quanto à
entre esses, os mais explosivos foram, sem dúvida, interpretação do Corão, as quais, em alguns casos,
o nacionalismo, num primeiro momento, e o socia- chegam a ter pouco em comum com o próprio Islã.
lismo, na fase atual. Mas, apesar das rivalidades internas e das cisões
li
28 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 29

subseqüentes, foi inegável o sucesso alcançado pelo um jogo enredado de palavras e artifícios entre inte-
avanço árabe na propagação do Islã pela Ásia Me- resses dinásticos para se tornar a arma pela qual se
nor, pelo Norte da África, levando-o, via Marrocos, exerce a disputa de mercados, rotas estratégicas,
até a Espanha no século VIII. Ao fulgor dos suces- bases de abastecimento. Disraeli, ministro inglês da
sivos califados, seguiram-se, porém, períodos de des- era da rainha Vitória, definiu como um dos obje-
censo e lutas intestinas .até o momento em que a tivos supremos da política da Grã-Bretanha a defesa
conquista levada a cabo pelos turcos otomanos, já "das fronteiras científicas", o que, em última aná-
islamizados, abriu uma nova era não apenas para os lise, significa proteger, por quaisquer meios, o acesso
árabes como para o conjunto dos povos muçulmanos. à Índia.
Curto, porém, foi o esplendor do Império Oto- Os turcos dificilmente poderiam fazer face às
mano. Sediado em Constantinopla, comandava, .com pressões das grandes potências que se rivalizavam
suas famosas tropas de elite, os janízaros, as rotas pela preponderância naquelas regiões sob seu domí-
que ligam o Mediterrâneo Oriental ao Oceano Ín- nio. De um lado, a Inglaterra, desejosa de salva-
dico. Nos séculos XVII e XVIII, como se mencionou guardar a integridade e, paradoxalmente, a fraqueza
acima, sua história se caracterizou pela ferrenha do arcaico edifício turco, como a melhor maneira de
oposição da Áustria e da Rússia, como Estados limí- manter, sem interferência de outra potência, os ca-
trofes, e todo ao longo do século XIX, após a Revo- minhos que levavam à Índia em terras e águas oto-
lução Francesa e as guerras napoleônicas, as conjun- manas. Por outro lado, a Rússia dos tzares, procu-
turas internacionais aliadas às condições da evolução rando forçar o esfacelamento do Império Otomano a
interna dos povos subjugados contribuíram para o fim de obter o controle dos estreitos de Bósforo e dos
maior enfraquecimento do Império Otomano e suas Dardanelos. A França, por sua vez, em parte pre-
transformações. Fazia parte do jogo das potências mida por problemas de ordem interna, lança-se, num
européias, no apogeu da política nacionalista e de primeiro momento (primeira parte do século) sobre o
expansão político-militar, acirrar os nacionalismos Egito e a Argélia e, após 1880, sobre a Tunísia e o
dos povos eslavos, jogando' com suas contradições in- Marrocos. Enquanto a Áustria" também arcando
ternas, e assegurar, através de um intrincado manejo com o peso de uma monarquia tradicional e estru-
da diplomacia, o domínio sobre o Mediterrâneo turas sociais e econômicas mais cristalizadas e resis-
oriental. Na medida em que o século avança e, com tentes às transformações que se operavam nos países
ele, tornam-se mais espetaculares os progressos da da Europa de oeste, mal se limitava a vigiar os nacio-
Revolução Industrial e do capitalismo, como sistema nalismos balcânicos em plena efervescência, defron-
econômico em expansão, a diplomacia deixa de ser tando-se, então, com os interesses russos de um vago
30 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
31

e hipotético pan-eslavismo. Os primórdios do nacionalismo árabe


Pouco a pouco, vai-se decompondo o Império
Otomano apesar das tentativas de rejuvenescimento
que se fizeram através das reformas dos sultões Selim A noção de despotismo associada à de jugo insu-
111 e Mahmud 11 (1808-1830), de caráter militar e portável e feroz de sultões e paxâs, indolentes e las-
administrativo, ou seja," no sentido de modernizar civos, sobre populações pobres e indefesas do Oriente
seus instrumentos de governo, e, ainda, em 1876, parece arraigada na mentalide do "homem comum"
a adoção de uma Constituição, de inspiração ociden- do Ocidente, sobretudo através das imagens difun-
tal, a modernização da burocracia e da educação sob didas pelo cinema. Não há dúvida de que à base da
Abd ul-Hamid-Il pós-1878, a ascensão dos "Jovens conquista por hordas nômades está implícita a vio-
Turcos" que, finalmente, se apoderaram do poder lência com a esctavização dos vencidos que se tor-
em 1908 e nele permaneceram até 1918. Sob o movi- nam, em alguns casos, uma casta militar, a extração
mento dos "Jovens Turcos" e seus diferentes seg- de tributos e a instauração de uma autoridade civil e
mentos políticos, a Turquia deu mais um passo para judicial em que imperam os mecanismos de coerção.
a modernização de suas instituições, enfatizando o Mas, na medida em que se organizam os Estados,
nacionalismo turco e a laícízação do Estado, com a com base territorial, os nômades se sedentarizam,
introdução do Direito Civil, a abolição da poligamia, desaparecendo como tais da cena histórica, assim
a emancipação da mulher e a adoção de programas como os escravos, estrangeiros, base de recrutamento
de desenvolvimento econômico e social. Tais esfor- militar, perdem sua força política, embora no con-
ços, no entanto, não chegaram a atingir plenamente junto persista a-tradição de submeter as minorias
os seus objetivos e, ao ter início a Guerra de 1914- étnicas. De fato, a sociedade islâmica caracterizou-
1918, o Império Otomano, aliado dos Impérios Cen- se, na sua expansão territorial, pelas tradições plura-
trais (Alemanha e Ãustria-Hungria), tentouarregi- listas e pelo estabelecimento de normas jurídicas de
mentar os muçulmanos, sob sua jurisdição, inclusive tipo personalista, permitindo a convivência entre
os árabes, mais uma vez em nome do Islã, decla- muçulmanos e não-muçulmanos, numa tentativa,
rando a "Guerra Santa" contra os exércitos da En- bem sucedida, de manter suas respectivas normas
tente Cordiale franco-britânica e da aliança franco- sociais.
russa. A guerra mundial que se iniciava iria dar o No caso da dominação turca, foi evidente a su-
golpe de misericórdia no último Califado, o de Cons- perposição de uma casta otomana às populações pre-
tantinopla. existentes, árabes e outras, por sua vez, já anterior-
mente hierarquizadas com seus sistemas próprios de
32 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 33
3(

estratificação, É evidente também que a participação estendia pelo conjunto dos lugares santos, inclusive
dos "súditos" na vida política de um Estado que tem sobre parte do Hedjaz. Em 1839, a Inglaterra se esta-
na sua base a escravidão e uma classe dirigente es- beleceu em Aden e daí começou, lentamente, a alar-
trangeira, embora associada à "aristocracia" local, gar a sua esfera de influência.
não pode deixar de ser insignificante. Os segmentos No Egito, a curta ocupação pelas tropas de Na-
inferiores das estruturas sociais tendiam a demons- poleão (que também se apoderaram do sul da Síria)
trar um comportamento indiferente às manifestações deu início a acontecimentos que iriam modificar no
do poder (soberano e camadas dirigentes), salvo decurso do século a história dos povos árabes. Um
"quando entram em jogo a religião, a corrupção e a segundo acontecimento verificou-se no coração da
opressão excessiva" (G. E. Von Grunebaun, EI Is- Arâbia, com a tentativa de formação de um reino
Iam, Siglo XXI, 1975, p. 8). De uma maneira geral, árabe, o Wahabita. Tais fatos foram decisivos para o
as "províncias" eram governadas com certa frouxi- "renascimento" árabe que se dará daí por diante.
dão, preservando-se um acentuado grau de auto- Coube a Mohamed Ali idealizar, pela primeira
nomia local, pelo menos como uma tendência gene- vez, a criação de um Estado árabe unificado. Era ele
ralizada. Mas se o mundo islâmico - o Dar al-Islã - um albanês rude e analfabeto, certamente ambicioso
é heterogêneo quanto às estruturas econômicas e so- e inteligente. Soldado otomano na época de Mahmud
ciais, assim como do ponto de vista administrativo e, 11, seguiu para o Egito ocupado por Napoleão, nos
até mesmo, espiritual, não se deve desconsiderar o fins do século XVIII, organizou um poderoso exército,
poder da ortodoxia quanto à religião, daí a sua divi- destruiu os mamelucos (casta militar dirigente) e no-
são interna entre fiéis e infiéis, a tendência à exal- meado paxá daquela província do Império realizou
tação religiosa exacerbada e a explosões súbitas de uma imensa obra administrativa. A tal ponto forta-
protesto econômico e social, sob a capa da religião e leceu seu poderio, auxiliado pelas qualidades mili-
da sua pureza. tares de seu filho Ibrahim, que cedo passou a cons-
No século XIX, as convulsões que assolavam o tituir uma ameaça à segurança e à integridade do
Império Otomano refletiram-se, como é natural, no próprio Império Otomano. As guerras empreendidas
mundo árabe. A Mesopotâmia, a Síria, a Palestina por Mohamed Ali e por seu filho levaram os exércitos
eram províncias nas quais a dominação turca se exer- egípcios a todos os recantos da Ásia onde era o árabe
cia mais efetivamente nas cidades. A Arábia persistia falado. Além do Sudão (Dar el-Sudã, país dos ne-
no seu isolamento, dominada por xeques, emires e gros, ao sul), conquistou a Grande Síria e pacificou
sultões. O xerife de Meca era um representante di- os wahabitas na Arábia insurrecta, fato este. que
reto do Califa (sultão otornano) e sua autoridade se merece ser destacado.
34
Maria Yedda Linhares
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 35

Pelo final do século XVII, nascia no Nedj, Mo-


tente para ressurgir um século depois na própria
hamed Ibn Abdal-wahhab, da tribo de Tamim, o
Arábia, ainda sob a chefia de um membro da família
qual após estudar teologia e jurisprudência nas esco-
saudita.
las do Oriente, tratou de angariar discípulos com o Quanto a Mohamed Ali, o Grande, viu-se for-
objetivo "de restaurar a pureza original da doutrina e çado a abrir mão de seus desígnios, ou seja, o de criar
da vida islâmicas" (D:- Brockelmann, Histoire des um Reino Árabe. A intervenção da Europa foi deci-
Peuples et des États Islamiques , p. 296). O movi- siva no caso. A campanha do Sudão, com a fundação
mento por ele pregado tinha semelhança com o da de Cartum em 1822, tinha por objetivo controlar o
Reforma de Lutero no século XVI. Repudiava a
curso superior do Nilo e suas caravanas, bem como o
veneração do Profeta e dos outros santos, o luxo,
tráfico de escravos, o que certamente desagradou à
as ornamentações suntuosas nos túmulos e mesqui-
política inglesa. Na campanha da Síria (1831-32),
tas, o uso do tabaco, pregando, enfim, o retorno à
ficou patente a sua superioridade sobre os otomanos.
frugalidade e à fé tradicional. Imprimiu grande entu-
Tanto russos quanto ingleses temiam a constituição
siasmo às suas pregações e despertou em seus adep-
de um Estado forte naquelas paragens. Por uma
tos a chama do ardor belicoso há tanto tempo desa-
segunda vez, as tropas egípcias ameaçaram Constan-
parecido. Assim, foi convertido à nova seita refor-
mada - o wahabismo - Mohamed Ibn Saud, emir tinopla(1839-40), provocando então uma crise inter-
nacional na qual a França tomou posição pelo Egito.
do Nedj, que encetou a "guerra santa" com o fito de
Ao final, Mohamed Ali retira suas tropas de ocu-
organizar um império árabe purificado. Após sua
pação da Arábia, abre mão de suas pretensões sobre
morte, ocorrida em 1757, seus descendentes prosse-
Constantinopla, obtendo em troca o direito de here-
guiram a obra iniciada. Decorrido meio século, não ditariedade sobre o Egito que continuará dentro do
apenas era forte o domínio do wahabismo entre as Império, mas com um estatuto especial.
tribos beduínas do deserto, como em todo o Hedjaz, Enfraquecido mas assegurando o poder à sua
de onde foram os otomanos expulsos, daí advindo a dinastia, deu continuidade à obra de modernização
ocupação de Meca e Medina. Na marcha para o do país, no que foi apoiado pela França. As reformas
norte, os wahabitas apoderaram-se da Palestina e que introduziu, como as de um "déspota ilustrado",
cercaram Damasco. abrangem a administração financeira, altamente
A Mohamed Ali coube enfrentar o wahabismo,
centralizada e dirigida, as atividades econômicas,
através de várias campanhas militares, no que foi contrariamente ao regime das Capitulações vigorante
bem sucedido. Apesar da repressão que se seguiu à
(privilégios assegurados aos estrangeiros) e os novos
vitória (1811-1812), o wahabismo permaneceu la-
acordos assinados en'tte o Império e as Potências
36 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 37

(livre comércio nos territ6rios otomanos), instituindo mente tuteladas pelo Estado personificado na dinas-
o monopólio da sua dinastia sobre a terra, criando as tia que se criava, contribuíram para o despertar de
fazendas do Estado cuja exploração é confiada a uma consciência nacional.
camponeses, introduzindo a cultura intensiva do al- Ressalte-se, ainda, o fato de que por onde passa-
godão de fibra longa, promovendo o desenvolvimento vam os exércitos de lbrahim, escolas eram criadas,
das manufaturas. Suas'reformas levaram ao desapa- surgiam jornais, propagava-se o ensino do árabe;
recimento das antigas fortunas agrárias e da aristo- dando origem a um verdadeiro renascimento literá-
cracia dos mamelucos. Favoreceu de maneira extra- rio, sementes de um nacionalismo que frutificaria. A
ordinária o desenvolvimento do ensino, a expansão partir da segunda metade do século, organizam-se
de escolas técnicas, a ida de bolsistas para a Europa, sociedades na Síria que provocam levantes contra a
permitindo, assim, a formação de uma intelectuali- dominação otomana e, no Egito, foi importante a
dade moderna e instruída. Mas do ponto de vista revolta de Orabi Paxá de Alexandria (1882) contra a
social, pouco mudaram as condições de vida dos seus intervenção anglo-francesa nos neg6cios internos do
então cerca de três milhões de habitantes. No topo país, principalmente na organização do exército e
da pirâmide social encontravam-se os ulemás, elite contra a fraqueza de Tewfik Paxá posto no trono
religiosa e intelectual, distanciada do governo, a pelos ingleses. Nas raizes do nacionalismo egípcio
seguir os proprietários, os comerciantes, os artesãos expresso na revolta de Orabi Paxá encontra-se a
e, abaixo de todos, os camponeses (os felás) que humilhação com a bancarrota egípcia em face de
compreendiam cerca de 9/10 da nação, miseráveis, seu endividamente externo, com o controle inglês
sujeitos ao trabalho forçado, quando recrutados, sem sobre sua alfândega, bem como a perda do controle
direitos. Outra de suas medidas foi a sedentarização financeiro sobre o Canal de Suez, com a compra das
dos beduínos que formavam, até então, um grupo ações do governo egípcio pelo governo inglês, e, final-
isolado e aguerrido no deserto. Muitas das institui- mente, a própria ocupação do Egito pela Inglaterra
ções tradicionais, como a família, não foram toca- em 1882. A sucessão de Mohamed Ali (1847-1882)
das. No entanto, o primeiro passo estava dado no fora marcada pela continuação da política de moder-
sentido de abalar o velho edifício muçulmano. Se, nização do país: obras públicas, estradas de ferro,
por um lado, a destruição de antigos grupos diri- serviços postais, irrigação, abertura do Suez, reforma
gentes não encontrou resposta no surgimento ime- agrária com a instauração da propriedade privada
diato de uma burguesia local urbana, industrial ou sobre a terra, originando o surgimento de uma nova
comerciante, por outro, é forçoso reconhecer que as classe de grandes proprietários de terra vinculada ao
reformas encetadas, mesmo precárias e demasiada- setor financeiro e industrial, nacionalização dos pos-
38 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 39

