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2017v23n1p57
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RESUMO: Considerando a Filosofia e a Pedagogia de Kant, buscaremos expor
alguns argumentos e considerações acerca do papel da história na possível
formação moral e atuação ética do educando. A formação moral do aluno, via
educação, implica, de acordo com o pensamento kantiano, no desenvolvimento da
autonomia moral e na realização de ações éticas propriamente ditas. Então
colocamos: em Kant, como pode ocorrer, via educação, a formação do ser humano
autônomo e ético? Tendo em vista a questão, abordaremos algumas obras do
pensamento kantiano, para, nesse momento, buscar esclarecer a função da história
no processo de desenvolvimento e formação moral do educando e em sua futura
ação ética no mundo. Segundo Kant, qual pode ser o papel da história no trato dos
preceitos e ensinamentos morais, na formação e desenvolvimento, na divulgação,
no reforço e na realização dos princípios morais na vida e vivências da natureza
humana? Eis a ocasião de análise e de avaliação da educação a partir da
compreensão dos seus fundamentos.
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ABSTRACT: Considering the Philosophy and Pedagogy of Kant, we will seek to
expose some arguments and considerations about the role of history in the possible
moral formation and educating of ethics. The moral education of students via
education implies, according to the Kantian, in the development of moral autonomy
and conducting themselves ethical actions. Then we put: in Kant, as can occur,
through education, the formation of the independent and ethical human? In view of
the issue, we discuss some works of Kant's thought, for at that time, seek to clarify
the role of history in the development and moral education of the student and his
future ethical action in the world. According to Kant, what can be the role of history
in dealing with the precepts and moral teaching, formation and development,
dissemination, strengthening and realization of moral principles in the life and
experiences of human nature? Here is the occasion for analysis and evaluation of
education from the understanding of the fundamentals.
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Na obra Metafísica dos costumes (2004a) Kant nos fala sobre um Método e
sobre uma Técnica para o ensino, no sentido de formação e de envolvimento, da
moral.
No que diz respeito ao Método para chamar a atenção do jovem à
moralidade, à prática da virtude, ao despertar das próprias forças morais, o
filósofo diz que deve ser sistemático e não fragmentado, podendo ocorrer de dois
modos: i) o ensino acroamático e ii) o ensino erotemático.
Com o método acroamático todos aqueles a quem se dirige a exposição são
apenas ouvintes. Todos, exceto o professor, são somente ouvintes. Segundo
Kant, com o método acroamático há, unicamente, a exposição de juízos
determinantes, o conteúdo é exposto, regras particulares e empíricas são
apreendidas, compreendidas, ou meramente aceitas pelo educando.
Com o método erotemático, por sua vez, o professor pergunta aos seus
discípulos o que se quer ensinar, há a reflexão e o desenvolvimento de juízos
prévios.
Podemos observar que, com o método erotemático para o desenvolvimento
moral e ético, Kant nos ajuda a pensar, por exemplo, acerca da presença da
disciplina “Educação Moral e Cívica” nos currículos escolares brasileiros de 1969 a
1993. O Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969 (BRASIL, 1969),
estabeleceu, em caráter obrigatório, enquanto disciplina escolar e prática
educativa, a “Educação Moral e Cívica”, em todos os níveis de ensino no Brasil. A
disciplina tinha por finalidade fortalecer a unidade nacional e o sentimento de
solidariedade humana, o aperfeiçoamento do caráter unido à moral, à família, e à
comunidade, bem como o preparo do cidadão, para que o estudante pudesse
exercer suas atividades cívicas sustentadas pela moral, patriotismo e o bem
comum. No entanto, analisando alguns dos livros didáticos publicados a partir de
1970, há, de forma visível, somente uma utilização do método acroamático. O
livro didático, utilizado como parte do material pedagógico da disciplina escolar
Educação Moral e Cívica, apresenta-se, enquanto objeto educativo que pertence,
ademais, somente a um universo escolar portador do estabelecimento, da
definição e da classificação de conhecimentos teóricos. Em Kant, somente o
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conceito não é suficiente para mover o sujeito à ação com valor moral – à ação
ética.
O método erotemático é subdividido em duas etapas, a saber, catequético e
dialógico.
A exposição é catequética, método catequético de ensino, quando
unicamente se interroga a memória do educando, são questionadas e
despertadas as suas memórias. A exposição é dialógica, também conhecida como
o método Socrático de ensinar, quando o professor pergunta à razão (intelecto)
do educando, mediante o ensino dialógico professor e educando alterna
perguntas e respostas entre si, pois “se alguém quer perguntar algo à razão de
outrem só pode fazê-lo dialogicamente” (KANT, 2004b, p. 128), ou seja,
professor e educando se interrogam, e respondem, reciprocamente.
