Ricardo Machado
EDITORIAL
O QUE DEVO ESCREVER
NO EDITORIAL?
Será que devo assustar os leitores dizendo que essa pode ser
a última edição, pois estou esgotado e mal consigo dormir
direito de preocupação, pois não sei se vou arrecadar o
dinheiro suficiente para pagar a gráfica e os correios, se vou
conseguir entregar todas as revistas no tempo hábil aos seus
respectivos colaboradores, se os 300 reais que gastei com
divulgação no Facebook vão fazer falta, ou se terei tempo
suficiente para diagramar a revista no meu horário de
almoço. Bom, penso, que isso pode ser uma boa introdução.
Sempre que começo a idealizar a revista minha vida “POW!”
vira de pernas para o ar, não porque exista uma força divina
querendo impedir a mesma de circular, mas sim devido à
pressão e aos trabalhos que preciso conciliar (afinal eu não
vivo disso, tenho 2 empregos, esposa, gato e faculdade),
mas mesmo com todos esses problemas e afazeres, não vou
afirmar que essa é a última revista, embora possa ser, e sendo
assim quero aproveitar o espaço para agradecer e falar mais
sobre o projeto.
Como já comentei muitas vezes, essa revista é diferente das
que você já leu, não porque ela é uma revista sobre ateísmo,
mas sim porque é uma revista “marginal”, ou seja, ela está
à margem do modo convencional de revistas, com editora,
funcionários com crachás, departamento de design, de
edição, correção, departamento financeiro e de distribuição,
não somos assim. Não temos nada disso, mas fazemos de tudo
para que o produto final seja parecido com o resultado de
uma revista feita com todos esses departamentos. Por isso eu
tenho muito a agradecer a todos os idealistas que abraçaram
essa ideia comigo, além dos colunistas que são extremamente
importantes e não cobram nada para escrever – e às vezes
ainda ajudam na vaquinha – tenho que agradecer muito ao
amigo Edson Amaro de Souza, que faz um esforço extremo
para revisar os textos (mesmo sem ter tempo); agradeço
também ao Flávio Almeida, que há pouco se tornou papai,
mas mesmo assim consegue arrumar tempo para me ajudar;
essas pessoas se tornaram meus amigos e eu os amo muito,
agradeço também à minha esposa pelo apoio que me presta
nos dias de aflição.
Eu sei da importância deste projeto para os ateus, e sei que
ele significa mais que uma revista para cada um de vocês,
ele significa VOZ, mas eu precisava desabafar, obrigado até
aqui. Ah... obrigado, Ricardo Boechat por nos conceder uma
entrevista exclusiva, sou seu fã.
Abraço a todos e uma boa leitura.
EDITOR RESPONSÁVEL E
FUNDADOR
Gabriel Filipe Rodrigues de Souza
Registro 3474/ES
gabrielfilipe702@gmail.com
ÍNDICE
32
22 28
30
04 - Os deuses que nunca estiveram lá
06 - É possível ser bom sem Deus?
10 - Bate-papo com Ricardo Boechat
12 - Jesus e os miticistas
14 - Ateísmo e mercado de trabalho
18 Demônios à espreita
20 - Pastor Adelio "Eu sou teu pastor e
nada te faltará"
21 - Como me tornei ateu
22 - A espiritualidade de um ateu
24 - Ateísmo, agnosticismo ou
ceticismo?
26 - O ateísmo e as mulheres
28 - Crença, emancipação e ateísmo
clássico
30 - 10 mitos sobre a Evolução
32 - Por que pessoas veem fantasmas
Mai/Jun 2017 Opinião de:
O ateísmo na
fogueira de
Baden-Powell
O Escotismo é um movimento educacional de jovens,
voluntário, sem vínculos político-partidários, que valoriza a
participação de pessoas de todas as origens sociais, raças e
crenças, de acordo com o Propósito, os Princípios e o Método
Escoteiro, concebidos pelo fundador, o militar inglês Baden-
Powell (B.-P.). O início do chamado Movimento Escoteiro
se deu em 1907, em uma Inglaterra ainda influenciada pela
Era Vitoriana.
Era necessária essa introdução para que se entenda do que
estamos tratando neste artigo.
O Escotismo tem por base conceitos conservadores como
“Deus, Pátria e Família”, baseado na Lei e na Promessa
Escoteira, onde estes valores saltam aos olhos. O texto da
Promessa escrita por B.-P. fala sobre “cumprir deveres para
com Deus e o Rei”, o que foi adaptado em vários países,
inclusive no Brasil, para “Deus e Pátria”.
No que pese o avanço e conquistas sociais, o Movimento
Escoteiro brasileiro mantém um profundo viés conservador,
em que, até pouco tempo atrás, homoafetivos eram
considerados persona non grata, acusados de serem pedófilos
em potencial, e rechaçados como voluntários.
Ao final da primeira década dos anos 2000, enquanto investia
em minha formação escoteira, nos cursos oferecidos pela
associação nacional, era muito comum que o aluno ouvisse
sobre a impossibilidade de homossexuais, ateus e agnósticos
participarem do Movimento Escoteiro. A questão da
homoafetividade mudou após a associação nacional publicar
posicionamento oficial onde diz que “[...] a homofobia,
bem como qualquer outro tipo de discriminação, é contrária
aos princípios escoteiros de tolerância e respeito às diferentes
formas de pensar [...]”. Com isto, a sanha segregatória dos
“neovitorianos escoteiros” passou a mirar ateus e agnósticos.
Hoje, os cursos de formação de adultos procedem, de forma
explícita, uma doutrinação segregatória e preconceituosa
contra aqueles que, por razões de consciência, deixaram de
acreditar em divindades e em outros seres metafísicos.
Aos argumentos falaciosos como “querem expulsar Deus do
Escotismo”, “B.-P. convidou Deus a fazer parte do Escotismo e
Equipe Revista Ateísta
Ele aceitou”, somam-se posturas intelectualmente desonestas
de muitos formadores que deixam de informar que, na
Inglaterra, berço do Escotismo, homossexuais, ateus e
agnósticos, sempre foram aceitos, sendo que por lá existe
um texto alternativo da Promessa Escoteira que não exige
compromisso com qualquer divindade.
A WOSM (World Organization of the Scout Movement,
da sigla em inglês), entidade internacional que congrega
a maioria das associações escoteiras do mundo, afirma no
documento “Diretrizes para o desenvolvimento espiritual e
religioso” que “[...] A espiritualidade também é usada para
se referir ao espírito humano, ao surgimento do verdadeiro
eu. Pode ser expressa em forma de religião, agnosticismo e
ateísmo. [...]”.
A partir deste posicionamento, outros países, como Finlândia,
Dinamarca, Macau, Países Baixos, República Checa, Suíça,
Israel – para citar apenas alguns – aboliram ou jamais
tiveram óbice à aceitação de ateus, sendo que, em todos eles,
a menção a Deus não consta na Promessa.
Mesmo assim, a associação nacional brasileira, que vem há
algum tempo discutindo um texto alternativo da Promessa
para “não-cristãos”, alijou das discussões ateus, agnósticos
e humanistas em geral, alegando não ser o momento para
discutir essa questão. No entanto, permite, mesmo que
inexista política oficial, doutrinação antiateísta nos cursos de
formação de adultos.
Não há como “construir um mundo melhor”, como é o mote
do Escotismo mundial, com preconceitos, segregação e falta
de diálogo. Passamos do tempo de definir que a ausência
de crença em deuses, assim como sexualidade, não define
o caráter de ninguém. Mais ainda, o Movimento Escoteiro
brasileiro perde a oportunidade de mostrar à sociedade que
tolerância e respeito às diferentes formas de pensar não são
meramente palavras vazias em um pedaço de papel.
Ricardo Machado é ateu, analista de sistema, escotista portador
da Insígnia de Madeira, e diretor de grupo escoteiro em Minas
Gerais.

