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QUI, 26 ABR 2018 | 12:22 ATUALIDADES

A crise política do ponto de


vista da geogra a
Docente aponta aspecto federativo como
um dos fatores do desarranjo da
institucionalidade no país

TEXTO: LUIZ SUGIMOTO FOTOS: ANTONIO SCARPINETTI


EDIÇÃO DE IMAGEM: LUIS PAULO SILVA

Conceitos como de densidade e rarefação, uidez,


lugares luminosos e vida cívica substituem o
politiquês e o economês nas aulas do professor
Márcio Antonio Cataia sobre “Desigualdades
territoriais e crise política no Brasil”. Além de
utilizar esses conceitos para sustentar que o país
vive uma crise político-territorial que gera uma
ÁREA DE SAÚDE tendência à ingovernabilidade
FACULDADES E INSTITUTOS INGRESSO dos PARA...
INFORMAÇÕES lugares, o Pesquisa person En

docente da Unicamp aponta um aspecto federativo


relacionado ao Plano de Aceleração do
Crescimento (PAC) ignorado pela mídia, mas que
em sua opinião contribuiu em boa medida para o
impeachment de Dilma Rousseff e para o
desarranjo da institucionalidade que vivenciamos
atualmente.

“Em um país como o nosso, de grande extensão


territorial e grandes disparidades regionais e de
renda, o território é modernizado para a densidade
e a uidez, mas de forma intensamente seletiva, o
que cria novas e aprofunda antigas desigualdades”,
observa Márcio Cataia, docente do Departamento
de Geogra a e diretor associado do Instituto de
Geociências (IG). “Vemos agora o que parece um
crescimento econômico medido pelo PIB, mas a
pobreza se expande pelo território, com os serviços
públicos ainda mais rarefeitos nas áreas periféricas
do país e das grandes cidades. No curto prazo as
coisas não tendem a melhorar.”

O professor recorre ao geógrafo Milton Santos para


pensar o território em razão do que há de mais e de
menos concentrado nos lugares. “Um exemplo está
nas infraestruturas que interditam ou autorizam o
exercício da vida cívica nos lugares – saúde,
habitação, transporte. Normalmente os lugares de
maior densidade populacional não são aqueles
mais bem servidos por serviços sociais; basta
observamos as largas periferias das grandes
cidades do país. Não herdamos um território em
que essas diferentes densidades fossem
coincidentes, pelo contrário, o território é
constituído por lugares de alta densidade técnica,
ÁREA DE SAÚDE como certas
FACULDADES áreas deINGRESSO
E INSTITUTOS Campinas, atrativas
INFORMAÇÕES PARA... para um Pesquisa person En

grande número de habitantes de outras cidades que


vêm buscar serviços de alta complexidade,
constituindo-se assim em um espaço luminoso em
comparação com outras partes do país.”

Segundo Cataia, o mesmo se dá com o sistema de


circulação paulista, de uma densidade sem paralelo
no território nacional, com grande quilometragem
de vias pavimentadas e uma expansão dos
pedágios que asseguram um serviço de qualidade.
“A velocidade com que se circula aqui não é a
mesma que em outras partes do território, onde as
condições das rodovias não permitem tanta uidez
espacial; da mesma maneira que não se pode
a rmar que a infraestrutura por si mesma cria o
movimento. A uidez técnica do território paulista
resulta da dinâmica e do poder de sua produção.
Sempre é importante lembrar o caso do sertão
nordestino, onde há um sistema de movimento de
muito boa qualidade, mas que foi criado em razão
de frentes de trabalho necessárias em momentos
de grandes crises, ou seja, há boa densidade de
rodovias, mas a circulação é mais rarefeita.”
ÁREA DE SAÚDE Marco Antonio
FACULDADES Cataia: “O mais
E INSTITUTOS comum é INFORMAÇÕES
INGRESSO que sejamos atingidos por
PARA... Pesquisa person En
impulsos globais que reorganizam o território com uma velocidade
inaudita”

Essa maior uidez do território, acrescenta o


geógrafo, reorganiza a arrecadação de impostos,
conformando novas desigualdades entre os
espaços densos e rarefeitos. É o caso das praças
de pedágio, que devolvem parte do que arrecadam
aos municípios. “A arrecadação de impostos é
diferenciada de outros lugares do país
simplesmente por existir esse sistema: naqueles
lugares menos densos, rarefeitos, mas com o
mesmo número de habitantes, a ausência de
pedágios representa uma grande desigualdade na
perspectiva orçamentária. Outro caso relevante é a
presença da Re naria de Paulínia (Replan), cuja
devolução tributária de ICMS permite a esse
município uma distinta distribuição de serviços
para a vida cívica. Ou seja, o território não é apenas
produzido pela sociedade, mas ele também é
produtivo à sociedade.”

