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SOFT LAW E HARD LAW EM DIREITOS HUMANOS

por VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - Curos de Direito Internacional Público


7. OBRIGAÇÕES ERGA OMNES,JUS COGENS E SOFT LAW. A evolução da sociedade internacional fez emergir,
no século XX, três novos modelos de obrigações jurídicas (para além dos já estudados) diretamente ligados à
reformulação das fontes do Direito Internacional Público: as obrigações erga omnes, as normas de jus cogens e a
chamada soft law. As obrigações erga omnes compõem o conjunto de deveres a todos destinados,
independentemente de aceitação e sem a possibilidade de objeção. O jus cogens, por sua vez, representa uma
categoria de normas imperativas de Direito Internacional geral da qual nenhuma derrogação é possível, a não ser
por outra posterior da mesma natureza (sendo, por isso, mais amplo - até pelo fato de ser hierarquicamente
superior - que as obrigações erga omnes, como se verá) . Por fim, as chamadas normas de soft law são produto
recente no direito das gentes, tendo como característica principal a flexibilidade de que são dotadas (à
diferença das obrigações erga omnes e das normas de jus cogens, cujos comandos são em tudo rígidos) . O
certo é que tanto as obrigações erga omnes, quanto as normas de jus cogens e a soft law têm modificado
sobremaneira o panorama tradicional das fontes do Direito Internacional Público, atingindo os Estados (cada qual
ao seu modo) de forma distinta das conhecidas fontes formais clássicas. Assim, a questão que atualmente deve
ser colocada diz respeito à necessidade de se proceder a uma "reavaliação" das fontes tradicionais do Direito
Internacional Público, a fim de verificar se estas não estariam integradas por novas obrigações e normas jurídicas
provenientes das mudanças pelas quais está a passar o Direito pós-moderno.
“[...] pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela [SOFT LAW] compreende todas as regras cujo valor
normativo é menos constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja porque os instrumentos que as
abrigam não detêm o status de ‘norma jurídica’, seja porque os seus dispositivos, ainda que insertos no quadro
dos instrumentos vinculantes, não criam obrigações de direito positivo aos Estados, ou não criam senão obrigações
pouco constringentes.”
A necessidade de adaptação da ordem internacional contemporânea a essas novas temáticas emergentes no Direito
Internacional, ligada à flexibilidade que a regulação e a acomodação dos interesses ali presentes demandam, faz
com que surjam inúmeras dúvidas e perplexidades em relação ao caráter jurídico desses aludidos textos,
emergidos da prática da diplomacia multilateral no século XX, que integram o que se convencionou chamar de
sofi !aw ou droit doux (direi to flexível), em contraponto ao conhecido sistema da hard law ou droit dur (direito
rígido). [...]. Apesar de não se ter ainda, na doutrina internacionalista, uma conceituação adequada do que seja
soft law - que, em português, pode ser traduzida por direito plástico, direito flexível ou direito maleável -,
pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela compreende todas aquelas regras cujo valor normativo é menos
constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja porque os instrumentos que as abrigam não detêm o
status de "normas jurídicas", seja porque os seus dispositivos, ainda que insertos no quadro de instrumentos
vinculantes, não criam obrigações de direito positivo aos Estados, ou não criam senão obrigações pouco
constringentes. Portanto, um dos maiores problemas desse tipo de norma se encontra na falta de elementos que
garantam a sua efetiva aplicação.
Contudo, não se poderá jamais dizer que os instrumentos de soft law conhecidos não têm qualquer relevância
para a criação e para o desenvolvimento do Direito Internacional Público. A relevância desses instrumentos
encontra-se já bem assinalada pela prática internacional, ainda que eles não criem autonomamente normas
internacionais. De fato, as normas de soft law podem servir até mesmo como prova da opinio juris dos Estados
relativamente a determinado tema do Direito Internacional, a exemplo do que se deu com a Declaração do Rio de
Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 na cristalização (ainda em curso) do princípio do
desenvolvimento sustentável.
Nesse terreno, entretanto, é necessário ter cuidado, para não se atribuir caráter de soft law a instrumentos
internacionais de importância infinitamente superior. Dentre as várias "declarações" conhecidas em Direito
Internacional, a mais famosa é seguramente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1 948. Esta, como
se sabe, não está revestida da natureza de tratado, mas tampouco se pode falar que ela integra os instrumentos
de soft law. A Declaração Universal de 1 948, por estabelecer um código de ética universal relativamente à proteção
internacional dos direitos humanos, integra o jus cogens internacional, e prevalece à vontade dos Estados e aos
seus respectivos direitos internos.
A expressão soft não diz respeito à flexibilidade do direito propriamente dito, mas à plasticidade ou maleabilidade
de suas normas. O direito existe na soft law, mas com conteúdo jurídico mais fácil de ser trabalhado, seja nos
foros internacionais, seja no seio de organizações internacionais, sem um comprometimento estrito a regras rígidas
previamente estabelecidas pelas partes. Mas não se pode negar que a incerteza jurídica nessa seara ainda é grande
e a pretendida coerência desse sistema ainda não está à vista. Trata-se de um domínio entre a política
internacional (em que prevalece a falta de preocupação com legalidades por parte dos Estados e de seus
negociadores) e o Direito Internacional Público (que nem sempre tem condições de impor seus métodos para
adequar certo fenômeno às suas rubricas já conhecidas).
De qualquer forma, o que se pode concluir em relação à soft law é que o seu conteúdo jurídico não se
encontra ainda totalmente formalizado e sua natureza jurídica não está ainda perfeitamente delineada, o
que retira boa parte da segurança científica necessária em se considerar o fenômeno como nova fonte do
Direito Internacional Público.
