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Bioquímica Básica

Bioquímica Básica
1ª edição

Michel Miranda
Bioquímica Básica

DIREÇÃO SUPERIOR
Chanceler Joaquim de Oliveira
Reitora Marlene Salgado de Oliveira
Presidente da Mantenedora Wellington Salgado de Oliveira
Pró-Reitor de Planejamento e Finanças Wellington Salgado de Oliveira
Pró-Reitor de Organização e Desenvolvimento Jefferson Salgado de Oliveira
Pró-Reitor Administrativo Wallace Salgado de Oliveira
Pró-Reitora Acadêmica Jaina dos Santos Mello Ferreira
Pró-Reitor de Extensão Manuel de Souza Esteves

DEPARTAMENTO DE ENSINO A DISTÂNCIA


Gerência Nacional do EAD Bruno Mello Ferreira
Gestor Acadêmico Diogo Pereira da Silva

FICHA TÉCNICA
Texto: Michel Miranda
Revisão Ortográfica: Rafael Dias de Carvalho Moraes
Projeto Gráfico e Editoração: Andreza Nacif, Antonia Machado, Eduardo Bordoni, Fabrício Ramos.
Supervisão de Materiais Instrucionais: Antonia Machado
Ilustração: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos
Capa: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos

COORDENAÇÃO GERAL:
Departamento de Ensino a Distância
Rua Marechal Deodoro 217, Centro, Niterói, RJ, CEP 24020-420 www.universo.edu.br

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universo – Campus Niterói

M623b Miranda, Michel.


Bioquímica básica / Michel Miranda ; revisão de Rafael Dias
de Carvalho Moraes e Christina Corrêa da Fonseca. – 1. ed.
Niterói, RJ: EAD/UNIVERSO, 2014.
288 p. : il.

1. Bioquímica. 2. Proteínas. 3. Carboidratos - Metabolismo.


4. Metabolismo. 5. Ensino à distância. I. Moraes, Rafael Dias
de Carvalho. II. Fonseca, Christina Corrêa da. III. Título.

CDD 572

Bibliotecária: ELIZABETH FRANCO MARTINS – CRB 7/4990

Informamos que é de única e exclusiva responsabilidade do autor a originalidade desta obra, não se responsabilizando a ASOEC
pelo conteúdo do texto formulado.
© Departamento de Ensino a Distância - Universidade Salgado de Oliveira
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma
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da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO).
Bioquímica Básica

Palavra da Reitora

Acompanhando as necessidades de um mundo cada vez mais complexo,


exigente e necessitado de aprendizagem contínua, a Universidade Salgado de
Oliveira (UNIVERSO) apresenta a UNIVERSO EAD, que reúne os diferentes
segmentos do ensino a distância na universidade. Nosso programa foi
desenvolvido segundo as diretrizes do MEC e baseado em experiências do gênero
bem-sucedidas mundialmente.

São inúmeras as vantagens de se estudar a distância e somente por meio


dessa modalidade de ensino são sanadas as dificuldades de tempo e espaço
presentes nos dias de hoje. O aluno tem a possibilidade de administrar seu próprio
tempo e gerenciar seu estudo de acordo com sua disponibilidade, tornando-se
responsável pela própria aprendizagem.

O ensino a distância complementa os estudos presenciais à medida que


permite que alunos e professores, fisicamente distanciados, possam estar a todo
momento ligados por ferramentas de interação presentes na Internet através de
nossa plataforma.

Além disso, nosso material didático foi desenvolvido por professores


especializados nessa modalidade de ensino, em que a clareza e objetividade são
fundamentais para a perfeita compreensão dos conteúdos.

A UNIVERSO tem uma história de sucesso no que diz respeito à educação a


distância. Nossa experiência nos remete ao final da década de 80, com o bem-
sucedido projeto Novo Saber. Hoje, oferece uma estrutura em constante processo
de atualização, ampliando as possibilidades de acesso a cursos de atualização,
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Reafirmando seu compromisso com a excelência no ensino e compartilhando


as novas tendências em educação, a UNIVERSO convida seu alunado a conhecer o
programa e usufruir das vantagens que o estudar a distância proporciona.

Seja bem-vindo à UNIVERSO EAD!

Professora Marlene Salgado de Oliveira

Reitora.
Bioquímica Básica

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Bioquímica Básica

Sumário

Apresentação da disciplina ................................................................................................. 7

Plano da disciplina ................................................................................................................. 9

Unidade 1 – Introdução à Bioquímica ............................................................................. 13

Unidade 2 – Proteínas........................................................................................................... 37

Unidade 3 – Carboidratos e metabolismo......................................................................89

Unidade 4 – Lipídios e metabolismo................................................................................ 153

Unidade 5 – Metabolismo de proteínas .......................................................................... 215

Unidade 6 –Integração do metabolismo energético .................................................. 243

Considerações finais.............................................................................................................. 277

Conhecendo o autor ............................................................................................................. 279

Referências ............................................................................................................................... 281

Anexos ....................................................................................................................................... 283

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Bioquímica Básica

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Bioquímica Básica

Apresentação da Disciplina

Prezado(a) estudante,

É com imenso prazer e satisfação que lhes apresento a disciplina Bioquímica


básica. A disciplina tem como meta apresentar uma discussão clara e objetiva da
bioquímica celular com ênfase nos mamíferos, uma vez que os humanos se
incluem neste grupo. A disciplina também se preocupa em relacionar eventos
bioquímicos em nível molecular e celular com a fisiologia da célula. A abrangência,
a organização e a versatilidade da leitura referente a esta disciplina permite ao
estudante compreender os processos bioquímicos que ocorrem em todos os
momentos da sua vida incluindo os que estão acontecendo enquanto esta
apresentação é lida.

Espera-se que ao final desta disciplina o estudante tenha adquirido uma sólida
compreensão das informações sobre os sistemas bioquímicos tanto ao nível
clássico quanto ao moderno e suas implicações na biologia animal. Além disso,
acredita-se que os conhecimentos difundidos ao longo da disciplina possam de
alguma forma contribuir no auxílio ao estudante que, em um futuro próximo,
utilize conhecimentos biológicos e bioquímicos na sua atuação profissional.

O material didático está dividido em seis unidades. A primeira unidade mostra


as características gerais e físico-químicas da água e os seus efeitos sobre as
biomoléculas celulares. A segunda unidade apresenta uma discussão clara e
precisa acerca da estrutura e das funções das moléculas mais fascinantes das
células, as proteínas. A terceira unidade introduz o metabolismo e a bioenergética,
onde se conhece a estrutura e funções dos carboidratos, sua digestão, absorção e
distribuição pelo organismo, suas vias de síntese e degradação e a obtenção de
energia. A quarta unidade mostra a estrutura e funções dos lipídios incluindo suas
vias de digestão, absorção e transporte, síntese e degradação e obtenção de
energia. A quinta unidade mostra a importância do nitrogênio para os seres vivos, a
digestão das proteínas da dieta, a absorção dos aminoácidos e seu metabolismo,
incluindo a excreção do nitrogênio e a obtenção de energia. A sexta unidade
mostra a interdependência dos processos metabólicos dos principais tecidos do
corpo, estes abordados nas unidades anteriores.

Cada unidade contém uma bibliografia que serve como ponto de entrada para
a pesquisa, assim como um grupo de questões para teste de conhecimentos.

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Bioquímica Básica

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Bioquímica Básica

Plano da Disciplina

A disciplina tem como objetivo apresentar a bioquímica de uma maneira


cuidadosa, com uma compreensão equilibrada dos processos químicos e
biológicos, enfatizando de forma clara, contextualizada, gradual e lógica os
principais temas associados à bioquímica celular e molecular, procurando com
tudo isso o principal que é o foco e o interesse do estudante nesta importante área
das ciências biológicas e biomédicas.

Unidade 1: Introdução à Bioquímica

Nesta unidade serão mostradas as características gerais e físico-químicas da


água. Além disso, deverão ser estudadas as interações químicas entre a água e as
biomoléculas, como a água interfere diretamente nos sistemas biológicos e os
diferentes fenômenos associados à água.

Objetivos: conhecer as características físico-químicas da água, compreender


as interações químicas entre a água e as biomoléculas, saber como a água afeta os
sistemas biológicos e definir pH, pK e sistema tampão.

Unidade 2: Proteínas

Nesta unidade serão mostradas as características gerais dos aminoácidos e das


macromoléculas mais abundantes nas células vivas, as proteínas, além das suas
estruturas químicas, suas funções celulares e as diferentes técnicas de
identificação, separação, purificação e análise destas moléculas.

Objetivos: identificar e compreender as propriedades dos aminoácidos,


incluindo pK e PI, conhecer as funções das proteínas, estudar os diferentes níveis
estruturais das proteínas e conhecer as técnicas de identificação, separação,
purificação e análise de proteínas e caracterizar as enzimas.

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Bioquímica Básica

Unidade 3: Carboidratos e metabolismo

Nesta unidade serão mostradas as características gerais dos carboidratos, suas


estruturas e funções, as vias de digestão, absorção e distribuição dos carboidratos
nos diferentes tecidos do organismo, as rotas metabólicas para a obtenção de
energia e a síntese e armazenamento dos carboidratos no organismo.

Objetivos: conhecer as características gerais dos carboidratos, classificar os


carboidratos, descrever a digestão, a absorção e o transporte dos carboidratos para
as células, estudar as vias de produção de energia utilizando carboidratos,
descrever a síntese e a degradação do glicogênio, compreender a gliconeogênese
e a via das pentoses-fosfato.

Unidade 4: Lipídios e metabolismo

Nesta unidade serão mostradas as características gerais dos lipídios, suas


estruturas químicas, suas funções e localizações celulares, as vias de digestão,
absorção e transporte, suas rotas metabólicas de síntese, degradação e obtenção
de energia.

Objetivos: conhecer as estruturas dos principais lipídios, diferenciar os


citoplasmáticos dos de membrana celular, estudar a digestão, absorção e
transporte de lipídios, caracterizar a obtenção de energia com lipídios e descrever a
síntese de ácidos graxos, triglicerídeos e lipídios de membrana.

Unidade 5: Metabolismo de proteínas

Nesta unidade, será mostrada a digestão das proteínas com consequente


absorção e distribuição dos aminoácidos no organismo, o metabolismo do
nitrogênio envolvendo as bactérias, plantas e animais e o catabolismo dos
aminoácidos para a obtenção de energia e a excreção do nitrogênio.

Objetivos: mostrar a importância da fixação do nitrogênio pelas bactérias e


sua assimilação pelas plantas, identificar os processos de digestão das proteínas da
dieta, mostrar a absorção dos aminoácidos, caracterizar a liberação da amônia na
forma de ureia e entender o catabolismo dos aminoácidos

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Bioquímica Básica

Unidade 6: Integração metabólica

Nesta unidade será mostrada a interdependência dos processos metabólicos


envolvendo os principais tecidos do corpo, de acordo com o estado nutricional e
hormonal do organismo.

Objetivos: mostrar a relação entre os diferentes tecidos do corpo e a


obtenção de energia e estudar a regulação hormonal do metabolismo energético.

Bons estudos!

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Bioquímica Básica

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Bioquímica Básica

1 Introdução à Bioquímica

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Bioquímica Básica

Nesta unidade vamos entender a cerca das características físico-químicas da


água e os seus efeitos sobre as biomoléculas e as células.

Objetivos da Unidade

 Conhecer as características físico-químicas da água

 Compreender as interações químicas entre a água e as biomoléculas

 Saber como a água afeta os sistemas biológicos

 Definir pH, pK e sistema tampão

Plano da Unidade

 A água

 Interação da água com as substâncias polares

 Ionização da água, ácidos, bases e tampões.

Bons Estudos!

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Bioquímica Básica

Os seres vivos são formados por uma extensa variedade de substâncias.


Dentre estas, podemos citar as substâncias inorgânicas (ex: água, íons e sais
minerais) e substâncias orgânicas (ex: carboidratos, lipídios, proteínas, vitaminas e
ácidos nucléicos).

A água

A água é a substância mais abundante dos seres vivos, perfazendo 70% ou


mais da massa da maioria dos organismos. Em alguns seres como águas-vivas, o
conteúdo de água pode chegar a 94% do total. O corpo humano tem em média
60% da sua massa de água, cuja distribuição varia conforme o tecido. Enquanto o
tecido adiposo praticamente não contém água, os músculos esqueléticos são
constituídos por cerca de 73% de água. O plasma sanguíneo chega a ter mais de
90% de água. O conteúdo de água também varia com a idade do organismo, pois
quanto mais velho é o ser vivo, menos água corpórea ele terá. O início da vida
aconteceu em ambiente aquoso e a maioria das reações químicas ocorre na
presença da água.

A água é de fundamental importância para todos os seres vivos na natureza


pelo fato de muitas reações químicas, tanto no interior quanto no exterior das
células serem mediadas pela água. A solubilização e distribuição de substâncias no
citoplasma das células dependem da presença da água citoplasmática. A digestão
de alimentos no tubo digestivo depende de enzimas que utilizam a água para
quebrar as ligações químicas entre as moléculas. O fluxo sanguíneo existe devido
ao plasma sanguíneo ser líquido. A evolução da vida na Terra dependeu das
características incomuns da água, a começar por sua capacidade de atuar como
solvente para inúmeras substâncias. A abundância da água e sua temperatura
elevada de fusão e ebulição permitiram o surgimento de grandes oceanos na Terra
primitiva onde a vida teve origem. Atualmente, muitas plantas e animais evoluíram
para a vida terrestre, no entanto, a dependência da água jamais deixou de existir.

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Bioquímica Básica

A água é conhecida como solvente universal, por dissolver a maioria das


substâncias presentes no planeta. A capacidade solvente da água inclui a
solubilização dos íons, de muitos açúcares, proteínas e vitaminas e de outras
moléculas não relacionadas, como por exemplo, alguns medicamentos.

A água é uma molécula formada por três átomos: dois átomos de hidrogênio e
um átomo de oxigênio (H2O). Estes três elementos se unem por ligações
covalentes criando uma estrutura assimétrica H – O – H com ângulo de ligação de
104,5º e com carga elétrica parcial negativa no oxigênio e parcial positiva nos
hidrogênios, gerando uma estrutura bipolar. O oxigênio, por ser mais
eletronegativo que os hidrogênios, adquire a carga parcial negativa ao atrair os
dois hidrogênios para si para a formação da água (figura 1).

Figura 1: Estrutura da molécula da água. A estrutura bipolar da água é


mostrada aqui no modelo bola e bastão. Os átomos de hidrogênio e oxigênio se
unem através de ligações covalentes. A carga parcial dos seus átomos é
determinada pelo símbolo (δ). O oxigênio, mais eletronegativo que os hidrogênios,
apresenta carga parcial negativa e os hidrogênios, cargas parciais positivas. Fonte:
Lehninger, princípios de Bioquímica.

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Bioquímica Básica

Vamos lembrar: A união de dois ou mais átomos forma as moléculas. Para


formar uma molécula os átomos precisam fazer ligações químicas. Duas ligações
químicas são importantes nos sistemas biológicos: a ligação covalente (ocorre
através do compartilhamento de elétrons, quando os átomos que formam a
molécula apresentam a tendência de ganhar elétrons) e a ligação iônica (ocorre
quando o átomo que precisa ganhar elétrons “rouba” um ou mais elétrons do
átomo que precisa perder elétrons). A eletronegatividade é a capacidade que um
átomo tem de atrair para si outro átomo, para a formação das moléculas. Na escala
de eletronegatividade, que vai de 0 à 4,0, o flúor, o oxigênio e o nitrogênio são
bastante eletronegativos (valores 4,0, 3,5 e 3,0 respectivamente) (tabela 1). Uma
decorrência importante do estudo da eletronegatividade dos elementos é que, em
função da diferença de eletronegatividade entre os átomos envolvidos, podemos
classificar as ligações em apolares (diferença de eletronegatividade entre os
átomos de 0 à 0,5) e polares (diferença maior que 0,5, sendo que quanto maior a
diferença, maior é a polaridade da ligação química). Ligações covalentes podem ser
apolares (diferença de eletronegatividade entre 0 e 0,5) ou polares (diferença de
eletronegatividade entre 0,6 e 1,6) enquanto as ligações iônicas (diferença de
eletronegatividade entre 1,7 e 4,0) são sempre polares. Desse modo as moléculas
podem ter caráter polar ou apolar. A água por ter seus átomos com diferença de
eletronegatividade de 1,4 (tabela 1) é então uma substância polar.

Tabela 1: A eletronegatividade de alguns elementos químicos


Elemen *Eletronegativi Elemen Eletronegativi Elemen Eletronegativi
to dade to dade to dade
F 4,0 Se 2,4 Zn 1,6
O 3,5 P 2,1 Mn 1,5
Cl 3,0 H 2,1 Mg 1,2
N 3,0 Cu 1,9 Ca 1,0
BR 2,8 Fe 1,8 Li 1,0
S 2,5 Co 1,8 Na 0,9
C 2,5 Ni 1,8 K 0,8
I 2,5 Mo 1,8
*Quanto mais eletronegatividade, mais o elemento atrai o outro.

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Bioquímica Básica

Interação da água com as substâncias polares

A água pode interagir com outras moléculas de água. Ao se aproximarem, o


oxigênio de uma molécula de água faz uma interação química com o hidrogênio
de outra molécula de água. Esta interação é chamada ponte (ou ligação) de
hidrogênio, representada por um tracejado e não por um traço como a ligação
covalente (figura 2).

Figura 2: A ponte de hidrogênio. Ponte de hidrogênio entre as moléculas de


água é uma interação (atração) fraca que ocorre entre o oxigênio de uma água e o
hidrogênio de outra água. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica.

Uma molécula de água pode fazer até quatro pontes de hidrogênio com
outras moléculas de água (figura 3). Apesar da ponte de hidrogênio ser uma
interação considerada fraca nos sistemas biológicos (a energia necessária para
romper a ligação é da ordem de 12 à 30 kj/mol), portanto bem mais fraca que as
ligações covalentes (a energia necessária para romper a ligação é da ordem de 214
à 930 kj/mol), o alto número de pontes de hidrogênio entre as moléculas de água
determina uma alta coesão entre as moléculas.

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Bioquímica Básica

Vamos lembrar: Nos sistemas biológicos, a ponte de hidrogênio é formada


entre o hidrogênio de uma molécula e o oxigênio, nitrogênio ou flúor de outra
molécula. No entanto o hidrogênio precisa estar ligado a um elemento bem
eletronegativo como os três elementos químicos citados anteriormente.
Hidrogênios ligados a carbono não fazem pontes de hidrogênio com a água
porque o carbono tem eletronegatividade semelhante ao do hidrogênio (tabela 1),
determinando uma região apolar, incapaz de fazer tal interação.

Figura 3: Pontes de hidrogênio entre moléculas de água. Cada molécula de


água forma um máximo de quatro pontes de hidrogênio. Nesta situação a água
está na forma de gelo. À medida que as pontes de hidrogênio são rompidas (por
exemplo, por aumento de temperatura), a água se torna respectivamente líquida
(média de 3,4 pontes de hidrogênio com outras moléculas de água) e gasosa
(média de 1,5 pontes de hidrogênio). Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica.

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Bioquímica Básica

As pontes de hidrogênio não se resumem à interação molecular. Os estados


físicos da água são determinados pelo número de pontes de hidrogênio entre as
moléculas (figura 3). Além disso, a água tem alto ponto de fusão (0oC), alto ponto
de ebulição (100oC) e alto calor de vaporização (2.260 j/g) quando comparado com
a maioria dos solventes. Estas propriedades são uma consequência da atração das
moléculas de água por pontes de hidrogênio, que confere à água uma alta coesão.
Outra consequência importante das pontes de hidrogênio existentes na água é a
sua alta tensão superficial. As moléculas que estão no interior do líquido atraem e
são atraídas por todas as moléculas vizinhas, de tal modo que estas forças se
equilibram. Já as moléculas da superfície só são atraídas pelas moléculas “de baixo”
e “dos lados”. Consequentemente, estas moléculas se atraem mais fortemente e
criam uma película semelhante a uma película elástica na superfície da água. A
tensão superficial da água explica vários fenômenos dentre os quais citamos a
forma esférica das gotas de água e o fato de alguns insetos poderem caminhar
sobre a água.

As pontes de hidrogênio não estão somente presentes na água, mas também


são responsáveis pela interação da água com outras substâncias. A água dissolve
biomoléculas com grupos funcionais polares, porém não carregados eletricamente,
por formar pontes de hidrogênio com os solutos. Dentre estes grupos funcionais
incluímos as hidroxilas, os aldeídos, as cetonas, os ácidos carboxílicos e
grupamentos contendo N – H, como as aminas. Ao se colocar, por exemplo,
sacarose (açúcar de cozinha) em água, seja em um suco, cafezinho ou até mesmo
na produção do soro caseiro, observa-se que o açúcar em poucos segundos
desaparece na água. Na verdade o desaparecimento da sacarose é explicado não
pelo fato da água estar quebrando a sacarose, mas pelo fato das moléculas de água
estar fazendo pontes de hidrogênio com as hidroxilas das moléculas de sacarose. O
etanol se mistura com a água através de pontes de hidrogênio entre o oxigênio da
água e a hidroxila (O – H ou mais comumente representado por OH) presente no
etanol (figura 4).

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Bioquímica Básica

Figura 4: Interação da água com etanol. O etanol (álcool comercial) se mistura


facilmente com a água por fazer pontes de hidrogênio com a água. Fonte:
www.ebah.com.br, acesso em 11/10/2014.

As pontes de hidrogênio não estão restritas à água. Outros líquidos e


macromoléculas importantes das células podem fazer pontes de hidrogênio entre
si, sem a necessidade da presença da água. A estrutura tridimensional das
proteínas contém várias pontes de hidrogênio entre seus aminoácidos. A amônia e
o ácido fluorídrico são líquidos cujas moléculas fazem pontes de hidrogênio entre
si (figura 5). Na constituição do DNA, as bases nitrogenadas (adenina e timina assim
como citosina e guanina) dos nucleotídeos fazem pontes de hidrogênio para
estabilização da dupla fita de DNA (figura 5).

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Bioquímica Básica

Figura 5: Pontes de hidrogênio entre moléculas diferentes da água. O ácido


fluorídrico (H – F) e a amônia (NH3) fazem pontes de hidrogênio entre si. O L.H. na
figura da amônia significa ligação (ponte) de hidrogênio. A dupla fita de DNA é
estabilizada por pontes de hidrogênio entre as bases nitrogenadas dos
nucleotídeos que compõem a macromolécula. Adenina (A) e timina (T) fazem duas
pontes de hidrogênio enquanto citosina (C) e guanina (G) fazem três pontes de
hidrogênio entre si. Fontes: www.portalsaofrancisco.com.br, acesso em
11/10/2014, www.quiprocura.net, acesso em 11/10/2014 e Lehninger, princípios de
Bioquímica.

Além da interação da água com outras substâncias por pontes de hidrogênio,


a água interage também eletrostaticamente com solutos que exibem carga
elétrica. Assim como as pontes de hidrogênio, as interações eletrostáticas são
interações fracas nos sistemas biológicos (a energia necessária para romper a
ligação é da ordem de 4 à 80 kj/mol), mas importantes para a formação de
macromoléculas como, por exemplo, as proteínas. A água dissolve sais como o
NaCl (cloreto de sódio) hidratando e estabilizando os íons Na+ e Cl-, enfraquecendo
as interações eletrostáticas entre as moléculas de NaCl e impedindo que estas
moléculas voltem a se agrupar, por fazer interações eletrostáticas com estes
átomos (figura 6). È importante observar que na interação da água com o NaCl não
é possível a realização de pontes de hidrogênio entre a água e o NaCl pelo fato de
não atender as condições explicadas anteriormente para a realização desta
interação molecular.

Vamos lembrar: A interação eletrostática é uma atração entre cargas opostas


de regiões moleculares. Isto pode ocorrer entre água e sais, água e grupos
funcionais com carga elétrica das moléculas orgânicas e entre diferentes grupos
funcionais com carga elétrica na mesma molécula, como ocorrem entre cargas
elétricas de alguns aminoácidos nas proteínas. Desse modo, assim como a ponte
de hidrogênio, a interação eletrostática ocorre entre substâncias polares ou regiões
polares das moléculas.

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Bioquímica Básica

Figura 6: Solubilidade do NaCl em água. A água dissolve sais como o NaCl por
meio da hidratação e estabilização dos átomos que compõe a molécula. À medida
que as moléculas de água se agrupam ao redor dos íons Na+ e Cl- a interação
(atração) eletrostática necessária para a formação do sal é rompida. Fonte:
www.profpc.com.br, acesso em 11/10/2014.

Outra interação química importante nos sistemas biológicos, diferente das


pontes de hidrogênio e das interações eletrostáticas e a interação hidrofóbica. Esta
interação fraca (a energia necessária para romper a ligação é da ordem de 3 a 12
kj/mol) ocorre entre moléculas apolares. Líquidos incapazes de se misturar com a
água geralmente possuem moléculas apolares chamadas hidrocarbonetos
(contendo carbono e hidrogênio) e são conhecidos como solventes orgânicos,
incluindo a gasolina, o hexano, o benzeno, o tolueno e outros. Na formação destes
líquidos os hidrocarbonetos se atraem através da interação hidrofóbica.

Além das substâncias polares e apolares, algumas substâncias são anfipáticas.


Estas contêm uma região polar e outra apolar. A região polar interage com a água
enquanto a região apolar não. Os ácidos graxos, os fosfolipídios e o colesterol são
exemplos de substâncias anfipáticas que serão estudadas nas próximas unidades.

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Bioquímica Básica

Ionização da água, ácidos, bases e tampões.

Nesta unidade, foi visto que a molécula de água é H2O. No entanto, uma
pequena proporção de moléculas de água se encontra em uma forma chamada
dissociada, criando íons H+ (prótons) e OH-. A ionização da água pode ser medida
por sua condutividade elétrica e é expressa por uma constante de equilíbrio. Esta
constante (Keq) determinada por condutividade elétrica corresponde à 1,8 x 10-16M
(onde M significa molar). Isto se configura um valor extremamente baixo, mas
significativo no líquido.

Em água pura, a molaridade da água à 25oC (1000 dividido pelo peso


molecular da água que é 18) é de 55,5. Com estes valores, uma nova constante para
a dissociação da água, o Kw (produto iônico da água) é criado, obtendo-se o valor
de 1 x 10-14M2, como mostrado abaixo:

H2O H+ + OH-

Keq = [H+][OH-]/[H2O] = Keq = [H+][OH-]/55,5M

(55,5M) (Keq) = [H+][OH-] = Kw = Kw = [H+][OH-] = 55,5M x 1,8 x 10-16M

Kw = 100 x 10-16M2 ou Kw = 1 x 10-14M2

Sendo assim, em água pura, onde as concentrações dos íons H+ e OH- são
equivalentes, cada íon equivale a 1 x 10-7M ou 10-7M. Como o produto iônico da
água é constante, sempre que [H+] for maior que 10-7M, [OH-] será menor que 10-
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M, ou vice-versa. O produto iônico da água é a base para escala de pH (tabela 2).
Existe uma fórmula onde:

pH = log/[H+] = pH = log/[10-7] = pH = log107 = pH = 7,0.

Ou seja, em água pura, onde as concentrações dos íons H+ e OH- são


equivalentes, o pH será sempre 7,0. Este valor significa que a água tem pH neutro.
Valores abaixos de 7,0 determinam pH ácido enquanto valores acima de 7,0
determinam pH alcalino (básico) (figura 7).

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Bioquímica Básica

Pelo fato da escala de pH ser logarítmica, se um líquido tem pH 7,0 e outro tem
pH 8,0, o segundo tem 10 X mais OH- (ou 10 X menos H+) que o primeiro. Então se
compararmos o pH da água do mar (aproximadamente 7,8) com o pH do suco
gástrico (aproximadamente 1,8), a diferença na concentração de H+ (e
consequentemente de OH-) é de 1 milhão de vezes.

Tabela 2. A escala de pH.

[H+] (M) pH [OH-] (M) pOH


100 0 1014 14
101 1 1013 13
102 2 1012 12
103 3 1011 11
104 4 1010 10
105 5 109 9
106 6 108 8
107 7 107 7
108 8 106 6
109 9 105 5
1010 10 104 4
1011 11 103 3
1012 12 102 2
1013 13 101 1
1014 14 100 0
O pH varia na razão inversa a da
concentração de H+. Desse modo o aumento
de H+ diminui o pH e vice-versa. pOH é
exatamente o inverso do pH. Note que para
todos os casos pH + pOH = 14.

Figura 7. O pH de alguns líquidos. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica.

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Bioquímica Básica

O pH afeta a estrutura e a função das macromoléculas biológicas. Por exemplo,


a atividade das enzimas depende de pH ideal. Mudanças significativas nos valores
de pH onde estão as enzimas levam a desnaturação das mesmas e
consequentemente a diminuição ou perda da função. O pH sanguíneo normal está
entre 7,3 e 7,45. Valores abaixo de 7,3 podem levar a um quadro de acidose, e
valores acima de 7,45 podem levar a um quadro de alcalose. Em ambos os casos
pode ser fatal. A absorção de alguns medicamentos também é influenciado pelo
pH. Enquanto alguns medicamentos são mais bem absorvidos pelo estômago,
outros são mais bem absorvidos pelo intestino delgado.

A concentração de H+ afeta a maioria dos processos nos sistemas biológicos.


Os ácidos e as bases podem alterar o pH. Ácidos são substâncias que entregam H+
e bases são substâncias que entregam OH- (ou roubam H+). Por exemplo, ácido
clorídrico (HCl) em água sofre dissociação em H+ e Cl-, assim entregando H+ para a
água e acidificando a mesma. Já o hidróxido de sódio (NaOH) em água sofre
dissociação em Na+ e OH-, assim entregando OH- para a água e alcalinizando a
mesma.

O grau de dissociação define os ácidos e bases como fortes e fracos. Ácidos e


bases fortes são aqueles que se dissociam praticamente todo em água. Alguns
exemplos de ácidos fortes incluem o ácido clorídrico, o ácido sulfúrico e o ácido
nítrico e alguns exemplos de bases fortes incluem o hidróxido de sódio e o
hidróxido de potássio. Os ácidos e bases fracos dissociam pouco em água e são
chamados de tampões. Quando ácido acético (CH3COOH), um ácido fraco, é
adicionado à água, algumas moléculas se dissociam em CH3COO e H+ enquanto
outras se mantêm na forma associada (CH3COOH), estabelecendo um equilíbrio
entre as duas formas. Enquanto a forma associada é o ácido conjugado (que doa
H+), a forma dissociada é a base conjugada (que pode receber H+).

CH3COOH H+ + CH3COO-

A regulação do pH nos líquidos biológicos é essencial para a vida dos seres


vivos. Pequena mudança nas concentrações de H+ e OH- afeta a estrutura e a
função das macromoléculas celulares. A concentração destes íons intra e
extracelular é mantida por sistemas tampões que fazem com que o líquido resista á

26
Bioquímica Básica

variações de pH quando pequenas quantidades de ácido ou base são adicionadas.


Quando um ácido forte é adicionado á água, todo o ácido se dissocia acidificando
fortemente a água, mas quando o ácido forte é adicionado a uma solução
contendo um ácido fraco em equilíbrio com sua base conjugada, seu pH não se
altera tão dramaticamente, pois parte dos H+ adicionados pelo ácido forte são
“roubados” pelas moléculas de ácido fraco que estão na forma dissociada (base
conjugada). Quando uma base forte é adicionada à água, toda a base se dissocia
alcalinizando fortemente a água, mas quando a base forte é adicionada à uma
solução contendo um ácido fraco em equilíbrio com sua base conjugada, seu pH
não se altera tanto pois parte dos OH- liberados da base recebem H+ das moléculas
do ácido fraco que ainda estão na forma associada, gerando H2O. Entretanto isto só
ocorre em uma faixa estreita de pH, a faixa tampão.

Todo ácido fraco e base fraca têm uma faixa tampão. Para o ácido acético a
faixa tampão foi determinada entre pH 3,76 e 5,76. Esta determinação é feita
através de uma titulação, onde uma solução contendo o ácido fraco recebe base
forte até que o ácido seja todo consumido. A curva de titulação também revela o
pK do tampão que corresponde ao meio da faixa tampão e portanto neste caso
4,76. Neste valor de pH o ácido acético está 50% na forma associada e 50% na
forma dissociada. Antes do pK o ácido acético está mais associado e depois do pK o
ácido acético está cada vez mais dissociado até atingir 100% de dissociação em pH
5,76. A partir daí o tampão perde a sua capacidade tamponante e qualquer base
adicionada à solução aumentará muito o pH (figura 8).

É importante salientar que na titulação de uma base fraca com ácido forte, a
curva obtida terá um perfil oposto ao da titulação do ácido com base, pois a
dissociação ocorre no sentido de um pH elevado (solução contendo uma base
qualquer) para um pH baixo, ou seja, se titularmos uma base fraca como por
exemplo o aminofenol, cujo pK é 6,0, a sua faixa tampão iniciará em pH 7,0 e
terminará em pH 5,0, estando a molécula totalmente dissociada em pH 5,0 e mais
associada em pHs acima do seu pK. Quanto maior o pK de um ácido, mais fraco é
este ácido e quanto menor o pK da base mais fraca é a base.

27
Bioquímica Básica

Figura 8: Curva de titulação do ácido acético. Adição de OH- provoca aumento


gradativo do pH até que todo o ácido acético (CH3COOH) esteja na forma
dissociada (CH3COO-). Antes do inicio da faixa tampão assim como depois da faixa
tampão o pH se altera facilmente, mas na faixa tampão existe uma resistência na
variação do pH pois nesta faixa de pH, a medida em que OH- são adicionados, a
forma associada do ácido tende a se dissociar para “roubar” os íons OH- e formar
H2O. Quando se atinge 50% de equivalentes de OH- adicionados, as concentrações
do doador (forma associada) e do aceptor (forma dissociada) de H+ são iguais,
definindo o pK da substância. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica.

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Bioquímica Básica

Muitos medicamentos também se comportam como tampões. O ácido acetil


salicílico (encontrado em alguns medicamentos como a aspirina) é um ácido fraco
com pK 3,5 (por convenção, se sabemos o pK, admitimos uma faixa tampão com
um valor de pH para baixo e um valor de pH para cima em relação ao pK, então a
provável faixa tampão do ácido acetil salicílico é entre 2,5 e 3,5). No estômago, cujo
pH do suco gástrico é aproximadamente 2,0, o ácido acetil salicílico neste pH está
com a maioria das moléculas na forma associada enquanto no intestino cujo suco
entérico tem pH próximo de 8,0, o ácido acetil salicílico está neste pH 100%
dissociado. Para uma molécula ser bem absorvida ela deve, dentre alguns fatores,
não ter carga elétrica. A forma associada do ácido acetil salicílico é neutra
enquanto a forma dissociada tem carga negativa, assim o ácido é melhor absorvido
pelo estômago.

Os dois tampões fisiológicos mais importantes são o tampão bicarbonato e o


tampão fosfato. O tampão fosfato consiste de um ácido fraco em equilíbrio com
sua base conjugada representada abaixo:

H2PO4- H+ + HPO4--

O sistema tampão fosfato, cujo pK é 6,86, age no citoplasma de todas as


células evitando variações bruscas no pH intracelular por tamponar o citoplasma
na faixa entre pH 5,86 e 7,86. Por isso, nas células o pH intracelular está sempre
entre 6,9 e 7,4.

O tampão bicarbonato funciona no sangue, consistindo de ácido carbônico


(H2CO3) como doador de prótons e bicarbonato (HCO3-) como aceptor de prótons.

H2CO3 H+ + HCO3-

Quando H+ aumenta no sangue (seja pela produção de lactato no exercício


físico intenso, este que ao sair do músculo para o sangue carrega um H+ ou pelo
excesso de produção de corpos cetônicos no fígado de diabéticos, que também
levam H+ para o sangue), a reação se desloca para a produção de ácido carbônico,
com produção de CO2 e liberação deste gás pela respiração. No entanto, se o pH do
plasma sanguíneo aumenta (que pode ocorrer pela produção de NH3 durante o

29
Bioquímica Básica

metabolismo de proteínas), a reação se desloca para a produção de bicarbonato,


provocando uma maior dissolução de CO2 dos pulmões para o plasma sanguíneo.

H+ + HCO3- H2CO3 CO2 + H2O

Isto significa que o sistema tampão bicarbonato regula o pH do sangue


evitando que o mesmo se torne ácido ou alcalino à ponto de afetar a velocidade de
algumas reações vitais para o organismo. O controle biológico do pH das células e
dos fluidos corporais é, portanto, de importância fundamental em todos os
aspectos celulares.

Leitura complementar

DEVLIN, T. Manual de bioquímica com correlações clínicas. Edgard


Blucher, 2007.

HARPER, H. A. Bioquímica. Atheneu, 2002.

LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. Worth publishers, 2006.

STRYER, L. Bioquímica. Guanabara Koogan, 2004.

VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Artmed, 2002.

É HORA DE SE AVALIAR

Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão


ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de
ensino-aprendizagem.

30
Bioquímica Básica

Exercícios - Unidade 1

1. A chuva ácida é a designação dada à chuva que ocorre em regiões onde


existem na atmosfera terrestre gases e partículas ricos em enxofre e nitrogênio
que, em combinação com a água, formam ácidos fortes. Isto ocorre pela queima
dos combustíveis fósseis e oxidação das impurezas sulfurosas existentes na maior
parte dos carvões e petróleos. Ao longo das últimas décadas têm sido reportadas
leituras de pH na água de gotas de chuva e em gotículas de nevoeiro, colhidas em
regiões industrializadas, com valores próximos de 2,3 (a mesma acidez do vinagre).
Na ausência de qualquer contaminante atmosférico, a água precipitada
pela chuva é levemente ácida, sendo de esperar um pH de aproximadamente 5,2 a
25ºC. A partir do texto acima, a diferença no nível de acidez entre a água da chuva
ácida e a água da chuva normal é de aproximadamente: (0,5 pontos)

a) 10X

b) 100X

c) 3X

d) 1000X

e) 30X

2. A água é a substância mais abundante da constituição dos mamíferos. É


encontrada nos compartimentos extracelulares (líquido intersticial), intracelulares
(citoplasma celular) e transcelulares (dentro de órgãos como estômago e intestino).
Sobre a água e sua presença nos mamíferos é CORRETO afirmar que:

31
Bioquímica Básica

a) A quantidade de água nos seres é invariável

b) Com o passar dos anos o conteúdo de água tem o seu percentual


aumentado

c) É importante fator de regulação térmica dos organismos

d) Em tecidos metabolicamente ativos é inexistente

e) Poucas reações químicas nos organismos dependem da água

3. Um ser humano adulto tem cerca de 60% de sua massa corpórea constituída
por água. A maior parte dessa água encontra-se localizada:

a) no meio intracelular

b) no líquido linfático

c) nas secreções glandulares e intestinais

d) na saliva

e) no plasma sanguíneo

4. O chefe do laboratório no qual você trabalha recebeu uma amostra de uma


enzima purificada a partir de uma espécie de porífero que só é encontrado nos
mares antárticos. O chefe lhe confiou então a tarefa de escolher o tampão mais
indicado para trabalhar com esta enzima. Na etiqueta do frasco da enzima estava
escrito que esta deve ser mantida em pH 8,5. Em seguida você consultou o caderno
de reagentes do seu laboratório e observou a seguinte lista de substâncias:

Substância pK
Ácido acético 4,76
Tris 10,2
Fosfato diácido 6,86
Amônio 9,25
Ácido acetil salicílico 3,5

32
Bioquímica Básica

Dentre as substâncias listadas a indicada para manter o pH dos experimentos


com a enzima é a:

a) ácido acético

b) tris

c) fosfato diácido

d) amônio

e) ácido acetil salicílico

5. De acordo com a questão anterior o ácido considerado mais fraco é o:

a) ácido acético

b) tris

c) fosfato diácido

d) amônio

e) ácido acetil salicílico

6. A água interage e dissolve moléculas através de dois processos importantes.


Estes processos são:

a) pontes de hidrogênio e interações hidrofóbicas

b) pontes de hidrogênio e ligações covalentes

c) interações hidrofóbicas e pontes de hidrogênio

d) interações eletrostáticas e ligações covalentes

e) interações eletrostáticas e pontes de hidrogênio

33
Bioquímica Básica

7. Na água pura, as concentrações dos íons H+ e OH- são iguais e o seu pH é


7,0 a 25ºC. O pH da água do mar é aproximadamente 8,0 à mesma temperatura. O
íon em maior concentração no mar, assim como a diferença de concentração deste
íon entre a água pura e a água do mar são:

a) H+ e 10X

b) H+ e 1X

c) OH- e 10X

d) OH- e 1X

e) OH- e 100X

8. Aspirina é um ácido fraco com pK de 3,5, paracetamol é um ácido muito


fraco com pK de 9,7 e p-aminofenol é uma base fraca com pK 6,0. As fórmulas
neutras das três moléculas estão mostradas abaixo:

34
Bioquímica Básica

Estas drogas são absorvidas para o sangue através das células de revestimento
do estômago e do intestino delgado. Para uma substância ser absorvida, ela deve
atravessar facilmente a membrana celular. A passagem através da membrana
celular é determinada principalmente pelo tamanho da molécula e pela sua
polaridade, assim, moléculas polares com carga elétrica passam lentamente ou não
passam dependendo do grau de polaridade, enquanto as polares neutras ou
hidrofóbicas passam mais facilmente. Sabendo-se que o pH do suco gástrico no
estômago é aproximadamente 2,0 e o pH do suco entérico no intestino delgado é
aproximadamente 8,0, a opção que corresponde a absorção destas moléculas é:

a) a aspirina passa bem pelo estômago, mas passa mal pelo intestino delgado.

b) o paracetamol passa bem pelo estômago, mas passa mal pelo intestino
delgado.

c) o p-aminofenol passa bem pelo estômago, mas passa mal pelo intestino
delgado.

d) a aspirina passa mal pelo estômago, mas passa bem pelo intestino delgado.

e) o paracetamol passa mal pelo estômago, mas passa bem pelo intestino
delgado.

9. De acordo com as pontes de hidrogênio, responda:

a) Qual é a sua relação com os estados físicos da água?

b) Como esta interação química é produzida?

c) Na ausência da água, esta interação química pode ser produzida? Justifique.

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35
Bioquímica Básica

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10. Abaixo podemos observar a curva de titulação de um ácido fraco.

Responda:

a) Qual é o pK e a faixa tamponante deste ácido?

b) Como funciona um sistema tampão?

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Bioquímica Básica

2 Proteínas

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Bioquímica Básica

Nesta unidade, vamos entender a cerca das características gerais dos aminoácidos
e das proteínas, suas estruturas químicas, suas funções celulares e as diferentes
técnicas de identificação, separação, purificação e análise destas moléculas.

Objetivos da Unidade

 Identificar e compreender as propriedades dos aminoácidos,


incluindo pK e pI

 Conhecer as funções das proteínas

 Estudar os diferentes níveis estruturais das proteínas

 Conhecer as técnicas de identificação, separação, purificação e


análise de proteínas.

 Caracterizar as enzimas

Plano da Unidade

 Os aminoácidos

 Aminoácidos como ácidos e bases

 Peptídeos

 Estrutura e funções das proteínas

 Desnaturação de proteínas

 Técnicas de estudo das proteínas

 Enzimas

Bons Estudos!

38
Bioquímica Básica

As proteínas (ou também conhecidas como polipeptídeos) são as


macromoléculas mais abundantes nas células vivas e com o maior número de
funções. São instrumentos moleculares nos quais a informação genética é
expressa. Todas as proteínas são formadas por moléculas menores chamadas
aminoácidos. A quantidade e a ordem destes aminoácidos provêm uma
quantidade enorme de diferentes proteínas celulares.

Os aminoácidos

Os aminoácidos são as unidades formadoras das proteínas. São mais de 200


tipos de aminoácidos diferentes na natureza, mas somente 20 são encontrados nas
proteínas. Estes aminoácidos possuem regiões em comum como um carbono
central (α), no qual estão ligados um hidrogênio, uma região amina (NH2), uma
região carboxila ou também conhecida como ácido carboxílico (COOH) e uma
cadeia lateral (ou grupamento R), com exceção da prolina que é considerado um
iminoácido e, portanto não apresenta uma amina. Em pH fisiológico (próximo de
7,0), os aminoácidos estão carregados na forma de íons dipolares (ou zwitterions)
tendo a amina como NH3+ e a carboxila como COO-, no entanto, esta característica
não interfere nas propriedades químicas dos aminoácidos (figura 1).