4 CETICISMO
OS DEUSES
QUE NUNCA ESTIVERAM LÁ
É
muito complicado tentar determinar
quando o ser humano começou a
criar seu pensamento religioso. É
bem certo, porém, que quando isso se
iniciou não poderíamos chamar essa
forma rudimentar de pensamento de
religioso (SCARPI, 2004). Um primeiro ponto que
deve ser observado é pensar o “porquê” do homem
primitivo ter "produzido" esse tipo de compreensão.
Uma das explicações foi o desenvolvimento do
cérebro humano. Estima-se que, há 2 milhões de
anos, o tamanho do cérebro de um hominídeo
de nossa linhagem tinha o mesmo tamanho do
que o de um chimpanzé típico (um terço do nosso
atual). Há 1.5 milhões de anos, o Homo erectus já
apresentava uma capacidade craniana equivalente
a 2/3 da nossa. Por volta de 500 mil anos atrás, o
Homo heidelbergensis (provável ancestral comum
à nossa espécie e aos neandertais) já possuía um
cérebro de tamanho equivalente ao nosso. O
desenvolvimento do cérebro é atribuído à nossa
predisposição, como espécie, e à introdução de
proteína animal em nossa alimentação, a partir da
carne crua, há 1.5 milhões de anos. Estima-se que a
carne cozida começou a ser consumida, por nossos
ancestrais, há 500 mil anos.
Esse desenvolvimento do cérebro foi conduzindo,
lentamente, o ser humano à cognição, a capacidade
de transmitir conhecimento e, com o tempo,
de se estabelecer um pensamento questionador
rudimentar, o qual, associado a uma pareidolia
primitiva, levou o homem a pensar "fora da caixa"
da materialidade há 100 mil anos.
Uma das provocações que se propõem é pensar
o homem, caçador, do paleolítico tendo um dos
companheiros de clã morto na caçada. Imagine que esse
ser primitivo já é capaz de sonhar e que sonhe com o colega
morto. Qual a concepção do homem primitivo sobre esse
evento? Conceberia ele a ideia de que seu companheiro ainda
estaria vivo em outro plano?
Lógico que isso é uma hipótese, pois não há como reproduzir
essa proposta, porém, essa forma de pensar tenta explicar
a razão do homem primitivo ter começado a cultuar e a
enterrar seus mortos. Para além da questão de uma higiene
primitiva e preocupação com o fato do odor putrefato atrair
as feras (talvez essa tenha sido a intenção inicial), não explica
do porquê da evolução dessa prática do homem, de enterrar
os mortos com seus pertences, como adornos, armas, e os
cobrirem com ocre vermelho (representação do sangue?).
Antropólogos apontam essa prática como uma das primeiras
manifestações do pensamento religioso no ser humano,
externando uma compreensão de que, de alguma forma, o
companheiro morto ainda existia.
Poucas pistas são deixadas nessa trilha que levou o homem
a partir de uma compreensão primitiva dos fenômenos que
não conseguia explicar até a construção de um conjunto de
deidades, os quais formaram seus panteões politeístas. Só
começamos a ter registros claros a partir de uns 5000 anos
antes da Era Comum, com a criação da escrita.
As pistas são poucas, mas existem. Elas ocorreram em algum
período da história entre os neandertais e a aurora da arte
paleolítica. Algumas dessas pistas podem ser encontradas
na arte rudimentar, surgida há 100 mil anos e que teve um
crescimento considerável há 40 mil anos, como pode-se ver
registrado nas paredes de Chauvet e Lascaux, na França,
ou Altamira, na Espanha. Para além de se autorretratar e
descrever suas atividades, o homem também registrava a
fauna, da qual dependia para sobrevivência. Porém, não só de
coisas reais vivia essa arte, mas, também, de criaturas míticas
que nunca existiram. Esses seres aparecem tanto na forma
de estatuetas, como nas paredes dos abrigos. São conhecidos
como teriantrópicos (feras-homens), como, por exemplo, o
homem-leão de Stadel, de 32 mil anos atrás.
Mas, por que, afinal, o homem primitivo desenvolveu
essas formas de pensamento? Uma das explicações dadas
pelos pesquisadores é o HADD (dispositivo hiperativo de
detecção de agente) (FOSTER; KOKKO, 2009). Deixemos o
termo “hiperativo” em suspensão, por um momento, e nos
concentremos no restante. É bem provável que a “seleção
natural” tenha contribuído na preservação dos indivíduos
“bons de sobrevivência”, aqueles que estavam atentos ao
ambiente e conseguiam intuir que ruídos e movimentos
pudessem ser um risco iminente. Assim, podemos
compreender a importância de um dispositivo de detecção
de agente para a sobrevivência.
Voltemos ao termo “hiperativo”. Para além da questão
dos sentidos e dos instintos, presentes na capacidade de
sobrevivência, os quais existem, mesmo, nos animais
irracionais, temos a questão da interferência do pensamento
organizado. Nesse sentido, presume-se que a mente do
homem primitivo completava as lacunas daquilo que ele,
ainda, não compreendia, com elementos que pudessem fazer
algum sentido, mesmo que fossem de origem sobrenatural.
Foster e Kokko (2009) defendem a ideia de que muito
das superstições do passado se deram pela incapacidade
do homem de explicar certos fenômenos, e que esse
conhecimento era passado culturalmente, sempre que
associações de eventos causais e não-causais contribuíram
para “o raciocínio evolucionário da superstição”, de modo que
a seleção natural favoreceu “as estratégias que fazem muitas
associações causais incorretas para estabelecer aquelas que são
essenciais para a sobrevivência e a reprodução”.
Se considerarmos essa probabilidade, podemos começar a
entender como o ser humano desenvolveu sua religiosidade.
Wagner Kirmse Caldas
Opinião de:
Bar do Ateu
A partir de observações, o homem primitivo atribuía, a
certos eventos, conclusões não causais, somando, a isso,
a transmissão dessas conclusões para as novas gerações,
através da cultura. O homem criava as próprias ferramentas
e desenvolveu essa forma de pensar, como um “desvio
cognitivo”, o qual intuía que todas as outras coisas, também,
deveriam ter um artífice ou um causador. O ruído na mata
poderia ser um animal ou um agente desconhecido. E o
raio? E o trovão? Qual a origem desses eventos? Quem os
produzia? Uma vez que os fenômenos naturais não tinham
a causa conhecida, nossos ancestrais deram-lhes explicações
fantasiosas, supersticiosas, míticas, algumas das quais foram
bem aceitas e ensinadas.
É importante entender que a evolução do pensamento
religioso não deve ser compreendida como um evento linear.
À medida que foi perpassando as gerações, essa compreensão
teve variações, perdas entre as gerações, renovando-se,
transformando-se.
Assim, somando milhares de anos de evolução e transmissão
cultural, o homem foi formando sua identidade religiosa,
passando pelo animismo, que atribuía ânima a todas as coisas,
desde as inanimadas às animadas – uma rocha, uma estrela,
a lua, os animais, seriam providos de um tipo de inteligência
e sentimento. Era um pensamento mítico, antes de religioso,
uma compreensão de que tudo existia por uma causa, mesmo
que essa causa não pudesse ser compreendida. Nessa linha
surge o totemismo que, segundo Émile Durkheim (1989),
não é uma espécie de culto a árvores, animais ou objetos,
mas a crença numa força anônima e impessoal (o verdadeiro
totem) que se encontra em cada um desses entes. Com o
tempo, a figura de um interlocutor entre homens e deidades
surgiu, o que constituiu o xamanismo, que se configura como
prática religiosa envolvendo a magia, a cura, e a relação com
seres míticos e sobrenaturais, representados por espíritos ou
almas.
Com o passar das eras, esse pensamento religioso primitivo
foi evoluindo. O homem passou a compreender-se como
importante no contexto da existência. De igual forma sua
compreensão sobre as deidades e sobre a sobrevivência do
ânima (alma) também ganharam nova roupagem e foram
acompanhando a sua própria evolução, fazendo surgir
novas concepções, substituindo as antigas ideias por deuses
que se aproximassem mais de sua essência e aparência
(antropomorfismo). Assim, essa forma de pensar evoluiu,
dando forma às religiões politeístas e monoteístas, as quais
são a matriz das religiões modernas.
Émile Durkheim (1989), nos diz que não há religiões
que sejam falsas. Todas são verdadeiras à sua maneira:
todas respondem, ainda que de maneiras diferentes, a
determinadas condições da vida humana. E é nesse sentido
que buscamos fazer jus ao título desse breve texto. Os deuses
nunca estiveram lá, eles são apenas o reflexo da necessidade
de respostas ao longo das eras, uma exteriorização de nosso
ego e de nossa capacidade de compreender o mundo que
nos cerca. Uma invenção apropriada à nossa necessidade de
preencher as lacunas de nosso vasto desconhecimento.
 Diego Vasconcelos
6 ÉTICA 7 Opinião de:
Equipe R. Ateísta
com a necessidade que temos de uma ideia simplista e
É
pouco reflexiva. Alguns, até mesmo nos cursos de filosofia,
buscam na ética uma lista do que podem ou não podem
fazer, e talvez seja isso que Étienne de La Boétie tenta nos
explicar em seu “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, ou,
POSSÍVEL
até mesmo, pensadores existencialistas como Jean-Paul
Sartre. Para Sartre, a liberdade de legislar sobre nossas ações
é angustiante, e por isso buscamos formas de fugir dessa
liberdade e uma dessas formas é a busca por códigos de ética
SER BOM
prontos, assim podemos seguir os nossos tiranos e fugir da
liberdade, e da responsabilidade, que nos causa angústia.
SEM
2 - A FILOSOFIA MORAL EM KANT
O que impede um homem de matar outro, se este acreditar
que nenhuma punição cairá sobre ele?
DEUS?
Se analisarmos a moralidade do ponto de vista filosófico
(dado que essa é uma das áreas da filosofia), perceberemos
que a “moral” não é a mesma coisa que “medo”. Veja bem:
se Carlos não comete um crime por medo do inferno (ou
cadeia), significa que Carlos não é um sujeito genuinamente
moral, sendo, portanto, um imoral medroso.
Na filosofia kantiana, a atitude moral deve ser um “fim em si
mesmo”, pois para Kant a moral não é consequencialista, ou
seja, sua virtude não está na consequência da atitude, e sim
na atitude em si.
O Bom Samaritano que ajuda o próximo por desejar um
bom lugar no céu, ou ficar longe do enxofre do inferno, é
Crédito da imagem: pixabay apenas um interesseiro que utiliza o outro como pretexto
Muitos cristãos afirmam que Deus, através da criação e de seus mandamentos nas escrituras, incrusta no ser humano o que para proteger-se e autopromover. Será que um deus justo,
significa o bem e o mal. O objetivo destes é colocar Deus e a religião como fonte da bondade e justiça; como as nossas virtudes onisciente e onipresente recompensará uma pessoa sabendo
que ela se recusa a matar apenas por medo do inferno?
existissem apenas como um espelho das virtudes de Deus. O argumento vai além, e afirma que, sem um conjunto de leis dado
pelo Criador, e, em contraparte, sem uma ameaça de punições para aqueles que desobedecem às mesmas leis, o ser humano
tornar-se-ia incapaz de seguir uma vida ética e virtuosa. “Se alguém precisa de religião para
Como Dostoiévsky colocou em seu livro “Os Irmãos Karamázov”: “Se Deus não existe, tudo é permitido”?
O que impede um homem de matar outro, se este acreditar que nenhuma punição cairá sobre ele? Se ele acreditar que nenhum
ser bom, a pessoa não é boa, é um cão
ser onisciente vigia cada passo seu? Sem um deus para nos vigiar, e um livro sagrado para nos dizer o que é certo e bom, não adestrado.”
existe freio moral que impeça o ser humano de cometer atos vis e imorais? - Chagdud Tulku Rinpoche
1 - SE LIVRANDO DOS MITOS o trovão era provocado pelo bumerangue do Deus Adad, e os A ética como virtude moral deve pressupor a liberdade.
Apelo à ignorância (argumentum ad ignorantiam): essa raios, por sua lança; para os nórdicos, o deus responsável era Não liberdade no sentido existencialista de Sartre, mas sim
falácia é utilizada no âmbito religioso da seguinte forma: Thor. Cada região ou religião tinha sua própria explicação como ausência de repressão, assim a ética deve ser praticada
sempre que o interlocutor está diante de um fato que ele não para dar sentido àquele fenômeno natural, que, até então, não independente da aparente recompensa.
consegue explicar (muitas vezes por ignorância), é invocada a possuía uma explicação científica. Essas explicações sempre
ideia de deus ou outro ser sobrenatural para dar sentido à sua se opunham às questões das ciências naturais, mas as questões No livro A República de Platão somos apresentados a
proposição, mas o problema é que, conforme o conhecimento sociais também foram vítimas dessas explicações mitológicas: alegoria de Gyges. Gyges é um pastor de ovelhas altamente
científico vai aumentando e preenchendo as lacunas da a pobreza ou a riqueza muitas vezes são explicadas como um respeitado por todos, um homem digno, que se comportava
“ignorância”, esse argumento mostra-se errado. desejo dos deuses (determinismo teológico), e a ética e moral de maneira exemplar. Até que um dia ele encontrou um anel
como uma obra de deus. Mas aí cabe uma outra pergunta: que lhe concedia o poder da invisibilidade, e quando estava
Por vezes, explicações de apelo à ignorância foram utilizadas obra de qual deus, de qual religião (dado que muitas vezes esses invisível ele se apresentava como um mau caráter de primeira.
para responder muitas perguntas que pertencem ao campo valores morais são contraditórios de religião para religião)?
das ciências naturais, quando não tínhamos o conhecimento Na interpretação de Kant, Gyges nunca foi ético, pois ele
científico a nosso favor. Um simples trovão poderia ser Por ser um campo muito vasto, a ética ou até mesmo a não passa de um mau caráter com medo da repressão social.
interpretado como manifestação divina, a fúria dos deuses metaética (ramo que estuda a natureza da ética), pode ser Gyges, portanto, é um cão com medo do dono.
contra as atitudes humanas. Os babilônicos acreditavam que muito difícil. Essa dificuldade muitas vezes está relacionada Mas, o que torna uma atitude aceita ou não?
Gabriel Filipe
Equipe R. Ateísta
Para Kant, uma forma de responder se uma atitude deve ser
aceita ou não é tentar universalizar tal comportamento.
"Age como se a máxima de tua ação
devesse tornar-se, através da tua vontade,
uma lei universal."
- Immanuel Kant
Se eu roubar, estou aceitando que todas as pessoas devem
roubar, mas se todos roubarem, será impossível a convivência,
não conseguiremos estabelecer confiança e, com isso, a
sociedade minguará, sendo assim não devo desejar que tal
atitude se torne uma lei universal, logo não devo roubar.
Quando escuto afirmativas como a de Dostoiévsky, gosto de
perguntar à pessoa:
“Se por acaso descobrisse que Deus não existe, você largaria
toda sua concepção moral e começaria a matar e roubar?”
Se a resposta for “SIM”, digo: “espero profundamente que você
nunca perca sua fé.”
“(…) se o céu é um suborno, o inferno é
evidentemente uma ameaça. (…) E ambos
parecem indignos da divindade, já que,
eticamente, o suborno é uma operação
muito baixa… e o castigo também.”
- Jorge Luis Borges
“A imposição de crueldade com boa
consciência é uma delícia para os
moralistas. É por isso que inventaram o
Inferno.”
- Bertrand Russell
3 - DEUS NÃO RESPONDE À COMPLEXIDADE MORAL
A moral derivada de deus também não resolve o problema
da aparente subjetividade que os religiosos tanto apontam
na moral laica. O professor de filosofia moral James Rachels
compara a moral teísta com a concepção de bem e mal da
personagem Hamlet, de Shakespeare.
“Hamlet disse que nada é bom ou mau; é o pensamento
que torna algo bom ou mau. De acordo com a teoria do
mandamento divino, nada é bom ou mau, exceto quando o
pensamento de Deus torna algo bom ou mau.”
Essa subjetividade é ainda maior na parábola de Platão,
Euthyphro, onde o personagem de mesmo nome dialoga
com Sócrates sobre a natureza dos deuses. Euthyphro afirma
que os deuses amam a bondade, no sentido de uma virtude
absoluta. Ao que Sócrates questiona: a bondade é amada
pelos deuses porque ela é boa, ou ela é boa por que é amada
pelos deuses? Traduzindo para um contexto moderno: se
8 ÉTICA
deus nos proibir de estuprar (e, de fato, o Deus da Bíblia falha
em se levantar contra esse pecado), entendemos que deus nos
diz para não estuprar por que estuprar é ruim, ou estuprar
é ruim apenas porque deus nos disse para não fazê-lo? Se
concordarmos que deus nos diz para não estuprar por que
estuprar é, intrinsecamente, errado então não precisamos de
deus para dizê-lo.
A ordem dele não passaria de uma lei para sancionar algo já
abominável, e, portanto seu comando não é essencial. Se, por
outro lado, afirmarmos que estuprar é errado apenas porque
deus disse, então entramos num cenário caótico, onde
estamos à mercê do comando divino para nos iluminar sobre
o que é certo e errado. Se deus nos mandar matar infiéis,
cometer um genocídio ou estuprar alguém, estas ações se
tornariam, apenas por sua aprovação, boas e morais.
Dois exemplos claros de como a moral absoluta divina é
falaciosa:
1) Quando, no livro de Samuel, capítulo 14 versículo 3, Deus
ordenou aos israelitas cometerem um genocídio completo
4 - A RAZÃO E A CIÊNCIA COMO UMA BÚSSOLA MORAL. É POSSÍVEL?
Ao longo dos séculos, as definições do que é certo e errado, bom
e ruim, justo e injusto, têm se modificado e muitos afirmam
que ainda se modificarão totalmente. Mas alguns ainda
dizem que a nossa moral atual equivale-se em peso e valor ao
que era moral mil anos atrás. Se, de fato, a moral é subjetiva
e mutável com o passar das gerações, torna-se impossível
definir padrões morais que, embora não absolutos, sejam
mais coerentes com a existência de toda a humanidade, pois a
cada fase evolutiva, temos novas necessidades e concepções,
que modificam nossa percepção do que é certo e errado. Ao
estudarmos a história e os diferentes costumes e sistemas
morais das sociedades que já existiram, vemos que ser bom,
moral e virtuoso, depende exclusivamente do ambiente social
em que um indivíduo vive. De fato, nós evoluímos para dar
um significado moral para o que não passa de uma série de
estratégias de sobrevivência do rebanho em que vivemos.
Penso, entretanto, que embora a moral possa ser definida
como subjetiva, temos, como uma espécie, uma série de
intuições morais compartilhadas, e que podemos usar a
razão para construir uma base ética sólida. Sem considerar,
é claro, tradições e mandamentos divinos, mas sim usando
a experiência da nossa história e refletindo sobre o que
podemos considerar como bem-estar e sofrimento humano;
usando estas reflexões para chegarmos num ponto em que,
independente da época, possamos dizer o que constitui uma
vida ética.
Seguindo o raciocínio do neurocientista Sam Harris numa
palestra no TED, se analisarmos os valores de diversas
civilizações, vemos que, mesmo com a subjetividade do que é
moral, existe um consenso intuitivo do que é bom e certo. O
sofrimento, por exemplo, assim como a dor, é um sentimento
real, e não é subjetivo em nenhuma forma.
(do qual nem os bebês, fetos, ovelhas, camelos e jumentos foram
poupados), onde podemos extrair da ação divina uma atitude
moral, ou justa? Que indício temos de que Deus, em sua
perfeição, é também um ser de extrema bondade e virtude?
Ou ainda que esse mandamento é divino e não humano, assim
como os demais textos que compõem a bíblia, oficialmente ou
não? Se os cristãos dizem que as bases morais da sociedade
podem ruir assim que a fé religiosa for deixada de lado, o que
podemos concluir quando um povo, supostamente seguindo
um comando divino, comete um ato tão horrendo até mesmo
para os padrões morais da época?
2) Considerando a forma com que as inquisições e as
cruzadas foram conduzidas, podemos dizer com segurança
que a Igreja, e seu rebanho, pode facilmente se esquecer dos
ensinamentos de Cristo – tanto sobre o amor incondicional,
quanto sobre o não julgamento, ou se esses são realmente os
ensinamentos de Cristo, ou se é realmente um “deus de amor”.
Como, após confrontar-se com os exemplos acima, alguém
pode afirmar que só uma vida religiosa, sob a tradição das
escrituras e a obediência à autoridade divina, pode levar o
homem a uma vida mais virtuosa e bondosa?
9 Mai/Jun 2017
Toda cultura, com raríssimas exceções, concorda que causar definitivas, mas sim com análises embasadas, sobre quais
sofrimento sobre o outro é errado dentro do contexto questões o ser humano deve se importar para promover o seu
interno daquela civilização, da esfera social daquele grupo. desenvolvimento pleno em diversas áreas, incluindo a moral.
Normalmente era – em alguns casos ainda é – aceitável E podemos fazer isso sem deus para nos guiar no caminho.
causar sofrimento, matar e roubar, quando se tratava de outra
tribo, outro país ou outra religião. Para se tornar moralmente
aceitável causar o sofrimento no outro é necessário se
DICA
distanciar do alvo, seja num nível político, religioso ou pessoal.
Mas quando se trata daqueles a quem é permitido entrar
na esfera moral de uma sociedade, percebemos que, apesar
de diversas concepções sobre estrutura social divergentes,
temos, como uma espécie, uma série de intuições similares
sobre como tratamos as pessoas que permitimos em nossa
esfera. A questão que devemos nos dirigir, e que, de fato, tem
CINEMATOGRÁFICA:
sido o desafio inconsciente de toda a nossa civilização, é de
incluir em nossa esfera o maior número possível de pessoas,
James Randi – Um
independentemente do quão são diferentes de nós.
Mentiroso Honesto
Um documentário sobre
A razão, assim como a filosofia, o debate e o bom senso, tem
a vida do ilusionista e
uma grande utilidade na busca por uma civilização em que
escapista James Randi.
a esfera moral, aquela onde as pessoas importam-se entre si
Randi é um cético que
e buscam o alívio contínuo do sofrimento, expanda-se por
dedicou parte da sua
toda a nossa espécie, e, até mesmo, por diversas espécies.
vida desmascarando
A razão nos eleva das fronteiras de “eles e nós”, que é onde
e desafiando o
inicia-se o distanciamento do outro ao ponto em que a
empatia é gradualmente esfacelada. Essas fronteiras são
charlatanismo. Com sua
experiência como mágico
frequentemente instigadas pelo dogmatismo religioso, pelo
Randi revela os truques
nacionalismo e segregações internas numa sociedade, na
utilizados por "cirurgiões
qual classes e gêneros são desprivilegiados pelo poder de
espirituais" e 'videntes'.
outros grupos dominantes.
Em resumo, existem diversas pessoas, inclusive não religiosas,
que consideram que, por mais que a visão religiosa seja
anticientífica e ilusória, não existe alternativa para ensinar
seus filhos e seus pares sobre o que é certo e errado, além da
visão religiosa. Penso que a razão possa servir como um guia
muito mais eficiente, principalmente porque ela pode nos
levar a uma moralidade mais humana, onde podemos chegar
à conclusão de que, quanto mais pessoas incluímos na nossa
esfera moral, mais nos aproximamos de um mundo no qual o Houdini
Seguindo a linha dos
certo e o errado não dependem de Deus ou de uma escritura
milenar, e sim das nossas próprias reflexões e experiências. ilusionistas vale a pena
conhecer a minissérie
Para finalizar, o objetivo deste texto é: mostrar que as vozes Houdini, que conta
as épicas histórias
de homens ignorantes de dois mil anos atrás não deveriam
ecoar tão fortemente em nossa sociedade sobre o que é certo do ilusionista Harry
Houdini, pai da mágica
e errado. Devemos tirar nossas respostas morais de uma
análise racional de quais as causas e condições daquilo que moderna. A minissérie
mergulha fundo por trás
chamamos de bem-estar humano e animal. Para isso devemos
admitir que, apesar da subjetividade em definir o que é certo das cortinas e mostra a
vida dele através de seus
e errado para todos, existem respostas certas para questões
sobre o florescimento humano, e a moralidade faz parte desse dublês, suas visões e sua
maestria na arte da ilusão.
domínio análise. Temos que admitir que diversos indivíduos,
e culturas inteiras, tendem a se importar com as respostas Em alguns episódios,
temos o Houdini
erradas nessa análise, e que é possível que tenham crenças e
valores que conduzam ao sofrimento humano desnecessário. desmascarando charlatões
e místicos. A série é um
Esta, de fato, é a missão do ser humano secular que vai
emergir no século XXI no qual a ciência e a razão serão convite ao ceticismo.
as ferramentas certas para definirmos, não com respostas
10 ENTREVISTA 11 Mai/Jun 2017 ENTREVISTA