tos superiores do exército, etc. Tal modernização desenvolver seus próprios recursos, nada mais é do
mudou a face do país e colocou o Egito como o pri- que uma reserva do capitalismo britânico. Sua popu-
meiro dos países árabes, aquele que aspiraria uma lação crescia em ritmo acelerado e eram nulas as suas
liderança nos movimentos contra a dominação es- possibilidades de vencer as condições de miséria,
trangeira. cada vez mais acentuadas.
Outro fato também contribuiu para acirrar a Na Síria e no Líbano (do hebraico Leban, bran-
hostilidade latente da população contra o ocupante e co, província turca criada em 1861) foi particular-
a perda da independência. Foi a perda da província mente notável o movimento intelectual durante a
meridional, o Sudão, em decorrência de uma r-evolta administração de Ibrahim Paxá que favoreceu a
local de cunho religioso e que não pôde ser debelada abertura de escolas americanas e francesas. Tipogra-
de início pelos' egípcios (1881)- A reconquista foi fias foram instaladas em Beirute. Em 1866, já se
empreendida em 1898 sob o comando inglês de inaugurava o Colégio Protestante Sírio que se trans-
Kitchener, com o auxílio de tropas egípcias, e, em formaria na Universidade Americana de Beirute.
1899, assinou-se uma convenção que estabeleceu o Também os jesuítas aí fundaram a Universidade de
condomínio anglo-egípcio sobre o Sudão. De fato, São José. Em breve, alemães, russos, ingleses e fran-
a ocupação do país caberia à Inglaterra, sendo que o ceses abriam escolas e acolhiam entre seus alunos
governador geral do Sudão seria, daí por diante, o tanto muçulmanos quanto cristãos, distinguindo-se
Sirdar (comandante-em-chefe) do exército egípcio, as francesas pela qualidade do ensino ministrado e
sendo apenas nominal a parte que cabia ao Egito na pela extraordinária difusão da língua e da cultura
administração do condomínio. A extinção desse re- francesas. No entanto, coube à Universidade Ameri-
gime continuou sendo nas décadas seguintes uma das cana de Beirute um papel mais importante no renas-
principais reivindicações do nacionalismo egípcio. cimento da língua árabe, ao acolher alunos de todo o
Do ponto de vista econômico, acentua-se a ten- Oriente Próximo, favorecendo a redescoberta do seu
dência monocultora da economia egípcia, .desta- passado e das suas tradições clássicas, o que foi fun-
cando-se o algodão como seu principal produto. damental no despertar de uma consciência nacional.
Crescem os investimentos estrangeiros no país (servi- Nesse final do século XIX, o nacionalismo árabe
ços públicos, bancos, indústrias de consumo). Em apresenta duas perspectivas: 1) o renascimento pro-
1890, são extintas as corporações e se libera a mão- movido pelos cristãos libaneses manifesta-se como
de-obra para o mercado de trabalho. A concorrência um movimento cultural; em 1880, organizava-se em
estrangeira acelera a morte do artesanato local. Ao Beirute uma sociedade nacionalista, antiotomana,
ter início o século XX, o Egito, s~m perspectivas de que reunia cristãos, muçulmanos e drusos exigindo o
Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 41
40

árabe como língua oficial, a liberdade de expressão e formação francesa, representava uma ala de es-
a autonomia para a Síria e o Líbano; perseguições querda liberal e ocidentalizante e, no sentido conser-
movidas pela policia otomana levaram à dissolução vador, destacava-se a atuação do Partido da Nação
da sociedade e à fuga de seus líderes para o Egito; (hizb al-Umma), antiotomano, por excelência, favo-
2) o nacionalismo que emergiu no Egito, na mesma rável a uma colaboração com os ingleses, tendo à
época, tinha um cunho religioso acentuado e assumia frente grupos sírios e a figura de Saad Zaghlul que,
o caráter de um movimento pan-islâmico, sob a dire- mais tarde, constituirá o Wafd. Associando-se aos
ção de Jamalud-Din al-Afghani, sem a inclusão de grupos herdeiros da organização nacionalista radical
cristãos e com características chauvinistas. que restaram após a morte de Mustafá Kemal (1908),
No renascimento da língua e da cultura árabes, tornaram-se militantes eficientes a partir de 1913
foi, em todos os sentidos, incomensurável a contri- numa espécie de frente nacionalista. Por outro lado,
buição da intelectualidade libanesa, sui generis na no Império Otomano, o movimento Jovem Turco
sua composição étnica e diversificada do ponto de (1908) restaurava a constituição (suspensa em 1876)
vista religioso (maronitas, gregos orientais e católi- e decretava a igualdade de todos os povos dentro do
cos, muçulmanos, drusos, metualis). Uma vez no Império, sendo oferecida aos árabes participação no
Egito, coube-lhe editar os primeiros jornais e revistas governo e no parlamento. Um desses deputados em
do país e exercer uma influência intelectual consi- Constantinopla foi Abdala, da família hachemita do
. derável no restante do mundo árabe. favorecendo Hedjaz e que se tornaria depois rei da Jordânia. Mas
a preservação da língua clássica e, ao mesmo tempo, foi de curta duração o idílio turco-árabe e não tar-
modernizando-a segundo as exigências de novos con- daram a surgir sociedades secretas árabes de cunho
ceitos e de novas idéias trazidas pela ciência e pela antiotornano, inclusive entre a oficialidade árabe do
tecnologia do Ocidente. Por outro lado, foi também exército turco. Também nelas foi decisiva a parti-
notável a contribuição dos libaneses que emigraram cipação dos grupos sírios e sua influência tendia a
para o continente americano, provocando o que espalhar-se pela Mesopotâmia(Bagdá) e pelo Hedjaz,
Edward Atiyah (The Arabs, Penguin Books, Edin- que acolhia anualmente centenas de milhares de
burgo, 1955) classificou de "terceira·corrente de pen- peregrinos, apesar das dificuldades de comunicação.
samento árabe, revitalizado por influências ociden- O projeto de construção de uma estrada de ferro
ligando Damasco a Medina, com objetivos militares
tais" . (melhor assegurar o controle otomano da região) ser-
Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, multi-
plicavam-se as organizações nacionalistas árabes. No viu, contraditoriamente, para unir os contestatários e
Egito, líderes como Mustafá Kemal, jornalista de facilitar a luta contra o otomano quando, finalmente,
42 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 43

estourou a Revolta Árabe, em 1916. Nessa conjun- . talha e pela destruição que acarretou, ela exigiu um
tura de pré-guerra, coube a Hussein, xerife de Meca, considerável aumento do poder do Estado em todas
descendente da família do Profeta (os hachemitas), as esferas de atividade, tanto econômica quanto so-
antiotomano (fora exilado "forçado" em Constanti- cial. Em terceiro lugar, a entrada em cena dos Es-
nopla durante dezesseis anos, libertado em 1908) tados Unidos no conflito e a eclosão da Revolução
a tarefa de desenvolver uma política de unificação do Russa, ao longo de 1917, foram fatores decisivos na
.,
i
Hedjaz, beneficiando-se, inclusive, do fato de ser o alteração fundamental do panorama internacional e
"
guardião dos lugares santos. Os acontecimentos liga- na configuração do mundo de pós-guerra. No Oriente
dos à Primeira Guerra estarão estreitamente relacio- Próximo, suas conseqüências foram particularmente
nados com os fatos acima resumidos, bem como com notáveis. O complexo sistema de alianças militares
a rivalidade latente entre as duas "casas" reinantes: que caracterizara a política dos Estados europeus no
os sauditas no Nedj e os hachemitas no Hedjaz. Per- período imediatamente anterior a 1914, fizera com
meando toda essa complexa rede de relações, a polí- que a Turquia, envolvida pela diplomacia alemã do
tica imperialista das potências européias represen- Kaiser Guilherme lI, se alinhasse com os Impérios
tava um fator fundamental de discórdias e desaven- Centrais (Alemanha e Ãustria-Hungria) e entrasse
ças internas, alianças, corrupção e perpetuação dos em guerra (29 de outubro) contra os países aliados,
mecanismos de dominação social, econômica e reli- Grã-Bretanha, França e Rússia. Ao terminar o con-
giosa, em detrimento dos segmentos mais pobres da flito, em 1918, emergiam os Estados Unidos como
população. grande potência, credora da Europa, e desapareciam
as grandes monarquias européias, os Romanovs, da
Rússia, com o surgimento do primeiro país socialista
A Primeira Guerra Mundial da História, os Hohenzolern, da Alemanha, com a
proclamação da República de Weimar e os Habs-
A guerra de 1914-1918, resultante do aguça- burgos da Ãustría-Hungria, com a formação de Es-
mento exacerbado da rivalidade interimperialista das tados distintos resultantes do desmoronamento: Áus-
grandes potências capitalistas, por suas repercussões tria, Hungria, Tchecoslováquia, Iugoslávia. Com re-
nas áreas de dominação ou de influência européia, lação ao Império Otomano, a derrocada de 1918
assumiu proporções de conflito mundial. Em pri- deu-lhe o golpe de misericórdia: de um lado, o movi-
meiro lugar, ela teve uma duração muito superior à mento nacional turco, surgido como uma reação aos
prevista pelos estadistas e chefes militares da época. fracassos políticos e militares do Sultanato, organi-
Em segundo lugar, pela extensão dos campos de ba- zou-se em torno de Mustafá Kemal, denominado o
44 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 45

Ataturk (o pai dos turcos), e após conflitos e nego- b) na Mesopotâmia, as tropas inglesas sofrem revezes
ciações diplomáticas foi, finalmente, proclamada a importantes (fevereiro de 1916) mas, logo em se-
República turca (1923) e abolido o Califado (1924); guida, apoderam-se de Bagdá (1917) e de Mossul
de outro lado, nas regiões árabes, a situação evoluiu (1918), região petrolífera.
de forma bastante complexa em virtude da inter- Nessa conjuntura de guerra, coube à diplomacia
venção inglesa e dos choques de interesses imperia- inglesa procurar angariar a adesão das populações
.',~ listas na área . submetidas à ocupação otomana (Síria e Líbano),
,I

,i
duramente subjugadas, e também neutralizar o apelo
A Revolta Árabe e a Politica Inglesa à "guerra santa" na região, obtendo a colaboração
"
dos muçulmanos do Egito e da Arábia. Por outro
Como principais fatores da "questão árabe" que lado, minorias como os drusos e os alauítas perma-
emergirá nesse período destacam-se os seguintes: 1) a neciam recalcitrantes aos turcos e aos ingleses, gra-
política britânica de defesa das rotas do Oceano Ín- ças à posição de isolamento e refúgio que lhes era
dico; 2) a política russa de avanço para o sul em di- assegurada pelas montanhas (sul do Líbano). De-
reção à Pérsia (Irã), Afeganistão e ao Mediterrâneo frontava-se, assim, a diplomacia inglesa com o im-
oriental, incluindo o litoral do Mar Negro; 3) a polí- passe: corno obter o apoio daquelas populações, de-
tica francesa em defesa de seus "tradicionais interes- fendendo ao mesmo tempo os interesses estratégicos
ses" na região; 4) o nacionalismo árabe com suas britânicos e compatibilizando-os com as aspirações
contradições internas, ou seja, a rivalidade entre sau- árabes de independência, aspirações essas que apre-
ditas e hachemitas, a pretensão egípcia de liderança, sentavam divergências internas graves? Por outro
a multiplicidade de reivindicações das minorias na lado, interesses políticos e financeiros (corno se verá
Síria, no Líbano e no Iraque; 5) o movimento sionista adiante) levaram o governo britânico, após longas
que aspirava fundar um "lar nacional" na Palestina. controvérsias, a apoiar a reivindicação do movimento
Ao ter inicio a guerra na Europa, a Síria e a sionista de criar um lar judeu na Palestina, através
Palestina foram ocupadas pelos exércitos turco-ale- da Declaração Balfour (novembro de 1917). E corno
mães. Em seguida ao fracassado ataque turco contra que introduzindo mais um elemento de complexi-
o canal de Suez, as campanhas militares se desen- dade no tabuleiro de xadrez do Oriente Próximo,
rolaram em duas frentes: a) os ingleses dirigem suas ingleses e franceses assinaram um acordo secreto
operações em direção à Palestina (EI Arish, Gaza e (Acordo Sykes-Picot) - abril/maio de 1916 - se-
Jerusalém) e em setembro de 1918 (batalha de Sa- gundo o qual a parte árabe do Império Otomano
rona) é liberado o caminho para a ocupação da Síria; seria partilhada entre a França e a Grã-Bretanha,
46 Maria Yedda Linhares
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 47
devendo caber à primeira a Síria e o Líbano e à
segunda a Mesopotâmia (o Iraque) e a Palestina. Síria, o Líbano, a Palestina e o Iraque, uma espécie
Enquanto isso, a diplomacia inglesa no Cairo (o Alto de ressurgimento do antigo império abássida. Em-
Comissário Sir Henry Mac-Mahon) comprometia-se bora o nacionalismo sírio fosse mais avançado, ele
com o xerife de Meca, Hussein, chefe da família sofria o mal do intelectualismo, daí a superioridade
hachemita, em troca de~eu apoio militar, a reconhe- de Hussein na medida em que podia aliciar um
cer o futuro Reino Árabe que iria da Síria ao Hedjaz, grande número de tribos. Mas para o sucesso militar
.I
O desenrolar dos acontecimentos comprovou que tais dos hachemitas, era fundamental naquele momento
I engajamentos, múltiplos e conflitantes, teriam con- o suporte inglês já que se tratava de aparelhar sol-
.' seqüências desastrosas para a região e as populações dados para uma guerra moderna .
-'
há séculos aí radicadas. Ao terminar a guerra, os As negociações entre Hussein e Mac-Mahon no
,j
compromissos não foram honrados e o nacionalismo Egito (julho/191S-março/1916) desembocaram na
i
árabe assumiu novas proporções, já agora face ao concordância tácita por parte dos britânicos quanto
I problema da Palestina e da expansão do movimento às pretensões hachemitas. Hussein logo se intitulou
sionista de "regresso" dos judeus à terra de Israel. rei dos árabes e, a seguir, califa. Â revolta árabe se
Vejamos, resumidamente, alguns aspectos es- associa na memória inglesa, altamente romantizada,
senciais do problema árabe no decorrer da guerra a figura de T. E. Lawrence. Tal revolta foi impor-
mundial. A partir do momento em que a Turquia tante militarmente, ao proteger o flanco das tropas
concitou os muçulmanos à guerra santa, a revolta britânicas na Palestina e ao permitir movimentos
dos árabes, em desobediência ao Califa, seria um diversionistas do exército turco. Por outro lado, a
trunfo para a Inglaterra. O prestígio de Hussein e adesão hachemita serviu para contrabalançar a pro-
seus filhos Abdala e Fayçal era considerável, não paganda germânica nos países islâmicos. No entanto,
apenas como família dominante do Hedjaz como essa atuação militar foi minimizada pela Inglaterra
pelos contactos já existentes entre eles e os naciona- e, em muitos casos, escamoteada pelas autoridades
listas da Síria e do Iraque (Bagdá). Estavam conven- indianas, assim como pela imposição política no que
cidos de que a independência árabe só se faria fora franceses e sionistas concordavam, de negacear a
dos quadros do Império Otomano. Dessa forma, a sua concessão de independência pleiteada pelos nacio-
participação militar na guerra era fundamental a nalistas árabes, em 1918. Quanto ao que se poderia
essa estratégia nacionalista. Pensavam na constitui- chamar de "oportunismo diabólico" da política in-
ção de um Estado árabe, a Grande Síria, a leste do glesa e de suas manobras imperialistas, houve, sem
Suez de modo a abranger a península arábica, a dúvida, e em alta dose, uma absurda e irresponsável
autonomia de decisões, sem coordenação, entre os
,Oriente Médio e o Mundo dos Arabes 49
48 Maria Yedda Linhares

