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Boletim IBDPE
dades de pena à pessoa jurídica: multa, privativa de liberdade. Contudo, a lei é
restritivas de direitos e prestação de ser- omissa quando a pena originariamente
viços à comunidade. imposta é diversa da prisão.
Da Extinção da Punibili- Por óbvio, para que penas sejam im- No caso das pessoas jurídicas, a primei-
dade pela Prescrição nos postas às pessoas jurídicas é necessário ra pena cominada é a de multa e, pos-
Pág. partir do entendimento de que há san- teriormente, as restritivas de direitos e
Crimes Ambientais Imputa- 1
dos a Pessoas Jurídicas ções penais especificas a estes entes, as prestação de serviços à comunidade. Se
quais não podem ser confundidas com a norma penal anteriormente indicada
Bibiana Fontella
aquelas aplicadas às pessoas físicas para rege apenas situações em que penas
as quais se reserva, destacadamente, a restritivas da liberdade são substituí-
Funções do tipo e contenção
Pág. pena privativa de liberdade. das por restritivas de direito, indaga-se:
da ampliação punitiva em 2 Sendo diversas as espécies sancionató- como reger o prazo prescricional para
matéria penal econômica rias, não havendo regulação específica as pessoas jurídicas às quais não se apli-
Décio Franco David para os entes morais os lapsos prescri- cam penas prisionais?
cionais não podem ser os mesmos apli- De início, afasta-se com extrema facili-
A equivocada inversão do cados às penas privativas de liberdade, dade a aplicação do art. 109, parágra-
ônus da prova nos crimes Pág. uma vez que estas não podem ser apli- fo único do Código Penal, dando-se a
omissivos tributários 3 cadas. Máxime quando há regulação extinção da punibilidade para a pessoa
Felipe Américo Moraes diversa, como se verá. jurídica pelo advento da prescrição em
O prazo prescricional para a pessoa 02 (dois) anos, conforme normativa
jurídica não é aquele regulamentado constante do art. 114 do Código Pe-
A lei anticorrupção e a pelo art. 109 (e seu parágrafo único) do nal. Este dispositivo determina que a
expansão (para além) do Pág. Código Penal, pois tal dispositivo rege a prescrição ocorrerá no referido prazo
direito penal 5 prescrição somente para a pena priva- quando a pena de multa for a única co-
Guilherme Brenner Lucchesi tiva de liberdade. Aliás, tal dispositivo, minada ou aplicada.
tratando da prescrição para as penas Qualquer outro entendimento con-
As interceptações telemá- restritivas de direitos que substituam trário a este viola o princípio da lega-
ticas e a manutenção da Pág. privativas de liberdade prevê que “os lidade: nenhuma reprimenda penal
cadeia de custódia como 7 prazos prescricionais são os mesmos” para pode ser imposta se não for legalmente
condição de sua validade ambas. Isto é, quando a pena originária prevista. Não sendo possível ao juiz le-
Francisco Monteiro Rocha Jr. é a pena privativa de liberdade o pra- gislar, criando tipos penais ou impondo
A delimitação do juízo de imputação por intermédio da níveis de grau possíveis no significado do termo contido na
lei penal é tema sempre recorrente na esfera penal, nota- previsão legal6 . Isso não implica em reconhecer que alguns
damente quando se reconhece que o tipo penal na alçada termos utilizados na legislação penal não possam ser fecha-
econômica se constitui, sempre, como uma previsão legal dos7 , mas é certo e inegável que a “tendência moderna do
superposta1 , isto é, para “a compreensão do delito eco- direito penal assume como ferramenta de controle de com-
nômico é necessário o conhecimento prévio da disciplina portamentos desviados a normatividade do tipo, ou seja, os ti-
jurídico-econômica das condutas que se quer punir”2 . Tal pos penais abertos inseridos num sistema também aberto”8 .
ponderação reforça não apenas a ideia de que o Direito Pe- Essa sistemática ganha enorme repercussão no Direito penal,
nal Econômico não é um ramo autônomo do Direito Penal principalmente nos delitos econômicos, quando se analisam
(pertencente, portanto, a gesamte Strafrechtswissenschaft)3 tipos penais cujos elementos normativos do tipo se constitu-
, mas também a necessidade de se respeitar o princípio da am enquanto elementares de dever jurídico9 , o que ocorre
intervenção mínima e as demais formas de controle social4 . quando não é possível separar o conhecimento da existência
Desde que Max Ernst Mayer propôs que o tipo penal não da elementar do conhecimento da antijuridicidade10.