O carbono central dos aminoácidos formadores das proteínas é então


considerado um centro quiral, no qual estão ligadas quatro regiões moleculares
diferentes em um arranjo tetraédrico e assimétrico. Estas diferentes regiões podem
ocupar duas posições espaciais distintas, sendo estas duas formas chamadas de
estereoisômeros (ou enantiômeros). Nas proteínas, os aminoácidos têm sempre a
forma L (levógiro), que por convenção, o grupo amino da molécula está na
esquerda. No entanto, em peptídeos (pequenas sequências de aminoácidos)
encontrados, por exemplo, nas paredes celulares de bactérias Gram+ como as do
gênero Estafilococos, e em alguns antibióticos, os aminoácidos estão na forma D
(dextrógiro), onde o grupo amino está na direita.

39
Bioquímica Básica

Os aminoácidos são diferenciados entre si pelas suas cadeias laterais. As


cadeias laterais variam em tamanho, forma, carga elétrica, reatividade química e
definem os aminoácidos como polares ou apolares, no entanto esta denominação
só funciona quando os aminoácidos estão incorporados nas proteínas, pois todos
os aminoácidos livres são, a princípio, solúveis em água. Neste contexto, os
aminoácidos glicina, alanina, prolina, valina, leucina, isoleucina, metionina,
triptofano e fenilalanina são considerados apolares, enquanto os demais, por ter
em suas cadeias laterais regiões capazes de interagir com a água, seja por pontes
de hidrogênio ou por interações eletrostáticas, são aminoácidos polares (figura 1).

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Bioquímica Básica

Figura 1: Os aminoácidos formadores das proteínas. As fórmulas acima mostram as


formas zwitterion dos aminoácidos (em pH fisiológico). Acido glutâmico e ácido aspártico são
aminoácidos comumente referidos respectivamente como glutamato e aspartato. A cadeia
lateral da glicina está destacada das demais por ser a mais simples. Fonte:
www.infoescola.com, acesso em 18/10/2014, adaptado.

41
Bioquímica Básica

Os aminoácidos podem apresentar algumas características funcionais


interessantes: o aminoácido mais simples, a glicina, tem este nome por ter gosto
doce, assim lembrando o nome glicose, além de ser um neurotransmissor; o
glutamato e o triptofano são usados na produção dos neurotransmissores ácidos γ-
aminobutírico, serotonina e melatonina; leucina, isoleucina e valina são os
aminoácidos conhecidos como BCAA (aminoácidos de cadeia lateral ramificada),
muito procurados por praticantes de alguma atividade física, que serão estudados
nas próximas unidades; aspartato e fenilalanina são usados na produção do
adoçante aspartame; arginina participa do ciclo da uréia (importante via
metabólica que ocorre no fígado e que será estudada nas próximas unidades);
tirosina é usada na formação do hormônio tiroxina.

Além dos 20 aminoácidos descritos anteriormente, algumas raras proteínas


podem conter aminoácidos modificados após a sua incorporação na cadeia
polipeptídica. Dentre estes podemos incluir a 4-hidroxiprolina e a 5-hidroxilisina,
encontradas no colágeno, a 6-N-metillisina, encontrada na miosina, a desmosina,
encontrada na elastina e o γ-carboxiglutamato, encontrado na protrombina.

Os aminoácidos podem também ser classificados como naturais (não-


essenciais) e essenciais. Os naturais são os aminoácidos produzidos pelo
organismo. Os essenciais não são produzidos pelo organismo e, portanto precisam
ser adquiridos na alimentação. Os vegetais produzem todos os 20 aminoácidos que
formam as proteínas e, portanto só possuem aminoácidos naturais. Os humanos
produzem somente 11 (alanina, arginina, asparagina, aspartato, cisteina, glicina,
glutamato, glutamina, prolina, serina e tirosina) do total de 20 aminoácidos. Deste
modo, ao ingerir proteínas, os humanos obtêm os 20 aminoácidos, sendo alguns já
produzidos pelo corpo e outros essenciais. É importante ressaltar que para formar
as proteínas são necessários todos os 20 aminoácidos.

42
Bioquímica Básica

Aminoácidos como ácidos e bases

Como os aminoácidos possuem grupamentos amina e carboxila capazes de se


ionizar, a forma iônica predominante dos aminoácidos é dependente do pH no
qual este aminoácido se encontra. Os aminoácidos podem apresentar 2 ou 3
grupamentos ionizáveis referentes a amina, a carboxila e algumas cadeias laterais,
ou seja 2 ou 3 regiões com poder tamponante (tabela 1).

Um aminoácido em solução cujo pH é muito ácido (entre 0 e 1), tem seus


grupamentos ionizáveis totalmente protonados (com íons H+). À medida que o pH
aumenta (com adição de base), os íons H+ são liberados, sempre primeiro os
prótons das carboxilas e depois os prótons das aminas.

Tabela 1: Valores de pK e pI dos aminoácidos.


Aminoácido pK pI
Nome Abreviação Abreviação COOH NH3+ Cadeia lateral
de três de uma (grupamento
letras letra R)
Alanina Ala A 2,34 9,69 6,01
Arginina Arg R 2,17 9,04 12,48 10,76
Asparagina Asn N 2,02 8,80 5,41
Aspartato Asp D 1,88 9,60 3,65 2,77
Cisteína Cys (Cis) C 1,96 10,28 8,18 5,07
Fenilalanina Phe (Fen) F 1,83 9,13 5,48
Glicina Gly (Gli) G 2,34 9,60 5,97
Glutamato Glu E 2,19 9,67 4,25 3,22
Glutamina Gln Q 2,17 9,13 5,65
Histidina His H 1,82 9,17 6,00 7,59
Isoleucina Ile I 2,36 9,68 6,02
Leucina Leu L 2,36 9,60 5,98
Lisina Lys (Lis) K 2,18 8,95 10,53 9,74
Metionina Met M 2,28 9,21 5,74
Prolina Pro P 1,99 10,96 6,48
Serina Ser S 2,21 9,15 5,68
Tirosina Tyr (Tir) Y 2,20 9,11 10,07 5,66
Treonina Ter T 2,11 9,62 5,87
Triptofano Trp W 2,38 9,39 5,89
Valina Val V 2,32 9,62 5,97

43
Bioquímica Básica

Duas abreviações de três letras para o mesmo aminoácido significam


abreviação adotada no Inglês e no Português respectivamente. As demais são
abreviações universais.

A titulação da glicina, um exemplo de aminoácido com 2 grupamentos


ionizáveis, mostra que em pH muito ácido, a glicina tem ambos amina e carboxila
protonadas (NH3+ e COOH respectivamente), iniciando a titulação com carga
elétrica líquida +1. À medida que o pH vai aumentando, moléculas de glicina
começam a liberar prótons da carboxila até que todas as moléculas estejam com a
carboxila sem próton (COO-). Neste momento, a carga elétrica líquida da glicina é
zero. À medida que o pH continua a aumentar, as moléculas de glicina perdem
mais prótons, desta vez das aminas, até que todas estejam na forma de NH2. Neste
momento todas as glicinas estarão com carga elétrica líquida -1 e seguirá assim até
o fim da titulação. Entre a carga +1 e a zero, existirá um pK (pK1) onde 50% das
moléculas de glicina estarão com a carboxila protonada (COOH) e 50% com a
carboxila desprotonada (COO-) e assim a carga elétrica líquida será +0,5 e entre a
carga zero e -1, existirá outro pK (pK2), onde 50% das moléculas de glicina estarão
com a amina protonada (NH3+) e 50% com a amina desprotonada (NH2) e assim a
carga elétrica líquida será -0,5. O somatório dos dois pKs dividido por 2 revelará o pI
(ponto isoelétrico do aminoácido), que significa o valor de pH no qual o
aminoácido está com carga absolutamente zero (figura 2).

A titulação de aminoácidos com três grupamentos ionizáveis como, por


exemplo, o glutamato e a histidina mostra uma curva com três pKs. O glutamato,
por ter duas carboxilas (incluindo a da cadeia lateral) e uma amina, inicia a sua
titulação com carga elétrica líquida +1 e termina a titulação com carga elétrica
líquida -2. A histidina por ter uma carboxila e duas regiões positivas (uma amina e
um anel imidazol) inicia a titulação com carga elétrica líquida +2 e termina a
titulação com carga elétrica líquida -1. Em ambos os casos o pI será a soma dos dois
pKs mais próximos, dividido por 2 (figura 2).

44
Bioquímica Básica

Se a glicina for colocada em um ambiente com pH definido e submetida a um


campo elétrico, esta se moverá para o lado positivo (anodo) em pHs acima do seu
pI, pois pHs acima de 5,97 (pI da glicina) fará com que a molécula comece a adquirir
carga elétrica líquida negativa. Em pHs abaixo do seu pI, a glicina, por adquirir
carga elétrica líquida positiva, migrará para o lado negativo (catodo). Em pH 12,0
por exemplo ela migrará para o lado positivo com uma velocidade maior que em
pH 9,6 pois em pH 12,0 a glicina está com carga elétrica líquida -1 e em pH 9,6
(valor referente ao seu pK2) a glicina estará com carga elétrica líquida -0,5. Em pH
5,97 (valor referente ao seu pI), a glicina não se deslocará no campo elétrico.

Se glicina, histidina e glutamato forem submetidos a um campo elétrico em


pH 5,97, a glicina não se deslocará, mas o glutamato, por ter pI 3,22 estará com
carga negativa neste pH e migrará para o lado positivo. Já a histidina, por ter pI
7,59 estará com carga positiva neste pH e assim se deslocará para o lado negativo.
Assim, diferentes aminoácidos podem ser separados em um campo elétrico com
um pH definido, de acordo com seus pIs (esta técnica chamada de eletroforese será
explicada ainda nesta unidade). Em resumo, pHs abaixo do pI do aminoácido fazem
o aminoácido migrar para o lado negativo, pHs acima do pI fazem o aminoácido
migrar para o lado negativo e pH igual ao pI não permite que o aminoácido se
mova no campo elétrico.

45
Bioquímica Básica

Figura 2: Curvas de titulação dos aminoácidos glicina, glutamato e histidina. O primeiro


tem 2 grupamentos ionizáveis e os outros dois tem 3 grupamentos ionizáveis. As fórmulas
predominantes ao longo da titulação são mostradas acima dos gráficos. Na curva de titulação
da glicina os retângulos sombreados em vermelho indicam as duas regiões de
tamponamento. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica.

46
Bioquímica Básica

Os aminoácidos se unem para formar proteínas através da ligação peptídica.


Esta ligação covalente é formada a partir de uma reação entre o grupamento
amina de um aminoácido e o grupamento carboxila do outro aminoácido,
resultando na saída de uma molécula de água (figura 3). Esta reação química ocorre
somente no citoplasma ou nas membranas do retículo endoplasmático rugoso das
células, dentro de uma estrutura chamada ribossomo.

Figura 3: A ligação peptídica. Esta ligação (representada com um traço em vermelho) é


formada a partir de uma reação de condensação entre o grupamento amina de um
aminoácido e o grupamento carboxila do outro aminoácido.

Fonte: www.colegiovascodagama.com, acesso em 18/10/2014.

Peptídeos

Os peptídeos são biomoléculas com uma quantidade pequena de


aminoácidos. Diversos autores citam peptídeos como moléculas contendo 2
aminoácidos (dipeptídeos) ou de 3 até um máximo de 50 aminoácidos
(oligopeptídeos). Acima de 50 aminoácidos a molécula já é considerada uma
proteína. Peptídeos, apesar de pequenos, apresentam funções biológicas
importantes: a ocitocina (com 9 aminoácidos), secretada pela hipófise, é
responsável pelas contrações musculares do útero no parto e na produção de leite

47
Bioquímica Básica

pelas glândulas mamárias; a bradicinina (com 9 aminoácidos) inibe inflamação nos


tecidos; o glucagom (com 29 aminoácidos) é produzido pelo pâncreas em
situações de hipoglicemia sanguínea; a glutationa (com 3 aminoácidos) atua como
agente redutor e protege as células dos efeitos oxidantes de algumas substâncias
como a água oxigenada; o hormônio antidiurético (com 9 aminoácidos) é
sintetizado pelo hipotálamo e estimula os rins a reter água.

Estrutura e função das proteínas

Como descrito anteriormente, as proteínas são macromoléculas formadas por


aminoácidos através de ligações peptídicas. As proteínas diferem quanto à
quantidade e a sequência de aminoácidos que possuem. Por exemplo, duas
proteínas contendo o mesmo número de aminoácidos não são necessariamente
idênticas porque podem ter diferentes sequências de aminoácidos. O tamanho das
proteínas varia desde moléculas pequenas como a insulina (com 51 aminoácidos
de tamanho) até moléculas bem grandes como a hemoglobina (com 574
aminoácidos de tamanho).

As proteínas podem ser encontradas tanto intracelulares quando


extracelularmente e apresentam diversas funções, incluindo hormonal (ex: insulina,
produzida pelo pâncreas e GH produzido na hipófise), nutricional (ex: caseína, a
principal proteína do leite e ovalbumina, a principal proteína da clara do ovo),
imunológica (ex: imunoglobulinas), contração (ex: actina e miosina, as principais
proteínas de contração muscular), motilidade (ex: tubulina, encontrada no flagelo
dos espermatozóides e cílios de protozoários), transporte (ex: hemoglobina,
encontrada nas hemácias e albumina, transportadora de lipídios no plasma
sanguíneo), estrutural (ex: colágeno e queratina) e enzimática (será detalhada no
final desta unidade).

48
Bioquímica Básica

Baseada em sua composição as proteínas podem ser simples ou conjugadas.


As simples apresentam somente aminoácidos na sua estrutura. As conjugadas
apresentam, além de aminoácidos, outros componentes como íons (ex: ferro,
zinco, cobre nas metaloproteínas) ou moléculas (ex: lipídios nas lipoproteínas,
oligossacarídeos nas glicoproteínas e fosfato nas fosfoproteínas).

A estrutura das proteínas é bastante complexa. Distinguem-se quatro níveis de


organização nas proteínas: estrutura primária, secundária, terciária e quaternária. A
estrutura primária é a forma da proteína que acaba de ser sintetizada na célula. Esta
forma contém aminoácidos unidos por ligações peptídicas e em algumas
proteínas, também por pontes (ligações) dissulfeto. Esta ligação covalente (em
alguns casos referidos também como interação química) ocorre através de uma
reação química entre os grupamentos sulfidrila (SH) das cadeias laterais dos
aminoácidos cisteína que estão próximos na cadeia polipeptídica, criando uma
ligação covalente entre dois átomos de enxofre (S-S).

Cada estrutura primária é formada de acordo com a informação genética


contida nos genes do organismo. Atualmente, é conhecida a estrutura primária de
centenas de proteínas. A primeira a ter a sua estrutura elucidada foi à insulina, com
duas cadeias peptídicas, uma com 21 e outra com 30 aminoácidos, contendo três
pontes dissulfeto. A forma primária de uma proteína ainda não tem função. Para ter
função esta forma deverá assumir uma conformação final: secundária, terciária ou
quaternária. Abaixo um modelo de dobramento de uma proteína sem forma
definida e consequentemente sem função (estrutura primária) para uma forma
terciária (figura 4).

49
Bioquímica Básica

Figura 4: Dobramento (enovelamento) de uma proteína. A estrutura primária (proteína


recém-sintetizada na célula) assumindo a forma final terciária. Esta figura é representada
como modelo em fita. Fonte: www.dc205.4shared.com, acesso em 18/10/2014.

A estrutura secundária pode se apresentar como dois modelos: a α-hélice e a


folha-β (ou β-pregueada). Em ambos os modelos à estrutura secundária é
estabilizada por pontes de hidrogênio. Na estrutura α-hélice, as pontes de
hidrogênio ocorrem entre o oxigênio da região C=O da ligação peptídica de um
aminoácido e o hidrogênio da região N-H da ligação peptídica de outro
aminoácido, distantes quatro aminoácidos entre si, criando uma forma helicoidal,
daí o nome hélice (figura 5). Além disso, nesta conformação costumam ocorrer com
freqüência interações eletrostáticas entre cadeias laterais de cargas opostas e
interações hidrofóbicas entre cadeias laterais apolares dos aminoácidos, pois em
ambos os casos estas cadeias laterais estão distantes três ou quatro aminoácidos,
fazendo com que estas interações possam ocorrer e assim contribuir para a
configuração da hélice. A folha-β é bem diferente da alfa hélice, pois é quase
totalmente distendida ao invés de enrolada. A folha-β é estabilizada por pontes de
hidrogênio entre grupos N-H e C=O de 2 ou mais moléculas polipeptídicas
adjacentes, estas que podem estar paralelas (no mesmo sentido) ou antiparalelas
(sentidos opostos), enquanto que nas α-hélices as pontes de hidrogênio entre
grupos N-H e C=O são na mesma molécula (figura 5).

50
Bioquímica Básica

As formas secundárias, também conhecidas como estruturas fibrosas, são


conhecidamente insolúveis em água. A explicação se baseia no fato destas
proteínas apresentarem muitos aminoácidos com cadeias laterais apolares, tanto
no interior quanto na superfície da proteína assim como a maioria das cadeias
laterais polares dos aminoácidos estarem no interior da proteína, escondidas da
água, dificultando ainda mais a interação da água com a proteína.

A B

Figura 5: As conformações secundárias das proteínas. Na conformação A, encontra-se a


α-hélice e na conformação B encontra-se a folha-β no modelo antiparalelo. Ambas as formas
são estabilizadas por pontes de hidrogênio. As regiões R representam as cadeias laterais dos
aminoácidos. Fonte: www.bioquimica.faculdade.zip.net, acesso em 19/10/2014.

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Bioquímica Básica

O colágeno, proteína mais abundante dos vertebrados (representa mais de


30% do total de proteínas), encontrado na pele, dentina, córnea, tendões,
cartilagens e ossos é uma proteína fibrosa. O colágeno é classificado em 12 tipos (I,
II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI e XII), sendo o tipo I o mais comum, amplamente
distribuído pelo corpo. Cada molécula de colágeno pode se apresentar como uma
estrutura em hélice simples ou conter três cadeias polipeptídicas (tripla hélice)
enroladas uma em torno da outra, criando uma estrutura chamada super-hélice
(também referida como estrutura quaternária do colágeno), bastante resistente,
estabilizadas por pontes de hidrogênio e algumas ligações covalentes cruzadas
(figura 6). Analisando a sua composição química, encontram-se muitos
aminoácidos com cadeia lateral apolar, incluindo 35% de glicina, 11% de alanina e
21% de prolina/4-hidroxiprolina, o que, em parte, explica sua insolubilidade em
água. No corpo humano, o colágeno desempenha várias funções como, por
exemplo, unir e fortalecer tecidos. A deficiência de colágeno no organismo leva a
um quadro de colagenose, gerando má formação óssea, rigidez muscular,
inflamação de juntas ósseas etc. Na formação do colágeno é necessária a
participação da vitamina C. Sob a deficiência desta vitamina, pode ocorrer o
escorbuto, uma doença cujos sintomas vão desde hemorragias na gengiva,
fragilidade dos vasos sanguíneos até a morte. Mutações nos genes relacionados ao
colágeno levam a produção de proteínas anormais. A osteogênese imperfeita é
uma doença rara (1:25.000 nascimentos) relacionada a um defeito na síntese de
colágeno tipo I, que leva a uma formação óssea anormal em bebês, com
conseqüentes fraturas e deformidades ósseas. Já a doença Ehlers-Danlos
(1:3.000.000 nascimentos) se caracteriza por um defeito na síntese de colágeno
tipo I, III ou IV, levando a frouxidão em ligamentos, hipotonia muscular, desvios de
coluna etc.

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Bioquímica Básica

Figura 6: Estrutura do colágeno. Em A, está o colágeno evidenciando os seus principais


aminoácidos. Em B, está à representação das três moléculas adjacentes de colágeno e em C a
união das três moléculas, criando a super-hélice. Fonte: www.bifi.es, acesso em 19/10/2014.

A queratina, outra proteína fibrosa, é encontrada nos animais na pele,


cabelos, unhas, garras, chifres, cascos e penas. Sua composição de aminoácidos
revela um alto número dos aminoácidos hidrofóbicos alanina, valina, leucina,
isoleucina, fenilalanina e metionina. A queratina apresenta duas cadeias
polipeptídicas enroladas em espiral, contendo ligações covalentes cruzadas através
de um grande número de pontes dissulfeto, conferindo à molécula alta resistência.

A elastina é uma proteína fibrosa encontrada em vários locais do corpo


dos animais vertebrados como no pavilhão auditivo, na epiglote, em algumas
cartilagens e nas artérias elásticas. Tal como o colageno, ela é produzida pelos
fibroblastos do tecido conectivo (derme). A elastina se caracteriza por formar fibras
mais finas que aquelas formadas pelo colágeno. Essas fibras cedem bastante à
tração, mas retornam à forma original quando é cessada a força, portanto a elastina

53
Bioquímica Básica

confere a estas fibras elasticidade e resistência. Assim como o colágeno e a


queratina, a elastina é uma proteína composta na sua maioria por aminoácidos
com cadeia lateral apolar (glicina, valina, alanina e prolina).

A estrutura terciária das proteínas é conhecida como estrutura globular


ou enovelada. As proteínas terciárias são solúveis em água por apresentarem a
maioria das cadeias laterais de aminoácidos hidrofóbicos voltados para o interior
da proteína, enquanto a maioria das cadeias laterais polares está exposta
facilitando a interação da água por pontes de hidrogênio e interações
eletrostáticas. Proteínas enoveladas podem conter várias regiões α-hélice, várias
regiões folha-β ou uma mistura das duas regiões. Encontramos neste modelo de
proteína um alto número de interações entre as cadeias laterais dos aminoácidos,
incluindo as pontes dissulfeto, interações hidrofóbicas, pontes de hidrogênio e
interações eletrostáticas, isto porque os aminoácidos que estão distantes na
proteína podem interagir nesta forma terciária devido ao enovelamento poder
aproximar aminoácidos muito distantes, até mesmo o primeiro e o último
aminoácido da cadeia polipeptídica.

A mioglobina, uma proteína pequena, com 153 aminoácidos e um grupo


heme (consiste de uma estrutura orgânica cíclica, a protoporfirina, no qual se
encontra um átomo de ferro no estado ferroso, Fe++, capaz de se ligar
reversivelmente ao oxigênio) é um exemplo de estrutura terciária (figura 7). Sua
estrutura molecular mostra 78% de regiões α-hélice e sem regiões folha-β. Presente
no citoplasma das células musculares, a mioglobina é uma proteína transportadora
e armazenadora de oxigênio nos músculos estriados do corpo (músculos
esqueléticos e cardíacos). O interior da molécula é bastante apolar, contendo
muitos aminoácidos leucina, valina, metionina e fenilalanina; já o exterior da
molécula é bastante polar. Esta proteína não contém pontes dissulfeto, porém
apresenta várias interações hidrofóbicas, interações eletrostáticas e pontes de
hidrogênio.

O citocromo C, uma proteína de 104 aminoácidos, é também uma


proteína terciária contendo heme. A proteína está relacionada com a cadeia
respiratória mitocondrial e funciona como uma transportadora de elétrons (esta
função será estudada nas próximas unidades). Apenas cerca de 40% da proteína é

54
Bioquímica Básica

formada por α-hélice; o restante da proteína não contém folhas-β, no entanto é


composta por segmentos enovelados irregularmente e estendidos.

Diferente do observado na mioglobina e no citocromo C, a lisozima, uma


proteína terciária de 129 aminoácidos, contém tanto regiões α-hélice quanto
folhas-β. Enquanto as regiões α-hélice são representadas por espirais, as regiões
folhas-β são representadas por setas (figura 7). Esta proteína está presente na
saliva, lágrima e na clara do ovo e atua como bactericida, quebrando ligações
químicas de moléculas chamadas peptidoglicano, presentes na parede celular de
bactérias Gram+, como por exemplo, bactérias dos gêneros Estafilococos e
Estreptococos.

A estrutura quaternária das proteínas se refere à união de duas ou mais


cadeias polipeptídicas terciárias, podendo chegar a centenas de cadeias
polipeptídicas terciárias agrupadas. Sendo assim, a estrutura quaternária é também
chamada de globular, enovelada ou solúvel e possui as mesmas interações
químicas encontradas na estrutura terciária.

A primeira proteína quaternária a ter a sua estrutura decifrada foi a


hemoglobina. Esta proteína, de 574 aminoácidos, presente nas hemácias, contém
quatro cadeias terciárias, sendo duas de 141 aminoácidos (cadeias α) e duas de 146
aminoácidos (cadeias β), estabilizadas por pontes de hidrogênio e interações
eletrostáticas (figura 7). Apesar das cadeias terem estas denominações, em nada se
refere às estruturas secundárias estudadas anteriormente, pois a hemoglobina não
apresenta regiões folha-β, mas somente regiões α-hélice. Cada cadeia polipeptídica
contém um grupamento heme, capaz de ligar ao oxigênio. Sua função é a de
transportar oxigênio dos pulmões para os tecidos e gás carbônico dos tecidos para
os pulmões para liberação pela respiração. Enquanto a mioglobina apresenta alta
afinidade pelo oxigênio, a hemoglobina apresenta afinidade que aumenta à
medida que o primeiro oxigênio se liga, facilitando a ligação dos outros oxigênios.
De modo inverso, a saída do primeiro oxigênio da hemoglobina para os tecidos
facilita a liberação dos demais. A ligação dos oxigênios à hemoglobina é afetada
por vários fatores: assim que o sangue atinge os tecidos, moléculas de CO2 se
difundem para as hemácias, causando redução do pH nos tecidos. Esta redução do
pH favorece a liberação do oxigênio da hemoglobina. Quando as hemácias
chegam aos pulmões, o CO2 liberado aumenta o pH e consequentemente aumenta

55
Bioquímica Básica

a ligação de novas moléculas de O2 à hemoglobina. Este efeito do pH e da


concentração de CO2 sobre a ligação e liberação de O2 pela hemoglobina é
chamada de efeito Bohr; o 2,3-BPG (2,3-bifosfoglicerato, produzido à partir do 1,3-
bifosfoglicerato, que será estudado nas próximas unidades) regula a ligação do
oxigênio à hemoglobina. Nas hemácias o 2,3-BPG diminui a afinidade do oxigênio à
hemoglobina por se ligar a hemoglobina desoxigenada, mas não à hemoglobina já
com oxigênio. Ao nível do mar, nos pulmões, a quantidade de O2 liberada nos
tecidos está em 40% do máximo que pode ser transportada pelo sangue. Em
grandes altitudes, a entrega de O2 diminui, entretanto um aumento na
concentração de 2,3-BPG diminui a afinidade da hemoglobina pelo O2, facilitando a
entrega do O2 da hemoglobina para os tecidos e melhorando a respiração no
ambiente com pouco oxigênio.

Figura 7: As estruturas moleculares da mioglobina, lisozima e hemoglobina


(representação em fita). A mioglobina (A) e a lisozima (B) são proteínas terciárias por serem
somente formadas por uma única proteína enovelada. Já a hemoglobina (C) é uma proteína
quaternária por ser formada por mais de uma proteína terciária (neste caso, formada por
quatro proteínas terciárias representadas por cores diferentes). A estrutura heme da
mioglobina e as cadeias laterais dos aminoácidos no local de ligação da lisozima à parede
celular das bactérias Gram+ estão mostradas em vermelho. As regiões α-hélice são
representadas por espirais enquanto as regiões folhas-β são representadas por setas. Fonte:
Lehninger, Princípios de Bioquímica.

Várias enfermidades são associadas a problemas relacionados à hemoglobina


e são conhecidas como hemoglobinopatias: na anemia falciforme, uma mutação
nos genes para as cadeias β da hemoglobina (localizados no cromossomo 11) faz
com que estas cadeias apresentem uma modificação de ácido glutâmico
(aminoácido com cadeia lateral polar) para valina (aminoácido com cadeia lateral

56
Bioquímica Básica

apolar) no 6º aminoácido das duas cadeias β da hemoglobina. Em condições de


baixa tensão de oxigênio as moléculas de hemoglobina agregam-se levando à
formação de polímeros fibrosos de hemoglobina com precipitação destas
moléculas e conseqüente deformação das hemácias para uma forma de foice,
provocando isquemia local, hemólise acentuada, coágulos, acidentes vasculares
cerebrais dentre outros problemas, levando em alguns casos a morte. Já as
talassemias são doenças relacionadas à hemoglobina por serem caracterizadas
pela redução ou ausência da síntese das cadeias α ou β da hemoglobina, levando a
quadros de anemia desde leve até profunda, hepatomegalia, esplenomegalia e
outros problemas também potencialmente fatais.

Desnaturação de proteínas

As proteínas podem sofrer desnaturação. A desnaturação é a perda da


estrutura da proteína (através do rompimento de suas interações químicas, com
exceção das ligações peptídicas) com conseqüente perda parcial ou total da sua
função biológica.

O aquecimento do ovo revela um modelo de desnaturação. A ovalbumina da


clara do ovo é um exemplo de proteína que ao sofrer desnaturação não renatura
mais. A clara do ovo antes de ser submetida à alta temperatura é líquida e incolor,
mas ao ser aquecida, se torna branca e sólida, evidenciando a desnaturação da
proteína, no entanto ao resfriarmos o ovo, a clara não volta mais a ser líquida e
transparente. A febre alta pode causar uma leve desnaturação de algumas
proteínas do corpo. Vários agentes químicos e físicos podem causar desnaturação
em uma proteína. Dentre eles, podemos citar:

a) alteração no pH: rompe interações eletrostáticas e pontes de hidrogênio


na proteína;

b) alta temperatura: rompe interações eletrostáticas, interações hidrofóbicas


e pontes de hidrogênio na proteína;

57
Bioquímica Básica

c) detergentes: rompem interações hidrofóbicas na proteína;

d) solventes orgânicos: rompem interações hidrofóbicas na proteína;

e) redutores: rompem pontes dissulfeto na proteína;

f) metais pesados: rompem interações eletrostáticas na proteína;

g) radiações: dependendo da radiação (U.V, X, gama) pode romper


qualquer interação química na proteína.

A modelagem do cabelo em um salão de beleza é um processo que envolve


desnaturação. O cabelo é submetido a um agente redutor (geralmente tioglicolato,
guanidina, formol etc) e também à alta temperatura (com auxílio de touca térmica).
Deste modo, rompem-se todas as interações (interações eletrostáticas, interações
hidrofóbicas, pontes dissulfeto e pontes de hidrogênio) da queratina. Após certo
tempo, remove-se o agente redutor, aplica-se um agente oxidante e resfria-se o
cabelo, restaurando a conformação em α-hélice da queratina, mas com pontes
dissulfeto em locais diferentes do usual na queratina, por isso consegue-se moldar
o fio do jeito que se deseja.

Algumas proteínas podem, ao ser removido o agente redutor, sofrer


renaturação, recuperando a sua forma nativa e consequentemente a sua função
biológica. A ribonuclease, uma proteína terciária secretada pelo pâncreas e
liberada no intestino delgado para a quebra de RNAs oriundos da dieta é um
exemplo de proteína que consegue se renaturar.

58
Bioquímica Básica

Técnicas de estudo das proteínas

Uma célula bacteriana, como a Escherichia coli, contém cerca de 3.000


proteínas diferentes. Uma célula humana produz mais de 50.000 proteínas. Como
uma delas pode ser purificada e identificada no meio de tantas outras?
Atualmente, várias técnicas de separação e purificação de proteínas são usadas
rotineiramente em laboratórios que trabalham com proteínas.

Para isolar uma proteína, é necessária uma fonte desta molécula, que pode ser
um microorganismo como uma bactéria, protozoário ou fungo, tecidos vegetais ou
animais ou até mesmo alimentos como leite.

O primeiro passo é o rompimento das células para a obtenção do extrato


bruto ou também referido como extrato total. Com o extrato, pode-se fazer uma
separação inicial por diferenças de solubilidade através da técnica de “salting out”
onde a adição de sal (geralmente sulfato de amônio) pode precipitar algumas
proteínas enquanto outras permanecerão solúveis. No leite, por exemplo, não há a
necessidade da etapa de obtenção do extrato bruto pelo fato de não haver células
para serem rompidas, sendo assim o leite já é o extrato total.

Os métodos mais comuns utilizados em laboratórios para a separação e


purificação de proteínas são a cromatografia em coluna e a eletroforese. Na
cromatografia, uma resina (material sólido e poroso) é colocada em uma coluna
contendo uma solução tampão. Uma solução de proteínas é adicionada no topo da
coluna e migrada ao longo desta. Logo abaixo existem tubos para coletar frações
de proteínas. As proteínas migram mais lentamente ou mais rapidamente na
coluna dependendo das características das proteínas e do material contido na
coluna, assim as proteínas podem se prender ou são liberadas da coluna (eluídas)
em momentos distintos (figura 8).

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Bioquímica Básica

Várias cromatografias são conhecidas: a cromatografia de troca iônica contém


na coluna uma resina com um polímero sintético carregado negativamente (resina
aniônica) ou positivamente (resina catiônica). Se uma solução de proteínas for
migrada em uma resina aniônica, as proteínas de carga positiva (contendo muitas
cadeias laterais dos aminoácidos lisina, arginina e histidina) ficarão presas na matriz
porosa enquanto as negativas (contendo muitas cadeias laterais dos aminoácidos
glutamato e aspartato) migrarão mais facilmente e serão eluídas primeiro. Deste
modo a cromatografia de troca iônica separa proteínas por carga elétrica; a
cromatografia de gel filtração separa as proteínas pelo tamanho, onde a matriz da
coluna contém poros por onde as proteínas menores entram e ficam mais tempo
retidas e as proteínas maiores, por não entrar nestes poros passam mais facilmente,
sendo então eluídas primeiro; a cromatografia de fase reversa separa proteínas
pela sua hidrofobicidade, onde as mais hidrofóbicas ficam presas na resina da
coluna e as mais hidrofílicas saem facilmente; a cromatografia de afinidade separa
proteínas pelas suas especificidades de ligação, onde as proteínas retidas na coluna
estão presas a um ligante (referido como anticorpo) para a proteína de interesse e
as demais são liberadas da coluna. Deste modo esta cromatografia é a mais
específica de todas, mas infelizmente não existem muitos anticorpos disponíveis
para ligar às diferentes proteínas conhecidas.

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Bioquímica Básica

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Bioquímica Básica

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Bioquímica Básica

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Bioquímica Básica

Figura 8: Modelos de cromatografias em coluna. Aqui estão mostrados três


tipos comuns de cromatografias. Em A, a cromatografia de troca iônica, em B, a
cromatografia de gel-filtração e em C, a cromatografia de afinidade. Fonte:
Lehninger, Princípios de Bioquímica.

A eletroforese se baseia na migração de proteínas carregadas em um campo


elétrico. A eletroforese pode atuar sozinha ou em conjunto com a cromatografia no
sentido de revelar o número de proteínas e o grau de pureza em uma amostra.
Além disso, os diferentes tipos de eletroforese fornecem o tamanho e o pI de uma
proteína (figura 9).

A eletroforese simples é geralmente executada em um gel de poliacrilamida,


um polímero capaz de separar proteínas pelo tamanho. Na preparação do gel
utiliza-se um detergente, o dodecil sulfato de sódio (SDS) que se liga por interações
hidrofóbicas às proteínas e, conferem às mesmas, carga negativa, independente
dos aminoácidos que a proteína possua assim todas as proteínas inseridas no gel
terá a mesma carga. Além disso, pelo fato do SDS ser um detergente, ele desnatura
as proteínas que serão aplicadas no gel, facilitando a migração das mesmas. Uma
corrente elétrica faz as proteínas irem em direção ao pólo positivo, onde as
proteínas menores migram mais rapidamente e as maiores migram mais
lentamente formando “bandas” que são reveladas após coloração do gel com um
corante chamado azul Coomassie que cora proteínas, mas não cora o gel. Proteínas
secundárias e terciárias formam apenas uma banda no gel, mas proteínas
quaternárias formam um número de bandas que é dependente do tamanho e
número de suas cadeias polipeptídicas. Se duas ou mais proteínas apresentam o
mesmo tamanho ou tamanho muito aproximado, estas estarão praticamente na
mesma localização no gel, criando uma banda mais forte. Para facilitar a
determinação do tamanho de uma proteína de interesse, utiliza-se um padrão de
peso molecular que é na verdade uma solução contendo proteínas conhecidas e
com tamanhos definidos, esta que é aplicada no gel junto com a amostra de
proteínas a ser identificada. É comum após a obtenção de um extrato bruto ou de
uma cromatografia realizar uma eletroforese para saber o número de proteínas na
amostra e verificar se este número diminui após as purificações.

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Bioquímica Básica

A eletroforese bidimensional separa proteínas pelo tamanho e pI da proteína,


sendo então mais eficiente na separação das proteínas que a eletroforese
convencional, porém mais trabalhosa. Um gradiente de pH é criado através da
adição de ácidos e bases sob ação de um campo elétrico ao longo de um gel.
Quando proteínas são aplicadas, cada uma irá migrar até a região de pH idêntico
ao seu pI. Em seguida as proteínas são migradas para separação por tamanho.
Como as proteínas tem tamanhos e pIs diferentes, a separação é maior. Neste gel
as proteínas não são vistas como bandas, mas como pontos (spots), onde cada
ponto é referente a uma ou poucas proteínas.

O pI de uma proteína é dependente dos valores de pK de todos os


grupamentos ionizáveis dos aminoácidos. A maioria das proteínas apresenta pI na
faixa de 4,0 à 7,0 mas algumas proteínas podem apresentar pIs muito baixos ou
muito altos. Por exemplo, a pepsina, uma proteína estomacal tem pI aproximado
de 1,5 por conter muitos aminoácidos ácidos (glutamato e aspartato) enquanto
citocromo C apresenta pI próximo de 10,0 por apresentar muitos aminoácidos
básicos (lisina, arginina e histidina).

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Bioquímica Básica

Figura 9: A eletroforese. Em A, uma simulação de uma eletroforese simples


onde um padrão de peso molecular e uma proteína, com tamanho desconhecido,
são migradas em gel de poliacrilamida na presença de SDS. Em B, gel de
eletroforese simples mostrando etapas da purificação da enzima RNA polimerase
de Escherichia coli, onde a primeira faixa com proteína mostra o extrato total e as
faixas sucessivas (da esquerda para a direita) mostram as proteínas restantes a cada
passo de purificação. Na última faixa a proteína já está purificada, mas como a RNA
polimerase tem 4 subunidades, é possível a visualização de 4 bandas, duas muito
próximas de maior tamanho e duas mais afastadas. Em C, eletroforese
bidimensional de proteínas intracelulares do fungo Cryptococcus neoformans. As
proteínas foram separadas em um gradiente de pH entre 4,0 e 10,0 para depois
serem separadas por tamanho. O padrão de peso molecular foi aplicado somente
no segundo gel. Fontes: Lehninger, Princípios de Bioquímica e www.ufrgs.br,
acesso em 19/10/2014.

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Bioquímica Básica

Enzimas

As enzimas são moléculas capazes de acelerar reações químicas,


catalisando reações tanto dentro quanto fora das células (por exemplo, em lúmen
de órgãos). Com exceção de alguns RNAs com atividade catalítica, todas as enzimas
são proteínas. As enzimas podem acelerar uma reação química no mínimo 106
vezes em relação à mesma reação não catalisada, sendo que algumas enzimas
aceleram a reação na ordem de 1017 vezes. Alguns aspectos importantes sobre as
enzimas incluem:
1. Alto grau de especificidade;
2. Catálise de reações de síntese e degradação de moléculas;
3. Conservação e transformação de energia química;
4. Algumas doenças são o resultado da ausência de uma ou mais enzimas e
outras pelo excesso da atividade de uma determinada enzima;
5. Muitos medicamentos e toxinas exercem seu efeito biológico através da
interação com enzimas;
6. Algumas enzimas são utilizadas no diagnóstico de doenças através da
medida da sua atividade;
7. São ferramentas importantes na indústria química, no processamento de
alimentos e na agricultura;
8. Possuem mecanismo de renovação, desempenhando a mesma função
consecutivamente, sem serem consumidas no processo.

Cada organismo vivo produz centenas de enzimas em pequenas quantidades.


Os microorganismos podem produzir enzimas em quantidades muito altas e as
excretar no ambiente como mecanismo de digestão extracelular.

As enzimas são classificadas de acordo com as reações que catalisam em seis


classes (tabela 2). Uma classe bastante conhecida é a das hidrolases. Estas enzimas
utilizam a água para a quebra de ligações químicas. No tubo digestivo,
praticamente todas as enzimas são hidrolases, quebrando, com o auxílio da água,
proteínas, triglicerídeos, fosfolipídios, oligossacarídeos, polissacarídeos e outras
moléculas. Nos lisossomos das células, existe cerca de 50 tipos diferentes de
hidrolases, por isso esta organela tem a função primordial de digestão intracelular.

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Bioquímica Básica

Tabela 2: Classes de enzimas


Classes Subclasses
Óxido-redutases desidrogenases, oxidases, peroxidases, catalase, oxigenases,
hidroxilases
Transferases transaldolases e transcetolases, acil, metil, glicosil e
fosforiltransferases, quinases, fosfomutases
Hidrolases esterases, glicosidases, peptidases, fosfatases
tiolases, fosfolipases, amidases, desamidases
ribonucleases
Liases descarboxilases, aldolases, hidratases, desidratases
sintases, liases
Isomerases racemases, epimerases, isomerases, mutases
Ligases sintetases, carboxilases

As óxido-redutases catalisam reações de oxidação e redução entre moléculas;


as transferases transferem grupos funcionais entre doadores e aceptores, sendo os
grupos amino, acil, fosfato, carbono e glicosil, os principais resíduos transferidos; as
hidrolases usam a água para a clivagem hidrolítica de ligações C-O, C-N, O-P e C-S;
as liases adicionam ou removem os elementos da água, de amônia ou de dióxido
de carbono para a formação ou rompimento de ligações duplas; as isomerases
catalisam isomerizações de vários tipos, entre elas as interconversões cis-trans e
aldose-cetose e as ligases estão envolvidas em reações de síntese, nas quais duas
moléculas são unidas, às custas do ATP.

Como as enzimas funcionam? As enzimas atuam em moléculas específicas


chamadas substratos. Devido à alta especificidade das enzimas, a maioria reage
com apenas um substrato, no entanto algumas enzimas podem ter mais de um
substrato. Durante a reação, os substratos se convertem em produtos. A ligação do
substrato na enzima ocorre em uma região da enzima chamada sítio ativo (ou
centro ativo), contendo várias cadeias laterais de aminoácidos capazes de ligação
ao substrato por interações eletrostáticas, interações hidrofóbicas ou pontes de
hidrogênio (figura 10).

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Bioquímica Básica

A reação enzimática é esquematizada como se segue:

onde E = enzima, S = substrato e P = produto. A enzima não se altera durante o


curso da reação, somente o substrato, este que se torna produto.

Figura 10: Interação enzima-substrato. Na figura acima, o substrato se liga na


enzima em um local chamado sítio ativo, formando o complexo ES. Em seguida
ocorre a catálise, formando um produto da reação que é liberado do sítio ativo da
enzima. Fonte: www.biologiaufsj.blogspot.com, acesso em 20/10/2014.

Existem dois modelos de interação enzima substrato: o modelo chave-


fechadura e o modelo do ajuste induzido. No primeiro modelo, o substrato se
encaixa perfeitamente no sítio ativo da enzima; no segundo modelo o substrato
induz uma pequena alteração conformacional na enzima, promovendo o
reposicionamento dos aminoácidos do sítio ativo para que o substrato se encaixe
na enzima (figura 11).

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Bioquímica Básica

Figura 11: Modelos de interação enzima-substrato. Fonte:


www.docentes.esalq.usp.br, acesso em 19/10/2014.

Algumas enzimas são designadas pela incorporação do sufixo “ase” ao


nome do substrato no qual elas atuam. Por exemplo, a enzima maltase atua
quebrando a maltose, a amilase quebra o amido, a β-galactosidase (lactase) quebra
a lactose etc. Em outros casos a designação é devido a reação que catalisa, por
exemplo, glicose 6-fosfatase remove o fosfato do carbono 6 da glicose.

Para uma enzima atuar são necessários alguns requerimentos: pH ideal,


temperatura ideal, substrato disponível e em alguns casos a presença de um
cofator, uma coenzima ou ambos. O pH e a temperatura ideais são necessários
devido ao fato de alterações nestes parâmetros levarem a quebra de interações da
proteína (desnaturação) e conseqüente perda da atividade enzimática. Enzimas
humanas têm sua atividade ótima em temperaturas entre 36,5 e 37,5. Com relação
ao pH, algumas enzimas como a pepsina tem atividade ótima em pH próximo de
2,0 enquanto tripsina (uma proteína do suco entérico) tem atividade ótima em pH
próximo de 8,0. Deste modo, a influência da temperatura e do pH na atividade das
enzimas pode ser vista em gráficos onde a atividade ótima de uma enzima ocorre
em temperatura e pH ideais (figura 12).

