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Dia 25 de Agosto de 2018

Hoje venho relatar minha primeira experiencia com a Ayahuasca. Há alguns


meses recebi um convite do meu querido tatuador e amigo Bruno, que em uma das

sessões dos meus signos do braço direito, olhou atentamente a composição do

desenho, que por sinal eu mesma fiz, e disse “Lu, você tem uma sensibilidade que as

pessoas não costumam apresentar, você pode ser um espírito de luz, uma criança entre

o índigo e o cristal”.

Isso me instigou muito, daí cheguei a comprar alguns livros e dar uma brevíssima

estudada no assunto, mas sem sucesso de algo mais profundo, e fui esquecendo.

Recentemente tive o prazer de conhecer o Keny, um rapaz muito good vibes, que tem

uma pequena e charmosa barbearia perto do meu trabalho. Durante a manutenção do

meu undercut, novamente entrei nesse assunto naturalmente e soube das experiências

dele com a Ayahuasca e, que o Bruno e ele eram guardiões.

Novamente senti uma imensa vontade de descobrir o que era aquilo. Como se

fosse um chamado. Eu estou num processo confuso entre realmente saber o que quero

profissionalmente, e o processo demorado da minha CNH me tirou o sono por dias.

Nunca pensei que algo tão simples como uma carteira de motorista fosse me deixar tão

nervosa, a ponto de eu não saber o que fazer, com tremedeira e crise de ansiedade.

Foi um sentimento totalmente novo e nada agradável. E assim tomei a decisão de

buscar uma ajuda espiritual.

Eu nunca fui uma pessoa religiosa, tampouco de frequentar algum lugar. Meu

marido é ateu assumido, sendo a única coisa que paira a dúvida sobre nós é esse

negócio de energias. Eu trabalho com pessoas o dia todo, tocando nelas e conversando
pouco. Tem dias que você se sente mais pesado, como se carregasse uma soma de
pedrinhas que cada uma te deu. Em sessões de massagem e relaxamento, eu já vi

cores, vi a manifestação de alguma força. Então, sobre energias, é algo totalmente

plausível que nesse universo tão extenso, o que nos move é a energia da troca: dele

conosco, das pessoas, dos animais, das plantas e etc.

Convencer o Rui foi um trabalho de meses, dando um tempo para ele digerir a

ideia de que eu iria, que sentia que devia passar pelo menos uma vez por isso. Até que,

quando reprovei novamente no exame de carro, eu conversei novamente e ele topou ir

comigo, e experiementar também. Reservamos a data do ritual mais próximo há duas

semanas, então o dia veio.

O CEO da Rosa Mística é uma organização que faz esses trabalhos de cura com

o uso das medicinas indígenas, tem uma sede própria, um CNPJ e muitas pessoas
iluminadas que te ajudam durante todo o processo. Chegamos em ponto, as 17h. Nos

foi orientado a levar cobertas, travesseiros, colchonetes e um lanche para

confraternização final, além de ter ficado uma semana sem carne, bebidas, sexo, e

assim fizemos. Preenchemos uma longa ficha de cadastro e assim, as 20h começou a

palestra. Homens e mulheres ficam em locais separados.

A Elaine, uma das fundadoras, nos explicou sobre o uso da Ayahuasca e sobre

seus possíveis efeitos, nos orientou em como proceder em cada etapa. Nesse dia, havia

outras medicinas como o rapé e o sanangas.

A ayahuasca é uma bebida leitosa de sabor ácido, feita a partir da maceração de

duas raízes encontradas na Amazonia. Seu efeito é de um entorpecente que relaxa o


corpo como um sedativo, mas o trabalho é diferente para cada um. As maneiras de

manifestação fisica são vômitar, urinar e defecar. O rapé é um pó sagrado, colocado


numa espécie de um funil em meia lua, que é feita uma oração e colocado rapidamente

nas duas narinas. O sanangas é um colírio, seu efeito é para abrir o chakra do terceiro

olho. É pingado uma gota em cada olho, arde excessivamente durante quarenta

segundos.
Dado o começo do ritual, fui ao banheiro e foi colocada uma música. A fogueira foi

acesa e todos fizeram uma fila, recebemos um copo e a primeira dose da ayahuasca

foi servida. Havia um pessoal sentado nas cadeiras, que por lá ficaram. Eu decidi já ir

para o colchonete.