três órgãos oficiais do governo imperial britânico no do exército inglês, com destacamentos franceses,
tocante ao Oriente Médio, durante a guerra: o pró- sobre toda a região. O terceiro obstáculo foi a "inter-
prio Foreign Office (Ministério das Relações Exterio- nacionalização" da questão, ou seja, a sorte do
res), o Arab Bureau do Cairo (Departamento Árabe) mundo árabe, assim como () contorno do seu mapa
e o Governo Imperial da Índia, cada qual com dire- político ficaram entregues à parlamentação nas chan-
trizes particulares e algumas vezes rivais. celarias européias (dos países interessados) e em
, torno das mesas que decidiriam sobre os acordos de
:~ O que importa assinalar é que Fayçal fez sua
entrada triunfal em Damasco, em I? de outubro de paz. Em vão, Fayçal tentou obter junto aos gabinetes
l de Londres e Paris o reconhecimento de suas pre-
1918, ao lado das tropas inglesas. De lá, enviou um
"
representante a Beirute onde fez hastear a bandeira tensões (ou de seus "direitos"). No Hedjaz, Hussein,
,"
hachemita. Parecia o início do Reino Árabe. No en- após render a guarnição turca de Medina, não aban-
,J
tanto, vários foram os obstáculos com os quais Fayçal donou o seu título de rei e, em Damasco, Fayçal se
"
se defrontou. Primeiramente, as pretensões francesas fez proclamar rei da Síria pelo congresso geral sírio.
) cujos "direitos" históricos teriam sido confirmados Mas, apenas decorrido um mês, a Conferência de
f
pelo já mencionado acordo Sykes-Picot, e cujos inte- San Remo (1920) decidiu: 1) partir geograficamente
resses econômicos, além de culturais, estavam bem a Síria em três: uma Síria reduzida (Damasco,
plantados desde os tempos da política de Mohamed Homs, Hama, Alepo e seu hinterlandt, a Palestina e
.Ali (investimentos em transportes, portos, obras pú- o Líbano, ficando o Líbano sob a administração di-
blicas, escolas, bancos). Pelo acordo anglo-francês, reta da França, a Síria sob mandato francês, consti-
caberiam à França, como administração direta, o tuindo um Estado árabe (capital Damasco); 2) a
Líbano, a região alauíta, Alexandreta, a Cilícia, Ma- Inglaterra ficaria com o mandato sobre a Palestina,
rache, Diarbekir e Mardine. À Inglaterra competiria com a obrigação de ai estabelecer o lar nacional
administrar a baixa Mesopotâmia, inclusive Bagdá. judeu prometido na Declaração Balfour e teria um
Seriam reservados à constituição de estados árabes, mandato sobre o Iraque, inclusive a região de Mos-
a Síria, a região de Mossul, a média Mesopotâmia e a sul. Lembre-se, ainda, que um dos princípios que
região compreendida entre o Eufrates, a Palestina e o deveriam reger a reorganização da paz era o da auto-
Sinai. Mas a maior parte da Palestina, em virtude determinação dos povos.
dos lugares santos, deveria ficar sob uma adminis- Não é difícil compreender a frustração dos na-
tração internacional e com a participação do xerife cionalistas árabes, sobretudo dos membros hache-
de Meca. O segundo obstáculo concreto à constitui- mitas. Fayçal foi expulso de Damasco pelas tropas
ção do sonho árabe hachemita foi a presença maciça francesas e, como Jacó, em vez da tão sonhada Síria,
50 Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 51
Maria Yedda Linhares

receberia o Iraque em recompensa, sob mandato


britânico da Sociedade das Nações. Desse momento
em diante, continuará ora latente, ora aberto, o con-
flito entre ingleses, franceses, sionistas e árabes da
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Síria, do Líbano, do Iraque e da Palestina. Quanto à ai Vi
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,
, Jordânia, que foi destacada da Palestina pelo Colo-
nialOlfice sob a direção de Winston Churchill, em
1922, para constituir a Transjordânia (a leste do rio
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Jordão), na qualidade de mandato britânico, foi ela ~

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do Nedj, do Hedjaz e dependências. Quanto a Hus- .<{

sein, nada mais lhe restou do que abdicar, em nome


de seu filho Ali, e fugir para Chipre, Autocrata, de-
52 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 53

fensor da pureza da fé islamita, Ibn Saud governou A Sociedade das Nações criada pelo tratado de
com mão de ferro os seus beduínos, de forma obscu- Versalhes estabelecera um estatuto jurídico especial
rantista e retrógrada. A rivalidade que persistira (os mandatos), com a duração de vinte e cinco anos,
entre sauditas e hachemitas do Iraque e da Jordânia aos diversos nacionalismos emergentes no Oriente
será mais um fator de desunião do mundo árabe. Na Próximo. Caberia aos mandatários, como tutores,
península, pouco mais restava, a partir da unificação "preparar" esses países para a independência. O
saudita: o Iêmen, também governado teocratica- panorama internacional que antecede a Segunda
:~. mente, isolado do Ocidente, a colônia britânica de Guerra Mundial (1939-1945) será conturbado pelas
): Aden, Koweit, Bahrein, Qatar, pequenos sultanatos reivindicações nacionais desses povos, cabendo à In-
."
1" que mal se apercebiam das mudanças que se opera- glaterra desempenhar um papel importante na re-
vam no outro lado do mundo árabe. Acontecimentos gião num complexo jogo de poder do qual ela saiu
posteriores iriam também influir sobre os seus des- como grande perdedora.
"
i' tinos, nos quais a ideologia nacionalista, acionada
contra a constituição do Estado de Israel, o petróleo,
,1 ; o problema das minorias nacionais
r
com seu imenso poder corruptor e a política ame-
ricana viriam a ser fatores decisivos de mudança da À guisa de ilustração, vejamos dois desses nacio-
Arábia dos beduínos. nalismos: o drnzo e o curdo. O povo druzo representa
uma minoria sui generis, De língua árabe, muçul-
mano heterodoxo (remanescente do ismaelismo),
constitui, hoje, uma população superior a 200 000
Os movimentos nacionais pessoas que vivem entre o sul do Líbano, a região
montanhosa Hauran, ao sul da Síria e a Galiléia,
Os países árabes que emergiram da débãcle oto- no norte do Estado de Israel atual. Sua seita religiosa
mana defrontavam-se, sem exceção, com problemas data do século X e é considerada herética pelos mu-
graves; entre e1es situavam-se as relações com os çulmanos. Até por volta de 1860, viveram pacifica-
países mandatários, a Inglaterra e a França, e, ain- mente com os maronitas (católicosdo Líbano), quan-
da, a questão das minorias "nacionais" no interior do se voltaram com violência contra as aldeias cris-
dos novos Estados. Como corolário, o problema da tãs. Os franceses, defensores por tradição do cristia-
Palestina aparecia como o pivô dos desentendimen- nismo na região, pediram a intervenção otomana e,
tos, dividindo em campos. opostos e irreconciliáveis o a partir desse momento, foram os druzos alvo da
nacionalismo árabe e o nacionalismo judeu. severa repressão turca. Daí a sua hostilidade aos oto-
Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 55
54

manos e a sua simpatia para com a insurreição árabe avanços, tréguas e recuos, num estado permanente
de 1916-1918. Em 1925, promoveram um levante de guerra civil, em que o petróleo de Kirkuk se
contra a ocupação francesa que queria forçar a sepa- introduziu como mais um fator de agravamento da
ração do Djebel Druzo (região montanhosa do Hau- situação, os curdos obtiveram (1970) o reconheci-
ran) da Síria, e ganharam notoriedade como imba- mento de um estatuto autônomo nos quadros da
tíveis na resistência civ..il.Com o fim do mandato República do Iraque. No entanto, a nação curda
francês, os druzos obtiveram direito de representação permanece "irredenta" numa região extremamente
.'
)
autônoma tanto no Líbano quanto na Síria. Quanto conturbada por uma conjuntura internacional instá-
vel, destacando-se ai a atuação do Irã (de instiga-
.- ' ao Estado de Israel, foram os druzos da Palestina os
'" dora) e a política dos grupos vinculados aos interes-
únicos árabes a ter reconhecidos os seus direitos de
plena cidadania, o que, certamente, não lhes facilita ses petrolíferos do Iraque.
.~'. " o trânsito entre os outros palestinos.
r
Quanto aos curdos, o problema é mais com- o problema dos mandatos
,) ;t plexo. Geograficamente, .estão localizados, desde
r ~ tempos remotos, na região montanhosa entre a Ar- O mandato inglês sobre o Iraque terminou for-
, malmente em 1930. Dois anos depois, o Iraque in-
mênia e a Mesopotâmia, penetrando no Irã através
dos montes Zagros. Pela língua, são indo-europeus e, gressava na Sociedade das Nações, não sem antes
I, pela religião, são majoritariamente muçulmanos su- assinar um tratado de aliança permanente com a
nitas, incluindo minorias cristãs (os assírios), Prati- Inglaterra, prova de sua fidelidade à causa britânica
cam a agricultura e o pastoreio e sempre se distin- e de infidelidade à causa do povo árabe. Sua posição
guiram como valentes guerreiros, ciosos de sua inde- no conjunto dos interesses ingleses continuava funda-
pendência. Existem, hoje, em tomo de dez milhões mental na região, sendo apenas sobrepujada pela do
de curdos, espalhados pela Turquia, o Iraque, o Irã, Egito. Além do mais, foi ele o primeiro pais do
a Síria e a URSS. Sua hist6ria, sobretudo, a partir da Oriente Médio a se apresentar como produtor de
guerra de 1914-1918, foi marcada por revoltas e in- petróleo. A presença britânica e sua ascendência
surreições sangrentas contra seus diferentes domina- sobre os hachemitas conseguiu paralisar o naciona-
dores, principalmente os turcos e os iranianos. Quan- lismo iraquiano, na medida em que jogava, como
to aos curdos do Iraque, uniram-se ingleses e hache- peças de xadrez, com a minoria curda (que constituía
mitas no sentido de impedir a constituição de um um quinto da população total) contra a maioria nô-
Curdistão íraquiano. A sua hist6ria mais recente não made e esta contra as burguesias que emergiam nos
tem sido mais tranqüila e, apôs guerras sucessivas, centros urbanos. (A. Razak Abdel-Kader, Le monde
56 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 57

arabe à Ia veille d'un toumant ; Paris, Maspero, modus vivendi em 1930 (pacto entre Fayçal e Ibn
1966, pp. 44-46.) A insurreição que estourou em Saud); contra a Turquia, tratava-se de assegurar a
1922 contra a presença inglesa resultou, de fato, na anexação de Mossul ao Iraque; contra a França,
instauração de uma monarquia árabe fantoche, ten- tratava-se de apoiar os druzos e suas pretensões na
do à frente o hachemita Fayçal, frustrado no seu Síria; e, ainda, como que revivendo o projeto da
sonho de uma Grande.Síria, Foi ele não apenas im- Grande Síria., recriar a unidade árabe do Crescente
posto pela Inglaterra, tendo como seu chefe militar Fértil (Iraque , Síria, Líbano, Palestina e Transjor-
;~ dânia). O tratado anglo-iraquiano de 1930 reconhe-
um herdeiro de Lawrence, antigo oficial turco deser-
i
, tor,-Nuri EI Said, como levou o país sobre o qual se cia à Inglaterra o direito de participar "em todas as
l.
instalava a ser um mero joguete da política inglesa. questões de política exterior" do país, cabendo ao
Do ponto de vista étnico e religioso, não é um país Iraque fornecer "todas as facilidades para a utili-
:- :. homogêneo: ao norte, os curdos sunitas, no centro e zação das estradas de ferro, dos rios, portos, campos
t.
ao sul, árabes mesclados de iranianos chiitas. A agri- de aviação e meios de transportes", e, como garan-
h cultura nas suas planíceis de aluvião permitira na tia, era a Inglaterra autorizada a ocupar militar-
ti Antiguidade alimentar possivelmente dez milhões mente alguns aeroportos. Por essa época, a revolta
, de pessoas. Em 1920, era insuficiente para suprir as
necessidades elementares de seus, aproximadamente,
dos assírios de Mossul (minoria cristã) foi cruelmente
reprimida, daí a fuga de seus líderes, em grande nú-
I~ dois ou três milhões. Suas estruturas sociais se carac- mero, para a Síria, engrossando as fileiras das mino-
terizavam pelos extremos desníveis entre as grandes rias religiosas em luta pelo respeito à autonomia.
famílias de chefes teocráticos, senhores da terra e A morte de Fayçal (1933) abriu um período de
detentores do poder, e a grande massa dos deser- convulsões internas no país, entre nacionalistas e
dados. No entanto, o petróleo de Mossul-Kirkuk pró-britânicos. No momento em que se iniciou a
começava a alterar a face do país. Da mesma forma, guerra na Europa, era majoritária no governo a ten-
o desenvolvimento de serviços públicos, a abertura de dência britânica e o Iraque, proclamando neutrali-
estradas, o aumento de intercâmbio comercial favo- dade face ao conflito, rompeu relações diplomáticas
receram um certo florescimento urbano e o desenvol- com a Alemanha nazista.
vimento de uma intelectualidade nacionalista, mas Com relação à Transjordânia, permaneceu sem-
sem penetração popular. A diplomacia anglo-hache- pre o mais fiel dos aliados britânicos. "Nada a dis-
mita foi complexa: com os sauditas da Arábia, rivais tingue dos países vizinhos", a mesma estepe, as mes-
de tradição, tratava-se também de regulamentar os mas tribos, afirma um autor. (Pierre Keller, La
direitos de passagem das caravanas, até chegar a um Question Arabe, Paris, PUF, 1948, pp. 63 e ss.)
58 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 59

Os limites de seu território de 65 000 km 2 e menos de comunidades israelitas da Rússia para várias partes
3()()OOO habitantes, no seu nascedouro e na sua maio- do mundo e também para a Palestina sob domínio
ria nômades, sem indústria e sem agricultura, eram turco. O anti-semitismo feroz que caracterizou o final
meramente arbitrários. Sua única "riqueza" era a, do século XIX, fenômeno esse que não era exclusi-
pequena pecuária e algum potássio na região do Mar vamente russo, mas se estendia ao conjunto da Eu-
Morto. Sua criação só encontra justificativa nos inte- ropa, motivou o jornalista austríaco Theodor Herz1 a
"
resses imperiais britânicos do pós-guerra. Sem finan- desenvolver a idéia do Estado Judeu (Der Juden-
),
" ças e sem exército, sua receita foi um dom inglês e staat), exprimindo o desejo da Sociedade dos Amigos
I.