poderia ser algo meramente descritivo5 , tem-se buscado Diante desse quadro, as funções desempenhadas pelo tipo
uma melhor compreensão sobre os limites dos elementos penal merecem novo destaque e um adendo fundamental.
normativos do tipo e sua interpretação. O modelo de pensa- Roxin defende que o tipo deve cumprir uma função sistemá-
mento tipológico adotado pela ciência penal exige que para tica, uma função político-criminal e uma função dogmática11.
ocorrer a incidência da norma, é preciso que o fato real A função sistemática consiste no conjunto dos elementos
preencha a caracterização normativa contida nos distintos que possibilitam saber de qual delito típico se trata no caso
2
concreto12. Por sua vez, a função político-criminal exerce o 1. ESTELLITA, Heloisa. Tipicidade no Direito Penal Econômico. In: PRADO, Luiz
papel de garantidora da liberdade individual, limitando o Regis; DOTTI, René Ariel. Direito Penal Econômico e da Empresa: Direito Penal
econômico. Coleção doutrinas essenciais; v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011,
juízo de imputação estatal ao princípio da legalidade13. Por p.162 e 169.
2. ESTELLITA, Heloisa. Op. cit., p. 170.
fim, a função dogmática autônoma do tipo serve para definir 3. Sobre o assunto: DAVID, Décio Franco. Fundamentação principiológica do Di-
o erro relevante, isto é, “descreve os elementos cujo desco- reito Penal Econômico: um debate sobre a autonomia científica da tutela penal na
seara econômica. 2014.263p. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Universidade
nhecimento exclui o dolo”14. É justamente sobre esta última Estadual do Norte do Paraná, Jacarezinho, Paraná, p. 102-144.
4. Sobre os mecanismos formais e informais de controle social: MUÑOZ CONDE, Fran-
função que as elementares do dever jurídico receberam uma cisco. Derecho Penal y Control Social. Jerez: Fundación Universitaria de Jerez, 1985,
p. 31-50; SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica. 5. ed. São Paulo:
atenção especial de Roxin, o qual, ao tratá-las como “valo- Revista dos Tribunais, 2010, p. 154-190; BUSATO, Paulo César. Fundamentos para
ração global do fato”, diferencia os pressupostos fáticos de um Direito Penal Democrático. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 64-86.
5. MAYER, Max Ernst. Derecho Penal: parte general. Montevideo/Buenos Aires: Edi-
valoração da valoração em si mesma15, o que resultará na torial B de f, 2007, p. 113-217 (sua proposta da ratio cognescendi é citada outras vezes ao
longo da obra, v.g., p. 13 e 225).
conclusão que o “erro sobre os pressupostos fáticos da valo- 6. Sobre o pensamento tipológico: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tribu-
tário, Direito Penal e Tipo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 84-92.
ração deverá ser entendido como erro de tipo, excludente do 7. DERZI, Misabel de Abreu Machado. Op. cit., p. 75.
dolo”16, enquanto que a “valoração errônea configurará um 8. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade Penal e Sociedade de Risco.
São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 39.
mero erro de proibição, que deixa o dolo intacto”17 . 9. Sobre o desenvolvimento doutrinário e crítica a tais elementares, ROXIN, Claus. Te-
oría del Tipo Penal: Tipos abiertos y elementos del deber jurídico. Trad. Enrique
As funções atribuídas aos tipos penais reascendem maiores Bacigalupo. Buenos Aires: Depalma, 1979, p. 6 e ss.
preocupações diante de toda a complexidade com que mui- 10. ROXIN, Claus. Op. cit., p. 159. Luís Greco e Alaor Leite, em texto em homenagem aos
80 anos de Roxin, fazem a mesma explicação: GRECO, Luís; LEITE, Alaor. Claus Roxin,
tos crimes econômicos são descritos pelo legislador. Afinal, a 80 anos. In: ROXIN, Claus [LEITE, Alaor (Org).] Novos estudos de direito penal.