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Bioquímica Básica

Figura 12: Influência da temperatura e do pH na atividade das enzimas. As


enzimas são testadas em diferentes temperaturas e pHs, fornecendo gráficos onde
as curvas mostram atividade ótima das enzimas em temperatura e pH específicos.
Fora do ponto ótimo as enzimas vão perdendo a atividade por estarem sofrendo
desnaturação. Fonte: www.dc347.4shared.com, acesso em 20/10/2014.

Os cofatores são íons importantes para o funcionamento de algumas enzimas


(tabela 3). Estes íons alteram o sítio ativo da enzima ou finalizam o encaixe correto
do substrato na enzima.

Tabela 3: Algumas enzimas e seus cofatores


Enzimas Cofatores (elementos inorgânicos)
citocromo oxidase Cu+2
catalase, peroxidase Fe ou Fe+3
+2

piruvato quinase K+
hexoquinase Mg+2
arginase Mn+2
urease Ni+2
Álcool desidrogenase Zn+2

As coenzimas são moléculas derivadas de vitaminas (daí a importância de


muitas vitaminas na nossa dieta). As coenzimas, seus precursores e as reações nas
quais estão envolvidas se encontram na tabela abaixo:

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Bioquímica Básica

Tabela 4: Algumas enzimas e suas coenzimas


Enzimas Coenzimas Precursores Grupos
dietéticos químicos
transferidos
Piruvato Tiamina Pirofosfato Tiamina Aldeídos
Desidrogenase (TTP) (vitamina B1)
Isocitrato Nicotinamida Niacina Íon hidreto (:H-)
Desidrogenase Adenina (vitamina PP)
Dinucleotideo (NAD)
Acetil CoA Coenzima A Ácido Acilas
Carboxilase Pantotênico
(vitamina B5)
Piruvato Biocitina Biotina CO2
Carboxilase (vitamina H)
Succinato Flavina Adenina Riboflavina Elétrons e
Desidrogenase Dinucleotideo (FAD) (vitamina B2) prótons
Glicogênio Piridoxal Fosfato Piridoxina Grupos amino
Fosforilase (vitamina B6)
Timidilato Sintase Tetrahidrofolato Ácido fólico Grupos de 1 C
(vitamina B9)

De acordo com a termodinâmica, as enzimas aceleram as reações químicas


convertendo substrato em produto através da diminuição da energia de ativação
das reações químicas. Esta está relacionada com quanta barreira existe para o
substrato se converter em produto. Mudança na energia de ativação (ou energia
livre de ativação, representada por ΔG‡) acontece quando a enzima interage com
substrato, estabilizando o substrato em uma forma que permitirá a formação de
produto. Este é chamado estado de transição. Quanto mais estável é o estado de
transição, menos energia será necessária para a conversão de substrato em
produto e mais rápida será a reação. A velocidade de uma reação é então
inversamente proporcional ao valor de sua energia livre de ativação: quanto maior
o valor de ΔG‡, menor será a velocidade da reação (figura 13).

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Bioquímica Básica

Figura 13: Diagrama de uma reação catalítica, mostrando o nível de energia


em cada etapa da reação. Normalmente, o substrato necessita de uma quantidade
elevada de energia para conseguir chegar ao estado de transição, decaindo depois
até a um produto final. A enzima estabiliza o estado de transição, diminuindo a
energia de ativação, assim reduzindo o valor de energia necessário para que se
formem os produtos. ΔG'º: energia livre padrão na bioquímica; ΔG‡: energia de
ativação Fonte: www.lookfordiagnosis.com, acesso em 20/10/2014.

A cinética enzimática (estudo da atividade de uma reação enzimática) mostra


indiretamente a especificidade das enzimas, o mecanismo de ação, os fatores que
podem afetar a velocidade das reações, a concentração de substrato ideal para a
dosagem de uma enzima etc. A relação entre a velocidade de uma reação
enzimática (conversão de substrato em produto por tempo) e a concentração do
seu substrato foi definida por Leonor Michaelis e Maud Menten. Em experimentos
cinéticos, se mede a velocidade inicial (Vo) da reação em função do aumento do
substrato. Em concentrações baixas de substrato, a Vo aumenta com o aumento do
substrato até que a reação tenha uma quantidade de substrato na qual a enzima
não consegue ser mais veloz na formação de produto, atingindo assim a
velocidade máxima (Vmax) da reação (figura 14).

73
Bioquímica Básica

A Vmax é a velocidade máxima de uma reação catalisada por uma enzima e


reflete o momento em que todas as enzimas estão ocupadas com substrato (estão
na forma ES) e a velocidade da reação não aumenta com a introdução de novos
substratos. Existindo substrato em excesso na reação, a Vmax aumenta com a
introdução de mais enzima, assim a velocidade inicial da reação enzimática (Vo) é
diretamente proporcional à concentração de enzima em condições de excesso de
substrato. Saber a Vmax das reações enzimáticas é importante na dosagem de
enzimas principalmente na clínica, onde se escolhe uma concentração de substrato
necessária para a enzima trabalhar na Vmax e assim garantir uma condição ótima
para a dosagem da enzima.

Outro parâmetro, o Km, é a concentração de substrato necessária para a


enzima trabalhar na metade da velocidade máxima (figura 14). A concentração da
enzima não afeta o Km da reação, pois a afinidade da enzima pelo substrato será a
mesma. Um baixo Km significa uma alta afinidade da enzima pelo substrato, onde a
Vmax será atingida com pouca concentração de substrato. Um alto Km significa
baixa afinidade da enzima pelo substrato. Na cinética, uma curva mais “em pé” terá
um baixo Km assim como uma curva mais “deitada” terá um maior Km. Desse
modo os dois parâmetros (Vmax e Km) são essenciais para determinar a atividade
de uma enzima. Os Km de algumas reações enzimáticas estão exemplificados
abaixo (tabela 5).

Tabela 5: Valor de Km para algumas reações enzimáticas


Enzima Substrato Km (mM)
Hexoquinase ATP 0.4
D-glicose 0.15
D-frutose 1.5
Anidrase Carbônica HCO3- 8
Treonina Desaminase L-treonina 5

74
Bioquímica Básica

Enzimas com mais de um substrato apresentam diferentes velocidades e


afinidades, refletindo em mudanças na cinética (figura 14, tabela 5). Cada enzima
tem uma Vmax e um Km específicos, levando-se em consideração as condições de
temperatura e pH ideais.

Figura 14: Cinética enzimática. Em A, o efeito da concentração do substrato na


velocidade inicial catalisada por uma enzima é mostrada em uma curva onde à
medida que se aumenta o substrato, a velocidade da reação aumenta até que em
um dado momento todas as enzimas estarão ocupadas com substrato (saturadas),
atingindo assim a Vmax. O Km é a concentração de substrato necessária para a
enzima trabalhar na metade da Vmax e reflete a afinidade da enzima pelo seu
substrato. Um baixo Km significa uma alta afinidade da enzima pelo substrato e
vice-versa. Em B, cinética da enzima hexoquinase com dois substratos: glicose e
frutose. O Km para glicose é de 0,15 mM e para frutose é de 1,5mM (ambos não
mostrados). Isso significa que é necessária uma concentração de 0,15mM de
glicose para que metade da enzima disponível encontre-se ligada a glicose,
formando o complexo ES, no entanto é necessária uma concentração de frutose 10
vezes maior, ou seja, 1,5mM. A hexoquinase tem, portanto, afinidade muito maior
pela glicose do que pela frutose. Fontes: www.dc349.4shared.com e
www.ebah.com.br, acessos em 20/10/2014.

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Bioquímica Básica

As enzimas intracelulares e extracelulares costumam trabalhar com


concentrações baixas de substrato, ou seja, nunca estão saturadas de substrato. O
Kcat (constante catalítica) avalia a eficiência catalítica de uma enzima,
representando o número de moléculas de substrato convertidas em produto por
segundo, por enzima. A constante catalítica de uma enzima pode ser desde muito
baixa (Kcat S-1 = 299 para a enzima citidina desaminase) até muito alta (Kcat S-1 =
1.000.000 para a enzima anidrase carbônica). A relação Kcat/Km (constante de
especificidade) relaciona a eficiência catalítica da enzima com a sua afinidade pelo
substrato. Se Kcat S-1 for alto e o Km for baixo, o resultado será uma alta eficiência
catalítica da enzima pelo seu substrato. Por exemplo, a enzima anidrase carbônica,
tem valor de Kcat/Km alto (8,3 x 107), portanto alta eficiência, enquanto a urease tem
valor de Kcat/Km baixo (4,5 x 105), portanto baixa eficiência.

As enzimas podem ser inibidas. Inibidores são substâncias que reduzem ou


inibem completamente a atividade de uma enzima. Alguns medicamentos como
analgésicos, antimicrobianos, antivirais, redutores de colesterol, assim como
algumas moléculas encontradas em venenos de serpentes, cobras, escorpiões e
plantas são conhecidamente inibidoras de enzimas. Os inibidores enzimáticos
podem atuar como inibidores reversíveis e irreversíveis.

A inibição reversível ocorre através de ligações não covalentes entre o inibidor


e a enzima. As duas inibições reversíveis mais comuns são a competitiva e a não
competitiva (figura 15). Na inibição competitiva o inibidor é semelhante ao
substrato e por isso compete com este pelo sitio ativo da enzima. Comparado com
uma reação sem inibidor, a cinética na presença do inibidor competitivo mostra
aumento de Km (figura 15), pois como o inibidor e o substrato competem pelo sítio
ativo da enzima, mais substrato será necessário para atingir o Km. Assim, aumento
de substrato é a medida a ser adotada para diminuir os efeitos da inibição
competitiva. Esta inibição não altera a Vmax, mesmo quando a concentração de
substrato é aumentada. O metotrexato é uma molécula com estrutura semelhante
ao ácido fólico (figura 15). A enzima dihidrofolato redutase converte o ácido fólico
(dihidrofólico) em ácido tetrahidrofólico, importante para a posterior formação de
nucleotídeos. A inibição desta reação pela ligação do metotrexato à enzima inibe a
síntese de DNA e consequentemente a divisão celular, por isso o metotrexato é

76
Bioquímica Básica

usado como medicamento anticâncer. O problema é que assim como o


metotrexato, vários outros quimioterápicos também afetam células sadias e por
isso provocam os diversos sintomas indesejáveis da quimioterapia; o malonato é
semelhante ao succinato e assim inibe competitivamente a enzima succinato
desidrogenase. Esta enzima converte succinato em fumarato, importante passo na
via metabólica, conhecido como ciclo de Krebs (será estudada nas próximas
unidades).

Na inibição não competitiva, o inibidor não se assemelha ao substrato,


portanto não se liga ao sitio ativo da enzima, porem ao se ligar em outro local da
enzima, provoca uma distorção no sitio ativo da enzima, inativando-a. Este inibidor
pode-se ligar tanto a enzima livre quanto ao complexo ES. Deste modo, o aumento
da quantidade de substrato não reverte os efeitos desta inibição. Comparado com
uma reação sem inibidor, a cinética tem diminuição de Vmax (provoca mais
rapidamente a formação dom complexo ES) sem alterar o Km (figura 15). Os
medicamentos anti-HIV efavirenz e nevirapina são dois inibidores não competitivos
que atuam inibindo a enzima transcriptase reversa do HIV causando a ruptura do
sítio catalítico da enzima.

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Bioquímica Básica

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Bioquímica Básica

Figura 15: Inibição reversível. Em A, esquemas de ligação do substrato à


enzima na presença e na ausência de um inibidor. Em B, similaridade entre o
quimioterápico metotrexato e o ácido fólico. Em C, cinéticas enzimáticas na
ausência (azul) e na presença do inibidor competitivo (vermelho). Em D, cinéticas
enzimáticas na ausência (azul) e na presença do inibidor não competitivo
(vermelho). Fontes: www.docentes.esalq.usp.br, www.essenciadavida-
julianacorreia.blogspot.com e www.info-farmacia.com, acessos em 20/10/2014.

Na inibição irreversível, o inibidor se liga tão fortemente a enzima (ligação


covalente) que bloqueia permanentemente a atividade enzimática. Envolve
modificações químicas na enzima levando a uma inativação definitiva. O ácido
acetil salicílico, molécula com propriedade analgésica e antitérmica, encontrada
em muitos medicamentos, incluindo a aspirina, inibe permanentemente a enzima
ciclooxigenase por modificação covalente da enzima, resultante do ataque
nucleofílico da hidroxila do aminoácido serina530 da enzima ao grupamento acetila
presente no ácido acetil salicílico. O resultado é a redução da síntese de
prostaglandinas, moléculas envolvidas com processos de inflamação e dor (figura
16). A penicilina, um antibacteriano, inibe, por modificação covalente, a atividade
da enzima transpeptidase bacteriana, inpedindo a síntese da parede celular
bacteriana e levando a bactéria a morte. Outros inibidores irreversíveis de enzimas
incluem o paration (inseticida), o sarin (gas), etc.

79
Bioquímica Básica

Figura 16: Mecanismo de inibição irreversível da COX pelo ácido acetil


salicílico. O ácido acetil-salicílico apresenta propriedades antiinflamatórias e
analgésicas decorrentes do bloqueio da biossíntese de prostaglandinas, devido à
inibição da enzima cíclooxigenase (COX). Esta interação é de natureza irreversível
em função da formação de uma ligação covalente resultante do ataque nucleofílico
da hidroxila do aminoácido serina530 ao grupamento acetila presente no ácido
acetil salicílico. Fonte: http://qnint.sbq.org.br adaptado, acesso em 20/10/2014.

Algumas enzimas podem ter suas atividades reguladas, atuando assim como
reguladoras do metabolismo celular. Esta regulação (reversível) é essencial na
coordenação dos inúmeros processos metabólicos celulares. Existem 2 modelos de
regulação enzimática: a regulação covalente ocorre quando há modificação
covalente da enzima, com conversão entre formas ativa e inativa. As modificações
covalentes mais comuns são a fosforilação, adenilação, metilação, uridilação e ADP-
ribosilação. A enzima glicogênio fosforilase (será estudada nas próximas unidades),
que catalisa a quebra do glicogênio é ativada quando fosforilada por uma enzima
quinase e inativada quando desfosforilada por uma enzima fosfatase; a regulação
alostérica ocorre nas enzimas que possuem dois sítios: um sítio ativo e, outro sitio
de regulação (sitio alostérico), onde uma molécula se liga de forma não covalente,
podendo atuar como reguladora positiva (aumenta a afinidade da enzima pelo
substrato e assim a velocidade da reação enzimática) ou negativa (diminui a
afinidade da enzima pelo substrato e assim a velocidade da reação enzimática). A
ligação do regulador induz modificações conformacionais na enzima, promovendo
as tais mudanças na sua afinidade com o substrato. Um modelo comum de
regulação alostérica é a retroalimentação (feed-back), onde o próprio produto da
reação enzimática inibe momentaneamente a enzima.

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Bioquímica Básica

Leitura complementar

DEVLIN, T. Manual de bioquímica com correlações clínicas. Edgard


Blucher, 2007.

HARPER, H. A. Bioquímica. Atheneu, 2002.

LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. Worth publishers, 2006.

STRYER, L. Bioquímica. Guanabara Koogan, 2004.

VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Artmed, 2002.

É HORA DE SE AVALIAR

Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão


ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de
ensino-aprendizagem.

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Bioquímica Básica

Exercícios – Unidade 2

1. A glicoquinase e a hexoquinase são duas enzimas que reagem com o


mesmo substrato, a glicose. Ambas são enzimas intracelulares que convertem a
glicose em glicose 6–fosfato, primeiro passo para a obtenção de energia na célula
ou para a síntese de glicogênio. Qual é a afirmativa correta:

a) A hexoquinase tem maior afinidade pela glicose porque seu Km é maior que o
da glicoquinase
b) A hexoquinase tem menor afinidade pela glicose porque seu Km é maior que o
da glicoquinase
c) Ambas apresentam a mesma afinidade pela glicose porque seus Km são
similares
d) Ambas apresentam a mesma afinidade pela glicose porque suas Vmax são
similares
e) a glicoquinase tem menor afinidade pela glicose porque seu Km é maior que o
da hexoquinase

82
Bioquímica Básica

2. Recentemente, houve grande interesse por parte dos obesos quanto ao início da
comercialização do medicamento Xenical no Brasil. Esse medicamento impede a
metabolização de um terço da gordura consumida pela pessoa. Assim, pode-se
concluir que o Xenical inibe a ação da enzima:

a) Maltase
b) Protease
c) Lipase
d) Amilase
e) Sacaridase

3. As enzimas são proteínas com capacidade de acelerar reações químicas nas


células e foram necessárias na atividade metabólica e na formação das primeiras
células. Dentre as opções abaixo a única que NÃO é um requerimento para a
atividade de uma enzima é:
a) Substrato
b) PH ideal
c) Temperatura ideal
d) Ambiente aquoso
e) Solvente orgânico

4. Modificar a queratina e assim alterar a forma do cabelo é bioquímica pura!!! Na


queratina existe um número grande de aminoácidos cisteína. Estes quando
próximos uns dos outros interagem através do elemento enxofre de suas cadeias
laterais. Para modificar a forma do cabelo, é necessário o rompimento destas
interações para depois refazê-las de modo diferente ao anterior. Este tipo de
interação entre os aminoácidos cisteína é chamada:

83
Bioquímica Básica

a) Ligação peptídica
b) Ponte de hidrogênio
c) Ponte dissulfeto
d) Interação eletrostática
e) Interação hidrofóbica

5. As proteínas são formadas pela união de moléculas de aminoácidos e


desempenham diversos papéis no organismo, como função estrutural, enzimática,
imunológica, dentre outras. De acordo com os seus conhecimentos sobre as
proteínas, marque a alternativa errada.

a) As proteínas podem diferir uma das outras nos seguintes aspectos: quantidade
de aminoácidos na cadeia polipeptídica; tipos de aminoácidos presentes na cadeia
polipeptídica e sequência de aminoácidos na cadeia polipeptídica
b) Os aminoácidos essenciais são aqueles que um organismo não consegue
produzir
c) A ligação entre dois aminoácidos vizinhos em uma molécula de proteína é
chamada de ligação peptídica e se estabelece sempre entre um grupo amina de
um aminoácido e o grupo carboxila do outro aminoácido

84
Bioquímica Básica

d) Todas as enzimas são proteínas, sendo que muitas são proteínas simples e
outras conjugadas.
e) No final da reação, a molécula do produto se separa da enzima, que é descartada
pelo organismo.

6. Consideram-se aminoácidos essenciais para um determinado organismo,


aqueles:
a) De que ele necessita e sintetiza a partir de vitaminas
b) De que ele necessita, mas não consegue sintetizar, tendo que recebê-los em sua
dieta
c) De que ele necessita apenas na infância
d) Resultantes da degradação de suas próprias proteínas
e) Desnecessários para a produção das proteínas

7. As proteínas, formadas pela união de aminoácidos, são componentes químicos


fundamentais na fisiologia e na estrutura celular dos organismos. Em relação às
proteínas, assinale a proposição correta.
a) O colágeno é a proteína menos abundante no corpo humano apresentando
forma enovelada (globular) como a maioria das proteínas
b) A ligação peptídica entre dois aminoácidos acontece pela reação do grupo
carboxila de um aminoácido com o grupo amino de outro aminoácido
c) A ptialina (amilase salivar), enzima produzida pelas glândulas salivares, atua na
digestão de proteínas.
d) A insulina, envolvida no metabolismo da glicose, é um exemplo de hormônio
lipídico.
e) As proteínas caseína e ovalbumina são encontradas na carne e na clara do ovo,
respectivamente.

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Bioquímica Básica

8. Considere as afirmações abaixo relativas a enzimas:


I. São proteínas com função catalisadora;
II. Todas as enzimas atuam quimicamente em diferentes substratos;
III. Continuam quimicamente intactas após a reação;
IV. Não se alteram com as modificações da temperatura e do pH do meio.

São verdadeiras:

a) I e III apenas
b) II e IV apenas
c) I, III e IV apenas
d) II, III e IV apenas
e) I, II, III e IV

9. Aminoácidos provenientes da hidrólise de proteínas podem ser analisados por


eletroforese. Sabendo-se que os dois aminoácidos abaixo possuem 03
grupamentos ionizáveis cujos pKs estão descritos abaixo, para que pólo migrariam
esses aminoácidos em pH 7,0? Justifique.

pKCOOH pKNH3+ pK R
lisina 2,18 8,95 10,53
arginina 1,82 8,99 12,48

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

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Bioquímica Básica

10. As proteínas citoplasmáticas abaixo apresentam as seguintes


características:

PESO MOLECULAR PONTO ISOELÉTRICO


PROTEÍNA (PM) (pI)
X 48.000 7,1
Y 126.000 3,8
Z 31.500 10,0

Pergunta-se:

a) Qual seria o padrão de bandeamento destas proteínas em uma eletroforese


de proteínas simples?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

b) Qual seria a ordem de eluição (saída da coluna) destas proteínas em uma


coluna de gel filtração?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

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Bioquímica Básica

88
Bioquímica Básica

3 Carboidratos e metabolismo

89
Bioquímica Básica

Nesta unidade, vamos entender a cerca das características gerais dos carboidratos,
suas estruturas e funções, as vias metabólicas para a obtenção de energia, a partir
destas moléculas, e a síntese e armazenamento dos carboidratos no organismo.

Objetivos da Unidade

 Conhecer as características gerais dos carboidratos

 Classificar os carboidratos

 Descrever a digestão, a absorção e o transporte dos carboidratos


para as células

 Estudar as vias de produção de energia utilizando carboidratos

 Descrever a síntese e a degradação do glicogênio

 Compreender a gliconeogênese

Plano da Unidade

 Carboidratos

 Digestão e absorção de carboidratos

 Obtenção de energia com carboidratos

 Glicogênese

 Glicogenólise

 Gliconeogênese

 Via das pentoses-fosfato

Bons Estudos!

90
Bioquímica Básica

Carboidratos

Os carboidratos (também conhecidos como oses, osídeos, glicídios ou


simplesmente açúcares) são moléculas com inúmeras funções celulares. Além de
serem utilizados como fonte de energia, podem atuar como estruturas de
reconhecimento celular, como lubrificantes de junções esqueléticas, como
polímeros insolúveis na superfície de alguns organismos, etc. Os carboidratos
podem estar associados a outras moléculas formando os chamados
glicoconjugados (glicoproteínas e glicolipídios). Os carboidratos são classificados
de acordo com o seu tamanho em monossacarídeos, oligossacarídeos e
polissacarídeos.

Os monossacarídeos são os açúcares mais simples, contendo de 3 a 7


carbonos. Os monossacarídeos de 3 carbonos são chamados de trioses, os de 4
carbonos, tetroses, os de 5 carbonos, pentoses etc. Além de carbono, todos contêm
oxigênio e hidrogênio, onde suas estruturas moleculares apresentam várias
hidroxilas e um grupamento químico aldeído ou cetona, ou seja, são conhecidos
como polihidroxialdeídos ou aldoses (ex: glicose) e polihidroxicetonas ou cetoses
(ex: frutose) com a fórmula geral (CH2O)n. Enquanto o aldeído está sempre no
carbono 1, a cetona está sempre no carbono 2. No entanto alguns
monossacarídeos apresentam outros elementos químicos como nitrogênio,
formando aminas (ex: N-acetilglicosamina) e fósforo, formando fosfatos (ex: glicose
6-fosfato). Sendo assim, os monossacarídeos são distinguíveis pelo seu tamanho,
por ter aldeído ou cetona, pela posição das suas hidroxilas e pela presença de
outros grupamentos químicos diferentes da hidroxila, aldeído e cetona (figura 1).

91
Bioquímica Básica

Figura 1: Alguns monossacarídeos de ocorrência natural. Os monossacarídeos


são aldoses (A) ou cetoses (B) contendo de 3 à 7 carbonos (os monossacarídeos de
7 carbonos não estão representados na figura). Em C, alguns monossacarídeos
contendo outros grupamentos químicos diferentes da hidroxila, aldeído e cetona.
Note que os monossacarídeos em A e B estão na forma linear, enquanto os em C
estão na forma cíclica (esta diferença será explicada ao longo da unidade). Fonte:
Lehninger, Princípios de Bioquímica.

92
Bioquímica Básica

Todos os monossacarídeos, exceto a dihidroxiacetona, contêm um ou mais


carbonos assimétricos, apresentando assim formas isoméricas opticamente ativas.
Quando a hidroxila do penúltimo carbono da molécula está no lado direito da
molécula, o açúcar é o D-isômero, mas quando a hidroxila do penúltimo carbono
da molécula está no lado esquerdo, o açúcar é o L-isômero. Quase 100% dos
carboidratos na natureza estão na forma D (figura 1). Dois açúcares que diferem na
posição da hidroxila em um único carbono são chamados de epímeros, como na
comparação entre glicose e galactose ou entre glicose e manose. Manose e
galactose não são epímeros por apresentarem diferenças na posição das hidroxilas
em 2 carbonos (figura 1).

Na natureza, os monossacarídeos de 3 e 4 carbonos são estruturas


lineares, mas os de 5, 6 e 7 carbonos se apresentam como estruturas cíclicas (em
forma de anéis). Por exemplo, para aldoses formarem anéis, o aldeído no carbono 1
destas aldoses reage com a hidroxila do carbono 4 (na pentose), do carbono 5 (na
hexose) e do carbono 6 (na heptose), produzindo uma estrutura fechada. Na
glicose (uma hexose do tipo aldose), a reação cria dois isômeros, os chamados
anômeros α e o β, que diferem na posição da hidroxila do carbono 1 após o
fechamento da molécula (no anômero α, a hidroxila é representada “para baixo” e
no anômero β, a hidroxila é representada “para cima”) (figura 2). Anéis hexagonais
são chamados de piranos (ex: glicose cíclica) e pentagonais são chamados de
furanos (ex: frutose cíclica) (figura 3).

93
Bioquímica Básica

Figura 2: Estrutura cíclica da glicose. A reação entre o aldeído do carbono 1 e a


hidroxila do carbono 5 gera dois isômeros, o α (hidroxila representada “para baixo”)
e o β (hidroxila representada “para cima”). Fonte: Lehninger, Princípios de
Bioquímica.

94
Bioquímica Básica

Figura 3: Formas piranosídicas da glicose e furanosídicas da frutose. Fonte:


Lehninger, Princípios de Bioquímica.

Dentre as funções dos monossacarídeos destaca-se a nutricional (muitos estão


na dieta, como a glicose, frutose, sorbose, manose etc), a estrutural (a desoxirribose
e a ribose são pentoses presentes na constituição do DNA e do RNA
respectivamente), a energética (a maioria dos monossacarídeos da dieta são
utilizados na produção de energia) e a redutora. Nas estruturas cíclicas, os átomos
de carbono anoméricos (carbono 1 nas aldoses e carbono 2 nas cetoses) podem ser
oxidados caso estes açucares estejam em ambiente contendo agentes oxidantes,
como metais (ex: cobre e ferro). Neste caso, os monossacarídeos atuam como
agentes redutores. Por muito tempo, esta característica redutora foi à base para a
detecção dos açúcares no sangue e na urina, principalmente no diagnóstico e
monitoramento de pacientes diabéticos, mas atualmente, existem kits de detecção
de glicose empregando as enzimas glicose oxidase e peroxidase presentes nos kits.
A reação envolve a redução do oxigênio, produzindo água oxigenada a partir da
oxidação da glicose pela enzima glicose oxidase e em seguida a formação de um
composto colorido pela reação da água oxigenada com a peroxidase, que será
quantificado pela técnica de espectrofotometria, fornecendo um resultado mais
confiável, por ser um ensaio enzimático.

95
Bioquímica Básica

Os monossacarídeos nas formas fechadas podem se unir formando açúcares


maiores (oligossacarídeos e polissacarídeos). A ligação entre dois monossacarídeos
se chama ligação glicosídica. Esta ligação covalente é uma reação química que
ocorre entre a hidroxila do carbono 1 de um monossacarídeo e a hidroxila de
qualquer carbono do outro monossacarídeo, com a saída de uma molécula de
água, sendo as ligações glicosídicas mais comuns entre C1-C4 e C1-C6 (figura 4).

Figura 4: A ligação glicosídica. Esta ligação é uma reação química que ocorre
entre a hidroxila do carbono 1 de um monossacarídeo e a hidroxila de qualquer
carbono do outro monossacarídeo, com a saída de uma molécula de água. Na
formação da sacarose (um oligossacarídeo) a ligação glicosídica envolve o carbono
1 da glicose e o carbono 2 da frutose. Alguns hidrogênios da glicose e da frutose
não estão representados na figura para evidenciar a reação entre hidroxilas dos
monossacarídeos. Fonte: www.brasilescola.com, acesso em 26/10/2014.

96
Bioquímica Básica

Os oligossacarídeos são açúcares formados pela união de dois até vinte


monossacarídeos. Os oligossacarídeos mais conhecidos são os dissacarídeos
(formados pela união de dois monossacarídeos). Dentre estes podemos citar a
sacarose (açúcar da cana, formado por glicose + frutose unidos por ligação
glicosídica C1-C2), a maltose (açúcar do malte, presente nas cervejas, formado por
glicose + glicose unidos por ligação glicosídica C1-C4), a trealose (presente nos
cogumelos, formado por glicose + glicose unidos por ligação glicosídica C1-C1), a
isomaltose (açúcar também encontrado no malte, formado por glicose + glicose
unidos por ligação glicosídica C1-C6), e a lactose (açúcar do leite, formado por
galactose + glicose unidos por ligação glicosídica C1-C4) (figura 5). Ambos fazem
parte da dieta da maioria dos humanos e precisam ter suas ligações glicosídicas
quebradas por enzimas hidrolases do intestino delgado para que seus
monossacarídeos sejam absorvidos. Porém, nem todos os oligossacarídeos da dieta
são totalmente quebrados. A rafinose, trissacarídeo formado por galactose, glicose
e frutose unidas por ligações glicosídicas C1-C6 e C1-C2, está na dieta (encontrado
no feijão, repolho, brócolis, grãos integrais e outros alimentos), mas os humanos
conseguem somente quebra-la em frutose e melibiose (galactose + glicose), não
hidrolisando totalmente a rafinose (figura 5). Deste modo a frutose é absorvida,
mas a melibiose não. No intestino grosso, a rafinose e a melibiose podem ser
degradadas enzimaticamente por bactérias, produzindo CO2, metano
e/ou hidrogênio, provocando flatulência associada à ingestão de feijão e outros
legumes.

97
Bioquímica Básica

Figura 5: Alguns oligossacarídeos de ocorrência natural. Em A, os dissacarídeos


maltose (glicose + glicose), lactose (galactose + glicose) e sacarose (glicose +
frutose). Em B, o trissacarídeo rafinose (galactose + glicose + frutose), onde B1
mostra a rafinose inteira e após digestão com a enzima invertase (a mesma que
hidrolisa sacarose em glicose e frutose), os produtos de digestão melibiose (B2) e
frutose (B3). Fontes: Lehninger, Princípios de Bioquímica e www.braukaiser.com,
acesso em 26/10/2014.

98
Bioquímica Básica

Outros oligossacarídeos maiores, encontrados na membrana das células, estão


associados a proteínas (glicoproteínas) e a lipídios (glicolipídios) e formam o
glicocálix (figura 6), importante região de membrana responsável pelo
reconhecimento celular: a GP120 é uma glicoproteína do vírus H.I.V, capaz de
reconhecer e se ligar simultaneamente à glicoproteína receptora de membrana
CD4 e à proteína CCR5 de linfócitos T auxiliares, para iniciar o processo de infecção
e multiplicação viral; glicolipídios na superfície das hemácias são importantes
determinantes dos grupos sanguíneos humanos, podendo, em transfusões
equivocadas, serem reconhecidos por anticorpos plasmáticos e provocar
aglutinação (agrupamento de hemácias, o que pode entupir vasos sanguíneos e
comprometer a circulação do sangue no organismo, levando à morte do
indivíduo); o receptor de manose é uma glicoproteína presente na superfície dos
macrófagos e outras células que reconhece os monossacarídeos manose, fucose e
N-acetilglicosamina de glicoproteínas na superfície de bactérias, protozoários e
fungos para a fagocitose destes microorganismos.

As funções dos oligossacarídeos são as mesmas dos monossacarídeos:


estrutural, nutricional, energética etc. Os oligossacarídeos podem ser ou não
redutores: se algum carbono anomérico do oligossacarídeo estiver livre para ser
oxidado, o oligossacarídeo será redutor (ex: maltose e lactose), mas se todos os
carbonos anoméricos do oligossacarídeo estiverem sendo usados nas ligações
glicosídicas, o açúcar é considerado não redutor (ex: sacarose e trealose).

Os polissacarídeos são açúcares contendo desde várias dezenas até milhares


de monossacarídeos. Os polissacarídeos podem ser homopolissacarídeos
(contendo sempre o mesmo tipo de monossacarídeo), incluindo o amido, o
glicogênio, a celulose e a quitina ou heteropolissacarídeos (contendo dois ou mais
tipos de monossacarídeos ao longo da molécula), incluindo o peptidoglicano e os
glicosaminoglicanos. As principais funções dos polissacarídeos são a reserva de
energia e a estrutural. Além disso, os polissacarídeos tem uma extremidade
redutora (geralmente é o carbono 1 anomérico livre) e uma extremidade não
redutora (geralmente é o carbono 4, que corresponde ao último carbono da cadeia
de monossacarídeos).

99
Bioquímica Básica

O amido é um polissacarídeo de reserva energética encontrado


principalmente nos tubérculos (ex: batatas) e sementes (ex: grão de milho) dos
vegetais, formado por milhares de moléculas de glicose. Pode se apresentar em
duas formas: a amilose, contendo somente ligações glicosídicas C1-C4 entre as
moléculas de glicose (chamada de forma linear do amido) e a amilopectina,
contendo ligações glicosídicas C1-C4, porém também ligações C1-C6 (ponto de
ramificação) a cada 24 – 30 moléculas de glicose (chamada de forma ramificada do
amido) (figura 6). O glicogênio, assim como o amido, é um polissacarídeo de
reserva energética muito grande encontrado em seres animais e fungos. As fontes
de glicogênio na dieta são peixes e carnes vermelhas e brancas. Todas as células
humanas são capazes de produzir glicogênio, mas os hepatócitos (células do
fígado) e os miócitos (células musculares) são os maiores produtores de glicogênio.
O glicogênio é semelhante à amilopectina por ter várias moléculas de glicose
unidas por ligações glicosídicas C1-C6 (um ponto de ramificação a cada 8 – 12
moléculas de glicose) (figura 6). Ambos amido e glicogênio são solúveis porque
apresentam várias hidroxilas expostas para fazer pontes de hidrogênio com a água.

A celulose, outra molécula de origem vegetal formada por moléculas de


glicose, não tem função energética, mas sim estrutural, estando presente na
parede celular das células vegetais (figura 6). A celulose tem importante aplicação
industrial, sendo usada na fabricação de papel, papelão, celofane etc. Pelo fato dos
seres humanos não terem a enzima celulase, capaz de hidrolisar a celulose, não
podemos aproveitar as glicoses da celulose, sendo assim, a celulose funciona como
uma fibra na dieta, saindo inteira nas fezes. Já para a digestão do amido e do
glicogênio da dieta os humanos têm enzimas amilases na boca e no intestino
delgado. Na celulose, as moléculas de glicose (10.000 a 15.000) são unidas por
ligações glicosídicas C1-C4, porém diferente do observado no amido e glicogênio,
suas ligações glicosídicas são do tipo β1-4 enquanto as do amido e glicogênio são
do tipo α1-4. Isso promove uma conformação diferenciada que permite às
moléculas de glicose fazer muitas pontes de hidrogênio inter e intracadeia, o que
desfavorece a interação da água com a celulose por pontes de hidrogênio, fazendo
com que a molécula seja insolúvel em água.

100
Bioquímica Básica

A quitina, um polissacarídeo estrutural encontrado na superfície dos


artrópodes e dos fungos, é formada por milhares de moléculas de N-
acetilglicosamina unidos por ligações β1-4 (figura 6), sendo também um
polissacarídeo insolúvel em água. É o segundo polissacarídeo mais abundante do
planeta depois da celulose. Pessoas que se alimentam de crustáceos como siri,
caranguejo, camarão e lagosta ou de alguns cogumelos têm a quitina na dieta, mas
como não temos enzimas capazes de digeri-la, a quitina também se comporta
como fibra. A partir da desacetilação dos monossacarídeos N-acetilglicosamina que
formam a quitina se produz a quitosana, uma molécula muito consumida por
pessoas que desejam emagrecer e reduzir o colesterol sanguíneo, pois a quitosana
diminui expressivamente a absorção de triglicerídeos e colesterol da dieta.

O peptidoglicano é uma molécula insolúvel encontrada na parede celular de


bactérias Gram+ e no espaço periplásmico (entre a parede celular e a membrana
celular) de bactérias Gram-. Sua estrutura molecular contém peptídeos formados
por glicina, alanina, glutamato e lisina, ligados covalentemente à dissacarídeos
repetidos de ácido N-acetilmurâmico e N-acetilglicosamina unidos por ligações β1-
4 (figura 6). A lisozima, encontrada na lágrima e na saliva mata bactérias por atuar
hidrolisando as ligações glicosídicas entre os monossacarídeos do peptidoglicano.

Os glicosaminoglicanos são moléculas componentes da matriz extracelular,


formadas por milhares de unidades repetidas de dissacarídeos, sendo um dos
monossacarídeos o N-acetilglicosamina ou N-acetilgalactosamina e o outro o ácido
D-glucurônico ou ácido L-idurônico. O ácido hialurônico, um glicosaminoglicano,
funciona como lubrificante nas articulações e confere resistência e elasticidade da
cartilagem e dos tendões. Os glicosaminoglicanos estão ligados covalentemente
ou não-covalentemente a proteínas de membrana ou proteínas extracelulares para
formar os proteoglicanos, muito abundantes nos tecidos conectivos, como o tecido
conjuntivo propriamente dito, o tecido cartilaginoso, o tecido ósseo e os vasos
sanguíneos. Estes glicoconjugados dão rigidez à matriz, regulam a passagem de
moléculas através da matriz extracelular, bloqueiam e estimulam ou guiam a
migração e dispersão celular através da matriz, além de contribuir para um
ambiente bastante hidratado.

101
Bioquímica Básica

102
Bioquímica Básica

Figura 6. Alguns polissacarídeos de ocorrência natural. Em A, pequeno


segmento das duas formas do amido, a forma linear amilose, mostrando somente
ligações C1-C4 (esquerda) e a forma ramificada amilopectina, mostrando ligações
C1-C4 e C1-C6 (direita). Em B, pequeno segmento do glicogênio mostrando
ligações C1-C4 e C1-C6. Em C, segmento curto da celulose (esquerda) e da quitina
(direita). Em D, pequeno segmento do peptidoglicano, evidenciando os
dissacarídeos repetidos de N-acetilglicosamina (também observado na quitina) e
N-acetilmurâmico ligados aos aminoácidos glicina, alanina (Ala), glutamato (Glu) e
lisina (Lys); Fontes: Lehninger, Princípios de Bioquímica, www.biologia.edu.ar,
www.homepage.ufp.pt, www.bifi.es, www.ebah.com.br e
www.carboidratos.farmfametro.blogspot.com, acessos em 26/10/2014.

103
Bioquímica Básica

Digestão e absorção de carboidratos

Como descrito anteriormente, muitos carboidratos são obtidos na dieta.


Destes, a maioria são oligossacarídeos (ex: sacarose, lactose, maltose, trealose e
rafinose) e polissacarídeos (ex: amido, glicogênio, celulose e quitina), mas alguns
monossacarídeos livres (ex: glicose, frutose e sorbose) também podem ser obtidos.
O uso de suplementos alimentares aumentou a lista de açúcares ingeridos (ex:
quitosana, um polissacarídeo descrito anteriormente e maltodextrina, um
oligossacarídeo contendo em média 8 unidades de glicose com algumas ligações
C1-C6).

Os humanos absorvem somente monossacarídeos, portanto, faz-se necessário


a hidrólise dos oligossacarídeos e polissacarídeos. Para isso, o tubo digestivo deve
contar com um arsenal de enzimas digestivas para estes açúcares maiores a fim de
liberar os monossacarídeos. O ser humano não possui todas as enzimas necessárias
para a digestão de todos os açúcares ingeridos, então os que não são digeridos ou
são apenas parcialmente digeridos acabam atuando como fibras, incluindo a
quitina, a quitosana, a celulose e outros não citados nesta unidade, mas que
também fazem parte da dieta, como as hemiceluloses, (polissacarídeos contendo
xilose, manose, arabinose, glicose, ácido glucurônico, ácido galacturônico, fucose e
galactose em várias combinações) as pectinas (polissacarídeos contendo ácido
galacturônico, ramnose, arabinose e galactose em várias combinações) e as gomas
(polissacarídeos contendo galactose, arabinose, ramnose, ácido glucurônico e
glicoproteínas em várias combinações). A amilase salivar é a única enzima digestiva
na boca para os açúcares da dieta; as demais enzimas estão no lúmen do intestino
delgado (figura 7).

104
Bioquímica Básica

Maltase
Amilase salivar e
Maltose Isomaltase
Amido pancreática
Maltotriose Dextrinases
Sacarose
Glicogênio Isomaltose Glicose (n)
Dextrinas
Invertase (sacaridase)
Sacarose Glicose + frutose

Lactose β-galactosidase (lactase)


Galactose + glicose
Maltose Maltase
Glicose + glicose
Trealose Trealase
Glicose + glicose

Rafinose Invertase Melibiose + Frutose

Figura 7: Carboidratos da dieta. Os açúcares amido, glicogênio, sacarose,


lactose, maltose e rafinose ao serem digeridos liberam os monossacarídeos glicose,
frutose e galactose que vão do intestino delgado para o sangue e em seguida para
todas as células do corpo. Glicose(n) significa um número indeterminado de
moléculas de glicose após a digestão do amido e do glicogênio, por estes terem
tamanhos variados. Outro monossacarídeo, a manose, obtida da digestão de
alguns polissacarídeos e glicoproteínas celulares presentes na dieta também vai do
intestino delgado para as células do corpo.

Após a digestão, glicose, galactose e manose são transportados do lúmen


intestinal para o epitélio intestinal acoplados a Na+ pela proteína transportadora de
membrana SGLT1 e em seguida ambos são levados para o sangue pela proteína
transportadora de membrana GLUT2 presente na membrana das células do
epitélio intestinal voltada para o sangue. A frutose é transportada do lúmen para o
epitélio por outro transportador, o GLUT5, independente do acoplamento com
Na+, mas assim como para os outros monossacarídeos, o GLUT2 também
transporta a frutose para o sangue. O Na+ é liberado para o sangue trocando com
K+ através da proteína de membrana conhecida como bomba de Na+ e K+ (figura 8).

105
Bioquímica Básica

Do sangue, os monossacarídeos são captados pelas células também por proteínas


transportadoras, como a GLUT4 das células musculares esqueléticas e cardíacas e
células do tecido adiposo e a GLUT3 dos neurônios.

Figura 8: Absorção de monossacarídeos. Os oligossacarídeos e polissacarídeos


são hidrolisados e os monossacarídeos são transportados do lúmen para o epitélio
intestinal por proteínas transportadoras presentes na membrana das células
voltada para o lúmen do órgão e voltada para o sangue. Fonte:
www.bloglowcarb.blogspot.com, acesso em 26/10/2014.

106
Bioquímica Básica

Obtenção de energia com carboidratos

Ao entrar nas células, os monossacarídeos podem ser utilizados para obtenção


de energia. Para obter energia são necessárias três etapas: a glicólise, o ciclo de
Krebs (ou ciclo do ácido cítrico) e a cadeia respiratória.

A glicólise, também chamada de via glicolítica ou via de Embden-Meyerhof-


Parnas, é a primeira via metabólica na obtenção de energia. Todas as células vivas,
desde bactérias até as células humanas fazem glicólise. Nesta via, que ocorre no
citoplasma das células, glicose, frutose, galactose e manose são convertidas em
duas moléculas de piruvato através de várias etapas enzimáticas. Durante o
processo, parte da energia destes monossacarídeos é conservada na produção
líquida de duas moléculas de ATP e de duas moléculas de NADH (também descrita
como NADH + H+) (figura 9). Em células oxigenadas, as moléculas de piruvato vão
para uma organela da célula chamada mitocôndria, são convertidas em
acetilcoenzima A (acetilCoA) e o metabolismo energético prossegue. No entanto,
se a célula está com pouco ou nenhum oxigênio ou se a célula não apresenta
mitocôndrias ou então apresenta mitocôndrias defeituosas, o metabolismo
energético não prossegue e as moléculas de piruvato são convertidas no
citoplasma em lactato ou etanol, dependendo da célula na qual está ocorrendo a
glicólise. Piruvato pode ainda ser convertido no aminoácido alanina, quando a
célula necessita deste para a síntese de proteínas.