I-
sua defesa caberia à Legião Árabe também de cria- de Sion de encontrar um refúgio para os judeus
-; ção' e direção inglesas. A situação de seu emir, o contra as perseguições que os afligiam de forma inu-
I' hachemita Abdala, nem sempre foi fácil face aos mana. Em 1897, reuniu-se, então, em Basiléia, o pri-
"

t,
chefes das tribos locais e à sua docilidade com rela- meiro congresso do sionismo. Tratava-se já aí de
I. ção à Inglaterra. Por outro lado, suas aperturas fi- pleitear um "lar nacional" judeu e não apenas um
)~ nanceiras levaram-no, em 1933, a alugar aos sionis- refúgio; tal lar só poderia ser na terra de seus ances-
II tas parte de suas terras pessoais, o que provocou trais. A imigração na Palestina, embora proibida
I.
violentos protestos tanto dos seus concidadãos quan- pelos turcos, foi contínua nos anos anteriores a 1914
t: to dos britânicos. A Transjordânia só terá a sua inde- de modo que, ao ter início o conflito na Europa, já se
pendência reconhecida em 1946, com o término do encontravam aí instalados SÜOOO judeus. Com o de-
mandato britânico e a proclamação do Reino Hache- senrolar da guerra, Londres passou a ser a capital do
mita da Jordânia em 1949. Em 1951, acusado de trai- sionismo, onde pontificava a personalidade do emi-
ção, o rei Abdala foi assassinado em Jerusalém e daí nente cientista Chaim Weizmann, com grande pene-
por diante a sua história muda de rumo, em grande tração nos meios políticos britânicos, contando sem-
parte pela substituição do protetorado inglês pelo pre com o apoio eficaz do império financeiro do
americano, quando novas correntes passam a atuar barão de Rothschild. Outro fator que explica, na-
nos destinos do Oriente Médio. quela conjuntura de guerra, a simpatia do governo
O mais complexo, porém, dos mandatos ingle- inglês à causa sionista, foi o fato de que a grande
ses foi o da Palestina. O movimento sionista, nascido maioria dos judeus residentes, não apenas na Pales-
em 1880, na Europa central, ganhou vulto em vir- tina como também nos Estados Unidos, era de ori-
tude dos terríveis massacres de populações judias gem alemã, daí a necessidade de angariar a sua
(pogroms) no império tzarista, o que motivou a emi- adesão à causa da Inglaterra em guerra contra os
gração de centenas de milhares de membros das impérios alemão e austro-húngaro. Por outro lado,
60
58 Maria Yedda Linhareshriente Médio e o Mundo dos Árabes 61
r- as reticências partiam de judeus integrados a outras
Os nações, como a inglesa, e que temiam perder os seus lar nacional nessa região, embora com uma impor-
30 direitos de cidadania naqueles países. Foi o caso, por tante ressalva: a de que tal criação fosse subordinada
ria exemplo, de Edwin Montague, membro do Gabinete à do Reino Árabe (janeiro de 1919). Até aquela data
rm britânico, judeu e cidadão britânico radicado. E, judeus, árabes, druzos pareciam conviver em paz.
pe ainda, a ansiedade expressa por aqueles, como lord Nada indicava, pelo menos nos primeiros anos da
,
,',
M Curzon, com relação à sorte das populações árabes, instalação dos judeus europeus na Palestina, que o
:1, re ódio racial iria tomar o lugar da cooperação alme-
por sua vez radicadas por muitos séculos na própria
,I: ç~ Palestina. Nessas condições, as negociações que cul- jada por muitos. Para alguns analistas, como Abdel-
,',
,', St
minaram com a Declaração Balfour, já anterior- Kader, a imigração judia numa região pobre e pouco
ç~ povoada poderia abrir o caminho para o desenvol-
'""
mente mencionada, foram lentas e complexas. Sua
:1: h: vimento econômico e social dificilmente atingido com
forma final refletia, na realidade, uma fórmula de
,',
c! compromisso bastante ambíguo: a continuação do domínio de emires retrógrados e
-, çi exploradores de seu próprio povo. Nessa perspectiva,
)1 fi
"O Governo de Sua Majestade encara com sim- a imigração judia poderia trazer o progresso e servir
I
t. de modelo para a transformação do Oriente Pró-
patia o estabelecimento na Palestina de um lar
v ximo. De fato, nos primeiros anos, a compra de terra
nacional judeu e envidará seus melhores esfor-
t por judeus (terras incultas e não rentáveis) era favo-
ços para facilitar a realização desse objetivo, fi-
I cando claramente entendido que nada será feito recida pelos próprios árabes, sobretudo pelos mag-
I
que possa prejudicar os direitos civis e religiosos natas locais que viam nisso um "negócio" rendoso,
até a proibição dessas aquisições pela administração
,
I
das comunidades não-judaicas na Palestina nem
os direitos e o estatuto político dos judeus em inglesa, "em nome da defesa dos interesses de seus
qualquer outro país". administrados", e, assim mesmo, somente nos anos
30, quando se tornou mais intenso o movimento de
A Declaração Balfour, associada aos acordos imigração de judeus na Palestina, em virtude das
Sykes-Picot, foi reconhecida pela Sociedade das Na- insuportáveis perseguições nazistas às comunidades
ções, que entregou a Palestina à Inglaterra na forma israelitas na Europa (150000 refugiados entre 1933
de mandato. De início, não houve protestos árabes. e 1936).
Pelo contrário, salvo Hussein, todos acharam compa- Os anos que se estenderam até o final da Se-
tível a presença de judeus e árabes tia Palestina, até gunda Guerra Mundial foram marcados pela dubie-
mesmo Fayçal, que se declarou favorável à criação do dade da política inglesa, esta mesma presa nas teias
de suas próprias contradições. Daí ser ela acusada,
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 63
62 Maria Yedda Linhares

por árabes e judeus, de responsável pelos feitos e


malfeitos que marcaram a história da criação do
Estado de Israel. Trata-se de uma história muito
difícil de ser reconstituída com isenção. Os interesses
envolvidos ainda estão presentes nos conflitos que se
desenrolam até hoje, dos quais é impossível destacar
.
,l," a paixão e o tom emocional de modo a permitir uma
Mar Mediterrâneo

'-.-.
,r.:
análise serena dos fatos em questão. Tentaremos
-,
,I, reter alguns pontos que ajudem o leitor a se situar na
,', • Ama
primeira fase da questão palestina, entre as duas ....'<
I"
,~, guerras mundiais. ~
',<
r'" A administração inglesa era exercida por um C)
It'
I'
)1,
Alto Comissário; o primeiro a ser designado foi Sir ..,O
~
Herbert Samuel, ele próprio israelita, e que deveria
ser assistido por um Conselho legislativo de vinte e ;;\\\\~ "~ ~
CI.)

dois membros, dos quais doze eram eleitos. Caberia


ao Conselho designar uma comissão para tratar da
imigração judia. Por outro lado, existia um órgão
sediado em Londres, que, a partir de 1929, tomou
o nome de "agência judaica" com atribuições muito
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\:::::P~rt~ d~f':Ieg~v.::~
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amplas, entre elas a de traçar a política sionista na EGITO


\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\1 O
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área, inclusive a de canalizar os "fundos" nacionais e \\\\\>/ .... Estado Judeu

\.;:;::;:;::::;:1 • Estado Arabe


internacionais (donativos) que se destinavam à "re- Deserte do Sinal X::;::::;::::l
construção da Palestina". Boa parte desses recur- '(:::::::::::1
\.": ..•• ::J
• Regime
para Jerusalém
Internacional

sos serviu para a compra de terras (de árabes) e o ~:::::::,


desenvolvimento de planos de colonização. Nessa '~::~:~l Fronteira de Israel
O BOKm ,:::~ --- pós 1949
I I Eil~t.:. Convenções
de Armistício
fase, é indiscutível a superioridade da organização O 50 Milhas - _._ Fronteira Internacional

dos judeus. Quanto aos árabes, verifica-se que os


sentimentos declaradamente anti-sionistas se desen- o plano de partilha da Palestina (ONU). (T. G. Fraser,
volveram lentamente, de início, através de sociedades The Middle East, 1914-1979, Londres, 1980, p. XVII.)
mais ou menos secretas. Em 1923, foi ressuscitada
64 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 65

(segundo alguns, por instigação de agentes ingleses) Aviv já se constituía na capital do sionismo, com
uma antiga instituição otomana cuja função era a de 200000 habitantes naquele momento. Era inegável a
interpretar nos tribunais' civis os versetos do Corão, superioridade cultural dos judeus, com suas escolas,
função exercida pelo Mufti. De súbito, foi-lhe acres- hospitais (trezentos médicos judeus), suas instalações
centado um adjetivo, passando a ser Grande Mufti modernas que asseguravam um padrão de vida bem
da Palestina. Assim.jsurgiu um personagem, o Gran- superior ao das árabes em geral. Não há dúvida de
de Mufti Hajj Amine EI Husseini, investido de "san- que a presença dos judeus suscita entre as popu-
tidade" e com poderes especiais: o de gerir as finan- lações árabes pobres (a maioria) uma aspiração de
ças do movimento anti-sionista que se iniciava, ali- melhoria das suas condições de vida. Entre 1936 e
,I,
ciando adeptos em nome da luta religiosa de muçul- 1939, a Palestina foi palco de uma verdadeira insur-
manos contra judeus. Descendente de grandes pro- reição armada árabe (calcula-se em cerca de dois mil
:t, o número de ativistas árabes) que reivindicava a limi-
prietários fúndiârios da região que haviam vendido
~ suas terras aos judeus, Husseini dificilmente poderia tação da imigração sionista, a interdição da venda de
I"
Il merecer credibilidade numa situação política menos terras árabes aos judeus e a autodeterminação. Em
"I conturbada. No entanto, sua influência foi consi- conseqüência, o governo britânico convidou repre-
derável, sendo de notar-se a sua participação nos sentantes árabes (da Palestina, do Egito e do Iraque)
ataques às aldeias judias e no assassinato de árabes e"judeus para uma conferência em Londres (1939)
acusados de venderem terras aos sionistas, com exor- com o objetivo de encontrar uma solução para o pro-
tações supostamente patrióticas. Sobre ele pesam blema. Daí resultou o famoso White Paper de 1939
também acusações diversas e nada indica que sua segundo o qual os ingleses expressavam a decisão de
"obra" se tenha destinado realmente a defender o criar,no prazo de dez anos, um Estado palestino
pobre camponês árabe, libertando-o da opressão de independente com a participação de árabes e judeus
um sistema social discriminatório. e de limitar a 150000 o número de imigrantes judeus
A situação se agrava a partir de 1929, quando na região no prazo mencionado até a independência,
uma centena de judeus foram mortos diante do .Muro proibindo, em certas zonas, a aquisição de terras
das Lamentações. Apesar das tentativas inglesas de árabes pelos sionistas. A guerra que se iniciava na
cessar a imigração judia na Palestina, ela assumiu Europa viria trazer outros elementos à questão da
grandes proporções nos anos 30 em virtude da situa- Palestina e do sionismo.
ação internacional. Em 1939, sobre cerca de dois No tocante aos mandatos franceses (Siria e Li-
milhões de habitantes, havia 600000 judeus, um mi- bano), a situação não foi das mais tranqüilas, sendo
lhão e duzentos mil árabes e cem mil cristãos. Tel que a questão nacional se apresentava ai com maior
66 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 67

complexidade. Vimos, anteriormente, que o "renas- Líbano era reconhecido o direito de permanência por
cimento" árabe surgiu entre a intelectualidade cristã tempo indefinido de tropas francesas no território.
do Líbano, impregnada da cultura francesa. Durante Tratava-se, pois, de uma independência fictícia,
a guerra, suas populações sofrerarnduramente a mesmo porque o Parlamento francês (com a queda
"ocupação" militar otomana e talvez por esse motivo de Léon Blum) não ratificou esses tratados.
tenham acolhido, sobretudo as do Líbano, com satis- A intromissão francesa, no entanto, contribuiu
fação a chegada dos franceses (general Gouraud). para acirrar as reivindicações nacionalistas e, até
Na medida em que o nacionalismo árabe tendia a certo ponto, minimizar as rivalidades internas, em
t: ser predominantemente muçulmano, os libaneses prol da unidade. O desenvolvimento do Partido Po-
," (maronitas, uniatas, protestantes, gregos ortodoxos) pular Sírio, incluindo libaneses (cristãos) tinha por
temiam o predomínio muçulmano. A ocupação fran- objetivo unificar a Síria e o Líbano sob um nacio-
"I". nalismo sirio, diverso do nacionalismo árabe como
.. cesa, inabilmente, procurou incentivar tais sentimen-
." tos, reforçando a maioria cristã libanesa, desconsi- tal. Por outro lado, no Líbano, as suas características
I~;: derando os distritos onde os muçulmanos predomi- mais ocidentalizantes (os mais radicais negavam suas
~jll navam (no litoral, Sidon, Trípoli), com o objetivo de raízes árabes e diziam-se fenícios) são amenizadas no
construir no Líbano uma barreira contra o nacio- sentido de uma aproximação mais estreita com as
I: nalismo árabe da Síria. No caso da Síria, para abafar comunidades muçulmanas locais e em nome de uma
Ir o arabismo, dividiu o país em quatro administrações identidade "libanesa". Na Síria, a questão das mino-
diferentes e segregadas. Não tardaram os desconten- rias não era menos complexa, naquele momento:
tamentos a se manifestar, entre eles a revolta dos cerca de um milhão e meio de muçulmanos sunitas,
druzos (1925) que infligiu grandes perdas morais e alguns milhares de chiitas, de vinte a trinta mil
materiais ao ocupante francês. Pouco a pouco, os ismaelitas, uns cem mil beduínos nômades, em torno
franceses procuraram substituir a forma de adminis- de 400 ()()()cristãos, 60000 druzos, 350000 alauítas.
tração por mandato por um sistema mais flexível, Acrescente-se, ainda, o problema do Sandjak de Ale-
através da assinatura de tratados entre as partes. xandreta, habitada majoritariamente por turcos,
As negociações foram concluídas em 1936 (na Fran- além de armênios e sírios, cuja situação geográfica
ça, Governo de Frente Popular de Léon Blum) pelas é economicamente importante para Alep. Assim, no
quais era reconhecida a independência da Síria e do tocante à França e aos diferentes interesses de sírios e
Líbano, com um apêndice: uma aliança militar que libaneses, os problemas continuavam pendentes, em
dava à França a "responsabilidade" de defender clima de insurreição ora latente, ora aberta. A guerra
militarmente os dois países, sendo que no caso do da Europa e a derrota francesa (o governo Vichy)
68 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 69

terão graves repercussões nesses dois países, que fo- quia na guerra, desfez-se o último laço de suserania
ram disputados (sobretudo a Síria) por Vichy (que otomana, declarando-se o protetorado britânico.
autorizou a ocupação dos aeroportos sírios à aviação Terminada a guerra, Saad Zaglul Paxá, alegando a
alemã) e o governo francês do exílio (De Gaulle). A eficiente colaboração do país na vitória inglesa, orga-
reocupação militar pelas tropas francesas (França nizou o Wafd (em árabe, delegação) que, através
Livre) com auxílio dos ingleses não se fez sem difi- de uma vasta campanha nacionalista, ericetou a
culdades. O Líbano tornou-se um Estado oficial- campanha antiinglesa pela independência. Após lon-
mente independente (República) em 1943, o mesmo gas negociações, conseguiu sua primeira vitória com
ocorrendo com a Síria, embora ainda com a presença a assinatura do Tratado de 1922 (declaração unila-
de tropas anglo-francesas. Estas só foram evacuadas teral britânica) que pôs fim ao Protetorado, reco-
em dezembro de 1946, quando os dois Estados já nheceu a independência do Egito, embora mantendo
~:
eram membros da Organização das Nações Unidas. suas tropas de ocupação em nome da defesa do canal
t
I
de Suez, e outorgava uma participação do Egito na
administração do Sudão (o Condomínio Anglo-Egíp-
A independência do Egito (1922-1945) cio). Não terminam aí as reivindicações egípcias,
principalmente no Sudão, onde crises sucessivas e
I: "Para nossa infelicidade", dizia o camponês atentados culminaram em 1924 com o assassinato do
~. egípcio, "Alá criou o Egito no caminho inglês para as governador do Sudão e comandante das forças britâ-
1 Índias". Mas para o latifundiário e a burguesia dos nicas no Egito, Sir Lee Stack. Distingue-se ao longo
grandes negócios, a frase seria: "Para nossa felici- do período, como líder da oposição, a figura de Za-
dade, Deus nos deu o Nilo, a herança da ocupação glul Paxá. Embora houvesse um soberanoconstitu-
francesa, o algodão e a proteção inglesa". (A. Razak cional, o rei Fuad (1923), e a monarquia instaurada
Abdel-Kader,op. cit., p. 42.) Não há dúvida quanto tivesse instituições parlamentares, o regime político
à intenção do ditado, a de ver no imperialismo a se caracterizou pelo autoritarismo, o favoritismo, a
chave da explicação dos males egípcios, sobretudo na intriga e a corrupção, com sucessivas tentativas, bem
sua aliança com os grupos sociais dominantes. sucedidas, de supressão das garantias constitucionais
Como já se viu anteriormente, às vésperas da e parlamentares.
guerra de 1914-1918, eram ativas as organizações Além do Wafd, outros partidos militavam na
nacionalistas egípcias, com conteúdo antibritânico, vida política: o Partido Nacional, o pequeno Partido
de um lado, e, de outro, antiotomano, embora uni- Comunista (banido em 1924), o dos "liberais consti-
das na causa do arabismo. Com a entrada da Tur- tucionais" que congregava os grandes proprietários,
70 Maria Yedda Unhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 71

egressos do Wafd, favoráveis aos ingleses e ao despo- perigo maior. No saldo geral, a Inglaterra fez um
tismo do rei e sustentáculos dos sempre freqüentes bom negócio, pois daí em diante, e mais ainda, nos
"períodos de exceção". Dois outros partidos ultra- anos de guerra (1940-1945) contou com a dócil e efi-
conservadores emergiram nesse período: o da União ciente cooperação de Nahas Paxá e seu partido. Ver-
e o Saadista (cisão do Wafd, formado em tomo dos dade é que a evacuação do país prevista pelo Tratado
. novos grupos capitalistas e industriais). Restava como de 1936 só se realizou em 1946, limitada daí por
partido popular o Wafd, apesar de moderado e mo- diante a ocupação militar à zona do Canal e ao
desto no seu programa social. Com a morte de Za- Sudão.
glul, coube a Mustafá Nahas Paxá, antigo juiz e filho U ma vez nas' boas graças britânicas e fazendo
de felás (camponeses), dirigir o movimento nacio- juras democráticas, Nahas governou o Egito, com
nalista e inspirar o tratado de aliança e amizade de mão de ferro, usando os mesmos métodos de seus
1936, um passo a mais no sentido da independência antecessores, mas prestando relevantes serviços à
'u L"

