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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia da SBP—2003, Vol.

11, no 1, 16–27

Perspectivas de futuro entre adolescentes: universidade, trabalho e relacionamentos


na transição para a vida adulta

Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira, Raquel Gomes Pinto


e Alessandra da Silva Souza
Universidade de Brasília.

Resumo
O presente trabalho buscou investigar as perspectivas de futuro de adolescentes de diferentes inserções so-
ciais da cidade de Brasília. Participaram dessa pesquisa 48 adolescentes matriculados no terceiro ano do
ensino médio de 4 escolas do Distrito Federal. Foi construído um instrumento composto por 36 proposições
com uma escala Likert de três pontos que abrangiam seis eixos temáticos: sentimentos e concepções em
relação ao futuro; ingresso na universidade; relacionamentos afetivos; emprego, profissão e carreira; situa-
ção brasileira e tendências atuais; diferenças escola/universidade e escola/trabalho. Após cada proposição,
um espaço foi destinado para comentários. A análise comparativa do posicionamento dos participantes em
relação aos diferentes eixos temáticos evidencia que havia, no momento da investigação, níveis semelhan-
tes de preocupação com a carreira universitária e profissional e que eles, independentemente do gênero e do
contexto institucional, têm perspectivas mais positivas em relação à continuidade dos estudos que em rela-
ção à transição ao mundo do trabalho.
Palavras chave: adolescentes, ensino médio, gênero, universidade, trabalho.

Perspectives of future among adolescents: College, work and relationships in the transition to
adulthood

Abstract
The present study investigated perspectives about future life among adolescents of different social and
geographical contexts in Brasilia (Brazil). The participants of the study were 48 adolescents studying at the
last term of high school in 4 different schools of Brasilia. The instrument developed for the study was a
three-point Lickert scale composed of 36 propositions divided according to 6 axes: feelings and conceptions
regard future life; transition to college/University; affective transactions; job, profession and career;
Brazilian contemporary scenery and economic perspectives; differences among school, college and
professional activities. For each proposition there was a line reserved for comments. Comparative analysis
of the perspectives of participants - considering the axes under investigation - showed similar concerns in
relation to college and to professional life. They also showed that, no matter the institutional context or
gender considered, participants had better perspectives about the continuation of their schooling than of
their transition to work and to a productive life.
Key words: adolescence; high school; gender; college; work.

_________________________________________________________________________________

Trabalho apresentado como Painel na XXXIII Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Belo Horizonte,
MG, outubro de 2003.
Agradecemos às instituições que gentilmente nos cederam espaço para a coleta dos dados, a Antônio Mário Lúcio de
Oliveira Jr., pela sua participação na primeira fase da pesquisa e a Hugo Máykeo Sá Fonsêca, pelo seu auxílio técnico.
Endereço para correspondência: SQSW 504 – Bloco G – Apto. 512, Sudoeste. Brasília, DF – 70673-507 –E-mail:
claudia@unb.br; mcsloliveira@terra.com.br
17 M.C.S. L.Oliveira, R.G.Pinto e A.S.Souza

A adolescência é uma construção soci- profissão, formação e emprego, sem dizer as


al que nos dias de hoje corresponde ao conjun- necessárias escolhas afetivas. A velocidade das
to das experiências entre a infância e a idade transformações sociais, as incertezas econômi-
adulta, em que uma seqüência de transforma- cas globais, os avanços tecnológicos são fato-
ções biopsicossociais se processa, com signifi- res que contribuem para transformações mar-
cados distintos conforme o contexto sociocul- cantes no mundo do trabalho na atualidade,
tural considerado. tornado as escolhas no campo profissional par-
A vivência da adolescência envolve o ticularmente difícil para os jovens. Talvez, pela
sujeito em descobertas, anseios, escolhas e de- complexidade das escolhas, esta fase é marca-
safios, e têm como conseqüência marcante sua da por incertezas e dúvidas, na qual muitos
reestruturação psíquica, bem como a mudança adolescentes se sentem confusos e com dificul-
de seu papel na sociedade (Erikson, 1987; Cole dade de estabelecer opções.
e Cole, 2003; Santrock, 2003). Blos (1998) assinala que a profissionali-
O adolescente se encontra num processo zação é o processo mais importante na direção
de conquista de autonomia e para ele o futuro da consolidação dos interesses do ego, na fase
se coloca como uma interrogação. O presente é final da adolescência. A inquietude, a curiosi-
objeto de constante questionamento, enquanto dade, a criatividade e a espontaneidade preci-
seus investimentos subjetivos são potencial- sam ser, nesse momento, canalizadas para uma
mente capitalizados para o futuro. O adoles- opção profissional criativa (Moreira, 2001). O
cente vive no campo das virtualidades, o que o modo particular da escolha profissional de cada
move à reflexão acerca do que pode vir a ser, jovem expressa sua avaliação de passado e pre-
buscando integrar suas experiências passadas, sente, criando os meios para as projeções de
desenvolvendo a consciência de ser autor de futuro. Bock e Liebesny (2003) assinalam a
seu próprio destino (Cárdenas, 2000). interdependência entre o senso de identidade
Autores como Levisky (1995), Quapper do jovem e seu projeto de futuro, realizando
(2001) e Lopes de Oliveira (2004) ressaltam adaptações e traduções pessoais de crenças e
que, na contemporaneidade, a conquista de um valores socialmente estabelecidos.
lugar no mundo social adulto depende de pro- A identidade ocupacional é definida por
cessos de crescente complexidade, tornando a Bohoslavsky (1998) e Moreira (2001) como
fase de adolescência mais prolongada e, ao que um “momento de um processo que está subme-
parece, mais penosa. Inexiste um único ritual tido às mesmas dificuldades da construção de
de passagem. São necessários vários pequenos uma identidade pessoal” (Moreira, 2001:195).
rituais, em diferentes setores da vida psicológi- Ocupação não é somente o que se quer fazer,
ca, familiar e comunitária para se alcançar o mas aquilo que se deseja ser – é o fruto de uma
status de adulto socialmente integrado. Em es- relação construída entre o indivíduo e seu con-
pecial, nos contextos urbanos, e conforme o texto sócio-histórico-cultural. Os interesses do
grupo social e a individualidade do adolescen- adolescente são produtos da interação de uma
te, esses rituais podem envolver: o primeiro ampla gama de variáveis, como o meio social,
amor romântico, o(a) primeiro(a) namorado(a), o grupo familiar e as identificações pessoais,
a iniciação sexual, a conclusão do ensino regu- não havendo como estabelecer de modo preci-
lar; o primeiro ato de transgressão, o vestibu- so a forma como cada uma contribui na estru-
lar, o primeiro emprego, o casamento, o alcan- turação da identidade ocupacional.
ce do sucesso profissional, o nascimento do O contexto sociocultural e institucional
primeiro filho, enfim, um conjunto de proces- medeia a relação do jovem com o mundo. Em
sos, que o adolescente atravessa a fim de con- especial, a família pode exercer grande impac-
solidar sua identidade adulta e ser acatado nes- to em sua inclinação profissional, guiando suas
te outro grupo etário (Cole e Cole, 2003). escolhas na direção daquilo que converge para
Os adolescentes que têm a oportunidade as crenças e valores familiares. Conciliar as
de chegar ao ensino médio são desafiados a diferentes expectativas familiares acerca de si
definir um projeto de futuro. Eles devem con- culminando em escolhas conscientes é uma
solidar a um só tempo opções que integram grande dificuldade para a maior parte dos jo-
18 Perspectivas de futuro entre adolescentes