São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 16.
superposição de disciplina dessas modalidades delitivas exi- 11. ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General, tomo I. Madrid: Thomson Civitas,
1997, p. 277. A mesma divisão é apresentada por Roxin em sua tese doutoral, porém, em
ge simultaneamente o conhecimento não apenas da matéria ordem distinta (ROXIN, Claus. Teoría del Tipo..., p. 170-172).
penal, mas sim um apanhado multidisciplinar. No entanto, a 12. ROXIN, Claus. Derecho Penal..., p. 277. Em sentido próximo, Fernando Galvão
trata de uma função seletiva da matéria de proibição (GALVÃO, Fernando. Direito Pe-
complexidade e a abertura das previsões típicas em matéria nal: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 222-2223), enquanto Cezar Roberto
Bitencourt atribui a esta atividade a nomenclatura de função indiciária (BITENCOURT,
econômica não transforma todo tipo aberto em lei penal em Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral, v. 1. 20. ed. São Paulo: Saraiva,
branco. Ambas as modalidades possuem uma incompletude 2014, p. 346).
13. ROXIN, Claus. Derecho Penal.., p. 277; ROXIN, Claus. Teoría del tipo.., p. 170;
no preceito primário, porém, enquanto a norma penal em BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 347. Galvão ainda indica, fundado no pensa-
mento de Feuerbach, uma função motivadora, a qual parece manter estreita correlação com
branco é completada por outra normativa, os tipos abertos esta função limitadora (GALVÃO, Fernando. Op. cit., p. 223-224).
14. ROXIN, Claus. Derecho Penal..., p. 277; ROXIN, Claus. Teoría del tipo.., p. 171;
são completados pelo próprio operador do direito ao fechar BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 347.
o tipo no caso concreto18. 15. ROXIN, Claus. Derecho Penal..., p. 299-302; GRECO, Luís; LEITE, Alaor. Op. cit.,
p. 16-17.
Por isso, decorre das funções tradicionais uma importante ta- 16. GRECO, Luís; LEITE, Alaor. Op. cit., p. 17.
17. GRECO, Luís; LEITE, Alaor. Op. cit., p. 17.
refa de delimitação da imputação no caso concreto. Esse as- 18. GUARAGNI, Fábio André. Norma penal em branco, tipos abertos, elementos norma-
tivos do tipo e remissões a atos administrativos concretos: O panorama político-criminal
pecto processual do tipo penal foi bem analisado por Jacinto comum, as distinções e consequências relativas ao princípio da reserva legal. In: GUA-
Coutinho e Edward Carvalho em trabalho sobre a necessida- RAGNI, Fábio André; BACH, Marion. Norma penal em branco e outras técnicas
de reenvio em Direito Penal. São Paulo: Almedina, 2014, p. 28.
de da denúncia expor corretamente os fatos que constituem 19. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. Elemen-
tos normativos e descrição da tipicidade na denúncia. Boletim IBCCRIM, ano 13, n.
elementos normativos do tipo19, razão pela qual a famigerada 166, set./2006.
denúncia genérica deve sempre ser refutada20, ainda que os 20. Por todos, KNOPFHOLZ, Alexandre. A denúncia Genérica nos crimes econô-
micos. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2013, p. 227 e ss.
tribunais teimem em aceitá-la em delitos societários21. 21. Nesse sentido, TRF-5 – APR: 200985010000193. Rel. Des. Walter Nunes da Sil-
va Júnior, Julg. 27/03/2012, 2ª Turma, Public.: 03/05/2012; TRF-2 - ACR: 2409
A exigência do cumprimento das funções do tipo reforça a 2000.02.01.028777-9, Rel. Des. Sergio Feltrin Correa, Julg. 11/01/2006, 1ª Turma Es-
pecializada, Public. 26/01/2006 ; TRF-3 - HC: 3350 SP 2004.03.00.003350-1, Rel. Des.
necessidade de preservação dos princípios fundamentais do Vesna Kolmar, Julg.: 08/06/2004, 1ª Turma.
Direito penal22, principalmente em tempos nos quais a ân- 22. DAVID, Décio Franco. Op. cit., p. 141-144; SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Di-
reito Penal Econômico como Direito Penal de Perigo. São Paulo: Revista dos Tri-
sia de justiça tem aberto espaço para um Direito penal cada bunais, 2006, p. 177-178.
23. ROCHA JR, Francisco do Rêgo Monteiro. Criminalização dos delitos econômicos:
vez mais contundente e contrário ao Estado Democrático de um direito penal igual para todos? In: BONATO, Gilson. Processo Penal, Constitui-
Direito. Por isso, é sempre válido o alerta de que a punição ção e Crítica: Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Couti-
nho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 295-297.
em demasia na esfera econômica não é capaz de produzir
igualdade social .