SOFT LAW E HARD LAW EM DIREITOS HUMANOS
por VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - Curos de Direito Internacional Público
7. OBRIGAÇÕES ERGA OMNES,JUS COGENS E SOFT LAW. A evolução da sociedade internacional fez emergir,
no século XX, três novos modelos de obrigações jurídicas (para além dos já estudados) diretamente ligados à
reformulação das fontes do Direito Internacional Público: as obrigações erga omnes, as normas de jus cogens e a
chamada soft law. As obrigações erga omnes compõem o conjunto de deveres a todos destinados,
independentemente de aceitação e sem a possibilidade de objeção. O jus cogens, por sua vez, representa uma
categoria de normas imperativas de Direito Internacional geral da qual nenhuma derrogação é possível, a não ser
por outra posterior da mesma natureza (sendo, por isso, mais amplo - até pelo fato de ser hierarquicamente
superior - que as obrigações erga omnes, como se verá) . Por fim, as chamadas normas de soft law são produto
recente no direito das gentes, tendo como característica principal a flexibilidade de que são dotadas (à
diferença das obrigações erga omnes e das normas de jus cogens, cujos comandos são em tudo rígidos) . O
certo é que tanto as obrigações erga omnes, quanto as normas de jus cogens e a soft law têm modificado
sobremaneira o panorama tradicional das fontes do Direito Internacional Público, atingindo os Estados (cada qual
ao seu modo) de forma distinta das conhecidas fontes formais clássicas. Assim, a questão que atualmente deve
ser colocada diz respeito à necessidade de se proceder a uma "reavaliação" das fontes tradicionais do Direito
Internacional Público, a fim de verificar se estas não estariam integradas por novas obrigações e normas jurídicas
provenientes das mudanças pelas quais está a passar o Direito pós-moderno.
“[...] pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela [SOFT LAW] compreende todas as regras cujo valor
normativo é menos constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja porque os instrumentos que as
abrigam não detêm o status de ‘norma jurídica’, seja porque os seus dispositivos, ainda que insertos no quadro
dos instrumentos vinculantes, não criam obrigações de direito positivo aos Estados, ou não criam senão obrigações
pouco constringentes.”
A necessidade de adaptação da ordem internacional contemporânea a essas novas temáticas emergentes no Direito
Internacional, ligada à flexibilidade que a regulação e a acomodação dos interesses ali presentes demandam, faz
com que surjam inúmeras dúvidas e perplexidades em relação ao caráter jurídico desses aludidos textos,
emergidos da prática da diplomacia multilateral no século XX, que integram o que se convencionou chamar de
sofi !aw ou droit doux (direi to flexível), em contraponto ao conhecido sistema da hard law ou droit dur (direito
rígido). [...]. Apesar de não se ter ainda, na doutrina internacionalista, uma conceituação adequada do que seja
soft law - que, em português, pode ser traduzida por direito plástico, direito flexível ou direito maleável -,
pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela compreende todas aquelas regras cujo valor normativo é menos
constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja porque os instrumentos que as abrigam não detêm o
status de "normas jurídicas", seja porque os seus dispositivos, ainda que insertos no quadro de instrumentos
vinculantes, não criam obrigações de direito positivo aos Estados, ou não criam senão obrigações pouco
constringentes. Portanto, um dos maiores problemas desse tipo de norma se encontra na falta de elementos que
garantam a sua efetiva aplicação.
Contudo, não se poderá jamais dizer que os instrumentos de soft law conhecidos não têm qualquer relevância
para a criação e para o desenvolvimento do Direito Internacional Público. A relevância desses instrumentos
encontra-se já bem assinalada pela prática internacional, ainda que eles não criem autonomamente normas
internacionais. De fato, as normas de soft law podem servir até mesmo como prova da opinio juris dos Estados
relativamente a determinado tema do Direito Internacional, a exemplo do que se deu com a Declaração do Rio de
Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 na cristalização (ainda em curso) do princípio do
desenvolvimento sustentável.
Nesse terreno, entretanto, é necessário ter cuidado, para não se atribuir caráter de soft law a instrumentos
internacionais de importância infinitamente superior. Dentre as várias "declarações" conhecidas em Direito
Internacional, a mais famosa é seguramente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1 948. Esta, como
se sabe, não está revestida da natureza de tratado, mas tampouco se pode falar que ela integra os instrumentos
de soft law. A Declaração Universal de 1 948, por estabelecer um código de ética universal relativamente à proteção
internacional dos direitos humanos, integra o jus cogens internacional, e prevalece à vontade dos Estados e aos
seus respectivos direitos internos.
A expressão soft não diz respeito à flexibilidade do direito propriamente dito, mas à plasticidade ou maleabilidade
de suas normas. O direito existe na soft law, mas com conteúdo jurídico mais fácil de ser trabalhado, seja nos
foros internacionais, seja no seio de organizações internacionais, sem um comprometimento estrito a regras rígidas
previamente estabelecidas pelas partes. Mas não se pode negar que a incerteza jurídica nessa seara ainda é grande
e a pretendida coerência desse sistema ainda não está à vista. Trata-se de um domínio entre a política
internacional (em que prevalece a falta de preocupação com legalidades por parte dos Estados e de seus
negociadores) e o Direito Internacional Público (que nem sempre tem condições de impor seus métodos para
adequar certo fenômeno às suas rubricas já conhecidas).
De qualquer forma, o que se pode concluir em relação à soft law é que o seu conteúdo jurídico não se
encontra ainda totalmente formalizado e sua natureza jurídica não está ainda perfeitamente delineada, o
que retira boa parte da segurança científica necessária em se considerar o fenômeno como nova fonte do
Direito Internacional Público.

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