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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.028.503 - MG (2008/0019188-3)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : A DE C A - MENOR IMPÚBERE
REPR. POR : S M DE C
ADVOGADO : ANA LUISA BRANDÃO TEIXEIRA BANTERLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : V G N - MENOR IMPÚBERE E OUTROS
REPR. POR : L DAS G N
ADVOGADO : SOLANGE NOGUEIRA MANSUR
EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE


CITAÇÃO DE LITISCONSORTE NECESSÁRIO. NECESSIDADE DE
PARTICIPAÇÃO DO HERDEIRO DO SUPOSTO PAI NO PÓLO PASSIVO
DA INVESTIGATÓRIA (ART. 363 DO CC/16). NULIDADE RECONHECIDA.
1. A ação de reconhecimento de paternidade post mortem deve necessariamente
ser proposta contra todos os herdeiros do falecido.
2. É cabível a ação rescisória para desconstituição de sentença homologatória de
acordo com trânsito em julgado.
3. Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira


Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros
Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina
votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 26 de outubro de 2010(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI


Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.028.503 - MG (2008/0019188-3)

RECORRENTE : A DE C A - MENOR IMPÚBERE


REPR. POR : S M DE C
ADVOGADO : ANA LUISA BRANDÃO TEIXEIRA BANTERLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : V G N - MENOR IMPÚBERE E OUTROS
REPR. POR : L DAS G N
ADVOGADO : SOLANGE NOGUEIRA MANSUR

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por A. de C. A. com fundamento


na alínea "a" do permissivo constitucional.

Ação: rescisória ajuizada pelo recorrente, com fundamento no art. 485,


incisos V e VIII (sic), do CPC, em face de V. G. N., menor nascido em 26/05/2000,
assistido por sua mãe, L. das G. N., com o objetivo de rescindir sentença proferida pelo
Juízo da Comarca de Senador Firmino - MG, que julgou procedente a ação de
investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos proposta pelo recorrido.
Tendo em vista o falecimento do pai do recorrido, o pedido investigatório foi ajuizado
em face de W. A. N. e L. H. A., seus avós paternos, com fundamento no art. 367 do
CC/16 (fls. 2/47). Alega o recorrente que deveria ter participado do polo passivo da
relação processual constituída na ação de investigação de paternidade, pois é herdeiro do
investigado, já falecido. Nesse contexto, a sentença que reconhecera a alegada
paternidade afrontou o que está disposto nos arts. 363 e 1.603, I, do CC/02, bem como no
art. 3º do CPC.
Contestação: em sua defesa, V. G. N. e seus avós paternos arguiram
preliminar a inépcia da inicial, pela ausência de autenticação dos documentos que a
instruíram. No mérito, alegam a inexistência de violação a qualquer dispositivo legal ou
mesmo erro de fato (fls. 61/75).
Parecer: o MP/MG opinou pela rejeição da preliminar de inépcia da
inicial e, no mérito, pela manutenção da sentença rescindenda (fls. 106/110).
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Acórdão: o TJ/MG julgou improcedente a ação rescisória ajuizada pelo
recorrente, nos termos da seguinte ementa (fls. 185/194):

AÇÃO RESCISÓRIA. BASILAMENTO NOS INCISOS V E IX DO


ARTIGO 485 DO DIGESTO INSTRUMENTAL. OPORTUNO
AFORAMENTO. INOCORRENTES AS INFRAÇÕES ALARDEADAS. 'Se,
em todos os casos de interpretação de lei, por prevalecer aquela que nos pareça
menos correta, houvermos de julgar procedente ação rescisória, teremos
acrescentado ao mecanismo geral dos recursos um recurso ordinário com prazo
de dois anos' (RT 77/489). 'Para que o erro de fato legitime a propositura da
ação rescisória, é preciso que tenha influído decisivamente no julgamento
rescindendo; em outras palavras, é preciso que a sentença seja efeito do erro de
fato; que haja entre aquela e este um nexo de causalidade' (RT 501/25).

Recurso especial: alega violação dos arts. 3º do CPC, 363 e 1.603 do


CC/16 (fls. 198/202).
Juízo prévio de admissibilidade: decorrido o prazo legal sem
apresentação das contrarrazões (fl. 205), o TJ/MG negou seguimento ao recurso especial
(fls.207/210), o que ensejou a interposição de agravo de instrumento (Ag 792.453/MG),
ao qual dei provimento para melhor exame da matéria (fl. 217).
Parecer do MPF: de lavra do i. Subprocurador da República Henrique
Fagundes Filho, opina-se pelo parcial provimento do recurso especial no que se refere à
alegada violação dos arts. 485, V, do CPC; 363 e 1.603 do CC/16 (fls. 222/227).
É o relatório.