BATE-PAPO COM A imunidade tributária das igrejas é um assunto

muito delicado e vem tirando o sono de muitos

RICARDO BOECHAT
religiosos. Como você avalia esse “benefício” que, em
muitos casos, pode ser utilizado para lavar dinheiro?

Crédito da imagem: Rede Bandeirantes

Ricardo Boechat - "Assunto delicado" para quem?
Trabalhadores que ganham R$ 1.999,19 mensais para
sustentar suas famílias pagam imposto de renda. Por que
corporações religiosas não deveriam pagar? Meu ponto
de vista não tem nada a ver com Estado laico. É apenas
constitucional. Ou não somos todos iguais perante as leis?

Nesta edição da Revista Ateísta, abrimos espaço para entrevistas. Conversamos com um dos jornalistas mais
conceituados do Brasil, Ricardo Eugênio Boechat. Ricardo Boechat fez sua carreira sem medo de falar o que pensa
e se declara abertamente como ateu. O seu currículo inspira e causa inveja a todos que gostam e trabalham com
comunicação. Boechat já trabalhou no jornal O Globo, O Dia, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Trabalha Nas eleições municipais de 2016, o número de
diariamente como âncora da rádio BandNews FM e da TV Bandeirantes, no Jornal da Band. É ganhador de três candidatos que usam o título de pastor no “nome
prêmios ESSO e recebeu o título de Mestre do Prêmio Comunique-se do qual é o maior ganhador da história - sendo de urna” cresceu 25% em comparação com 2012 e
o único a vencer em três categorias distintas (ancora de Rádio, Colunista de Notícia e âncora de TV). Também foi a bancada evangélica está crescendo a cada eleição.
eleito o jornalista mais admirado na pesquisa do site Jornalistas&Cia em 2014. Boechat tem uma coluna semanal na Como você avalia esse processo de “conversão”
revista ISTOÉ e também foi dublador do filme animado Zootopia, dublando a voz da personagem BOI CHÀ, o Jaguar pelo qual a política vem passando?
Jornalista.
Ricardo Boechat - O pior regime do mundo é a teocracia.
Políticos já são suficientemente perigosos falando por si
mesmos. Se somarem aos seus poderes a função de porta-
"O PIOR REGIME DO MUNDO vozes divinos, estaremos fodidos.

É A TEOCRACIA. POLÍTICOS Como você vê a tentativa política de

JÁ SÃO SUFICIENTEMENTE implementar o ensino do “criacionismo” De acordo com a Ancine, atualmente mais de 20% da
PERIGOSOS FALANDO POR SI nas aulas de ciência da rede pública? programação da TV foi ocupada por programação
religiosa (a famosa venda de horário que acontece
MESMOS. SE SOMAREM AOS Ricardo Boechat - Incluir o estudo das religiões na tanto na TV e no rádio). Qual leitura você faz dessa
SEUS PODERES A FUNÇÃO grade escolar trará ganhos para todos. Confundir
estudo com evangelização ou ações assemelhadas
situação?
DE PORTA-VOZES DIVINOS, é manipulação e dirigismo intelectual. Quem
Ricardo Boechat - Não assisto e não concordo com tal uso
quer formar os filhos dentro de determinada fé
ESTAREMOS FODIDOS." deve matriculá-lo na escola confessional de sua
das concessões.
escolha. Escola pública não é igreja, nem templo.
- Ricardo Boechat

Recorrentemente, crimes e atrocidades são

Olá, Boechat, seja bem-vindo à Revista Ateísta. É uma
honra muito grande recebê-lo aqui, principalmente
pelo motivo desta ser uma mídia “marginal”, que
não conta com editora e nem publicidade. Muito
obrigado por aceitar o nosso convite. Boechat,
futebol, política e religião se discutem?
Ricardo Boechat - Tudo deve ser discutido, especialmente
se tem importância. Aliás, futebol e política vivem mais da
discussão do que da bola e do voto. Por que a religião haveria
de viver apenas da fé fechada em si mesma? Se religião não
fosse discutida, a Inquisição teria acabado?
A liberdade de crença é um direito
constitucional, mas, muitas vezes,
charlatões das mais variadas crenças
utilizam esse direito para extorquir
“doações” de pessoas humildes. Como o
Estado poderia agir nesta situação?
Ricardo Boechat - Charlatanismo é crime (artigo
283 do Código Penal). Basta aplicar a lei, seja ateu
ou pregador o delinquente.
justificados “por falta de Deus no coração”, como
se o ateu estivesse à margem da conduta moral, ou,
no contexto de Os Irmãos Karamázov, "Se Deus não
existe, tudo é permitido". Como você responde a esta
afirmação?
Ricado Boechat - Creio que não fizeram essa pesquisa, mas
deveriam fazer: dentre os homicidas que habitam nossas
prisões, ou as dos Estados Unidos, quantos se declaram ateus?
A propósito: Hitler era entusiasta do "cristianismo positivo".