vens. o envolvimento em modalidades de trabalho


As mídias também são parte deste cená- informal ou ilegal, qualquer um dos quais o
rio. Cotidianamente, exibem ocupações e esti- mantêm à margem do sistema social, sem ga-
los de vida apresentados como capazes de ga- rantia de direitos como trabalhador.
rantir sem outro esforço sucesso profissional, Dessa forma, o acesso e a permanência
retorno financeiro e status social diferenciados. no ensino superior, ao longo das décadas, se
Por outro lado, deixam de divulgar informa- mantêm bastante elitizados, principalmente nas
ções acerca de papéis profissionais de grande universidades públicas. Conforme discutido
demanda e relevância para a qualidade de vida por Maia (1989), isso ocorre porque os alunos
social. provenientes das camadas populares não rece-
No que concerne a escola, esta tem re- bem da escola condições de competir por vagas
presentado historicamente uma importante fon- no sistema público de ensino superior, em i-
te de referência para o adolescente. Quando as gualdade com os das camadas altas. Ademais,
políticas educacionais definem como objetivo encontram-se privados do acesso a muitos dos
do Ensino Médio a preparação para o ingresso saberes e práticas que os das camadas altas
no Ensino Superior, ignorando as contradições detêm, tais como: computação, língua estran-
sociais que privam do acesso a este nível de geira, atividades desportivas, fatos que ampli-
ensino a imensa maioria da população de 18 a am o fosso entre os dois grupamentos sociais.
24 anos; ou inda, ao priorizar determinadas Desta forma, o sucesso dos jovens que alcan-
carreiras e estilos de trabalho em detrimento de çam a universidade pública, embora apresenta-
outros, a escola desestimula adolescentes e jo- do como mérito acadêmico e intelectual, é, na
vens a buscarem alternativas ocupacionais cria- verdade, determinado sócio-economicamente
tivas e inovadoras. (Santos, 1998).
Ponderando entre as informações conflu- O trabalho de Günther e Günther (1998)
entes da família, da realidade social e da escola sobre as perspectivas de futuro de jovens de
sobre o mundo do trabalho e, tendo em conta Brasília corrobora as reflexões acima, apontan-
suas especificidades desenvolvimentais, o ado- do que os que são provenientes de escolas par-
lescente delineia perspectivas, criando um ce- ticulares têm melhores expectativas quanto ao
nário de futuro, do qual a formação universitá- futuro. Conforme eles, “a percepção de acesso
ria e a vida profissional são partes importantes. às futuras oportunidades são mediadas pelo
Entretanto, as variáveis de ordem subje- ambiente social mais amplo” (p. 204). Para os
tiva e psicossociais não são as únicas a interfe- alunos de escola pública, o ambiente social dos
rir nas escolhas e a definir condições para a não tem sido favorável ao ingresso na universi-
realização profissional. Variáveis macrossoci- dade e no mercado de trabalho. Estudar não
ais igualmente afetam as condições de ingresso tem representado a porta de acesso a uma vida
do jovem na universidade. Sabe-se que em fun- de melhor qualidade para esses jovens que,
ção da alta defasagem idade-série que caracte- mesmo quando conseguem ultrapassar o garga-
riza a carreira escolar dos estudantes brasilei- lo do acesso, não se sustentam no sistema, da-
ros, a conclusão do ensino fundamental requer, das as características da jornada acadêmica
para a maioria deles, cerca de 11 anos de esco- universitária que impossibilita a conciliação
larização. Porém o censo escolar do IBGE de com o trabalho.
2000 demonstra que a média de permanência Considerando a complexidade do panorama em
do brasileiro na escola é de 7,1 anos. Assim, que se inserem os processos de escolha e inser-
infere-se que o adolescente típico deixe a esco- ção no trabalho, o presente trabalho buscou
la sem concluir o ensino médio, ficando impe- investigar as perspectivas de futuro de adoles-
dido de ingressar na universidade e insuficien- centes de diferentes inserções sociais da cidade
temente qualificado para concorrer a uma vaga de Brasília.
no mercado de trabalho, considerando-se as O objetivo da investigação foi identificar
altas exigências de formação educacional ad- as perspectivas dos participantes acerca dos
vindas daí. O que lhe resta é o trabalho tempo- seguintes eixos temáticos: (1) sentimentos e
rário, sub-remunerado e não regulamentado, ou concepções em relação ao futuro; (2) ingresso
19 M.C.S. L.Oliveira, R.G.Pinto e A.S.Souza

na universidade; (3) relacionamentos afetivos; favorecer o contraste entre perspectivas de fu-