Atualmente em nossos tribunais ve- Para melhor delimitar o foco desta fazê-lo porque está passando por reais
mos com absoluta frequência uma problemática, pode-se pegar como dificuldades financeiras. A alegação
equivocada inversão do ônus da prova exemplo hipótese em que o sujeito, defensiva costumeiramente feita é de
nos crimes omissivos tributários, mais enquanto administrador de empresa e que o acusado deixou de pagar o tri-
especificamente quanto ao não reco- com o dever legal de recolher contri- buto pois agiu em hipótese de inexigibi-
lhimento do tributo motivada pela di- buição previdenciária descontada de lidade de conduta diversa, ou seja, quando,
ficuldade financeira do acusado. seus empregados ao INSS, deixa de diante das circunstâncias concretas, a
Boletim informativo | IBDPE | Maio/Junho de 2015 3
tais para serem considerados como
típico ; são eles: (i) poder agir; (ii) evi-
tabilidade do resultado; e (iii) dever
de impedir o resultado. O que merece
destaque é, justamente, o poder agir.
Observe que a possibilidade de agir
é, também, elemento do tipo penal
omissivo e, portanto, mesmo seguindo
o modelo de distribuição do ônus da
prova, é a acusação quem deve provar
que o acusado deixou de fazer quando
poderia ter feito. Ou seja, no caso de
apropriação indébita previdenciária,
além de demonstrar que não houve o
recolhimento do tributo é, sim, neces-
sário que a acusação demonstre que o
exigência de agir conforme a norma sequência, a possibilidade de paga- acusado possuía capacidade financei-
esteja sensivelmente atenuado1 . mento de tributo é, sim, elemento do ra para fazê-lo mas mesmo assim op-
O objeto deste artigo está diretamente tipo penal omissivo tributário e, por- tou por não fazer. Não basta somente
ligado a essa alegação. O que vemos tanto, incumbe à acusação provar que o mero descumprimento da ordem
atualmente é que o acusado, mesmo o acusado à época em que deixou de jurídica, mas, também, que o descum-
afirmando não possuir capacidade recolher o tributo poderia tê-lo feito, primento seja voluntário.
financeira para recolher o tributo e mas, mesmo assim, optou por volun- Sobre isso, bem esclarece Bitencourt
apresentando provas disso, acaba sen- tariamente deixar de fazer. que “o poder agir é um pressuposto
do condenado sob a fundamentação Sobre isso, é preciso relembrar bre- básico de todo comportamento hu-
de que a inexigibilidade de conduta di- vemente como a doutrina entende o mano. Também na omissão, eviden-
versa não foi suficientemente compro- ônus da prova na área penal. Atual- temente, é necessário que o sujeito
vada e, portanto, praticou o crime de mente existem duas correntes dou- tenha a possibilidade física de agir,
apropriação indébita previdenciária. trinárias que se dedicam a esclarecer para que se possa afirmar que não
Ilustrando esse entendimento (o qual isso. A primeira, majoritária, acredi- agiu voluntariamente. É insuficien-
vemos reiteradamente em nossos tri- ta que a prova da alegação incumbe te, pois, o dever agir”6 .
bunais), apresenta-se o seguinte julga- a quem a fizer, havendo desta forma O que se conclui disso é que o en-
do do STJ que entendeu, em síntese, uma distribuição do ônus da prova tendimento de nossos tribunais, ao
que cabe à defesa comprovar a impos- (CPP, art. 156) em que, basicamente, considerar que a impossibilidade
sibilidade de pagamento do tributo, incumbe à acusação provar a tipicida- de recolhimento do tributo deve-
sendo que a acusação não tem o dever de do crime praticado pelo acusado, ria ser exclusivamente comprovada
de demonstrar e comprovar elementa- enquanto caberia ao acusado, caso pela defesa, não é a mais acertada.
res que inexistem no tipo penal (como alegue qualquer excludente de anti- Como dito, a possibilidade de agir
é o caso, segundo essa linha de racio- juridicidade ou de culpabilidade, pro- é um elemento integrante dos tipos
cínio, da inegixibilidade de conduta vá-las3 . Há também outra corrente, penais omissivos e, portanto, deve,
diversa). Diz o julgado: minoritária, que entende que o ônus sim, ser demonstrada pela acusa-
seria exclusivo da acusação4 . ção, que possui meios aptos para
“Não cabe à acusação demons- Todavia, apesar da inexigibilidade de fazê-lo.