12 HISTÓRIA
JESUS
E OS MITICISTAS
C
hamamos de “Jesus Histórico” uma pessoa
que viveu na Galileia por volta do séc I,
provavelmente de Nazaré, teve discípulos,
morreu crucificado por Pôncio Pilatos,
seus seguidores então acreditaram em sua
ressurreição e passaram a propagar que era o Messias.
Apenas isso e nada mais. Para discutir se o Jesus Histórico
existiu ou não, não devemos esperar uma prova absoluta.
Tal coisa não existe em área nenhuma do conhecimento
empírico. Precisamos apenas levantar os argumentos
prós e contras e ver quais deles são mais convincentes.
Em relação a Jesus, há uma prova contra sua existência
que é muitas vezes tida como arrasadora, a saber, não
há absolutamente nenhum relato que tenha sobrevivido
e que tenha sido escrito por alguma testemunha visual.
Nenhum! Os Evangelhos foram escritos décadas após
a sua morte, por pessoas que não o conheceram, e são
recheados de teologia.
Outra prova forte em relação a sua não existência é a
quantidade imensa de misticismo, teologia e falsificações
ao redor dos relatos sobre Jesus. Ouvimos que ele é Filho
de Deus e o próprio Deus, que sua mãe era virgem, que
fez milagres, ressuscitou Lázaro, andou sobre as águas
e todo tipo de coisas que um ateu tem razão em não
acreditar. Suas principais fontes são de seus seguidores,
ou seja, pessoas com razões para acreditar em todo o tipo
de absurdo.
Paulo, sua fonte mais recente, escrevendo apenas cerca
de uma década após a morte de Jesus, nunca o conheceu.
Mas isso significa que, se Jesus foi inventado, o foi em
período muito restrito de tempo, entre o ano 30 e o 50 do
primeiro século, pois não há menção histórica dele antes,
mas, logo após, elas começam a aparecer. Importante
saber, no entanto, que Paulo não estava fundando uma
religião, pois acreditava, provavelmente como Jesus, que
o Reino de Deus viria ainda em sua vida.
As duas chaves principais para entender os problemas
com os argumentos dos “miticistas” (que acreditam que
Jesus era um mito) são: só porque Jesus é importante
e conhecido hoje não quer dizer que era importante
e conhecido 2000 anos atrás; só porque a história
conhecida hoje de Jesus está recheada de mitologia não
quer dizer que todo o resto seja inventado também.
Se você parte deste princípio, logo percebe que os céticos
cometem o mesmo erro dos crentes: levam a história de Jesus
literal demais! Este parece ser o caso de Michael Paulkovich,
no seu livro, No Meek Messiah, onde parte dos princípios
das maravilhas narradas no Novo Testamento e dá uma
lista com 126 escritores que deveriam tê-las mencionadas
ou mencionado Jesus. Mas esta lista contém todo tipo de
absurdo, desde dezenas de pessoas que não escreveram uma
só linha que tenha sobrevivido nos dias atuais, até pessoas
que, na verdade, mencionaram Jesus.
Mas ainda temos que lembrar que não há motivo nenhum
para que as pessoas de época próxima a Jesus mencionassem
um galileu desconhecido que morreu na cruz e era seguido
apenas por um punhado de pessoas, como tantos outros
daquele tempo. Jesus não se destacou dos demais nem nos
dois primeiros séculos que se seguiram. Ele parece hoje de
gigantesca importância histórica apenas porque muito do
que nos resta da história de sua época são textos preservados
pelos cristãos que, obviamente, preservavam apenas o que
lhes interessava.
Outros miticistas, como Richard Carrier, Earl Doherty e
Frank Zindler, são militantes ateístas/humanistas que ou
não são estudiosos da área ou não são respeitados pelos
outros estudiosos. Nada contra ser militante do ateísmo,
mas se o argumento deles é que certas fontes históricas
não são confiáveis por serem militantes religiosas, como
os Evangelhos, então a mesma lógica deveria valer para os
militantes ateístas. Temos também D. M. Murdock (Acharya
S), outra estudiosa amadora que simplesmente inventa
relações mitológicas. É claro que currículo não quer dizer
verdade ou falsidade. Mas, ao estudar um tema, normalmente
precisamos ao menos dar atenção aos especialistas de fato
renomados, ao invés de simplesmente xingá-los, como faz
Carrier. O estudo histórico de Jesus implica não só ter acesso
aos textos antigos, mas também domínio de uma dúzia de
línguas mortas.
Quando ouvimos, por exemplo, que deuses egípcios também
nasceram no dia 25/12 ou que ressuscitaram “el-azar-us”,
temos que nos perguntar em que manuscrito antigo está isso
e a resposta é: nenhum. Claro que há paralelos óbvios entre a
história de Jesus e a mitologia existente na época. Mas é bom
ressaltar que quase tudo que se diz que foi copiado por Jesus
são considerações que não são tidas como históricas pelos
13 Mai/Jun 2017
Crédito da imagem: pixabay
pesquisadores. Estas partes são sim invenções e saberíamos
disso mesmo se não tivessem sido copiadas!
Mas também há motivos para levar em consideração os
argumentos históricos favoráveis. Sabemos, por exemplo,
que o historiador judeu Flávio Josefo menciona Jesus e seu
irmão. É comum que os miticistas digam que foram passagens
acrescentadas depois por copistas. Mas o quase consenso
dos especialistas renomados é que ela foi acrescentada
apenas parcialmente. Para aqueles que discordam disso, cabe
perguntar que se adicionaram esta passagem em Josefo, por
que não acrescentaram em dezenas de outras fontes antigas
que só chegaram até nós pelas mãos dos copistas cristãos? Se
os cristãos inventaram Jesus, por que o inventaram apenas
em um ou outro relato frágil?
Outro argumento usado pelos miticistas é a existência de
correntes docéticas no cristianismo primitivo, ou seja, de
cristãos como Marcião, que acreditavam que Jesus nunca
foi uma pessoa física, mas apenas divino. Mas esquecem
de mencionar que esta é uma das disputas doutrinárias
mais antigas do cristianismo e que existiam também na
época defensores de que Jesus foi apenas uma pessoa, mas
Gustavo Leal Toledo
Opinião de:
Doutor em Filosofia pela PUC-Rio
nunca divino. Além daqueles que acreditavam que existiam
dois Jesus, um humano e outro divino, e até aqueles que
acreditavam que foi um humano tornado depois divino.
Mas o argumento mais direto a favor da sua existência
costuma ser o encontro de Paulo com Pedro e o “irmão do
Senhor”, Tiago. Tal texto é datado de cerca de apenas uma
década após a morte de Jesus, sendo a fonte mais próxima
que temos. O interessante é que aqui o argumento miticista
também é idêntico ao argumento dos cristãos devotos, a
saber, que o termo “irmão” era usado em vários sentidos. Os
cristãos usam isso para deixar claro que Maria era virgem, os
miticistas para deixar claro que Jesus não existiu. Seja como
for, um estudo detalhado da linguagem utilizada é capaz de
esclarecer que, ao contrário do que diz Carrier e os cristãos,
Tiago era de fato irmão de sangue de Jesus.
Já o argumento indireto mais importante é o fato de que
o cristianismo teve que lidar com vários inconvenientes
históricos que teriam sido mais fácil simplesmente não terem
sido inventados. Por exemplo, o nascimento de Jesus em
Nazaré teve que ser mascarado com duas histórias diferentes
sobre o nascimento em Belém já nos evangelhos (Mateus e
Lucas), pois nascer em Nazaré não fazia sentido teológico.
O batismo de Jesus por João Batista é outro evento que teve
que ser re-interpretado para fazer sentido, pois normalmente
quem batiza é “maior” que o batizado. Os próprios irmãos de
Jesus, assim como sua paternidade por José, tiveram que ser
mascarados e a menção ao termo “pai” teve que ser retirada.
Mas a principal incongruência é a crucificação. Ao contrário
do que os miticistas e, de novo, os cristãos dizem, nem Daniel
9, nem Isaias 53, falam de um messias crucificado. No Antigo
Testamento é possível ver passagens sobre um sofredor e
sobre o messias, mas não ao mesmo tempo. E quando elas
são lidas dentro do contexto do resto do texto em que estão
inseridas fica claro que não faz sentido atribuí-las a Jesus. A
prova principal disso é que, além dos cristãos do séc I, não há
dentre os judeus da época, ou de antes, nenhuma menção de
que o messias seria crucificado ou que pagaria pessoalmente
pelos pecados dos demais. Quando os cristãos assim
defenderam foram ridicularizados. Foi só depois da morte
de Jesus que seus seguidores releram o Antigo Testamento
e acham, ou melhor, interpretam passagens como que
prevendo sua vinda.
Os ateus deveriam perceber, então, é que a existência de
um Jesus que é filho de José, tem irmãos de sangue, não
fez milagres, nasceu em uma cidade qualquer em data
desconhecida, não foi morto para cumprir as profecias, que,
na verdade, nem profecias sobre ele existiam e nem subiu aos
céus é muito mais amedrontador para um religioso do que o
falso argumento de que Jesus nunca existiu. E os miticistas
deveriam perceber que levam os relatos da Bíblia mais a sério
do que muitos religiosos!
Gustavo Leal Toledo é ateu, professor de epistemologia da
UFSJ, doutor em Filosofia pela PUC – Rio.
 Julio Homero Porto
14 CAPA 15 Mai/Jun 2017 Opinião de:
Equipe Revista Ateísta

ATEÍSMO E
O relatório mais recente da OIT referente à discriminação
no trabalho é datado de 2011 e, no que diz respeito à
discriminação religiosa, não há uma única menção a ateus,
agnósticos e não-religiosos em geral. Pelo contrário, o
relatório foca em questões ligadas à migração de mão-de-

MERCADO
obra, à liberdade para utilização de determinadas vestimentas
no trabalho e até mesmo à concessão de pausa para realização
de orações durante o expediente.
Junte os pontos. Essas três questões são relacionadas à
presença crescente de muçulmanos em países ocidentais. É