(4) emprego, profissão e carreira; (5) situação turo mediadas por contextos socioculturais e
brasileira e tendências atuais; (6) diferenças econômicos distintos.
escola/universidade e escola/trabalho. Os questionários foram aplicados nas
salas de aulas, pelos próprios pesquisadores,
Método nos grupos A e B, e pelos coordenadores de
Paricipantes turno das escolas, nos grupos C e D. As turmas
participantes foram indicadas pela administra-
Participaram dessa pesquisa, 48 adoles-
ção de cada escola, sendo esclarecido que a
centes de ambos os sexos (25 do sexo feminino
participação individual era voluntária. O tempo
e 23 do sexo masculino), estudantes do terceiro
utilizado para o preenchimento do questionário
ano do ensino médio de quatro escolas do Dis-
foi de 30 minutos, em média.
trito Federal, categorizados como grupo A.
As análises envolveram estratégias de
Suas idades variavam entre 16 e 21 anos
pesquisa quantitativa e qualitativa. As repostas
(média de 17 anos) e nove participantes conci-
ao questionário foram, primeiramente, catego-
liavam escola e trabalho. Estando prestes a fi-
rizadas em positivas, negativas e parcialmente,
nalizar a educação básica e, por princípio, no
levando-se em conta o núcleo temático subja-
auge das reflexões sobre os cenários futuros,
cente à assertiva. Como cada eixo temático foi
temas como vestibular, carreira, futuro profis-
expresso no instrumento por meio de proposi-
sional, estariam no centro de suas preocupa-
ções apontando perspectivas positivas ou nega-
ções e interesse.
tivas, adotou-se como estratégia de análise, a
Três variáveis foram levadas em conta:
fim de homogeneizar os dados, a inversão de
sistema educacional (rede pública ou privada);
pontos (de concordância para discordância)
localização da escola (Plano Piloto ou Satélite);
para as proposições apresentando perspectivas
e, gênero.
negativas, a saber: 1, 4, 5, 9, 14, 15, 16, 17, 20,
Instrumento 22, 23, 24, 25, 26, 27, 33 e 35.
Foi elaborado para o estudo um questio- A análise qualitativa tomou como base
nário, cuja primeira parte compunha-se de da- os comentários apensados às proposições. Fo-
dos de identificação quanto ao sexo, idade, se ram categorizados, de forma a qualificar as
trabalhador ou não, e ao sistema de ensino da particularidades subjetivas de cada participante
escola (público ou privado). Na seqüência, 36 e dos grupos em relação aos temas presentes no
proposições assertivas, dotadas de três possibi- instrumento. O comentário final não foi objeto
lidades de resposta: “concordo”, “concordo de análise específica.
parcialmente” e “discordo”, na forma de escala
Lickert de três pontos (Anexo 1). Ao fim de Resultados
cada proposição, havia um campo para comen- (a) Análise estatística das repostas ao questioná-
tários complementares, bem como ao final, rio.
outro campo para comentários e apreciações Na Figura 1 está representada a porcen-
gerais sobre os tópicos enfocados e o próprio tagem total de respostas para cada eixo temáti-
instrumento. co. Tomando-se o total de respostas dos sujei-
tos às proposições, temos que a maioria das
Procedimentos de coleta e análise dos dados respostas foi positiva, em relação aos tópicos
Nas análises, os sujeitos foram agrupa- em análise no instrumento, o que significa a
dos de acordo com as escolas de origem. As- predominância nas perspectivas de um hori-
sim, o grupo A refere-se à escola pública de zonte de futuro favorável. O eixo 4 recebeu a
Brasília - Asa Sul (região de classe média alta maior porcentagem de respostas positivas e o
e alta do DF), o grupo B, à escola particular de eixo 6, a menor, o que evidencia que os jovens
Brasília. O grupo C refere-se à escola pública possuem muitas expectativas quanto ao futuro
de Taguatinga, cidade-satélite (de classe média emprego (eixo 4), contudo, temem as diferen-
e média baixa) e o grupo D à escola particular ças entre o contexto escolar e os futuros con-
da mesma cidade-satélite. A opção por escolas textos de convivência ainda não conhecidos
20 Perspectivas de futuro entre adolescentes

tilhar perspectivas nebulosas acerca do futuro


5,8
6,6
15 , 4
9,7
15 , 1
Negativo global e profissional, a despeito do otimismo
16 , 2 26,5
32,8
Parcial que vigora em relação aos demais eixos temáti-
30,7 27,1 Positivo cos.
70% 26,3 26,2

25,1
% Respostas

Eixo 1 Eixo 2
78 37,4
3
62,7 63,2 5, 2 7, 7 9,1
4,5 7, 7 9 ,2
58,3 58,7
48,4
85% 23, 4
85% 20 3 2 ,7
22, 7 34,8 2 4 ,6 3 6 ,4
29,8

% Resposta
41
20%
1 2 3 4 5 6 Total 20
71, 4 72 ,3
68, 2 6 6 ,2
Eixos 51, 3
60,6 6 0 ,6
4 7,3
35% 35%
Figura 1. Porcentagem de respostas em cada Negativo
eixo e no total de respostas ao instrumento Parcial
Positivo
para todos os grupos. Eixo 3 Eixo 4

Observa-se que cada eixo obteve porcen- 7, 7 10, 3


3 6, 7 4,8 3,5

tagens muito próximas de respostas do tipo


17, 4
18, 2
14,4 17,4
85% 85% 20, 2

“concordo parcialmente”, a média sendo de 3 0, 8


30, 8
9, 1 36, 4 12, 5

26,1%. A exceção é representada pelo eixo 4,


com freqüência significativamente menor e
80,8 80,2
72, 7 73, 1 78, 4
61, 5 60, 6
eixo 6, significativamente maior.
59