107
Bioquímica Básica

Figura 9: A via glicolítica. Em A, a via glicolítica resumida, mostrando a glicose


sendo convertida em duas moléculas de piruvato com produção líquida de 2 ATP e
2 NADH + 2 H+. Em B, a via glicolítica detalhada evidenciando as estruturas
moleculares e as enzimas envolvidas no processo. À partir de gliceraldeído 3-
fosfato todas as moléculas estão em dobro, assim como as moléculas de ATP
formadas. Várias destas enzimas precisam do cofator Mg++ para suas atividades
catalíticas (não mostrado na figura). Fontes: www.profdorival.com.br e
www.professorthiagorenno.blogspot.com, acessos em 26/10/2014.

Usando a glicose como exemplo, na primeira etapa da glicólise, a glicose é


convertida em glicose 6-fosfato (a glicose recebe um fosfato no carbono 6) através
da enzima hexoquinase. Este passo é importante porque ao receber o fosfato, a
glicose fica presa na célula, pois não existem transportadores de glicose 6-fosfato
nas membranas celulares. A reação de formação da glicose 6-fosfato requer o ATP,
assim o ATP vira ADP e o fosfato liberado é o que se liga à glicose. A segunda etapa

108
Bioquímica Básica

envolve a conversão de glicose 6-fosfato em frutose 6-fosfato, catalisada pela


enzima fosfohexose (ou fosfoglicose) isomerase. Na terceira etapa a frutose 6-
fosfato é fosforilada à frutose 1,6-bifosfato, através da enzima fosfofrutoquinase 1
(PFK-1). Esta fosforilação é dependente de ATP, assim um novo ATP é consumido e
o fosfato liberado é inserido no carbono 1 da frutose 6-fosfato. Até o momento, o
saldo energético é – 2 ATP. A quarta etapa envolve a clivagem da frutose 1,6-
bifosfato pela enzima aldolase, em duas moléculas de três carbonos, o
gliceraldeído 3-fosfato e a dihidroxiacetona fosfato, está última, em uma quinta
etapa, convertida imediatamente em gliceraldeído 3-fosfato pela enzima triose
fosfato isomerase, pois somente o gliceraldeído 3-fosfato pode ser metabolizado
nas etapas subseqüentes da glicólise. Na sexta etapa, cada molécula de
gliceraldeído 3-fosfato é oxidada à 1,3-bifosfoglicerato à partir da incorporação de
um fosfato inorgânico, reação catalisada pela enzima gliceraldeído 3-fosfato
desidrogenase (G3PDH). Esta enzima tem o NAD+ como coenzima. Esta molécula é
uma aceptora de prótons e elétrons, recebendo dois elétrons e um próton (hidreto)
resultante da oxidação do gliceraldeído 3-fosfato na reação enzimática,
convertendo o NAD+ em NADH. Como dois prótons e dois elétrons são liberados na
reação, mas o NAD+ só pode incorporar um hidreto, a reação é descrita como
NADH (NAD+ contendo o hidreto) + H+ (próton livre que não foi incorporado ao
NAD+) Este NADH + H+ necessita posteriormente ser reconvertido em NAD+ (será
explicado posteriormente nesta unidade) para que a glicólise nunca pare, pois
NAD+ existe em quantidades baixas na célula e assim precisa estar disponível para
que sempre ocorra a via glicolítica. A sétima etapa revela a formação de ATP. A
enzima fosfoglicerato quinase catalisa a transferência do fosfato do carbono 1 do
1,3-bifosfoglicerato para o ADP, formando ATP e 3-fosfoglicerato. A oitava etapa
envolve a conversão de 3-fosfoglicerato em 2-fosfoglicerato pela enzima
fosfoglicerato mutase. A nona etapa, catalisada pela enolase desidrata o 2-
fosfoglicerato, produzindo o fosfoenolpiruvato e finalmente a décima etapa
envolve a transferência do fosfato do fosfoenolpiruvato para o ADP, formando ATP
e piruvato, reação catalisada pela enzima piruvato quinase. As enzimas
hexoquinase, fosfohexose isomerase, fosfofrutoquinase-1, fosfogliceratoquinase,
fosfoglicerato mutase e piruvato quinase são dependentes do cofator Mg++ para as
suas atividades catalíticas, sendo que piruvato quinase também é dependente do
cofator K+.

109
Bioquímica Básica

Como foi descrito acima, duas moléculas de gliceraldeído 3-fosfato foram


anteriormente produzidas à partir de frutose 1,6-bifosfato, então na verdade, foram
produzidas 4 moléculas de ATP, 2 moléculas de NADH + 2 H+ e 2 moléculas de
piruvato. No entanto o saldo energético líquido é de 2 ATP porque foram
consumidos (gastos) 2 ATP no início da glicólise (durante as reações de glicose até
frutose 1,6-bifosfato). A fórmula geral da glicólise é então:

Glicose + 2 ADP + 2 NAD+ = 2 piruvato + 2 ATP + 2 NADH + 2 H+ + 2 H2O

Vamos lembrar: Energia é derivada da oxidação de combustíveis metabólicos


utilizados pelo organismo (carboidratos, lipídios e proteínas). O elo essencial entre
as vias de produção e de utilização de energia é o ATP (adenosina trifosfato). Esta
molécula é uma D-ribose com uma base nitrogenada adenina ligada por uma
ligação glicosídica no carbono 1 e três grupos fosforil (fosfatos) no carbono 5
(figura 10). Reações catabólicas liberam energia, esta que é geralmente
armazenada na forma de ATP. Os dois grupos fosforil terminais são ligações ricas
em energia, assim quando ocorre hidrolise do ATP, forma-se ADP e energia é
liberada para trabalho biológico. Por exemplo, no músculo esquelético, a energia
química contida nos fosfatos é convertida em energia mecânica durante a
contração muscular. O transporte ativo de substâncias através das membranas
celulares, inclusive para a propagação do impulso nervoso e para a síntese de
macromoléculas são outros exemplos que envolvem a transferência de energia do
ATP. Nas reações oxidativas do catabolismo, enzimas desidrogenases transferem
equivalentes de redução, isto é, prótons (H+) e elétrons (e-) para as coenzimas NAD+
(Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo), NADP (Nicotinamida Adenina
Dinucleotídeo Fosfato) ou FAD (Flavina Adenina Dinucleotídeo) para produzir as
formas reduzidas NADH, NADPH e FADH2 (figura 11). Enquanto NAD+ e NADP se
reduzem após incorporar um hidreto, FAD se reduz com 2 prótons e 2 elétrons.
Estes equivalentes de redução são transferidos para uma cadeia de transporte de
elétrons (cadeia respiratória) nas mitocôndrias das células e estes elétrons são
entregues ao O2. Estas reações liberam energia que é usada na síntese de ATP.

110
Bioquímica Básica

Outras moléculas similares trifosfatadas (GTP, CTP e UTP) também estão envolvidas
em transferência de energia em vias biossintéticas.

Figura 10: Estrutura do ATP e do ADP. Em A, a estrutura do ATP com os seus


três grupamentos fosfato e do ADP após hidrólise do ATP, com consequente
liberação de fosfato inorgânico. Em B, o esquema da interconversão ATP-ADP nas
células. Fontes: Lubert Stryer, Bioquímica e www.hyperphysics.phy-astr.gsu.edu,
acesso em 28/10/2014.

111
Bioquímica Básica

112
Bioquímica Básica

Figura 11: Estrutura do NAD+ e do FAD. Em A, a nicotinamida adenina


dinucleotídeo na sua forma oxidada (NAD+) e reduzida (NADH); em B, a flavina
adenina dinucleotídeo na sua forma oxidada (FAD) e reduzida (FADH2). NADP é
diferente do NAD+ por apresentar um fosfato substituindo a hidroxila indicada pela
seta. Fontes: www.oocities.org e www.rodolfo.costa.nom.br, acessos em
28/10/2014.

Outros monossacarídeos que podem entrar na via glicolítica: a frutose pode


ser convertida em frutose 6-fosfato pela ação da enzima hexoquinase (comum no
músculo e tecido adiposo) que segue na via glicolítica, ou então, em frutose 1-
fosfato pela ação da enzima frutoquinase (no fígado). A frutose 1-fosfato é clivada
pela enzima aldolase em dihidroxiacetona fosfato e gliceraldeído. Pela ação da
enzima gliceraldeído quinase, o gliceraldeído é fosforilado (usando o fosfato do
ATP) gerando gliceraldeído 3-fosfato, que segue na via glicolítica. Já a
dihidroxiacetona-fosfato é convertida em gliceraldeído 3-fosfato por ação da
enzima triose fosfato isomerase que também segue na via glicolítica; a manose é
convertida em manose 6-fosfato pela ação da enzima hexoquinase e em seguida,
por ação da enzima fosfomanose isomerase, a manose 6-fosfato é convertida em
frutose 6-fosfato que segue na via glicolítica; a galactose é inicialmente convertida
em galactose 1-fosfato pela ação da enzima galactoquinase. Em seguida, em uma
reação catalisada pela enzima galactose 1-fosfato uridiltransferase a galactose 1-
fosfato perde o seu fosfato, recebe UTP (uridina trifosfato) no carbono 1 e com a
saída de mais um fosfato, é transformada em UDP-galactose. A UDP-galactose é
convertida em UDP-glicose por ação da enzima UDP-galactose epimerase e em
seguida em glicose 1-fosfato pela ação da enzima UDP-glicose pirofosforilase. A
glicose 1-fosfato pode ser enfim convertida em glicose 6-fosfato pela ação da
enzima fosfoglicomutase e seguir na via glicolítica (figura 12). Assim como para a
glicose, qualquer monossacarídeo usado na via glicolítica levará a um saldo
energético líquido de 2 ATP.

113
Bioquímica Básica

Figura 12: Aproveitamento da galactose (A), manose (B) e frutose (C) para a via
glicolítica. Fonte: Walter Motta, Bioquímica.

114
Bioquímica Básica

Em condições anaeróbicas, as células não usam a mitocôndria para continuar o


processo de produção de energia. Nestas condições, células animais e algumas
bactérias (ex: lactobacilos) fazem a chamada fermentação, convertendo piruvato
em lactato, em uma reação catalisada pela enzima lactato desidrogenase, com
conversão do NADH + H+ (formado na conversão de gliceraldeído 3-fosfato em 1,3-
bifosfoglicerato) em NAD+. Músculos muito ativos costumam estar em condições
de baixa oxigenação (hipoxia) e assim produzem muito lactato. Nas hemácias, o
lactato é o produto final do metabolismo energético pelo fato destas células não
terem mitocôndrias, então para cada glicose ou outro monossacarídeo, o saldo
energético obtido é sempre 2 ATP. Células cancerígenas também dependem da
glicólise como via produtora de energia, por vários motivos incluindo a pouca
oxigenação, o número inferior de mitocôndrias e a superprodução de algumas
enzimas da via glicolítica.

Excesso de lactato é ruim para o corpo porque o lactato produzido no


citoplasma das células extra-hepáticas vai para o sangue com destino ao fígado a
fim de ser usado na gliconeogênese (esta via será detalhada no final desta
unidade), porém levando um H+. Então produção excessiva de lactato significa
muito H+ no sangue e consequentemente acidose sanguínea. Além disso, o lactato
intramuscular é o responsável pela fadiga muscular. Da mesma forma que piruvato
se converte em lactato, a mesma enzima, em ambiente oxigenado, pode fazer o
processo inverso, no entanto, somente dentro da célula (o lactato que já está no
sangue não pode ser convertido em piruvato) (figura 13).

Em fungos submetidos a condições de baixa oxigenação, o piruvato é


convertido em acetaldeído (pela ação da enzima piruvato descarboxilase) e em
seguida em etanol (pela ação da enzima álcool desidrogenase), com liberação de
CO2 e conversão do NADH + H+ em NAD+ (figura 13). Esta estratégia é a base para a
produção das bebidas alcoólicas usando açúcares (principalmente da cana de
açúcar) e fungos capazes de se manterem vivos na ausência de oxigênio.

O fígado dos seres humanos contem a enzima álcool desidrogenase que é


capaz de converter o etanol das bebidas alcoólicas em acetaldeído, com produção
de NADH + H+ à partir de NAD+. Este vai para a mitocôndria e por ação da enzima
aldeído desidrogenase e convertido em acetato, com nova produção de NADH +
H+ (figura 13). Por último a enzima mitocondrial acetilCoA sintetase converte o

115
Bioquímica Básica

acetato em acetilCoA para prosseguir na via de produção de energia ou então o


acetato sai do fígado e vai para outros órgãos (principalmente músculos) para, na
mitocôndria destas células ser convertido em acetilCoA. A via metabolica do etanol
no fígado dos humanos não é exatamente o reverso da produção de etanol nos
fungos porque os humanos não têm uma enzima capaz de converter o acetaldeído
em piruvato.

Em resumo, o etanol das bebidas pode ser usado na produção de energia


hepática e/ou muscular, mas em contraste com esta característica positiva para o
metabolismo energético, vários problemas estão associados à ingestão de etanol:
sendo um depressor do sistema nervoso central, o etanol diminui a sua atividade,
ou seja, facilita a ação do maior neurotransmissor depressor no cérebro (GABA) e
inibe a ação do maior neurotransmissor excitatório do cérebro, o glutamato, então,
atuando especificamente sobre estes receptores, o etanol abranda o
funcionamento do sistema nervoso; além disso, o acetaldeído formado a partir do
etanol é cerca de 30 vezes mais tóxico que o etanol e assim que é produzido, sai do
fígado e viaja por todo o corpo causando lesões em diversos órgãos até voltar ao
fígado e ser convertido em acetato; somando-se a isso, o excesso de NADH
formado a partir do metabolismo do etanol inibe a gliconeogênese no fígado, pois
esta via contém enzimas dependentes de NAD+; excesso de etanol no fígado e
consequentemente da produção de acetilCoA leva a síntese de colesterol e de
triglicerídeos (esta via será detalhada na próxima unidade), aumentando o índice
de triglicerídeos e colesterol no sangue e gerando o chamado fígado gorduroso;
além disso pode ocorrer hepatite e cirrose causadas pelo etanol; o consumo
excessivo de álcool é a principal causa da pancreatite crônica, por fatores ainda
desconhecidos, mas acredita-se que seja por lesões causadas pelo acetaldeído; o
etanol também perturba a função renal por inibir o hormônio antidiurético (ADH):
este hormônio atua no rim fazendo com que o mesmo diminua a produção de
urina, através da retenção de água, daí a vontade excessiva de urinar dos
alcoólatras, podendo levar a desidratação; o etanol pode, em parte, contribuir para
a supressão da atividade reprodutora dos machos, por atrofia testicular, disfunção
dos órgãos reprodutores acessórios, supressão da espermatogênese e infertilidade;
pode também ter influência direta no crescimento e desenvolvimento da criança: a
criança pode nascer com Síndrome Fetal Alcoólica (FAS).

116
Bioquímica Básica

Figura 13: Destinos do piruvato em condição anaeróbica. Em A, células animais


ou algumas bactérias submetidas à condições de pouca ou nenhuma oxigenação
convertem piruvato em lactato. Em B, fungos nas mesmas condições citadas,
convertem piruvato em etanol. A TPP (tiamina pirofosfato) e o Mg++ são
respectivamente coenzima e cofator da enzima piruvato descarboxilase. Em ambos
os casos, o NADH + H+ é convertido em NAD+ para ser usado na via glicolítica. Em C,
a via de metabolização do etanol no fígado dos seres humanos. ADH: álcool
desidrogenase, ALDH: aldeído desidrogenase. Fonte: Lehninger, Princípios de
Bioquímica e www.bioquímicadoalcool.blogspot.com, acesso em 26/10/2014.

A glicólise pode ser regulada. Três enzimas são reguladas na glicólise:


hexoquinase, fosfofrutoquinase e piruvato quinase. Estas enzimas são reguladas
por modificação covalente ou efetores alostéricos de acordo com a necessidade da
célula em manter a glicólise ativa. Por exemplo, uma célula com muita energia
(muito ATP intracelular) costuma inibir a glicólise, regulando negativamente a
atividade das três enzimas citadas, no entanto uma célula com pouca energia faz o

117
Bioquímica Básica

processo inverso, ativando a glicólise. A hexoquinase é inibida pelo excesso do


próprio produto da sua reação (glicose 6-fosfato), mas é ativada pela falta deste
produto. Fosfofrutoquinase-1 pode ser inibida por excesso de ATP ou por pH
intracelular baixo, mas é ativada por excesso de ADP ou de frutose 2,6-bifosfato.
Esta última é produzida a partir de frutose 6-fosfato (um dos intermediários da
glicólise) pela enzima fosfofrutoquinase 2, assim, quando se faz necessário a
ativação da fosfofrutoquinase-1, a enzima fosfofrutoquinase 2 produz frutose 2,6-
bifosfato, que vai ativar a fosfofrutoquinase-1 para que esta converta frutose 6-
fosfato em frutose 1,6-bifosfato (explicado anteriormente) e assim prosseguir a
glicólise. Piruvato quinase é inibida por excesso de ATP e ativada por excesso de
frutose 1,6-bifosfato. A figura 14 mostra as diferenças de cinética enzimática
quando a enzima fosfofrutoquinase-1 é positivamente ou negativamente regulada.

Figura 14: Regulação da fosfofrutoquinase-1. Em condições de baixa


quantidade de ATP (alto conteúdo de ADP) nas células, a enzima
fosfofrutoquinase-1 (PFK-1) é ativada, mas quando o nível de ATP é alto, a enzima é
inibida. Isto se reflete nas cinéticas, onde a curva mais “em pé” (linha preta) terá um
pequeno Km assim a afinidade da enzima pelo seu substrato (frutose 6-fosfato) é
alta, porém a curva mais “deitada” (linha vermelha) terá Km maior e então a enzima
terá menor afinidade pelo substrato. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica.

118
Bioquímica Básica

Em condições aeróbicas, as moléculas de piruvato vão para a mitocôndria


(figura 15). Como a mitocôndria tem duas membranas, proteínas de membrana
específicas transportam o piruvato do citoplasma para o interior (matriz) da
mitocôndria, como por exemplo, a proteína translocadora de piruvato na
membrana mitocondrial interna, que transporta o piruvato que se encontra no
espaço entre as duas membranas para a matriz.

Figura 15: Diagrama da mitocôndria. A mitocôndria é subdividida em


membranna externa, membrana interna e matriz. Entre as membranas encontra-se
o espaço intermembrana. A matriz é também conhecida como o interior da
mitocôndria. Na matriz encontram-se as várias enzimas incluindo as enzimas do
ciclo de Krebs. A membrana interna contém cristas e nelas estão as proteínas da
cadeia respiratória. Fonte: Lubert Stryer, Bioquímica.

Assim que chega à matriz, o piruvato sofre ação de um complexo contendo 3


enzimas chamado complexo da piruvato desidrogenase. Este complexo
multienzimático depende de 5 coenzimas, dentre elas o NAD+ e a coenzima A. O
piruvato na presença deste complexo enzimático é primeiramente descarboxilado
(um processo irreversível de oxidação na qual o grupo carboxila é removido do

119
Bioquímica Básica

piruvato) formando CO2 e um derivado hidroxietil. Em seguida esta molécula sofre


desidrogenação, formando acetil e a coenzima A é incorporada ao acetil formando
acetilcoenzima A. Por último, elétrons e prótons liberados nas reações são
entregues ao NAD+ que é convertido em NADH + H+. A reação resumida se
encontra na figura 16.

O principal destino metabólico do acetilCoA produzido na mitocôndria das


células musculares é a sua entrada no ciclo de Krebs para a produção de energia.
Nos adipócitos, hepatócitos e glândulas mamárias de animais em lactação, além da
produção de energia, o acetilCoA é bastante usado na síntese de ácidos graxos
para a produção de triglicerídeos. Também no fígado o acetilCoA pode ser usado
para a produção de colesterol e corpos cetônicos. Com exceção do ciclo de Krebs,
todas as outras vias metabólicas citadas serão estudadas na próxima unidade.

Figura 16: Produção de acetilcoenzima A. Em A, através de reações enzimáticas


catalisadas pelo complexo da piruvato desidrogenase, o piruvato é convertido em
acetilcoenzima A (acetilCoA) com produção de CO2 e NADH + H+. Em vermelho
está evidenciada a origem do CO2 durante a reação. A coenzima A é também

120
Bioquímica Básica

referida como CoA-SH por ter um grupamento sulfidrila ou tiol (SH) usado na
reação de formação da acetilCoA. Em B, a estrutura detalhada da coenzima,
mostrando em vermelho o ácido pantotênico, vitamina da dieta usada na
formação da coenzima A. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica.

Para iniciar o ciclo do Krebs, o acetilCoA transfere o seu grupo acetil (contendo
2 carbonos) para uma molécula de 4 carbonos, o oxaloacetato, formando citrato,
um composto com 6 átomos de carbono. A partir do citrato, uma série de 8 reações
regeneram o oxaloacetato com produção líquida de 1 ATP ou GTP, 3 NADH + 3 H+,
1 FADH2 e 2 CO2. Esta via tem este nome em homenagem a Sir Hans Krebs que
detalhou a via em 1937 (figura 17).

A primeira etapa do ciclo de Krebs envolve a condensação do grupamento


acetil do acetilCoA com o oxaloacetato para formar citrato e coenzima A livre,
catalisada pela enzima citrato sintase. A segunda etapa envolve a isomerização do
citrato em isocitrato, catalisada pela enzima aconitase. Na terceira etapa a enzima
isocitrato desidrogenase dependente da coenzima NAD+ oxida e descarboxila o
isocitrato formando α-cetoglutarato, com a formação de NADH + H+ e liberação de
CO2. A quarta etapa envolve o complexo multienzimático α-cetoglutarato
desidrogenase. A enzima, que é dependente de várias coenzimas, incluindo NAD+
e coenzima A, oxida e descarboxila o α-cetoglutarato, formando succinilCoA, NADH
+ H+ e CO2. A quinta etapa envolve a hidrólise da sucinilCoA para formar succinato
e coenzima A livre, catalisada pela enzima succinilCoA sintetase. A energia liberada
na reação é conservada em uma molécula de ATP ou de GTP, esta última que, por
intermédio da enzima nucleosídio difosfato quinase, é convertida em ATP. A sexta
etapa catalisada pela enzima succinato desidrogenase dependente de FAD, oxida o
succinato, formando fumarato e FADH2. Esta enzima é a única do ciclo de Krebs
que não está na matriz da mitocôndria, mas sim na membrana interna da
mitocôndria, atuando não somente no ciclo de Krebs, mas também na cadeia
respiratória (será estudada mais à frente). Na sétima etapa, a enzima fumarase
hidrata o fumarato, criando malato e na oitava etapa o malato é oxidado,
regenerando o oxaloacetato. Esta reação é catalisada pela enzima malato
desidrogenase dependente de NAD+, assim na reação se produz mais um NADH +
H+.

121
Bioquímica Básica

Para cada monossacarídeo são obtidas duas moléculas de piruvato. Os dois


piruvatos, ao irem para a mitocôndria são convertidos em duas moléculas de
acetilCoA, assim dois ciclos de Krebs ocorrem. Portanto, em dois ciclos de Krebs,
obtem-se 2 ATP ou GTP, 6 NADH + 6 H+, 2 FADH2 e 4 CO2.

É importante perceber que, na formação de acetilCoA e ao longo do ciclo de


Krebs, ocorrem descarboxilação de moléculas e assim são produzidos CO2. São
justamente estes CO2 produzidos durante as etapas metabólicas que o organismo
expulsa durante a respiração, assim respiração celular e respiração fisiológica
atuam simultaneamente. Outro ponto importante é que, a partir destas
observações, diferente do que muitos pensam O2 não vira CO2 nas células. Ao
longo desta unidade será explicado que o O2 vira H2O na mitocôndria das células.

Figura 17: As reações do ciclo de Krebs. Nesta figura estão mostradas as


estruturas moleculares e as enzimas envolvidas no processo. Na via são produzidos
1 ATP ou GTP, 3 NADH + 3 H+,
1 FADH2 e 2 CO2. Fonte:
www.bioquímicaufal.blogspot.com, acesso em 28/10/2014.

122
Bioquímica Básica

Assim como a glicólise, o ciclo de Krebs pode ser regulado. A enzima citrato
sintase é inibida por excesso de citrato, succinilCoA, NADH e ATP mas ativada
quando a célula está com excesso de ADP. Isocitrato desidrogenase é inibida por
excesso de NADH e ATP e ativada por excesso de ADP e NAD+. O complexo
multienzimático α-cetoglutarato desidrogenase é inibido por excesso de NADH e
succinilCoA e ativado por excesso de Ca++ intramitocondrial.

A cadeia respiratória é a última etapa da via de produção de energia. Nesta


etapa, os elétrons de todos os NADH e FADH2 produzidos nas duas etapas
anteriores (glicólise e ciclo de Krebs) são transferidos, por meio de uma cadeia de
transporte de elétrons, para o aceptor final de elétrons que é o O2. Grande parte da
energia liberada no sistema é usada para o bombeamento de prótons da matriz
(lado N) para o espaço entre as membranas da mitocôndria (lado P) que cria um
gradiente eletroquímico. A volta dos prótons para a matriz libera energia para a
síntese de ATP a partir de ADP + Pi (fenômeno chamado de fosforilação oxidativa).
Os prótons também vão para o O2 e a combinação de oxigênio, elétrons e prótons
produz água, caracterizando o consumo de oxigênio (figura 18). Os
transportadores de elétrons são complexos multienzimáticos conhecidos como
complexo I (complexo da NADH desidrogenase ou NADH-coenzima Q
oxidoredutase), complexo II (succinato desidrogenase ou succinato-coenzima Q
oxidoredutase), complexo III (coenzima Q-citocromo C oxidoredutase ou citocromo
bc1) e complexo IV (citocromo C oxidase).

123
Bioquímica Básica

Figura 18: As reações da cadeia respiratória. Nesta figura estão mostradas os


transportadores de elétrons na membrana mitocondrial interna, o gradiente
eletroquímico criado pelo fluxo de prótons, a síntese de ATP e o consumo de
oxigênio. Fonte: www.nutrisdoexercicio.wordpress.com, acesso em 29/10/2014.

As reações da cadeia respiratória se iniciam com a transferência do


hidreto (2 elétrons e 1 próton) do NADH e também de 1 próton da matriz, para um
lipídio transportador de elétrons chamado coenzima Q (CoQ). O complexo I catalisa
esta reação. Neste complexo existem vários grupos prostéticos incluindo 7 centros
ferro-enxofre (Fe-S). Os elétrons e prótons são transferidos primeiro para uma
coenzima do complexo multienzimático chamada flavina mononucleotídeo (FMN),
e em seguida, para os centros ferro-enxofre a fim de este chegar a CoQ que se
transforma em CoQH2. Durante a transferência dos elétrons pelo complexo I,
produz-se energia suficiente para o bombeamento de 4 prótons da matriz para o
espaço intermembrana da mitocôndria.

Os elétrons podem também ser liberados para a CoQ via complexo II. O
complexo II contém a enzima succinato desidrogenase que também atua no ciclo
de Krebs. Além disso, o complexo II contém FAD e dois complexos ferro enxofre.
No ciclo de Krebs foi dito que a succinato desidrogenase converte succinato em
fumarato, com produção de FADH2 à partir de FAD. Diferente do NADH + H+ que é

124
Bioquímica Básica

liberado após as reações das desidrogenases, o FADH2 não deixa o complexo II,
mas assim que é produzido, libera seus elétrons e prótons para os centros ferro-
enxofre a fim de este chegar a CoQ. Durante as reações no complexo II não há
bombeamento de prótons, devido à quantidade de energia livre liberada na reação
ser insuficiente.

O complexo III catalisa a transferência de elétrons da CoQH2 para uma


proteína transportadora de elétrons chamada citocromo C. O complexo III é
formado por várias proteínas incluindo citocromos b, um citocromo c1 e uma
proteína ferro-enxofre. Os citocromos são proteínas contendo átomos de ferro que,
sem receber elétrons, se apresentam como Fe+++, mas quando recebem um elétron
se apresentam como Fe++. Para reoxidar a CoQH2 são necessários dois citocromos
b, onde cada um aceita 1 elétron. Os elétrons são então passados para o citocromo
c1 e em seguida para o citocromo C usando os átomos de ferro que assim estão
sempre alternando entre os estados oxidado (Fe+++) e reduzido (Fe++). Nesta reação
de oxidação a CoQ é então restaurada e 4 prótons são bombeados através da
membrana mitocondrial interna para o espaço intermembrana (dois da matriz e
dois da CoQH2).

O complexo IV transfere 2 elétrons do citocromo C (oriundos do NADH ou do


FADH2) para o O2 para formar água. O complexo IV contém um citocromo a, um
citocromo a3 e dois centros de cobre (CuA e CuB). Durante o processo, cada elétron
vai do citocromo C para o CuA e depois para o citocromo a. Em seguida o elétron
vai para o citocromo a3 e depois para o CuB e finalmente para o O2 que se encontra
ligado ao complexo IV. Desse modo, assim como no complexo III, as reações no
complexo IV envolvem reduções e oxidações de átomos de ferro e cobre até os
elétrons serem entregues ao O2. Para consumir o oxigênio na formação da água são
necessários uma molécula de oxigênio, 4 elétrons (oriundos do NADH e/ou FADH2)
e 4 prótons (que estão na matriz), como na fórmula abaixo:

4e- + 4H+ + O2 = 2H2O, sendo a fórmula resumida: 2e- + 2H+ + ½ O2 = H2O

A fosforilação oxidativa é o processo no qual a energia liberada durante a


transferência de elétrons pelos complexos multienzimáticos da membrana interna

125
Bioquímica Básica

da mitocôndria é usada no bombeamento de prótons para a produção de ATP à


partir de ADP e Pi. Para cada NADH oxidado à NAD+ iniciado no complexo I, são
bombeados 10 prótons para o espaço intermembrana. Estes prótons voltam para a
matriz através de uma enzima chamada ATP-sintase. A energia livre liberada pelo
potencial eletroquímico no processo é usada na produção de ATP. A ATP-sintase
tem duas subunidades a F0 e a F1. A F0 forma um canal para translocação dos
prótons através da membrana interna da mitocôndria; a F1 contém os sítios de
ligação para ADP e ATP e é onde ocorre a síntese do ATP.

Para cada ATP produzido são necessários 4 prótons: 3 passando pela ATP
sintase e 1 para carrear Pi para a matriz da mitocôndria. Este último transporte
envolve a proteína fosfato-translocase que se localiza na membrana interna da
mitocôndria entre o complexo IV e a ATP-sintase. Além disso, também na
membrana interna da mitocôndria, entre o complexo IV e a ATP-sintase, existe uma
proteína translocase ATP-ADP que transporta ao mesmo tempo um ATP produzido
ao nível da ATP sintase no lado da matriz para o espaço intermembrana (que
depois consegue sair da mitocôndria para ser usado no citoplasma da célula) e um
ADP do espaço intermembrana para a matriz (para ser usado junto com Pi na
produção de ATP). Desse modo, como 4 H+ são necessários para se ter a produção
de 1 ATP, com os 10 H+ bombeados, são produzidos 2,5 ATP. Como são produzidos
na glicólise, na formação de acetilCoA e no ciclo de Krebs um total de 10 NADH +
10 H+, então são produzidos 25 ATP. Para cada FADH2 oxidado à FAD iniciado no
complexo II, são bombeados 6 prótons para o espaço intermembrana, que vão
propiciar a produção de 1,5 ATP. Como no ciclo de Krebs são produzidos dois
FADH2, consegue-se 3 ATP. Então o somatório do número de moléculas de ATP
produzidos na cadeia respiratória é de 28 ATP. Sendo assim, se compararmos o
nível de energia armazenada na forma de ATP na ausência e na presença de
oxigênio, temos 2 ATP no ambiente desoxigenado (oriundos da glicólise) contra 32
ATP (2 ATP na glicólise, 1 ATP em cada um dos dois ciclos de Krebs e 28 ATP na
cadeia respiratória), mostrando um aumento de 16 vezes no nível de ATP quando
se tem oxigênio nas células.

Os dois NADH produzidos no citoplasma durante a glicólise não podem


atravessar as membranas da mitocôndria. Para estes NADH serem usados na cadeia
respiratória existem dois sistemas na membrana mitocondrial interna: a lançadeira

126
Bioquímica Básica

malato-aspartato (usada, por exemplo, nas células hepáticas, renais e cardíacas) e a


lançadeira glicerol-fosfato (usada, por exemplo, nas células musculares
esqueléticas e cerebrais) (figura 19). No sistema da lançadeira malato-aspartato,
oxaloacetato da matriz mitocondrial se converte à aspartato pela ação da enzima
glutamato-oxaloacetato transaminase mitocondrial e vai para o citoplasma pelo
transportador aspartato-glutamato. Lá o aspartato é reconvertido em oxaloacetato
pela ação da enzima glutamato-oxaloacetato transaminase citoplasmática e,
através da enzima malato desidrogenase, é reduzido, sendo transformado em
malato, com conversão de NADH + H+ em NAD+. Malato sai do citoplasma, entra na
matriz da mitocôndria pelo transportador malato-α-cetoglutarato presente na
membrana interna e, em seguida é reconvertido à oxaloacetato pela ação da
enzima malato desidrogenase mitocôndrial, produzindo NADH que é usado na
cadeia respiratória. No sistema da lançadeira glicerol-fosfato, uma enzima glicerol
3-fosfato desidrogenase no citoplasma reduz dihidroxiacetona-fosfato à glicerol 3-
fosfato, com conversão de NADH + H+ em NAD+. O glicerol 3-fosfato penetra no
espaço intermembrana e sob ação da enzima glicerol 3-fosfato desidrogenase
mitocôndrial o glicerol 3-fosfato é re-convertido em dihidroxiacetona-fosfato, mas
desta vez, como a enzima contém a coenzima FAD, ao invés de NADH, é formado
FADH2 que é usado na cadeia respiratória.

Sendo assim, se for usada a lançadeira malato-aspartato, a quantidade de ATP


produzida na cadeia respiratória será de 28 ATP, mas se for usada a lançadeira
glicerol-fosfato, como são trocados dois NADH por dois FADH2, dois ATP a menos
são produzidos, então o saldo energético final (glicólise + ciclo de Krebs + cadeia
respiratória) pode ser 30 ou 32 ATP dependendo da lançadeira usada para
aproveitar os equivalentes de redução dos 2 NADH produzidos durante a glicólise.

127
Bioquímica Básica

Figura 19: Lançadeiras para o transporte de equivalentes de redução do


citoplasma para a cadeia respiratória mitocondrial. Em A, a lançadeira malato-
aspartato e em B, a lançadeira glicerol-fosfato. Fontes: www.dc583.4shared.com e
slideplayer.com.br, acessos em 29/10/2014.

128
Bioquímica Básica

A maioria dos mamíferos recém-nascidos, incluindo o homem, depende da


atividade de um tipo especial de tecido: o tecido adiposo marrom. Neste tecido, as
células apresentam mitocôndrias contendo na membrana interna uma proteína
chamada termogenina. Esta proteína na forma ativa proporciona uma via
alternativa para a passagem de prótons do espaço intermembrana para a matriz
sem passar pela ATP-sintase. Deste modo, a maior parte da energia da
transferência de elétrons e fluxo de prótons não é usada na síntese de ATP, mas na
produção de calor para manter os recém-nascidos quentinhos. A ativação da
termogenina depende do hormônio norepinefrina que estimula a quebra de
triglicerídeos no tecido adiposo, liberando ácidos graxos (estes que ativam a
termogenina). A oxidação dos ácidos graxos (será estudada na próxima unidade)
leva a produção de NADH e FADH2 para a cadeia respiratória e consequentemente
para a produção de ATP, mas também para a produção de calor. Animais que
hibernam também dependem da termogenina nas mitocôndrias das células do
tecido marrom para gerar calor durante a hibernação.

Glicogênese

Como anteriormente descrito ao longo desta unidade, o glicogênio é um


polissacarídeo contendo milhares de moléculas de glicose, sendo a maioria das
moléculas unidas por ligações glicosídicas C1-C4 e algumas unidas por ligações
glicosídicas C1-C6 (pontos de ramificação). O glicogênio é geralmente formado
após as refeições: quando a dieta contém mais glicose que o necessário para as
necessidades energéticas do organismo, glicogênio é produzido e serve como um
reservatório de glicose. A glicogênese (síntese de glicogênio) ocorre em todas as
células do corpo, mas as células que mais produzem glicogênio são as hepáticas e
as musculares esqueléticas. A síntese de glicogênio inicia da mesma maneira que a
via glicolítica: a glicose é convertida em glicose 6-fosfato por ação da enzima
hexoquinase (no músculo e outros tecidos extra-hepáticos) ou glicoquinase (uma
forma da hexoquinase) no fígado. O fígado contém tanto hexoquinase quanto
glicoquinase. Enquanto a hexoquinase possui Km baixo para a glicose

129
Bioquímica Básica

(aproximadamente 0,15 mM), a glicoquinase apresenta Km aproximado de 10 mM


(muito maior). Desse modo a afinidade da glicoquinase pela glicose é muito menor
e assim para ativar a glicoquinase é necessária uma alta quantidade de glicose nas
células hepáticas. Além disso, diferente da hexoquinase que é inibida por excesso
de glicose 6-fosfato, a glicoquinase não é inibida por excesso desta molécula, mas
sim por frutose 6-fosfato, assim, quando a concentração de glicose sanguínea é
muito alta (após uma refeição), as células hepáticas captam muita dessa glicose,
independente da quantidade de glicose 6-fosfato intracelular, tornando possível
armazenar muita glicose na forma de glicogênio.

Se a célula precisa de energia, a glicose 6-fosfato segue na via glicolítica se


convertendo em frutose 6-fosfato pela ação da enzima fosfoglicose isomerase
(figura 9). No entanto, se o nível de ATP intracelular está alto, a molécula de glicose
6-fosfato sofre ação da enzima fosfoglicomutase se convertendo em glicose 1-
fosfato. Em seguida, por ação da enzima UDP-glicose pirofosforilase (glicose 1-
fosfato uridiltransferase), a molécula de glicose 1-fosfato perde o seu fosfato,
recebe uma molécula de UTP (uridina trifosfato) no carbono 1 e com a saída de
mais um fosfato, se converte em UDP-glicose (uma “glicose ativada” à partir do
qual glicogênio pode ser sintetizado). Os dois fosfatos saem juntos (na forma de
pirofosfato), porém uma enzima, a pirofosfatase inorgânica, hidrolisa a molécula,
separando os dois fosfatos, estes que podem ser usados posteriormente em outras
reações químicas (figura 20).

130
Bioquímica Básica

Figura 20: Produção de UDP-glicose. A reação, cartalisada pela UDP-glicose


pirofosforilase envolve a união da glicose 1-fosfato e do UTP com saída de dois
fosfatos inorgânicos e produção da forma ativada da glicose, a UDP-glicose. Fonte:
Walter Motta, Bioquímica.

131
Bioquímica Básica

A enzima capaz de criar ligações glicosídicas C1-C4 entre as moléculas de


glicose para a formação do glicogênio é a glicogênio sintase. No entanto a
glicogênio síntese não consegue iniciar a cadeia de moléculas de glicose
adicionando a primeira molécula, mas necessita de uma sequência de moléculas
de glicose previamente montada. A enzima glicogenina faz este passo inicial:
primeiro, a enzima, através de uma atividade glicosil transferase, liga o carbono 1
de uma molécula de UDP-glicose a um aminoácido tirosina pertencente a própria
enzima (como a UDP está no carbono 1 da glicose, a ligação da glicose à
glicogenina promove a saída do UDP); a enzima glicogênio sintase se liga em
seguida à glicogenina. Depois, mais seis moléculas de glicose são incorporadas por
ligações glicosídicas C1-C4 até atingir sete moléculas de glicose, onde novamente
cada ligação entre as moléculas de glicose promove a saída do UDP. A partir daí a
glicogênio sintase se dissocia da glicogenina e assume a função catalítica na
síntese do glicogênio, transferindo seqüencialmente moléculas de UDP-glicose
para o carbono 4 de uma cadeia de glicogênio em crescimento, com saída das
moléculas de UDP (figura 21). Cada UDP é reconvertida em UTP a partir da
transferência de um fosfato do ATP para o UDP, catalisada pela enzima nucleosídeo
difosfato quinase. Assim, para cada molécula de glicose usada na formação do
glicogênio, são gastos duas moléculas de ATP (um ATP na conversão de glicose em
glicose 6-fosfato e um ATP na formação do UTP).

Como visto no inicio da unidade, o glicogênio contém, além das ligações


glicosídicas C1-C4, também algumas ligações glicosídicas C1-C6 (figura 6). A
glicogênio sintase não pode fazer ligações glicosídicas C1-C6, então, outra enzima,
a enzima de ramificação, através de uma atividade glicosil transferase, transfere um
fragmento terminal de sete moléculas de glicose, removido de uma sequência de
pelo menos 11 moléculas de glicose unidas por ligações glicosídicas C1-C4, para a
hidroxila do carbono 6 de uma glicose pertencente a esta mesma cadeia ou a uma
outra cadeia de moléculas de glicose, criando ligações glicosídicas C1-C6 (ponto de
ramificação). Isto aumenta a quantidade de extremidades não redutoras (C4 livre)
para a ação da enzima glicogênio sintase. A montagem final do glicogênio
depende então da ação catalítica sequencial do glicogênio sintase, criando
ligações glicosídicas C1-C4 e da enzima de ramificação, criando ligações
glicosídicas C1-C6. A glicogenina se mantém presa ao glicogênio pela ligação
covalente a primeira glicose da cadeia de glicogênio (figura 21).

132
Bioquímica Básica

Figura 21: Síntese de glicogênio. Em A, alongamento de uma cadeia de glicogênio pela


glicogênio sintase. A UDP-glicose é transferida para o carbono 4 de uma cadeia de glicogênio
em crescimento, com saída da molécula de UDP. Em B, a enzima de ramificação do glicogênio
criando uma ligação glicosídica C1-C6 (ponto de ramificação) durante a síntese do glicogênio.
Em C, síntese de glicogênio iniciada pela atividade catalítica da glicogenina e em seguida
pelas enzimas glicogênio sintase e enzima de ramificação.

133
Bioquímica Básica

Glicogenólise

Em um músculo com atividade intensa ou mesmo em repouso, o glicogênio é


rapidamente degradado, no entanto o glicogênio hepático é degradado
lentamente para manter a glicemia sanguínea e nutrir órgãos que estejam
precisando de glicose, prinicipalmente durante um jejum prolongado ao longo do
dia como durante o sono. A glicogenólise (degradação do glicogênio) ocorre nas
células por ação das enzimas glicogênio fosforilase, enzima de desramificação e
fosfoglicomutase.

A glicogênio fosforilase quebra ligações glicosídicas C1-C4 das moléculas de


glicose, adicionando um grupamento fosfato no carbono 1 da glicose terminal
(extremidade não redutora) do glicogênio, liberando glicose 1-fosfato (figura 22). A
glicogênio fosforilase vai adicionando fosfato em moléculas de glicose presentes
em uma extremidade não redutora até que a cadeia atinja 4 moléculas de glicose,
ou seja, esteja à 4 monossacarídeos do ponto de ramificação (ligação glicosídica
C1-C6). Então, entra em ação a enzima de desramificação do glicogênio. As
moléculas de glicose próximas do ponto de ramificação são removidas da seguinte
maneira: a atividade transferase da enzima transfere um bloco de 3 moléculas de
glicose para uma ponta não redutora próxima, prendendo estas moléculas por
ligações glicosídicas C1-C4. Esta cadeia, assim como todas as outras cadeias de
glicose do glicogênio serão substratos para a enzima glicogênio fosforilase. Em
seguida a única glicose ligada por ligação glicosídica C1-C6 é liberada como glicose
pela ação glicosidase da enzima. Deste modo muitas moléculas de glicose são
liberadas do glicogênio como glicose 1-fosfato e algumas são liberadas como
glicose (figura 22). As moléculas de glicose 1-fosfato são convertidas em glicose 6-
fosfato pela ação da enzima fosfoglicomutase e assim estas moléculas de glicose 6-
fosfato, bem como as moléculas de glicose que também foram liberadas do
glicogênio podem ser usadas na via glicolítica.

134
Bioquímica Básica

No músculo, as moléculas de glicose e de glicose 6-fosfato liberados após


degradação do glicogênio seguem exclusivamente a via glicolítica, ou seja, estas
moléculas sempre serão usadas para a via de produção de energia. No fígado existe
uma enzima chamada glicose 6-fosfatase que remove o fosfato do carbono 6 da
glicose, permitindo que a mesma saia da célula e vá para a corrente sanguínea para
nutrir outros órgãos. Em outras palavras, o fígado é um regulador da glicemia
sanguínea e um doador de glicose para células que estão precisando de açúcares.

As vias de síntese e degradação do glicogênio são reguladas ao nível das


enzimas glicogênio sintase e glicogênio fosforilase. Estas duas enzimas podem
estar nas formas a (ativa) e b (inativa ou pouco ativa). Estas enzimas podem ser
inibidas alostéricamente (uma molécula se liga ao sítio regulatório da enzima) ou
por modificação covalente através da fosforilação e desfosforilação.