DE TRABALHO
sobre isso que as organizações internacionais se debruçam.
Os ateus permanecem ignorados: não há dados oficiais
sobre a perseguição contra ateus em países como a Arábia
Saudita, embora seja um (improvável) membro do Conselho
de Direitos Humanos da ONU. Mas há estudo específico
da OIT para tratar da discriminação contra muçulmanos no
ambiente de trabalho.
“Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira
porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é [...] ‘Deus me livre!’. Mas No Brasil, a situação não é animadora.
percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar Os poucos dados oficiais sobre ateus são aqueles do censo
um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal 2010, os quais indicam que ateus constituem menos de 10%
fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se ‘agnósticos’. Com sorte, da população – uma minoria sem representação alguma no
parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.” Congresso Nacional e que mal conseguiu eleger um único
vereador nas últimas eleições.
“A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico” – Artigo de Eliane Brum, 2011 Esse cenário sociopolítico desfavorável é, ao mesmo tempo,
causa e efeito da invisibilidade do ateísmo no Brasil.
Paralelamente a isso, há uma falsa sensação de liberdade
DISCRIMINAÇÃO É ILEGAL e alcance dos ateus nas redes sociais, que não se confirma
Existe um tabu em torno da discriminação contra ateus no De forma aberta ou velada, a discriminação contra ateus A proteção contra a discriminação é, antes de tudo, um direito na vida cotidiana. É rotina dos ateus simplesmente evitar
Brasil e, mais ainda, no que diz respeito à discriminação no e não-religiosos é considerada até mesmo aceitável, sob humano. A Declaração Universal dos Direitos Humanos qualquer discussão religiosa no trabalho, ou mesmo falar
ambiente de trabalho. Ela existe, causa inúmeros danos e vem diversos pretextos. prevê que todos têm direito ao trabalho em condições justas abertamente sobre sua descrença.
sendo convenientemente ignorada. Até hoje. e igualitárias, e que todos podem evocar em seu favor esse A falta de dados oficiais dificulta conhecer o alcance do
A religiosidade é pessoal; é um aspecto da vida privada e não A “vox populi” considera aceitável rejeitar um candidato ateu direito, independentemente de religião. problema. A revista Ateísta conduziu uma enquete entre
deveria dizer respeito a mais ninguém, nem estar presente no para vagas de emprego em hospitais e escolas administrados A Organização Internacional do Trabalho (braço das seus seguidores no Facebook e, mesmo com todas as ressalvas
ambiente de trabalho. Na prática, é tudo bem diferente. por entidades religiosas, ou mesmo para atividades como Nações Unidas que trata das relações de trabalho em geral) que se possa fazer em termos metodológicos, os resultados são
As religiões em geral se propagandeiam como a resposta cuidadores de idosos e babás. proíbe a discriminação no trabalho por motivo religioso bastante eloquentes.
total e definitiva; somente elas detêm as respostas para o que desde 1958; a Convenção 111, firmada em Genebra, foi
é bom, belo e justo; fora da religião, não é possível ter uma A produção de carne certificada para exportação para países admitida no direito brasileiro em 1964. Das 1760 pessoas que responderam à enquete, 92,2% se
vida decente. muçulmanos pressupõe o cumprimento do ritual “hallal”, em No Brasil, a principal norma referente à discriminação no identificaram como agnósticas (39,4%) ou ateias (52,8%);
Esse é o primeiro passo para a discriminação porque, que o abate deve ser feito por uma pessoa muçulmana. trabalho é a Lei 9.029, de 13 de abril de 1995. Embora a 4,7% afirmaram não ter religião, mas tenderem a acreditar na
levando-se esse raciocínio ao extremo, não é desejável ter por E, embora não seja possível saber até que ponto os frigoríficos lei não faça referência expressa a “religião”, é amplamente existência de um deus; 3,1% afirmaram acreditarem em deus,
perto alguém de outra religião – ou, “pior” ainda, alguém sem são rigorosos quanto a seus processos produtivos, tem aceito que a proteção legal que ela estabelece se estende à frequentando (1%) ou não (2,1%) igrejas.
religião alguma. sido admitido rejeitar candidatos não-religiosos para o discriminação por motivo de religião. Esses dados nos ajudaram a traçar as diretrizes para abordar
Nesse contexto, não é de se surpreender que, num país como preenchimento dessas vagas. Mas leis não fazem nada sozinhas e, para que se possa fazer o assunto neste artigo.
o Brasil, em que as pessoas não-religiosas representam uma algo a respeito da discriminação contra ateus no mercado de
pequena parte da população, rejeitar a religião dificulte o O tratamento favorecido para pessoas religiosas no trabalho, é preciso ao menos saber em que pé estamos nessa
acesso e a permanência de ateus em postos de trabalho. cotidiano do trabalho, incluindo aí a presença obrigatória área. NO PROCESSO SELETIVO DE ADMISSÃO
dos trabalhadores em orações e cultos, dentro ou fora do A discriminação por motivos religiosos, no ambiente de
trabalho, pode se manifestar de diferentes formas, desde o
“Ao longo dos últimos quatro anos, o expediente normal de trabalho, também constitui um cenário
de discriminação contra ateus e não-religiosos. No entanto,
INVISIBILIDADE DOS ATEUS processo seletivo para admissão até a demissão.
número de mulheres e homens que são não é de se surpreender que, num país de maioria religiosa,
Embora haja diversos estudos sobre a discriminação no
trabalho, chama a atenção que quase não se encontrem dados
Não é permitido discriminar candidatos a uma vaga de
vítimas de discriminação religiosa [no isso seja muito pouco discutido. específicos sobre os grupos não-religiosos, aí incluídos os
emprego por motivo religioso; mesmo assim, 553 (28,6%)
das pessoas entrevistadas afirmaram terem sido questionadas,
trabalho] parece ter aumentado.” O tema tem vindo à tona recentemente. Em parte, porque
ateus.
Alguns artigos (HAMMER et al., 2012; CRAGUN et al.,
durante um processo seletivo, a respeito de suas convicções
“Igualdade no Trabalho: Um desafio as redes sociais têm propiciado um espaço inédito para que 2012) relatam ter havido uma pesquisa nos EUA, em 2008,
religiosas.
contínuo” – Relatório da OIT, 2011 ateus e não-religiosos possam falar abertamente e trocarem segundo a qual 41% dos ateus mencionaram ter sofrido
A maioria dos entrevistados sentiu, em diferentes níveis, o
peso da discriminação no processo seletivo: 62,5% disseram
experiências; em parte, porque as demissões têm aumentado discriminação nos 5 anos anteriores, mas não há dados
e há maior dificuldade na reinserção no mercado de trabalho. temer não serem contratados, sendo que 32,4% disseram a
sobre discriminação no trabalho em si. verdade e 32,6% acabaram por mentir para esconderem que
16 CAPA
não têm religião, são agnósticas ou ateias (30,1%).
É muito difícil acreditar que, num processo seletivo para
contratação de empregado, a pergunta sobre religião seja
absolutamente desinteressada. Processos seletivos têm a
única finalidade de separar os candidatos com potencial
para serem contratados dos que não têm. Não são momentos
para o entrevistador simplesmente jogar conversa fora.
Cada pergunta é importante e tem o objetivo concreto de
revelar até que ponto o candidato ainda está no páreo para
conquistar a vaga.
Obviamente que isso não significa que sempre que um ateu
é rejeitado em uma entrevista de emprego, isso aconteceu
necessariamente por discriminação religiosa – mas a reação
do entrevistador à revelação de que o candidato não tem
religião pode dizer muito a respeito dos critérios de admissão
da empresa. E é por isso que tantos ateus temem falar
abertamente sobre sua descrença.
ASSÉDIO RELIGIOSO NO TRABALHO
Fora o medo de não serem contratados, os ateus e não-
religiosos também enfrentam outras preocupações; dos
entrevistados, 42,1% disseram que já tiveram (28,5%) ou
podem ter (13,6%) problemas no trabalho se souberem a
respeito de sua descrença.
Por “problemas”, entenda: discriminação.
Ofensas, agressões físicas ou verbais, comentários maldosos,
tratamento com sarcasmo e hostilidade aberta são apenas
alguns exemplos de discriminação – que pode tanto partir de
um superior hierárquico como de um colega ou mesmo um
subordinado.
O mais comum, obviamente, é que a discriminação contra o
ateu no ambiente de trabalho se manifeste em formas mais
sutis de tratamento diferenciado, com vantagens ou opções
negadas a ateus e não-religiosos, pelo simples fato de serem
descrentes.
Por exemplo: um relatório da EHRC (2015) indica que,
entre outros atos de discriminação, ateus percebem não ter
as mesmas vantagens que religiosos para conseguir folgas
adicionais.
Não é surpresa que ateus, especialmente aqueles que tratam
de forma mais aberta sua descrença, tenham mais dificuldade
em marcar férias, obter promoções e aumentos de salário ou
conseguir outras oportunidades. Muitos relatam vivenciar
isolamento social.
Um artigo (GHUMMAN et al., 2013) relata que uma
empregada ateia sofreu retaliação após registrar uma
reclamação contra empregados batistas que insistiam em
deixar em seu computador uma imagem de Jesus.
A enquete da revista Ateísta indica que, dos entrevistados
que relataram haver atividades religiosas no local de trabalho,
22,1% afirmaram participar deles por obrigação e 8,9%
chegaram a sofrer retaliação por se recusarem a participar.
Ainda não existe uma denominação específica para esse
conjunto de condutas, embora haja os que defendem a ideia
de agrupar essas condutas no conceito de “assédio religioso”.
O que se observa, no entanto, é que essas condutas têm como
elemento de identificação atingir – por uma ação ou por
omissão – quem não tem religião.
O ambiente para esse tipo de discriminação é fértil no Brasil,
uma sociedade que mantém viva a ideia de que os não-
religiosos (em geral) e os ateus (em particular), por não terem
religião, não se importam ou não deveriam se importar em
serem submetidos ao assédio de religiosos.
Todos os ateus já ouviram variações de argumentos como:
se você não acredita, por que se incomoda em ter que fazer
orações?
Ao julgar um processo em que se discutia a obrigatoriedade
de fazer orações no ambiente de trabalho, o Tribunal
Regional do Trabalho da 16ª Região, sediado no Maranhão,
manifestou um entendimento que simboliza bem essa ideia.
Disse o desembargador-relator que o empregado seria
“...aparentemente ateu, ou seja, não
tem crença religiosa específica. Desse
modo, o fato de supostamente ser
obrigado a professar uma oração
pela manhã não lhe ofende a crença
religiosa, como se concluiria a priori.”
Não é uma questão meramente semântica. O texto diz
literalmente que um ateu obrigado a fazer orações não
sofre violação em seu direito à liberdade de crença (ou de
descrença, se preferir), ressalvando, implicitamente, que isso
aconteceria se ele tivesse uma religião.
Por outras palavras, o ateu tem menos direitos que pessoas
religiosas, pois é indiscutível que estas últimas não podem
ser obrigadas a fazerem orações de outras religiões, mas os
ateus não deveriam se importar.
17 Mai/Jun 2017
Para contribuir com a nossa matéria de capa, convidamos o
mestre em Neurociências (UFMG), professor de Psicologia
(Faculdade Pitágoras) e pesquisador em Psicologia da Religião
Daniel F. Gontijo para comentar sobre o preconceito contra
ateus. O professor apontou dados assustadores sobre o tema.
Veja:
Daniel F. Gontijo
Comentário de:
Mestre em Neurociências
"Um número crescente de estudos tem constatado que
a discriminação contra ateus é real e, como era de
se esperar, prejudicial. Conforme sugerem os achados
de um estudo recente (LaBouff & Ledoux, 2016),
parte dessa discriminação pode ser explicada pela
ansiedade e desconfiança em relação aos ateus, a qual
seria maior entre religiosos mais fundamentalistas.
Num outro estudo (Cook, Cottrell & Webster, 2015),
verificou-se que os participantes percebem que seus
valores são mais ameaçados por ateus do que por
muçulmanos, homens gays e aidéticos. Já num estudo
de revisão (Weber, Pargament, Kunik, Lomax &
Stanley, 2012), identificou-se que a principal fonte
potencial para o estresse psicológico entre ateus é a
percepção negativa que as pessoas têm em relação
a eles. Por sua vez, um estudo empírico (Doane &
Elliott, 2015) constatou que, quanto mais um ateu
percebe ser discriminado, menor é seu bem-estar –
quer seja físico, quer seja psicológico. Em conjunto,
esses dados reforçam a ideia de que a discriminação
contra ateus precisa ser discutida, mais estudada e
remediada."
Leitura sugerida
e Referências
“Religious Discrimination in the Workplace: A Review and
Examination of Current and Future Trends”. Sonia Ghumman,
Ann Marie Ryan, Lizabeth A. Barclay, Karen S. Markel. Publicado
online em 15/03/2013.
“On the Receiving End: Discrimination toward the Non-Religious
in the United States”. Ryan T. Cragun , Barry Kosmin , Ariela
Keysar , Joseph H. Hammer & Michael Nielsen. Publicado online
em 13/01/2012.
“Forms, Frequency, and Correlates of Perceived Anti-Atheist
Discrimination”. Joseph H. Hammer, Ryan T. Cragun, Karen
Hwang & Jesse M. Smith. Publicado online em 2012 em
“Secularism & Nonreligion”.
“Discriminação Religiosa no Ambiente de Trabalho”. Rafael
Bruno da Silva. Publicado online em 2012, na Revista Eletrônica
do Curso de Direito das Faculdades OPET Curitiba.
“Igualdade no trabalho: Um desafio contínuo. Relatório Global
O QUE PODEMOS FAZER
A única forma de mudar o cenário da discriminação contra
os ateus é tornar o problema visível. É preciso fazer com que o
assunto seja tratado com seriedade pelos gestores de pessoal
e, para isso, utilizar os canais de comunicação disponíveis
no local de trabalho: ouvidoria, ombudsman, departamento
de Recursos Humanos e diretoria ou gerência são os meios
mais comuns disponibilizados pelo empregador para relatar
conflitos de relacionamento entre profissionais.
Quando isso não é possível, pode-se procurar o apoio do
Ministério do Trabalho e Emprego, formalizando uma
denúncia junto à Delegacia Regional do Trabalho mais
próxima. No website do MTE – www.mte.gov.br – você pode
conseguir informações mais pormenorizadas a respeito de
como fazer a denúncia.
O Ministério Público do Trabalho é responsável por
investigar denúncias, inclusive anônimas, de discriminação
no ambiente de trabalho; a atuação do MPT é dividida em
regiões e você pode procurar a sede mais próxima no website
www.mpt.gov.br.
O trabalhador que sofrer assédio religioso pode, ainda,
acionar judicialmente o seu empregador, procurando um
advogado para denunciar o fato na Justiça do Trabalho e
obter a reparação pelos danos que forem causados pelo
empregador.
Pode também buscar apoio de instituições que representam
os ateus em diversos segmentos; há muitas, escolha uma com
a qual você se identifica melhor.
O importante é agir. E nenhuma denúncia terá validade
se for baseada apenas em um relato individual; por isso,
o trabalhador deve coletar provas em seu favor, como
documentos, bilhetes, fotografias, gravações de áudio e vídeo,
e-mails, documentos digitais e testemunhas.
Todo ateu deve saber que nada cai do céu. Só agindo é que
conseguiremos mudar alguma coisa a nosso favor.
no quadro do seguimento da Declaração sobre os Princípios e
Direitos Fundamentais no Trabalho”. Organização Internacional
do Trabalho. Bureau Internacional do Trabalho em Genebra.
Publicado online em 2011.
Cook, C. L., Cottrell, C. A., & Webster, G. D. (2015). No good
without God: Antiatheist prejudice as a function of threats to
morals and values. Psychology of Religion and Spirituality, 7(3),
217-226.
Doane, M. J., & Elliott, M. (2015). Perceptions of discrimination
among atheists: Consequences for atheist identification,
psychological and physical well-being. Psychology of Religion and
Spirituality, 7(2), 130-141.
LaBouff, J. P., & Ledoux, A. M. (2016). Imagining Atheists:
Reducing Fundamental Distrust in Atheist Intergroup Attitudes.
Psychology of Religion and Spirituality, 8(4), 330-340.
Weber, S. R., Pargament, K. I., Kunik, M. E., Lomax, J. W., &
Stanley, M. A. (2012). Psychological distress among religious
nonbelievers: A systematic review. Journal of Religion and Health,
51, 72-86.