35% 35%
Da mesma forma, observa-se que, para
todos os eixos temáticos, à exceção do eixo 5 e Eixo 5 Eixo 6
do eixo 6, a porcentagem de respostas parcial-
mente favoráveis foi superior a de negativas,
fato que pode se dever tanto a variáveis do pró-
19, 2 21, 5
24, 2 30 , 8
85% 31, 2 31, 8 34, 5
47 , 2
prio instrumento (clareza das proposições, con- 70%
dições de aplicação etc.) quanto pode indicar as
35, 4
30, 8
12, 1 24, 2
43 , 1
condições concretas em que os participantes 31, 2 24 , 5 45, 5
56, 1 43, 1
chegam ao fim do ensino médio, sem clareza 50 51, 4

20% 26 , 2 28 , 3 20
35% 37, 7

acerca de aspectos centrais de seu futuro próxi-


mo. Note-se que a exceção mais aguda refere- Figura 2. Porcentagem de respostas em cada
se, justamente, ao eixo 6, referente às diferen- eixo para cada grupo (A – particular de Brasília;
ças entre os contextos escolar e universidade/ B – pública de Brasília; C – particular da Cidade
trabalho, tema cercado de dúvidas e incertezas Satélite; D – pública da Cidade Satélite).
para os participantes, assim, como é para gran-
de parte dos jovens contemporâneos. Na Figura 3 estão representadas as por-
A Figura 2 apresenta a porcentagem de centagens de repostas em cada eixo por gênero,
respostas separada por eixo e por grupo. Com- independentemente do grupo.
parando-se os grupos, observa-se que o grupo Embora a tendência geral seja de respos-
C foi o que apresentou maior porcentagem de tas positivas, quando se procede à separação
repostas negativas para todos os eixos. O eixo por gênero, observa-se que as meninas apre-
4 foi o que obteve maior porcentagem respos- sentaram porcentagem discretamente maior de
tas positivas, o que se deu de modo homogêneo repostas negativas que os meninos, para todos
entre os grupos. Analisando-se a tendência ge- os eixos temáticos, à exceção do eixo 3, que se
ral em responder positivamente às proposições refere a relacionamentos afetivos. Essa diferen-
comparativamente à baixa incidência de res- ça, que se apresenta de modo bastante homogê-
postas positivas nos eixos 5 e 6, os que mais neo para os diferentes eixos temáticos, pode
diretamente dirigem a reflexão para o futuro, estar expressando diferenças sutis, porém sig-
infere-se que os participantes parecem compar- nificativas, quanto às concepções das mulheres
21 M.C.S. L.Oliveira, R.G.Pinto e A.S.Souza

acerca de seu lugar na vida produtiva e univer- 0,05). Como pode ser observado na Fig. 3, o
sidade. grupo Feminino obteve maior porcentagem de
Os dados foram submetidos a uma análi- respostas negativas do que o grupo Masculino.
se estatística do tipo Quiquadrado para verifi-
Eixo 2 – Expectativas quanto ao ingresso em uma
cação de diferenças significativas entre grupos
e quanto ao gênero.
universidade/faculdade
Conforme representado na Figura 1, a
Eixo 1
2,9
Eixo 2 Eixo 3 maioria das respostas a esse eixo foi positiva.
10,1 12,2
5,8
13,3
Entretanto, esse resultado não reflete as dife-
renças entre os grupos que a análise estatística
18,4

do quiquadrado revelou serem significativas


29,7
32,6
22,0

(X2= 27,82; p= 0,01). Como mostra a Figura 2,


31,5 28,7
70% 24,0

os grupos A e B (escolas de Brasília ) apresen-


taram maior porcentagem de respostas positi-
67,4
58,4 59,1 57,6
61,6
64,7 vas, enquanto os grupo C e D destacaram-se
por apresentar porcentagens altas de respostas
negativas ou parciais, respectivamente. Esses
20%
dados podem refletir a percepção dos alunos da
Eixo 4 Eixo 5 Eixo 6 cidade satélite de menores chances de acesso a
3,3
8,0
uma universidade/ faculdade.
Os grupos Feminino e Masculino apre-
% de Resp

17,5 23,9 27,0


28,9
15,1
38,2 sentaram valores semelhantes de respostas po-
70%
sitivas (conforme Figura 3), sendo que o grupo
22,5 Negativo Feminino foi ligeiramente mais negativo que o
Parcial
27,5
36,5 Positivo Masculino, embora as diferenças não tenham
79,2 76,9 sido estatisticamente significativas (X2=2,03).
38,2
53,6
43,6
Eixo 3 – Expectativas quanto aos futuros relacionamentos
36,5 afetivos
De acordo com a Figura 1, este foi o se-
23,6
20%

