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11, no 1, 16–27
Resumo
O presente trabalho buscou investigar as perspectivas de futuro de adolescentes de diferentes inserções so-
ciais da cidade de Brasília. Participaram dessa pesquisa 48 adolescentes matriculados no terceiro ano do
ensino médio de 4 escolas do Distrito Federal. Foi construído um instrumento composto por 36 proposições
com uma escala Likert de três pontos que abrangiam seis eixos temáticos: sentimentos e concepções em
relação ao futuro; ingresso na universidade; relacionamentos afetivos; emprego, profissão e carreira; situa-
ção brasileira e tendências atuais; diferenças escola/universidade e escola/trabalho. Após cada proposição,
um espaço foi destinado para comentários. A análise comparativa do posicionamento dos participantes em
relação aos diferentes eixos temáticos evidencia que havia, no momento da investigação, níveis semelhan-
tes de preocupação com a carreira universitária e profissional e que eles, independentemente do gênero e do
contexto institucional, têm perspectivas mais positivas em relação à continuidade dos estudos que em rela-
ção à transição ao mundo do trabalho.
Palavras chave: adolescentes, ensino médio, gênero, universidade, trabalho.
Perspectives of future among adolescents: College, work and relationships in the transition to
adulthood
Abstract
The present study investigated perspectives about future life among adolescents of different social and
geographical contexts in Brasilia (Brazil). The participants of the study were 48 adolescents studying at the
last term of high school in 4 different schools of Brasilia. The instrument developed for the study was a
three-point Lickert scale composed of 36 propositions divided according to 6 axes: feelings and conceptions
regard future life; transition to college/University; affective transactions; job, profession and career;
Brazilian contemporary scenery and economic perspectives; differences among school, college and
professional activities. For each proposition there was a line reserved for comments. Comparative analysis
of the perspectives of participants - considering the axes under investigation - showed similar concerns in
relation to college and to professional life. They also showed that, no matter the institutional context or
gender considered, participants had better perspectives about the continuation of their schooling than of
their transition to work and to a productive life.
Key words: adolescence; high school; gender; college; work.
_________________________________________________________________________________
Trabalho apresentado como Painel na XXXIII Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Belo Horizonte,
MG, outubro de 2003.
Agradecemos às instituições que gentilmente nos cederam espaço para a coleta dos dados, a Antônio Mário Lúcio de
Oliveira Jr., pela sua participação na primeira fase da pesquisa e a Hugo Máykeo Sá Fonsêca, pelo seu auxílio técnico.
Endereço para correspondência: SQSW 504 – Bloco G – Apto. 512, Sudoeste. Brasília, DF – 70673-507 –E-mail:
claudia@unb.br; mcsloliveira@terra.com.br
17 M.C.S. L.Oliveira, R.G.Pinto e A.S.Souza
25,1
% Respostas
Eixo 1 Eixo 2
78 37,4
3
62,7 63,2 5, 2 7, 7 9,1
4,5 7, 7 9 ,2
58,3 58,7
48,4
85% 23, 4
85% 20 3 2 ,7
22, 7 34,8 2 4 ,6 3 6 ,4
29,8
% Resposta
41
20%
1 2 3 4 5 6 Total 20
71, 4 72 ,3
68, 2 6 6 ,2
Eixos 51, 3
60,6 6 0 ,6
4 7,3
35% 35%
Figura 1. Porcentagem de respostas em cada Negativo
eixo e no total de respostas ao instrumento Parcial
Positivo
para todos os grupos. Eixo 3 Eixo 4
35% 35%
Da mesma forma, observa-se que, para
todos os eixos temáticos, à exceção do eixo 5 e Eixo 5 Eixo 6
do eixo 6, a porcentagem de respostas parcial-
mente favoráveis foi superior a de negativas,
fato que pode se dever tanto a variáveis do pró-
19, 2 21, 5
24, 2 30 , 8
85% 31, 2 31, 8 34, 5
47 , 2
prio instrumento (clareza das proposições, con- 70%
dições de aplicação etc.) quanto pode indicar as
35, 4
30, 8
12, 1 24, 2
43 , 1
condições concretas em que os participantes 31, 2 24 , 5 45, 5
56, 1 43, 1
chegam ao fim do ensino médio, sem clareza 50 51, 4
20% 26 , 2 28 , 3 20
35% 37, 7
acerca de seu lugar na vida produtiva e univer- 0,05). Como pode ser observado na Fig. 3, o
sidade. grupo Feminino obteve maior porcentagem de
Os dados foram submetidos a uma análi- respostas negativas do que o grupo Masculino.
se estatística do tipo Quiquadrado para verifi-
Eixo 2 – Expectativas quanto ao ingresso em uma
cação de diferenças significativas entre grupos
e quanto ao gênero.
universidade/faculdade
Conforme representado na Figura 1, a
Eixo 1
2,9
Eixo 2 Eixo 3 maioria das respostas a esse eixo foi positiva.