No controle alostérico, excesso de ATP e glicose 6-fosfato inibe a glicogênio


fosforilase (forma b) e assim inibe a degradação do glicogênio, mas ativa a
glicogênio sintase (forma a), assim estimulando a síntese de glicogênio. Já pouco
ATP e glicose 6-fosfato ativa a glicogênio fosforilase (forma a) e inibe a glicogênio
sintase (forma b). No controle por fosforilação e desfosforilação, a enzima
fosforilase-quinase usa o ATP para fosforilar e inativar momentaneamente a enzima
glicogênio sintase (forma b). Esta pode ser reconvertida a forma a (ativa) pela ação
da enzima fosfoproteína-fosfatase 1. Desse modo, a enzima glicogênio sintase é
inativada quando fosforilada, mas está ativa quando não possui fosfato. Na
regulação da glicogênio fosforilase, a enzima fosforilase-quinase, através do ATP,
fosforila e ativa a enzima glicogênio fosforilase (forma a) enquanto a enzima
fosfoproteína-fosfatase 1 remove o fosfato e inativa momentaneamente a enzima
(forma b).

135
Bioquímica Básica

136
Bioquímica Básica

Figura 22: Degradação do glicogênio. Em A, a remoção sequencial de


moléculas de glicose unidas por ligações glicosídicas C1-C4 é catalisada pela
enzima glicogênio fosforilase. Quatro moléculas de glicose restantes em uma
cadeia são alvo da enzima de desramificação, onde a atividade transferase da
enzima remove as três últimas moléculas de glicose em bloco para uma cadeia
próxima e a glicose que restou é removida do glicogênio pela atividade glicosidase
da enzima. Em B, a reação detalhada catalisada pela enzima glicogênio fosforilase.
Fontes: Lehninger, Princípios de Bioquímica e Walter Motta, Bioquímica.

137
Bioquímica Básica

Gliconeogênese

A gliconeogênese (produção de novas moléculas de glicose) ocorre no fígado


a partir de fontes não glicídicas, como lactato, alanina, oxaloacetato e glicerol.
Quando os níveis de glicose sanguínea e glicogênio hepático e muscular estão
muito baixos, a gliconeogênese é uma alternativa para aumentar a glicemia tanto
sanguínea quanto dos órgãos.

Lactato é obtido geralmente de hemácias (que não possuem mitocôndrias e,


portanto produzem intensamente lactato) e de células musculares em intensa
atividade. O lactato migra das células para o sangue e em seguida para o fígado,
onde através da enzima lactato desidrogenase, é convertido em piruvato para
seguir na gliconeogênese. A alanina é obtida da degradação de proteínas
musculares durante períodos de jejum prolongado. Ao chegar ao fígado a alanina
perde o grupamento amina e é convertida em piruvato para a gliconeogênese. O
oxaloacetato (um intermediário do ciclo de Krebs) é obtido do próprio fígado. Ao
invés de ser usado pela enzima citrato sintase para a formação de citrato, a
molécula é desviada para a formação de glicose na gliconeogênese. O glicerol é
obtido após digestão enzimática dos triglicerídeos no tecido adiposo. No fígado o
glicerol é fosforilado e convertido em glicerol 3-fosfato pela ação da enzima
glicerol quinase. O glicerol 3-fosfato é em seguida convertido em dihidroxiacetona
fosfato pela ação da enzima glicerol 3-fosfato desidrogenase para seguir na
gliconeogênese (figura 23).

Após piruvato ter sido produzido à partir de lactato e alanina na mitocôndria


das células hepáticas, este se transforma em oxaloacetato, porém o restante da via
de produção de glicose ocorre no citoplasma. Como a membrana interna da
mitocôndria é impermeável ao oxaloacetato, este é convertido em malato pela
ação da enzima malato desidrogenase mitocôndrial, com conversão de NADH + H+
em NAD+. Após o malato atravessar as membranas mitocondriais, ocorre reação
inversa por ação de uma enzima malato desidrogenase citoplasmática, para
regenerar o oxaloacetato e NADH + H+ e assim dar continuidade a gliconeogênese.

138
Bioquímica Básica

A gliconeogênese parece ser o reverso da glicólise pelo fato da maioria dos


intermediários e das enzimas das duas vias serem as mesmas, uma vez que 7
passos da via glicolítica são reversíveis ou seja as mesmas enzimas que catalisam as
reações no sentido da conversão de glicose em piruvato, catalisam as reações no
sentido da conversão de piruvato em glicose. No entanto, na glicólise as reações
catalisadas pelas enzimas hexoquinase, fosfofrutoquinase 1 e piruvato quinase são
irreversíveis. Para contornar isto, quatro enzimas, exclusivas da gliconeogênese são
requeridas: a piruvato carboxilase, a fosfoenolpiruvato carboxiquinase, a frutose
1,6-bifosfatase e a glicose 6-fosfatase. Para produzir glicose são necessários o
consumo de 2, 4 ou 6 ATP, dependendo da molécula usada para iniciar a
gliconeogênese (figura 23).

139
Bioquímica Básica

140
Bioquímica Básica

Figura 22: As reações da gliconeogênese. Apesar de parecer ser o inverso da


glicólise, a gliconeogênese tem suas particularidades como a etapa na qual
piruvato é convertido a oxaloacetato (um intermediário do ciclo de Krebs) antes de
se converter em fosfoenolpiruvato. Além disso, quatro enzimas são exclusivas da
gliconeogênese: a piruvato carboxilase, a fosfoenolpiruvato carboxiquinase, a
frutose 1,6-bifosfatase e a glicose 6-fosfatase. Fonte: Walter Motta, Bioquímica.

Via das pentoses-fosfato

Além da produção de energia e da síntese de glicogênio, a glicose pode servir


para a via de síntese das pentoses fosfato. Esta via, também conhecida como a via
do fosfogliconato produz NADPH e ribose 5-fosfato. Praticamente todas as células
podem fazer a via das pentoses-fosfato, mas a via é muito mais ativa em tecidos
que sintetizam constantemente ácidos graxos e esteróides, como o fígado e o
tecido adiposo, pois o NADPH é essencial na síntese destes lipídios (estas reações
metabólicas serão vistas na próxima unidade), sendo pouco ativa, por exemplo, no
músculo esquelético e no cérebro, uma vez que estas células sintetizam poucos
lipídios (geralmente fosfolipídios para as membranas). Já a ribose 5-fosfato é
empregada na síntese de D-ribose, monossacarídeo constituinte do ATP, do NAD+,
do NADP+, do FADH2, da coenzima A e dos nucleotídeos que compõem o ácido
ribonucléico (RNA).

A primeira etapa da via é semelhante à glicólise e a glicogênese e envolve a


conversão da glicose em glicose 6-fosfato catalisada pela enzima hexoquinase,
com gasto de 1 ATP. Em seguida a enzima glicose 6-fosfato desidrogenase
dependente de NADP+, converte glicose 6-fosfato em 6-fosfogliconolactona, com
produção de NADPH + H+. Esta é convertida em 6-fosfogliconato por ação da
enzima 6-fosfoglicono lactonase. Em seguida o 6-fosfogliconato é desidrogenado e
descarboxilado pela enzima 6-fosfogliconato desidrogenase dependente de
NADP+, gerando D-ribulose 5-fosfato, NADPH + H+ e CO2 e finalmente a enzima
fosfopentose isomerase converte a D-ribulose 5-fosfato em ribose 5-fosfato (figura
23).

141
Bioquímica Básica

O NADPH também tem papel importante na proteção das células contra danos
causados por agentes oxidativos, como água oxigenada e superóxidos,
principalmente em hemácias, que são células muito sujeitas ao dano oxidativo
(oxidação de ácidos nucléicos e de proteínas, peroxidação lipídica, dentre outros
efeitos lesivos causando destruição celular). Por isso, pessoas que não produzem a
enzima glicose 6-fosfato desidrogenase, não são capazes de fazer a via das
pentoses-fosfato, levando a diminuição da produção de NADPH (não cessa a
produção de NADPH pelo fato desta molécula poder ser criada em outras vias
metabólicas) e aumento do dano oxidativo. Uma das moléculas importantes na
proteção contra oxidação celular, a enzima glutationa peroxidase, usa a glutationa
reduzida (GSH) para converter água oxigenada em água, diminuindo o efeito lesivo
celular, mas durante o processo, a glutationa fica oxidada (GS-SG). Esta forma da
glutationa depende do NADPH para voltar a forma reduzida e assim iniciar
novamente o ciclo de proteção celular. Desse modo, nas células que dependem
muito de NADPH não somente para a síntese acentuada de lipídios, mas também
para proteção contra danos oxidativos, é comum boa parte da D-ribose 5-fosfato
ser novamente convertida em glicose 6-fosfato (a via não será detalhada) para que
a via das pentoses-fosfato ocorra novamente, com mais produção de NADPH.

142
Bioquímica Básica

143
Bioquímica Básica

Figura 23: As reações da via das pentoses-fosfato. Nesta via, através de cinco
reações enzimáticas (a conversão de glicose em glicose 6-fosfato catalisada pela
enzima hexoquinase não está mostrada na figura) a glicose é convertida em D-
ribose 5-fosfato, com produção de duas moléculas de NADPH + H+. Fonte:
Lehninger, Princípios de Bioquímica.

Leitura complementar

DEVLIN, T. Manual de bioquímica com correlações clínicas. Edgard


Blucher, 2007.

HARPER, H. A. Bioquímica. Atheneu, 2002.

LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. Worth publishers, 2006.

STRYER, L. Bioquímica. Guanabara Koogan, 2004.

VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Artmed, 2002.

É HORA DE SE AVALIAR

Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão


ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de
ensino-aprendizagem.

144
Bioquímica Básica

Exercícios – Unidade 3

1. As reações oxidativas da via das pentoses fosfato, a partir de glicose 6-


fosfato conduzem a formação de:

a) Frutose 6-fosfato

b) Galactose 1-fosfato

c) Glicose 1-fosfato

d) Maltose 5-fosfato

e) Ribose 5-fosfato

2. No gráfico a seguir observa-se a produção de CO2 e de lactato no músculo


de um atleta em atividade física.

Sobre a variação da produção de CO2 e lactato em A e B, analise as seguintes


afirmativas:

I. A partir de T1 o suprimento de O2 no músculo é insuficiente para o músculo


realizar respiração aeróbica.

II. O CO2 produzido em A, é um dos produtos da respiração aeróbica, durante o


processo de produção de ATP pelas células musculares.

145
Bioquímica Básica

III. Em A as células musculares estão realizando respiração aeróbica e em B um


tipo de fermentação.

IV. A partir de T1 a produção de ATP pelas células musculares deverá


aumentar.

Das afirmativas acima, são corretas:

a) Apenas I e II

b) Apenas III e IV

c) Apenas I, II e III

d) Apenas I, II e IV

e) Apenas II, III e IV

3. Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as afirmações referentes à respiração


celular.

( ) O metabolismo energético de carboidratos é constituído por três rotas: a


glicólise, o ciclo de Krebs e a via das pentoses-fosfato.

( ) Durante o bombeamento de prótons ao longo da cadeia respiratória, há


liberação de elétrons que vão sendo captados por transportadores como a
coenzima Q e os citocromos.

( ) No ciclo de Krebs, ocorre uma maior produção de ATP do que durante a


fase de glicólise.

( ) Nos eucariontes, a fase de glicólise ocorre no interior das mitocôndrias e na


ausência de oxigênio.

146
Bioquímica Básica

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:

a) F - F - F - V

b) F - V - F - F

c) V - V - V - F

d) V - F - V - V

e) F- V - V - F

4. O cianeto atua inibindo o complexo IV da cadeia respiratória. Quanto ao que


pode acontecer com a célula, em consequência desta inibição, é CORRETO afirmar
que:

a) Não há interrupção na cadeia transportadora de elétrons e a produção de


ATP não é alterada

b) Toda a cadeia respiratória se interrompe, inclusive a produção de ATP e o


consumo de oxigênio.

c) Não há interrupção na cadeia transportadora de elétrons e sim um aumento


compensatório na produção de ATP

d) A célula torna-se dependente da fermentação cujo rendimento energético é


superior ao da respiração aeróbica

e) Não há interrupção da cadeia respiratória, somente a produção de ATP é


alterada

147
Bioquímica Básica

5. Os carboidratos, também conhecidos como glicídios ou açúcares, são as


macromoléculas mais abundantes na natureza. As seguintes afirmativas se referem
a alguns destes carboidratos.

I. Os mais simples, chamados de monossacarídeos, podem ter de 3 a 7 átomos


de carbono, e os mais conhecidos, glicose, frutose e galactose, têm 6.

II. O amido e a celulose são polissacarídeos formados pelo mesmo número de


moléculas de glicose, que se diferenciam pela presença de ramificações na
estrutura do amido.

III. A quitina é um importante polissacarídeo que constitui o exoesqueleto de


fungos e artrópodes.

IV. A glicose é armazenada nos mamíferos sob a forma de glicogênio.

As seguintes afirmativas estão corretas:

a) I, II e IV

b) II e III

c) I, III e IV

d) II e IV

e) III e IV

148
Bioquímica Básica

6. O esquema a seguir resume as etapas de síntese e degradação do


glicogênio no fígado, órgão responsável pela regulação da glicemia sanguínea. As
enzimas representadas pelos números são: (1) Glicoquinase (2) Glicose 6-fosfatase
(3) Fosfoglicomutase (4) UDP glicose pirofosforilase (5) Glicogênio sintase (6)
Glicogênio fosforilase

Um paciente portador de um defeito genético apresenta hipoglicemia nos


intervalos entre as refeições, embora a taxa de glicogênio hepático permaneça
elevada. No paciente, as enzimas que provavelmente estão apresentando atividade
deficiente são:

a) Glicoquinase e fosfoglicomutase

b) Fosfoglicomutase e glicogênio sintase

c) Glicose 6-fosfatase e UDP glicose pirofosforilase

d) Glicogênio fosforilase e glicose 6-fosfatase

e) Glicoquinase e glicogênio sintase

149
Bioquímica Básica

7. O beribéri é uma doença nutricional causada pela falta de vitamina


B1 (tiamina) no organismo, resulta em fraqueza muscular, problemas gastro-
intestinais e dificuldades respiratórias. A tiamina na forma de tiamina pirofosfato
(TPP) é importante para a produção de acetilcoenzima A na mitocôndria das
células. Pessoas com beribéri apresentam constantemente níveis elevados de:

a) Piruvato e oxaloacetato

b) Lactato e citrato

c) Succinil CoA e etanol

d) Isocitrato e malato

e) Succinato e fumarato

8. O destino das moléculas de celulose presente em alguns alimentos de


origem vegetal ingerida por uma pessoa é:

a) Entrar nas células e ser oxidada nas mitocôndrias, liberando energia para o
organismo

b) Ser metabolizada extracelularmente tanto no tubo digestivo quanto no


sangue

c) Entrar nas células e ser utilizada para a síntese de proteínas

d) Ser eliminada pelas fezes, sem sofrer alteração no tubo digestivo

e) Servir de matéria-prima para a síntese de glicogênio

150
Bioquímica Básica

9. Os esquemas representam três rotas metabólicas possíveis, pelas quais a


glicose é utilizada como fonte de energia.

a) Quais rotas ocorrem em ambiente totalmente anaeróbico?

b) Qual rota é inexistente na espécie humana?

c) Qual é o saldo energético obtido na rota C?

151
Bioquímica Básica

10. Células de um maratonista foram extraídas e cultivadas em dois tubos de


ensaio à 37oC (tubo A e tubo B) contendo glicose como fonte de energia. Após 24
horas foram avaliados o consumo de glicose e a formação de ATP em cada tubo
obtendo-se os seguintes resultados:

Para cada célula Consumo de Glicose Formação de ATP


observada nos tubos (Moléculas de glicose (Moleculas de ATP
consumidas) formadas)
Tubo A 1 32
Tubo B 16 32

A análise de cada tubo também mostrou que no tubo B acumulava-se lactato


enquanto que no tubo A, observa-se o acúmulo imediato de bolhas.

a) Explique bioquimicamente o acúmulo de lactato no tubo B e as bolhas do


tubo A.

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__________________________________________________________________

b) Porque o consumo de glicose é maior no meio B embora a quantidade de


ATP produzida seja a mesma?

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__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

152
Bioquímica Básica

4 Lipídios e metabolismo

153
Bioquímica Básica

Nesta unidade, vamos entender a cerca das características gerais dos lipídios, suas
estruturas químicas, suas funções e localizações celulares.

Objetivos da Unidade

Conhecer as estruturas dos principais lipídios.

Diferenciar os lipídios citoplasmáticos dos lipídios de membrana celular.

Estudar a digestão, absorção e transporte de lipídios.

Caracterizar a obtenção de energia com lipídios.

Descrever a síntese de ácidos graxos, triglicerídeos e lipídios de membrana.

Plano da Unidade

Ácidos graxos e triglicerídeos

Lipídios de membrana celular

Eicosanóides

Vitaminas lipossolúveis

Digestão, absorção e transporte de lipídios

Oxidação de ácidos graxos e obtenção de energia

Corpos cetônicos

Síntese de ácidos graxos e de triglicerídeos

Degradação de triglicerídeos

Síntese de lipídios de membrana

Bons estudos!

154
Bioquímica Básica

Os lipídios são moléculas com uma característica comum: são moléculas


hidrofóbicas, isto é, insolúveis em água, porém solúveis nos chamados solventes
orgânicos (benzeno, éter, tolueno, hexano, clorofórmio etc). São moléculas
apolares ou anfipáticas com várias funções celulares incluindo armazenamento de
energia, estrutural na formação das membranas celulares, mensageiros
intracelulares, transportadores de elétrons, pigmentos absorvedores de luz,
emulsionantes, coenzimas e hormônios.

Ácidos graxos e triglicerídeos

A maioria dos lipídios contém ou é originado de ácidos graxos. Os ácidos


graxos são moléculas contendo um ácido carboxílico e uma cadeia de carbonos e
hidrogênios (hidrocarboneto) que pode variar de 3 à 36 carbonos. Na dieta dos
seres humanos, os ácidos graxos costumam conter de 4 à 24 carbonos. Geralmente
os ácidos graxos de cadeia curta são os contendo até 5 carbonos, os de cadeia
média, de 6 à 11 carbonos, os de cadeia longa, de 12 à 18 carbonos e os de cadeia
muito longa, acima de 18 carbonos. Os ácidos graxos são exemplos de moléculas
anfipáticas, pois contém uma região capaz de interagir com a água (o ácido
carboxílico) e outra região incapaz de interagir com a água (o hidrocarboneto). Os
ácidos graxos podem ser saturados, quando a cadeia de carbonos contém somente
ligações simples, ou insaturados, quando contém ligações duplas entre carbonos
(figura 1), sendo monoinsaturados os ácidos graxos com uma única ligação dupla
ao longo da cadeia de carbonos e poliinsaturados os ácidos graxos com duas ou
mais ligações duplas.

155
Bioquímica Básica

Figura 1: Estrutura geral dos ácidos graxos. Os ácidos graxos possuem um


ácido carboxílico e uma cadeia de carbonos e hidrogênios. O ácido graxo saturado
tem uma cadeia de carbonos contendo somente ligações simples. Já o ácido graxo
insaturado tem pelo menos uma ligação dupla (monoinsaturado) ou mais de uma
ligação dupla (poliinsaturado) entre carbonos. Em A, representação mais comum
dos ácidos graxos, mostrando carbonos, hidrogênios e as ligações químicas
simples e duplas. Em B, representação dos ácidos graxos em ziguezague, onde
cada ponta do ziguezague representa um carbono e o duplo traço representa a
ligação dupla. Se nos carbonos que contém a ligação dupla os hidrogênios
estiverem para o mesmo lado, como na figura A, a configuração é chamada cis, mas
se os hidrogênios estiverem opostos um em relação ao outro a configuração é
trans. Á título de observação, enquanto o ácido graxo saturado na figura A tem 8
carbonos, o ácido graxo saturado na figura B tem 10 carbonos. Fontes:
www.brasilescola.com e www.wikimonsa.wikispaces.com, acessos em 07/11/2014.

156
Bioquímica Básica

Para designar um ácido graxo, usa-se o número que corresponde ao tamanho


do ácido graxo e números que correspondem à quantidade e a localização das
ligações duplas na molécula. Um ácido graxo de dezoito carbonos saturado é
designado 18:0, mas um ácido graxo de dezoito carbonos monoinsaturado, sendo
esta insaturação no carbono nove, é designado 18:1Δ9. Se um ácido graxo de
dezoito carbonos for poliinsaturado com ligações duplas nos carbonos nove, doze
e quinze, então a designação será 18:3Δ9,12,15. A tabela 1 mostra alguns ácidos
graxos e suas designações.

Tabela 1: Ácidos graxos de ocorrência natural


*Designação Estrutura Nome comum
4:0 CH3(CH2)2COOH Ácido
butírico
12:0 CH3(CH2)10COOH Ácido
láurico
14:0 CH3(CH2)12COOH Ácido mirístico
16:0 CH3(CH2)14COOH Ácido palmítico
16:1Δ9 CH3(CH2)5CH=CH(CH2)7COOH Ácido palmitoleico
18:0 CH3(CH2)16COOH Ácido esteárico
18:1Δ9 CH3(CH2)7CH=CH(CH2)7COOH Ácido
oleico
18:1Δ9,12 CH3(CH2)4CH=CH(CH2)CH=CH(CH2)7C Ácido linoleico
OOH
18:1Δ9,12,15 CH3CH2CH=CHCH2CH=CHCH2CH=CH( Ácido α-linolênico
CH2)7COOH
20:0 CH3(CH2)18COOH Ácido eicosanóico
20:4Δ5,8,11,14 CH3(CH2)4CH=CHCH2CH=CHCH2CH=C Ácido araquidônico
HCH2CH=CH(CH2)3COOH
24:0 CH3(CH2)22COOH Ácido lignocérico
*A designação se refere ao número de carbonos e quantidade e localização
das ligações duplas no ácido graxo.

157
Bioquímica Básica

As propriedades físico-químicas dos ácidos graxos são determinadas pelo


tamanho e grau de saturação dos ácidos graxos: quanto maior o ácido graxo,
menor a sua solubilidade em água e vice-versa; substâncias contendo ácidos
graxos saturados apresentam consistência sólida e quanto maior forem os ácidos
graxos, mais sólidos será o composto; no entanto, quanto mais insaturados forem
os ácidos graxos que compõem a substância, mais líquido será o composto. Além
disso, o grau de saturação dos ácidos graxos influência na saúde do ser humano:
por mecanismos ainda não totalmente esclarecidos, ácidos graxos insaturados são
mais saudáveis que ácidos graxos saturados por reduzir a pressão arterial, melhorar
a coagulação sanguínea e prevenir doenças ligadas ao coração. Já os ácidos graxos
saturados têm relação direta com a elevação de triglicerídeos e colesterol
sanguíneo. No entanto, não se devem retirar os ácidos graxos saturados da dieta,
apenas reduzi-los a cerca de 30%, pois além de ser uma fonte rica de energia, estes
são necessários na formação das membranas e alguns são antimicrobianos. Apesar
do ser humano conseguir produzir ácidos graxos saturados e monoinsaturados, é
incapaz de produzir ácidos graxos poliinsaturados, sendo assim, estes precisam
obrigatoriamente ser adquiridos na dieta.

O calor influência na saturação dos ácidos graxos: à medida que um ácido


graxo é aquecido, suas ligações duplas são convertidas em ligações simples,
fazendo com que o ácido graxo insaturado se torne saturado. Deste modo, o
aquecimento prolongado de um alimento contendo ácidos graxos é prejudicial
para a saúde.

Os principais ácidos graxos saturados na dieta são: ácido palmítico (16:0),


ácido esteárico (18:0) e ácido eicosanóico (20:0). Há também pequenas
quantidades de ácido láurico (12:0) e ácido mirístico (14:0). As principais fontes
alimentares de ácidos graxos saturados são os produtos lácteos e sorvetes,
biscoitos, carnes (especialmente as processadas) e produtos gordurosos. Os
principais ácidos graxos insaturados na dieta são o ácido palmitoleico (16:1Δ9), o
ácido oleico (18:1Δ9), o ácido α-linolênico (18:1Δ9,12,15) e o ácido linoleico
(18:1Δ9,12). As principais fontes alimentares de ácidos graxos insaturados são os
vegetais e seus óleos, azeites, óleos de peixe, cereais, sementes e grãos. Na maioria
dos casos, os ácidos graxos são referidos como o sal do ácido ou o ácido graxo
ionizado. Por exemplo, ácido palmítico é referido como palmitato, ácido esteárico,
como estearato, ácido láurico como laurato etc. A figura 2 compara três destes
alimentos de acordo com o tipo de ácidos graxos.

158
Bioquímica Básica

Figura 2: Tipos de ácidos graxos de três alimentos. Ambos os óleo de oliva,


manteiga e gordura de carne de boi contém triglicerídeos com ácidos graxos de
diferentes tamanhos e graus de saturação. O óleo por conter um percentual maior
de ácidos graxos insaturados em seus triglicerídeos, inclusive de cadeia longa, é
líquido à temperatura ambiente. Já a manteiga contém muitos ácidos graxos
saturados de cadeia longa e alguns ácidos graxos saturados de cadeia curta, por
isso é um sólido à temperatura ambiente, porém mole por conter também uma
quantidade moderada de ácidos graxos insaturados de cadeia longa. Por último, a
gordura da carne do boi é bem sólida à temperatura ambiente por conter grande
quantidade de ácidos graxos saturados de cadeia longa. È importante observar que
ambas as manteigas e gorduras apresentam maior percentual de ácidos graxos
saturados em relação aos insaturados em seus triglicerídeos. Fonte: Lehninger,
Princípios de Bioquímica.

159
Bioquímica Básica

Os ácidos graxos α-linolênico e linoleico são exemplos de ácidos graxos


conhecidos respectivamente como ômega-3 e ômega-6. Estes são ácidos graxos
poliinsaturados, por isso são essenciais, e precisam estar na dieta. Para ser
considerado ômega-3, a última ligação dupla precisa estar a 3 carbonos do fim da
molécula enquanto no ômega-6 a última ligação dupla está à 6 carbonos do fim da
molécula. A partir destes dois ácidos graxos são produzidos outros ácidos graxos
poliinsaturados muito importantes (será detalhado ao longo da unidade).

Um problema comum relacionado aos ácidos graxos poliinsaturados é o seu


alto poder de oxidação: o oxigênio reage com as duplas ligações danificando a
estrutura destes ácidos graxos (peroxidação lipídica) e gerando radicais livres,
principais causadores do envelhecimento e morte celular, assim o seu consumo
deve estar associado à ingestão de vitaminas A, C e E e outros anti-oxidantes. Os
ácidos graxos monoinsaturados, por ter somente uma ligação dupla são mais
resistentes ao ataque das moléculas de oxigênio. Outros ácidos graxos do tipo
ômega (ômega-7 e ômega-9) são ácidos graxos saturados e monoinsaturados e,
portanto, apesar de estarem na dieta, também são produzidos pelo organismo. A
tabela 2 mostra o conteúdo de ácidos graxos saturados, monoinsaturados e
poliinsaturados em alguns alimentos.

160
Bioquímica Básica

Tabela 2: Teor de ácidos graxos (g) em 100 g dos alimentos


Alimentos Ácidos graxos (g)
Saturados Monoinsaturados Poliinsaturados
Abacate 2,5 16,5 2
Azeite de oliva 14 70 11
Azeitona 1 6 1
Bacalhau fresco 0,15 0 0,25
Bacon 32,5 36 6
Carne de boi 5 5 0,5
Carne de frango (sem 11,5 2 0,5
pele)
Carne de peru (sem 0,5 0,5 1
pele)
Carne suína 12,5 14 2,5
Castanha-do-Pará 15,5 20 23
Creme de leite 12,5 6,5 0,5
Leite integral 2,2 1,2 0,1
Leite condensado 5,5 3 0,2
Manteiga 49 26 2,2
Margarina 30 38 9,5
Óleo de soja 14 24 56,5
Óleo de milho 16,5 29,5 50
Óleo de canola 5 64 25
Óleo de girassol 13 32 50
Ovo 3,5 14,2 1,2
Queijo parmesão 17,5 9,5 1
Queijo cottage 2,4 1,3 0,1
Sardinha 3 3 3,5
Salmão 3 4,5 3

Os triglicerídeos (ou triacilgliceróis) são moléculas formadas pela união de 3


ácidos graxos (geralmente dois ou os três ácidos graxos são diferentes entre sí)
ligados a um glicerol cujas três hidroxilas do glicerol reagem com os ácidos
carboxílicos dos ácidos graxos através da saída de três moléculas de água (figura 3).
Os triglicerídeos são compostos essencialmente apolares, pois as regiões polares
do glicerol e dos ácidos graxos desapareceram na formação das ligações do tipo
éster. Por isso, constituem moléculas muito hidrofóbicas. Os representantes dos

161
Bioquímica Básica

triglicerídeos são as gorduras e os óleos. Enquanto as gorduras contêm


triglicerídeos com a maioria dos ácidos graxos saturados (por isso as gorduras são
sólidas à temperatura ambiente), os óleos contêm triglicerídeos com a maioria dos
ácidos graxos insaturados (por isso os óleos são líquidos à temperatura ambiente).

Figura 3: Estrutura do triglicerídeo. Em A, a formação do triglicerídeo através


da união de três ácidos graxos com um glicerol. Na reação saem três moléculas de
água. Os “R” nos ácidos graxos representam cadeias de carbonos sem tamanho e
grau de saturação definidos. Em B, representação do triglicerídeo onde, de cima
para baixo, a primeira cadeia de carbonos é saturada, a segunda cadeia de
carbonos é monoinsaturada e a terceira cadeia de carbonos é poliinsaturada. Nesta
última estão mostrados os carbonos onde ocorrem as ligações duplas. Fontes:
www.especialista24.com e www.duplat.blogspot.com, acessos em 07/11/2014.

162
Bioquímica Básica

Os triglicerídeos costumar estar no citoplasma das células humanas


principalmente nas células do tecido adiposo e do fígado e são uma forma de
armazenamento de energia mais interessante que glicogênio, pois um triglicerídeo
fornece bem mais energia por grama que o glicogênio. Além disso, enquanto o
corpo humano armazena gramas de glicose na forma de glicogênio, são
armazenados quilos de gordura no tecido adiposo. Além da função de
armazenamento de energia, os triglicerídeos são eficientes isolantes térmicos
contra baixas temperaturas: não é a toa que animais de clima frio, como focas,
ursos polares, pingüins e leões marinhos apresentam grande quantidade de
triglicerídeo corporal seja na forma de gordura ou óleo.

Os triglicerídeos podem ser hidrolisados, liberando com isso, ácidos graxos e


glicerol (será detalhado ao longo da unidade). Se esta hidrólise é feita em meio
alcalino, por exemplo, pela adição de uma base forte como o hidróxido de sódio
(soda cáustica) e sob a alta temperatura, formam-se sais de ácidos graxos, os
sabões, e o processo é chamado de saponificação (figura 4).

Figura 4: O processo da saponificação. Na produção do sabão, os triglicerídeos


são misturados a uma base forte em alta temperatura, liberando os sais de ácidos
graxos (sabões) e o glicerol. Fonte: www.quimicasemsegredos.com, acesso em
07/11/2014.

163
Bioquímica Básica

Sendo assim, o sabão é um sal de ácido carboxílico contendo uma longa


cadeia de carbonos em sua estrutura molecular, com capacidade de interagir tanto
com estruturas polares quanto apolares (estrutura anfipática). Desse modo, ao
lavarmos uma panela suja de óleo ou gordura, formam-se as micelas, gotículas
microscópicas de gordura envolvidas por moléculas de sabão, orientadas com as
cadeias apolares direcionadas para dentro (interagindo com o óleo ou gordura) e
as extremidades polares para fora (interagindo com a água). A água usada para
enxaguar a panela interage com a parte externa das micelas, que é constituída
pelas extremidades polares das moléculas de sabão. Assim, as micelas são
dispersas na água e levadas por ela no enxágüe da panela, o que torna fácil
remover, com auxílio do sabão, substâncias apolares (figura 5). O processo de
formação de micelas é denominado emulsificação. Dizemos que o sabão atua
como emulsificante ou emulsionante, ou seja, ele tem a propriedade de fazer com
que o óleo se disperse na água, na forma de micelas.

Figura 5: Comportamento do óleo e sabão em presença de água. Na presença


de água, o sabão e o óleo formam micelas, com regiões polares do sabão voltadas
para fora da mistura (para contato com água) e regiões apolares da mistura
voltadas para dentro (onde ocorre a interação do óleo com o sabão), assim o sabão
atua como emulsificante ou emulsionante, fazendo com que o óleo se disperse na
água, na forma de micelas. Fonte: www.negacrazy.blogspot.com, acesso em
08/11/2014.

164
Bioquímica Básica

Lipídios de membrana celular

As membranas biológicas são formadas por uma bicamada de lipídios


contendo proteínas. Nos eucariontes encontram-se também carboidratos. Estes
lipídios são anfipáticos, pois a região polar da molécula está voltada para o espaço
extracelular ou para o citoplasma da célula (estas áreas são geralmente aquosas),
enquanto a parte apolar está escondida no meio da bicamada lipídica, sem acesso
à água interna ou externa. Os lipídios das membranas são os fosfolipídios
(subdivididos em glicerofosfolipídios e esfingolipídios) e os esteróis (figura 6).

Figura 6: Arquitetura da membrana plasmática. Na figura estão mostrados a


bicamada de fosfolipídios, comum nas membranas das células procariontes
(bactérias) e eucariontes (demais tipos celulares), contendo proteínas, carboidratos
e esteróis (o esterol na figura é o colesterol), sendo os dois últimos ausentes nos
procariontes. Fonte: www.infoescola.com, acesso em 07/11/2014.

165
Bioquímica Básica

Glicerofosfolipídios são as principais classes de lipídios nas membranas,


estando presente na membrana plasmática de procariontes e eucariontes e nas
membranas das organelas do citoplasma de eucariontes. Estes lipídios contêm dois
ácidos graxos e um grupamento fosfato ligados a um glicerol. O fosfato é a parte
polar da molécula e assim é a que fica voltado tanto para o interior, quanto para o
exterior das membranas e o restante é a parte apolar. Um dos ácidos graxos é
sempre saturado contendo 16 ou 18 carbonos e o outro é insaturado contendo 18,
20 ou 22 carbonos. Além disso, várias moléculas diferentes podem estar ligadas ao
fosfato, criando os diferentes glicerofosfolipídios (figura 7).

166
Bioquímica Básica

Figura 6: Estrutura molecular do glicerofosfolipídio e suas variantes.


Glicerofosfolipídios são lipídios anfipáticos contendo dois ácidos graxos e um
grupamento fosfato ligados a glicerol. Em A, a estrutura geral do
glicerofosfolipídio, com ácido graxo saturado na posição 1 e o ácido graxo
insaturado na posição 2. Em B, os diferentes tipos de glicerofosfolipídios nas
membranas celulares. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica.

Os esfingolipídios são a segunda classe mais abundante de lipídios nas


membranas. Encontrados somente em eucariontes, são compostos de uma parte
apolar contendo um ácido graxo de cadeia longa e uma esfingosina (um
aminoálcool) no lugar do segundo ácido graxo e do glicerol e uma parte polar
variável como nos glicerofosfolipídios, criando os diferentes esfingolipídios (figura
7).

167
Bioquímica Básica

Figura 7: Estrutura molecular do esfingolipídio e suas variantes. Esfingolipídios


são lipídios anfipáticos contendo um ácido graxo de cadeia muito longa, uma
esfingosina (um aminoálcool) e uma parte polar variável como nos
glicerofosfolipídios. Em A, a estrutura geral do esfingolipídio. Em B, os diferentes
tipos de esfingolipídios nas membranas celulares. Fonte: Lehninger, Princípios de
Bioquímica.

Muitos esfingolipídios são glicolipídios (figura 7), estando à porção carboidrato


sempre voltada para fora da célula formando o glicocálix. Os esfingolipídios são
abundante na membrana plasmática de neurônios, formando a bainha de mielina
para a transmissão do impulso nervoso e são sítios de reconhecimento celular,
principalmente nas hemácias, determinando os grupos sanguíneos humanos. Além
disso, podem atuar como receptores para toxinas liberadas por bactérias e serem
reconhecidos por células bacterianas e vírus para o início da infecção.

Os esteróis são a terceira classe de lipídios nas membranas. Sua estrutura


anfipática contém uma região polar (geralmente uma hidroxila no carbono 3) e
uma região apolar composta por 4 anéis de carbonos, sendo 3 de seis carbonos e 1
de cinco carbonos (núcleo esteróide) e uma cadeia hidrocarboneto não cíclica
(figura 8). O esterol das células animais é o colesterol. As células dos outros seres
vivos (exceto procariontes) também apresentam esteróis nas membranas:
fitoesteróis nas células vegetais, ergosterol nos fungos etc. Os fitoesteróis na dieta
tem a capacidade de reduzir a absorção do colesterol total, através de um
mecanismo de competição que ocorre no intestino delgado, onde pelo fato de
ambos fitoesteróis e colesterol serem muito semelhantes (figura 8), ocorre inibição
da absorção do colesterol pelos fitoesteróis, reduzindo o conteúdo de colesterol
plasmático. O colesterol é sintetizado no fígado ou obtido na dieta. Seu esqueleto
serve para a formação de várias moléculas, incluindo a vitamina D, os sais biliares e
hormônios esteróides como a progesterona, a testosterona e o estradiol (o
metabolismo do colesterol será visto ao longo da unidade).

168
Bioquímica Básica

Figura 8: O colesterol. Em A, a estrutura detalhada do colesterol, evidenciando


a numeração dos carbonos da molécula no núcleo esteróide e na cadeia de
carbonos externa aos anéis. Em B, comparação entre o colesterol e três fitoesteróis
da dieta, evidenciando a pequena diferença entre os quatro esteróis através de
círculos coloridos nos carbonos 22 e 24 das moléculas. Fontes: Lehninger,
Princípios de Bioquímica e www.biobiocolesterol.blogspot.com.br, acesso em
08/11/2014.

169
Bioquímica Básica

Eicosanóides

Eicosanóides são moléculas lipídicas anfipáticas derivadas de um ácido graxo


de 20 carbonos chamado ácido araquidônico (20:4Δ5,8,11,14) (figura 9). Esse ácido
graxo pode ser obtido diretamente na dieta ou ser produzido através do ácido
linoléico (18:1Δ9,12), um ômega-6. Praticamente todo ácido araquidônico está em
fosfolipídios, assim, é necessária uma reação enzimática catalisada por uma
fosfolipase para remoção do ácido araquidônico do fosfolipídio e seu uso na
produção dos eicosanóides (figura 9). Os eicosanóides se comportam como
mensageiros químicos um pouco diferente dos hormônios, pelo fato de não serem
distribuídos pela corrente sanguínea para diferentes órgãos, mas sim atuarem no
tecido onde foi produzido. Existem 3 classes de eicosanóides: as prostaglandinas,
os leucotrienos e as tromboxanas.

Enzimas ciclooxigenases (COX) são responsáveis pela conversão de ácido


araquidônico em prostaglandinas. As prostaglandinas (figura 9) são produzidas por
quase todas as células, geralmente em locais de dano tecidual ou infecção. São
moléculas capazes de elevar a temperatura do corpo, causar inflamação e dor,
aumentar a perrmeabilidade capilar e a quimiotaxia, atraindo células como
macrófagos especializados na fagocitose de restos celulares durante o processo
inflamatório. A inibição das ciclooxigenases por analgésicos e anti-inflamatórios
(drogas não esteroidais anti-inflamatórias ou NSAIDs) como aspirina, ibuprofeno e
paracetamol, implica na diminuição da síntese de prostaglandinas e
consequentemente da dor e febre. Além disso, as prostaglandinas estão
responsáveis pelo estímulo das contrações uterinas durante a menstruação e o
parto, pela vasodilatação, pelo aumento da secreção de muco no estômago etc.

170
Bioquímica Básica

Tromboxanos (nomeados em referência à sua capacidade de formar trombos)


são produzidos nas plaquetas também a partir de reação catalisada por
ciclooxigenases. São moléculas vasoconstritores na circulação sanguínea e
vasodilatadores na circulação pulmonar e potentes agentes hipertensivos, além de
facilitarem a agregação plaquetária: o tromboxano A2 (figura 9), produzido
por plaquetas ativadas, estimula a ativação de outras plaquetas, aumentando a
agregação plaquetária. Medicamentos inibidores de ciclooxigenases afetam a
produção de tromboxanos, levando ao aparecimento de hemorragias com maior
freqüência.
Duas isoformas da COX (COX-1 e COX-2) têm sido extensivamente estudadas.
Ambas estão envolvidas tanto em eventos fisiológicos, quanto patológicos. A
primeira, expressa constitutivamente, é responsável pela formação de
prostaglandinas associadas com eventos fisiológicos como a integridade da
mucosa gástrica e funcionamento normal dos rins regulando o tônus vascular e o
fluxo sanguíneo renal, enquanto que COX-2 está relacionada aos eventos da
resposta inflamatória. No entanto, parece que a COX-1 também está relacionada
com a resposta inflamatória. Além disso, COX-2 está envolvida com a formação de
trombos. Assim, faz-se necessário o uso controlado de medicamentos inibidores de
COX. Estudos revelaram um papel protetor da COX-2 no estômago, rim, coração,
vasos e sistema reprodutor. Distúrbios cardiovasculares graves e trombóticos,
irritações gastrointestinais e disfunção renal são alguns dos eventos observados no
uso exagerado de inibidores de COX.
Leucotrienos (figura 9) são moléculas produzidas por células inflamatórias
como leucócitos polimorfonucleares, macrófagos ativados e mastócitos através de
reação catalisada pela enzima lipooxigenase (LOX). Os leucotrienos são mediadores
lipídicos que apresentam papel relevante na resposta inflamatória tecidual
aumentando a permeabilidade vascular, induzindo a inflamação, ativando células
para função efetora ou inibindo a função de células. São também extremamente
potentes na vasoconstrição e broncoconstrição, levando a contração da
musculatura lisa dos vasos sanguíneos e a passagem de ar nos pulmões no edema,
levando a perda de líquidos dos vasos sanguíneos. Leucotrienos também
estimulam a síntese de colágeno e quimiotaxia de fibroblastos. A superprodução
de leucotrienos causa asma e muitas drogas antiasmáticas atuam bloqueando a
enzima lipooxigenase.

171
Bioquímica Básica

Figura 9: O ácido araquidônico e os eicosanóides. Em A, o ácido araquidônico


no fosfolipídio é liberado por ação da enzima fosfolipase A2, uma das diferentes
fosfolipases atuantes nos fosfolipídios. Em B, dependendo do tipo celular, o ácido
araquidônico, por intermédio de enzimas COX ou LOX, é convertido em
prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos, onde cada eicosanóide responderá
por uma ou muitas funções celulares no tecido onde foi sintetizado. NSAIDs são
potentes bloqueadores da produção de prostaglandinas e tromboxanos, afetando
diversos processos fisiológicos. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica.

172
Bioquímica Básica

Vitaminas lipossolúveis

São quatro as vitaminas de natureza lipídica: A, D, E e K. Estas moléculas são


anfipáticas com inúmeras funções celulares.

A vitamina A (figura 10) é produzida a partir de uma molécula chamada β-


caroteno. O β-caroteno é uma molécula da família dos carotenóides. Os
carotenóides são compostos abundantemente encontrados na natureza, sendo os
responsáveis pela cor da maioria dos frutos e vegetais, a qual pode variar desde o
amarelo até o vermelho vivo. Dos mais de 600 carotenoides conhecidos,
aproximadamente 50 são precursores da vitamina A. Entre os carotenoides, o β-
caroteno é o mais abundante em alimentos e o que apresenta a maior atividade de
pró-vitamina A. A principal via de produção da vitamina A é a clivagem central
catalisada pela enzima 15-15’β-caroteno oxigenase. Ela cliva o β-caroteno em sua
ligação dupla central, obtendo retinol (vitamina A), que pode ser, no corpo
humano, convertido reversivelmente em 11-cis-retinal ou irreversivelmente em
acido retinóico. A vitamina A é encontrada em muitos alimentos, como vegetais,
ovos, fígado, manteiga etc. O 11-cis-retinal é de vital importância no ciclo visual,
atuando nos bastonetes, células que funcionam com baixa intensidade de luz,
insensíveis às cores. O ácido retinóico é encontrado no interior das células, onde
desempenha funções relacionadas ao ciclo celular. A modulação da expressão
gênica pelo ácido retinóico é mediada pela ativação dos receptores nucleares para
hormônios esteróides/tiroideanos/vitamina D. A ligação do ácido retinóico a estes
receptores promove ativação gênica, transcrição, tradução e acúmulo de novas
proteínas. A vitamina A também está relacionada com o desenvolvimento dos
ossos, ação protetora na pele e mucosa, possui função essencial na capacidade
funcional dos órgãos do trato reprodutivo, participa do fortalecimento do sistema
imunológico, está relacionada com o desenvolvimento e manutenção do tecido
epitelial, contribui para o desenvolvimento normal dos dentes, para a conservação
do esmalte dentário, manutenção do bom estado do cabelo e na prevenção da
oxidação celular. A deficiência de vitamina A, acarreta xeroftalmia. A xeroftalmia é o
nome genérico dado aos diversos sinais e sintomas oculares da carência de

173
Bioquímica Básica

vitamina A. A forma clínica mais precoce da xeroftalmia é a cegueira noturna onde


não se consegue boa adaptação visual em ambientes pouco iluminados, podendo
evoluir para um quadro de ceratomalacia, uma cegueira irreversível causada por
ulceração progressiva da córnea levando à necrose e destruição do globo ocular.