M F M F M F gundo eixo com a maior porcentagem de res-


Figura 3. Porcentagem de respostas em cada postas positivas. As diferenças entre os grupos
eixo por gênero (M – masculino; F – feminino). foram significativas (X2=20,3 , p=0,01). Se-
gundo a Fig. 2, o grupo C apresentou a maior
porcentagem de respostas positivas e também
Eixo 1 – Sentimentos e emoções em relação ao futuro
de respostas negativas enquanto os demais gru-
De acordo com a Figura 1, a maioria das pos obtiveram níveis semelhantes.
respostas foi positiva à temática desse eixo, Como apresentado na Figura 3, a por-
tendo em conta que o percentual de respostas centagem de respostas negativas foi maior para
negativas nesse caso é de apenas 6,7%. Con- o grupo Feminino do que para o grupo Mascu-
forme a Fig. 2, os grupos A e C deram mais lino e as diferenças entre esses dois grupos fo-
repostas positivas às proposições do eixo em ram estatisticamente significativas (X2=7,29;
questão do que os grupos B e D, o que chama p=0,05). Esses dados parecem indicar que, em-
atenção para o fato de que os alunos das esco- bora as adolescentes e os adolescentes apresen-
las públicas (A e C) e privadas (B e D) se apro- tem-se bastante positivos em relação aos rela-
ximaram quanto às concepções em relação ao cionamentos afetivos, co-existe a ambigüidade,
futuro. Quanto às respostas negativas, o grupo revelada pelas respostas parciais dos adoles-
C foi o que apresentou maior porcentagem, centes e negativas das meninas.
seguido do grupo B. Entretanto, essas diferen-
ças não foram estatisticamente significativas Eixo 4 - Expectativas quanto a emprego, profissão e car-
(X 2 = 10,13). reira
As diferenças quanto ao gênero foram Esse eixo foi o que recebeu maior por-
estatisticamente significativas (X 2 = 6,57; p= centagem de respostas positivas e a menor por-
22 Perspectivas de futuro entre adolescentes

centagem de respostas negativas, conforme estatisticamente significativas (X2= 15,88,


representado na Figura 1. Esse resultado pode p=.05)
indicar que os adolescentes possuem perspecti- Na Figura 3, observa-se que o grupo Fe-
vas positivas quanto à sua inserção no mundo minino apresentou mais respostas negativas e
do trabalho. Todos os grupos obtiveram quanti- menos respostas positivas que o grupo Mascu-
dades semelhantes de respostas positivas, como lino, contudo essas diferenças não foram esta-
pode ser observado na Figura 2. O grupo C tisticamente significativas (X2=5,68).
obteve a maior porcentagem de respostas nega-
(b) Análise qualitativa dos comentários às propo-
tivas. As diferenças entre os grupos (Figura 2)
e entre gênero (Figura 3) não foram significati-
sições do questionário.
vas (X2= 5,16 e X2= 4,16, respectivamente). Considerando o conjunto dos participan-
Segundo a Figura 3, os resultados obti- tes, obteve-se um total de 521 comentários a-
dos para os grupos Masculino e Feminino fo- pensados às 36 proposições. Uma vez que tais
ram semelhantes, com exceção das respostas comentários, sendo de livre expressão, ultra-
negativas, onde o grupo Feminino apresentou passaram o conteúdo específico das proposi-
uma porcentagem ligeiramente superior ao ções, foram agrupados em quatro outras cate-
Masculino. gorias, conforme seu tema.
Categoria 1 - Sentimentos positivos e otimistas em rela-
Eixo 5 – Expectativas quanto ao futuro global ção ao futuro
Conforme a Figura 1, esse foi o eixo que Nesta categoria foram incluídos
recebeu uma das menores porcentagens de res-
os comentários expressando confiança; otimis-
postas positivas e maiores de respostas negati-
mo em relação ao futuro pessoal e/ou do Bra-
vas. Esse dado conforme já havia sido aponta-
sil; felicidade, sentimento de liberdade de esco-
do anteriormente parece indicar que os jovens
lha, responsabilidade e igualdade entre os gê-
percebem de forma diferenciada o futuro quan-
neros. Da mesma forma, foram incluídos os
do isto se refere ao contexto mais amplo, do
que expressaram autoconfiança; ênfase na pró-
que quando buscam avaliar seu próprio futuro.
pria ação para almejar mudanças futuras e con-
Como se pode observar na Figura 2, a porcen-
fiança na adaptação positiva às novas situações
tagem de respostas positivas foi similar para os
da vida. O somatório dos questionários resul-
diferentes grupos à exceção do grupo B que
tou em n= 149 (28,6%) comentários associados
obteve 37,7%. O índice de respostas negativas
a esta categoria, superado apenas pela categori-
foi alto comparado aos demais eixos temáticos,
a 4.
menor apenas que o eixo 6.
Nesta mesma categoria, ambos os gêne-
Na Figura 3, observa-se que o grupo Fe-
ros apresentaram freqüências semelhantes de
minino apresentou menor porcentagem de res-
comentários positivos, sendo que as adolescen-
postas positivas que o grupo Masculino. As
tes apresentaram freqüência de comentários
diferenças entre os grupos e gênero não foram
permeados de otimismo e confiança (n= 23)
estatisticamente significativas (X2= 12,41 e
ligeiramente superior a dos adolescentes (n=
X2= 2,87, respectivamente).
16).
Eixo 6 – Diferenças entre escola/universidade e escola/ Comparando-se as diferentes escolas, a
trabalho menor freqüência de comentários encontra-se
Esse eixo recebeu a menor porcentagem entre as do grupo A. Esse fato parece refletir as
de respostas positivas e a maior de negativas, diferenças no procedimento de aplicação dos
tal como na Figura 1. A temática desse eixo, questionários, uma vez que diferenças seme-
referente às mudanças parece estar em contato lhantes não foram encontradas na análise das
com o receio dos adolescentes quanto às possí- respostas aos itens (eixo 1).
veis dificuldades que ainda irão encontrar para Categoria 2 – Sentimentos negativos em relação ao futuro
alcançar suas metas. Segundo a Figura 2, o Estão categorizados aqui comentários
grupo A destacou-se por apresentar a maior que expressaram insegurança, medo, superva-
porcentagem de respostas positivas e o grupo C lorização dos obstáculos, pessimismo, indeci-
de respostas negativas, diferenças que foram são frente à escolha profissional e preocupação
23 M.C.S. L.Oliveira, R.G.Pinto e A.S.Souza

com os rumos da situação brasileira. Comentá- que eles (n= 5).