A concentração era apenas na música, por isso fica-se de olhos fechados, com as

luzes apagadas e silencio. Depois de o que acredito ter passado 20 minutos, o efeito

começou.

Meu corpo parecia estar sendo sedado, eu percebi que estava com as costas na

parede e a cabeça pendia para o lado. Subia um arrepio de ansia, mas nada saía. E a

música parecia ficar cada vez mais alta, entrando na mente mesmo. Eu estava uma

blusa de alcinhas , um poncho de lã por cima, uma saia longa com uma calça por baixo
e alpargatas. Então começou uma onda de calor, que eu sentia irradiar do estomago

para o peito, e retirei o poncho. Parecia que eu estava naquela posição há horas,

desconfortável, e a ânsia não passava.

Com os olhos fechados, eu comecei a ver espirais, que viravam rostos fantasiosos,

de animais, palhaços, formas que sorriam, que choravam, que assustavam, formas

geométricas coloridas, como uma colcha de retalhos de muitas informações. A cabeça

parecia doer fisicamente, mas na mente era como uma viagem, uma dimensão

estranha.

Depois de certo ponto, percebi algo ruim, como se fizesse força para sair. Eu abri

os olhos levemente para pedir auxílio. Se aproximou uma mulher, perguntou o que eu
sentia, se eu queria fazer a limpeza. Disse que sim, e ela me ajudou a levantar e me

levou para o local destinado ao vômito. Havia pessoas ali, mas eu não conseguia abrir
o olhos. Eu segurei nas mãos da mulher e senti alguem colocando uma cadeira para

mim. Eu sentei, e uma onda de tristeza muito grande preenchia minha mente. Não havia

mais rostos, nem menções à alguma coisa. Era algo como se fosse uma bola de tristeza,

uma forma indefinida que se chamava tristeza. Eu chorava como uma criança, tentava
expelir aquilo e não conseguia.
A mulher me perguntou se eu queria que aplicasse Reiki. Eu nunca senti o poder

do Reiki antes, mas ela tocou meus ombros, minha cabeça, minhas mãos, e o

sentimento foi passando aos poucos.

Ela me levou de volta para o colchonete me orientou a ficar deitada. Chegou uma

hora da música que se eu abrisse os olhos, eu ficava irritada, queria sair e me

perguntava “O que diabos estou fazendo aqui”... Mas quando fechava os olhos eu

conseguia encontrar um pouco de paz. Hora rostos assustadores, hora sorrisos de

pessoas. No meio desse turbilhão, o que eu acredito ter sido a hora mais profunda e

boa, foi quando meu Eu Superior se manifestou.

As pessoas podem relatar isso de várias maneiras diferentes, sendo para cada

ayahuasca uma coisa diferente também. Hoje eu vi meu ser, o cerne, interior, núcleo.
E é a coisa mais linda que existe.

Há nove animais xamânicos para cada espírito, que nos acompanham para

sempre. Dos nove, quatro se manifestaram. Eu senti involuntariamente minha mão

acariciando meu rosto, me abraçava e acalmava. Dizia que ia ficar tudo bem, e que me

ama com todo o poder que tem. Ele começou com um Leão. Forte, poderoso, guerreiro.