18 CIÊNCIA
DEMÔNIOS
À ESPREITA
COMO ALGUÉM PODE ACREDITAR QUE O
HOMEM VEIO DO MACACO?
Se você, caro leitor, já conversou alguma vez com um
negacionista da evolução, é bem provável que tenha ouvido
a frase acima, talvez acompanhada da tacanha conclusão que
costuma acompanhá-la:
“é muito mais fácil acreditar que Deus
tenha criado o homem moldando-o do
barro!”.
Embora boa parte das pessoas que usam este argumento
esteja conscientemente adotando uma estratégia desonesta
para menosprezar a Teoria da Evolução, muita gente
realmente acredita que uma das mais bem evidenciadas e
estabelecidas descobertas científicas da História não passa de
bobagem inventada por cientistas incrédulos militando pelo
fim da religião.
Infelizmente, este tipo de resistência e desconfiança com
relação a fatos bem estabelecidos e aceitos pela comunidade
científica não está restrito apenas à questão evolucionária.
Em várias áreas, a ignorância sobre o conhecimento científico
atual e os métodos de pesquisa acaba causando uma confusão
que propicia a crenças religiosas e pseudociências competirem
(às vezes com bastante vantagem) com a ciência na tarefa de
explicar o universo e os fenômenos naturais. Neste cenário,
criacionistas, homeopatas, astrólogos, “terraplanistas”,
negadores do aquecimento global, teóricos da conspiração
(como aqueles que duvidam que o homem tenha pisado na
Lua) e outras figuras do gênero encontram terreno fértil para
disseminar todo tipo de bobagem – e atrapalhar a já difícil
tarefa de divulgar e ensinar ciência para o público leigo.
Mas por que tanta gente duvida da ciência e prefere acreditar
nessas tolices?
A RESPOSTA ESTÁ NA EDUCAÇÃO
Em seu extraordinário livro “O Mundo Assombrado pelos
Demônios”, Carl Sagan explicava como a mente humana
costuma criar seres fantasiosos (santos, demônios e, mais
recentemente, até alienígenas) pois a crença na sua existência
satisfaz algum tipo de necessidade específica do seu tempo.
Num sentido mais amplo, os demônios a que Sagan se referia
são as ilusões e delírios que assolam a humanidade desde
tempos imemoriais, dificultando a busca e a divulgação
de repostas científicas sobre a natureza e a realidade. Estes
demônios nunca deixaram de estar presentes, e sempre
ameaçam sorrateiramente o desenvolvimento e a divulgação
da ciência.
Naturalmente, não é difícil entender os motivos mais
imediatos que fazem com que explicações pseudocientíficas
e religiosas sejam amplamente aceitas pela população
leiga. Doutrinação religiosa desde a infância, despreparo
para pensamento crítico e a busca por respostas rápidas e
simples estão entre os principais fatores que fazem com que
muitas pessoas sejam vulneráveis à conversa de charlatães
e lunáticos. Mas isto explica apenas em parte o problema,
já que uma boa parcela dos negadores da ciência não são
exatamente analfabetos científicos. Em muitos casos, tiveram
acesso a uma educação formal e acadêmica e, não raro,
muitos se tornaram até mesmo educadores (inclusive em
áreas relacionadas à ciência). Por que então ainda rejeitam as
versões científicas dos fatos?
A resposta é traiçoeira, pois reside justamente num fato
mascarado por esta suposta educação científica: muito
embora os negadores da ciência tenham-na recebido, ela
provavelmente não foi dada da forma como deveria. E não
por uma questão apenas de “quantidade”, e sim de qualidade.
A educação em ciências dada em muitas escolas por vezes
peca por deixar de fora o que talvez seja sua mais importante
função: promover uma postura científica, ensinando aos
alunos não apenas o conhecimento adquirido e quem
foram os gênios responsáveis pelas grandes descobertas da
Crédito da imagem: pixabay | Jonny Lindner
humanidade, mas como elas ocorreram e, principalmente,
por que este conhecimento deve ser continuamente
reexaminado.
O método científico tem sua maior força na constante revisão
de todo o conhecimento acumulado pela humanidade.
Não há certezas científicas, nem dogmas, nem nada que se
aproxime de uma ideia intocável na ciência. Tudo é passível
de ser examinado por qualquer um que esteja disposto a
tanto – e uma boa educação científica deveria fomentar nos
alunos o desejo de efetivamente investigar com seus próprios
sentidos o que a ciência já descobriu.
Isto é exatamente o contrário da forma como as religiões e
as pseudociências funcionam. Estas práticas amparam-se
justamente no que são consideradas algumas das mais graves
violações do pensamento científico: o apelo à autoridade e a
aceitação de fatos sem evidências empíricas que os apoiem.
Pessoas que se encontram à mercê de birutas e desonestos
geralmente não podem verificar com seus próprios sentidos
o que foi dito por eles (ou o que está em livros “sagrados”
escritos por Deus ou por personalidades incontestáveis), mas
não se sentem compelidas a duvidar das coisas mais absurdas
que ouvem destas figuras porque nunca foram instruídas a
questionar este tipo de coisa. Junte-se a isto o eventual desejo
de acreditar no que está sendo dito (algo que uma postura
científica também ajuda a evitar), e pronto!, estão reunidos
todos os ingredientes para a crença em qualquer disparate.
E é exatamente nisto que o ensino básico de ciências muitas
vezes falha. Quando se ensina a um aluno sobre um fato
científico e não se mostram evidências empíricas (com
práticas na sala de aula, com experiências em laboratórios,
com saídas de campo ou visitas a museus, observatórios e
zoológicos), o aprendizado fica restrito à aceitação de algo
só porque Newton, Einstein, Darwin ou outra “autoridade”
afirmou aquilo, criando um ambiente onde o questionamento
David Ayrolla
Opinião de:
Papo de Primata
e o desejo de investigação acaba por ser colocado em segundo
plano. Com isto, a ciência perde seu maior diferencial, e o
seu ensino em quase nada se distinguirá de doutrinação
religiosa ou de disseminação de pseudociência, apenas com
a substituição de alguns livros sagrados e fontes obscuras
por outros. É natural que um aluno a quem não tenham sido
apresentadas evidências contundentes possa considerar as
duas ideias equivalentes – e se este aluno foi doutrinado
por uma família ou comunidade fundamentalista, torna-se
muito possível que, entre duas explicações que não foram
demonstradas, ele opte por aquela defendida pela fé em que
foi criado.
É por isto que uma população sem o devido treino científico
ficará mais tentada a aceitar o que foi ensinado em casa ou
na igreja, ou naquilo que ela acha mais fácil de entender (já
que sabemos que adquirir conhecimento científico geralmente
é mais difícil que ler um almanaque ou acreditar no que é lido
por um sacerdote no púlpito).
A SOLUÇÃO
Voltando ao exemplo visto no início, para muita gente
é difícil aceitar que o Homo sapiens descende de um
primata simiesco justamente porque a ideia de um macaco
transformando-se ou parindo um ser humano é (com toda
a razão) absolutamente ridícula. Faltou a quem pensa que
a Teoria da Evolução é este espantalho uma explicação
mais detalhada de como as espécies se transformam com o
passar das gerações. Talvez estas pessoas devessem ter sido
apresentadas a evidências fósseis, a explicações de como
mutações ocorrem a cada geração (e como estas mutações
podem ser fixadas através de seleção natural) e outros
conhecimentos básicos cuja ausência deixa o entendimento
com lacunas que o enfraquecem.
O mesmo acontece com a homeopatia, por exemplo. Falta
que se ensine à população não só como os métodos de testes
de aceitação de um medicamento são rigorosos, mas como
qualquer “terapia alternativa” deve ser entendida antes de
aceita. Basta apenas o pensamento crítico para que alguém
tenha a curiosidade necessária para buscar compreender os
princípios homeopáticos – e rejeitá-los pela sua evidente
tolice.
E por aí vai. Cada bobagem pseudocientífica ou negação da
ciência, independentemente da área, só tem condições de
competir com a explicação científica porque o problema da
educação dada ao público em geral não se resume apenas a
conteúdos e métodos deficientes, mas também inclui a falta
de estímulos para um posicionamento crítico e científico
frente à realidade.
A melhor ferramenta para enfrentar estes demônios é a
educação. Ocorre que, dado que vivemos uma época em que
o ensino parece estar perdendo sua essência investigativa
para se tornar mero treinamento para o mundo profissional,
receio que este cenário só tenda a piorar.
Os demônios continuam por aí, e a escuridão que parece
apenas aumentar é um presságio de que ficarão cada
vez mais fortes. Precisamos ficar atentos, pois o risco de
subestimá-los é demasiado alto.

20 HUMOR
PASTOR
ADELIO
Meus irmãos, muita gente tem me perguntado por que meus
fiéis compram toda sorte de quinquilharias supostamente
mágicas? Como é que uma pessoa adulta, madura, pode
se permitir comprar panaceias que descaradamente são
vendidas na minha igreja? A resposta é simples: autoridade.
O ser humano identifica os títulos de poder. Os títulos de
poder foram construídos para estabelecer as relações sociais.
Em todos os segmentos, o irmão ou a irmã encontrará
títulos de poder que estabelecem uma certa hierarquia e,
para todos os efeitos, quem detém um titulo de poder traz
consigo um vasto referencial de conhecimento que você não
tem. Estes títulos acabam entrando pelas portas escancaradas
do inconsciente e, quando você menos espera, ele já está
instalado lá dentro e nem a polícia de São Paulo consegue
desalojar.
Veja, por exemplo, no futebol: você ouve a palavra juiz já
vem a sua cabeça o quê? Filho da puta. Você ouve o termo
advogado, o que você pensa? Às vezes o mesmo. Se você está
parado no trânsito e para uma viatura da polícia ao seu lado,
imediatamente você se sente incomodado, como se estivesse
com dois quilos de maconha embaixo do banco. Na verdade,
é o titulo de poder que incomoda. Polícia é poder.
Pastor é um titulo de poder. A pessoa que carrega o título de
pastor, em tese traz consigo um cabedal de conhecimento que
a maioria das suas ovelhas não têm. Se o sujeito ou a sujeita
ostenta o título de pastor, seus fiéis concluem que este deve
ter de alguma forma uma proximidade maior com Deus,
que o cara é, sem dúvida, uma espécie de despachante de
Jesus, é o cara que consegue desenrolar qualquer imbróglio
envolvendo divindades.
O pastor com este poder pode fazer o que quiser. Na década
de oitenta, um líder religioso (pastor) chamado Jim Jones
convenceu seu redil de que se eles se matassem entrariam no
céu imediatamente. O suicídio era uma espécie de passaporte
para a eternidade. Por que duvidar de alguém que detém um
título de poder? Dezenas de fiéis seguiram o conselho de
Mr. Jim e se mataram. Ainda não sabemos se a promessa foi
cumprida.
Marcio Americo
Opinião de:
Pastor Adelio
"EU SOU
TEU PASTOR
E NADA TE
FALTARÁ"
Outro maluco também imbuído de um título de poder, desta
vez “guru”, que é uma variação moderninha do termo “pastor”,
mandou seus fiéis assassinarem a esposa do cineasta Roman
Polanski, eles foram lá e mandaram ver. Não tinha porque
duvidar, Mr. Charles Manson tinha um título de poder.
O título de poder garante veracidade a qualquer enunciado,
é como se a pessoa estivesse diante de um médico. O médico
pede pra enfiar o dedo em sua cavidade pudenta e você aceita
passivamente. Por quê? Porque ele é autoridade, sabe o que
está falando e se ele disse que enfiar o dedo no seu orifício
extremo é algo que vai beneficiar sua saúde, você aceita.
O pastor, tendo assumido sua postura de poder, de detentor
de verdades obscuras, sabedor de todos os mistérios, office
boy de Jeová, pode fazer o que quiser. Ele pode aparecer
em rede nacional ensinando a roubar e será posteriormente
perdoado, pois o que vale é a sua ultima palavra. Ele pode
exigir que seus fiéis lhe deem o dinheiro do aluguel, eles o
farão sem pestanejar. Ele pode, durante um culto, pedir
a senha do cartão de crédito; ele pode proibir suas ovelhas
de aceitarem uma transfusão de sangue mesmo que isto
signifique a perda de um ente querido ou, em casos mais
extremos (e reais), ele pode até pedir para ter uma noite de
sexo descompromissado com a esposa do fiel tendo como
base a sua esfarrapada interpretação de um texto bíblico. Por
que duvidar? Ele tem um título de poder.
Portanto, meus irmãos, se você quer também abrir sua igreja,
encher o rabo de dinheiro, ganhar doações milionárias sem
se importar com futuras delações premiadas, trate logo de
ungir-se, de colocar sobre sua cabeça um título de poder:
pode ser pastor, apóstolo, bispo, reverendo... qualquer destes
títulos te dará o poder para mandar e desmandar em seus
fiéis, e eles o farão, por que acima de tudo, você tem o poder.
Como dizia alguém com poder de síntese: manda quem pode
(poder), obedece quem tem dinheiro pro dízimo.
Amém?
Pastor Adelio é um personagem criado pelo humorista Marcio
Americo.
21 Mai/Jun 2017
COMO ME
TORNEI ATEU
Todos temos motivos para crer ou não crer em determinada
entidade. As razões variam e sempre estão carregadas com
algum sentimento pessoal. Por esse motivo que digo: só se
torna ateu quem quer! E não adianta muito forçar: o estalo da
mudança é pessoal! E em mim isso ocorreu, por isso resolvi
compartilhar!
Variei entre o catolicismo, o “satanismo”, a wicca, até perceber
que eu era ateu. Mas essa transição é só para constar,
não será meu foco. O foco aqui é o grande motivo que me
levou a escrever isso: minha irmã. Minha irmã nasceu com
Transtornos do Espectro Autista - TEA e eu não sabia o
motivo. Cresci vendo minha mãe sofrendo para criá-la, pois o
autismo dela era um dos mais graves e a impedia de interagir
com as pessoas, de conversar, e lhe trouxe uma irritação
frequente, além de problemas com seu sistema digestivo, que
era muito lento!
Eu não sabia nada sobre ateísmo até então, nunca tinha ouvido
alguém falar na possibilidade de “Deus” não existir e quiçá
sobre o chamado “Design Inteligente”. Mesmo sendo de família
católica, fervorosa, não cabia em minha mente tais questões.
Apenas via os problemas que minha mãe passava diariamente
por ter uma criança que nasceu com TEA e ia viver daquela
forma até o seu último segundo. Lembro que minha mãe
visitou “rezadeiras” (bem comuns aqui no Nordeste), e falou
com pessoas diversas que alegavam que aquilo era uma prova
da existência de “Deus” ou que minha irmã estava passando
por uma provação juntamente com minha mãe, evidentemente
a pessoa que mais sofria.
Eu rezava e ouvia sempre o dizer que “Deus escreve certo por
linhas tortas”, mas aquilo sempre me incomodou! Depois de
27 anos de sofrimento minha irmã faleceu de parada cardíaca.
Talvez pela série de problemas que ela vinha apresentando
acumuladas ao autismo.
Agora vêm as interrogações! Por que isso seria uma prova
da existência de Deus? Outro ponto é: por que ela merecia
sofrer? Por que todos da minha família tiveram que sofrer?
Essas perguntas básicas aparentemente sem explicação hoje
têm um Norte, (ainda está em estudos) que seriam os genes e
fatores ambientais (estresse, complicações durante a gravidez,
etc). Essa explicação não amenizaria meu sofrimento e o de
ninguém, mas é a verdade. Naqueles tempos, sem internet e
Hugo Jardel
Opinião de:
Jesus Bêbado
Crédito da imagem: pixabay
com a mesma “qualidade” que a TV nos apresenta ainda hoje,
pensar diferente era quase assinar o atestado de revoltado e
doido.
Hoje em dia, com tantas informações que temos, parece
engraçado o óbvio! É irritante quando vemos pessoas
que parecem viver no século passado, crendo em lendas,
superstições, magia, demônios, espíritos, etc. A verdade dói!
Encarar a realidade é difícil! O conforto de “Deus” se faz
compreensível nesses momentos! Ninguém ousaria dizer, por
exemplo, a um doente em estado terminal de câncer que “Deus
não existe”. O ser humano precisa de conforto além do mundo
físico, além das possibilidades de compreensão humana,
além da vida social e diária! A vida é uma prisão de angústias
intermináveis.
Não que não possamos sentir alegria, mas alegria e felicidade
são momentos, são passagens rápidas. A felicidade é sempre
uma ausência da dor, como diria o filósofo Schopenhauer. Ou
como cantava nosso querido Vinicius de Moraes: “Tristeza
não tem fim, felicidade sim”.
Quando as pessoas fazem piada com ateus em momentos de
angústia e sofrimento, ou quando a própria vida está sendo
ameaçada ou em risco, fica evidente que “Deus” só serve
como consolo, como solução ou como uma droga anestésica!
Ninguém quer aceitar que a vida é essa angústia constante a
que todos estamos sujeitos, independentemente de credo, cor
de pele, idioma ou nível de pobreza (ou riqueza). Todos nós
sofremos igualmente por termos consciência do que a vida
pode nos proporcionar.
Isso não prova que “Deus”, como uma entidade criadora e
ordenadora do Universo, não exista. Porém, para mim, é claro
e notório que se “Deus” existe, ele nada tem a ver com nossa
vida, e se tem algo a ver como descrito no “Livro Sagrado”, é
visivelmente incompetente. E nós, humanos, precisamos dele
tal como uma criança precisa de um adulto por não saber o
que tem além de um corredor escuro. E esse corredor escuro
é a vida.
Dedico esse escrito a todas as crianças que têm autismo.
Em memória de Natália Cynthia.