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REPR. POR : S M DE C
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ADVOGADO : SOLANGE NOGUEIRA MANSUR

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cinge-se a lide a determinar a possibilidade de rescisão de decisão


proferida no julgamento de ação investigatória de paternidade em virtude da ausência de
citação do recorrente. A ação na qual foi proferida a sentença rescindenda foi ajuizada
em face do falecido W.A.N., que também era pai do recorrente, de maneira que sua
citação para os termos da ação de investigação de paternidade seria obrigatória, de acordo
o disposto no art. 363 do CC/16, vigente à época do reconhecimento.

I – A legitimidade passiva do herdeiro-recorrente para contestar


ação de investigação de paternidade ajuizada em face de seu falecido pai e a
necessidade de rescisão da sentença proferida naqueles autos. Violação dos arts. 363
e 1.603 do CC/16 e 485, V, do CPC

Conforme aduz o recorrente, o acórdão proferido pelo TJ/MG, ao negar


provimento à ação rescisória por ele ajuizada, violou os arts. 3º e 485, V, do CPC, pois
não reconheceu na sentença rescindenda a ofensa ao arts. 363 e 1.603 do CC/16. O art. 3º
do CPC não foi mencionado no acórdão recorrido, de modo que não restou
prequestionado. Por essa razão, este recurso especial não poderá abordar sua violação.
A sentença rescindenda, proferida nos autos de investigação de
paternidade, não determinou a inclusão do recorrente - herdeiro do falecido que foi
declarado pai do recorrido - no polo passivo da ação, promovida apenas contra seus avós

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paternos.
Ocorre que os efeitos da sentença que declarou a paternidade do
recorrido também alcançaram a esfera jurídica do menor A. de C. A. Conforme assevera
o Prof. Cândido Rangel Dinamarco, a condição de litisconsorte necessário do recorrente
decorre de expressa determinação dos arts. 363 e 1.603 do CC/16, vigentes à época do
ajuizamento da investigatória:

São casos, pois, de litisconsórcio necessário unitário que assim têm sido
afirmados pelos tribunais e pelos doutores (...):

b) ação de investigação de paternidade proposta após a morte do suposto


pai, na qual todos os herdeiros e legatários deste serão sujeitos passivos
indispensáveis. O vigente Código Civil não reproduziu o art. 363 do antigo,
que continha expressa abertura para este litisconsórcio necessário, mas isso
não exclui a necessariedade porque o status familiae do autor é um só e não
comporta apreciações heterogêneas, seguindo-se daí que este litisconsórcio é
iniludivelmente unitário (...).
(Dinamarco, Cândido Rangel. Litisconsórcio. São Paulo: Ed. Malheiros,
8ª Ed., 2009, p. 195/196 – grifos nossos)

Assim, existindo herdeiro filho, como na hipótese dos autos, é imprescindível


a sua participação na ação de investigação de paternidade proposta em face de seu
pai, já falecido. Sendo a citação de todos os litisconsortes necessários um
pressuposto de existência da relação processual, a consequência jurídica da
ausência de manifestação do recorrente nos autos da investigação de paternidade é
a impossibilidade de que lhe sejam estendidos os efeitos da decisão rescindenda,
pois ele não integrou a lide. Nesse sentido, é mais uma vez pertinente a lição do
Prof. Cândido Rangel Dinamarco:

Não implementado o listisconsórcio necessário, será nula a sentença


assim proferida sem a presença de partes indispensáveis. (...). Essa é uma
nulidade absoluta, porque não diz respeito exclusivamente ao interesse das
partes do processo, mas da própria Justiça e dos terceiros omitidos; por ser
absoluta, ela será reconhecida pelo tribunal ao qual a causa for endereçada em
eventual recurso, mesmo que nenhuma das partes a invoque ou peça a anulação
da sentença (arts. 245, par., e 267, §3°). Se ocorrer o trânsito em julgado, será

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admissível a ação rescisória (art. 485, inc. V) (...). Em caso de litisconsórcio
necessário por força de lei, terá sido violada também a específica disposição de
que o exige.
(Dinamarco, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil,
Vol. II. São Paulo: Ed. Malheiros, 2ª Ed., 2002, p. 355/356 – grifos nossos)