E diminuía... Se tornou um filhote de leão, uma raposa, um híbrido de gato e raposa, e

por fim um minúsculo gatinho, frágil e extremamente brilhante. Tudo ao seu redor era

luz, amarela e laranja, que ofuscava minha visão. Eu abraçava meu peito e sentia

segurá-lo. Então as vozes vinham claramente: “Você tem amor, você tem a mim, eu vou
te proteger, tão frágil, tão forte, corajoso, seja você, mostre você ao mundo, sem medo.

O mundo tem que saber quem você é.” Era algo fabuloso, as lágrimas caíam

naturalmente com um sentimento de felicidade, inundado de amor, só amor.

Depois que eu senti esse ser me envolvendo em amor, apareceram rostos

familiares. Do Rui principalmente, eu o via e sorria. Vi minha grande amiga Mariana,

Bruna, ambas sorrindo. Vi minha família, mãe, vó, irmão e até o Zé. Como se eles me

dessem um cordão de conexão entre seus corações e o meu. E depois algo inusitado.
Me vi segurando a barriga e, entre dimensões psicodélicas, tinha um bebê ali. E aí, o
mesmo amor que tive pelo meu Eu superior, tive por essa criança. Inexplicável. Era um

menino. Depois eu o segurava nos braços, e o Rui me abraçava, tudo num laço cor de

rosa luminoso. Ele crescia em flashs muito rápido. Criança, adolescente, adulto. E eu

envelheci e sentia meu Ser retornar às estrelas.

Eu brevemente vi o antes, parecia ser Gaia, Eva, Lilith ou qualquer um desses

nomes para representar uma mulher celestial, eu apenas sabia que era uma mulher

pelo formato de seu corpo, mas não havia rosto. Depois eu vi eu mesma no passado,

uma mulher egípcia. E depois, um homem, com rosto jovial de barba e bigode, nu e

com o corpo tatuado. Eu sabia que ele era gay, e ele dançava. E eu somente deduzia

que foi eu mesma um dia também.

Ondas de calor vinham de novo, e o efeito foi diminuindo, até que a musica mudou.
Era Serpente, da Pitty. Foi um despertar, vi pessoas se levantarem, dançando em volta

da fogueira. Um sentimento de paz tomou conta. De gratidão mesmo. E ali fiquei

sentada até o convite da segunda dose.

A segunda dose é obrigatória, pois ela equilibra os chakras que você abriu, seu

campo de visão está expandido e as músicas continuam, mas você está são.

Novamente fizemos fila, e eu vi o Rui na fila do outro lado e isso me deixou mais aliviada,

pois sem vê-lo todo aquele tempo dava uma certa angústia. A minha dose eu pedi

pouca, menos da metade do copo, pois eu já tinha visto bastante coisa. Eu bebi, peguei

pedacinhos de maçã e abacaxi que é servido e ajudam a tirar o gosto da boca, e deitei.

Depois de passados dez minutos o efeito retornou, e forte. Dessa vez eu vi o


medo, eu tentava drenar e senti que fazia um enorme esforço para tirar aquilo de mim,

então comecei a cuspir e o estomago contraía. Eu apertei o estomago e dei alguns


socos leves, e então a visão se manifestou.

Era sujo e nojento, como uma podridão. Eu meio que colocava a mão dentro da

boca e puxava algo, aquilo que aos poucos foi se formando, crescendo. Eu puxei um

misto de lombrigas, sanguessugas e toda a espécie contaminada que imagina. Era

asqueroso, eu sentia calafrios em tentar mandar aquilo pra fora. Até que comecei a
puxar algo, como se fosse um cipó, sem fim, pela boca. Aquilo era repugnante, eu sentia

que estava desesperadamente tirar aquilo sem sucesso, até que chamei alguem. Essa

garota, seu nome que perguntei depois, Paloma, me deu a mão, e quando fechei os

olhos eu a vi como um guia, me ajudando. Eu dizia que aquilo era podre e eu não

conseguia tirar, aí ela me disse para aceitar, e transformar.