A vitamina D é também conhecida como colecalciferol (figura 10). A principal


ação da vitamina D é aumentar o transporte de cálcio e fósforo do meio
extracelular para o intracelular e mobilizar cálcio dos estoques intracelulares. Além
disso, possui papel mediador em processos inflamatórios e auto imunitários. A
deficiência de Vitamina D pode ser observada em indivíduos que tenham pouca
exposição ao sol, e naqueles que tenham problemas na absorção de lipídios ou
problemas na dieta. Em crianças, a deficiência de vitamina D pode resultar no
raquitismo, doença decorrente da inadequada mineralização do osso durante o
crescimento com consequentes anormalidades ósseas, entretanto, isso é raro nos
dias atuais, devido, sobretudo à fortificação dos alimentos. A deficiência grave em
adultos leva à osteomalácia, condição caracterizada pela falha na mineralização da
matriz orgânica do osso, resultando em ossos fracos, sensíveis à pressão, fraqueza
nos músculos proximais e frequência de fraturas aumentada, além de ter efeitos
importantes no desenvolvimento da osteoporose. Em idosos, a deficiência de
vitamina D é decorrente das alterações fisiológicas e mudanças no hábito de vida
decorrente deste grupo, como por exemplo, a diminuição da exposição ao sol e
mudanças na dieta. As fontes de vitamina D da dieta são os óleos de fígado de
peixes e alimentos derivados do leite, como manteiga e queijos gordurosos. Além
disso, a exposição do corpo aos raios do sol leva à síntese desta vitamina pelo
organismo: a vitamina D é formada na pele á partir de uma forma modificada do
colesterol, o 7-desidrocolesterol em uma reação fotoquímica catalisada pelos raios
UV do sol (por isso é importante o “banho de sol” no início da manhã em crianças
recém-nascidas e a exposição, pelo menos leve, ao sol ao longo da vida). A
vitamina D é no fígado convertida em 25-hidroxicolecalciferol e depois no rim em
1,25-dihidroxicolecalciferol, o hormônio ativo, responsável pelo metabolismo de
cálcio e fósforo.

174
Bioquímica Básica

A vitamina E (figura 10) é uma vitamina lipossolúvel, representada por um


grupo de oito compostos estruturalmente relacionados, os tocoferóis e
tocotrienóis, sendo o α -tocoferol com maior atividade biológica antioxidante,
apresentando um papel fundamental na proteção do organismo contra os efeitos
prejudiciais (danos oxidativos) dos radicais livres. O anel aromático da molécula
reage com os radicais livres e os destrói, desse modo protegendo proteínas, ácidos
nucléicos e as ligações duplas dos ácidos graxos dos fosfolipídios da oxidação. A
vitamina E é encontrada em alimentos de origem vegetal, principalmente nos
vegetais verde-escuros, nas sementes oleaginosas, nos óleos vegetais e no germe
de trigo, além de estar presente também em alimentos de origem animal, como
gema de ovo e fígado. A baixa ingestão de vitamina E causa agregação plaquetária,
anemia hemolítica, degeneração neuronal (pois causa lesão na bainha de mielina),
lesões musculares e esqueléticas e alterações hepáticas.

A vitamina K é uma vitamina anti-hemorragica (figura 10). A molécula é usada


na produção da pró-trombina, uma proteína do plasma sanguíneo essencial para a
formação do coágulo. A filoquinona é a forma predominante de vitamina K em
alimentos. Outra forma da vitamina K, a menaquinona é formada por bactérias no
intestino. Vegetais verdes folhosos, óleos vegetais, gorduras, frutas e hortaliças são
as principais fontes desta vitamina. A deficiência clínica da vitamina tem sido
classicamente descrita como hipoprotrombinemia e está associada ao retardo na
coagulação do sangue, que pode ser fatal.

175
Bioquímica Básica

Figura 10: Estrutura química das vitaminas lipossolúveis. Fontes: www.as-


vitaminas.blogspot.com.br, www.quimicanocotidiano2013.blogspot.com.br,
www.infoescola.com e www.laboratóriocentralmm.com.br, acessos em
09/11/2014.

Digestão, absorção e transporte de lipídios

Os lipídios da dieta são triglicerídeos, ácidos graxos livres, fosfolipídios


(geralmente glicerofosfolipídios), colesterol livre, ésteres de colesterol, fitoesteróis
e vitaminas lipossolúveis. Alguns destes lipídios, por serem grandes demais para
serem absorvidos, precisam ser digeridos por enzimas encontradas no intestino
delgado.

Como os lipídios são moléculas insolúveis no lúmen do intestino, para as


enzimas atuarem, é necessário que estes lipídios se encontrem solúveis. Para isso, a
vesícula biliar envia sais biliares para o intestino delgado. Estas moléculas
anfipáticas, sintetizadas no fígado a partir do colesterol (descrito anteriormente) e
armazenados na vesícula biliar, atuam como detergentes, emulsionando os

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Bioquímica Básica

lipídios, formando micelas e facilitando a ação das enzimas lípases. Como o suco
entérico não contém todas as enzimas necessárias para a digestão dos lipídios
grandes, o pâncreas envia para o intestino delgado o suco pancreático, contendo
algumas lípases. Os triglicerídeos são hidrolisados por lípases liberando os ácidos
graxos dos carbonos 1 e 3 e a molécula 2-monoacilglicerol. Alguns 2-
monoacilgliceróis podem ser hidrolisados por uma esterase separando o ácido
graxo restante, do glicerol. Os fosfolipídios sofrem ação da enzima fosfolipase A2,
liberando o ácido graxo do carbono 2 e 1-acillisofosfolipídio. Ésteres de colesterol e
ésteres de vitamina A são hidrolisados por esterases específicas liberando o
colesterol e a vitamina A dos ácidos graxos. As digestões enzimáticas dos lipídios
da dieta estão resumidas abaixo:

Lípases entérica e pancreática 2 ácidos graxos


Triglicerídeos 2-monoacilglicerol

Monoacilglicerol-esterase Ácido graxo


2-monoacilglicerol
Glicerol

Fosfolipase A2 Ácido graxo


Fosfolipídios 1-acillisofosfolipídio
Colesterol-esterase
Ácido graxo
Éster de colesterol Colesterol
Retinil-esterase
Ácido graxo
Éster de vitamina A
Vitamina A

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Bioquímica Básica

Terminada a digestão, os ácidos graxos, 2-monoacilgliceróis, 1-


acillisofosfolipídios, vitaminas A, D, E e K além do colesterol nas micelas são
enviados do lúmen para o interior das células do epitélio intestinal. Fitoesteróis,
apesar de estarem na dieta, não são praticamente absorvidos e atrapalham a
absorção do colesterol, atuando como fibras (descrito anteriormente). Do interior
das células do epitélio intestinal, os ácidos graxos de cadeia curta e média vão para
a corrente sanguínea em direção ao fígado sendo transportados pela albumina
plasmática. Os ácidos graxos maiores são usados na remontagem dos
triglicerídeos, fosfolipídios, ésteres de colesterol e ésteres de vitamina A, que,
juntamente com as outras vitaminas lipossolúveis, colesterol livre e proteínas
específicas (apoproteínas), formam lipoproteínas chamadas quilomícrons.

Os quilomícrons viajam pelos vasos linfáticos intestinais antes de ir para o


sangue e chegar ao fígado. Durante o trajeto, músculos e tecido adiposo (tecidos
extra-hepáticos) captam ácidos graxos: a enzima lipoproteína-lipase sintetizada por
músculos e tecido adiposo e ligada à superfície endotelial dos capilares sanguíneos
destes órgãos hidrolisa os triglicerídeos, os convertendo em ácidos graxos e
glicerol. A apoproteína C-II (ApoC-II) presente na superfície dos quilomícrons ativa
a lipoproteína-lípase destes tecidos. Por ação desta enzima, parte da vitamina E nos
quilomícrons também é captada por estes tecidos extra-hepáticos. Os ácidos
graxos captados pelos músculos são primariamente usados para obtenção de
energia, mas também podem ser usados pra a síntese de membranas. Os ácidos
graxos e glicerol captados pelo tecido adiposo são primariamente usados na
formação de triglicerídeos para armazenamento, mas síntese de membranas
também ocorre. Boa parte do glicerol resultante da hidrólise dos triglicerídeos dos
quilomícrons vai do sangue para o fígado onde podem ser usados na glicólise, na
produção de triglicerídeos, na produção de fosfolipídios ou na gliconeogênese.

Os quilomícrons contém também a apoproteína E (ApoE), que é reconhecida


por receptores presentes nas células hepáticas. Os quilomícrons remanescentes
que chegam ao fígado são endocitados pelas células hepáticas, encaminhados aos
lisossomos, degradados e suas moléculas (aminoácidos, glicerol, ácidos graxos,
fosfolipídios, colesterol, vitaminas lipossolúveis etc) aproveitadas pelo fígado
(figura 10).

178
Bioquímica Básica

O próprio fígado é um grande produtor de triglicerídeos e colesterol. Se a


ingestão de triglicerídeos e colesterol ultrapassar as necessidades do indivíduo, a
digestão dos quilomícrons remanescentes no fígado irá liberar muitos ácidos
graxos e colesterol. Isso fará com que o fígado use todo este colesterol e
triglicerídeos (produzidos no próprio fígado e da dieta) para a criação de
lipoproteínas chamadas VLDLs (lipoproteínas de muito baixa densidade). A maior
parte da vitamina E, e praticamente toda vitamina K assim como a forma da
vitamina D, 25-hidroxicolecalciferol (explicado anteriormente), também são
incorporadas em VLDLs. Estas lipoproteínas, ricas em triglicerídeos e colesterol e
contendo dentre várias apoproteínas, a ApoB-100, são liberadas para o sangue. Em
paralelo, o fígado produz outra lipoproteína, a HDL (lipoproteínas de alta
densidade) que contém triglicerídeos, um pouco de colesterol, várias apoproteínas,
dentre elas ApoA-I, ApoE e ApoC-II e a enzima LCAT (lecitina:colesterol acil
transferase). No sangue, os HDLs entregam ApoE e ApoC-II para VLDLs e
quilomícrons, a fim de que estes sejam reconhecidos por lipoproteínas-lipases e
por receptores celulares para internalização (figura 10). Diferente das demais
vitaminas lipossolúveis, as reservas de vitamina A esterificada no fígado são
hidrolisadas enzimaticamente em retinol livre e não são transportadas em VLDLs,
mas por um complexo proteico ligante de retinol, para vários tecidos do
organismo, onde existirem necessidades metabólicas.

À medida que ácidos graxos são captados dos VLDLs por tecidos periféricos
(principalmente músculos e tecido adiposo), estas lipoproteínas se tornam IDLs
(lipoproteínas de densidade intermediária) e com a saída de mais ácidos graxos se
tornam LDLs (lipoproteínas de baixa densidade, pobres em triglicerídeos, mas ricas
em colesterol). Os LDLs devem ser removidos da corrente sanguínea, pois são
responsáveis por entupimento de vasos sanguíneos. Para isso, algumas células
como as hepáticas, endoteliais e os macrófagos podem endocitar LDLs por um
mecanismo de endocitose mediada por receptor, onde as ApoB-100 das LDLs são
reconhecidas pelos receptores celulares para a endocitose. Além disso, os HDLs
também participam da remoção do excesso de colesterol do plasma e dos tecidos
extra-hepáticos transportando-as para o fígado (figura 10). A transferência de
colesterol das membranas das células periféricas para HDL envolve interação das

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Bioquímica Básica

HDLs com receptores de superfície celular, acionando um transporte passivo do


excesso de colesterol das células para HDLs. Outra maneira envolve a interação da
apoproteína ApoA-I das HDLs com um transportador de membrana chamado
ABCA-1 em uma célula rica em colesterol, onde a ABCA-1 transfere colesterol para
HDLs. As HDLs conseguem captar também colesterol e fosfatidilcolina (um
fosfolipídio) dos quilomícrons remanescentes e VLDLs. Na superfície das HDLs a
enzima LCAT esterifica o colesterol com a fosfatidilcolina. Todo o colesterol vai para
o fígado nas HDLs e em seguida é convertido em sais biliares. Estes são enviados à
vesícula biliar para reiniciar o ciclo.

Desse modo, o LDL é conhecido popularmente como colesterol ruim, pois sua
presença no plasma aumenta o risco de doenças cardiovasculares, enquanto o HDL
é conhecido popularmente como colesterol bom, pois contribui para diminuir os
níveis de LDL plasmático. As características das lipoproteínas estão mostradas na
tabela 3.

Tabela 3: Composição das lipoproteínas plasmáticas humanas


Moléculas Lipoproteínas
Quilomicron VLDL LDL HDL
Colesterol livre (%) 2 5-8 13 6
Colesterol 5 11-14 39 13
esterificado (%)
Fosfolipídios (%) 7 20-23 17 28
Triglicerídeos (%) 85 44-60 10 4
Proteínas (%) 2 4-11 20 50
Apoproteínas ApoA-I, ApoA-II, ApoB-100, ApoB-100 ApoA-I, ApoA-II,
ApoA-IV, ApoB- ApoC-I, ApoA-IV, ApoC-
48, ApoC-I, ApoC-II, I,
ApoC-II, ApoC- ApoC-III, ApoC-II, ApoC-
III, ApoE ApoE III,
ApoD,
ApoE

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Bioquímica Básica

Figura 10: Órgãos e vias envolvidas no transporte de lipídios da dieta. Na figura


estão mostradas a produção de lipoproteínas no intestino delgado e no fígado e a
dinâmica de captação de ácidos graxos e colesterol livres ou em lipoproteínas
remanescentes. FA (ácido graxo), TG (triglicerídeo), MG (2-monoacilglicerol). Fonte:
Devlin, manual de Bioquímica com correlações clínicas.

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Bioquímica Básica

Oxidação de ácidos graxos e obtenção de energia

Ácidos graxos captados da circulação sanguínea são primariamente usados


para a obtenção de energia. O tecido adiposo e o fígado são exceções: os ácidos
graxos em quilomícrons e VLDLs captados pelo adiposo são na maioria usados para
a síntese de triglicerídeos, assim como os ácidos graxos captados pelo fígado a
partir da endocitose de quilomícrons remanescentes (será detalhado ao longo da
unidade).

A produção de energia pelos ácidos graxos ocorre exclusivamente na


mitocôndria, onde o ácido graxo é oxidado (a oxidação do ácido graxo é referido
também como β-oxidação) e o esqueleto de carbonos destas moléculas são usadas
para a produção de vários acetilCoA e equivalentes de redução na forma de NADH
+ H+ e FADH2. O uso de ácidos graxos para obter energia depende do estado
metabólico do organismo. Por exemplo, após uma refeição rica em açúcares, o uso
de ácidos graxos para gerar energia será praticamente nulo, porém em ambos os
jejum ou exercício físicos prolongados, o uso de ácidos graxos para gerar energia é
significativamente alto.

O primeiro passo na oxidação de um ácido graxo é a sua conversão em acilCoA


(ativação do ácido graxo), em reação catalisada pela enzima acilCoA sintetase
localizada na membrana externa da mitocôndria ou no retículo endoplasmático
(figura 11). O processo envolve a conversão de ATP em AMP (adenosina
monofosfato) e PPi (pirofosfato inorgânico) ao invés de ADP e Pi. Como em seguida
uma enzima pirofosfatase inorgânica hidrolisa o PPi gerando dois fosfatos livres,
diz-se que na reação foram consumidas duas ligações fosfato de alta energia (uma
da quebra do ATP e outro da quebra do PPi), então a oxidação de um ácido graxo
começa energeticamente desfavorável, com saldo negativo de -2 ATP. Acil é um
termo usado para uma cadeia de carbonos indefinida, uma vez que o ácido graxo
pode ter tamanhos variados.

182
Bioquímica Básica

Em seguida, os ácidos graxos de cadeia longa e muito longa são transportados


para a matriz da mitocôndria pela carnitina (os de cadeia curta e média vão para a
matriz mitocondrial independente de carnitina). Esta molécula é produzida à partir
do aminoácido lisina ou obtida na dieta à partir da ingestão de carnes (figura 11).
Uma enzima na membrana externa da mitocôndria, a CPT-I (carnitina palmitoil
transferase I) transfere o acil da CoA para a carnitina, com a CoA retornando ao
citoplasma. A molécula acilcarnitina é levada para a matriz por uma proteína
translocase na membrana interna da mitocôndria. Uma enzima ligada à
translocase, a CPT-II, transfere o acil para uma CoA que já está na matriz, restaurada
o acilCoA e a carnitina volta para o espaço intermembranas para um novo ciclo
(figura 11). O malonilCoA, uma molécula produzida para a síntese de ácidos graxos
é inibidora desse processo (será detalhado ao longo da unidade). A carnitina é
usada como suplemento alimentar por muitas pessoas que desejam emagrecer. A
idéia é a aceleração da mobilização de ácidos graxos para a matriz da mitocôndria
para a geração de energia, que, de algum modo, estimularia o tecido adiposo a
quebrar mais triglicerídeos, assim diminuindo a gordura corporal. No entanto ainda
não se tem estudos conclusivos sobre o uso da carnitina como emagrecedor.

183
Bioquímica Básica

Figura 11: Estrutura e função da carnitina. A carnitina é uma transportadora de


acilas do espaço intermembrana para a matriz da mitocôndria para oxidação e
produção de energia. Em A, a estrutura molecular da carnitina. Em B, as reações
enzimáticas que usam a carnitina como a molécula transportadora de acilas.
Fontes: Devlin, manual de Bioquímica com correlações clínicas e
www.supermusculo.com, acesso em 12/11/2014.

Na matriz da mitocôndria o acilCoA sofrerá encurtamento através da remoção


sucessiva de moléculas de dois carbonos na forma de acetilCoA, sendo este
encurtamento iniciando na extremidade ácido carboxílico do ácido graxo. Para
liberar um acetilCoA, é necessário uma sequencia de 4 reações enzimáticas: na
primeira reação a enzima acilCoA desidrogenase dependente da coenzima FAD
atua nos 3 primeiros carbonos da molécula criando uma ligação dupla entre os
carbonos 2 e 3. Isso leva a formação de enoilCoA com liberação de 2 prótons e 2
elétrons e conseqüente formação de FADH2; na segunda reação a enzima enoilCoA
hidratase adiciona água à ligação dupla, criando 3-hidroxiacilCoA; na terceira
reação a enzima β-hidroxiacilCoA desidrogenase dependente de NAD+
desidrogena a 3-hidroxiacilCoA, criando a β-cetoacilCoA com formação de NADH +
H+; por último, a enzima β-cetoacilCoA tiolase promove a reação da β-cetoacilCoA
com uma coenzimaA para clivar a β-cetoacilCoA no segundo carbono, liberando
acetilCoA e um acilCoA reduzido em dois carbonos (figura 12). O ciclo recomeça
até que todo o ácido graxo seja transformado em moléculas de acetilCoA. Para o
palmitato (na forma de palmitoilCoA), com 16 carbonos, são necessários 7 ciclos
destas 4 reações enzimáticas, onde um total de 8 moléculas de acetilCoA são
produzidas.

184
Bioquímica Básica

Figura 12: Inicio da oxidação de ácidos graxos. Uma molécula de 16 carbonos,


ativada com coenzimaA (palmitoilCoA) sofre ação de 4 enzimas para a remoção de
um acetilCoA (em vermelho). Seis outras sequências destas reações liberam as
outras sete moléculas de acetilCoA. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica.

185
Bioquímica Básica

Cada ciclo de oxidação do acilCoA gera 1 NADH, 1 FADH2 (ambos para a


cadeia respiratória) e 1 acetilCoA (para ciclo de Krebs), no entanto o último ciclo
gera 2 acetilCoA (o que é liberado do acilCoA após as 4 reações enzimáticas e o que
sobra, que é outro acetilCoA). Usando novamente o palmitoilCoA como exemplo,
os 7 NADH e 7 FADH2 produzidos conferem, na cadeia respiratória um total de 28
ATP. Com os 8 acetilCoA, são realizados 8 cíclos de Krebs, com produção de 8 ATP e
liberação de 24 NADH e 8 FADH2. Estes NADH e FADH2 na cadeia respiratória
conferem um total de 72 ATP. Somando todos estes ATP tem-se um total de 108
ATP, porém, como para ativar o ácido graxo, dois equivalentes de ATP foram
utilizados, então o saldo energético obtido na oxidação completa do palmitoilCoA
em CO2 e H2O é de 106 ATP.

A oxidação de ácidos graxos pode ocorrer também em outra organela da


célula, o peroxissomo. Nesta organela os ácidos graxos não são quebrados até o
fim, mas somente até octanoilCoA (8C). Este então sai do peroxissomo com destino
a mitocôndria para o término da oxidação. Outra diferença é que, na primeira etapa
da sequencia de 4 reações enzimáticas para liberar acetilCoA, a enzima acilCoA
desidrogenase dependente de FAD é substituída por uma enzima acilCoA oxidase,
também dependente de FAD, porém os elétrons e prótons neste caso não são
entregues em uma cadeia respiratória, mas sim para o O2, criando H2O2 (água
oxigenada) que em seguida é rapidamente degradada à H2O e O2 pela enzima
catalase, presente no próprio peroxissomo. Comparando o saldo energético de um
palmitoilCoA, que foi totalmente oxidado na mitocôndria, com um palmitoilCoA
que foi encurtado até octanoilCoA no peroxissomo para depois terminar a
oxidação na mitocôndria, obtém-se 6 ATP à menos quando o peroxissomo atua na
oxidação, pois 4 FADH2 deixarão de entregar elétrons e prótons na cadeia
respiratória.

186
Bioquímica Básica

O palmitato, assim como a maioria dos ácidos graxos da dieta, contém número
par de carbonos, no entanto, alguns ácidos graxos podem apresentam número
impar de carbonos. Nesse caso, a última sequencia de 4 reações enzimáticas libera
1 acetilCoA e uma molécula de 3 carbonos, o propionilCoA ao invés de dois
acetilCoA, como descrito para o palmitoilCoA de 16 carbonos. O propionil entra no
ciclo de Krebs primeiro se convertendo em D-metilmalonilCoA pela ação da enzima
propionilCoA carboxilase dependente de ATP e da coenzima biotina, em seguida
esta molécula, por ação de duas enzimas (metilmalonilCoA epimerase e
metilmalonilCoA mutase dependente da coenzima B12) se converte em
succinilCoA (um intermediário do ciclo de Krebs) (figura 13). Deste modo, como
este último ciclo de Krebs não se iniciou com a formação de citrato a partir de
oxaloacetato e acetilCoA, as moléculas isocitrato e α-cetoglutarato também não
foram produzidas, assim, 2 NADH deixaram de ser produzidos para a cadeia
respiratória. Comparando o saldo energético de um ácido graxo de 16 carbonos
com um ácido graxo de 17 carbonos, obtém-se 6 ATP à menos com o ácido graxo
de cadeia impar (5 ATP à menos devido a não produção de 2 NADH e 1 ATP gasto
na conversão de propionilCoA à succinilCoA) em relação ao ácido graxo de cadeia
par.

Figura 13: Entrada do propionilCoA no ciclo de Krebs. Fonte:


www.datuopinion.com, acesso em 12/11/2014.

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Bioquímica Básica

Alguns ácidos graxos da dieta são insaturados, possuindo uma ou mais


ligações duplas. A oxidação destes é semelhante ao observado para os ácidos
graxos saturados até chegar à ligação dupla. Usando o ácido oleico (18:1Δ9) na
forma de oleilCoA como exemplo, 3 ciclos das 4 reações enzimáticas liberam duas
moléculas de acetilCoA e a molécula dodecanoilCoA (12C) com a ligação dupla no
carbono 3. A partir daí, nesta sequencia de 4 reações enzimáticas para liberar o
quarto acetilCoA, a enzima acilCoA desidrogenase dependente de FAD não atua e
a enzima enoilCoA isomerase atua no lugar da segunda enzima da sequência
enzimática (enoilCoA hidratase), reposicionando a dupla ligação da molécula em
uma configuração que permita a continuidade do processo enzimático com a
enoilCoA hidratase e as demais enzimas (figura 14). Á partir daí, outros 4 ciclos de
reações enzimáticas produzem os cinco acetilCoA que faltam.

188
Bioquímica Básica

Figura 14: Oxidação do oleilCoA. Enquanto a oxidação está acontecendo nas


regiões saturadas da molécula, as reações às mesmas das ocorridas nos ácidos
graxos saturados. Quando atinge a ligação dupla, é necessário a ação da enzima
enoilCoA isomerase, reposicionando a dupla ligação da molécula em uma
configuração que permita a continuidade do processo enzimático com a enoilCoA
hidratase e as demais enzimas para a liberação de acetilCoA. Fonte: Lehninger,
princípios de Bioquímica.

No caso dos ácidos graxos poliinsaturados, deve haver a combinação de duas


enzimas (enoilCoA isomerase e dienoilCoA redutase dependente de NADPH) para a
continuidade do processo. A primeira reposicionando duplas ligações e a segunda,
convertendo algumas duplas ligações em ligações simples (figura 14). È importante
observar que quando a dupla ligação estiver presente, a primeira enzima da
sequência de 4 reações (acilCoA desidrogenase dependente de FAD) não estará
presente, deste modo 1 FADH2 deixará de ser produzido para a cadeia respiratória.
Assim, a oxidação de ácidos graxos insaturados produz menos energia que a
oxidação de ácidos graxos saturados, sendo a redução no nível de ATP dependente
do número de insaturações presentes no ácido graxo.

Corpos cetônicos

Em condições normais, onde o organismo contém açúcares para oxidação, a


velocidade de oxidação de ácidos graxos é muito baixa. Quando o nível de glicose
do sangue assim como o de glicogênio hepático e muscular está baixo, a
velocidade de oxidação dos ácidos graxos no músculo e fígado aumenta. Em certas
condições como diabetes mal controlada, dieta mal elaborada ou jejum muito
longo, onde o nível de açúcar é normalmente muito baixo, ocorre aumento na
quebra de triglicerídeos no tecido adiposo (será detalhado ao longo da unidade)
com posterior mobilização de ácidos graxos para o sangue com destino aos
músculos para obtenção de energia. Da mesma forma, a velocidade de oxidação de
ácidos graxos no fígado também aumenta. Tudo isso é extremamente controlado e
coordenado de modo que enquanto ácidos graxos vão nutrindo músculos, glicerol

189
Bioquímica Básica

(oriundo da quebra dos triglicerídeos) migra do tecido adiposo para o fígado e é


usado na gliconeogênese a fim de se tentar restabelecer a glicemia. Oxaloacetato
no fígado também pode ser usado na gliconeogênese, ficando indisponível para
ciclo de Krebs e assim o excesso de acetilCoA produzido no fígado à partir da
oxidação de ácidos graxos é usado na formação de moléculas chamadas corpos
cetônicos.

Os corpos cetônicos são formados em mitocôndrias de fígado e rim e são uma


imprescindível fonte de energia para músculos e cérebro. Na ausência de açúcar, a
fonte de energia para o cérebro é basicamente corpo cetônico, uma vez que muito
pouco ácido graxo chega neste órgão devido à barreira hematoencefálica.

A síntese de corpos cetônicos ocorre na matriz da mitocôndria e se inicia com


a união de duas moléculas de acetil-CoA formando acetoacetil-CoA em reação
catalisada pela enzima β-cetotiolase. Em seguida o acetoacetilCoA é condensado
com outro acetilCoA formando hidroximetilglutarilCoA (HMG-CoA) pela ação da
enzima HMG-CoA sintase. O HMG-CoA então sofre clivagem através da enzima
HMG-CoA liase, liberando um acetilCoA e acetoacetato (corpo cetônico). Uma
fração do acetoacetato é espontaneamente descarboxilado e convertido em
acetona (corpo cetônico) que é liberada pelas vias aéreas na expiração e faz parte
da halitose característica de pessoas em jejum longo como, por exemplo,
mendigos além de ser útil no diagnóstico da diabetes. Outra fração é reduzida à β-
hidroxibutirato (corpo cetônico) em ação catalisada pela enzima β-hidroxibutirato
desidrogenase (figura 15). Até 25% do NADH produzido durante a oxidação de
ácidos graxos é usado na produção de β-hidroxibutirato.

Ambos acetoacetato e β-hidroxibutirato saem do fígado e rim para uso em


outros tecidos, principalmente cérebro que já começa a usar corpos cetônicos a
partir do segundo dia de jejum. Músculos (principalmente cardíaco) consomem
ácidos graxos e corpos cetônicos no inicio do jejum, mas à medida que o jejum
prossegue, diminuem o consumo de consumir corpos cetônicos para que estes
sejam metabolizados somente no cérebro.

190
Bioquímica Básica

O consumo se dá seguinte maneira: o β-hidroxibutirato a chegar aos tecidos é


convertido em acetoacetato pela mesma enzima que faz o passo inverso (a β-
hidroxibutirato desidrogenase). Todo acetoacetato então é convertido em
acetoacetilCoA por ação da enzima tioforase, que transfere a coenzimaA da
succinilCoA (um intermediário do ciclo de Krebs) liberando succinato. Por último a
enzima cetotiolase transfere uma coenzimaA para o acetoacetilCoA a convertendo
em 2 acetilCoA que entram no ciclo de Krebs (figura 15). A enzima tioforase não
está presente no fígado, assim, os corpos cetônicos produzidos não podem ser
usados pelo próprio órgão.

191
Bioquímica Básica

Figura 15: Formação e utilização de corpos cetônicos. Em A, a formação dos


corpos cetônicos acetona, acetoacetato e β-hidroxibutirato no fígado a partir do
excesso de acetilCoA. Em B, a utilização de acetoacetato e β-hidroxibutirato como
combustível principalmente em músculos e cérebro. Fonte: Lehninger, princípios
de Bioquímica.

A oxidação de ácidos graxos no fígado depende da concentração de


CoenzimaA livre na matriz das mitocôndrias hepáticas. Como existe uma
quantidade limitada de coenzimaA, a formação de corpos cetônicos é importante
não só como combustível energético, mas também para liberar a coenzimaA e
obrigar o fígado a continuar oxidando ácidos graxos.

O uso dos corpos cetônicos como combustível energético parece ser uma
solução para o jejum severo ou a diabetes, mas o aumento de corpos cetônicos no
sangue leva a um quadro de acidose (o corpo cetônico ao sair do fígado leva um
H+) que pode ser fatal, assim faz-se necessário o restabelecimento da glicemia, seja
pela gliconeogênese ou através da alimentação.

Síntese de ácidos graxos e de triglicerídeos

Os ácidos graxos são sintetizados em diferentes tecidos, mas principalmente


em fígado, tecido adiposo e glândulas mamárias em lactação, a partir do excesso
de acetilCoA proveniente da glicose ingerida acima da necessária para a produção
de energia e para a síntese do glicogênio. Como a maioria dos ácidos graxos
sintetizados vão para a síntese de triglicerídeos, existe uma relação direta entre
consumo excessivo de açúcar e obesidade. Os ácidos graxos podem também ser
usados para a síntese de fosfolipídios e para esterificar colesterol.

Para iniciar a síntese de ácidos graxos no citoplasma é necessário converter


um acetilCoA em malonilCoA (figura 16). Como acetilCoA formado na mitocôndria
não consegue ir para o citoplasma, primeiro o acetilCoA se une ao oxaloacetato,
formando citrato (início do ciclo de Krebs) e em seguida o citrato é transportado

192
Bioquímica Básica

para o citoplasma. Lá, uma enzima citrato liase restaura oxaloacetato e acetilCoA.
Oxaloacetato é posteriormente convertido em piruvato por ação das enzimas
malato desidrogenase e enzima málica dependente de NADP+ e assim o piruvato
entra na mitocôndria e pode restaurar o oxaloacetato por ação da enzima piruvato
carboxilase ou virar acetilCoA (mecanismo explicado anteriormente). A formação
de malonilCoA, catalisada pela enzima acetilCoA carboxilase é dependente de ATP
e HCO3-, onde CO2 é transferido para o acetilCoA para formar o malonilCoA. O
malonilCoA é um inibidor da enzima CPT-I, assim a célula que está sintetizando
ácidos graxos não está, ao mesmo tempo, transportando ácidos graxos para a
matriz da mitocôndria para oxidação.

Um complexo multienzimático contendo seis enzimas (ácido graxo sintase)


contém duas moléculas importantes: a enzima β-cetoacil-ACP sintase e a proteína
carregadora de acil (ACP) que contém uma molécula parecida com a coenzimaA (4-
fosfopanteteína). O primeiro passo é a ligação de um acetil na região sulfidrila (SH)
de um aminoácido cisteína da β-cetoacil-ACP sintase. A segunda reação liga
malonil à região SH da ACP. Em ambas as reações a coenzimaA é liberada e as
enzimas que catalisam estas ligações já estão no complexo multienzimático da
ácido graxo sintase. Em seguida acetil se une ao malonil com saída de CO2 (o
mesmo CO2 que formou o malonil à partir do acetil), criando acetoacetil. Este sofre
ação de três enzimas do complexo multienzimático onde uma reação envolve
desidratação e duas envolvem redução dependente de NADPH + H+ como doador
de elétrons, para criar o butiril (uma molécula de 4 carbonos) (figura 16). O butiril é
transferido para a região SH da β-cetoacil-ACP sintase liberando a região SH da
ACP. Em seguida acontece tudo de novo: um novo malonil é produzido, este vai
para a região SH da ACP, o butiril se liga ao malonil com saída de CO2 e após três
reações enzimáticas (as mesmas reações que converteram acetoacetil em butiril) é
produzido o hexanoil. Isso continua até que o palmitoil seja criado (figura 16).
Neste age uma enzima tioesterase (que não está no complexo multienzimático),
para liberar o palmitato da ácido graxo sintase.

193
Bioquímica Básica

194
Bioquímica Básica

Figura 16: As reações das enzimas acetilCoA carboxilase e ácido graxo sintase. Em A, a
formação do malonilCoA pela ação da enzima acetilCoA carboxilase. Em B, a sequência
enzimática na união de acetil e malonil para a formação do butiril. Nesta figura, não está
sendo mostrado o butiril sendo transferido para a região SH da β-cetoacil-ACP sintase, onde
estava inicialmente o acetil, para que a região SH da ACP fique livre para um novo malonil
poder se ligar e reiniciar o ciclo. Em C, o processo resumido na síntese do palmitato. Estão
mostrados na figura os elétrons e prótons doados por NADPH e as saídas de CO2, das
moléculas de malonil após união com as moléculas de acetil. Em amarelo, o primeiro acetil da
cadeia nascente do palmitato, em vermelho, dois carbonos do primeiro malonil e em azul os
carbonos das outras moléculas de malonil usadas na síntese do palmitato. Fonte: Lehninger,
princípios de Bioquímica.

É importante observar que para formar ácido palmítico foram necessários um


gasto de 7 ATP (para formar os 7 malonilCoA) e 14 NADPH (estes são oriundos da
reação enzimática que converte oxaloacetato em piruvato, catalisada pela enzima
málica, ou da via das pentoses-fosfato que ocorre em maior grau quando há
excesso de glicose na dieta).

195
Bioquímica Básica

O palmitato é o precursor de outros ácidos graxos. Este aumento no


comprimento do palmitato ocorre principalmente no retículo endoplasmático, mas
pode ocorrer também na mitocôndria. No retículo, as reações de alongamento do
palmitato ocorrem de maneira semelhante ao observado no ácido graxo sintase,
onde malonilCoA é a fonte de carbonos e NADPH é o redutor. Na mitocôndria a
fonte de carbonos é o acetilCoA e os redutores são tanto o NADH quanto o NADPH.
Apesar de palmitato ser basicamente convertido em estearato nos tecidos (18:0),
ácidos graxos maiores (20 à 24 carbonos) podem ser criados nos neurônios
principalmente para a formação da bainha de mielina. Glândula mamária produz
ácidos graxos menores que palmitato (8 à 10 carbonos) pelo fato de conter
enzimas tioesterases que separam o ácido graxo em crescimento da ácido graxo
sintase, antes de chegar a palmitato.

Palmitato e estearato podem ser usados na formação de ácidos graxos


insaturados, gerando respectivamente palmitoleato (16:1Δ9) e oleato (18:1Δ9). Uma
enzima desaturase no retículo endoplasmático cria a ligação dupla. Isto é
importante para a fluidez de triglicerídeos e de fosfolipídios, além de serem usados
na produção de ésteres de colesterol no fígado. Como os humanos e todos os
mamíferos só criam ligação dupla no carbono 9 dos ácidos graxos saturados, os
ácidos graxos poliinsaturados não podem ser produzidos, sendo chamados de
ácidos graxos essenciais. Os ácidos graxos α-linolenato (18:1Δ9,12,15) e o linoleato
(18:1Δ9,12) são muito importantes na dieta e à partir deles são criados vários outros
ácidos poliinsaturados, através de etapas de alongamento e desaturação no
retículo endoplasmático (figura 17). Dentre eles, o ácido araquidônico (20:4Δ5,8,11,14)
é o usado na formação dos eicosanóides (descrito anteriormente) e os ácidos
graxos eicosapentaenóico (20:5Δ5,8,11,14,17) e docosahexaenóico (22:6Δ4,7,10,13,16,19),
conhecidos respectivamente como EPA e DHA apresentam funções no organismo
semelhantes às descritas para o α-linolenato, sendo que EPA e DHA são mais
eficientes. Os benefícios destes ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 na dieta incluem
diminuição de triglicerídeos e colesterol plasmáticos, melhora do sistema imune e
prevenção de alguns tipos de câncer. Somando-se a isso, nas gestantes e lactantes,
a dieta contendo grandes concentrações de ômega-3 e ômega-6 favorece o
desenvolvimento do cérebro e da retina do feto e do recém-nascido nos primeiros

196
Bioquímica Básica

meses de vida. Muitos suplementos alimentares contêm o ômega-3 ácido α-


linolênico, mas somente alguns contêm EPA e/ou DHA. Os suplementos contendo
estes dois últimos oferecem resultados mais rápidos na redução de triglicerídeos e
colesterol além de outros benefícios quando comparado com suplementos
contendo somente ácido α-linolênico.

Figura 17: Metabolismo dos ácidos graxos α-linolenato (18:1Δ9,12,15) e o ácido


linoleato (18:1Δ9,12). Estes ácidos graxos são obtidos na dieta e usados na
produção de outros ácidos graxos poliinsaturados. n-3 e n-6 significam
respectivamente ômega-3 e ômega-6. Fontes: www.revista.hupe.uerj.br, acesso em
12/11/2014.

197
Bioquímica Básica

Os triglicerídeos são produzidos no citoplasma das células do tecido adiposo e


fígado. Ácidos graxos para a síntese dos triglicerídeos nestes órgãos podem vir de
quilomícrons ou da síntese de ácidos graxos à partir do excesso de acetilCoA como
explicado anteriormente. Glicerol para a síntese de triglicerídeos nestes órgãos
pode vir de quilomícrons, da glicólise ou da gliceroneogênese. VLDLs também
fornecem ácidos graxos e glicerol para tecido adiposo. Em ambos os casos o
glicerol precisa ser convertido em glicerol 3-fosfato para dar início à síntese do
triglicerídeo. No fígado e no tecido adiposo, existe uma enzima glicerol quinase
que converte o glicerol em glicerol 3-fosfato com gasto de 1 ATP. Na
gliceroneogênese, o malato (um intermediário do ciclo de Krebs) deixa a matriz da
mitocôndria e é convertido no citoplasma em oxaloacetato por ação da enzima
malato desidrogenase dependente de NAD+. A enzima fosfoenolpiruvato
carboxiquinase converte o oxaloacetato em fosfoenolpiruvato. Esta molécula, em
um reverso da via glicolítica, e usando as mesmas enzimas da via, é convertida em
dihidroxiacetona fosfato e posteriormente convertido em glicerol 3-fosfato por
ação da enzima glicerol 3-fosfato desidrogenase para então ser usado na síntese do
triglicerídeo. A dihidroxiacetona fosfato proveniente da glicólise também pode,
por ação da mesma enzima ser convertida em glicerol 3-fosfato.
Com o glicerol 3-fosfato criado no citoplasma da célula, o próximo passo é
encaixar 3 ácidos graxos na molécula. Estes ácidos graxos precisam estar ativados
com coenzimaA (explicado anteriormente), para a montagem dos triglicerídeos,
assim 6 ligações fosfatos de alta energia (2 para cada ácido graxo ativado) são
consumidos. Inicialmente, uma enzima aciltransferase transfere sequencialmente 2
acilCoA para os carbonos 1 e 2 do glicerol 3-fosfato, criando o ácido fosfatídico.
CoenzimaA é liberada após cada ligação do ácido graxo no glicerol 3-fosfato. Em
seguida, por ação da enzima fosfatase, o glicerol 3-fosfato tem o seu fosfato do
carbono 3 removido (criando o diacilglicerol ou diglicerídeo) e em seguida a
enzima aciltransferase transfere um terceiro acil para o termino da montagem do
triglicerídeo (figura 18). Como as aciltransferases são específicas para cada ácido
graxo, no carbono 1 do glicerol costumam ser colocados ácidos graxos saturados e
nos carbonos 2 e 3, ácidos graxos insaturados. No tecido adiposo este triglicerídeo
será armazenado para uso futuro. No fígado este triglicerídeo será empacotado em
VLDL (explicado anteriormente).

198
Bioquímica Básica

Figura 18: Síntese de triglicerídeos. Os triglicerídeos são formados à partir de


glicerol 3-fosfato e três acilCoA. Fonte: Devlin, manual de Bioquímica com
correlações clínicas.

199
Bioquímica Básica

Degradação de triglicerídeos

A fonte de triglicerídeos é o tecido adiposo. A degradação de triglicerídeos é


mediada por lípases que vão liberando sequencialmente os três ácidos graxos de
cada triglicerídeo (figura 19). Estes ácidos graxos vão então para o sangue, se ligam
à proteína albumina (pois precisam ser transportados na forma de lipoproteínas) e
são transportados principalmente para músculos e córtex renal para serem usados
na produção de energia. O glicerol resultante da quebra do triglicerídeo pode, no
próprio adiposo, ser fosforilado a glicerol 3-fosfato pela enzima glicerol quinase.
Em seguida, por ação das enzimas glicerol 3-fosfato desidrogenase dependente de
NAD+ e triose fosfato isomerase, o glicerol 3-fosfato se converte em gliceraldeído
3-fosfato com produção de NADH + H+. O gliceraldeído entra na via glicolítica para
produção de energia. Como explicado anteriormente, o glicerol pode também ir
para o sangue com destino ao fígado para ser usado na gliconeogênese.

Figura 19: Hidrólise de triglicerídeos. Lípases removem sequencialmente os


ácidos graxos dos triglicerídeos os separando do glicerol. Fonte: www.scielo.br,
acesso em 12/11/2014.

200
Bioquímica Básica

Síntese de lipídios de membrana

Os lipídios de membrana são os fosfolipídios (glicerofosfolipídios e


esfingolipídios) e esteróis. Os glicerofosfolipídios sintetizados são a
fosfatidiletanolamina, a fosfatidilcolina, a fosfatidilserina, o fosfatidilinositol, o
fosfatidilglicerol e a cardiolipina. Os esfingolipídios sintetizados são a
esfingomielina, os cerebrosídeos, os globosídeos e os gangliosídeos. Com exceção
de hemácias maduras, todas as células humanas sintetizam fosfolipídios e esteróis,
inclusive todos os seres vivos do planeta. Já a síntese de esteróis ocorre somente
nos eucariontes.

A síntese de glicerofosfolipídios ocorre nas membranas do retículo


endoplasmático e depende da produção inicial de ácido fosfatídico e em seguida
do diacilglicerol (figura 18). Este, além de ser usado na síntese de triglicerídeos
(explicado anteriormente), também pode ser usado na síntese de fosfolipídios.