O reconhecimento da paternidade, portanto, jamais poderia ter ocorrido


sem manifestação do herdeiro do falecido W.A.N., ora recorrente e também menor de
idade – conta atualmente com 16 anos (fl. 47). A falta de citação do recorrente não
somente violou expressa disposição legal (art. 363 do CC/16), como também impediu o
exercício dos direitos constitucionais de ampla defesa e do contraditório do recorrente,
previstos pelo art. 5º, LV, da CF/88.
É inegável, além do mais, que a esfera jurídica do recorrente será
alcançada pelos efeitos da sentença proferida nos autos da ação de investigação de
paternidade. Caso o recorrido seja reconhecido como filho do falecido W.A.N., o
recorrente sofrerá uma significativa alteração em seu status familiae , com o surgimento
de um irmão cuja existência até então era desconhecia. Desse modo, a verificação da
paternidade não criará somente laços afetivos entre recorrente e recorrido; trará também
consequências jurídicas diversas, especialmente no que se refere aos direitos sucessórios
das partes.
Logo, na qualidade de herdeiro do suposto pai, o recorrente não tem
somente legitimidade, mas também duplo interesse no resultado da ação de investigação
de paternidade que foi ajuizada contra o falecido. Seu interesse de ordem moral, nesse
sentido, decorre do fato de não desejar a atribuição de prole alheia ao de cujus. O
interesse de ordem econômica, por sua vez, diz respeito à recuperação da integralidade de
sua quota nos bens deixados por ocasião do falecimento de seu pai.
A ação de reconhecimento de paternidade post mortem, por conseguinte,
deve necessariamente ser proposta contra todos os herdeiros do falecido, de maneira que
o recorrente deveria ter composto o polo passivo da ação de investigação de paternidade.
A afirmação do acórdão recorrido, no sentido de que “com ou sem
participação de representante legal do autor naquele feito [a ação de investigação de

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paternidade], em nada mudaria o ali decidido, onde se inoperou qualquer
contenciosidade; muito ao contrário, derivou-se dali um ponderado proceder dos avós
paternos” (fl. 188), tampouco altera essa conclusão. Não se desconhece a divergência
doutrinária e jurisprudencial acerca do cabimento da ação rescisória para atacar sentença
homologatória de acordo, como na espécie dos autos (fl. 35). Ocorre que, a despeito do
trânsito em julgado da sentença homologatória da transação celebrada entre o recorrido e
os avós paternos do recorrente, o Judiciário não pode furtar-se à apreciação da ineficácia
da decisão atacada, por suposta falta de citação de quem deveria ser litisconsorte passivo
necessário.
A exclusividade da ação anulatória prevista no artigo 486 do CPC para a
declaração de nulidade da sentença proferida sem a citação de litisconsorte necessário,
apesar de defendida por alguns doutrinadores, representa solução extremamente marcada
pelo formalismo processual, pois qualquer via é adequada para insurgência contra o vício
verificado na presente hipótese. Com efeito, o princípio da fungibilidade dos meios
processuais autoriza o ajuizamento da rescisória para a impugnação da sentença proferida
em processo no qual não houve ou foi nula a citação do herdeiro em ação de investigação
de paternidade ajuizada em face de seu falecido pai.
A ausência de citação do litisconsorte necessário, além do mais,
configura hipótese de nulidade ipso jure, sendo certo que tais nulidades “devem ser
conhecidas e declaradas independentemente de procedimento especial para esse fim, e
podem sê-lo até mesmo incidentalmente em qualquer juízo ou grau de jurisdição, até
mesmo de ofício (...)” (Theodoro Junior, Humberto. Curso de direito processual civil.
Vol. I. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2004, p. 656). Assim, a desconstituição da sentença
rescindenda pode ocorrer tanto nos autos de ação rescisória ajuizada com fundamento no
art. 485, V, do CPC quanto nos autos de ação anulatória, declaratória ou de qualquer
outro remédio processual.
Portanto, considerando que o recorrente deveria ter integrado o polo
passivo da lide que deu origem à decisão rescindenda e que a ação rescisória é meio hábil
para a impugnação de sentença que desconsiderou essa peculiaridade, o acórdão
recorrido deve ser reformado.
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Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial


para o fim de decretar a rescisão da sentença proferida nos autos da ação de investigação
de paternidade ajuizada em face dos ascendentes de W.A.N. Condeno o recorrido ao
pagamento das custas e despesas processuais, bem como nos honorários advocatícios dos
patronos do recorrente, que fixo em 10% sobre o valor da causa, observado o disposto no
art. 12 da Lei 1.060/50.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2008/0019188-3 REsp 1.028.503 / MG

Números Origem: 1000000286722400 100000028672240014 1000002867224002 200601247806


286722001
PAUTA: 26/10/2010 JULGADO: 26/10/2010
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A DE C A - MENOR IMPÚBERE
REPR. POR : S M DE C
ADVOGADO : ANA LUISA BRANDÃO TEIXEIRA BANTERLI E OUTRO(S)
RECORRIDO : V G N - MENOR IMPÚBERE E OUTROS
REPR. POR : L DAS G N
ADVOGADO : SOLANGE NOGUEIRA MANSUR
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco - Investigação de Paternidade

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do
voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de
Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) votaram com a
Sra. Ministra Relatora.
Brasília, 26 de outubro de 2010

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA


Secretária

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