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FSL035 – SOCIOLOGIA BRASILEIRA DO SINDICALISMO -2018.

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Vinicius Ellero Kimati Dias – Nº USP 10340242 – 4º Semestre
Relatório de leitura – Aula 8

HUMPHREY, John. “Os operários da indústria automobilística enfrentam os


empregadores:1978” e “Os operários da indústria automobilística enfrentam o
Estado: 1979” In: ______As Fazendo o Milagre: controle capitalista e luta operária
na indústria automobilística brasileira. Petrópolis: Vozes/Cebrap, 1982, pp. 164-206

Humphrey, nos capítulos em questão, traça um panorama das movimentações do


movimento operário nos anos de 1978 e 1979 e suas relações com os empregadores e o
Estado, sobretudo no que se refere aos metalúrgicos do cinturão industrial sul (em suma,
a região do ABC). O autor parte da tese principal de que tal momento representou uma
ruptura nas relações capital-trabalho, com conflitos que não haviam sido vistos na década
anterior, de forma que ambos lados das referidas relações passaram a atuar de formas
diferente do que haviam feito no período anterior.

O ponto de partida de Humphrey (1982, pp 164-172) são as greves de 1978. Após


dez anos sem grandes processos de mobilização massiva dos trabalhadores, operários da
indústria automobilística do ABC iniciam um processo de greve de grandes proporções e
relativamente vitorioso em pautas econômicas. O certo sucesso desta mobilização
combinou fatores organizativos (como uma direção sindical com maior legitimidade em
algumas fábricas e que não descartava formas de mobilização mais radicalizadas),
conjunturais (sobretudo no referente à abertura política iniciada pela ditadura civil-
militar, com maior liberdade de reunião e organização sindical) e espontâneos – com um
grande contingente de trabalhadores disciplinado e resistente à repressão e a tentativas de
desmobilização no decorrer da greve.

Tal ocorrido representou um novo sindicalismo em gestação, o que alarmou a


classe industrial e o Estado, profundamente ligado aos interesses desta. Diante da ameaça
da retomada de mobilizações de massa dos trabalhadores, o empresariado se cindiu em
dois grupos que buscavam, de formas distintas, restaurar a ordem estabelecida
anteriormente. Parte da burguesia (a “linha-dura”) defendia o aprofundamento da
repressão ao sindicalismo e a parceria com o Estado e o Ministério do Trabalho para
intervir e desarticular as organizações dos trabalhadores. Por outro lado, parte dos
empresários, favorável à abertura política iniciada pelo governo Geisel, via que o novo
quadro político exigia novas relações com os operários, de forma que seria necessário
conviver com os sindicatos. Estes, na visão desse grupo, teriam um caráter igual às
organizações estadunidenses – com uma base disciplinada, em constante contato com o
empregador e portador de demandas unicamente econômicas e locais, entendendo a
necessidade de rentabilidade e lucro da empresa.

As mobilizações do ano seguinte, 1979, ampliam o sentimento de necessidade de


uma nova forma de lidar com os sindicatos pelos industriais. Novamente o novo
sindicalismo assume postura protagonista em greves centralizadas no ABC mas que se
irradiam para diversos centros urbanos do Brasil. As mobilizações, de caráter novamente
massivo, não apenas levantam pautas exclusivamente econômicas mas passam a integrar
lutas mais amplas de combate à ditadura, como a defesa da Anistia, por uma Constituinte,
eleições diretas etc. Apesar de não haver derrota total para os empregadores, estes tiveram
que se dispor à negociação com os sindicatos, numa situação de ascenso das mobilizações
de massa dos trabalhadores.

Frente a esta nova onda de greves em 1970, o empresariado e o Estado atuam


conjuntamente na tentativa de desmobilização dos operários. Por um lado, há uma maior
perseguição ao novo sindicalismo pela repressão, com a prisão de diversos líderes, a
intervenção pelo Ministério do Trabalho nos sindicatos e a demissão de grevistas. Por
outro lado, ocorre o empreendimento de ações desmotivadoras para a organização
sindical e a greve, como a nova política salarial criada pelo governo Figueiredo em 1979
e o oferecimento de promoções, aumentos salariais e benefícios a militantes sindicais em
troca de menor engajamento. Apesar de certos casos pontuais de sucesso, tal atitude da
burguesia em conjunto com o Estado, que combinou práticas defendidas tanto pela linha-
dura quanto pelos mais “liberais” dos donos da indústria, não foi capaz de impedir
totalmente a reorganização da classe trabalhadora.

Para os operários, sobretudo os grupos que estiveram no epicentro das greves de


1979-1980 (notadamente o ABC), este biênio representou um processo de crescimento
político considerável. Apesar de antes de 1978 a direção do novo sindicalismo ter já
assumido certa oposição e desconfiança em relação às lideranças sindicais tradicionais,
as mobilizações deste ano desencadearam um processo de consolidação desse grupo
como representativo de parcela numerosa e mobilizada da classe trabalhadora, trazendo
novas características em suas demandas e mobilizações.

Primeiramente, como já dito, as organizações operárias passaram a conjugar lutas


econômicas e referentes ao cotidiano das e dos trabalhadores (salário, condições de
segurança, jornada de trabalho) com pautas mais amplas da conjuntura política, como a
defesa da Anistia aos presos políticos, de uma Assembleia Constituinte e de eleições
diretas. A direção sindical metalúrgica do período, inicialmente descrente na política de
forma geral, no momento de 1978-1979 passou a se aproximar do conjunto dos setores
progressistas e a articular a criação de um Partido dos Trabalhadores, que representaria
os interesses políticos da classe trabalhadora.

As mobilizações de 1978-1979 também tiveram o efeito na organização sindical


mobilizada no período foi uma ruptura política com o sindicalismo representativo do
período anterior. Humphrey (1982, pp. 181-184) narra que, seguida às greves de 1978,
houve um momento de negociação entre empregadores e os sindicatos. Enquanto os
pelegos dos sindicatos do interior do estado de São Paulo, que não se mobilizaram ou o
fizeram de forma muito menos expressiva, aceitaram a proposta feita pelos empregadores,
a direção sindical do ABC decidiu entrar em greve uma vez que a referida proposta era
prejudicial aos operários de sua região. Tal processo, apesar de um esperado isolamento
do novo sindicalismo, foi decisivo para a construção das greves de 1979 e para o aumento
do protagonismo do grupo autointitulado “autêntico”. Junto a tal rompimento político,
passaram a ser levadas novas reinvindicações pelo novo sindicalismo que muitas vezes
confrontavam pautas históricas dos pelegos, como a discussão de novas formas de
financiamento dos sindicatos não atreladas ao Estado e menor tutela do poder público
sobre a organização operária.

Tendo em vista as configurações que se desenhavam após o biênio 1978-1979, é


pertinente a discussão sobre a forma que o novo sindicalismo que se consolidava neste
período influenciou as bandeiras centrais do sindicalismo, inclusive em questões ainda
controversas no movimento operário (como o financiamento alternativo das organizações
e menor regulamentação do Estado sobre a liberdade sindical). Também é de grande
importância o debate sobre a influência das mobilizações, lideranças e organizações do
período na construção de um novo ciclo da esquerda a partir do fim da ditadura civil-
militar, ciclo este marcado pela fundação do Partido dos Trabalhadores.

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