Márcio Cataia esclarece outro conceito importante


relacionado às desigualdades territoriais, os
sistemas de objetos, que permitem compreender o
território a partir de sua vida sistêmica, ou seja, da
difusão de obras de engenharia e de grandes
objetos – o que os engenheiros chamam de
infraestrutura. “Pelo menos até a Segunda Guerra
Mundial, tínhamos um território muito fragmentado,
que se convencionou chamar de ‘Brasil
arquipélago’. Os lugares pouco se comunicavam
entre si e as desigualdades resultavam geralmente
de problemas internos a cada lugar ou região – e,
ÁREA DE SAÚDE por vezes,
FACULDADES os fenômenos
E INSTITUTOS INGRESSO que acirravam
INFORMAÇÕES PARA... as Pesquisa person En

desigualdades podiam ser periódicos, como as


secas históricas no Nordeste.”

O docente observa um cenário diferente hoje,


quando os lugares possuem conexões que chegam
à escala do mundo e, por isso, grande parte dos
eventos que ocorrem nos lugares acaba
repercutindo ou sendo o resultado de impulsos que
acontecem em outros, especialmente na América
Latina. “O mais comum é que sejamos atingidos
por impulsos globais que reorganizam o território
com uma velocidade inaudita. Daí que o fenômeno
da desigualdade já não resulta apenas de nexos
locais, mas sobretudo de nexos sistêmicos. Esses
nexos caram patentes com o apagão de 2001, em
que a arena do problema se deu em dado lugar,
mas atingiu muitas regiões que fazem parte do
Sistema Interligado Nacional.”

Cataia atenta que a complexidade sistêmica não é


apenas física, materialmente falando, dando-se
também na perspectiva normativa. “Em boa
medida, a incorporação dos modernos sistemas
técnicos é possível em razão da produção de novas
normas, o que reorganiza o mundo político em face
das exigências de transformação do território para
a uidez, para a velocidade. Como a rmava Milton
Santos, a velocidade é técnica, mas é também
política. Aqui há uma fonte fundamental de
desigualdade territorial: a adaptação dos lugares
aos impulsos globais, comandados pelas grandes
empresas, sequiosas por espaços uídos,
pressiona os orçamentos públicos na direção da
ÁREA DE SAÚDE produção de materialidades
FACULDADES E INSTITUTOS INGRESSO que, na PARA...
INFORMAÇÕES maioria das Pesquisa person En

vezes, não servem, ao mesmo tempo, para a


realização da cidadania e a realização da uidez.”

Crescimento de fato

Na opinião de Márcio Cataia, o Brasil teve um


período de crescimento de fato nos governos Lula e
Dilma, com políticas públicas importantes que
contribuíram para a minimização das
desigualdades, garantindo que alguns lugares
pudessem criar economias locais. “Pesquisas
realizadas aqui na Geogra a mostraram, por
exemplo, como o programa Bolsa Família
promoveu certa dinâmica econômica nas pequenas
cidades. Mas no momento em que essa política
pública é retirada, vemos que aquele crescimento
econômico não foi capaz de garantir uma
estabilidade para a vida cívica da população mais
pobre, e que essas áreas voltaram a apresentar
imensas desigualdades, algumas retomadas e
outras resultantes do processo que vem ocorrendo
agora.”

O docente do IG a rma que a desigualdade


territorial, que evidentemente se junta à
desigualdade social, acaba por gerar uma
tendência à ingovernabilidade dos lugares. “A vida
cívica nos lugares está em boa medida relacionada
com a organização da vida política nacional, que
tem o federalismo como fundo organizativo, com a
distribuição dos recursos entre União, estados e
municípios. Essa divisão orçamentária é feita com
base no número de habitantes e do tamanho da
ÁREA DE SAÚDE pobreza de cada INGRESSO
FACULDADES E INSTITUTOS lugar, ouINFORMAÇÕES
seja: PARA...
entre dois Pesquisa person En

municípios com a mesma população, aquele de


menor renda per capita recebe fatia maior.”

Cataia vê no sistema orçamentário federativo uma


boa arquitetura para garantir, em tese, a integração
do território e compensar lugares com menor de
renda, mas atenta que a presença de virtualidades
com a Replan, praças de pedágio, grandes
hidrelétricas ou maior oferta de empregos implica
na redistribuição de muito mais recursos para
esses lugares luminosos. “Isso leva a uma
desigualdade no que tange à vida cívica nacional,
que é traduzida no cotidiano de uso dos sistemas
de saúde, educação e transporte, para citarmos os
mais básicos. Os programas sociais dos governos
Lula e Dilma foram uma tentativa não exatamente
de distribuição de renda, mas de injetar renda em
lugares onde ela era muito rarefeita, o que teve uma
importância muito grande.”