Fosfatidilcolina é formada a partir de colina (uma vitamina) que é fosforilada à


fosfocolina por ação da enzima colina quinase e ativada com CDP (citidina
difosfato), por ação da enzima fosfocolina citidiltransferase (ou CTP-colina citidil
transferase), formando CDP-fosfocolina. A colina assim é transferida para o
diacilglicerol, por ação da colina fosfotransferase, formando a fosfatidilcolina
(figura 20). A fosfatidiletanolamina é formada similarmente: é fosforilada e ativada
com CDP, formando CDP-etanolamina que é transferida à diacilglicerol formando
fosfatidiletanolamina. As enzimas possuem nomes similares (etanolamina quinase,
fosfoetanolamina citidiltransferase e etanolamina fosfotransferase). A própria
fosfatidiletanolamina pode ser, no fígado, convertida em fosfatidilcolina através de
3 metilações seqüenciais catalisada pela enzima fosfatidiletanolamina-N-
metiltransferase (figura 20).

201
Bioquímica Básica

Figura 20: Estruturas da fosfatidiletanolamina e fosfatidilcolina e via de


produção da fosfatidilcolina. Em A, a estrutura molecular da fosfatidiletanolamina e
em B a via de produção da fosfatidilcolina, que inclusive, pode ser produzida
diretamente pela fosfatidiletanolamina. A via de produção da fosfatidiletanolamina
não está mostrada pelo fato de ser idêntica a da fosfatidilcolina. Fonte: Lehninger,
princípios de Bioquímica.

202
Bioquímica Básica

O fosfatidilinositol segue uma via um pouco diferente da formação da


fosfatidiletanolamina e fosfatidilcolina: neste caso não é o inositol (uma vitamina)
que é fosforilado e ativado com CDP, mas sim o próprio diacilglicerol, que em
seguida recebe o inositol por ação da fosfatidilinositol sintase, formando o
fosfatidilinositol (figura 21). Fosfatidilinositol quinases específicas convertem
fosfatidilinositol em seus derivados fosforilados como o fosfatidilinositol 4,5-
bifosfato (figura 6). Fosfatidilglicerol e cardiolipina seguem via semelhante: o
diacilglicerol ativado com CDP recebe glicerol 3-fosfato por ação da enzima
fosfatidilglicerol 3-fosfato sintase e se converte em diacilglicerol 3-fosfato. Uma
fosfatase remove o fosfato para finalizar o fosfatidilglicerol. Uma enzima
cardiolipina sintase pode promover a condensação de um fosfatidilglicerol com
CDP-diacilglicerol para formar a cardiolipina (figura 21).

Figura 21: As reações na produção de fosfatidilinositol, fosfatidilglicerol e


cardiolipina. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica.

203
Bioquímica Básica

A fosfatidilserina é produzida por substituição da etanolamina na


fosfatidiletanolamina pelo aminoácido serina. É importante lembrar que ambos
etanolamina, colina, serina, inositol e glicerol são inseridos na posição 3 do
diacilglicerol pois as outras duas posições já estão ocupadas com ácidos graxos.

A síntese de esfingolipídios ocorre também no retículo endoplasmático, com


abundância em neurônios e hemácias jovens e depende da formação inicial da
ceramida, derivada da esfingosina, um aminoálcool de cadeia longa (figura 7). A
ceramida é produzida pela união de palmitoilCoA com serina formando β-
cetoesfinganina por ação da enzima β-cetoesfinganina sintase. Redução da β-
cetoesfinganina com NADPH resulta em esfinganina, um aminoálcool de 18
carbonos. A esfinganina recebe um acil proveniente de um acilCoA e sofre
oxidação dependente de FAD, formando FADH2 e ceramida (figura 22).

A esfingomielina, um importante componente da bainha de mielina é


formado quando ceramida reage com a fosfatidilcolina ou com CDP-colina. Se a
ceramida reagir com UDP-glicose ou UDP-galactose, os esfingolipídios formados
são o glicocerebrosídio (ou glicosilcerebrosídeo) e o galactocerebrosídio
respectivamente (figura 22).

204
Bioquímica Básica

Figura 22: As reações na produção de alguns esfingolipídios. Fonte: Lehninger,


princípios de Bioquímica.

205
Bioquímica Básica

Globosídeos são cerebrosídeos contendo dois ou mais monossacarídeos,


geralmente galactose, glicose e/ou N-acetilglicosamina. Lactosilceramida na
membrana das hemácias contém o dissacarídeo lactose. Outros globosídeos nas
hemácias contendo oligossacarídeos maiores (5 a 6 monossacarídeos) determinam
os grupos sanguíneos humanos. Gangliosídeos são esfingolipídios contendo
oligossacarídeos e ácido siálico, muito comum em células ganglionares do sistema
nervoso central, em particular nas terminações nervosas.

Colesterol, o esterol das células animais é produzido por praticamente todas as


células humanas, com exceção das hemácias, mas a sua produção é muito maior
no fígado, intestino e tecidos reprodutores como ovários, testículos e placenta.
Para produzir colesterol, é necessário acetilCoA. Este pode vir do piruvato, da
oxidação de ácidos graxos, da oxidação de alguns aminoácidos (será detalhado na
próxima unidade) ou a partir de acetato. Assim como na via que produz corpos
cetônicos, são necessárias duas moléculas de acetilCoA se condensando para criar
o acetoacetilCoA e uma terceira acetilCoA para formar HMG-CoA. Se HMG-CoA
sofrer ação da enzima HMG-CoA liase, a via segue para corpos cetônicos (explicado
anteriormente). Mas se HMG-CoA sofrer ação da enzima HMG-CoA redutase
dependente de NADPH, forma-se mevalonato e a via segue para a síntese de
colesterol. Como a síntese de corpos cetônicos ocorre na mitocôndria e a síntese
de colesterol ocorre no retículo endoplasmático, estas duas enzimas (HMG-CoA
liase e HMG-CoA redutase) estão em compartimentos diferentes, havendo então
enzimas similares para a produção de HMG-CoA tanto na mitocôndria quanto no
retículo endoplasmático.

Em uma série de reações enzimáticas, o mevalonato é convertido em farnesil-


pirofosfato. Duas moléculas de farnesil-pirofosfato são condensadas, em reação
catalisada pela enzima farnesil-transferase (ou esqualeno sintase) dependente de
NADPH formando esqualeno e finalmente a ciclização do esqualeno produz o
colesterol: a enzima esqualeno monooxigenase acrescenta um O2 na extremidade
do esqualeno formando o epóxido e outra enzima (esqualeno-epóxido lanosterol
sintase) produz o lanosterol. Transformação de lanosterol em colesterol envolve
cerca de 20 etapas enzimáticas, onde várias envolvem reduções dependentes de
NADPH. A via de síntese de colesterol está resumida na figura 23.

206
Bioquímica Básica

Figura 23: Resumo das etapas da síntese de colesterol. Fonte: www.painel-


colesterol.blogspot.com, acesso em 12/11/2014.

O colesterol pode ser esterificado para armazenamento no fígado (geralmente


é esterificado com ácidos graxos insaturados) ou para transporte em VLDLs, pode
ser convertido em sais biliares, vitamina D e hormônios esteróides.

207
Bioquímica Básica

Leitura complementar

DEVLIN, T. Manual de bioquímica com correlações clínicas. Edgard


Blucher, 2007.

HARPER, H. A. Bioquímica. Atheneu, 2002.

LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. Worth publishers, 2006.

STRYER, L. Bioquímica. Guanabara Koogan, 2004.

VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Artmed, 2002.

É HORA DE SE AVALIAR!

Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão


ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de
ensino-aprendizagem.

208
Bioquímica Básica

Exercícios – Unidade 4

1. Os lipídios são:

a) Os compostos energéticos consumidos preferencialmente pelo organismo

b) Mais abundantes na composição química dos vegetais do que na dos


animais

c) Substâncias insolúveis na água, mas solúveis nos chamados solventes


orgânicos (álcool, éter, benzeno)

d) Presentes como fosfolipídios no interior da célula, mas nunca na estrutura da


membrana plasmática

e) Moléculas bem diferentes de hidrocarbonetos

2. O excesso de corpos cetônicos em presença de baixa glicose sanguínea é


comum, principalmente em hipoglicemia induzida por jejum. Além disso, os corpos
cetônicos:

a) São formados pelo excesso de propionilCoA obtido dos ácidos graxos de


cadeia impar

b) São sintetizados no tecido muscular

c) São escassos em pessoas diabéticas

d) São sintetizados quando a degradação de ácidos graxos é interrompida

e) São sintetizados no fígado e enviados para o cérebro para servir de alimento,


substituindo temporariamente a glicose

209
Bioquímica Básica

3. Um rapaz jovem chega a um consultório para uma indicação dietética com o


seguinte histórico médico: cansaço intenso, dificuldade em realizar exercícios,
ganho de peso contínuo e uma biopsia revelando um elevado depósito de
triglicerídeos nas células musculares. O diagnóstico é que ele apresenta uma
diminuição exagerada na quantidade de carnitina intramuscular. Sendo assim, este
paciente apresenta:

a) Dificuldade de sintetizar e degradar glicogênio muscular

b) Excesso de creatina nas células musculares

c) Excesso de corpos cetônicos nas células musculares

d) Dificuldade de produzir glicose pela gliconeogênese

e) Dificuldade de transporte de ácidos graxos de cadeia longa para dentro da


mitocôndria das células musculares

4. Um laboratório de Bioquímica recebeu uma amostra de ácido graxo, no


entanto identificado como (18:4 Δ3,9,12,15). Apesar de não estar nomeado, pela
informação no parênteses, podemos dizer que este ácido graxo é:

a) Monoinsaturado e ômega-3

b) Monoinsaturado e ômega-6

c) Poliinsaturado e ômega-3

d) Poliinsaturado e ômega-6

e) Poliinsaturado e ômega-9

210
Bioquímica Básica

5. Um dos mecanismos abaixo NÃO contribui para a redução dos níveis de


colesterol no sangue.

a) Dieta com altos níveis de ácidos graxos insaturados

b) Dieta com altos níveis de ácidos graxos saturados

c) Dieta com altos níveis de fibras

d) Dieta com altos níveis de fitoesteróis

e) Drogas da família das vastatinas

6. A revista Veja - edição 1858 - ano 37 - nº 24, de 16 de junho de 2004, em sua


matéria de capa, destaca: "Um santo remédio? Eficazes para baixar o colesterol, as
estatinas já são as drogas mais vendidas no mundo". No conteúdo da matéria, as
articulistas Anna Paula Buchalla e Paula Neiva discorrem sobre os efeitos desta
nova droga no combate seguro aos altos níveis de colesterol. Sobre o colesterol,
analise as proposições abaixo:

I. O colesterol é um dos mais importantes esteróis animais, produzido pelo


fígado ou obtido na dieta.

II. O colesterol participa da composição química da membrana das células


animais, além de atuar como precursor de hormônios, como a testosterona e a
progesterona.

III. Quando atinge baixos níveis no sangue, o colesterol contribui para a


formação de placas de ateroma nas artérias, provocando-lhes um
estreitamento.

IV. Há dois tipos de colesterol: O LDL e o HDL. O primeiro é o "colesterol bom",


que remove o excesso de gordura da circulação sangüínea.

211
Bioquímica Básica

Assinale a alternativa correta:

a) Apenas as proposições I e III são corretas

b) Apenas as proposições II e IV são corretas

c) Apenas as proposições I e II são corretas

d) Apenas as proposições I, III e IV são corretas.

e) Todas as proposições são corretas

7. Defende-se que a inclusão da carne bovina na dieta é importante por ser


uma excelente fonte de proteínas. Por outro lado, pesquisas apontam efeitos
prejudiciais que a carne bovina traz à saúde, como o risco de doenças
cardiovasculares. Devido aos teores de colesterol e de gordura, há quem decida
substituí-la por outros tipos de carne, como a de frango e a suína. O quadro abaixo
apresenta a quantidade de colesterol em diversos tipos de carne crua e cozida.

Alimento Colesterol (mg/100g)


cru cozido
Carne de frango (branca) sem pele 58 75
Carne de frango (escura) sem pele 80 124
Pele de frango 104 139
Carne suína (bisteca) 49 97
Carne suína (toucinho) 54 56
Carne bovina (contrafilé)) 51 66
Carne bovina (músculo) 52 67
Revista PRO TESTE, N.º54, dez./2006 (com adaptações)

212
Bioquímica Básica

Com base nessas informações, avalie as afirmativas a seguir.

I. O risco de ocorrerem doenças cardiovasculares por ingestões habituais da


mesma quantidade de carne é menor se esta for carne branca de frango do que se
for toucinho.

II. Uma porção de contrafilé cru possui, aproximadamente, 50% de sua massa
constituída de colesterol.

III. A retirada da pele de uma porção cozida de carne escura de frango altera a
quantidade de colesterol a ser ingerida.

IV. A bisteca é a carne mais alterada percentualmente no teor de colesterol


após o cozimento. É correto apenas o que se afirma em:

a) I e II

b) I e III

c) II e III

d) II e IV

e) III e IV

8. O ácido oleico (18C) é um dos ácidos graxos mais abundantes da dieta,


sendo consumido principalmente á partir de óleos e azeites. O saldo energético
total obtido à partir da oxidação deste ácido graxo é:

a) 106 ATP

b) 120 ATP

c) 134 ATP

d) 150 ATP

e) 166 ATP

213
Bioquímica Básica

9. A tabela abaixo expressa a composição em ácidos graxos de dois tipos de


triglicerídeos alimentares.

Percentagem de ácidos graxos


Triglicerídeo Saturados Monoinsaturados Polinsaturados
A 60 36 4
B 14 24 62
Faça uma previsão do estado físico de cada tipo de triglicerídeo à temperatura
ambiente, de acordo com a composição de seus ácidos graxos, justificando sua
escolha.

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

10. Pode-se afirmar que a utilização dos ácidos graxos como combustíveis gera
equivalentes de redução para a cadeia respiratória em dois momentos metabólicos
distintos. Que momentos são estes?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

214
Bioquímica Básica

5 Metabolismo de proteínas

215
Bioquímica Básica

Nesta unidade vamos entender acerca do metabolismo das proteínas, a


utilização dos aminoácidos na produção de energia e a excreção de compostos
nitrogenados.

Objetivos da Unidade

Mostrar a importância da fixação do nitrogênio pelas bactérias e sua


assimilação pelas plantas;

Identificar os processos de digestão das proteínas da dieta;

Mostrar a absorção dos aminoácidos;

Caracterizar a liberação da amônia na forma de ureia;

Entender o catabolismo dos aminoácidos.

Plano da Unidade

Fixação do nitrogênio.

Digestão de proteínas e absorção de aminoácidos.

Catabolismo de aminoácidos.

Ciclo da ureia.

Catabolismo de aminoácidos individuais

Bons estudos!

216
Bioquímica Básica

Fixação do nitrogênio

Já foi explicado em outra unidade que as proteínas são as macromoléculas


com o maior número de funções celulares. As proteínas contêm um elemento
essencial para os seres vivos: o nitrogênio. Além das proteínas, encontramos
nitrogênio em alguns lipídios de membrana, em nucleotídeos no DNA e no RNA
etc., por isso a aquisição do nitrogênio é muito importante. Na respiração, os seres
animais conseguem inspirar nitrogênio atmosférico (N2), mas todo o nitrogênio
inspirado é em seguida expirado. Desse modo, os seres animais obtêm o
nitrogênio diretamente na dieta. Já as plantas conseguem sintetizar compostos
nitrogenados, como aminoácidos e bases nitrogenadas a partir de nitratos (NO3-).
Mas para que isto aconteça, é necessária a participação prévia de bactérias
responsáveis pelo ciclo do nitrogênio.

O ciclo do nitrogênio se inicia com a fixação biológica do nitrogênio através da


amonificação, ou seja, a conversão de N2 em amônia (NH4+). Esta etapa é realizada
por bactérias do solo ou em simbiose com raízes de leguminosas, chamadas de
bactérias fixadoras de nitrogênio, incluindo espécies de cianobactérias, bactérias
verdes e púrpuras, Azotobacter, Clostridium, Rhizobium e outras. A reação, que
envolve um complexo enzimático chamado nitrogenase, utiliza a energia do ATP e
processo redutor para converter um N2 em duas aminas (NH3). Em seguida, no solo,
as aminas se combinam com água, formam o hidróxido de amônio (NH4OH) para
depois liberar a amônia e hidroxila. A amina, em condições fisiológicas, também
pode simplesmente captar um H+ e se converte em NH4+.

Bactérias nitrificantes, incluindo as do gênero Nitrosomonas, Nitrosococcus e


Nitrobacter, pelo processo de nitrificação, convertem as NH4+ em nitritos (NO2-) e
em seguida em NO3-, onde em ambos os processos ocorre liberação de energia.
Esta energia é utilizada por estas bactérias para a produção de glicose e O2, através
de CO2 e H2O (quimiossíntese) uma vez que estas bactérias são autotróficas. As
reações químicas se encontram abaixo:

217
Bioquímica Básica

Amonificação:

(passo 1) N2 + 8 H+ + 8 e- + 16 ATP + 16 H2O 2 NH3 + H2 + 16


ADP

(passo 2) NH3 + H2O NH4OH + NH4+ + OH-

Nitrificação:

(passo 1): 2 NH4+ + 3 O2 2 NO2- + 2 H2O + 4H+ +


energia

(passo 2): 2 NO2- + O2 2 NO3- + energia

Quimiossíntese

6 CO2 + 12 H2O C6H12O6 + 6 H2O + 6 O2

Os nitratos formados pelo processo de nitrificação são absorvidos pelas


plantas e transformados em compostos carbonados para produzir aminoácidos e
outros compostos de nitrogênio, como bases nitrogenadas. Através dos
aminoácidos as plantas produzem as proteínas e através das bases nitrogenadas,
os nucleotídeos para a produção do DNA e do RNA. Os seres animais então
conseguem o nitrogênio consumindo vegetais ou outros animais que obviamente
comem vegetais.

A desnitrificação é o processo pelo qual o nitrogênio volta à atmosfera. Este


processo ocorre através das bactérias desnitrificantes, incluindo espécies de
Pseudomonas, Bacillus, Paracoccus e Clostridium, que, em ambiente anaeróbico,
convertem uma parte do NO3- produzida em N2. A desnitrificação é necessária
porque, se não ocorresse, a concentração de nitratos no solo aumentaria de
maneira desastrosa. O nitrogênio pode ser também devolvido para a atmosfera
através da decomposição da matéria orgânica morta, seja vegetal ou animal,
através de algumas bactérias e também fungos decompositores. O resumo do ciclo
do nitrogênio está representado na figura 1.

218
Bioquímica Básica

Figura 1: O ciclo do nitrogênio. A fixação do nitrogênio pode ser física,


provocada por relâmpagos, química, através da atividade vulcânica ou de
processos industriais na produção de fertilizantes e biológica, realizada por
bactérias no solo ou em raízes de leguminosas. Fonte:
<www.profwladimir.blogspot.com>. Acesso em: 19 de novembro de 2014.

Digestão de proteínas e absorção de aminoácidos

As proteínas são quebradas por enzimas presentes no estômago e intestino


delgado. Quando proteínas da dieta chegam ao estômago, células da mucosa
estomacal secretam o hormônio gastrina, que por sua vez estimula a produção de
ácido clorídrico (HCl) e o pepsinogênio (a forma inativa da enzima pepsina) por
outras células estomacais. O HCl é um desnaturante, desestruturando as proteínas.
O pepsinogênio, por ação autocatalítica, se converte em pepsina e inicia a hidrólise
das proteínas nas ligações peptídicas do lado amino dos aminoácidos tirosina,
triptofano e fenilalanina. Como a pepsina reconhece somente estes três
aminoácidos, as proteínas são quebradas em peptídios que vão em seguida para o
intestino delgado.

219
Bioquímica Básica

No intestino delgado, existe uma enzima aminopeptidase que reconhece


ligações peptídicas no lado amino destes peptídios. No entanto, como a
aminopeptidase não é suficiente para converter os peptídios em aminoácidos
livres, esses peptídios, assim que chegam ao intestino delgado, estimulam algumas
células intestinais a liberar o hormônio colecistoquinina, que estimula o pâncreas a
liberar várias enzimas digestivas para o intestino (existe uma conexão intestino-
pâncreas chamada duto pancreático). As enzimas são liberadas do pâncreas na
forma inativa (quimiotripsinogênio, tripsinogênio, pró-carboxipeptidase A, pró-
carboxipeptidase B e pró-elastase) que, no intestino delgado se convertem na
forma ativa (quimiotripsina, tripsina, carboxipeptidase A, carboxipeptidase B e
elastase). Assim como a pepsina, cada uma destas enzimas reconhece ligações
peptídicas de aminoácidos específicos, seja no lado amino seja no lado carbonila
dos aminoácidos, assim os peptídios resultantes da quebra parcial das proteínas no
estômago são finalmente convertidos em aminoácidos livres.

Assim como foi descrito para a absorção dos monossacarídeos, os


aminoácidos também são levados do lúmen para o epitélio intestinal acoplado a
sódio e em seguida liberados para o sangue por proteínas transportadoras de
aminoácidos. Para cada aminoácido existe um transportador específico tanto na
superfície do epitélio intestinal voltada para o lúmen quanto na superfície voltada
para o sangue.

Como descrito em outra unidade, os aminoácidos podem também ser


classificados como naturais (não essenciais) e essenciais, onde os naturais são os
aminoácidos produzidos pelo organismo e os essenciais não são produzidos pelo
organismo, portanto precisam ser adquiridos na alimentação. A partir do NO3 os
vegetais produzem todos os 20 tipos de aminoácidos que formam as proteínas. Os
humanos produzem somente 11 (alanina, arginina, asparagina, aspartato, cisteina,
glicina, glutamato, glutamina, prolina, serina e tirosina) do total de 20 aminoácidos.
Assim, muitos dos aminoácidos obtidos da dieta já são naturalmente produzidos
no corpo humano. Esta unidade não tem como objetivo apresentar as rotas
enzimáticas para a biossíntese de aminoácidos nos animais, a não ser em algumas
vias metabólicas onde, durante o catabolismo, um aminoácido pode ser convertido
em outro.

220
Bioquímica Básica

Catabolismo de aminoácidos

Os aminoácidos na corrente sanguínea chegam a todos os tecidos,


principalmente músculos e fígado. Nestes órgãos a principal utilização dos
aminoácidos é para a síntese de proteínas, uma vez que as células dependem da
produção de diferentes tipos de proteínas (estruturais, transportadoras,
imunológicas, contráteis, enzimas, hormônios etc.). No entanto, se a ingestão de
aminoácidos for superior às necessidades do organismo, o excesso de aminoácidos
é oxidado para a produção de energia (catabolismo de aminoácidos). Na
degradação normal das proteínas, alguns aminoácidos liberados podem também
sofrer oxidação, assim como em diversas situações, incluindo exercício físico
intenso, jejum prolongado e no diabetes, no qual oxidação de aminoácidos
normalmente ocorre. No jejum e no diabetes, como o nível de açúcar está baixo,
gliconeogênese e produção de corpos cetônicos no fígado acabam ocorrendo em
paralelo ao uso dos aminoácidos como combustível energético.
Quando os aminoácidos chegam às células hepáticas, uma maior parte é então
utilizada na síntese de proteínas. Outra fração de aminoácidos sofre remoção de
grupos amino (desaminação) gerando os chamados α-cetoácidos que podem
sofrer oxidação na mitocôndria para a produção de energia. Esta reação, catalisada
por enzimas aminotransferases (ou transaminases) transfere o grupamento amino
do aminoácido para uma molécula, o α-cetoglutarato (um cetoácido e um
intermediário do ciclo de Krebs), gerando glutamato e o α-cetoácido
correspondente ao aminoácido que perdeu a amina (figura 2).

As aminotransferases são específicas para cada aminoácido, ou seja, existe


uma alanina aminotransferase que transfere a amina da alanina para o α-
cetoglutarato, uma tirosina aminotransferase que transfere a amina da tirosina para
o α-cetoglutarato etc. Além disso, as aminotransferases possuem uma coenzima, o
piridoxal fosfato (PLP), produzido a partir da vitamina piridoxina (B6), que atua
ligada no sítio ativo, doando a amina do aminoácido para o α-cetoácido. A
formação de um aminoácido a partir de um α-cetoácido em detrimento de outro α-
cetoácido se tornar um aminoácido pode ser também chamado de transaminação.

221
Bioquímica Básica

A transaminação é a reação mais comum envolvendo aminoácidos, mas


poucos aminoácidos, como serina, treonina e lisina não participam de reações de
aminotransferases. Além disso, a arginina, glutamina e asparagina participam
indiretamente em processos de transaminação, quando liberam suas aminas e se
convertem respectivamente em ornitina, glutamato e aspartato, estes que então
podem participar em processos de transaminação.

Figura 2: Metabolismo dos grupos amino. Os grupamentos amino dos


aminoácidos são transferidos, por ação das aminotransferases, para o α-
cetoglutarato formando glutamato. O aminoácido que perde o amino se
transforma no α-cetoácido correspondente. Fonte: Lehninger, princípios de
Bioquímica.

222
Bioquímica Básica

Esta reação, que ocorre no citoplasma das células, tem o objetivo de coletar os
grupamentos amino dos diferentes aminoácidos para formar o glutamato. O
glutamato migra para o interior da mitocôndria, onde é novamente convertido em
α-cetoglutarato (seu α-cetoácido) por ação da enzima glutamato desidrogenase
dependente de NAD+ ou NADP+, liberando amônia (figura 3). O α-cetoglutarato
pode entrar no ciclo de Krebs ou ser usado na gliconeogênese. A amônia é
convertida em ureia parta ser excretada pelo rim na urina (será detalhada ao longo
desta unidade).

O glutamato, ao se tornar α-cetoglutarato pode também entregar sua amina


para o oxaloacetato, onde este se transforma em aspartato. Neste caso, uma
aminotransferase, ao invés da glutamato desidrogenase é requerida e isto é
importante pelo fato do aspartato ser essencial no ciclo da ureia, uma vez que o
aspartato da dieta não consegue entrar na mitocôndria para ser usado na
produção da ureia.

Figura 3: A reação catalisada pela enzima glutamato desidrogenase. Fonte:


LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

223
Bioquímica Básica

Quando os aminoácidos chegam às células dos tecidos extra-hepáticos, o


objetivo é o mesmo do observado no fígado, onde a maioria dos aminoácidos é
usada na síntese de proteínas e uma pequena fração sofre remoção de grupos
amino, por aminotransferases, gerando α-cetoácidos para oxidação na
mitocôndria. O aceptor dos grupamentos amino é também o α-cetoglutarato
formando glutamato. Como somente o fígado usa as aminas na produção de ureia,
as aminas removidas dos aminoácidos e entregues ao α-cetoglutarato precisam
chegar ao fígado. Assim, o glutamato é convertido em glutamina por ação da
enzima glutamina sintetase dependente de ATP, que, em dois passos, produz um
intermediário fosforilado (γ-glutamilfosfato) e depois combina uma amônia a este
intermediário, formando a glutamina (figura 4). Esta amônia pode vir de vários
processos, como por exemplo, degradação de nucleotídeos. A glutamina vai para o
sangue com destino as mitocôndrias das células hepáticas e lá, por ação da enzima
glutaminase, volta a ser glutamato, liberando amônia para a síntese de ureia (figura
4).

O rim também tem na mitocôndria das suas células uma glutaminase. Esta
atua nas glutaminas que, do sangue, entram nas células renais, gerando glutamato
e amônia. Isto explica a excreção de amônia pelo rim juntamente com a ureia na
urina, estando o aumento de amônia na urina diretamente relacionado com o
excesso de glutamina na dieta. Em situações de acidose sanguínea, a glutamina
liberada de tecidos extra-hepáticos vai mais para o rim do que para o fígado. Isto
ocorre porque a formação de ureia usando a amônia liberada da glutamina requer
bicarbonato (será detalhada ao longo da unidade), assim o bicarbonato, ao invés
de ser usado na síntese de ureia, é usado para corrigir o pH sanguíneo. Em
compensação, este desvio de rota aumenta o nível de amônia na urina, uma vez
que o rim não consegue produzir ureia com estas amônias. Apesar da pequena
excreção de amônia, os mamíferos, incluindo os seres humanos são considerados
ureotélicos (cuja produção e excreta nitrogenada são a ureia). Outros animais como
a maioria dos peixes e anfíbios jovens são amoniotélicos (cuja excreta nitrogenada
é a amônia) e répteis e aves são uricotélicos (cuja excreta nitrogenada é o ácido
úrico).

224
Bioquímica Básica

Por mecanismos ainda não esclarecidos, a amônia é extremamente tóxica para


os animais, por isto precisa ser excretada diretamente pelo rim, ou convertida em
ureia no fígado. Parece que o excesso de amônia leva a uma drástica diminuição no
nível de ATP principalmente no cérebro, pela redução no ciclo de Krebs,
comprometendo diversos processos incluindo a transmissão do impulso nervoso.
Os mamíferos também podem excretar pela urina, mesmo que em pequenas
quantidades, ácido úrico. A formação de ácido úrico ocorre durante o metabolismo
de nucleotídeos. O cérebro é o principal órgão afetado pelo excesso da produção
de amônia e ácido úrico, no entanto o rim também é bastante afetado pelo excesso
de ácido úrico que se deposita nos túbulos renais e provoca inflamação, além de
cálculos renais.

Figura 4: A reação catalisada pela enzima glutamina sintetase. Fonte:


LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

225
Bioquímica Básica

Além da glutamina, os tecidos extra-hepáticos, principalmente os músculos,


usam também outro aminoácido, a alanina, para o transporte de aminas do sangue
para o fígado. Neste caso, o glutamato, ao invés de formar glutamina, entrega sua
amina para o piruvato e este se torna alanina. A alanina, ao chegar ao fígado, volta
a ser piruvato (seu α-cetoácido), através da transferência da sua amina para o α-
cetoglutarato, formando glutamato, que pode entrar na mitocôndria e, por ação da
enzima glutamato desidrogenase, liberar a amina na forma de amônia para a
formação de ureia. O piruvato pode ser usado na gliconeogênese. O resumo do
catabolismo de aminoácidos para a produção de energia e para a síntese de ureia,
interligando fígado e tecidos extra-hepáticos, encontra-se na figura 5.

Figura 5: Interligação do catabolismo de aminoácidos no fígado e em tecidos


extra-hepáticos. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York:
Worth publishers, 2006.

226
Bioquímica Básica

Ciclo da ureia

O ciclo da ureia é o mecanismo de excreção de nitrogênio adotado por


algumas células animais, incluindo os seres humanos. A síntese da ureia ocorre
somente nas células hepáticas e se inicia na matriz da mitocôndria com a união de
amônia e bicarbonato para formar o carbamil fosfato em reação catalisada pela
enzima carbamil fosfato sintetase I, com gasto de 2 ATP. Em seguida, o grupo
carbamil do carbamil fosfato se condensa com a molécula ornitina, gerando a
citrulina em reação catalisada pela enzima ornitina transcarbamilase. A citrulina vai
para o citoplasma e, por ação da enzima argininosuccinato sintase, recebe uma
amina do aspartato (formada por transaminação do glutamato, descrita
anteriormente), se convertendo em argininosuccinato. A reação envolve a
conversão de ATP em AMP + PPi, o que equivale a hidrólise de duas moléculas de
ATP. Clivagem de argininosuccinato pela enzima argininosuccinato liase produz
fumarato (intermediário do ciclo de Krebs) e arginina. Por último, a arginina é
hidrolisada pela enzima arginase, produzindo ornitina e ureia (figura 6). O cíclo da
ureia requer então energia, com gasto equivalente de quatro moléculas de ATP.

227
Bioquímica Básica

Figura 6: O ciclo da ureia. Os passos 1 e 2, catalisados respectivamente pelas


enzimas carbamil fosfato sintetase I e ornitina transcarbamilase ocorrem na
mitocôndria. Os três passos seguintes, catalisados respectivamente pelas enzimas
argininosuccinato sintase, argininosuccinato liase e arginase ocorrem no
citoplasma e terminam a síntese da ureia. Proteínas transportadoras na membrana
interna da mitocôndria funcionam transportando a citrulina da mitocôndria para o
citoplasma e a ornitina do citoplasma para a matriz da mitocôndria. Fonte:
www.desenvolvimentovirtual.com, acesso em 19/11/2014.

228
Bioquímica Básica

A ureia é liberada do fígado com destino ao rim. A maior parte da ureia chega
ao rim, mas uma pequena fração difunde-se do fígado ao intestino onde sofre ação
de bactérias que clivam a ureia em CO2 e NH4+. Esta amônia pode ser reabsorvida
ou fazer parte das fezes. A ornitina volta para a matriz da mitocôndria para reiniciar
um novo ciclo da ureia. O fumarato produzido anteriormente pode ser convertido
tanto no citoplasma quanto na mitocôndria em malato e em seguida em
oxaloacetato, uma vez que as enzimas que catalisam as reações (fumarase e malato
desidrogenase) ocorrem nos dois compartimentos celulares. O oxaloacetato pode
ser novamente convertido em aspartato para um novo ciclo da ureia, ou então ser
usado na gliconeogênese. Assim o ciclo de Krebs e o ciclo da ureia estão
interligados, sendo referido como bicicleta de Krebs (figura 7). Na verdade, o
mesmo pesquisador que decifrou o ciclo de Krebs (Sir Hans Krebs), também
decifrou o ciclo da ureia.

Figura 7: Interligação entre o ciclo de Krebs e o ciclo da ureia. Fonte:


LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

229
Bioquímica Básica

Catabolismo de aminoácidos individuais

A maioria dos aminoácidos, que são convertidos nos seus cetoácidos


correspondentes, assim como os poucos que não participam das reações de
transaminação, converge para formar cinco produtos, entrando no ciclo de Krebs.
A partir daí podem ser usados na gliconeogênese, na formação de corpos
cetônicos ou serem oxidados para a produção de energia. Os aminoácidos
utilizados na síntese de glicose são chamados de glicogênicos e os usados na
formação dos corpos cetônicos são chamados de cetogênicos.
Seis aminoácidos (triptofano, lisina, leucina, isoleucina, fenilalanina e tirosina)
são convertidos em acetilCoA e/ou acetoacetilCoA (figura 9), seis aminoácidos
(alanina, serina, glicina, cisteína, treonina e triptofano) são convertidos em piruvato
(figura 10), cinco aminoácidos (arginina, histidina, glutamato, glutamina e prolina)
são convertidos em α-cetoglutarato (figura 11), quatro aminoácidos (metionina,
isoleucina, treonina e valina) são convertidos em succinilCoA (figura 12) e dois
aminoácidos (asparagina e aspartato) são convertidos em oxaloacetato (figura 13).
É importante observar que os aminoácidos triptofano, isoleucina e treonina são
catabolisados e convertidos em dois produtos diferentes. Um resumo do
metabolismo de todos os 20 aminoácidos, mostrando a entrada no ciclo de Krebs
além dos envolvidos na formação de corpos cetônicos e na gliconeogênese se
encontra na figura 14.

O catabolismo dos aminoácidos leucina, isoleucina e valina (também


conhecidos como BCAAs ou aminoácidos de cadeia lateral ramificada) é diferente
dos demais pelo fato destes aminoácidos serem preferencialmente catabolizados
nos músculos ao invés do fígado. A atividade das enzimas aminotransferases para
estes três aminoácidos é muito maior no músculo que no fígado. Vários NADH e
FADH2 são produzidos durante o catabolismo destes três aminoácidos até a
formação de acetilCoA ou succinilCoA o que os tornam excelentes fontes de
energia para o músculo. Desse modo, estes três aminoácidos ao entrar no fígado
são usados para a síntese de proteínas, porém o excesso, por não ser praticamente
catabolizado, sai do fígado e ao ser captado por músculos são catabolizados para a
geração de energia.

230
Bioquímica Básica

Os aminoácidos convertidos em acetilCoA e/ou acetoacetilCoA são


cetogênicos porque acetoacetilCoA pode ser convertido nos corpos cetônicos
acetona e β-hidroxibutirato. Os aminoácidos capazes de serem convertidos em
piruvato, α-cetoglutarato, succinilCoA, fumarato e oxaloacetato podem ser usados
para a gliconeogênese e, portanto, são glicogênicos. Porém, quatro aminoácidos
(triptofano, fenilalanina, tirosina e isoleucina) são ao mesmo tempo cetogênicos e
glicogênicos.
Em muitas destas reações, as enzimas dependem de uma ou mais coenzimas,
como a piridoxal fosfato, o tetrahidrofolato (H4 folato), a tetrahidrobiopterina, o
N5,N10-metilenotetrahidrofolato, além das já conhecidas NAD+, NADP+, FAD e
coenzimaA. Enquanto algumas atuam na transferência de unidades
monocarbônicas, outras atuam na transferência de grupos amino e outras atuam
em reações biológicas de oxidação e redução. Algumas destas coenzimas estão na
figura 8.

Figura 8: Estrutura química das coenzimas H4 folato, tetrahidrobiopterina e


piridoxal fosfato. O grupo químico funcional do piridoxal fosfato está marcado em
vermelho. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth
publishers, 2006.

231
Bioquímica Básica

Como as vias do catabolismo para vários aminoácido são muito


complicadas, com o envolvimento de várias enzimas e coenzimas, estas reações
serão apenas mostradas nas figuras a seguir, de uma forma resumida, sem detalhar
a quantidade de energia obtida de cada aminoácido. Em algumas vias o número de
reações é tão grande que vários passos enzimáticos são omitidos. De um modo
geral, o nível de ATP obtido por cada aminoácido varia de aproximadamente 10 a
20 ATP, portanto a contribuição dos aminoácidos para a energia do organismo
existe, mas não é tão grande quando comparado com a energia fornecida por
monossacarídeos ou ácidos graxos.

Figura 9: Resumo do catabolismo dos aminoácidos triptofano, lisina, leucina,


isoleucina, fenilalanina e tirosina. Em A, a formação de acetilCoA e/ou
acetoacetilCoA a partir destes aminoácidos. Para todos os aminoácidos, a maioria
das etapas enzimáticas está omitida, inclusive a formação dos α-cetoácidos
correspondentes, a partir da entrega das aminas para o α-cetoglutarato. Lisina não
participa de reações envolvendo aminotransferases. Em B, a primeira das várias
reações do catabolismo da tirosina, na qual ocorre a produção do p-
hidroxifenilpiruvato, seu α-cetoácido, em reação catalisada por uma

232
Bioquímica Básica

aminotransferase específica, onde a amina é entregue ao α-cetoglutarato


formando glutamato. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York:
Worth publishers, 2006.

Figura 10: Resumo do catabolismo dos aminoácidos alanina, serina, glicina,


cisteína, treonina e triptofano. A maioria das etapas enzimáticas do catabolismo do
triptofano e da cisteína está omitida. No catabolismo da alanina, esta se converte
em piruvato, seu α-cetoácido, a partir de reação catalisada por uma
aminotransferase específica, onde a amina é entregue ao α-cetoglutarato
formando glutamato. Além desta rota, o triptofano pode seguir outra via
enzimática levando a formação de acetoacetilCoA. Serina e treonina não
participam de reações envolvendo aminotransferases. Fonte: LEHNINGER, A.L.
Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

233
Bioquímica Básica

Figura 11: Resumo do catabolismo dos aminoácidos arginina, histidina,


glutamato, glutamina e prolina. As reações da arginase, glutaminase e glutamato
desidrogenase já foram descritas anteriormente. Com exceção do catabolismo da
histidina, onde algumas etapas estão omitidas, as outras vias mostram todas as
reações enzimáticas que levam a formação de α-cetoglutarato. Fonte: LEHNINGER,
A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

234
Bioquímica Básica

Figura 12: Resumo do catabolismo dos aminoácidos metionina, isoleucina,


treonina e valina. Para todos os aminoácidos, a maioria das etapas enzimáticas está
omitida, inclusive a formação dos α-cetoácidos correspondentes, a partir da
entrega das aminas para o α-cetoglutarato. A isoleucina e treonina são
catabolizadas para acetilCoA (ver figuras 9 e 10) ou succinilCoA. Fonte: LEHNINGER,
A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

235
Bioquímica Básica

Figura 13: Resumo do catabolismo dos aminoácidos asparagina e aspartato. O


esqueleto de carbonos da asparagina e aspartato entra no ciclo de Krebs através do
oxaloacetato. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth
publishers, 2006.

236
Bioquímica Básica

Figura 14: Resumo do metabolismo de aminoácidos. A figura mostra os pontos


de entrada dos aminoácidos no ciclo de Krebs. Os aminoácidos em azul são os
cetogênicos, cujos produtos do catabolismo podem ser usados na formação dos
corpos cetônicos. Os aminoácidos em vermelho são os glicogênicos cujos produtos
do catabolismo podem ser usados na gliconeogênese. Quatro aminoácidos
(fenilalanina, isoleucina, triptofano e tirosina) são tanto glicogênicos quanto
cetogênicos. Leucina e lisina são exclusivamente cetogênicos. Fonte: LEHNINGER,
A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

237
Bioquímica Básica

LEITURA COMPLEMENTAR:

DEVLIN, T. M. (Coord.). Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. Trad. da


6. ed. americana. São Paulo: Edgard Blücher, 2007.

HARPER, H. A. Bioquímica. São Paulo: Atheneu, 2002.

LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

STRYER, L. Bioquímica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.

VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Porto Alegre:
Artmed, 2002.

É HORA DE SE AVALIAR!

Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão ajudá-


lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-
aprendizagem.

238
Bioquímica Básica

Exercícios – Unidade 5

1. Os aminoácidos alanina e leucina se convertem em acetilCoA para entrar no


ciclo de Krebs, através dos intermediários:

a) piruvato e malonilCoA

b) piruvato e acetoacetilCoA

c) propionil e enoilCoA

d) aspartato e lactato

e) 2-fosfoglicerato e fosfoenolpiruvato

2. A maioria dos tecidos é capaz de degradar os aminoácidos, mas só o fígado


é capaz de produzir ureia. O nitrogênio proveniente dos aminoácidos degradados
chega até o fígado através dos aminoácidos:

a) serina e glicina

b) metionina e serina

c) glutamina e alanina

d) metionina e glicina

e) glutamina e glicina

3. Os cetoácidos produzidos a partir das transaminações dos


aminoácidos aspartato, glutamato e alanina são respectivamente:

a) oxaloacetato, -cetoglutarato e piruvato

b) oxaloacetato, piruvato e -cetoglutarato

c) piruvato, oxaloacetato e -cetoglutarato

d) piruvato, -cetoglutarato e oxaloacetato

e) -cetoglutarato, oxaloacetato e piruvato

239
Bioquímica Básica

4. Todas as seguintes afirmativas são verdadeiras sobre aminoácidos de cadeia


lateral ramificada (BCAA), exceto:

a) são metabolizados primariamente nos músculos

b) estes aminoácidos são a leucina, a lisina e a valina

c) um deles é glicogênico, um é cetogênico e outro é classificado como ambos

d) são essenciais na dieta

e) entram no ciclo de Krebs através da acetilCoA e succinilCoA

5. Na formação da ureia a partir de amônia, todas as alternativas estão corretas


exceto:

a) aspartato fornece uma das aminas para a formação da ureia

b) o ciclo da ureia consome ATP

c) o ciclo da ureia está conectado ao ciclo de Krebs através do fumarato

d) duas etapas são citoplasmáticas e três etapas são mitocôndriais

e) a ureia é produzida no fígado e no rim

6. No catabolismo de aminoácidos, a entrada no ciclo de Krebs pode ocorrer


em vários pontos do ciclo, incluindo:

a) succinilCoA

b) citrato

c) malato

d) succinato

e) isocitrato

240
Bioquímica Básica

7. A amonificação é um dos processos envolvidos na fixação do nitrogênio por


bactérias e sua posterior assimilação pelas plantas. A amonificação significa:

a) a conversão de NO2- em NO3-

b) a conversão de N2 em NH4+

c) a conversão de NH4+ em CO2

d) a conversão de CO2 em C6H12O6

e) a conversão de NO3- em N2

8. Aminoácidos glicogênicos são aqueles utilizados para a:

a) síntese de glicogênio

b) degradação do glicogênio

c) glicólise

d) síntese de glicose pela gliconeogênese

e) síntese de qualquer glicídio

9. O esquema abaixo representa uma típica reação de transferência de grupo


amino, catalizada por enzimas denominadas transaminases:

aminoácido X + -cetoácido 1 -cetoácido 2 + aminoácido Y

O -cetoácido 1 é frequentemente o -cetoglutarato, que gera glutamato


(aminoácido Y) ao receber o grupo amino retirado do aminoácido transaminado.
Responda, baseando-se em seus conhecimentos do catabolismo de aminoácidos:

241
Bioquímica Básica

a) qual o destino do glutamato formado nas reações de transaminação no


fígado?

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b) Dê um nome para o aminoácido X e para o -cetoácido 2.

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10. O plasma sanguíneo contém todos os aminoácidos necessários para a


síntese protéica das proteínas corporais. Entretanto, estes não se apresentam em
concentrações equivalentes, predominando alanina e glutamina. Sugira a razão
para isso.

