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Legitimidade Democratica das Politicas Publicas: uma Analise Mediante os Pressupostos Discursivos da Soberania Popular Tilio Cruz Nogueita’ 1 Obsticulos entre a scberania popular e 0 poder politico; 2 A proposta do agir comunicativo como controle de legitimidade democritica; 3 Igual- dade, inclusia e liberdade como parémetros legitimadores das politicas piblicas; 4 Conclusdes; Referéncias. 1 Obstaculos entre a soberania popular e o poder politico ‘A Constitui¢ao preceitua que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.” A soberania popular caracteriza-se pela mani festagao da vontade do povo sobre decisoes especificas, Segundo Fébio Konder Compa- zato, a soberania popular efetiva significa dar voz ¢ voto ao povo, nao s6 para eleger os xgovernantes, mas também para decidir diretamente as grandes questdes socioecond- micas do pais e controlar a a¢ao dos agentes piblicos.’ No sistema representativo,* o desempenho do representante potitico pode ser mais extensa ou ter finalidades diversas em relacio ao ato popular de escolha do agente politico, tendo em vista que os atos deste estardo acobertados pela presungao de legi- timidade durante o exercicio de seu mandato, Ao mesmo tempo, 0 povo pode nao ter 1 Mestre em Direito Politico ¢ Eeondmico pela Universidade Preshiteriana Macks 2 GF/88, an. 18, pardgrafo Unico. DispSe o antigo 14: “A soleania popular ed exerci plo ui wir sale plo vat diet eset, com valor igual par todos, 2, astm dale, mediante 1 plebsita -rafnde 1 ~ inca popula.” ° COMPARATO, Fabio Kender. Deswcricle Dieta /d. Disponivel em: . Acesso em: 12 fev. 2012 4 A demoeraeisrepresentativs “presupse um cajunes ae netituigser qu dsciptnam a parce popular nop ceo politico, que va formar ot direitos politicos que quai a cidadania” (TELLES, Marka Eugenia Raposo da Silva, Grupos de pres mgime representative. Sio Paulo: Instinute Brasileiro de Estudos Politicos, 1968, p. 47) Legttmidade Demacritics das PoliticesPablicac: uma Andlise Mediante os Pressupostos Discursivar’ 97 condigGes de manifestar sua vontade com base em preceitos democriticos e republi- canos, nem de ter efetivo controle sobre o poder politico® representad.° Os atos politicos do representante esto acobertados pela validade conferida pelo Direito, de modo a haver presungao juridica de identidade entre o poder popular e 0 poder politico,” Esse aspecto da representagio é ressaltado por Nadia Urbinati: © modelo juridico configura a relacdo entre representado e representante con- forme as linhas de uma légica individualista e nio-politica, na medida em que supe que os eleitores julgam as qualidades pessoais dos candidatos, ao invés de suas ideias politicas e projetos, Desta forma, a representagio nao € € ndo pode ser um processo, nem pode ser uma matéria politica (que implique, por ‘exemplo, uma demanda por representatividade ou representagio justa), de ini- cio pela simples razao de que, nas palavras de Pitkin, a representacao é “por definigao” “qualquer coisa feita aps 0 tipo correto de autorizagao ¢ dentro de seus limites”. ® sentido da representacdo politica est4 na possibilidade de controlar o poder politico airibuido a quem nao pode exercé-lo pessoalmente. Por isso, a democracia representa tiva exige, na pritica, que o poder politico se separe e se emancipe de sua legitimidade de origem, au seja, a soberania popular. Isso pode resultar no descompromisso pelos 5 © poder politico pose ser cancebido como uma forma abstraia do poder social, ariculada de forma es- vel que permite intervengbes sobre o poder aciministrativo. © poder social se expressa na eapacidade que tem de impor interesses superiores que podem ser perseguids de forma mais ou menos racional (HABER MAS, JOngen.Factiidad y valde. 4. ed. Madrid: rota, 2001. p. 365). A mpreentazo politica nf foncions par resolve o grandes problemas cla maior parte da papulasto. 0 pape dos legjsladoresreduse, para malora dos vtantes, ao de intermedirioe de avores pests perante o Execstve, O ele tor wots no deputado em tro de promessis de favorespssois; © depuca apa 0 poverno em toca de crgaseverbus para distrib entre seus eleitores Cria-se wna esquizofrnia politica: os eetoresdesprezam os polities, mas continua oto nels ra esperanga de bnefkio pesoais” (CARVALHO, José Mutilo de, Cidadania ne Bra; o longo cari ho. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilizaio Brasileira, 2002, p. 223-224) Para ilustrar o problema de forma especifica, ome-se o exemplo do obby do setor industrial que ari~ culainteresses perante agentes do governs, Consegue do Poder Publico uma série de vantagens,tuis como tratamento tributirio favorecido, crédito subsidiada com taxas de juros reduridas, protec especial contra competigio, entre outras, © sucesso politico das ineistrias, em decorréncia do lay, chegou a ser mensi- rado a partir dla andlise das agendas legistativa favordvels ao setor Industrial, no perfoxdo de 1996 a 2003, ‘Corestinouse que “tndipelentominte do tn de derste final toads, a ilistre btw: saves on nada iewas gut 15,7 or cao xmsideradas (144 sucess para wm total de 216 dacides). No geral, portato, exstamente dei asos se sucesso eerrem para said caso deinscesevivide pele etor® (MANSUCO, Wagner Pralon, O Lobby da Inds tia no Comgresso Nacional: Empresatiado e Politica no Brasil Comtemporineo, Revista de Cidmias Sociais Rio de Janeito, v.47, 083, p. 524, 2004) * URBINATI, Nadia. O que toma. eepresentasio democratica? Lua Nova, Sio Paulo, 267, p, 198, 2006, 98 0 Direwo eas Poblcas Poblicas no Brasil + Sibanlo/ Berton representantes com a vontade popular, como politicas puiblicas? discutidas ¢ aplicadas A revelia do povo e distante de seus valores e o| is Na teoria politica e constitucional, diz Comparato,"! povo no é um conceito des- critivo, mas claramente operacional. Nessa concepc%o, nio se busca uma realidade na vida social, do mesmo modo como a sociologia se empenha em classificar. Tal concei- to operacional na medida em que identifica no universo juridico-politico um sujeito para atribuicdo de certas prerrogativas e responsabilidades coletivas. A legitimidade, segundo Friedrich Miller, & exposta em sua explanacio sobre o povo como icone, quando ele afirma que a “iconizagéo unifica em povo” a populacio diferencia- dla e cindida pela diferenca segundo o género, as classes ou camadas sociais, a etnia, a cultura a religiéo. A populacio heterogénea ¢ unificada em beneficio de privilegiados €, por meio do monopilio da linguagem eda definicao nas mos de grupos deminantes, € ungida como povo e fingida como constituinte e mantenedora da constituigao. Esse “poder constituinte do pova” espelha a iluséo da unidade populacional.'? Na andlise de Miller, o Estado Constitucional possui o monopélio do exercicio le- gitimo da violencia, Trata-se do “poder-violéncia” criado de forma constitucionalmente necessiria com instalagio de uma competéneia decis6ria; assim, as decisGes de agen- tes do sistema juridico, que tenham carter de obrigatoriedade, so atribuidas a textos postos democraticamente em vigor no Estado de Direito, ou seja, devem ser atribufdas a textos de normas de forma convincente em termos de método. Diante desse fato, Miller analisa a legitimidade'* no caso de leis parlamentares pro- mulgadas de acordo com os triimites legais, porém esse parlamento nao é eficazmente ® Entends-se por politcas piblicas como decisbes espectficas decorrentes do poder politico. Corresponde 8 programas de acdo cujo ideal ¢ alcagar objetivos socials & que se prope obter resultados determinados tem certo espaco de tempo: “Pensa em politica pbc ¢ buscar acoordenagio, ea na atuago dos FoderesPiblicos, Exectivo, Legislative e Judiciri, ja entre ox nies federativo, sana interior do Gover, entre as iris pasta, sj, anda, consderando ainterug entre organisms da sociedad civil eo Esta” (BUCCI, Maria Paula Dalla (Org). Polisicas pbicas: refiexGes sobre 0 conceito juridico. Sio Paulo: Saraiva, 2006. p. 44). 10 A dificaldade da eoineidéncia entre a vontade do eleitor com a dos eleitos decorte da independéncia das manifestacées dos representantes eaclhidos e da fagmentagic da vontade geral do povo em vontaes parciais, pasando os 6rpios de representacio a expressarem interessesindividuais ou de pequenos grupos. (BONAVIDES, Paulo. Citas politica, 14, ed, So Paulo: Malheisos, 2007, p, 234-235), 4. COMPARATO, iio Konder. Varlacbes sobre conceit de powo no regime democrisen. Estedos Avan gadoe v.11, 0831, p. 213, 1997, 1 MOLLER, Friedrich, Quem # opova? A questio fundamental da demoeracia, 3. ed, Sio Paulo: Max Li. ‘monad, 2003. p. 72 Pus que deve var sew canstitigdo inves no seu tect poder consituint do povo, mas esa constcigto ~ come aconteceu no caso de Lei Fuxdamental slew & posta et vigor sem um procedimente demucrdtce? £0 gue vale, sea is parlamentares so promulgadascoretamente, mas seo parlamenta ndo ¢represntaivo'~em virtde de li fer frrudadas ou em virude de manipula do procediment de vot cu por razses similares, quer genericsrent, ser ro caso em questo? [=] © que deve var sles legtimas ou dcrts nos implementades pelo govern oa pela _sdinictragio palin ou asus eelizago se deencaminha cubjeiva ow objetivamente, ou dequnlqu made ajeiv rmenté?* (MOLLER, Fridvch, Op. city, p. 65-66).

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