Na teoria, aquilo que você tem de ruim, ainda assim é você, faz parte tentar aceitar

o que é. Mas não é um processo fácil. Eu tentei sem sucesso tirar aquilo, pois quanto

mais eu tirava, mais aparecia... e tinha momentos que eu sentia como se engolisse de

novo. E a garganta doía, o estomago contraía. Eu sentei, debrucei nos ombros da

garota, senti sua energia vindo, o cheiro do incenso e as brasas da fogueira e, com este

auxílio, trabalhar a aceitação.

Se meu Ser se mostrou tão divino, então não há o que temer, mesmo que seja

algo extremamente asqueroso. Então meu Ser o envolve em amor, envolve meu

sofrimento e essa angústia em amor, e transforma. Eu aceito o ruim, pois é também

parte de mim. E aí eu via aquelas coisas se transformarem em estrelas, como o céu da

Via Láctea. Um milhão de estrelas reluzindo e voltando para dentro, então eu bocejava

muito. Ainda resta essa coisa pegajosa, mas é um trabalho que leva tempo. Não foi e
talvez não seja na próxima ayahuasca que ela irá desaparecer.

Essa garota me colocou deitada novamente, e eu senti que precisava urinar. Então

eu me levantei e fui levada ao banheiro. Consciente, fiz e lavei as mãos. No caminho


de volta para meu colchonete, disse a ela que sentia meu peido arder, em brasa mesmo,

queimando e irradiando um calor desconfortável. Ela me orientou ser o chakra do

coração trabalhando.

O chakra do coração é responsável pelo perdão. Então a angustia da culpa se

manifestaram. A ultima imagem que vi foi do meu avô, sorrindo para mim, mas que

alguma coisa lhe faltava. O perdão veio muito mais leve que os outros sentimentos, foi

algo que não senti plenitude ou suficiente. Eu chorei por meu avô, que muitas vezes eu
o afastei de mim para não ver seu sofrimento, em um passado recente em que eu era
adolescente rebelde e não demonstrava nem amor, nem fé, nem empatia por ele. Foi

muito difícil visualizar isso relacionado ao meu avô e, ainda assim, foi algo que me

marcou e está na minha memória, pois eu também senti a culpa, a vergonha e o perdão

referente à coisas intangíveis.

O efeito foi passando ao decorrer das mudanças de musica, pois a vibração foi

ficando leve, e comecei a bocejar. Conforme eu senti a melhoria, a paz veio novamente.

Então, foi novamente servido a terceira e última dose da bebida, que agora era opcional.

Para aqueles que ainda estavam num meio entre o sóbrio e o transe e de alguma forma

precisavam estar na força, foi servido novamente uma pequena dose. Eu não aceitei.

Alguns minutos depois meus sentidos começaram a voltar, mas a música continuou e

eu senti vontade de defecar. Fui num banheiro auxiliada por uma guardiã, e consegui

ficar sozinha curtindo o som do banheiro. Após terminar, eu estava mais acordada.

Voltei para a roda e fui dançar. Foi então servido o rapé, e do lugar onde estava,

tinha uma visão clara das pessoas no chão fazendo uso da medicina. Não senti vontade,

então continuei a dançar. Um longo momento se passou, e as pessoas começaram a

despertar. Foi então servido o Sanangas.

Então eu decidi experimentar. Fui colocada deitada novamente, e aquela garota

de antes veio. Ela me orientou a deixar os olhos fechados e os bons pensamentos

fluirem. Disse que arderia de trinta a quarenta segundos, que era necessário eu

visualizar o terceiro olho abrindo e fazer um pedido. Ela pingou uma gota em cada olho,
eu abri levemente e fechei, quando a ardencia começou. Parecia pimenta, brasas nos

olhos, e eu sentia aquela sensação ruim e ao mesmo tempo me concentrava no chakra.

Ela apertou minha mão, colocou a outra na minha testa e fez uma oração breve.