O geógrafo lamenta que aquele projeto de políticas


públicas tenha sofrido uma retração desde 2016,
especialmente por conta da “PEC do m do mundo”,
projeto de emenda constitucional que coloca um
teto para os gastos públicos (em saúde, educação,
infraestrutura) e reduz os direitos sociais. “É uma
retração que leva à expansão do quadro que temos
hoje, em que a crise econômica promove o
desemprego (chegamos à taxa de 13 milhões de
desempregados), ao mesmo tempo em que a
precarização do mundo do trabalho promove a
possibilidade de salários bem menores.”
ÁREA DE SAÚDE Para Cataia,
FACULDADES a retração
E INSTITUTOS INGRESSO nos INFORMAÇÕES
programas PARA... sociais, Pesquisa person En

aliada aos problemas nos serviços públicos,


provoca uma crise profunda com consequências
perversas na perspectiva do território. “Os espaços
que não possuem uma economia dinâmica veem
aprofundar sua letargia, enquanto os espaços que a
possuem veem a expansão do que na geogra a
chamamos de circuito inferior da economia urbana.
Falamos do circuito formado pelo trabalho sem
carteira assinada, do trabalho por conta, do
pequeno comerciante que não legaliza a atividade e
vai vender seus produtos nas áreas de maior
circulação no centro das grandes cidades. É a
expansão de um trabalho que não permite
remuneração para uma vida digna, é a reprodução
da pobreza na cidade. É a economia política da
cidade orientada pela perversidade.”

O professor da Unicamp explica que essas


questões todas reorganizam territorialmente a
cidade, onde espaços anteriormente recuperados
são novamente ocupados por moradores de rua
que voltam a ser vistos em pontos que haviam
deixado, se apropriando e circulando pelo território.
“É a geração da pobreza que gera mais pobreza.
Uma questão que pode não parecer grave para a
classe média, é o aumento do preço do botijão de
gás, assim como do quilowatt/hora da energia
elétrica que, por já ser um dos mais elevados do
mundo, vem trazendo os ‘gatos’ de volta – isso
muda a dinâmica no mundo da pobreza.”

De acordo com Márcio Cataia, a crise econômica


reforça um problema político que considera muito
grave, que é o da ingovernabilidade, já que as
prefeituras não têm capacidade orçamentária para
ÁREA DE SAÚDE responder a tantas demandas
FACULDADES E INSTITUTOS INGRESSO sociais.PARA...
INFORMAÇÕES “Se alguns Pesquisa person En

municípios têm essa capacidade, 90% deles (são


5.575 municípios no país) possuem menos de 50
mil habitantes, 90% não contam com arrecadação
própria e 90% vivem do repasse do Fundo de
Participação dos Municípios, sem poder atender a
políticas que deem condições de vida digna para
essa massa de gente pobre. Como governar uma
cidade onde há expansão da pobreza e as
prefeituras não têm condições de responder a
isso?”

Questão central

O professor vê uma questão central na discussão


sobre desigualdades territoriais e crise política: que
desde os governos de Lula até os governos de
Dilma, havia uma proposta federativa de
articulação política entre a União e os municípios.
“Esse fortalecimento dos laços entre as duas
instâncias do executivo se dava a partir de
programas desenvolvidos pelos ministérios, tendo
sido o PAC [Programa de Aceleração do
Crescimento] um orientador de tais políticas. As
prefeituras montavam seus projetos e buscavam
nos programas federais os recursos para viabilizar,
por exemplo, habitações dentro do Programa Minha
Casa Minha Vida. Um aspecto importante é que
todos os projetos eram construídos por meio de
convênio, o que colocava União e municípios em
uma institucionalidade que não passava por dentro
do Congresso Nacional – pelos congressistas e
seus currais eleitorais.”
ÁREA DE SAÚDE O FACULDADES
geógrafo explica, em
E INSTITUTOS outrasINFORMAÇÕES
INGRESSO palavras, que essa Pesquisa person
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forma de organização federativa permitiu aos entes


subnacionais (Estados e municípios) realizar
políticas locais sem que recursos transitassem por
emendas parlamentares, embora estas
continuassem a existir. “Essa proposta federativa
se manteve por um bom período, mas se esgotou
diante da percepção dos parlamentares de que
haviam deixado a velha função de apresentar
emendas para atender seus eleitores, visto que o
grosso dos investimentos não passava mais pelo
Congresso, e sim pelos nexos diretos.
Pessoalmente, não tenho dúvida de que, dentre
outras razões, o Congresso decidiu pelo
impeachment de Dilma em razão de ter sido
enfraquecido por essa política de fortalecimento
institucional federativo.”

Márcio Cataia cita dados disponíveis no site da


Transparência Brasil mostrando que, enquanto
vigorou a institucionalidade federativa, as emendas
parlamentares representavam apenas entre 5% e
7% dos recursos do PAC; um ano depois do
impeachment, saltaram para 51%, não só porque
aumentou a negociação dentro do Congresso, mas
também porque caiu o investimento no programa.
“Ou seja, cai o investimento e dispara a negociação
de bancada que o governo federal passa a fazer em
troca de apoio dos parlamentares.”

O docente da Unicamp concluiu que a atual crise


política, portanto, envolve um retrocesso ao que
tínhamos anteriormente ao governo Lula. “Ao invés
da negociação programática – que é o próprio dos
nexos federativos – visando equipar o território
com infraestruturas em função de projetos locais e
ÁREA DE SAÚDE regionais para a diminuição
FACULDADES E INSTITUTOS INGRESSO das desigualdades
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sócio-territoriais, temos novamente a negociação


de balcão, em função de interesses que voltam a
bene ciar aqueles que sempre o foram. Eis que a
federação está esgarçada.”

 
Imagem de capa JU-online

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