rios expressando dificuldade de adaptação às Entre os grupos, o grupo C foi o que ob-
novas demandas surgidas com a conclusão do teve menor incidência de comentários nessa
ensino médio, bem como expressões de indife- categoria. O grupo D, por outro lado, foi aque-
rença quanto ao futuro, foram também incluí- le em que predominaram os comentários sobre
dos nesse eixo temático. Computou-se 99 as relações com o outro no (n= 15). Os grupos
(19%) comentários, sendo esta a categoria me- B e D apresentaram mais comentários referin-
nos freqüente dentre os quatro grupos. do-se à família, à necessidade do outro e ao
Nessa categoria, temos o predomínio de co- desejo de querer partilhar suas expectativas.
mentários das adolescentes (n= 57) em relação
Categoria 4 – Formação profissional
aos adolescentes (n=42), indicando que as me-
Essa foi a categoria que recebeu o maior
ninas apresentam-se mais pessimistas e teme-
número de comentários (n= 156; 30%). Aqui
rosas, marcadas pela indecisão profissional e
foram incluídos os que remetem à identificação
com maiores dificuldades na adaptação às futu-
com o trabalho ou profissão almejados e ao
ras mudanças.
desejo de prosseguir a carreira acadêmica. Re-
Para todos os grupos, essa foi a categoria
ferências à preocupação com o exame vestibu-
com menor incidência de comentários. Quanto
lar, ingresso na universidade e à indecisão so-
às diferenças entre os grupos, temos uma me-
bre o futuro curso também foram incluídas,
nor ocorrência de comentários nos grupos A e
assim como às exigências do mercado de traba-
C do que entre os dos grupos B e D. Nesses
lho.
dois grupos, predominaram comentários asso-
Conforme mostra a Figura 3, as meninas
ciados à insegurança e ao pessimismo (n= 16 e
obtiveram uma freqüência quase duas vezes
n= 13, respectivamente) contra apenas n= 6
maior do que àquela encontrada entre os ado-
para os dois outros grupos. Também expressa-
lescentes. As meninas mostraram-se mais preo-
ram mais descrédito quanto ao futuro do país
cupadas em ter um emprego no qual encontras-
(n= 11 e 8, respectivamente).
sem realização pessoal, também expressaram
Categoria 3 – Relação com o outro maior preocupação com o vestibular, formação
Nesta categoria foram incluídos os co- profissional e exigências do mercado, temas
mentários referentes ao universo relacional dos que receberam menor atenção no grupo Mascu-
participantes, relações sócio-afetivas com côn- lino. Para todos os grupos essa foi a categoria
juges, amigos ou familiares. Foram categoriza- mais comentada, à exceção do grupo C que
dos n= 117 (22,4%) comentários, tornando es- obteve maior freqüência de comentários na
sa terceira categoria mais freqüente. Referên- categoria 1. Todos apresentaram preocupações
cias positivas à necessidade de outrem, de par- semelhantes nessa categoria
tilhar afetivamente suas expectativas e de cons-
tituir família foram aqui incluídas, assim como Discussão
comentários a respeito da preservação das ami- É interessante notar que, a despeito das
zades de escola. Da mesma forma, sentimentos dificuldades apontadas de modo mais explícito
negativos surgidos da eventual competição en- nos comentários, a maioria dos participantes
tre colegas, da carência de amigos com quem foi otimista em relação ao objeto da investiga-
se possa conversar sobre o futuro e da pressão ção, demonstrando confiança no futuro e moti-
quanto às decisões a serem tomadas. A diferen- vação o alcance de metas, o que é expresso nos
ça entre os grupos Feminino e Masculino foi comentários de quase todos os questionários
ligeiramente mais acentuada em relação a essa tabulados (categoria 1) e nas análises do eixo
categoria, o primeiro apresentando uma maior temático 1.
freqüência de comentários (n= 69) do que o Não houve diferenças significativas en-
segundo (n= 48). As adolescentes expressaram tre os grupos, contudo, encontrou-se menor
mais a sua necessidade do outro e da família do freqüência de respostas positivas entre os alu-
que os meninos. Também elas referiram mais à nos da rede privada (grupos B e D). Ao mesmo
competição e à falta de amizade (n= 11) do tempo, estes dois grupos foram os mais reti-
24 Perspectivas de futuro entre adolescentes

-centes quanto ao futuro, revelando sentirem-se tagem de respostas negativas e o grupo D de