Naquele momento, eu desejei que meus caminhos profissionais fossem abertos. Eu

senti o desejo, senti que ali há um chakra esperando ser trabalhado, mas que não tive

permissão para abrir ainda. O efeito passou em alguns minutos, eu abri o olho e

lacrimejei bastante. Depois voltei a fazer parte da roda ao redor da fogueira e ali fiquei

até acabar.
Eles acenderam as luzes, teve um agradecimento depois, uma breve explicação

sobre o tema Renascimento. O fechamento se deu com mais uma musica e uma salva

de palmas. Após isso, juntamos nossas coisas e levamos para o carro, voltamos para

uma confraternização. Havia bolos e frutas, sucos de todos os tipos, até refrigerante.

Eu consegui comer uma banana e um Yakult de kefir caseiro, mas o estomago estava

vazio, precisava ser leve e devagar. Ouvi o relato do Rui, cumprimentei as pessoas

desejando paz e luz a todos. Depois de bem firmes e sãos, pegamos o caminho para

casa.

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15 de Novembro de 2018

Começo esse relato já com um sentimento de gratidão. Como é bom abrir um

pouco a mente e deixar entrar as coisas boas! Depois da primeira vez com essa
experiência, demorou um pouco para eu sentir que devia ir novamente. Aconteceram

muitas coisas entre assimilar o que vi na primeira vez e oq veria agora... sabia que a

segunda vez seria mais sofrida, eu sentia isso.

Dessa vez fui sozinha, o Rui passou por uma cirurgia recente e, mesmo que

pudesse, ele não sentiu que queria voltar ainda. Foi um ritual que pegou uma parte do

dia e uma parte da noite, tendo inicio as 16h30 e terminou as 22h.

Como eu ja tinha participado, não preenchi nenhuma ficha, apenas acertei o valor

e fui para um canto com meu colchonete. Dessa vez fiquei na lateral da casa, o ultimo

colchonete na area coberta, um local que eu diria muitissimo privilegiado. Fui sentar nas

cadeiras perto do altar e tive a ideia de fornecer um quadro que havia pintado para meu

querido Keny como parte do altar também. O quadro retratava um indio com um lobo

ao lado, uma ligação xamanica bem forte. A ideia foi logo aceita e senti que todos

contemplaram a arte, o que pra mim foi gratificante.

Assim que terminou a palestra, foi servido o chá, dessa vez com uma coloração

mais escura. Tomei de um gole e comi mais frutas do que da primeira vez, para tirar um

pouco o gosto forte na boca. Sentei no meu colchonete e alí fiquei. A musica começou

depois que todos tomaram.

No primeiro momento, tive muita dificuldade para me concentrar. Minha atenção

desviava para mosquitos que estavam ao meu redor, pois fazia muito calor. Senti que

demorei para entrar na força, meu corpo formigava, não queria abrir os olhos, porém

não me concentrava suficiente, até que decidi me cobrir. E nesse momento, quando me

senti na escuridão debaixo da manta, a tristeza começou a se manifestar, como na

primeira vez. Senti que realmente esse era meu processo: deixar a tristeza vir, chorar

intensamente para depois estar livre para receber o que deveria. Eu a via saindo,
tomando forma, e chorava que aquilo era meu. Muito rapido a melodia mudou e eu senti

alívio.

Dessa vez, coloquei um vestilo longo branco, com rendas caídas no ombro, uma
legging por baixo e chinelos. Então, novamente uma onda de calor começava a irradiar

do meu peito, queimando meu coração e minha garganta. Lembro-me quando peguei

na mão da Paola na primeira vez, e ela me disse que era o chakra do coração a

trabalhar, com isso em mente, comecei a aceitar e me concentrar naquilo.