plena. causa da guerra contra o nazismo. O rei Faruk,


Coube a esse Tratado pôr fim, oficialmente, sucessor de seu pai Fuad (1936), manifestava-se reti-
à ocupação militar e autorizar a entrada do Egito na cente à colaboração com os ingleses em guerra. Sob
Sociedade das Nações. No entanto, pelo artigo 8~, pressão dos tanques britânicos e-contando com o
através de uma redação prolixa e confusa, era reco- apoio popular, Nahas Paxá assumiu o governo, como
nhecido o direito da Inglaterra de conservar tropas primeiro ministro (1942), instaura a lei marcial e a
nas vizinhanças de Suez e, quanto ao Sudão, man- censura, e toma as medidas necessárias de apoio à
tinha-se o status quo, isto é, o Condomínio. Não guerra contra o Eixo, no Norte da África. Em 1944,
resta dúvida de que o Tratado foi uma vitória do não sendo mais necessário à Inglaterra, foi deposto
Wafd. Lembremo-nos, porém, que naquele mo- pelo rei e este, logo depois, declarou guerra à Ale-
mento a Itália fascista acabara de derrotar o desar- manha e ao Japão, o que assegurou ao Egito o direito
mado e aturdido povo abissínio. Suas ambições afri- de entrada na ONU. Politicamente, o Wafd perdeu
canas representavam uma advertência, importante com o exercício do poder pelo menos grande parte de
para mover a Inglaterra, apesar de conciliante com seu prestígio junto às massas. Por outro lado, o agra-
as agressões fascistas do período, a fazer concessões. vamento das condições de vida e das desigualdades
A desagradável presença italiana no Mar Vermelho e sociais é um fator importante da impopularidade
nas nascentes do Nilo (o Nilo Azul) levava a Grã- crescente do Wafd. Este, pressionado pelas reivin-
Bretanha, mais uma vez, a não se dar o luxo de dicações, procurou, entre 1942 e 1944, facilitar a
alienar a cooperação egípcia na eventualidade de um organização sindical (excluindo funcionários e cam-
72 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 73

poneses), aumentou os salários e adotou uma legis- teúdo social e político às manifestações nacionalistas
lação sobre "contrato individual do trabalho", medi- antibritânicas. Multiplicam-se os grupos políticos de
das essas que desagradaram os meios industriais e esquerda e de direita, salientando-se a organização
financeiros. ultranacionalista, de cunho fascista, dos Irmãos
O grande grupo financeiro do país, núcleo da no- Muçulmanos (criada em 1929), com grande penetra-
va burguesia local, estava agregado em torno do Ban- ção nas massas e na oficialidade jovem, através de
co Misr, que fora fundado em 1920. Em pouco tempo, suas "células secretas" e serviços assistenciais. Foi
suas atividades foram multiplicadas, com filiais que nesse ambiente que ganhou corpo a idéia de uma
se estenderam por outros países árabes, abrangendo união árabe, na qual o Egito deveria desempenhar o
indústrias diversas e companhias de navegação, salvo principal papel. Pela influência que a Inglaterra
o setor da indústria pesada. Nos anos 30, os capitais exercia nos grupos dirigentes do país, julgou que,
estrangeiros começaram a penetrar nas organizações através do seu patrocínio, o pan-arabismo entraria no
"
Misr e, no decorrer da guerra, o Banco tornou-se bom caminho sob a liderança egípcia. No dia 22 de
uma instituição paraestatal. Além disso, membros março de 1945, com o beneplácito da diplomacia
da alta burocracia das empresas Misr penetraram na inglesa e de seu chefe, Sir Anthony Eden, era fun-
administração das sociedades estrangeiras, com con- dada no Cairo a Liga dos Estados Árabes. Mais uma
cessões recíprocas altamente vantajosas. As socie- vez, a Grã-Bretanha iria perder uma jogada.
dades mistas anglo-egípcias tendem a se multiplicar
durante a guerra, às quais se associavam, numa
cadeia de interesses, os grandes proprietários de
terra. Tendo em mente tal quadro, não é difícil per-
ceber as ligações desses grupos capitalistas, vincu-
lados aos consórcios imperialistas, com os partidos'
políticos, bem como a limitada viabilidade de um
partido popular, com um programa avançado, capaz
de fazer mudar o panorama social do país. O fim da
Segunda Guerra Mundial provocou desempregos em
massa. Inflação de preços, falência de inúmeras in-
dústrias (incapazes de enfrentar a nova concorrência
estrangeira com a reabertura das importações de
bens de consumo) e greves sucessivas deram um con-
li
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 7S

que se' operaram nas relações de poder entre o


mundo capitalista (o imperialismo) e as áreas (Esta-
dos, nações, povos) subordinadas. Elas não ocorre-
ram de súbito nem resultaram da ação de um fator
único. As mudanças sociais resultam de fatores dinâ-
, micos, múltiplos e complexos, historicamente deter-
minados, que agem e interagem com intensidade
diversa de ritmos e com direções variáveis.
o MUNDO ÁRABE SOB O SIGNO Ao enfocarmos os Estados árabes no mundo
contemporâneo, estaremos localizando alguns dos
DA MUDANÇA (1945-1980) problemas mais importantes com os quais eles se de-
"
frontam, cujas origens são muito remotas mas cuja
explicação, teoricamente fundamentada, deve incor-
porar ao presente uma perspectiva histórica de longa
Segundo G. Barraclough, a História Contempo- duração, ou 'seja, o conjunto das estruturas social-
rânea se caracteriza pelo fato de ser história mundial, mente geradas, bem como suas transformações no
ou seja, "as forças que lhe dão forma não podem ser tempo e no espaço. Numa apresentação sumária, tal
compreendidas se não estivermos preparados para abordagem será necessariamente incompleta e par-
adotar perspectivas mundiais". Assim, a história não cial, já que é fundamental levar em conta os diversos
é contemporânea pelo fato de "estar mais próxima de níveis de análise (o político, o sócio-econômico, o cul-
nós no tempo" e, sim, pela perspectiva mais ampla tural) bem como diferenciações internas nos diferen-
de o historiador situar-se no presente para explicar as
tes países que são muitos anteriores à Guerra Mun-
mudanças de estruturas que configuraram esse mes-
dial. Por outro lado, é importante, numa visão estru-
mo presente, dentro das quais se enquadra e se tural, enfocar as semelhanças, ou seja, as caracterís-
desenvolve a ação política (Introdução à História ticas que são comuns, no seu conjunto - como é o
Contemporânea, Zahar Editores, 1966, pp. 12-42). caso dos "países árabes", apesar das especificidades
Nessas condições, a escolha de uma data como que lhes são próprias.
ponto de partida de um conjunto de mudanças Se as raízes de tais semelhanças e diferenças são
não passa de um artifício do expositor e ao elegermos distantes e múltiplas, foi, no entanto, no pós-guerra
o final da Segunda Guerra como marco, temos em que se patenteou, no nível das consciências coletivas,
mente realçar o caráter revolucionário das alterações o grande fosso que separa ricos e pobres (entre países
76 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 77

e entre classes sociais), tornando obsoleta a persis- de rapidez, e conseqüente eficiência, dos sistemas de
tência de metrópoles coloniais face a países e povos comunicação, bem como da circulação das ideologias
dominados. A supremacia do capitalismo como sis- sociais. Nesse sentido, as distâncias encurtaram, as
tema social e encarado como único caminho possível ..idéias se aproximaram, as tecnologias se refinaram,
de vencer o "atraso" (e, portanto, de atingir o desen- os grandes Estados se tornaram mais fortes e, contra-
volvimento econômicoj.sê posta à prova face ao ideal ditoriamente, mais vulneráveis. A Guerra de 1939-
(já bem mais antigo) da igualdade entre os homens 1945, bem mais do que o século XIX de Marx -
que se concretizava com a "opção socialista" (o o do capitalismo surgente e do imperialismo em cons-
exemplo da União Soviética) de vencer as barreiras trução - revelou na sua plenitude a era da história
da miséria social. Daí, a grande e profunda revolu- mundial. Os acontecimentos do Oriente Médio no
ção do mundo contemporâneo, que ainda hoje se pós-guerra serão, assim, caracterizados pelo impacto
desenrola, consistir na emergência de massas huma- de mudanças em ritmo acelerado, sob a influência de
nas, centenas de milhões de seres humanos, obsti- fatores múltiplos relacionados com as conjunturas
nadas na ação coletiva, consciente e determinada, internacionais da "guerra fria" - conflitos de ordem
de mudar os sistemas de dominação e de tornarem- ideológica e político-militar entre capitalismo e socia-
se elementos ponderáveis no processo de decisões do lismo -, pelo declínio da Inglaterra como potência
poder. Obviamente, a História resulta da ação conti- imperial e o ascenso da hegemonia norte-americana,
nuada dos homens, dos grupos sociais. Em inúmeros pelo nacionalismo árabe e suas contradições internas
outros momentos, explosões coletivas alteraram os face ao surgimento do Estado de Israel, pela aspira-
rumos dos acontecimentos. Outras vezes, fracassa- ção de desenvolvimento econômico e social daspopu-
ram. Mas o que se distingue, aqui, é o caráter mun- lações oprimidas por regimes despóticos e retrógra-
dial, num curto espaço de tempo, dessa emergência, dos, pela extraordinária força que o petróleo adqui-
como que provocando efeitos em cadeia extrema- riu como poder de barganha e, finalmente, pela
mente velozes. * dinâmica do crescimento demográfico que acentua
A revolução industrial iniciada no século XVIII, as desigualdades sociais e atua como fator de mu-
prosseguindo até os dias de hoje, possibilitou a gran- dança política e econômica. Os países árabes de hoje,
fracionados e divididos, resultam não apenas do
mundo que Maomé criou 'mas, também, parafra-
(*) v. o volume 3 desta coleção, A Luta contra a Metrôpole, de Maria seando Pierre George, do mundo que a Europa so-
Yedda Linhares, para uma exposição mais pormenorizada dos eíei-
tos da Segunda Guerra Mundial sobre as economias capitalistas e nhara unificar, reservando para si os benefícios da
a independência das paises da África e da Ásia. industrialização ao longo de um século de imperia-
78 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 79

lismo. (Panorama du Monde Actuel, Paris, PUF, I


Magellan, 3~ ed., 1978, p. 209.) Territórios ocupados por Israel
I:> (.
após junho de 1967
Berutas" #(. ...J
~
D mais a área até a margem
do Canal de Suez
oriental j.) "Damasco

Acordo de desengajamento
A falência.da Liga Árabe de 1975: ..Jr\oun!RIA

A
ou a vitória do sionismo l\\\\\\\1 ai zona limitada às
t.\\\\\\\'i forças eglpcias
O bl zona tampão da ONU
r;. .",
~as

~
de Golan

=<:»:
Vários são os fatores que apontam para a fragi-
I 'I lidade do pacto entre os Estados árabes assinados no
ê§ c) lona limrtada às
~ forças israelenses ~
• Amã
Cairo em março de 1945. A liderança egípcia, por ser

i:: o Egito o mais populoso e "moderno" dos países


árabes, defrontava-se com dois obstáculos insuperá-
veis: a tutela britânica e a desconfiança das dinastias
Msr Meditenimeo
MerMorto

JORDÃNIA
1,\ hachemita e saudita, também rivais entre si, face às
aspirações "faraônicas" do rei Faruk. Para esses âra-
I~ .\
I. " bes, a Liga era um mero instrumento de barganha
política no sentido de obter da Grã-Bretanha a revi-
j If

são do tratado de 1936 nas cláusulas relativas à de-


fesa do Canal de Suez e à unidade do Vale do Nilo
pela união do Sudão à coroa egípcia. Os hachemitas
tiveram o desejo de fundir num único estado o Ira- E ARÃBIA
que, a Síria, o Líbano e a Transjordânia com o apoio
britânico, mas encontraram pela frente a oposição da SAUDITA
Arábia de Ibn Saud e do Egito que temiam a consti-
tuição de um Estado forte demasiadamente submisso o 80Km
I I
ao Ocidente. Foi, porém, a questão da Palestina que O 50 Milhas

pôs à prova de fogo a solidariedade árabe, oficial-


Mar Vermelho
mente apregoada no texto da Liga e nas manifes-
tações de rua. A evolução do problema sionista per- Relações árabe-israelenses após 1967. (T. G. Fraser, The
mitiu desnudar as contradições inerentes ao embrião Middle East, 1914-1979, Londres, 1980, p. XVIII.)
~

80 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 81

de uma confederação de Estados árabes. dos armados e altamente treinados foi a explosão do
A Segunda Guerra Mundial teve conseqüências King David Hotel em Jerusalém, que abrigava servi-
especialmente profundas no Oriente Médio. A polí- ços militares britânicos. Simultaneamente, a Liga
tica de Roosevelt revelara-se ao mesmo tempo simpá- Ãrabe tentava mobilizar recursos e a opinião pública
tica ao sionismo e interessada no petróleo da Arábia. em apoio à causa dos palestinos árabes. O resultado
A Ibn Saud, em 1945, -prometera não ser hostil aos foi a criação de uma Comissão especial da ONU para
árabes na sua luta contra os judeus e, em troca, a Palestina, em 1947, que recomendou no relatório
fortaleceu o monopólio da companhia americana de final a sua partilha entre dois futuros estados, o
petróleo aí instalada (ARAMCO). Entravam, assim, árabe e o judeu, ficando Jerusalém e seus arredo-
os americanos como mais um fator de complicação res sob controle internacional.
no Oriente Médio. No decorrer do conflito mundial, O apoio americano foi total ao plano, sendo
os líderes sionistas em Londres tentaram obter uma igualmente total a recusa árabe ao mesmo. Os ingle-
revisão do White Paper de 1939 e a admissão de ses negaram-se a aceitar a tarefa de implementar a
.
" 100000 judeus na Palestina, ressaltando-se que,
nesse período, assumiu proporções dramáticas a en-
partilha e, em contrapartida, anunciaram o fim do
seu mandato na região para 15 de maio de 1948.
trada clandestina de judeus foragidos ao nazismo, Acirra-se o clima de hostilidade entre árabes e ju-
apesar do bloqueio britânico. Em 1945,"com o Par- deus, com a ação de organizações sionistas bem ar-
tido Trabalhista no poder, os ingleses viram-se diante madas e eficientes e grupos de voluntários provenien-
de um dilema: como permitir a imigração maciça de tes sobretudo da Síria, face às pobres massas de
judeus na Palestina sem afetar os direitos da popu- palestinos aterrorizados que abandonavam suas al-
lação árabe aí instalada de longa data (os palestinos deias e vilas ou eram massacrados. Antes do tér-
representavam, então, dois terços da população to- mino do mandato, Haifa e Jaffa caíram nas mãos dos
tal). No entanto, a política de Harry Truman, suces- sionistas, de modo que, no dia em que as últimas
sor de Roosevelt, foi no sentido de favorecer a exi- tropas inglesas deixaram o país, os sionistas procla-
gência sionista e o Congresso americano votou uma maram o Estado de Israel - 14 de maio de 1948.
resolução de tornar irrestrita a imigração judaica na .Imediatamente os Estados Unidos e a União Sovié-
Palestina, subordinada à capacidade de absorção pelo tica reconheceram o novo Estado e os exércitos regu-
país. Ao mesmo tempo, organizavam-se forças irre- lares da Síria, Transjordânia, Iraque e Egito entra-
gulares sionistas, com o emprego de instrumentos ram desordenadamente na Palestina em apoio aos
terroristas de.luta e garantindo a imigração clandes- árabes ameaçados. Apesar da evidente superioridade
tina. Um dos mais conhecidos episódios desses ban- técnica dos israelenses, a guerra estendeu-se até ja-
..
82 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 83