22 ATEÍSMO
A
ESPIRITUALIDADE
DE UM ATEU
O
que é a espiritualidade? É difícil definir,
mas seu termo sempre aparece associado
com religiões. Mesmo quando alguém
quer remover esse vínculo, precisa pedir
licença, como na famosa frase: “sou
espiritual, mas não religioso”.
Se analisarmos sua etimologia, vamos chegar ao
vocábulo grego pneuma, que significa “respirar”. É
curioso como algo tão amplo se origina de uma das
funções mais simples do cérebro, controlado pelo
primitivo cerebelo.
Talvez aí resida sua amplitude. A sensação de parar diante
de algo e tomar o controle dessa função automatizada
pelo cérebro é algo presente na vida de todos os seres
humanos. Aquele respiro profundo diante de um céu
estrelado infinito, ou diante da finitude e beleza da
vida, nos lembra que esse pensamento complexo é o
que nos torna especiais.
E é diante desse sentimento que as pessoas buscam
a religião para respostas. Nós fazemos parte de algo
maior, talvez Deus possa responder. Foi por isso que,
desde o século 13, espiritualidade se confundiu com a
busca pelo Espírito Santo católico.
Crédito da imagem: pixabay
ENTÃO, COMO PODE UM ATEU TER
ESPIRITUALIDADE?
O filósofo ateu Sam Harris escreveu um livro inteiro
(“Despertar: Um guia para a espiritualidade sem religião”)
sobre como buscar a espiritualidade sem a religião, no qual
ele descreve a tal busca como um retorno à verdade. E esse
retorno passa pelo processo de reconhecer que todas as
nossas experiências precisam passar pelo cérebro.
É diante de tal verdade que ele vê no entendimento da
neurociência, da psicologia e das ciências correlatas o
verdadeiro caminho para se alcançar o sentimento muitas
vezes monopolizado pelas religiões e mistificado com crenças.
Ele escreve:
“Confusão e sofrimento podem ser nosso direito
de nascença, mas sabedoria e felicidade estão
disponíveis”.
E para ter percepções transformadoras sobre a natureza da
nossa existência, o caminho está no conhecimento científico.
O que é mais interessante dessa visão é a noção de que
espiritualidade está intimamente relacionada com a verdade.
E tal visão nos leva inequivocamente à ciência. Mesmo que
23 Mai/Jun 2017
possa se acusar o conhecimento primitivo e mesmo infantil
da ciência perante a realidade, é sempre importante lembrar
Albert Einstein: “ainda assim é a coisa mais preciosa que
temos”.
Não é à toa que muitos cientistas sentiram a espiritualidade
ao terem um conhecimento mais profundo do que somos, de
onde viemos e para onde vamos.
A primatologista Jane Goodal reconheceu que:
“mesmo que não haja Deus, mesmo que seres
humanos não tenham almas, ainda será verdade
que a evolução criou um animal notável – o
animal humano – durante seus milhões de anos
de trabalho”.
Ada Lovelace, considerada a primeira programadora de
computadores da história, chegou a uma sentença definitiva,
mesmo no século retrasado, em que dizia que “a ciência é
religião, e religião é ciência”, aproveitando para denunciar os
falsos profetas que ignoram as verdades naturais do mundo.
O próprio Einstein, ao responder uma carta em que foi
questionado se cientistas eram religiosos, descreveu a
espiritualidade que se alcança com o conhecimento material
do mundo superior à ingenuidade da espiritualidade das
religiões:
“[...] Todos os que estão seriamente envolvidos
na busca da ciência se convencem de que algum
espírito é manifesto nas leis do universo [...].
Desta forma, a busca científica leva a um
sentimento religioso de um tipo especial, que é
certamente muito diferente da religiosidade de
alguém mais ingênuo.”
Mas se espiritualidade está distante daquilo que entendemos,
podemos chegar a uma conclusão justa que esse seria um
sentimento raro. Nós não sabemos muitas coisas sobre
como o universo e o nosso cérebro funcionam. Nós temos
mais ignorância do que conhecimento. Como lidar com o
desconhecido?
Isso nos leva a Carl Sagan, que fez uma palestra em que
demonstrava sua visão pessoal de espiritualidade, que
depois foi transformado no livro Variedades da Experiência
Científica: uma visão pessoal de Deus.
Ele também defende a espiritualidade como a busca pela
verdade, pois saber nos faz perceber que o Deus de muitas
religiões não é grandioso o suficiente. Quando entendemos
a dinâmica do universo, a criação e destruição de mundos,
ficamos diante de algo mais imponente do que qualquer Deus
imaginado.
Mas “se chegarmos ao ponto em que sabemos exatamente
quem somos e de onde viemos, teremos falhado”. É diante do
Devanil Júnior
Opinião de:
Alimente o cérebro
desconhecido que o calafrio que assombra e impulsiona gera
os maiores sentimentos de espiritualidade.
Olhar para o céu à noite pode ser uma experiência rotineira
(que, infelizmente, poucos fazem), mas são precisos poucos
segundos para repentinamente todas aqueles estrelas ou
mesmo nuvens gerarem questionamentos que sequer
podemos conceber com nossa linguagem. “O que há além?”,
“Por que isso existe, ao invés de não existir?”. Nós não sabemos,
e isso, como diria Einstein, “é a fonte de toda arte e ciências
verdadeiras”.
Carl Sagan pega emprestado não apenas uma parte do
nome do livro de William James (Variedades da Experiência
Religiosa, um tratado sobre a religião), mas também a
definição de James para a espiritualidade: “o sentimento de
estar em casa no universo”.
Um ateu ou agnóstico pode não apenas ter espiritualidade,
mas pode ter um tipo de espiritualidade mais informada,
em que você consegue a resposta para questões que outros
acham misteriosas, e formula perguntas que poucos ousaram
perguntar.
Mesmo que existisse um Deus, será que ele iria querer que
fôssemos estúpidos e beberrões ao invés de informados (e
talvez beberrões também, tudo bem) sobre como o universo
realmente funciona?
Uma das maiores liberdades adquiridas quando abandonamos
as religiões é a liberdade de saber. Essa liberdade pode nos
levar aonde nenhum ser humano jamais esteve, descobrir
verdades jamais imaginadas. Como diria Sagan, ao invés
disso nos distanciar da “espiritualidade”, é na verdade uma
profunda fonte de espiritualidade.
LIVRO CITADO:
Além de filósofo da moral e célebre
ateísta, Sam Harris é um praticante
entusiasmado de meditação, tendo
viajado o mundo para estudar
com diversos gurus. Neste livro, ele
concilia os dois aspectos de sua vida
e comprova como a meditação e a
prática contemplativa não têm como
pré-requisito qualquer tipo de crença
“mística” ou “espiritual”; pelo contrário,
para ele a meditação provaria que esses
conceitos não existem. Harris se vale de
seu próprio envolvimento com a prática
e de aspectos da neurociência e da
filosofia para provar seu argumento.

24 EPISTEMOLOGIA
E
ATEUS E ssa é uma questão para a qual suspeito
que Sagan tenha prestado um desserviço.
AGNÓSTICOS Lembrem da discussão que ele fez acerca
EM GERAL do dragão na garagem. A lição lá é que
DISCORDAM não haveria diferença relevante entre
SOBRE SER um dragão cuja existência fosse inverificável e um
dragão inexistente. Ainda no mesmo livro, Sagan
POSSÍVEL também nos lembra que “ausência de evidência
SABER QUE não é evidência de ausência”. Juntando essas
DIVINDADES ideias, se poderia concluir (e suspeito que muitos o
fizeram, ainda que não necessariamente por terem
NÃO EXISTEM. lido Sagan) que a questão da (in)existência de
ATEUS qualquer coisa (principalmente divindades) seria, se
NORMALMENTE inverificável, irrelevante. Isto é, seria um erro inferir
PENSAM QUE a inexistência de algo da ausência de evidência para
sua existência, mas isso não ajudaria o defensor
PODEMOS de divindades porque a inverificabilidade das
SABER TAL divindades tornaria a alegação sobre elas existirem
COISA (TALVEZ irrelevante (para não dizer enganadora ou perversa).
ATÉ QUE
Quem comprou a conversa do Sagan facilmente
DE FATO concluiria que, nessas condições (que seriam muito
SAIBAMOS), naturais), o agnóstico está certo. Não haveria como
AGNÓSTICOS saber que divindades não existem. O agnóstico
estaria tão certo que, se é para o ateísmo ser digno
PENSAM QUE de ser considerado uma posição independente e
NÃO PODEMOS. razoável, não poderia ser algo capaz de rivalizar
QUEM ESTÁ com o agnosticismo. Com isso, deveríamos negar
CERTO? que ateus normalmente pensem, por serem ateus,
que podem saber (ou que sabem) que divindades
não existem. O ateísmo por definição deveria ser
apenas a posição de que a questão da existência das
divindades é irrelevante (ou tão relevante quanto
a questão da existência de dragões em garagens)
enquanto fosse inverificável (o que seguramente
poderia ser).
Não que definições, como a definição de
“ateísmo”, não possam ser modificadas,
mas elas não devem ser modificadas
por más razões. Por causa de erros de
raciocínio e confusões. Não há porque
modificar a definição de “ateu” uma vez
que não confundimos saber algo com
saber que se pode saber algo. O desserviço
que suspeito que Sagan tenha prestado
seria o de ter promovido ou facilitado essa
confusão, que se revelou especialmente
desastrosa no contexto da questão do
ateísmo — pois estimulou a ideia de que
o ateísmo não só pode como deve se
nivelar intelectualmente por baixo, ser
uma espécie de vácuo intelectual sem
ônus algum, uma ausência de crença ou
mera disposição para reagir ceticamente
diante de alegações religiosas.
Saber que algo (como a existência de
dragões ou divindades) é inverificável
aqui significa saber que não se pode saber
se esse algo é verdade. Agora, para saber
qualquer coisa, não é necessário que você
esteja em posição de saber se você pode
ou não saber tal coisa. Caso contrário,
entraríamos em um regresso infinito:
para poder saber que dragões não
existem, digamos, você teria que saber
que pode saber se dragões existem, e para
saber que você pode saber se dragões
existem, teria que saber se pode saber que
pode saber se dragões existem, e assim
sucessivamente. Portanto, para saber que
dragões não existem não é necessário que
25 Mai/Jun 2017
você esteja em posição de saber que pode saber se dragões
existem. Além disso, acreditarmos que não podemos saber
algo não faz com que não possamos saber esse algo. Podemos
nos enganar (e descobrir tal engano) sobre o que podemos
saber.
Por outro lado, se soubermos que não temos como saber
algo, não poderemos pensar que podemos ainda assim saber
esse algo. Nesse caso, no entanto, estaríamos pressupondo
aquilo que, na discussão do ateísmo, deveria ser estabelecido:
que sabemos que não podemos saber que divindades não
existem. Ser possível que saibamos que não podemos
saber que divindades não existem não faz com que de fato
saibamos que não podemos saber que divindades não
existem. A mera possibilidade da inverificabilidade da (in)
existência de dragões ou divindades por si só não faz com que
não possamos saber que dragões ou divindades não existem.
Em outras palavras, a questão da (in)existência de divindades
não se torna irrelevante apenas por ser possivelmente
inverificável. Ela pode se tornar irrelevante somente
se soubermos que está além do nosso alcance. Para o
agnosticismo se justificar precisaríamos ter razões para
pensar que não há como saber que divindades não existem
sob qualquer concepção razoável de “divindade” (ou pelo
menos sob parte significativa dessas concepções). Mas tais
razões ainda não foram estabelecidas, o debate está vivo e não
pode ser deixado de lado.
Para o ateu, o conhecimento de que divindades não existem
não seria excepcional; estaria na mesma categoria que o
conhecimento de que Papai Noel ou unicórnios não existem.
Não é questão de meramente inferir inexistência da ausência
de evidência, é de constatar que pode haver evidência de
inexistência. Não só pode como há em vários casos. Entre esses
casos, para o ateu, está o das divindades. Particularmente,
Gregory Gaboardi
Opinião de:
Mestre e doutorando em Filosofia
Crédito da imagem: pixabay
sou ateu e penso que o agnóstico está errado. Mas, reconheço
que é um assunto complicado, não poderei fazer justiça a ele
nesse espaço. Por ora, me basta ter desfeito uma confusão que
pode obstruir a discussão.
Talvez alguns (não-teístas) não se identifiquem nem com o
ateu nem com o agnóstico nos termos que coloquei. Pode
haver, além do ateu e do agnóstico, esse sujeito que suspende
juízo sobre divindades existirem, que talvez ache apenas
improvável que existam, mas que nem por isso é ateu (não
crê que elas não existem) ou agnóstico (não toma posição
sobre ser possível saber se divindades existem ou não). Creio
que esse sujeito deveria ser simplesmente classificado como
cético (ou cético sobre divindades). Assim como há céticos
sobre alienígenas, há céticos sobre divindades. Não são ateus
nem agnósticos.
O cético é o sujeito que está na posição mais fácil e modesta,
mas por isso menos interessante intelectualmente. Pelo menos
em um primeiro momento. O cético pode, no entanto, tentar
defender algo mais substancial: sustentar que é improdutiva
ou vã a discussão entre ateus e agnósticos, e que o ceticismo
basta. Esse ceticismo mais substancial, mais próximo de um
tipo tradicionalmente filosófico de ceticismo (o pirronismo),
dependeria, porém, de bastante argumentação para ser
justificado. Caso contrário facilmente seria mera camuflagem
para anti-intelectualismo ou cientificismo.
Seja como for, esta é uma questão razoável: devemos ser
ateus, agnósticos ou céticos? O que não é razoável é adotar
qualquer suposição que faça tal questão perder seu sentido
ou ter uma resposta óbvia.
Gregory Gaboardi (mestre e doutorando em Filosofia
pela PUCRS, pesquisa na área da epistemologia analítica
contemporânea).