Então a ansia veio, a musica mudou e eu comecei a ver, além das espirais e

imagens distorcidas, algo se formando. Parecia uma mistura de macaco, palhaço,

morcego. Algo que tinha dentes afiados, garras, estava pronto para me atacar, eu sentia

medo porque aquilo nao sumia. Com a ansia cada vez mais forte, ergui minha mão para
pedir ajuda. Me levaram para o canto da limpeza e comecei a chorar, pois queria colocar

aquilo para fora e não conseguia. Me colocaram sentada, e eu tremia... Consegui dizer

com poucas palavras que queria ajuda para por pra fora. Me trouxeram agua e uma

guardiã disse que iria cachimbar ao meu lado para me ajudar a eliminar.

Tomei a agua e assim que senti a fumaça a ansia veio de uma vez, e eu vomitei

algo que nao conseguia ver, só sentia que era ruim. Depois de mais tentativas sem

sucesso, a guardiã me disse que não deveria forçar, que quando fosse vir, seria

naturalmente, me guiou novamente ao colchonete e o mal estar foi dissipando.

Então novamente eu comecei a visualizar, e meu ego se manifestou, muito grande

me envolvendo. Assim como aprendi com o ritual passado, senti que tudo o que veria
ali deveria ser mudado, transmutado. Aí comecei um trabalho cansativo de aceitação.

Vi o Rui muitas vezes, e senti que ele precisava de ajuda. Seu espirito estava uma

parte na tristeza que eu havia causado. Tinha que reparar aquilo, com tudo o que

pudesse. Então, abracei a parte ruim que via, emanava calor e me via conseguir

transformar aquilo em algo bom, em felicidade. Foi aí que magicamente, nossos

espiritos começaram a subir, subir tão alto, dançando e alcançando níveis de plasma

mais altos, e na minha mente eu ouvia algo como: “Seus espiritos são unidos há muito
tempo, vocês andam juntos, se nessa vida você o encontrou tão cedo, era porque você

sozinha seria impossível. Agradeça que ele é um presente que lhe foi dado.” E com

isso, a luz foi dissipando.

A visão mudou para meu espirito cuidando novamente de uma criança. Um menino

lindo, forte, e eu via o Rui mais velho, tão belo com olhar sereno e aquilo me dava uma

paz imensa... E aí foi quando comecei a visualizar seres dançando, mulheres, bruxas.

Uma dança envolvente, os trajes mudavam conforme suas épocas, até que eu estava

nua em volta de uma fogueira. Ao mesmo tempo que era uma bruxa, como nas histórias

infantis, assustadora e enrugada, era jovem e muito sensual. Entendi que aquilo era

minha dualidade, e que os dois lados sempre foram iguais em mim. Via uma garota

ruiva e desejava que eu fosse ela, até que uma outra tomou uma forma maior.

Uma mulher negra, imponente, perfeita, com cabelos longos cacheados, labios

grossos. Era um anjo e era eu mesma. Ela me acariciava, me envolvia num abraço

gostoso e me dizia que estava alí por mim, me dizia sobre dons, que não é por acaso

que tenho facilidade com arte, dizia sobre as pessoas, que ninguém aparece em nossas

vidas por acaso. Então eu via o Bruno, com as mãos juntas numa prece, emanando

muita força. Me vi voltando, pintando como Leonardo da Vinci, vendo estrelas como
Isaac Newton, fazendo pinturas rupestres numa caverna.

A mulher foi tomando forma de uma serpente, grande e misteriosa, não conseguia

decidir se era boa ou má. E eu ouvia os dizeres: “Nada é uma dificuldade, mas um
desafio, você aceita o desafio?” A serpente se sentou do meu lado esquerdo. O leão ao

centro, o gato do lado direito. De repente, nao eram animais, mas formas humanas. A

ruiva, a negra, a bruxa.