trar e comprovar elementares que conduta diversa constituir uma exclu- Apesar disso, o que se vê – infeliz-
inexistem no tipo penal, de forma dente de culpabilidade e, via de consequ- mente – são os reiterados casos em
que o ônus da prova da impossi- ência, seria ônus do acusado provar, no que os acusados, apesar de apre-
bilidade de repasse das contribui- caso dos crimes omissivos tributários a sentarem inúmeras provas que de-
ções previdenciárias apropriadas questão é diferente: além do dever agir monstram que somente deixaram
ante às dificuldades financeiras (expresso pela ordem legal de recolher de recolher o tributo por absoluta
da empresa, a evidenciar, assim, a o tributo), é preciso que haja a possibili- impossibilidade de fazê-lo, acabam,
inexigibilidade de conduta diver- dade de agir, que é também um elemen- mesmo assim, sendo condenados sob
sa – causa supralegal de exclusão to constitutivo do próprio tipo penal e a alegação de que as provas foram
da culpabilidade -, é da defesa, a que obrigatoriamente deve ser provado insuficientes. E o que causa espanto
teor do art. 156 do CPP”2 . pela acusação. é o fato que esse entendimento vem
Verticalizando neste ponto, é preciso se repetindo em nossos tribunais,
Ocorre que, ao contrário disso e relembrar que os crimes omissivos mesmo sendo um posicionamento
adiantando aquilo que será dito na possuem três pressupostos fundamen- absolutamente falho e impreciso.
4
1. PRADO, Luiz Régis. Tratado de Direito Penal Brasi-
leiro. Volume 2. Parte Geral – Teoria Jurídica do delito. São
Paulo: Editora revista dos tribunais. 2014. p. 485.
2. STJ. 6ªT. AgRg no REsp nº 1178817. Rel. Min. VASCO
DELLA GIUSTINA. Julg. em 18/10/11.
3. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo
Penal. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 238.
4. LIMA. Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal.
Volume Único. Rio de Janeiro: Editora Impetus. 2013. p.
579
5. “O tipo – como tipo de injusto – compreende todos os
elementos e/ou circunstâncias que fundamentam o injusto
penal específico de uma figura delitiva” (Cerezo Mir, J. Cur-
so de Derecho penal español, II, p. 81).
6. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito
Penal, Parte Geral 1. 14ª edição. São Paulo: Editora Sarai-
va. 2009. p. 251
A chamada Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013) tem ticorrupção apenas a responsabilização civil e administra-
por objetivo declarado regulamentar a responsabilização tiva das pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração.
administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos lesivos No entender dos idealizadores da Lei, o Direito Penal não
à Administração Pública nacional e estrangeira. De acor- dispõe de mecanismos efetivos ou céleres para a punição
do com os propositores da Lei, a regulamentação destas das pessoas jurídicas infratoras, sendo a sistemática da Lei
modalidades de responsabilização constituiria uma lacuna Anticorrupção mais eficiente na repressão de desvios na
no ordenamento jurídico nacional, pois o sistema jurídico Administração Pública e na reparação dos prejuízos cau-
brasileiro não possuiria “meios específicos para atingir o sados.
patrimônio das pessoas jurídicas e obter efetivo ressarci- Tal opção legislativa revela uma importante mudança na
mento dos prejuízos causados por atos que beneficiam ou postura do legislador em face do Direito Penal: enquanto,
interessam, direta ou indiretamente, a pessoa jurídica”. exemplificativamente, na esfera dos crimes contra a ordem
Muito embora as condutas lesivas à Administração Pú- tributária, a tendência do legislador era tradicionalmente
blica nacional e estrangeira sejam expressamente tipifica- utilizar este ramo do Direito como verdadeiro “braço ar-
das, tais normas apenas alcançam pessoas naturais, sendo mado” da execução fiscal, os idealizadores da Lei Anticor-
controversa a possibilidade de responsabilização penal das rupção aparentemente abandonaram esta visão, reconhe-
pessoas jurídicas para além dos crimes ambientais. Com a cendo a existência de outros mecanismos, possivelmente
nova Lei, pretendeu-se atingir as sociedades empresárias, mais adequados que o sistema jurídico-penal, para atingir
“muitas vezes as reais interessadas ou beneficiadas pelos seus objetivos.
