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Súplica
Tirem-nos tudo,
onde crescemos
um labirinto de xadrez…
da selva moçambicana
levar-nos
acorrentar-nos
o calor do lume,
e azorrague no dorso…
E o nosso queixume
de joelhos pedimos:
Tirem-nos tudo…
Negra
E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,
a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE.
- Noémia de Sousa, em "Sangue negro".
Se me quiseres conhecer
Se me quiseres conhecer,
Estuda com olhos de bem ver
Esse pedaço de pau preto
Que um desconhecido irmão maconde
De mãos inspiradas
Talhou e trabalhou em terras distantes lá do norte.
Se quiseres compreender-me
Vem debruçar-te sobre a minha alma de africa,
Nos gemidos dos negros no cais
Nos batuques frenéticos do muchopes
Na rebeldia dos machanganas
Na estranha melodia se evolando
Duma canção nativa noite dentro
José Craveirinha
África
Em meus lábios grossos fermenta
a farinha do sarcasmo que coloniza minha Mãe África
e meus ouvidos não levam ao coração seco
misturado com o sal dos pensamentos
a sintaxe anglo-latina de novas palavras.
E dão-me
a única permitida grandeza dos seus heróis
a glória dos seus monumentos de pedra
a sedução dos seus pornográficos Rolls Royce
e a dádiva quotidiana das suas casas de passe.
Mamanô
Voz de mufana
alargou a cidade com seus soluços de acusação.
pequeno xipocué
passou varando a noite algodoada de cacimba
a alma de órfã de mãe viva
Espezinhada!
Espezinhada!
Espezinhada!
E toda a sina atirada desesperadamente
num grito cheio como a sua vida:
– Mamanôôô...! Mamanôôô...!”
Cidade
Aonde vai o negrinho na noite
perdido na escuridão branca e maldita
(escuridão branca e maldita mil vezes maldita)
embrulhado no quente casaco de lã chamando cacimba
o vapor apitando no frenesi da partida
e os porões pejados de obscuros
filões vivos?
Cidade:
que é do negrinho quase nu
quase nu a chamar – ‘Mamanôôô...! Mamanôôô...!
descalço e solitário”comigo
naquela noite fatal de deportação
em que a angústia africana negra atravessou a ponte-cais
cobriu a cidade com a sua voz
e ninguém a ouviu descabaçando o silêncio
dos grandes prédios de cimento armado?
Cidade:
aonde está o órfão de mãe ainda viva
quase vestido quase morto
quase nu
pequeno xipocué chamando na nossa língua
– Ô ... Mamanôôô...! Mamanôôô...!
naquela noite fatal que exportou
duzentos e vinte e cinco homens
e cinquenta e três mulheres
para as roças de S. Tomé?
(Xigubo. Maputo: AEMO, 1995, pp. 38-39)
Pena
Zangado
acreditas no insulto
e chamas-me negro.