neiro de 1949 e foi concluído um armistício em julho. de retalhos e jamais chegou a um acordo quanto à
Nesse momento, Israel já abrangia 80% do território forma de atuação face a Israel, mesmo desde o plano
do antigo mandato palestino e o número de árabes de partilha de novembro de 1947. Enquanto o Iraque
fora reduzido de 750000, aproximadamente, para propunha medidas econômicas drásticas contra o
165000. Começara a diáspora do povo palestino e Ocidente, Ibn Saud, fiel à companhia americana de
seu longo martírio. Dos 20% restantes da Palestina petróleo, exigia uma política de colaboração, o Egito
árabe, a parte semidesértica de Gaza ficou sob a debatia-se numa agitação nacionalista estéril e de-
administração egípcia e uma parte da margem oci- fendia a guerra contra o sionismo quer para manter
dental do Jordão, incluindo a velha Jerusalém, foi sua liderança no mundo árabe quer para desviar a
anexada à Transjordânia em 1950, apesar da opo- opinião pública de seus angustiantes problemas in-
sição de outros Estados árabes, para constituir o ternos. Assim se fez a guerra contra Israel, em meio à
:1 reino hachemita da Jordânia, com reconhecimento desunião, como livres atiradores numa Terra Santa
I internacional nessa data. que era defendida a ferro e fogo por israelenses uni-
... Na discussão das cláusulas do armistício, os is-
raelenses, contando com integral apoio americano,
dos e coesos, armados (inclusive com armas tchecas)
e bem treinados. A vitória do sionismo foi a primeira
mostraram-se implacáveis nas suas reivindicações grande derrota do arabismo. A pequena Transjor-
territoriais, cumprindo destacar-se o assassinato pelo dânia, com seus poucos mais de 500 000 habitantes,
grupo terrorista Stern do mediador enviado pela sem representação junto à ONU, era mal vista por
ONU, conde Bernadotte, que propusera uma solu- seus irmãos árabes. Seu desejo de apossar-se da Pa-
ção conciliatória na questão das novas fronteiras. lestina representava a única oportunidade de alcan-
A intransigência israelense na defesa do que os sio- çar não apenas o Mediterrâno, mas o território sírio- '
nistas consideram seus direitos - na realidade, di- libanês, velha aspiração hachemita. Tal objetivo era
reitos de conquista - contribuiu desse momento em execrável ao Egito e à Arábia Saudita, que prefe-
diante para alienar boa parte da opinião pública riram colocar à frente de uma possível Palestina ára-
mundial da causa de Israel, fazendo-a esquecer a be aquele notório Mufti de Jerusalém, Hajd Amin
simpatia que o povo judeu despertara nas mentes al-Husseini, célebre entre outras coisas por sua cola-
esclarecidas e o justo sentimento de repulsa às atro- boração com os nazistas durante a guerra. Esse
cidades cometidas pelo nazismo. mesmo Husseini, membro do Conselho da Liga,
Na realidade, o grande perdedor foi o povo como representante palestino, residia no Egito e era
palestino, desenraizado e expropriado daí por diante. influente na atuação dos Irmãos Muçulmanos. En-
No fundo, a Liga Ãrabe mal passava de uma colcha quanto isso, uma parte da oficialidade egípcia tor-
84 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 85

nava-se consciente da corrupção que grassava no país uma tendência no sentido de tornar o exército a
e no exército, destacando-se desde logo as figuras do personificação do Estado, no qual o pluripartida-
general Mohamed Naguib, do major Abdul Nasser e rismo perde a sua razão de ser, acelerando-se a mar-
do coronel Ahmed Abdul Aziz, este, morto em com- cha para o autoritarismo associado à prática do
bate na Palestina como herói. Desiludidas com a putsch militar. Entre 1949 e 1970, verificaram-se
incompetência reinante-no seu país, coube a essa ofi- mais de dez intervenções militares na vida política da
cialidade um papel de extraordinário relevo nos Síria, sempre em nome da unidade árabe, ora defen-
acontecimentos que culminaram, em 1952, na queda dendo uma aproximação com o Egito por uma impo-
da dinastia de Mohamed Ali e seu último e triste sição de política externa, ora "socialista", sob a di-
descendente, o rei Faruk. Para eles, os bodes expia- reção do Baas (Partido Socialista da Ressurreição
tórios da miséria do povo egípcio e dos vergonhosos Árabe, fundado em 1943), com suas inúmeras fac-
fracassos militares na Palestina não eram mais exclu- ções e quase sempre distanciado das massas popula-
sivamente o sionismo distante ou o soldado inglês em res. Anticomunista e antimarxista, o socialismo do
Suez ou no Sudão, mas, também, e acima de tudo, Baas teve em Michel Aflak o seu te6rico. Fundado
a extrema corrupção de seus dirigentes, com seu nos princípios da unidade e da igualdade, objetiva
nacionalismo de fachada, tonitroante e incapaz, as levar a nação árabe a cumprir a sua missão histórica,
desigualdades sociais, a dependência econômica. libertando-a de toda e qualquer dominação estran-
Para eles, antes de qualquer outra tarefa, era preciso geira. Suas ramificações se estenderam ao Iraque,
redimir o Egito, torná-lo forte e unido. Jordânia, Líbano, Norte da África, Iêmen do Sul e
Aden, e encontraram boa acolhida entre as gerações
jovens. Mas, apesar de planos e programas, nos
quais por momentos transparece o "extremismo ver-
A nova revolta árabe bal", continua a Síria sendo um país fundamental-
mente agrícola e pobre, com um pequeno setor in-
NaSíria dustrial (petróleo, eletricidade, fertilizantes) em boa
parte estatizado, embora tenham sido positivos os
A derrota militar teve aí efeitos imediatos. Um projetos de desenvolvimento no Eufrates. Mas é .no
golpe de Estado presidido pelo Coronel Husni Zaim plano/ político e nas suas relações com Israel que o
aboliu o regime parlamentar de inspiração ocidental país se apresenta mais vulnerável.
e anunciou profundas reformas com o objetivo de
erradicar a corrupção interna. Era apenas o início de
86 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 87

No Egito suma, tratava-se de encontrar um novo caminho para


o desenvolvimento do Egito.
A situação evoluiu aqui mais lentamente, en- Em 18 de junho de 1953, foi proclamada a Re-
quanto se deteriorava o sistema político cujos surtos pública sob a presidência do general Naguib, cuja
de popularidade ficavam ao sabor das agitações integrida moral e cujas raízes (origem sudanesa) jus-
nacionalistas antibritânicas. Foi no auge de uma tificavam o prestígio que desfrutava interna e exter-
dessas crises em torno do Canal de Suez e do Sudão namente. Mas coube a um jovem oficial, Gamal
que um grupo de Oficiais Livres, apoiados nos Ir- Abdul Nasser, a verdadeira liderança do movimento.
mãos Muçulmanos, depôs Faruk e com eles Nahas Como Arabi, Zaglul e Naguib, era um autêntico egíp-
Paxá e seu já decrépito Wafd, assim como o regime cio nilótico. Sua família de origem camponesa do
parlamentar de tipo ocidental (23/26 de julho de Alto Nilo não gozara de privilégios nem de favores
1952). A situação econômica e social do país era dos grupos dominantes. Por sua formação e origem
particularmente grave. Em torno da monarquia social, Nasser era o protótipo do jovem oficial "classe
agrupavam-se os grandes proprietários de terra e média" que emergia nos países subdesenvolvidos do
uma burguesia urbana detentora de riquezas e pres- Terceiro Mundo, atribuindo-se a missão de regene-
tígio. No outro pólo da pirâmide social, situavam-se rar e modernizar o seu país. Físico atraente, modos
os camponeses, a imensa maioria dos extremamente reservados e dotes oratórios fizeram dele um verda-
, pobres, enquanto nas cidades, como Cairo e Alexan- deiro ídolo das massas. Em outubro de 1954, subs-
dria, aglomeravam-se as massas de desempregados e tituiu Naguib na chefia do Governo e permaneceu
subempregados pressionados pela alta dos preços. A como líder inconteste do país até sua morte, em
população crescia em ritmo acelerado (2% ao ano): 1970, aos 52 anos de idade.
em 1882 atribuía-se ao Egito perto de 7,5 milhões de
habitantes; em 1937, cerca de 16 milhões (em 1975, A reforma agrária
atingiria os 37 milhões, o que corresponde a um
acréscimo médio anual de 700000 habitantes). Im- O ponto fundamental do regime nasserista foi a
punham-se, assim, reformas capazes de mudar as . iniciativa de modernizar o campo e realizar a reforma
estruturas sociais, de modo a permitir uma distri- agrária, medida pioneira no Oriente Médio. Em
buição mais eqüitativa dos benefícios do crescimento 1952, menos de meio por cento dos proprietários
econômico através de uma política de investimentos a rurais possuía mais de um terço das áreas cultiváveis
longo prazo, subordinada às exigências das pressões do país, enquanto 72 por cento dos agricultores não
sociais, sem alienação dos recursos nacionais. Em chegavam a dispor de umfeddan (cerca de meio hec-
88 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 89

tare) de terra; 22 milhões de egípcios se concentra- seria aplicável a cada família. A representação grá-
vam nos 35000' km 2 do vale do Nilo, o que corres- fica abaixo ilustra melhor os resultados desse pro-
pondia a menos de um trigésimo da superfície total cesso em marcha:
do país. Antes da introdução da cultura algodoeira,
predominava o costume do uso comunitário da terra,
1952 1964
ora pelas coletividades locais ora pelos grandes mag-
natas. "A apropriação d~ solo se fez sob a forma de
verdadeiras plantations coloniais reservadas às cul-
turas industriais", originando uma nova classe lati-
fundista, irredutível na defesa de seus privilégios,
que se caracterizaria pelo absenteísmo, o luxo osten-
sivo, o baixo nível dos investimentos agrícolas (Jean
le Coz, Les Réformes Agraires , Paris, PUF, .Magel-
lan, 1974, pp. 184-185). Ao lado de um milhão de
pequenos produtores, 5 milhões de pessoas, com suas
famílias, representavam a massa proletarizada, dos
quais a maioria era excluída do mercado de trabalho.
A reforma de Nasser consistiu nos seguintes pontos
01 E:·::::i2·~3 ~4 ~5 ·~6 _7
principais: 1) limitar o imóvel rural a 200 feddans;
2) redistribuir as terras confisca das entre as famílias Distribuição da propriedade no Egito antes e depois da
reforma agrária. 1 - menos de 5 feddans; 2 - de 5
camponesas tfellahin) em lotes de dois a cinco fed-
a 10; 3 - de 10 a 20; 4 - de 20 a 50; 5 - de 50 a 100;
dans (a pequenez dos lotes se justifica pela fertilidade 6 - de ZOO a 200; 7 - mais de 200. (Jean le Cozo op. cit.,
do vale do Nilo); 3) limitar as rendas cobradas pelo cf, E. Grienig, Landre form Veriindert Klassenstruktur
proprietário ao agricultor (rendeiro). No saldo final, in der V. A. R.. Deutsche Aussenpolitik, 1967. 9. p.
embora rrmdesta nos seus resultados, a reforma per- 1113. )
mitiu reduzir drasticamente o poder político dos
grandes proprietários, iniciar um regime fundiário Na retórica nasserista, ressaltava-se a variante
mais eqüitativo e aumentar a produção agrícola. Pela árabe de socialismo que "recusa o coletivismo e
lei de 25 de julho de 1961, o limite da propriedade exalta a propriedade privada", segundo o já citado
individual foi estabelecido em 100 feddans (mais 100 Jean Coz, propósitos esses claramente expostos nos
feddans por dois filhos menores) e em 1970 tal limite textos oficiais.
90 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 91

Transformações econômicas e políticas vadora de Anthony Eden e os Estados Unidos de


Foster Dulles.
Tratava-se para o novo regime de aumentar a
produção de alimentos, num país dominado pela As soluções das questões pendentes
monocultura do algodão, ampliar as áreas irrigadas,
implantar uma indústria de base (ferro e aço), am- O comparecimento de Nasser à Conferência de
pliar o mercado de trabalho, criando mais empregos, Bandung (abril de 1955), na Indonésia, que reuniu
em suma, adotar medidas que fizessem dobrar o cerca de 30 países do mundo afro-asiâtico, foi deci-
produto nacional ao final de dez anos. A escassez de sivo para uma tomada de posição neutralista (neutra-
fontes energéticas tornava ainda mais difícil a execu- lismo positivo) face à "guerra fria". Ao se pronunciar
ção dessas tarefas. Daí, em parte, o papel do Estado contra o imperialismo e o colonialismo e, ao mesmo
como planejador e executor, ao qual se atribui sem- tempo, ao preconizar liberdade de ação no plano
pre o adjetivo socialista (nacionalização de grandes internacional, atingia plenamente dois objetivos: 1)
empresas). Ao mesmo tempo, tratava-se de apare- obter o apoio entusiasta de sua opinião pública e a
lhar o exército para o cumprimento de suas novas dos países árabes (mesmo dos recalcitrantes Iraque,
tarefas. Arábia Saudita e Iêmen): 2) encontrar uma alter-
Internamente, o regime procurou, acima de nativa no bloco comunista para aquisição de arma-
tudo, realizar a unidade nacional, o que conseguiu mentos e equipamentos. Em contrapartida, os Es-
pela destruição sistemática da oposição, inclusive a tados Unidos anunciam a sua decisão de não mais
dos antigos associados, os Irmãos Muçulmanos. Daí contribuir para os planos de desenvolvimento de
por diante, ao desenvolver a teoria dos três círculos Nasser (a construção da barragem de Assuã: eletrifi-
(o árabe, o africano e o muçulmano), competiria ao cação e irrigação). Nasser respondeu nacionalizando
Egito exercer sua influência nessas direções no sen- o canal de Suez (26 de julho de 1956), sob protestos
tido de libertar os povos da dominação ocidental. veementes das potências(EUA, França, Inglaterra).
Em A Filosofia da Revolução (1954), dizia Nasser: Nesse momento, Israel, temendo o poder crescente
" ... somos os guardiães do portão norte-oriental do do Egito e sempre sob a mira dos "comandos" árabes
continente (africano) e constituímos o elo entre a (incursões periódicas no território israelense), resol-
África e o mundo exterior". Não foi sem razão que veu reivindicar o direito de passagem pelo Suez (o
Nasser se transformou no mais temido, e talvez que não deixa de ser o pretexto para uma guerra
odiado, líder do Terceiro Mundo por parte das po- preventiva contra o Egito). Os resultados foram
tências imperialistas, sobretudo a Inglaterra conser- desastrosos para a economia egípcia. Israel teve a
92 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 93

iniciativa do ataque e a intervenção armada franco- da monarquia hachemita, cujos últimos descenden-
inglesa não se fez esperar, causando grandes estragos tes ira qui anos (Fayçal 11e o príncipe herdeiro) foram
materiais ao Egito (bombardeiro do Cairo) e ao massacrados, com o próprio primeiro-ministro, em
canal, que foi obstruído pelos egípcios em desespero. conseqüência do golpe militar de 1958, que elevou ao
A Síria, em apoio a Nasser, destruiu os pipelines poder o general Abdul Kassem, pró-comunista, e
no seu território e as estações de bombeamento de cujo regime se estendeu até 1963. Nasser teria que
petróleo, enquanto tropas de Israel ocupavam o esperar a queda de Kassem, quando sobe ao poder o
Sinai. Mas a vitória moral coube a Nasser que, além partido Baas, para tentar estabelecer, sem grande
de aumentar o seu prestígio junto à opinião pública sucesso, laços de cooperação com o Iraque. Mas aí,
árabe e do Terceiro Mundo, apoderou-se da base de a situação interna se torna bastante complexa em
Suez (e seus equipamentos), nacionalizou proprie- função do grande papel que é exercido pelo petróleo.
dades e interesses franceses e ingleses no país, liqui- Quanto às relações do Egito com a Arábia Sau-
dando, para sempre, com um passado de influência e dita, destaque-se o súbito mar de ouro (dólares ainda
domínio europeus. conversíveis) que começou a afogar a velha e até
No plano internacional, a alternativa egípcia, então monarquia wahabita, em função do petróleo e
apesar de anticomunista internamente, demonstrou do seu poder de corrupção, A morte de Ibn Saud e a'
ser a União Soviética, cuja orientação em política sucessão de seu filho não contribuíram para melho-
externa começava a mudar após a morte de Stalin rar a imagem que já se fazia de magnatas autocratas
(1953). Kruschev, como Lenin, acreditava que as e nouveaux riches, extravagantes e pouco obedientes
"burguesias nacionais" do Terceiro Mundo, mais do aos ensinamentos do Corão quanto à modéstia e à
que os PCs internos, eram fundamentais na estra- sobriedade. Quanto ao Koweit. com reduzida popu-
tégia do socialismo. lação (cerca de 200000 habitantes), apesar dosexces-
Com relação aos Estados árabes, Nasser tinha sos de seus dignitários, não resta dúvida de que o
pela frente governantes enfeudados à estratégia ame- petróleo chegou a melhorar consideravelmente a con-
ricana, então no apogeu da orientação de Foster dição de vida de seus habitantes. De qualquer forma,
Dulles. Procurou este neutralizar a popularidade o nacionalismo nasserista e a sua política anti-Oci-
crescente do Egito, fortalecendo regimes como o de dente despertavam relutâncias. Já a Jordânia se mos-
Nuri Said do Iraque, que se notabilizara pela sua trava mais vulnerável à influência egípcia. Em 1953,
adesão ao Pacto do Atlântico e do Sudeste Asiático Hussein, neto de Abdala (assassinado em Jerusalém)
(Pacto de Bagdá, 1955, Turquia e Paquistão). A assumiu o trono no qual se mantém precariamente'
política de Nuri Said provou ser fatal à sobrevivência graças à ajuda americana e britânica. Mas, forçado
94 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 95