pressionados na tomada de decisões acertadas. concordância parcial evidenciando que os ado-
Em especial, o grupo B apresentou alta fre- lescentes de mais baixa renda da cidade-satélite
qüência de respostas referindo-se às angústias a mostraram-se mais indefinidos quanto à esco-
respeito do futuro (categoria 2). Tudo leva a lha de uma profissão e associaram à universi-
crer que os adolescentes da escola privada de dade mais aspectos negativos.
Brasília, pertencentes às camadas sociais onde Analisando-se os comentários associa-
é mais intensa a pressão por resultados, estejam dos à categoria 4 (concernente à formação pro-
expressando nas respostas ao instrumento sen- fissional), o grupo C foi o mais preocupado,.
timentos de angústia e baixa autoconfiança Isto leva a crer que para os estudantes do grupo
quanto ao alcance de metas acadêmi- C a qualificação profissional é tida como o
cas.Também nos grupos A e C (das escolas meio de acesso a uma atividade remunerada,
públicas), os adolescentes expressaram senti- consoante ou não com suas preferências pesso-
mentos ambíguos, representados nos 102 co- ais e que a Universidade constitui uma meta
mentários de conteúdo negativo (categoria 2). que, embora valorizada, é vista como inalcan-
Os integrantes do grupo B também se çável.
destacaram aqui, sendo os que mais expressa- Desde que, historicamente, os investi-
ram nos comentários sentimentos relativos à mentos na qualidade da educação básica públi-
insegurança, medo, indecisão profissional e ca brasileira foram sendo reduzidos, foi-se am-
pessimismo quanto à situação brasileira. Esses pliando o fosso que separa os estudantes das
comentários corroboram os resultados encon- camadas populares do acesso à Universidade.
trados para os eixos temáticos 1 e 5. O comentário seguinte resume perfeitamente
A análise das categorias 1 e 2 parece esta contradição: “Por que os ‘filhinhos de
demonstrar que embora os adolescentes sejam papai’ têm mais chance de entrar no ensino
bastante otimistas no campo das virtualidades, superior, do que os outros, de pouca renda fa-
ao confrontarem suas metas e sonhos com as miliar?” (17, masc., grupo B). Isto tem sido
exigências e dificuldades da realidade, são to- objeto de atenção e de ações muito recentes do
mados sentimentos negativos como indecisão, governo federal, visando a inclusão das cama-
insegurança ou medo. das populares brasileiras no ensino superior,
Aspecto saliente nos dados e que solicita por meio de programas de ocupação de vagas
atenção refere-se às diferenças quanto ao gêne- ociosas das universidades privadas com finan-
ro. As adolescentes apresentaram maior inci- ciamento público.
dência de repostas negativas em todos os eixos Em relação ao grupo B, houve grande
temáticos. Apresentaram-se mais angustiadas número de comentários relacionados ao Vesti-
(eixo temático 1; categoria 2), com sentimentos bular. Para este grupo, o mais privilegiado eco-
mais ambíguos acerca do futuro, revelados em nomicamente, o ensino superior é uma exten-
respostas de concordância parcial e em comen- são natural do ensino médio, justificando o
tários que expuseram seus sentimentos negati- foco de suas preocupações centrarem-se naque-
vos. le concurso. Ao mesmo tempo, é o grupo mais
Três eixos temáticos abordaram a rela- afetado pelo fenômeno do prolongamento da
ção escola-universidade-trabalho. Os resulta- adolescência, que permite o prolongamento da
dos parecem expressar não somente a naturali- carreira escolar e o adiamento da inserção no
zação da transição da escola à universidade, em mundo do trabalho, opções não facultadas a
detrimento da opção pelo trabalho, como tam- todos os adolescentes e jovens. Para este gru-
bém uma expectativa bastante positiva quanto po, e em alguma medida também o grupo D, os
a oportunidade do ingresso na universidade. As comentários positivos ao eixo temático quatro
pequenas diferenças existentes entre os grupos (concernente a trabalho e profissão) não trans-
foram mais significativas entre os alunos do parecem os mesmos significados que para os
Plano Piloto (grupos A e B) e os da cidade- grupos A e C.
satélite (grupos C e D). Para os primeiros, o trabalho não é uma
O grupo C foi o que apresentou maior porcen- questão de urgência, mas algo pelo que se bus-
25 M.C.S. L.Oliveira, R.G.Pinto e A.S.Souza

ca realização pessoal e financeira. Mostram-se lescentes à reflexão sobre o futuro global e a


sensíveis às exigências do mundo contemporâ- situação brasileira. Cerca de metade das res-
neo, buscando formação complementar à esco- postas foi positiva, ao mesmo tempo em que
la e mantendo-se em constante atualização de este foi o segundo eixo temático com maior
conhecimentos. ocorrência de respostas negativas. O contexto
Alguns dos resultados encontrados neste social e político do Brasil foi visto com espe-
estudo, em especial para o eixo temático 4, são rança por alguns e desilusão por outros, e tido
diferentes daqueles encontrados por Magro como objeto de críticas e de comentários mar-
(1998). Ele pesquisou adolescentes de 13 a 18 cados por sentimentos ambivalentes. Entretan-
anos do Rio de Janeiro e seus resultados identi- to, o tom crítico não foi acompanhado por uma
ficaram neles pouca preocupação em elaborar fundamentação ou argumentação, o que vem
projetos futuros, grande necessidade de curtir a em apoio à visão de que o jovem contemporâ-
vida e o foco de sua atenção no presente, evi- neo nutre um menor envolvimento com a críti-
tando pensar em responsabilidades e compro- ca e com projetos de transformação social, que
missos. Os adolescentes investigados no pre- gerações anteriores.
sente estudo, diferentemente, apesar de tam- O último núcleo temático abordado refe-
bém manifestarem indecisão, encontram-se riu-se aos futuros relacionamentos afetivos que
mais envolvidos na elaboração de metas e pla- constitui o tópico do eixo 3 e da categoria 3 . A
nos e mais confiantes na possibilidade de con- maioria dos adolescentes dessa amostra possuí-
cretizá-los. a expectativas positivas quanto aos futuros re-
Entre estes planos, destacam-se aqueles lacionamentos afetivos, ou seja, a maior parte
relativos a formação profissional, o que talvez encara positivamente o estabelecimento de re-
justifique a maior concentração de comentários lacionamentos estáveis, a constituição de famí-
na categoria 4, com referências a cursos e car- lia e a preservação das amizades, com a saída
reiras, bem como à necessidade de formação da escola de ensino médio. A família se apre-
complementar. A ênfase dada a essa categoria sentou como um valor muito estimado pelos
expressa também a tensão causada entre os jovens, sendo que tanto meninos quanto meni-
jovens pelas incertezas do mercado de trabalho nas mostraram preocupações semelhantes
numa sociedade em rápida transformação, quanto à constituição de família. Esse resultado
pressionada pelas novas tecnologias bem como confere com os obtidos em outros estudos refe-
pelas exigências da economia globalizada. ridos pela literatura. Günther (1993) assinala
As comparações entre os universos da que, a adoção de papéis adulta na nossa cultura
escola, da universidade e do trabalho (eixo 6) é demarcada pela saída da escola, mudança da
motivaram muitas respostas de conteúdo nega- casa dos pais e constituição de família. Partici-
tivo. A percepção das diferenças entre esse pantes de ambos os sexos falaram em casamen-
ambiente tão familiar aos adolescentes, que é a to, na sua expectativa de encontrar um compa-
escola, e os novos centros de convívio ainda nheiro e colocaram esse fator como necessário
pouco conhecidos - dos quais o jovem ouve ao alcance da felicidade, que foi fortemente
falar, mas dos quais não tem experiência con- associada ao fato de se estar junto de alguém
creta - parece constituir fonte de angústia, ex- de que se goste, como pode ser observado nos
pressa em comentários que associam à univer- comentários que se seguem: “eu penso em na-
sidade um ambiente hostil e competitivo, onde moro e casamento” (16, masc., B); “acho que a
tudo é mais difícil que na escola. Os partici- felicidade completa está quando você tem uma
pantes parecem viver na tensão de não saber o pessoa que goste ao seu lado” (17, masc., A);
que os aguarda no futuro, razão pela qual ex- “preciso de alguém pra compartilhar minha
pressam medo e insegurança. Nesse caso, tam- vida” (16, masc., D); “o futuro de “quase” to-
bém, entre as jovens houve maior incidência de dos os seres humanos é casar e constituir famí-
comentários negativos de que entre os jovens, lia” (18, fem., C).
assim como elas apresentaram maior freqüên- O objetivo desse trabalho foi ouvir o que
cia de repostas negativas no eixo temático 6. os adolescentes de diferentes inserções tinham
A temática do eixo 5 encorajava os ado- a dizer quanto a suas perspectivas de futuro,
26 Perspectivas de futuro entre adolescentes