A musica foi mudando e eu percebi que estava despertando, porém não

totalmente. Quando a música cessou, fomos chamados para a segunda dose. Essa

dose é obrigatória para equilibrio dos chakras. Eu me coloquei de pé com dificuldade e

fui entrando na fila. Ainda estava bem claro, não tinha a minima ideia de quanto tempo
tinha se passado.
Lembro-me da guardiã falando comigo numa hora de dificuldade, que a segunda

dose iria entrar e eu sentiria a vontade rapidamente de vomitar, que era para deixar vir

naturalmente. Tomei a segunda dose e voltei para o colchonete, dessa vez deitada,

pois ainda me mantinha na força com os olhos fechados.

A música ficou insuportavelmente alta, e a vibração era negativa. Eu me sentei,

peguei um balde próximo, uma ansia ardente. E o vomito veio, um pouco mais forte. Eu

sabia com olhos fechados que aquilo não parecia fazer sentido, pois quando pensava:

a segunda dose da ayahuasca se foi, o pensamento dissipava como se nao fosse para

eu pensar naquilo. Deixei-me guiar e deitei novamente, com as costas no colchonete e

o corpo ereto.

Depois de muitas tentativas de vômito, comecei a ver uma luz, aumentando como
se fosse o sol, irradiava cordas luminosas no meu corpo, como se mexesse em cada

pedaço, na minha barriga, quadris e braços. Novamente as figuras de monstros vieram,

mas dessa vez eu senti uma firmeza, que poderia enfrenta-lo. Eu levantei as mãos e

via as patas de um leão, o vão entre meus olhos queimava e o coração também. Aquele

animal imponente era eu, aquele leão dócil estava furioso. E ele abocanhava o monstro

e chacoalhava, como se destroçasse uma caça. Depois eu o via limpando as patas,


como um gato se limpando, e ronronava. Outros monstros eu sabia que existiam, mas

nenhum cruzava o território do leão.

Precisei urinar, sentia a bexiga cheia. Pedi ajuda e a Paola estava lá. Peguei em
suas mãos e ela me conduziu ao banheiro. Lá, eu agradeci de novo ela estar ali. Quando

entrei no banheiro, a vontade de defecar veio muito rápida. Me senti esvaziando apenas

coisas ruins. Quando terminei, voltei ao meu colchonete, parecia que o sono tomava

conta de mim.

A parte mais dolorosa, que no outro ritual foi tirar cipós e lombrigas pela boca,

dessa vez foi diferente. Eu sentia como se tivesse perdido o Rui, como se ele tivesse

morrido. O ar me faltava e eu comecei a chorar e dizer não várias vezes, não conseguia
distinguir se aquela visão era do futuro ou passado, eu estava perdida. Me deu ansia
de novo mas não vomitei. Deitei novamente com a barriga para cima e o choro foi

substituido por raiva. Aquela visão não era o futuro, mas sim o medo. E dizia: “Esse é

seu maior medo”. Comecei a sentir o vento e uma chuva leve.

Depois disso, fui percebendo que o efeito foi passando aos poucos, e não cortado

como da ultima vez. Percebi pessoas dançando, mas não tive vontade de dançar.

Levantei e caminhei até o banheiro de novo para defecar. Eu sentia eliminar algo muito

ruim, e ficava grata por aquilo.

Um tempo depois as musicas mudaram, o efeito foi diminuindo. Quando a musica

parou, todos levantamos para uma salva de palmas. A Elaine nos explicou um pouco

sobre o tema Animais de Poder e sobre os próximos eventos. Fizemos a oração do Pai

Nosso, ajoelhamos na terra para agradecer e abraçamos nossos irmãos, ao redor da


fogueira, depois me juntei à uma garota que estava próxima, nos tornamos amigas e

ficamos na confraternização. Consegui comer um morango e um pedaço de panetone,

com suco de abacaxi. Meu estomago estava ruim e parecia que ainda estava na força,

que foi amenizando conforme fui conversando com a Giovana.

Um gato preto apareceu e deitou do meu lado, fizemos uma boa conexão, era um

gato muito dócil. Ele me acompanhou até a entrada da chácara, até o Uber aparecer.

Depois de mais sã, segui o caminho de casa.

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