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REGINA D. BENEVIDES DE BARROS* DISPOSITIVOS EM ACAO: O GRUPO ] } ode um grupo ser um dispositivo? © que estamos chamando de dispositive? © que o caracteriza? O que queremos acionar quando utilizamos o dispositivo-grupo? Tais perguntas serao as norteadoras de nosso trabalho quando nos Propomos a pensar sobre dispositivos em ado. Poderiamos falar, de outro modo, em agao dos dispositivos pois nao ha divida que uma primeira(caracteristica do dispositivo é seu carater afivo! Como bem nos informa o Aurélio, dispositivo é aquilo que contém disposigao. Deleuze (1988) em sua leitura de Foucault nos diz que dispositivo “6 de inicio um novelo, um conjunto multilinear... é composto de linhas de natureza diferente”. Esta definigao nos ajudaré a pensar se pode um grupo ser um dispositivo. Tomemos algumas definigées comumente formuladas para o gru- po: “o grupo é mais do que a soma das partes, tendendo ao equilibrio, configurando um campo dinamico de forgas pensadas em relagao ao todo” (Lewin); “é um agregado de individuos... sendo a grupalidade uma qualidade inalienavel de ser humano... é uma totalidade psico- légica, unidade indivisa” (Bion); “o grupo é um objeto de investimen- to pulsional, lugar de intercambio entre inconscientes que produzem fantasma... é uma relagao imaginaria” (Anzieu, Pontalis, Kaés); “o grupo é um conjunto de pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espago e articuladas por sua mtitua representagao interna, que se propée explicita ou implicitamente uma tarefa que se constitui * Professora do Departamento de Psicologia, psicloga, doutora em Psicologia Clinica. 183 184 REGINA D. BENE VIDES DE BARROS Sua finalidade”(Pieh On Riviere’ que pese aly chama-noe a atengto certs consianten na defines SrUupo € um intermediario entre o indiy iduo e a socied a 5S asia é uum todo, e Una estrutura, é uma unidade, ¢ um objeto de inve ti , 7 ? Entre um transc endentalismo psicologizante © um tecnicism« dai Hicista © grupo mantém-se sobretudo como unidade abstrata paira do acima dos individuos que o compéem Entretanto, assim dizende poderia parecer que estariamos destacando 0s individuos como algo POUCO Visto Nos grupos reivindicando para eles lugar especial Nossa perspectiva é bem outra. Alternar o olhar sobre o grupo, tomado como outro ser, para 0 individuo como elemento basico desta “unidade maior”, em nada mudaria pois apenas estariamos virando amoeda de lado. Em ambas as faces o que encontramos sao unidades todos irredutiveis a suas partes, individuos enfim. @ Este modo de apreensao dos grupos responde certamente a um mesmo modo de subjetivacio presente desde pelo menos o século XVIII quando ganha forga “O individuo” como dominancia de ex pressao da subjetividade. Este modo, composto também por linhas diversas — o liberalismo politico ascendente; o romantismo valoriza- dor das expressées de “cada um”; 0 éxodo de grande parte da populacao do campo para a cidade e a instauracao de uma nova utilizagao do corpo nas relag6es de tabalho; a mudanga nas relacdes entre o dominio ptiblico e 0 privado; a criagao de novos equipamen- tos sociais, difusores de ideais da burguesia ascendente, etc. — passa a se apresentar em diferentes praticas sociais produzindo objetos e sujeitos conformes a este mesmo modo. Dessa forma encontraremos os diferentes saberes recortados por este“modo-individuo”./ Apenas para ilustrar um pouco mais nosso tema é conhecida a polémica do final do século XIX entre a corrente mentalista e a nominalista na tentativa de explicar o que determina os comportamentos humanos, seria a sociedade o determinante em tiltima instancia, como queriam fazer crer os primeiros ou 0 individuo, como o queriam os segundos? | De qualquer maneira em um ou no outro o que insiste 6 uma concep- | cao una e total de definir tanto A sociedade, quanto O individuo. Esta marca sobrecodificadora entranha as diferentes praticas cons- tituindo objetos e sujeitos 4 sua imagem e semelhanga. Foi assim também com relagao ao grupo. Como seus antecessores, ele acabou por ser também, como pudemos constatar nas definigdes acima, mais um individuo. pISPOSITIVOS EM AGAO: O GRruPO 185 Se tomarmos para nds uma filosofia dos dispositivos, eis aqui et primeiro aspecto a se desfazer — 0 lugar do universal, do invariave! Quando se fala de “O grupo” estamos querendo extrair dai uma invariancia. A invaridncia diz respeito a uma certa abstragao, a um axioma separado dos movimentos que o produziram, a coordenadas que se destacaram dos processos de constituigéo de um objeto. Este, por sua vez, ao se ver separado do sujeito que 0 olha oferece-se a0 conhecimento como um dado a ser observado, explicado ou compre- endido. A relagao de conhecimento, neste caso, se dara por submis- so do objeto ao sujeito que ira conhecé-lo. Isto supde a separacao entre dois pélos: um ser-substancia-cognoscente e um ser-contetido- a-ser-conhecido, sendo o primeiro um continente de todas as modali- dades possiveis de existéncia] Os seres assim concebidos — tanto 0 sujeito, como o objeto — sao totalidades-em-si. Quando se admite a primazia do sujeito sobre 0 objeto, o que ser privilegiado sao siste- mas hierarquizados cujos canais de transmisssao estao preestabe- lecidos. E sempre algo fora da relagao entre os seres que lhes dara significado (Deus, em Descartes; a Razao, em Kant), uma transcen- déncia, sem diuivida. Além disso, a relacao de conhecimento, 0 conta- to entre os seres, se dara numa procura infinita dos fundamentos e das origens, algo que por fim explique como tudo comegou e para onde vai tudo afinal! E o caminho de uma historia que se traga, aquela que com fatos se constréi. O grupo, quando parte desta légica, é mesmo este objeto que acima falavamos. A esta légica chamamos molar porque apreende os objetos. em seu estado ja constituido. Um grupo, entretanto, pode nao ser visto apenas em sua configu- ragao molar. Ele é um composto, um emaranhado de linhas. Aqui vamos nos servir da leitura de Deleuze sobre Foucault quando desta- ca como parte de qualquer dispositivo quatro tipos de linha: ade visibilidade, a de enunciagao, a de forca e a de subjetivacao. Vejamos como isto se da nos grupos. AS LINHAS DE VISIBILIDADE E AS DE ENUNCIACAO Para Foucault, segundo Deleuze (1988), os dispositivos sao “ma- quinas que fazem ver e falar”. O que se destaca aqui € que em cada formacdo histérica ha maneiras de sentir, perceber e dizer que con- formam regides de visibilidade e campos de dizibilidade. Isto quer dizer que em cada época, em cada estrato hist6rico, existem camadas

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