pela tendência nacionalista e anti-sionista, mostra-se convulsionado, julgando poder escolher livremente o
ora vacilante, ora submisso. Com o extermínio dos seu próprio caminho de desenvolvimento. Mas suces-
hachemitas do Iraque (1958), sente-se isolado na luta sivas agressões israelenses, a entrada maciça de refu-
aberta contra os chamados regimes árabes progres- giados palestinos, a presença de sua burguesia co-
sistas e contra o movimento palestino (OLP, Organi- mercial e financeira, a complexidade de sua forma-
zação pela Libertação da-Palestina, 1963) e somente ção étnica são apenas alguns dos elementos que com-
em 1967 tentou uma espetacular reaproximação com põem o quadro de um pequeno país dividido pela
Nasser. Foi a Síria, no entanto, o principal foco de guerra civil, de forma quase ininterrupta e extrema-
tensão no Oriente Médio na fase da guerra fria, dis- mente destruidora, a partir de 1970.
putada entre soviéticos e norte-americanos, em vir- A influência do nasserismo estendeu-se até ao
tude de sua excepcional posição estratégica, com sé- próprio Iêmen (do Norte) que, em 1962, se procla-
rias repercussões na vida de suas sofridas popula- mou República Árabe do Iêmen, com 5 milhões de
ções. Em 1958 (fevereiro) os baasistas no poder e habitantes e 195000 km ', tendo Sana como capital,
Nasser firmaram um tratado de união - a República a 2000 m de altitude. Arquiconservador, autoritário
Árabe Unida (RAU). Dessa forma, comenta um ana- e tradicionalista, procurou, assim mesmo, sob a che-
lista, "os baasistas esperavam governar a Síria en- fia do Imã Ahmed, uma aproximação com o Egito de
quanto o prestígio do guarda-chuva de Nasser prote- Nasser. Também aí chegaram os "coronéis" moder-
gia o país da dominação de qualquer uma das gran- nizadores (1962) e transformaram a face do país,
des potências" (Peter Mansfield, The Arabs, Lon- introduzindo uma orientação neutralista e tentando
dres, Penguin Books, 1981, p. 308). A RAU foi ex- resistir às pressões conservadoras exercidas pelos
tinta em 1961 e, em 1971, a Síria reaproximou-se do sauditas. Já o Iêmen do Sul, como República Demo-
Egito aderindo à União das Repúblicas Árabes (Egi- crática e Popular (1967) emergiu após uma longa
to, Sudão, Líbia). guerra de libertação nacional, mantendo-se inconfor-
Quanto ao Líbano, sua situação era bastante mado com a divisão do Norte. Como bastião do
complexa. Procurando manter sua identidade face radicalismo nacionalista, apresentou-se desde o iní-
aos nacionalismos reinantes (Baas e nasserismo) e à cio com marca das tendências de esquerda, apoiadas
agitação causada pela questão palestina, enfrentou numa ampla frente popular, o que constitui, sem
um período de guerra civil (1958) que opunha facções dúvida, um fato extraordinário no mundo árabe con-
"árabes" e facções "ocidentais" (estas representadas temporâneo.
pelo então presidente Chamoun). Pretendia ser uma
espécie de Suíça implantada num Oriente Médio
96 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 97

al-Sadate, No interior, o regime endurece, mas, em


o saldo do nasserismo
política, Sadate mostra-se mais prudente e menos
espetacular do que Nasser. Para surpresa geral, ir-
Uma das vitórias de Nasser foi a independência rompeu uma nova guerra contra Israel (Yom Kip-
do Sudão (1? de janeiro, 1956), mas que logo se pur), em 1973, que, pela primeira vez, revelou ex-
revelou ser uma simples, vitória de Pirro. Por um trema eficiência das forças árabes em combate e da
lado, os ingleses obtiveram vantajosos acordos econô- organização dos Estados árabes contra os simpati-
micos com a nova república e, por outro, os egípcios zantes de Israel (suspensão do fornecimento de pe-
perderam a oportunidade de vir a controlar, de uma tróleo, por exemplo). Para o Egito, estava salva a
vez por todas, o curso superior do Nilo. Na realidade, honra e daí por diante Sadate reformulou a política
o Sudão é a fronteira entre a África negra e o mundo nasserista: reaproximação com os Estados Unidos e
árabe. No tocante ao Egito, Nasser mudou a face do aproximação com Israel. Tratava-se para o Egito de
país e no tocante ao restante do Norte da África, uma questão vital: a paz, único caminho pelo qual
como veremos a seguir, sua influência foi decisiva, seu povo poderia tentar reconstruir o país e erguer
também para desespero de um outro imperialismo" uma sociedade mais justa.
o francês. No entanto, a sua grande derrota ocorreu
em 1967, na chamada "guerra dos seis dias" contra
Israel que, mais uma vez, revelou a falácia do ara-
bismo e comprovou a superioridade militar dos israe- o Maghreb: árabes e berberes
lenses. O canal de Suez assediado por ambos os lados buscam sua identidade
foi literalmente obstruído e fechado à navegação
(reaberto em 1975). A derrota árabe foi desmorali-
zante para Nasser, acarretando conseqüências catas- A França, como potência imperial, conseguira
tróficas (econômicas, sociais e políticas) para o Egito. manter os três países norte-africanos, Tunísia, Ar-
O ano de1968 caracterizou-se por uma brutal repres- gélia e Marrocos, pelo menos até a Segunda Guerra
são policial em meio a manifestações populares e Mundial, bem distantes dos tumultos dos árabes do
operárias, num clima geral de insatisfação. Ao mes- Oriente. Mas também nesses seus resguardados do-
mo tempo, foram retomadas as negociações pan-ára- mínios sopraram os ventos do nacionalismo e da
bes e reafirmadas as juras de ódio a Israel. A morte revolta contra o Ocidente.
repentina de Nasser (setembro de 1970) elevou à Terra dos árabes do Ocidente - o Maghreb - é
chefia do governo o então vice-presidente Anuar também terra dos berberes, cuja origem parece mis-
98 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 99

teriosa, mas cuja presença na História data de mais


esbeltos, louros de olhos azuis. Por aí passaram fení-
de três milênios. Na expressão de Pierre George, a. cios (a partir de 1200 a.C.) que fundaram Cartago
miséria é o seu fado comum, embora profundas se- (Tunísia), depois vieram os romanos, mais tarde vân-
jam as suas diferenciações internas, ditadas pela His- dalos e bizantinos e, por fim, os cristãos latinos, que
tória. Estendendo-se entre o golfo de Gabes e o cristianizaram e latinizaram a região do litoral (por
Oceano Atlântico, sobre 2000 km de leste a oeste e exemplo: Santo Agostinho). Com a chegada dos ára-
350 km de norte a sul, o Maghreb se caracteriza por bes, inicíou-se um longo processo de islamização e
uma geografia acidentada, com suas montanhas re- arabização da Berbêria, que teve entre seus expoentes
cortadas de pequenas planícies e seus planaltos ele- intelectuais a figura ímpar de Ibn Khaldun (séc.
vados, penetrando do Saara: 20 milhões de campo- XIV) e cujo feito mais notável foi a conquista e colo-
neses, 40 milhões de habitantes sobre 20 milhões de nização da Espanha visigótica. Ê interessante obser-
hectares cultivados (Pierre George, Panorama du var que nesse remoto VIII século os judeus da Penín-
Monde Actuel, op. cit., pp. 146 ss). Acrescentem- sula acolheram árabes e berberes como libertadores.
se a um quadro agrícola marcado pela pobreza dos Até o século XI, o Norte da Ãfrica, com árabes (até
solos e a aridez do clima, 50 milhões de ha de pasta- então uma minoria) e berberes (e remanescentes das
gens que, por sua qualidade inferior, não chegam a fusões étnicas anteriores) parece ter vivido momentos
suprir as necessidades de seus rebanhos raquíticos. de esplendor, quando então se deu a segunda invasão
São aí freqüentes as migrações de populações, tanto
árabe chefiada pelos beduínos de Beni Hilal e Benin
nos grupos pastoris quanto nas regiões de atividades
Sulaim do alto Egito. Ao acreditar em Ibn Khaldun,
sedentárias, impostas tais migrações pela inclemên- foi extremamente destruidora essa invasão dos be-
cia da seca e pelo próprio sistema social vigente. Aí duínos com seus velozes camelos, dando início a um
vivem comunidades berberes e árabes desde a inva- prolongado período de dec1ínio do qual os berberes
são muçulmana, que levou um século para subjugar jamais se recuperaram (exemplo: a destruição com-
as populações locais (sécs. VII-VIII); os primeiros, pleta do .existente sistema de irrigação herdado dos
pobres agricultores, diferiam dos segundos cujas ati- romanos). Apenas na parte oriental da Argélia e na
vidades estiveram, historicamente, mais centradas Tunísia, graças à imigração de muçulmanos da An-
no pastoreio, no comércio, no artesanato urbano e na daluzia (Espanha) pôde sobreviver o antigo e prós-
burocracia. pero sistema de agricultura que prevalecia no Medi-
Pouco ou quase nada se conhece das origens dos terrâneo. A partir desse momento, ficaram os berbe-
berberes entre os quais se encontram tipos físicos res, preservando língua e. costumes, concentrados
bem diversos dos árabes semitas: muitos são altos, nas montanhas do interior, densamente povoadas,
100 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 101

pobres e áridas, enquanto que as férteis planícies do


litoral, como os planaltos interiores, paradoxalmente
subpovoadas, ficaram como domínio de pastores ára-
bes ou arabizados, resultantes da invasão hilaliana.
Com os Tempos Modernos, portugueses e espanhóis ...;

levaram seu novo espírito- cruzadista até o Norte da '"


til
U.l
Ãfrica, cuja resposta consistiu em atacar sistemati- ~
"O
camente os navios "cristãos" em águas do Mediter- "O
râneo, daí a origem dos corsários e a denominação do ~,"",
litoral africano como "costa bárbara" (de berbere), QJt--<
..r:::;:.:
ou "dos piratas". Com o Império Otomano, o Mar- f-o><:
rocos preservou, na prática, a sua independência e ~
\\.> ~
.
foram criadas três regências: Argel, Túnis e Trípoli, "" ,
i;!<;::'
i essencialmente cidades marítimas, vivendo do co- ~~•...•

:\
i.\ mércio e da pirataria. A situação só se alteraria subs-
tancialmente no século XIX, quando os franceses aí se
'instalaram (a partir de 1830, em Argel, e mais tarde
t:i ~
.&-; {j
'-'I::
. o

Ü na Tunísia e no Marrocos). Como os conquistadores·


-: anteriores; também esses enfrentaram uma feroz
~~
0'\
'"
•...• t'-
,

resistência dos berberes.


Do grande grupo lingüístico berbere, três são as
variações dialetais repartidas por regiões: 1) zeneta
m
E É
._-t:'"
\\.>"-;'
o~
"'1::l'"
'\\'>-
(ou zenata), os que mais sofreram a influência dos ~
hilalianos, fortemente arabizados e historicamente ~
I::
nômades (Líbia, Tunísia, pequenos grupos marro-
quinos do Rií, médio Atlas setentrional, fronteira da
Argélia); 2) masmuda (rnaçmoüda) abrangendo al-
gumas comunidades sedentárias do Marrocos (inclu-
:1: ~
O

sive nos confins saarianos); 3) sanhadja, extrema-


mente importantes na Argélia onde se destacam os
kabilas. Para o colonialista francês, segundo o qual
102 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 103

todos eram "árabes", não foi fácil' encontrar um imediata foi a reação em Fez, assim como no Atlas
modus vivendi, sobretudo no caso da Argélia, cuja central, o que impôs à França uma ação militar
colonização se fez pela implantação de fortes contin- "pacificadora" continua. Um dos mais recalcitrantes
gentes de colonos franceses agricultores. A primeira opositores (berbere de origem) da dominação fran-
grande resistência à ocupação pela França partiu do cesa foi Abdel Krim cuja revolta (no Rif) teve início
emir Abd El-Kader (vencida em 1847), seguida de em 1923. i
grandes rebeliões kabilas, uma em 1871 e 'outra em Resta o território intermediário (entre o Nilo e a
1945. A França não apenas introduziu a cultura Berbéria) - a Líbia (Tripolitânia), cobiçada pela
francesa como também se apropriou das melhores Itália, que também aspirava dominar a Tunísia.
terras do país. Daí as dificuldades que enfrentou no É interessante observar que já em 1911 nacionalistas
momento em que se viu forçada a ceder a indepen- t egípcios e tunisianos lutaram contra a invasão ita-
dência à Argélia após uma longa guerra (1956-1962). liana na Líbia. Somente em 1928, as tropas fascistas
Diferentemente da Tunísia e do Marrocos, a pre- de Graziani conseguiram vencer a resistência árabe
sença de franceses argelinos (os pieds noirs) foi um na Cirenaica (sempre insurrecta) e ocupar a totali-
elemento fundamental na guerra pela libertação. dade do país, conquista difícil que resultou no mas-
Não há dúvida de que os franceses transformaram sacre da metade dessa brava população. Foi, no en-
Argel numa bela cidade e introduziram uma agricul- tanto, a Tunísia que teve a primazia da primeira
tura altamente competitiva. Em suas escolas de exce- organização nacionalista militante - o Detur (Des-
lente qualidade foram formadas gerações de arge- tour, isto é, "constituição") que ressurgiu em 1934
linos, entre os quais os líderes que deveriam libertar como Neo-Destour, cujos dirigentes eram intelectuais
o país da própria dominação francesa. graduados nas universidades francesas. Alguns ana-
O que ocorreu com a Tunísia assemelha-se ao listas atribuem a essa circunstância e à existência de
caso egípcio. A intervenção francesa contra o bey de uma forte burguesia local o caráter conservador do
Túnis deveu-se, oficialmente, a uma cobrança de dí- nacionalismo tunisiano. Quanto à Argélia, a política
vidas. Mas a presença francesa aí sempre se deparou francesa de "assimilação" retardou a formação de
com fortes resistências locais. Quanto ao Marrocos, grupos nacionalistas aguerridos. Talvez isso também
um império nominal mas, na realidade, uma tênue explique a adesão tardia do Maghreb à causa do ara-
associação de cidades árabes e tribos berberes, 'cobi- bismo.
çado por alemães, ingleses, franceses e espanhóis, foi O advento de Nasser e de seus Oficiais Livres,
alvo de intensas rivalidades diplomáticas até que, em com a missão regeneradora, foi decisivo na altera-
1912, oficializou-se o protetorado francês. Violenta e ção do quadro político do Maghreb. Apesar da resis-
104 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 105