atos de corrupção”. Todavia, esconde-se atrás do argumento da não utilização
De um lado, evitando-se reacender a discussão acerca da do Direito Penal uma outra modalidade de direito sancio-
possibilidade de criminalização dos atos sociais das empre- natório, pois, em que pese não possuírem a responsabili-
sas, e, de outro, permitindo-se utilizar meios supostamente dade civil e administrativa natureza estritamente penal, a
mais eficazes para a sua responsabilização, prevê a Lei An- natureza reparatória e regulatória, respectivamente, destes
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AS INTERCEPTAÇÕES TELEMÁTICAS E A MANUTENÇÃO DA CADEIA
DE CUSTÓDIA COMO CONDIÇÃO DE SUA VALIDADE
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em feve- bate para a inovação trazida pelo precedente, qual seja, a
reiro desse ano, trouxe à tona, mais uma vez, a discussão forma como a interceptação telemática deve ser
sobre as interceptações telemáticas realizadas no âmbito mantida e preservada pela autoridade policial,
de investigações criminais em nosso país. para os fins de ser respeitado o direito à ampla
No HC 160.662/RJ, relatado pela Ministra Assusete Ma- defesa dos investigados. Ou seja: deve-se preservar a
galhães, impetrado em face da operação deflagrada pela cadeia de custódia2 de tais provas coligidas, pois, como
Polícia Federal denominada “Negócio da China”, que re- todas as outras, eles devem se submeter ao contraditório e
sultou na denúncia de 14 pessoas, foram debatidos aspec- à ampla defesa.
tos fundamentais sobre a forma como devem ser realizadas Seria lugar comum falar da multiplicidade de sentidos que
as investigações que contemplem provas relacionadas às advém de um diálogo. Quem já discutiu com a esposa ou
comunicações eletrônicas. o esposo, com um colega de escritório, ou com o amigo
Num primeiro momento, e sem grande inovação, retomou que torce para o time rival, sabe da dificuldade de se inter-
o STJ no referido precedente o entendimento de que “(...) pretar fatos e estabelecer consensos interpretativos. Nessa
A intimidade e a privacidade das pessoas não constituem direitos abso- cotidiana atividade hermenêutica que realizamos, não são
lutos, podendo sofrer restrições, quando presentes os requisitos exigidos raros os desencontros entre intenção e gesto ou, entre pala-
pela Constituição (art. 5º, XII) e pela Lei 9.296/96: a existência vras proferidas e o juízo que delas podem ser feitos3 .
de indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, a Diante desse quadro, nada mais elementar que, como co-
impossibilidade de produção da prova por outros meios disponíveis e rolário da amplitude de defesa e do princípio do contra-
constituir o fato investigado infração penal punida com pena de reclu- ditório, durante o curso das investigações ou até mesmo
são, nos termos do art. 2º, I a III, da Lei 9.296/96, havendo sempre das ações penais delas decorrentes, possam os investigados
que se constatar a proporcionalidade entre o direito à intimidade e o contextualizar os diálogos, ou seja, explicar em que situa-
interesse público”. ção as falas se deram, por que motivos, em que sentido as
Ainda que pudéssemos explorar as temáticas aqui envol- frases foram empregadas, a quem se dirigiam, e assim por
vidas, tais como i) o necessário (e ainda incipiente) debate diante. Nesse diapasão, negar-se a um acusado essa prer-
sobre a suposta “supremacia” do interesse público sobre rogativa, qual seja, o direito de contextualizar e explicar
o privado, ii) a constitucionalidade (ou não), do parágra- suas falas, não pode ter outro significado em nosso sistema
fo único do art. 1º da Lei 9.296/1996 (O disposto nesta Lei jurídico senão o de que sua defesa não está sendo exercida
aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de com toda a plenitude, e com todos os meios a ela inerentes.
informática e telemática) em face do inciso XII do art. 5º da Pois bem. Esse foi o entendimento do STJ no precedente
Constituição Federal (XII - é inviolável o sigilo da correspon- acima citado, como se verifica do seguinte excerto: “(...)
dência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações Apesar de ter sido franqueado o acesso aos autos, parte das provas
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses obtidas a partir da interceptação telemática foi extraviada, ainda na
e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal Polícia, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da
ou instrução processual penal) dentre outros temas, os exíguos forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua
limites do presente artigo fazem com que remetamos o de- ordem, com omissão de alguns áudios”.
Associados Correspondentes
Alemanha: Alaor Leite
Argentina: Gonzalo Nazar
São Paulo: Aloísio Lacerda Medeiros
Rio de Janeiro: Felipe Machado Caldeira
Periodiciodade trimestral
IBDPE
Endereço para contato: Rua Visconde de Nacar, 865 –
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