A subdivisão do método erotemático em dialógico e catequético é, também,
assinalada por Kant no final do Manual dos cursos de lógica geral (1800). Na
presente obra o filósofo define quais seriam os métodos de ensino mais
adequados para a elaboração e trato dos conhecimentos, sustentando, no
Manual dos cursos de lógica geral – As diversas divisões do método, o método
mais adequado de ensino, o método erotemático (Erotematisch), precisamente
por exigir a reflexão do educando.
Importa dizer que, no que tange à moralidade, trata-se um conhecimento
prático, tem-se em vista o dever-ser, isto é, tudo o que deve necessariamente
acontecer do ponto de vista da moralidade. Para o caso de um conhecimento
prático, mediante a reflexão, há, segundo Kant, a formação de juízos prévios e
não somente o entendimento ou aceitação dos juízos determinantes, afinal: “é
peculiar à natureza do homem amar aquilo que ele, pela sua elaboração,
converteu em ciência” (KANT, 2004b, 134), o ser humano pode sentir, desse
modo, a compreensão e o progresso prático da sua faculdade de julgar.
Já sobre a Técnica para chamar a atenção do jovem aos valores e despertar
as suas forças morais:
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ódio, rancor, ira. A história não deve servir de modelo de comparação, mas de
prova de que o prescrito pelo dever, todo o mandamento do dever-ser – tudo o
que deve necessariamente ocorrer do ponto de vista moral - é factível, efetivo,
realizável.
Os bons exemplos históricos, oferecidos à propensão da natureza humana
de imitar, devem servir de auxílio à aceitação de máximas morais, um princípio
em função do qual o sujeito quer viver e, posteriormente, com a formação do
juízo moral, o móbil (e motivo) da ação será a própria ideia do dever-ser.
Nota-se que a razão de determinação da ação com valor moral não será a
história ou o bom exemplo histórico, mas sim a própria ideia do dever.
Sobre o papel da história na formação moral do educando, eis o que nos
aponta Kant na Crítica da razão prática:
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linha condutora que pode ocorrer por meio da história, dos bons exemplos
retirados da história, para depois aperceber-se que a norma repousa somente na
sua própria razão; isso na medida em que não se perde a noção do dever,
enquanto o motivo da ação com valor moral, ao oferecer os exemplos:
[...] por respeito a seu dever e não por impulsos do coração [...]
Esta é a única maneira de pensar que forma moralmente a alma,
porque somente ela é capaz de proposições fundamentais firmes e
rigorosamente determinadas” (KANT, 2003b, p. 299, grifo nosso).
Considerações Finais
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sujeito da ação não o quiser para si. Trata-se do querer (subjetivo) fazer o que
deve (objetivo) ser feito do ponto de vista da moralidade, dos valores morais.
O método, a técnica, e o cultivo da moralidade, na formação ou
desenvolvimento moral do educando, segundo o filósofo, podem ser eficazes na
constituição desse querer, na adoção do princípio pelo próprio querer, para que o
ser humano queira a sua ação enquanto moral, queira agir segundo o princípio
da moralidade – por razões ou motivos morais – e realize, por fim, as suas ações
ética no mundo, no real. A ação ética em sua vida e vivências.
A Metafísica dos costumes expõe um modo pelo qual se pode despertar na
natureza humana, em particular no jovem, o interesse e o querer a prática da
virtude, a possibilidade da adoção de uma espécie de regra de vida, um
princípio, que o agente se dá e toma para si. Assim sendo, o querer ou o agir do
sujeito da ação serão movidos, necessariamente, em função dessa adoção.
Finalizando, apontamos que a pedagogia kantiana, ademais, nos oferece:
i) as instruções teóricas para a formação moral, expressas no método
erotemático de ensino (catequético e dialógico);
ii) as instruções teóricas oferecidas, mediante a exposição da técnica ou o
meio experimental, para a moralidade (o bom exemplo histórico);
iii) a contrapartida prática, a ginástica ética, uma vez formado o juízo ou
razão do educando.
Eis o que Kant buscou com a sua pedagogia: oferecer um projeto
sistemático de uma teoria da educação pela qual pudesse desenvolver, no ser
humano, o que de fato convém à sua natureza, para que este pudesse atingir o
seu verdadeiro fim, a sua verdadeira destinação – a sua Humanidade.
Desse modo, mesmo que haja obstáculos na realização do seu projeto
educacional, Kant sustenta que não é em vão oferecer um ideal de educação a
ser perseguido pelo ser humano para o seu aperfeiçoamento, sua futura
felicidade e perfeição. De acordo com o filósofo, a Ideia não deve ser considerada
como quimérica, ou belo sonho, caso haja obstáculos em sua realização.
Conforme explica Santos, a educação kantiana, mesmo tratando-se um projeto
(pensamento, teoria ou conceito), não se trata de uma utopia, antes,
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Referências
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