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242
Bioquímica Básica

6 Integração do metabolismo
energético

243
Bioquímica Básica

Nesta unidade, vamos entender acerca da integração do metabolismo energético


do organismo, com ênfase nos mamíferos, incluindo os seres humanos, a
distribuição dos nutrientes nos diferentes órgãos e a participação dos hormônios
no metabolismo.

Objetivos da Unidade

Compreender as estratégias de integração do metabolismo energético;

Estudar o efeito dos hormônios hidrofílicos e hidrofóbicos no metabolismo;

Identificar os órgãos atuantes no metabolismo integrado;

Relacionar as três classes de nutrientes capazes de serem usados para


obtenção de energia (carboidratos, lipídios e proteínas);

Comparar o metabolismo nos estados de jejum e alimentado.

Plano da Unidade

 Integração metabólica e o fígado

 Integração metabólica e o tecido muscular

 Integração metabólica e o tecido adiposo

 Integração metabólica e o cérebro

 Integração metabólica e o eritrócito

 Hormônios peptídeos, proteínas, derivados de aminoácidos e o


metabolismo energético

 Hormônios de natureza lipídica e o metabolismo energético

 Como os hormônios do metabolismo energético funcionam?

 Ciclo jejum-alimentação

Bons estudos!

244
Bioquímica Básica

Integração metabólica e o fígado

O fígado é o órgão que praticamente inicia toda a integração do metabolismo


energético do organismo. A maioria dos monossacarídeos e aminoácidos da dieta,
obtidos da digestão na boca, estômago e intestino delgado de moléculas maiores
(oligossacarídeos, polissacarídeos e proteínas) chegam primariamente, via veia
porta, ao fígado. Poucos monossacarídeos e aminoácidos vão diretamente da veia
porta para a circulação sanguínea geral e então diretamente para tecidos como o
muscular e renal, No caso dos ácidos graxos, estes, em lipoproteínas, chegam a sua
maioria, diretamente do sistema linfático aos tecidos muscular e adiposo.

A glicose, assim como outros monossacarídeos (frutose, galactose e manose) é


transportada para dentro das células hepáticas pela proteína transportadora de
membrana GLUT2, de modo independente de insulina. Estes monossacarídeos que
chegam do intestino ao fígado são fosforilados respectivamente à glicose 6-fosfato,
frutose 1-fosfato, galactose 1-fosfato e manose 6-fosfato. Frutose 1-fosfato e
manose 6-fosfato são usados na via glicolítica. Galactose 1-fosfato é convertida, por
algumas etapas enzimáticas em glicose 6-fosfato. Glicose 6-fosfato oriunda da
glicose ou da galactose 1-fosfato pode ser usada em quatro diferentes rotas
metabólicas: a glicose 6-fosfato pode simplesmente ser desfosforilada pela glicose
6-fosfatase e ir novamente ao sangue para nutrir outros órgãos; a glicose 6-fosfato
pode, como a frutose 1-fosfato e manose 6-fosfato, ir para a via glicolítica e o
acetilCoA formado após a descarboxilação do piruvato ir para ciclo de Krebs a fim
de se obter energia, ou para a síntese de ácidos graxos e colesterol; a glicose 6-
fosfato pode ser usada também na síntese de glicogênio e finalmente a glicose 6-
fosfato pode ser usada na via das pentoses-fosfato (figura 1).

245
Bioquímica Básica

Figura 1: Destinos da glicose 6-fosfato no fígado. (1) a glicose 6-fosfato pode


ser desfosforilada pela glicose 6-fosfatase e ir para o sangue para nutrir outros
órgãos. (2) a glicose 6-fosfato pode ser usada na síntese de glicogênio. (3) a glicose
6-fosfato pode, como a frutose 1-fosfato e manose 6-fosfato, ir para a via glicolítica

246
Bioquímica Básica

e o acetilCoA formado ir para ciclo de Krebs a fim de se obter energia, ou (4) para a
síntese de ácidos graxos e colesterol. (5) a glicose 6-fosfato pode ser usada na via
das pentoses-fosfato. Fonte:LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York:
Worth publishers, 2006.

Ácidos graxos que chegam do intestino em lipoproteínas, entram nas células


hepáticas por difusão e podem ser utilizados na β-oxidação. Os acetilCoA
produzidos podem ser usados para gerar ciclo de Krebs para obtenção de energia,
para a formação de colesterol ou para a formação de corpos cetônicos. A produção
de corpos cetônicos é comum em situações de baixa concentração de açúcares no
organismo, uma vez que serve de combustível para músculos e principalmente
cérebro, este último, que na ausência de monossacarídeos, não usa ácidos graxo
como combustível energético imediato, como fazem os músculos. Os ácidos graxos
podem também ser usados na síntese de triglicerídeos e fosfolipídios. Uma fração
dos triglicerídeos, fosfolipídios e colesterol é usada na formação de lipoproteínas
que vão para o sangue com destino aos diferentes órgãos. Outra parte é usada pelo
próprio órgão, tanto para energia quanto para formação de suas membranas. Uma
parte dos ácidos graxos pode ir diretamente para o sangue e serem transportados
ligados à albumina plasmática (figura 2).

247
Bioquímica Básica

Figura 2: Destinos dos ácidos graxos do fígado. (1) ácidos graxos podem ser
usados na síntese de triglicerídeos e fosfolipídios. (2) ácidos graxos podem ser
utilizados na β-oxidação. (3) ácidos graxos podem ser usados para a formação de
corpos cetônicos ou (4) para a formação de colesterol. (5) ácidos graxos podem ser

248
Bioquímica Básica

usados, juntamente com fosfolipídios e colesterol na formação de lipoproteínas. (6)


ácidos graxos podem ir diretamente para o sangue e serem transportados ligados à
albumina plasmática. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York:
Worth publishers, 2006.

Aminoácidos que chegam do intestino entram nas células hepáticas através de


transportadores de membrana específicos para cada aminoácido e são usados
primariamente na síntese de proteínas. Uma parte dos aminoácidos volta para o
sangue para nutrir outros órgãos. Os aminoácidos podem também ser usados na
síntese de outros compostos nitrogenados como nucleotídeos. Além disso, os
aminoácidos podem também ser desaminados para que seus α-cetoácidos
correspondentes possam ser usados no ciclo de Krebs para a produção de energia,
na gliconeogênese, na síntese de ácidos graxos (para a produção de triglicerídeos e
fosfolipídios), na síntese de colesterol ou na síntese de corpos cetônicos. Além da
produção dos corpos cetônicos, a gliconeogênese também é comum em situações
de baixa concentração de açúcares no organismo. Juntamente com os α-
cetoácidos, a amônia produzida no metabolismo de aminoácidos é convertida em
ureia e liberada para o rim para excreção. Os aminoácidos alanina e glutamina que
chegam dos tecidos periféricos ao fígado podem ser também desaminados e seus
α-cetoácidos correspondentes usados na gliconeogênese, na síntese de corpos
cetônicos e em menor grau, na produção de energia (figura 3).

249
Bioquímica Básica

Figura 3: Destinos dos aminoácidos do fígado. (1) aminoácidos são usados


primariamente na síntese de proteínas. (2) uma parte dos aminoácidos volta para o
sangue para nutrir outros órgãos. (3) aminoácidos podem ser usados na síntese de
diferentes compostos nitrogenados. (4) aminoácidos podem ser desaminados para
que seus α-cetoácidos correspondentes possam ser usados (4a) na gliconeogênese,
(4b) no ciclo de Krebs para a produção de energia, (4c) na síntese de ácidos graxos,

250
Bioquímica Básica

triglicerídeos, fosfolipídios e colesterol e (4d) a amônia produzida no metabolismo


de aminoácidos é convertida em ureia. (5) aminoácidos podem ser usados na
gliconeogênese.

Integração metabólica e o tecido muscular

O tecido muscular usa monossacarídeos, ácidos graxos e corpos cetônicos


como combustíveis energéticos. Boa parte da glicose e ácidos graxos chega aos
músculos diretamente da dieta. Uma parte da glicose que chega ao músculo é
proveniente da gliconeogênese hepática assim como os corpos cetônicos que
também são oriundos do fígado. No entanto, como explicado anteriormente,
gliconeogênese e corpos cetônicos ocorrem em condições de baixa concentração
de açúcares no organismo. Uma parte dos ácidos graxos chega ao músculo via
lipoproteínas produzidas no fígado.

A glicose é transportada para o interior das células musculares pelo


transportador de membrana GLUT4, de modo dependente de insulina. Sem
insulina circulante no sangue, GLUT4 está em vesículas no citoplasma e, portanto
não está na membrana para promover a captação de glicose. Outros
transportadores de membrana para monossacarídeos existem na membrana das
células musculares para o transporte de frutose, galactose e manose.

Uma quantidade significativa da glicose muscular é usada na síntese de


glicogênio que será uma reserva conveniente de glicose a ser usada em diversas
condições como atividade física ou jejum. Pouco triglicerídeo é também produzido
a partir dos ácidos graxos e usado como reserva de energia.

Em condições basais, quando o músculo esquelético está em repouso, o


mesmo obtém energia geralmente da oxidação dos ácidos graxos e em menor
grau da oxidação de monossacarídeos aerobicamente. No entanto, o músculo
esquelético em atividade intensa obtém energia principalmente da oxidação de
monossacarídeos tanto aerobicamente, pelo ciclo de Krebs e cadeia respiratória
quanto anaerobicamente gerando como produto final o lactato, uma vez que o
sangue não consegue fornecer oxigênio suficiente para o ATP que precisa ser

251
Bioquímica Básica

produzido na atividade intensa. O lactato vai para o fígado para ser usado na
gliconeogênese. Além disso, o músculo esquelético contém uma quantidade
relativamente grande de creatina na forma de creatina-fosfato que rapidamente
sintetiza ATP no músculo em esforço prolongado.

Os músculos liso e cardíaco apresentam uma pequena diferença em relação ao


esquelético por praticamente não metabolizar monossacarídeos anaerobicamente
e por conter menos creatina-fosfato. Aminoácidos que chegam do fígado aos
músculos são usados primariamente na síntese de proteínas, porém uma
quantidade significativa destes aminoácidos (principalmente leucina, isoleucina e
valina, que fazem parte dos BCAA) podem ser desaminados e os α-cetoácidos
correspondentes usados no ciclo de Krebs para a produção de energia. Em
condições de baixa concentração de açúcar ou no esforço muscular prolongado,
além do uso dos ácidos graxos e dos corpos cetônicos como combustível
energético, pode haver degradação de proteínas no músculo, levando ao aumento
do uso de aminoácidos para gerar energia.

Integração metabólica e o tecido adiposo

O tecido adiposo metaboliza primariamente monossacarídeos para obtenção


de energia, principalmente a glicose, seu principal combustível energético. A
glicose é transportada para as células do tecido adiposo também pelo
transportador de membrana GLUT4 dependente de insulina.

Os aminoácidos que chegam ao tecido adiposo são usados basicamente na


síntese de proteínas. Uma parcela muito pequena dos aminoácidos é desaminada e
seus α-cetoácidos correspondentes são usados somente no ciclo de Krebs para a
produção de energia e na síntese de ácidos graxos (o tecido adiposo não tem as
enzimas capazes de sintetizar corpos cetônicos e colesterol e para a
gliconeogênese). Pouca síntese de glicogênio ocorre neste órgão, porém ocorre
muita síntese de triglicerídeos. Estes triglicerídeos são produzidos tanto a partir de
ácidos graxos sintetizados no próprio órgão pelo acetilCoA oriundo da
desaminação de alguns aminoácidos quanto do excesso de glicose que entra nos
adipócitos e dos ácidos graxos obtidos das lipoproteínas ou ligados à albumina

252
Bioquímica Básica

plasmática. Quando o organismo está com o nível de açúcar baixo, estes


triglicerídeos são hidrolisados e muitos ácidos graxos liberados para o sangue vão
principalmente para músculos do corpo. Alguns destes ácidos graxos são usados
pelo próprio tecido adiposo para satisfazer suas necessidades energéticas na
ausência de glicose. O glicerol resultante da quebra dos triglicerídeos vai para o
fígado para ser usado na gliconeogênese a fim de restabelecer a glicemia
sanguínea e nutrir órgãos como os músculos e o cérebro.

Integração metabólica e o cérebro

O cérebro usa somente monossacarídeos, principalmente glicose, seja


diretamente do sangue ou do fígado (após desfosforilação da glicose 6-fosfato e
liberação da glicose no sangue ou pela gliconeogênese). No cérebro, praticamente
não ocorre o metabolismo da glicose de maneira anaeróbica devido ao alto
conteúdo de oxigênio que chega ao órgão. Apesar de o cérebro sintetizar
glicogênio, esta síntese é bem menor que a que ocorre nos músculos e, portanto a
manutenção da glicemia sanguínea é importante para manter as funções cerebrais.

A glicose é transportada para as células cerebrais pelo transportador de


membrana GLUT3, de modo independente de insulina. O cérebro consome cerca
de 120 gramas de glicose por dia, que corresponde à cerca de 60% de toda a
glicose consumida pelo corpo. Isto é necessário para se ter uma alta concentração
de ATP a fim de manter ativa a proteína bomba de sódio e potássio nos neurônios
responsável pelo impulso nervoso. GLUT1 é um transportador de glicose
encontrado na barreira hemato-encefálica. A barreira hemato-encefálica é uma
estrutura composta de células endoteliais, que são agrupadas muito unidas nos
capilares cerebrais, atuando principalmente na proteção do sistema nervoso
central de substâncias químicas presentes no sangue e permitindo ao mesmo
tempo a função metabólica normal do cérebro.

Em condições de baixa concentração de glicose, o cérebro acaba usando


muito pouco os ácidos graxos para gerar energia pelo fato do transporte dos
ácidos graxos do sangue para o cérebro ser limitado pela barreira hemato-
encefálica e assim o que chega ao cérebro acaba sendo usado na síntese de

253
Bioquímica Básica

triglicerídeos e fosfolipídios. Deste modo, o cérebro usa corpos cetônicos


produzidos no fígado como sua segunda fonte de energia. Como último recurso
para manter as funções cerebrais, as proteínas musculares fornecem os
aminoácidos para o fígado para a gliconeogênese e assim mais glicose é enviada
para o cérebro.

Integração metabólica e o eritrócito

Os eritrócitos (hemácias ou glóbulos vermelhos do sangue) são células, que


por não possuírem mitocôndrias, não podem realizar ciclo de Krebs nem cadeia
respiratória, somente a glicólise, tendo o saldo energético confinado a dois ATP por
glicose. Assim precisam consumir ativamente glicose, metabolizando
anaerobicamente à lactato. Em condições de alta concentração de glicose no
organismo, as moléculas de lactato vão para o fígado e são usados na formação de
ácidos graxos. Em baixa concentração de glicose as moléculas de lactato vão para o
fígado para serem usadas na gliconeogênese.

Hormônios peptídeos, proteínas, derivados de


aminoácidos e o metabolismo energético

Estas moléculas são desde substâncias derivadas de um único aminoácido até


moléculas contendo alguns aminoácidos de extensão. O sangue precisa conter
glicose em concentração próxima de 5 mM. Para isto organismo conta com a ação
integrada de vários hormônios, incluindo insulina, glucagon e adrenalina.

A adrenalina (epinefrina), hormônio produzido no cérebro e outros tecidos


neurais e na glândula suprarrenal (região localizada acima dos rins), é uma
molécula derivada do aminoácido tirosina (figura 4). Quando lançada na corrente
sanguínea, devido a quaisquer condições ambientais que ameacem a integridade
do organismo, seja física ou psicológica, a adrenalina aumenta a frequência dos
batimentos cardíacos e o volume de sangue por batimento, aumentando a pressão

254
Bioquímica Básica

arterial e consequentemente o fluxo de oxigênio e de outras moléculas


(principalmente combustíveis energéticos) para os tecidos. A adrenalina atua no
fígado, tecido adiposo, músculo e pâncreas. É liberada na corrente sanguínea em
condições de baixa concentração de glicose. Estimula nos tecidos a degradação do
glicogênio pela ativação da enzima glicogênio fosforilase e inibe a síntese do
glicogênio pela inibição da enzima glicogênio sintase, assim aumentando a
glicemia sanguínea. Estimula a glicólise no músculo pela ativação de uma das
enzimas da via glicolítica, a fosfofrutoquinase-1, a gliconeogênese no fígado, pela
ativação da enzima fosfoenolpiruvato carboxiquinase e a degradação de
triglicerídeos no tecido adiposo, pela ativação de enzimas lípases. Além disso, a
adrenalina estimula a secreção de glucagon (hormônio com funções similares as da
adrenalina) e inibe a secreção de insulina (hormônio com funções contrárias as da
adrenalina e do glucagon).

Figura 4: Estrutura química da adrenalina. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios


de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

O glucagon, hormônio produzido pelas células alfa do pâncreas, é um


peptídeo de 29 aminoácidos que atua no fígado e tecido adiposo, mas não no
músculo (figura 5). Assim como a adrenalina, o glucagon surge no sangue quando
a concentração de glicose é baixa (abaixo de 5 mM). Estimula a degradação do
glicogênio hepático e inibe a sua síntese da mesma maneira que a adrenalina. Inibe
a glicólise através da inibição das enzimas fosfofrutoquinase-1 e piruvato quinase e
ativa a enzima frutose 1,6-bifosfatase, assim forçando fosfoenolpiruvato a ser usada
na gliconeogênese e promovendo a exportação da glicose para o sangue com
consequente aumento da glicemia sanguínea. Ativa também a enzima lípase nos
adipócitos para a hidrólise dos triglicerídeos e em seguida a liberação de ácidos
graxos para serem usados pelo músculo como combustível energético e glicerol
para ser usado no fígado na gliconeogênese. Ativa a gliconeogênse da mesma
maneira que a adrenalina.

255
Bioquímica Básica

Figura 5: Estrutura química do glucagon. Fonte:


www.obesidadenabioquimica.blogspot.com, acesso em 28/11/2014.

A insulina, hormônio produzido pelas células beta do pâncreas, é uma


proteína de 51 aminoácidos (são duas cadeias peptídicas, uma de 21 e outra de 30
aminoácidos unidos por pontes dissulfeto) que atua no fígado, tecido adiposo e
músculo (figura 6). A insulina surge no sangue, logo após uma refeição rica em
carboidratos, que geralmente eleva o nível de açúcar no sangue para praticamente
o dobro do normal. O hormônio então estimula a produção do transportador de
glicose GLUT4 nos músculos, assim aumentando a captação da glicose em excesso
para o interior destas células. Ativa as enzimas fosfofrutoquinase-1 e o complexo
da piruvato desidrogenase assim ativando também a glicólise. Estimula a síntese
de glicogênio através da ativação da enzima glicogênio sintase e inibe a
degradação do glicogênio, através da inibição da enzima glicogênio fosforilase,
além de estimular a captação e síntese de ácidos graxos e de triglicerídeos, pela
ativação das enzimas acetilCoA carboxilase e lipoproteína lípase. Por último, inibe a
gliconeogênese, pela inibição da enzima fosfoenolpiruvato carboxiquinase e
estimula síntese de proteínas, por ativar alguns fatores de iniciação da tradução.

256
Bioquímica Básica

Figura 6: Estrutura química da insulina. A figura mostra os 51 aminoácidos da


proteína evidenciando as três pontes dissulfeto entre os aminoácidos cisteína,
importantes para a estrutura tridimensional da molécula. Fonte:
www.canstockphoto.com.br, acesso em 28/11/2014.

Hormônios de natureza lipídica e o metabolismo


energético

O cortisol é um dos vários hormônios esteroides derivado do colesterol (figura


7). Assim como a adrenalina, é também produzido pela glândula suprarrenal em
condições de estresse e hipoglicemia, atuando no fígado, tecido adiposo e
músculo. Estimula a degradação de proteínas musculares para fornecer
aminoácidos para o fígado para a gliconeogênese. Ativa a gliconeogênese da
mesma forma que o glucagon e a adrenalina. Apesar de atuar aumentando a
glicemia sanguínea, não estimula a degradação do glicogênio hepático. Ativa
também a lípase nos adipócitos para a hidrólise dos triglicerídeos e posterior
liberação de ácidos graxos para serem usados pelo músculo como combustível
energético e glicerol para ser usado no fígado na gliconeogênese.

257
Bioquímica Básica

Figura 7: Estrutura química do cortisol. Fonte:


www.dieteexercise2012.blogspot.com, acesso em 28/11/2014.

Como os hormônios do metabolismo energético


funcionam?

Os hormônios são produzidos e secretados para a corrente sanguínea por


órgãos do sistema endócrino (glândulas endócrinas). As principais glândulas
endócrinas do corpo são o hipotálamo, a hipófise, a tireóide, as suprarrenais, o
pâncreas, os rins, os ovários e os testículos. Várias são as maneiras de um hormônio
envolvido com o metabolismo energético iniciar a sua ação. Geralmente envolve
mecanismos de transdução de sinais que requer receptores (100 a 10.000 por
célula) tanto na membrana celular, quanto no citoplasma e no núcleo das células
para dar início a uma cadeia de eventos intracelulares. O resultado é a modificação
da atividade ou da concentração de enzimas envolvidas com a síntese e
degradação de compostos importantes para o metabolismo energético.

A adrenalina e o glucagon são dois hormônios com mecanismos de ação


similar. Ambos iniciam suas funções se ligando a uma molécula receptora
(proteína) na membrana plasmática de um tecido alvo. Isto altera a conformação
do receptor, que passa a interagir intracelularmente com uma segunda proteína de
membrana chamada proteína G (proteína que liga moléculas de guanosina, como
GDP e GTP), contendo três subunidades (α, β e γ). Os receptores com o hormônio

258
Bioquímica Básica

induzem a conversão do GDP ligado à proteína G em GTP. Com GTP ligado, a


subunidade α se dissocia das demais subunidades e se liga a outra proteína de
membrana, a enzima adenilil ciclase, ativando-a. Esta proteína converte muitas
moléculas de ATP em AMP cíclico (cAMP) (figura 8). Esta, ativa a proteína quinase A
(PKA) que fosforila moléculas alvo citoplasmáticas ativando-as, como, por exemplo,
enzimas lípases, que ao serem fosforiladas começam a hidrolisar triglicerídeos e a
enzima glicogênio fosforilase, que ao ser fosforilada é ativada e inicia a quebra do
glicogênio. AMP cíclico é assim chamado porque logo após a sua função é
rapidamente degradada à AMP por uma enzima fosfodiesterase, revertendo a ação
da proteína quinase A. Em seguida o GTP da proteína G é hidrolisado por uma
enzima GTPase presente na subunidade α, fazendo com que esta subunidade se
una novamente as outras duas subunidades, inativando a adenilil ciclase e
cessando, momentaneamente, a informação hormonal (figura 8)

A)

259
Bioquímica Básica

B)

Figura 8: Atuação de hormônios ligantes de receptores acoplados à proteína G.


Na figura está sendo mostrada a ação da adrenalina. Em A, a transdução do sinal
via adrenalina. Em B, as reações catalisadas pelas enzimas adenilil ciclase e
fosfodiesterase. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York:
Worth publishers, 2006.

260
Bioquímica Básica

A insulina inicia sua ação se ligando a um receptor de membrana celular com


atividade enzimática de tirosina quinase. O receptor tem duas subunidades α
voltadas para o espaço extracelular para ligação à insulina e duas subunidades β
voltadas para o citoplasma. Assim que a insulina se liga ao receptor, as cadeias β
fosforilam uma a outra através da transferência de um fosfato de moléculas de ATP
para aminoácidos tirosina de cada cadeia β. Esta autofosforilação permite que a
enzima fosforile outras proteínas também em aminoácidos tirosina. Uma destas
proteínas, a IRS-1 (substrato do receptor da insulina 1), ao ser fosforilada se liga à
proteína PI-3K. Quando ativada, a PI-3K, ao converter um fosfolipídio de membrana
chamado fosfatidilinositol 4,5-bifosfato (PIP2) em fosfatidilinositol 3,4,5-trifosfato
(PIP3), ativa uma proteína quinase B (PKB) que inicia a fosforilação de proteínas-alvo
em aminoácidos serina e treonina, como a GSK3 (glicogênio sintase quinase 3). Esta
enzima, na forma não fosforilada, inativa, por fosforilação, a enzima glicogênio
sintase, impedindo a síntese de glicogênio. A GSK3 fosforilada não inativa a
glicogênio sintase, permitindo a síntese de glicogênio. A PKB também está
envolvida com a inserção dos transportadores de glicose (GLUT4) na membrana
celular para a captação de glicose do sangue (figura 9).

261
Bioquímica Básica

Figura 9: Ativação da glicogênio sintase pela insulina. Fonte: LEHNINGER, A.L.


Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

A IRS-1 também pode se ligar à outra proteína diferente de PI-3K, conhecida


como Grb2. Quando ativada, a Grb2 se liga à proteína SOS que atua em uma
proteína G chamada Ras, trocando o GDP por GTP na Ras. Isto permite que a
proteína G se ligue à proteína Raf-1 e a ative, criando uma cascata de fosforilação
de proteínas quinases em aminoácidos serina, treonina e tirosina até que a última
proteína quinase fosforilada, a MAPK entre no núcleo e fosforile proteínas para a
ativação de genes específicos como os envolvidos na divisão celular (figura 10).

262
Bioquímica Básica

Figura 10: Regulação da expressão gênica pela insulina. Fonte: LEHNINGER,


A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

263
Bioquímica Básica

Os hormônios esteróides, diferentes dos descritos anteriormente, que por


serem polares não atravessam a membrana celular, são hormônios de natureza
lipídica e, portanto, hidrofóbicos. Assim entram nas células por simples difusão, vão
para o interior do núcleo e ligam-se a proteínas receptoras específicas. Este
complexo esteroide-receptor se liga a regiões específicas do DNA, ativando alguns
genes (figura 11). Os hormônios esteroides apresentam resposta mais lenta que os
atuantes em receptores de membrana celular.

Figura 11: Regulação da expressão gênica pelo cortisol. Fonte: LEHNINGER, A.L.
Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

264
Bioquímica Básica

Ciclo jejum-alimentação

O ciclo jejum-alimentação é uma maneira resumida, integrada e conveniente


de entender as mudanças metabólicas envolvendo os diferentes tipos celulares e
os hormônios.

No estado alimentado, insulina é bastante produzida enquanto os outros


hormônios do metabolismo energético são suprimidos. Monossacarídeos como a
glicose e aminoácidos saem do intestino delgado e vão via veia porta para o
fígado. Os ácidos graxos vão, em quilomícrons, do intestino para o sistema linfático
e então para diferentes tecidos para depois chegar ao fígado como quilomícrons
remanescentes. O fígado usa a maioria da glicose para a síntese de glicogênio e o
restante da glicose e outros monossacarídeos para glicólise. Os ácidos graxos são
armazenados no fígado na forma de triglicerídeos. Excesso de glicose também é
usado na síntese de ácidos graxos e consequentemente de triglicerídeos.
Aminoácidos são praticamente usados na síntese de proteínas e produção de
energia e outros compostos nitrogenados. Praticamente não ocorre
gliconeogênese e produção de corpos cetônicos no fígado. O cérebro usa glicose
na via glicolítica e alguma glicose restante é usada na síntese de glicogênio. O
músculo usa a maioria dos ácidos graxos para obtenção de energia e um pouco
para a síntese de triglicerídeos, além da maioria da glicose na síntese de glicogênio
e o restante da glicose além de outros monossacarídeos na via glicolítica. O tecido
adiposo usa glicose como fonte preferencial de energia e sintetiza muito
triglicerídeos para atuar como reserva energética do organismo. Lactato
proveniente das hemácias e do músculo (em menor quantidade) é enviado ao
fígado para serem usados na síntese de ácidos graxos e então de triglicerídeos
(figura 12).

265
Bioquímica Básica

Figura 12: Uso dos combustíveis energéticos por vários tipos celulares no
estado alimentado. As bolinhas cinza grandes são quilomícrons e as bolinhas
pequenas pretas são quilomícrons remanescentes. Fonte: DEVLIN, T. Manual de
Bioquímica com Correlações Clínicas. São Paulo: Edgard Blucher, 2007.

266
Bioquímica Básica

No jejum inicial (12 a 24 horas) a síntese de insulina é inibida, dando lugar à


síntese de glucagon, adrenalina e cortisol (na verdade, o glucagon já é produzido
nas primeiras horas após a refeição para contribuir na manutenção da glicemia
sanguínea através do estímulo da degradação do glicogênio hepático). Nesta etapa
do jejum, a degradação do glicogênio hepático é o principal mantenedor da
glicemia sanguínea. Alanina e glutamina do músculo e lactato do músculo e das
hemácias são enviados para o fígado para a gliconeogênese. A gliconeogênese
ajuda na glicemia e nas funções cerebrais (figura 13).

Figura 13: Inter-relações metabólicas dos vários tipos celulares no jejum inicial.
Fonte: DEVLIN, T. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. São Paulo:
Edgard Blucher, 2007.

267
Bioquímica Básica

No jejum avançado (após 24 horas), quando os níveis de glicogênio hepático


estão muito baixos e o glicogênio muscular e cerebral estão praticamente
esgotados, a gliconeogênese está bastante ativa no fígado (além da alanina,
glutamina e lactato, o oxaloacetato hepático também é usado na gliconeogênese).
Tecido adiposo hidrolisa triglicerídeos para enviar ativamente ácidos graxos para o
sangue para nutrir músculos e para nutrição do próprio órgão e isto prossegue por
muitos dias, dependendo da reserva de triglicerídeos de cada pessoa. Fígado capta
boa parte destes ácidos graxos e hidrolisa também seus triglicerídeos liberando
mais ácidos graxos. O excesso de acetilCoA produzido na oxidação destes ácidos
graxos leva a produção de corpos cetônicos para nutrir músculos e principalmente
cérebro. O cérebro passa a depender exclusivamente da gliconeogênese e dos
corpos cetônicos como combustível energético. O glicerol gerado da hidrólise dos
triglicerídeos tanto no adiposo quanto no fígado também é usado na
gliconeogênese. Se o jejum se mantiver por vários dias, proteínas musculares
começam a ser degradadas e os aminoácidos são usados para a obtenção de
energia, assim como proteínas hepáticas são degradadas e os aminoácidos são
usados na gliconeogênese. Em paralelo, mais aminoácidos alanina e glutamina são
enviados do músculo para o fígado para a gliconeogênese. O aumento da
produção de corpos cetônicos leva o organismo a poupar as proteínas musculares,
porém causam acidose sanguínea e em alguns casos, a morte. A gliconeogênese a
partir do glicerol, lactato, oxaloacetato e aminoácidos podem suprimir a produção
de corpos cetônicos (figura 14).

Realimentação através de uma dieta balanceada contendo açúcares,


triglicerídeos e proteínas leva à diminuição progressiva da gliconeogênese e da
produção de corpos cetônicos no fígado, da degradação de triglicerídeos do tecido
adiposo e da degradação de proteínas musculares. A glicemia é restabelecida, os
níveis de glicogênio e triglicerídeos vão aumentando e assim se obtém novamente
o balanço normal entre a síntese de insulina e de glucagon.

268
Bioquímica Básica

Figura 14: Inter-relações metabólicas dos vários tipos celulares no jejum


avançado. Fonte: DEVLIN, T. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas.
São Paulo: Edgard Blucher, 2007.

269
Bioquímica Básica

LEITURA COMPLEMENTAR

DEVLIN, T. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. São


Paulo: Edgard Blucher, 2007.

HARPER, H. A. Bioquímica. Rio de Janeiro: Atheneu, 2002.

LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006.

STRYER, L. Bioquímica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.

VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Rio de


Janeiro: Artmed, 2002.

É HORA DE SE AVALIAR!

Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão


ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de
ensino-aprendizagem.

270
Bioquímica Básica

Exercícios – Unidade 6

1. De acordo com as regras do metabolismo, existem moléculas que o corpo


prefere metabolizar. Estas moléculas preferenciais são:

a) carboidratos

b) lipídios

c) proteínas

d) vitaminas

e) sais minerais

2. Alguns hormônios têm participação direta no metabolismo de moléculas


alimentares. Dentre os diversos tipos de hormônios, existe um em especial que
participa estimulando o armazenamento de glicogênio e de triglicerídeos nas
células. Este hormônio é o/a:

a) glucagon

b) Norepinefrina

c) cortisol

d) insulina

e) epinefrina

3. Ligação da insulina ao seu receptor:

a) ocorre nas subunidades β

b) induz autofosforilação do receptor

c) reduz ligação de substratos protéicos no citoplasma

d) leva à fosforilação de lipídios, mas não de proteínas

e) ocorre nos principais tecidos, exceto músculos

271
Bioquímica Básica

4. Tecido adiposo responde ao glucagom:

a) sintetizando triglicerídeos

b) realizando gliconeogênese

c) degradando triglicerídeos

d) produzindo corpos cetônicos

e) ativando a lipoproteína lípase

5. Um paciente foi diagnosticado como portador de uma deficiência


genética no receptor para glucagon nos hepatócitos. As consequências
desta deficiência sobre os níveis sanguíneos de glicose e sobre a reserva
de glicogênio hepático seriam:

a) baixa glicemia sanguínea e diminuição dos níveis de glicogênio


hepático

b) baixa glicemia sanguínea e aumento dos níveis de glicogênio


hepático

c) alta glicemia sanguínea e diminuição dos níveis de glicogênio


hepático

d) alta glicemia sanguínea e aumento dos níveis de glicogênio


hepático

e) indiferente, pois as células hepáticas não possuem receptores para


glucagon

272
Bioquímica Básica

6. Um indivíduo em regime de emagrecimento manteve uma dieta muito


pobre em açúcares e rica em proteínas. Após um mês, foi observado um aumento
dos níveis de ureia (no sangue e na urina) e sintomas de acidose metabólica. Um
pedido de dosagem hormonal sanguínea apontaria o aumento da concentração de
qual (is) hormônio(s)?

a) insulina

b) insulina e adrenalina

c) glucagon e insulina

d) insulina e cortisol

e) glucagon e adrenalina

7. Em algumas partes do mundo, a carne é consumida em grandes


quantidades, frequentemente mais do que outros alimentos. A obesidade pode
ocorrer nesses comedores compulsivos de carne se a sua ingestão exceder as suas
necessidades calóricas. Uma explicação sobre a relação direta entre a ingestão
excessiva de carne (rica em proteínas) e aumento da obesidade seria:

a) proteína em excesso na dieta pode, através do catabolismo dos


aminoácidos, levar a produção de muito acetilCoA, promovendo síntese de ácidos
graxos e consequentemente triglicerídeos no tecido adiposo, causando obesidade.

b) proteína em excesso na dieta pode ser acumulada no tecido adiposo,


causando obesidade.

c) proteína em excesso na dieta pode induzir a multiplicação de células do


tecido adiposo, causando obesidade.

d) proteína em excesso na dieta pode contribuir para a formação de corpos


cetônicos e estes podem se acumular no tecido adiposo causando obesidade.

e) proteína em excesso na dieta pode aumentar a gliconeogênese, fenômeno


associado diretamente com a obesidade.

273
Bioquímica Básica

8. Três grupos de células hepáticas (A, B e C) foram colocados separadamente


em meio de cultura contendo glicose. Na cultura A adicionou-se glucagon, na B foi
adicionada adrenalina e na C insulina. Após um determinado tempo, foram
retiradas amostras contendo células de cada grupo. Dosou-se glicose do meio de
cultivo e glicogênio intracelular. Espera-se observar:

a) células A e B apresentaram muito glicogênio intracelular e o meio de cultivo


continha pouca glicose.

b) célula A apresentou pouco glicogênio intracelular, mas o meio de cultivo


também continha pouca glicose.

c) células B e C apresentaram muito glicogênio intracelular e o meio de cultivo


continha muita glicose.

d) célula C apresentou muito glicogênio intracelular e o meio de cultivo


continha assim pouca glicose.

e) as células A, B e C apresentaram pouco glicogênio intracelular e o meio de


cultivo continha pouca glicose.

9. Células hepáticas e musculares foram cultivadas em frascos separados na


presença de insulina e glicose. Após 24 horas o meio de cultivo de cada uma foi
trocado sendo que o novo meio não continha glicose e ao invés de insulina foi
adicionada glucagon.

a) O que acontecerá ao nível do metabolismo de glicogênio nas duas situações


na presença de insulina?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

274
Bioquímica Básica

b) Na segunda etapa do experimento (sem glicose + glucagon) um dos dois


tipos celulares liberava glicose do interior da célula para o meio de cultivo. Qual
das duas células era capaz de fazer isso? Porquê?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

10. Pessoas com diabetes costumam adotar uma dieta pobre em carboidratos,
principalmente glicose. Assim, os tecidos dos pacientes, por não utilizarem a
glicose como combustível, oxidam grandes quantidades de ácidos graxos, tanto
nos músculos quanto no fígado e tecido adiposo. O cérebro, dependente de
glicose, é talvez o tecido mais prejudicado. Além disso, o fígado gasta quantidades
consideráveis de intermediários metabólicos e energia no processo de
gliconeogênese. Nestas condições, o acetil-CoA produzido a partir da -oxidação
dos ácidos graxos tende a acumular-se na mitocôndria das células hepáticas.
Embora o acetil-CoA não seja tóxico, as mitocôndrias hepáticas encontram
mecanismos para evitar o acúmulo deste metabólito, inclusive favorecendo o
cérebro. Responda:

a) Qual a solução encontrada pelas células hepáticas para evitar esse acúmulo?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

b) Além do cérebro, qual outro tecido é favorecido neste processo?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

275
Bioquímica Básica

276
Bioquímica Básica

Considerações Finais

Chegamos ao final dos estudos da disciplina Bioquímica básica. Ao iniciar os


estudos, lá na unidade I, talvez você, estudante, tivesse achado que seria muito
difícil a compreensão da mesma, uma vez que nem sempre o estudante possui os
conceitos celulares e moleculares básicos para encarar os conceitos bioquímicos.

O próprio nome – Bioquímica – por si só já assusta, mas ao longo das unidades


a disciplina foi gradativamente fornecendo os conhecimentos básicos, técnicos e
modernos e assim você foi aos poucos assimilando a Bioquímica. Hoje, ao final da
disciplina, não há dúvidas da evolução do conhecimento no(a) estudante.

Lembrando que este material não contém toda a Bioquímica, mas somente o
necessário para que o estudante possa prosseguir na sua trajetória acadêmica.
Portanto a leitura de livros, revistas e artigos é imprescindível para quem quer estar
sempre atualizado no tema.

Boa sorte e sucesso!

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Bioquímica Básica

278
Bioquímica Básica

Conhecendo o autor

Michel do Nascimento Miranda é graduado em Ciências Biológicas pela UERJ


(1994-1997), Mestre em Biologia, área de concentração em Biociências Nucleares
pela UERJ (1998-2000), Doutor em Ciências, área de concentração em Biociências
Nucleares pela UERJ (2001-2005) e tem dois Pós-doutorados, sendo um no instituto
de Bioquímica Médica da UFRJ (2006-2011) e outro como pesquisador na empresa
Hygeia Biotecnologia Aplicada, vinculada à UFRJ (2011).

É professor da UNIVERSO, campus São Gonçalo desde 2001, lecionando as


disciplinas Biologia Celular, Bioquímica, Genética, Biofísica e Microbiologia para
diferentes cursos da área da saúde. Possui também na UNIVERSO dois projetos de
extensão, um intitulado Genética e Saúde e outro intitulado reciclagem de óleo
para a produção de sabões, detergentes e biodiesel. Também é, desde 2011, oficial
(2º tenente) da Aeronáutica atuando como professor de Ciências e Biologia no
Colégio Brigadeiro Newton Braga. Já foi professor substituto da UERJ (2004-2005),
professor da Universidade Santa Úrsula (2005) e professor do colégio/curso Equipe
1 – sistema Miguel Couto de Ensino (2007-2009).

Possui três artigos em revistas científicas internacionais e um quarto artigo em


fase final de preparação, já participou de duas bancas examinadoras de graduação,
tem outras duas aprovações em concursos públicos, uma na UFF (2009) e outra na
UFRJ (2010), além de ter ministrado diversos cursos de extensão e palestras ao
longo de sua trajetória acadêmica. O link para o curriculum Lattes do autor está
disponível em: <http://lattes.cnpq.br/3473392810555188>.

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Bioquímica Básica

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Bioquímica Básica

Referências

DEVLIN, T. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. 6. ed., São


Paulo: Edgard Blücher, 2007.

HARPER, H. A. Bioquímica. 8. ed., Rio de Janeiro: Atheneu, 2002.

LEHNINGER, A. L. Princípios de Bioquímica. 3. Ed., Editora Worth publishers,


2006.

STRYER, L. Bioquímica. 3. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004.

MOTTA, V. T. Bioquímica. 2. ed., Rio de Janeiro: Medbook, 2011.

VOET, D., VOET, J. G., PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica. 2. ed., Porto


Alegre: Artmed, 2002.

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Bioquímica Básica

282
Bioquímica Básica

A nexos

283
Bioquímica Básica

Gabaritos

Exercícios – Unidade 1

1. D

2. C

3. A

4. D

5. B

6. E

7. C

8. A

9. Resp a) Água fazendo quatro pontes de hidrogênio com outras moléculas de


água define o estado sólido, rompimento de pontes de hidrogênio entre as
moléculas de água transforma a água sólida em água líquida e até em água gasosa.

Resp b) A interação ocorre quando o hidrogênio de uma molécula se aproxima


do oxigênio, nitrogênio ou flúor de outra molécula, no entanto o hidrogênio
precisa estar ligado a um elemento bastante eletronegativo (não pode ser
carbono).

Resp c) Sim, basta ter as condições descritas na resposta anterior. Nas


proteínas ocorrem pontes de hidrogênio entre os aminoácidos, no DNA e no RNA
ocorrem pontes de hidrogênio entre os nucleotídeos etc.

10.

Resp a) pK 2,0 e faixa tamponante entre pH 1,0 e 3,0.

Resp b) funciona evitando variações bruscas no pH de uma solução quando


pequena quantidade de ácidos ou bases são adicionados

284
Bioquímica Básica

Exercícios – Unidade 2

1. E

2. C

3. E

4. C

5. E

6. B

7. B

8. A

9. Resp: para o pólo negativo, pois o pH 7,0 é menor que o pI dos dois aminoácidos.
pI acima do pH faz o aminoácido ter carga positiva

10. Resp A: 3 bandas, sendo a proteína Z a que migra mais rápido, seguido da
proteína Y e depois da Z, esta última que migra mais lentamente e estará acima das
demais no gel.

Resp B: por ser uma coluna de gel filtração, primeiro sai a Y (maior peso
molecular e portanto maior tamanho), depois a X e por último a Z (menor peso
molecular)

Exercícios – Unidade 3

1. E

2. C

3. B

4. B

5. C

6. D

285
Bioquímica Básica

7. A

8. D

9. Resp A: rotas 1 e 2

Resp B: rota 1

Resp C: 30 ou 32 ATP

10. Resp A: O acúmulo de lactato significa que o ambiente está sem oxigênio e
assim piruvato é convertido em lactato.

Resp B: Porque sem oxigênio consegue-se somente 2 ATP por glicose, ou seja
para conseguir os mesmos 32 ATP na presença de oxigênio, são necessários
consumir 16 moléculas de glicose.

Exercícios – Unidade 4

1. C

2. E

3. E

4. C

5. B

6. C

7. E

8. B

9. Resp: O triglicerídeo A é sólido, pois tem um alto percentual de ácidos graxos


saturados e o triglicerídeo B é líquido, pois tem alto percentual de ácidos graxos
insaturados.

10.

Resp: Na produção dos acetilCoA durante a quebra do ácido graxo e nos ciclos
de Krebs

286
Bioquímica Básica

Exercícios – Unidade 5

1. B

2. C

3. A

4. B

5. E

6. A

7. B

8. D

9. Resp A) sair do citoplasma e ir para a mitocôndria para liberar a amônia a fim de


se produzir ureia.

Resp B) aminoácido X: alanina; -cetoácido 2: piruvato.

10. Resp: a alanina e a glutamina contém as aminas dos demais aminoácidos e são
responsáveis por sair dos tecidos para o sangue e transportar estas aminas para o
fígado.

Exercícios – Unidade 6

1. A

2. D

3. B

4. C

5.B

6. E

7. A

8. D

287
Bioquímica Básica

9. Resp A: Na presença de insulina, haverá aumento na captação de glicose por


ambas as células hepáticas e musculares, assim como aumento da síntese do
glicogênio intracelular, uma vez que a insulina estimula isso nos dois tecidos.

Resp B: células hepáticas, pois células musculares não possuem receptores


para o glucagon e no fígado o glucagon estimula degradação do glicogênio
intracelular e consequentemente exportação de glicose.

10. Resp A: converter o excesso de acetilCoA em corpos cetônicos

Resp B: músculos

288

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