seus planos, desejos e valores na transição do não vivem, ao contrário do que preza o senso
ensino médio para a universidade ou trabalho, comum, atados ao presente. Eles demonstram,
considerado um dos indicadores para a condi- como buscamos evidenciar nas análises, um
ção adulta. Essa proposta foi recebida com bas- conjunto de expectativas coerentes em relação
tante entusiasmo, como explicitam os comentá- ao futuro pessoal e profissional. Os resultados
rios à questão aberta do questionário, transcri- indicam que os jovens desejam ingressar no
tos a seguir: “gostei dessa iniciativa de querer ensino superior, inserir-se no mundo do traba-
saber o que pensamos. Nossos medos e nossas lho por meio de atividades que tragam satisfa-
metas” (17, fem., A); “achei o questionário ção pessoal e têm como meta a constituição de
bem legal, ele conseguiu abordar vários assun- família. Ademais, é importante salientar que
tos, porém sempre relacionados à universidade. nos diferentes contextos socioeconômicos i-
Achei legal” (17, masc., B); “gostei muito des- dentificaram-se diferenças significativas quan-
se questionário, pois me ajudou a pensar mais to às perspectivas de futuro dos jovens da a-
ainda no meu futuro...” (21, fem., C); “acho mostra. Porém, apesar das diferenças encontra-
que vocês deveriam ter dado mais tempo de das, sentimentos de angústia, dúvida e indeci-
antecedência para nós fazermos, ou seja, ter são foram compartilhados entre os grupos, as-
entregado antes e dado um prazo de 3 dias para sim como a demanda por espaços e oportunida-
preencher (...) Vocês deveriam ter desenvolvi- des de discussão sobre o futuro. Nesse sentido,
do esses temas um pouco mais, com textos. é importante que as escolas abram espaço para
Após a entrega disto deveriam dar conselho em o amplo debate acerca dos temas investigados
forma de texto para quem fez.” (17 anos, nesse estudo, criando programas que ouçam e
masc., D). acolham a angústia dos adolescentes, sanando
Esses comentários assinalam clara de- dúvidas e inclusive, tanto quanto possível, en-
manda dos participantes por formas mais efeti- frentando, ainda no ensino médio, parte dos
vas de orientação educacional e para o traba- problemas estruturais que definem, antes e de
lho. Há lacunas e necessidade de sanar dúvi- fora, condições desiguais de acesso ao ensino
das, inseguranças e incertezas tanto no nível da superior e ao mundo do trabalho, para os ado-
escolha profissional, como do mundo trabalho lescentes e jovens de diferentes inserções de
e dos relacionamentos afetivos. A transição classe social.
marcada pelo encerramento do ensino médio,
enfrentamento do vestibular e expectativa de Referências bibliográficas
absorção pelo ensino superior exerce enorme
pressão sobre o jovem, freqüentemente acom- Blos, P. (1998). Adolescência: Uma interpreta-
panhada pelo medo do fracasso ou das conse- ção psicanalítica. São Paulo: Martins Fon-
qüências de escolhas mal sucedidas. Os partici- tes.
pantes expressam, ainda, a angústia frente ao Bock, A. M. B. e Liebesny, B (2003). Quem eu
caráter excludente do modelo de seleção ao quero ser quando crescer: um estudo sobre
ensino superior: “Quanto ao ingresso na uni- o projeto de vida de jovens em São Paulo.
versidade, acho que o processo poderia ser Em S. Ozella (Org), Adolescências constru-
mais justo, levando em conta o tempo de estu- ídas – a visão da psicologia sócio-histórica
do e o desempenho do aluno no decorrer da (pp. 205 -222). São Paulo: Cortes.
carreira estudantil (currículo escolar). Pois as Bohoslavsky, R. (1998). Orientação vocacio-
condições do vestibular levam a uma pressão nal: a estratégia clínica. (9 ed) São Paulo:
muito grande, desfavorecendo, muitas vezes, Martins Fontes.
pessoas capacitadas”. (16, masc., A); Cárdenas, C. J. (2000). Adolescendo: um estu-
“Vestibular – é o único ‘bicho-papão’ que me do sobre a constituição da identidade do
atormenta realizar meu sonho. Mas mesmo adolescente no âmbito da escola. Tese de
assim não desisto! O futuro nada mais é que doutorado, Universidade de Brasília.
tudo aquilo, que fazemos ‘aqui’, no presen- Cole, M. e Cole, S (2003). O desenvolvimento
te” (17 anos, fem., C). da criança e do adolescente. Porto Alegre:
Conclui-se, assim, que os participantes Artes Médicas.
27 M.C.S. L.Oliveira, R.G.Pinto e A.S.Souza

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