tência da poderosa colônia francesa 080000 resi- ser chamado de democrático pelos padrões ociden-
dentes) da Tunísia, a ação dos guerrilheiros locais, tais. Sua população cresce em torno de 3,4% ao ano,
associada à diplomacia do Neo-Destour sob Habib o que impõe tarefas gigantescas no plano da indus-
Bourguiba (ala conservadora) assegurou- o fim. do trialização, da educação e da produção de alimentos.
protetorado (convenções de junho de 1955). No Mar- O principal trunfo reside nos seus recursos em petró-
rocos, a situação parecia ...mais complexa e contou leo e carbohidratos. País austero e competente na
com o apoio da Liga Ãrabe, tendo no sultão um líder condução dos negócios de Estado, tem-se distinguido
resoluto em prol da independência. Nos dois casos, por sua diplomacia eficiente, gozando de prestígio
a França tergiversou tentando manter fórmulas de tanto nos países do Terceiro Mundo quanto junto às
compromisso tais como a da "independência na in- grandes potências, quer socialistas, quer capitalistas.
terdependência" e, em ambos os casos, acabou ce- .~ No tocante à questão agrária, surgiram soluções
dendo a independência completa. (Marrocos, em 'I importantes, face à grave herança colonial. A Argé-
1956; Tunísia, em 1957.) Na Argélia, a longa guerra lia, como República democrática e popular (denomi-
de libertação nacional encerrada com os Acordos de nação oficial), escolheu o caminho do "socialismo
Evian (1962) deixou profundas seqüelas: de um lado, revolucionário", implantando a reforma agrária. A
o terrorismo inconformado de extrema-direita da saída maciça dos estrangeiros facilitou a transfe-
OES (Organização do Exército Secreto, com milita- rência do direito de propriedade. Na Tunísia, a lei de
res franceses), de outro, a fuga súbita da Argélia de 12 de maio de 1964 decretou a nacionalização das
800000 do 1000 000 de europeus (em maioria fran- terras estrangeiras; no Marrocos, por etapas suces-
ceses)' com repercussões imediatas na economia de ( -,
sivas, tratou-se de incentivar a colonização de terras
um país que começava a enfrentar as duras' tarefas de com loteamentos individuais organizados em comu-
reconstruir uma nação. Coube a Ben Bella, novo nidades. A experiência argelina, no entanto, parece
líder carismático, socialista e belo, o cargo de pri- mais original, através de duas formas sucessivas de
meiro-ministro (setembro de 1962) e de presidente da socialização: a) a autogestão; b) a revolução agrária
República, em 1963. Apesar de seu prestígio popu- pela qual a "desprivatização da produção marcha
lar, acabou sendo deposto pela oposição militar, e foi ?t, par a par com uma reorganização do espaço agrícola
substituído por Houari Boumedienne, em 1965. no quadro da comuna" (Jean Le Coz, op, cito ,p.
Tratava-se para a Argélia de erguer um país em 220). Apesar de tratar-se de uma experiência re-
ruínas através de uma política de desenvolvimento cente, os resultados sociais são positivos. Mas sobre
econômico e social, com poderes concentrados no eles pesam também severas críticas, sobretudo no
exército e um regime político que dificilmente poderia referente ao crescimetno de uma classe de burocratas
106 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 107

que tende a paralisar as intenções construtivas e mundo árabe mas do cenário internacional. Adepto
anular os efeitos da "revolução agrária". fervoroso de Nasser, 'mostrou-se, posteriormente, in-
fenso à política de Sadate. Rica, bem armada e
governada carismaticamente, é inegável que a Líbia
de Kaddafi constitui uma ameaça e um desafio à
A Libia política das potências do Ocidente.
Com cerca de 1800000 km2 e 2 milhões de habi-
tantes, engloba três províncias (Tripolitânia, Cire-
naica e Fezzan), constituindo, até 1969, o Reino
Unido da Líbia. Noventa por cento de suas terras são
desertas e povoadas por tribos nômades. Após a
Segunda Guerra Mundial (durante a qual se desen-
rolou a chamada campanha da Líbia) , o país ficou
sob administração franco-britânica até 1949, quando
recebeu da ONU o direito de acesso à independência.
Em 1951, assumiu o governo o ex-emir Mohamed
Idris (herói da resistência nacional) com o título de
rei (ldris Al-Senoussi) que foi deposto por um golpe
militar chefiado pelo coronel M' Aammar Kaddafi.
Nessa data (setembro, 1969) instaurava-se a Repú-
blica Árabe da Líbia, também intitulando-se socia- t
lista. Dez anos antes, com a espetacular descoberta
do petróleo, o até então mais pobre país da região
tornou-se o mais rico do Maghreb, com reservas de
fácil exploração, superiores a quatro bilhões de tone-
ladas. Em dez anos apenas, a rendaper capita anual
saltou de 40 para 2 800 jiólares. O coronel Kaddafi,
muçulmano, convicto da sua ortodoxia religiosa,
impregnado dos ideais pan-ârabes, antiocidental, re-
toricamente socialista, representa, sem dúvida, uma
das personalidades mais controvertidas não só do
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 109

que confundir o importante ou o atuante com o re-


cente", pois "as sociedades humanas são pessoas
muito velhas que sofrem ainda profundamente a ação
dos hâbitos contraídos na sua infância" . Daí a neces-
sidade para o historiador de empreender a longa via-
gem através dos tempos, mas não sem antes "fazer e
refazer em pensamento um simples deslocamento no
espaço e num mundo muito atual".
Um dos fatores fundamentais que moveram as
CONCLUSÃO: ONTEM E HOJE sociedades árabes na sua história mais recente, face
às transformações que se operavam no mundo da
revolução industrial, do capitalismo e do socialismo,
foi o desejo, expresso coletivamente, de recuperar a
Uma visão sintética dos problemas com os quais dignidade e, portanto, a identidade definida no plano
se defrontam os países do Oriente Médio é tarefa internacional, de modo a superar os séculos de frus-
extremamente difícil. Tratar-se-ia de perceber a ex- tração e de dominação estrangeira. O nacionalismo,
trema diversidade étnica e cultural de povos que se mais do que uma ideologia burguesa, importada do
constituíram ao longo de milênios e forjaram sua solo europeu pelo capitalismo emergente do século
História de pastores, camponeses, artesãos e comer- XIX, foi a grande ideologia mobilizadora - ora
ciantes, através de lutas insanas, entrecortadas por pan-islâmica, ora pan-árabe, ora "faraônica" como
grandes movimentos demográficos, por explosões ,ÍT}
no caso egípcio - que arregimentou burgueses, inte-
místicas que construíram e derrubaram impérios e de lectuais, beduínos e felás, contra o dominador estran-
que resultaram modos de vida, mentalidades e civi- geiro, quer turco, quer europeu. Uma das grandes
lizações ricas e complexas. Seria enganoso pensar tragédias do nosso século residiu no fato de ele se ter
que fenômenos como o militarismo modernizante dos . desenvolvido paralelamente a outro nacionalismo -
atuais Estados árabes ou o "socialismo islâmico" de o sionismo -, ao mesmo tempo em que este ganhava
um Kaddafi poderiam ser explicados através de um corpo, força e poder de expansão. O nacionalismo
modelo qualquer tão do gosto da moderna ciência judeu - também legítimo nas suas raizes sociais e
pollílca, Como ].os lembra Marc Bloch (Seigneurie humanitárias - por várias injunções internacio-
'i'rllll('uise et Manoir Anglais , Paris, Armand Colin, nais, apresentava-se como algo imposto de fora, su-
l%(), pp, 11·12), "não há maior erro na história do jeito, sobretudo da política de Harry Truman em
110 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 111

diante, às exigências da política americana e de seus mais pobres da face da Terra, hoje uma grande parte
conflitos com a União Soviética. Nessas condições, pertence a um grupo de países que se distinguem dos
o Estado de Israel, visto no confuso quadro político demais por possuírem a renda per capita mais ele-
local e na perspectiva das esquerdas do Terceiro vada do mundo. Se considerarmos pelos critérios
Mundo como "uma ponta de lança do imperialismo" econômicos que a marca de 1.500 dólares (por habi-
no Oriente árabe, tendo de enfrentar uma luta de tante e por ano) separa países ricos dos países po-
vida e de morte por sua própria implantação e sobre- bres, verifica-se que quatro países, dotados de estru-
vivência, entregue cada vez mais a grupos internos turas sociais e econômicas nitidamente pré-indus-
reacionários e militaristas, xenófobo e antiárabe pela triais, ultrapassaram de muito aquele limite: o Ko-
natureza do Estado confessional, perdeu a grande weit com mais de 11.000 dólares, a Líbia com 5.200
oportunidade histórica de erguer na região uma so- dólares, a Arábia Saudita com 3.200 dólares e o Irã
ciedade moderna, avançada e livre, social, econô- (fora dos países árabes) com 1.500 dólares (a relação
mica e politicamente, capaz de abrir o caminho para não inclui os emirados do Golfo Pérsico). Ás vésperas
um amplo movimento de transformação, não apenas da Segunda Guerra Mundial, o Oriente Médio con-
na Palestina, mas no conjunto do Oriente Médio. tribuía com 5% da produção mundial de petróleo
É possível também que a presença dos judeus, com que era, então, de 300 milhões de toneladas. Em
sua extraordinária superioridade técnica e científica, 1974 (ano recordista de produção), o Oriente Médio
com sua longa vivência histórica, tenha sido o sinal já produzia 38% do total de três bilhões de tone-
de alerta para os poderosos locais, retrógrados e ladas. Por outro lado, os estados produtores adqui-
insensíveis à miséria de seu próprio campesinato, riram um grande poder de barganha no tocante à
constituindo-se, assim, num "mau exemplo" e, por- fixação dos preços, introduzindo, dessa forma, um
tanto, numa ameaça a ser descartada. Esse terrível elemento de pressão sobre as economias dos países
desencontro histórico - entre árabes e judeus -, ocidentais, com graves efeitos sobre o sistema finan-
reforçando racismos e desígnios bíblicos, é uma das ceiro internacional. Várias perguntas se poderiam
características mais sombrias da irracionalidade dos fazer: que benefícios advêm para as populações lo-
nacionalismos do mundo atual. O martírio dos pales- cais desse fantástico fluxo de riquezas? Que trans-
tinos aí está como prova. formações sociais poderão ocorrer no dia em que os
Outros aspectos da "questão árabe" mereceriam "nacionalismos" locais se voltarem contra seus líde-
destaque nestas páginas de conclusão. Entre eles, o res carismáticos e teocráticos, exigindo a concreti-
extraordmárío fato representado pelo petróleo. Se há zação de reformas que a retórica "socialista" en-
trinta anos, os árabes se situavam entre os povos cobre?
112 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 113

Uma segunda questão diria respeito à sobrevi- cidade terrestre é possível, que está em marcha um
vência das minorias religiosas e étnicas, no Líbano, progresso nesse sentido, que vale a pena lutar por
na Síria, no Iraque, no Maghreb. Restaria saber se uma humanidade sem exploração e sem opressão".
na busca de uma identidade nacional, os regiona-
lismos serão superados e o caráter "religioso" das
instituições políticas deixarão de ser o "ópio" das
massas. Os Estados árabes, como os do mundo
muçulmano em geral, viveram a descolonização, re-
jeitaram a dominação direta dos imperialismos mas
se viram entre duas ideologias conflitantes - o capi-
talismo e o socialismo -, na realidade, entre dois
sistemas sócio-econômicos que se identificam pela
concepção tecnicista da sociedade, mas que se dis-
tanciam quanto à gestão dos recursos e à repartição
dos benefícios, ambas, porém, extremamente reno-
vadoras e revolucionárias no Islã tradicional. Nessas
condições, não deixa de ser pueril tentar definir os
sistemas que aí são gerados: capitalista, socialista,
fascista, autoritário, despótico, autocrático e assim
por diante. Na realidade, rótulos e chavões nada
esclarecem. Quaisquer que eles sejam, refletem lutas,
combates, mudanças em curso. Concluindo com as
palavras de um grande orientalista, Maxime Rodin-
son (Islam et Capitalisme, Paris, Ed. du Seuil, 1966,
p. 242): "Como quer que seja, com ou sem Islã, com
ou sem tendência progressista do Islã, o futuro do
mundo islâmico é a longo prazo um futuro de lutas.
Na terra, as lutas se desencadeiam e se desenrolam
por objetivos terrestres, mas sob o estandarte das
idéias. A idéia que se apossou da Europa e, depois,
do mundo nos últimos dois séculos é a de que a feli-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes l1S

Tudo é História, vol. 3, 1981; Jean Le Coz, Les Re-


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1966. Sobre os árabes e sua história moderna: Ma-
xime Rodinson, Les Arabes, Paris, PUF, 1979; Jac-
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Por ser extremamente rica a literatura interna- Ed. du Seuil, 3!l ed., 1969; Edward Atiyah, The
cional sobre o Islã, o mundo árabe e o Oriente Arabs, Londres, Penguin Books, 1955; C. Brockel-
Médio, limitamo-nos, aqui, a fornecer algumas indi- mann, Histoire des Peuples et des États Islamiques,
cações de leitura suplementar mais gerais e acessíveis Paris, Payot, 1949; Pierre Keller, La Question Ara-
ao leitor não especialista. Para uma visão mais abran- be, Paris, PUF, Col. Que sais-je?, 1948; EDMA
gente do mundo contemporâneo, com ênfase nos (Encyclopédie du Monde Actuel), Les Arabes, diri-
problemas do Terceiro Mundo: Pierre George, Pano- gida por Charles-Henri Favrod, Paris, 1975; Peter
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en Égypte (1945-1970), Paris, François Maspero,
2~ ed., 1971, Anouar Abdel-Malek, La Pensée Poli-
tique Arabe Contemporaine, Paris, Ed. du Seuil,
3~ ed., 1970. Omitimos, aqui, uma indicação biblio-
gráfica específica sobre o Estado de Israel e a questão Sobre a autora
palestina por tratarem de assuntos de outro livro
desta coleção. No entanto, como mera sugestão de lei-
tura para principiantes, indicamos: André Chou- Nasceu em Fortaleza em 1921. Seu interesse pela História se revelou
quando, em 1938, venceu a Maratona Intelectual promovida pelo MEC.
raqui, Histoire du Judaisme , Paris, PUF, Col. Que Iniciou e concluiu sua formação em História na Universidade do Brasil
sais-je?, S~ ed., 1974; Claude Franck Michel Herszli- (Rio de Janeiro) e nos Estados Unidos (Nova York). Fez sua carreira uni-
kowicz,Le Sionisme, Paris, PUF, Col. Que sais-je?, versitária na Faculdade Nacional de Filosofia (UFRJ) entre 1946 e 1969,
ano em que foi aposentada pelo AI-5, após ter conquistado, sucessiva-
1980; Olivier Carré, Le MouvementNational Pales- mente. por consursos públicos de provas e defesa de tese, o título de Livre
tinien, Paris, Col. Archives, 1977, além da revista Docente (1953) e o cargo de Professor Catedrático de História Moderna e
Revue d'Études Palestiniennes , publicada pelo Jns- Contemporânea (1957). Além de duas teses sobre história das relações
internacionais (as relações anglo-egípcias e o Sudão e as relações franco-
titut des Êtudes Palestiniennes, Beirute, Líbano. alemãs e o Marrocos), publicou artigos no Brasil, na Europa e na Améri-
ca' tendo participado de congressos, realizado conferências e lecionado
como Professor Visitante tanto na França (Universidade de Paris) como
<'.., nos Estados Unidos (Universidade de Columbia, Nova York),
Transferiu-se para a França em 1969 e foi nomeada Professeur Associé
de História Moderna e do Brasil na Universidade de Toulouse. De volta
Lei, ao Brasil, em 1975, passoua dedicar-se à pesquisa em história agrária.
Durante quatro anos, foi professora da Fundação Getúlio Vargas e de-
senvolveu o Programa de História da Agricultura Brasileira (Centro de
SBD I FFLCH I USP Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola, FIAP/FGV) sobre cujo
Seção: se Tombo: 273550 tema publicou numerosos artigos e os livros: História do Abastecimento,
Aquisição: Doação I uma Problemática em Questão (1530-1918), Historia Política do Abaste-

I Data:
N. GOLDSTEIN /
19/10/2006 Preço: 30,0~
I cimento (1918-1974) e História da Agricultura Brasileira. combates e
controvérsias, este em co-autoria com Francisco Carlos Teixeira da Sil-
va. Pela Brasiliense, publicou Ásia e África: a luta contra a metrópole
(Coleção Tudo é História). No momento, é Professora Visitante do Mes-
Irado em História da Universidade Federal Fluminense. Anistiada, re-
tomou à UFRJ.

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