10,1 12,2
5,8
13,3
Entretanto, esse resultado não reflete as dife-
renças entre os grupos que a análise estatística
18,4
seus planos, desejos e valores na transição do não vivem, ao contrário do que preza o senso
ensino médio para a universidade ou trabalho, comum, atados ao presente. Eles demonstram,
considerado um dos indicadores para a condi- como buscamos evidenciar nas análises, um
ção adulta. Essa proposta foi recebida com bas- conjunto de expectativas coerentes em relação
tante entusiasmo, como explicitam os comentá- ao futuro pessoal e profissional. Os resultados
rios à questão aberta do questionário, transcri- indicam que os jovens desejam ingressar no
tos a seguir: “gostei dessa iniciativa de querer ensino superior, inserir-se no mundo do traba-
saber o que pensamos. Nossos medos e nossas lho por meio de atividades que tragam satisfa-
metas” (17, fem., A); “achei o questionário ção pessoal e têm como meta a constituição de
bem legal, ele conseguiu abordar vários assun- família. Ademais, é importante salientar que
tos, porém sempre relacionados à universidade. nos diferentes contextos socioeconômicos i-
Achei legal” (17, masc., B); “gostei muito des- dentificaram-se diferenças significativas quan-
se questionário, pois me ajudou a pensar mais to às perspectivas de futuro dos jovens da a-
ainda no meu futuro...” (21, fem., C); “acho mostra. Porém, apesar das diferenças encontra-
que vocês deveriam ter dado mais tempo de das, sentimentos de angústia, dúvida e indeci-
antecedência para nós fazermos, ou seja, ter são foram compartilhados entre os grupos, as-
entregado antes e dado um prazo de 3 dias para sim como a demanda por espaços e oportunida-
preencher (...) Vocês deveriam ter desenvolvi- des de discussão sobre o futuro. Nesse sentido,
do esses temas um pouco mais, com textos. é importante que as escolas abram espaço para
Após a entrega disto deveriam dar conselho em o amplo debate acerca dos temas investigados
forma de texto para quem fez.” (17 anos, nesse estudo, criando programas que ouçam e
masc., D). acolham a angústia dos adolescentes, sanando
Esses comentários assinalam clara de- dúvidas e inclusive, tanto quanto possível, en-
manda dos participantes por formas mais efeti- frentando, ainda no ensino médio, parte dos
vas de orientação educacional e para o traba- problemas estruturais que definem, antes e de
lho. Há lacunas e necessidade de sanar dúvi- fora, condições desiguais de acesso ao ensino
das, inseguranças e incertezas tanto no nível da superior e ao mundo do trabalho, para os ado-
escolha profissional, como do mundo trabalho lescentes e jovens de diferentes inserções de
e dos relacionamentos afetivos. A transição classe social.
marcada pelo encerramento do ensino médio,
enfrentamento do vestibular e expectativa de Referências bibliográficas
absorção pelo ensino superior exerce enorme
pressão sobre o jovem, freqüentemente acom- Blos, P. (1998). Adolescência: Uma interpreta-
panhada pelo medo do fracasso ou das conse- ção psicanalítica. São Paulo: Martins Fon-
qüências de escolhas mal sucedidas. Os partici- tes.
pantes expressam, ainda, a angústia frente ao Bock, A. M. B. e Liebesny, B (2003). Quem eu
caráter excludente do modelo de seleção ao quero ser quando crescer: um estudo sobre
ensino superior: “Quanto ao ingresso na uni- o projeto de vida de jovens em São Paulo.
versidade, acho que o processo poderia ser Em S. Ozella (Org), Adolescências constru-
mais justo, levando em conta o tempo de estu- ídas – a visão da psicologia sócio-histórica
do e o desempenho do aluno no decorrer da (pp. 205 -222). São Paulo: Cortes.
carreira estudantil (currículo escolar). Pois as Bohoslavsky, R. (1998). Orientação vocacio-
condições do vestibular levam a uma pressão nal: a estratégia clínica. (9 ed) São Paulo:
muito grande, desfavorecendo, muitas vezes, Martins Fontes.
pessoas capacitadas”. (16, masc., A); Cárdenas, C. J. (2000). Adolescendo: um estu-
“Vestibular – é o único ‘bicho-papão’ que me do sobre a constituição da identidade do
atormenta realizar meu sonho. Mas mesmo adolescente no âmbito da escola. Tese de
assim não desisto! O futuro nada mais é que doutorado, Universidade de Brasília.
tudo aquilo, que fazemos ‘aqui’, no presen- Cole, M. e Cole, S (2003). O desenvolvimento
te” (17 anos, fem., C). da criança e do adolescente. Porto Alegre:
Conclui-se, assim, que os participantes Artes Médicas.
27 M.C.S. L.Oliveira, R.G.Pinto e A.S.Souza