26 ATEÍSMO
O ATEÍSMO E
AS MULHERES
Mulheres ateias? Que história é essa? Afinal, mulheres são de
Vênus, garante John Gray em seu livro Homens são de Marte,
Mulheres são de Vênus, que propõe discutir comportamentos
do homem e da mulher na sociedade contemporânea de
forma cômica e ironicamente sexista. Homens são puro
racionalismo, mulheres só emoção; homens são inteligentes,
mulheres só desejam atenção; homens são sensatos, criativos,
mulheres são sonhadoras, românticas, temperamentais. Por
que complicar? Lugar de mulher é em casa, sob os cuidados
do pai ou do marido cuidando da casa e dos filhos. Cuidar
da mulher é simples, basta proporcionar-lhe momentos de
prazer e felicidade conduzindo-a para que responda aos seus
anseios sem estresse, sem neuras...
De Hipácia de Alexandria a Rosa de Luxemburgo, de Joana
D’Arc a Maria Quitéria, de Marie Curie a Nise da Silveira,
de Rosa Parks a Carolina Maria de Jesus, de Simone de
Beauvoir a Pagu, todas, enfrentando as dificuldades de
suas épocas, provaram ser capazes intelectualmente, em
todas as áreas das ciências exatas, humanas e sociais, mas,
diferentemente dos homens, eram desafiadas a provar
sua intelectualidade cada vez que eram destinadas à vida
doméstica e aos ensinamentos bíblicos. Pensando nestas
mulheres e suas diferentes lutas, o destaque desta matéria vai
para todas as mulheres, e em especial às ateias do nosso país.
Ser mulher nunca foi fácil; ser mulher, independente e
ateia torna a luta ainda mais árdua, pois contraria e fere
drasticamente a fórmula social criada pelos homens de
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como ser mulher. Carl Sagan levanta essa discussão e afirma
que a ausência de mulheres fazendo ciência é resultado
da estereotipagem malfeita, “uma espécie de preguiça
intelectual”. Todo estereótipo é negativo, além de prejudicial
por não ser fiel às qualidades das pessoas.
“Obviamente, a sociedade impedia as mulheres
de entrar na ciência, e depois as criticava por
isso, confundindo causa e efeito:
-Você quer ser astrônoma, minha jovem?
Lamento!
-Por que não pode? Por que você não dá para
isso.
-Como sabemos que você não dá para isso? Por
que as mulheres nunca foram astrônomas. ”
(O mundo assombrado pelos demônios, p. 427)
Assim, as falsas informações bombardeadas desde o
nascimento vão construindo o “eu” feminino conforme os
interesses dominantes.
Mas, independentemente disso, as mulheres brasileiras
avançam em suas lutas. Mulheres bonitas, mulheres que
se acham feias, mulheres pobres, sem estudo, maioria sem
maridos, todas lutam pelo reconhecimento de justiça no
trabalho em relação aos homens, pelo direito de decidir sobre
seu próprio corpo, de não apanhar e não morrer pelas mãos
de companheiros que se intitulam seus donos, e de não terem
fé.
27 Mai/Jun 2017
Será que a vida da mulher na história da humanidade sempre
foi de subordinação? Nem sempre, mas, “não basta ser mulher,
é preciso lutar como mulher”, se “o homem não reconheceu na
mulher um semelhante porque não partilhava sua maneira de
trabalhar e de pensar”, diz a imortal Simone de Beauvoir em
sua grande obra O Segundo Sexo, seu dever será lutar sempre
para que mudanças ocorram nas sociedades até o dia em que
a valorização da mulher seja reconhecida definitivamente.
Em função disso, muitas desafiaram os homens e suas leis
para provarem que são tão capazes quanto eles em quaisquer
circunstâncias no tempo e no espaço, lutando por direitos
inerentes ao ser humano mulher.
Os matriarcados, apesar de vários estudos e pesquisas
apresentarem dados coerentes com sua existência, são
contestados. Um estudo de grande relevância feito por
J.J. Bachofen (1815-1887), defende a maternidade como
fonte de todas as sociedades humanas. É nas comunidades
primitivas que encontramos uma divisão de trabalho por
sexo e a participação das mulheres nas atividades diárias
era vital para a sobrevivência da tribo. Ao contrário, as
sociedades patriarcais, reconhecidas como predominantes,
sempre foram também as mais castradoras dos direitos da
mulher. A exemplo, a Grécia, com suas mulheres de Atenas
sempre submissas e subservientes, tornaram-se exemplos
de comportamentos que não devem ser seguidos. “Mirem-
se no exemplo daquelas mulheres de Atenas...”, canta Chico
Buarque de Holanda.
No século XII as mulheres do medievo ocidental adquirem
certo poder e marcam presença e participação na religião,
amparadas pelo culto mariano iniciado no século XI, e a
imagem de Maria como a mulher mais poderosa de todos os
tempos por ser a “mãe do filho de Deus”. Até então, as mulheres
eram respeitadas e tinham seu valor perante os homens.
Muitas tinham profissões que iam além das atividades do
lar. Há registros de mulheres que exerciam a medicina, a
arquitetura, o magistério e tantas outras diferentes ocupações.
As proprietárias de feudos negociavam diretamente com
homens influentes ou não, mas foi também na Idade Média
que essa estrutura se desmoronou e o machismo se impôs por
força da religião e a mulher foi perdendo espaço num mundo
que foi se transformando moldado pelos homens.
O período de 530 a 565 da Era Comum, conhecido como
Justiniano, marcado pelo retorno do direito romano (Corpus
Juris Civilis) inspirado nos preceitos cristãos, marca, também,
a derrocada da mulher na sociedade, limitando, aos poucos,
sua atuação social. A mulher que, antes, era protegida pelo
direito consuetudinário baseado no uso e costume, que
garantia-lhe conservar a posse de bens adquiridos antes do
matrimônio e a educação compartilhada dos filhos, agora,
torna-se propriedade de seu marido que passa a ter poder
sobre sua vida e morte. É na França, final do século XVI que
o parlamento lança um decreto afastando definitivamente
a mulher da vida pública limitando suas funções à casa, à
educação dos filhos e à oração.
Glorinha Silva
Opinião de:
Associação Ateísta do Planalto Central
É fato que o número de mulheres religiosas excede ao dos
homens, mas não por serem menos inteligentes ou racionais,
“As mulheres são mais pressionadas a se conformarem ao
papel social imposto e não questionar”, afirma Asa Heuser,
da LiHS – Liga Humanista Secular do Brasil. “A cultura
sobre a mulher pesa muito mais, os homens são mais livres
para fermentar ideias, e a mulher é sempre mais cobrada a
seguir normas”, acrescenta Meire Fenelon, RJ. Infelizmente
a delimitação das atividades domésticas como sendo coisa de
mulher, contribuiu, incisivamente para o seu acomodamento
ao lar e a oração à sua resignação.
Para Patrícia Theunissen, brasileira, morando atualmente
na Nova Zelândia, “o ateísmo é de fato libertador... Abre
a nossa cabeça para novas visões de mundo. É como tirar
os antolhos e o cabresto de um cavalo e deixá-lo correr à
vontade pelo campo, e isso assusta os homens”. Liberdade é
o que procuramos, não, não somos mulheres comuns, não
pertencemos ao mesmo grupo social até então predominante
na sociedade, de mulheres frágeis, socialmente dependentes
da proteção dos homens, da igreja e de deuses. Quebramos
mitos e paradigmas pelo direito de nos mostrar em nossa
essência, porque mulheres ateias não tem fé, não suplicam,
não lamentam, não tem deus no coração, por isso falar de
ateísmo, nos apresentar como ateias é-nos tão salutar quanto
a necessidade do (a) religioso (a) falar de sua fé. “Acho bem
necessário declarar o ateísmo, pois estamos em tempos onde
uma bancada evangélica quer impor seus dogmas, e eles estão
incutindo na mente das pessoas um ateísmo equivocado, então
somos nós que devemos explicar para combater o preconceito”,
afirma Meire Fenelon.
Segundo a agnóstica Sabrina Testa, SC, doutoranda em
Antropologia Social, em sua pesquisa Estudo sobre os
ateísmos no Brasil, nota-se relativa escassez de participantes
mulheres na formação dos grupos de ateus que tem visitado
em alguns estados e faz a observação: “Em geral, são poucas as
mulheres que falam publicamente em nome do ateísmo como
tal. É precisamente em nome do ceticismo e do livre pensamento
que o movimento ateísta deveria se ocupar da integração das
mulheres, em benefício de sua própria continuidade”.
As comunidades ateias no Brasil evidenciam-se pela
diversidade de seus membros, que lutam pela inserção
na sociedade. Negros, LGBTS, defensores de diferentes
ideologias políticas, pessoas cultas ou de pouca instrução, sem
preconceitos, se reúnem para debater sobre questões diversas
e o futuro destas minorias, contudo, a parca participação de
mulheres contribui para a negação de cunho libertador e
progressista que alguns grupos objetivam apresentar.
Glorinha Silva
Professora de História da SEEDF
Representante da Associação Ateísta do Planalto Central -
APCE
 Francisco Marshall
28 HISTÓRIA 29 Mai/Jun 2017 Opinião de:
Historiador e arqueólogo

fenômeno e, igualmente, alimentar os argumentos pelo representações tais quais sua própria identidade. Isto é ainda
esclarecimento. O primeiro estágio da filosofia grega, mais claro em uma religiosidade de cunho antropomórfico,
com Tales e seus discípulos Anaximandro e Anaxímenes como a grega antiga, mas a explicação tem alcance maior, e
(século VI a.C.), todos de Mileto, buscou soluções fora do quer declarar o caráter relativo da fantasia cultural chamada

CRENÇA,
mito (tó hydor, a água elemento fundamental de Tales) ou
nos conceitos (o ápeiron, ilimitado, de Anaximandro). A
geração seguinte ocupou-se da tradição mítica, Homero e
a imaginação olímpica. Era uma época de críticas agudas à
tradição, rupturas e novos horizontes. Ali surgiu Xenófanes,
religião. Ele não está dizendo que ela é mentira ou farsa, mas
está, naturalmente, minando o caráter de verdade revelada,
complexo no pensamento grego, central no judaísmo,
no cristianismo e no islamismo e em outras religiões.
Igualmente, esta fantasia cultural não é, a priori, boa ou má,

EMANCIPAÇÃO de Colofão (sécs. VI-V a.C.), cidade próxima de Mileto, na

Ásia menor, berço do racionalismo; deste, duas sentenças
merecem comentário, a começar com o antológico fragmento
15 (DK):
mas é, certamente, ficcional. Este caráter ficcional e relativo é
ainda mais claro no fragmento 16:

"Os egípcios dizem que os deuses

E ATEÍSMO "Mas se mãos tivessem os bois, os têm nariz chato e são negros, os
cavalos e os leões e pudessem com as trácios,
mãos desenhar e criar obras como
que eles têm olhos verdes e
cabelos ruivos.”

CLÁSSICO os homens, os cavalos semelhantes

bois, desenhariam as formas dos
No extremo Sul, terra do povo mais sábio, os egípcios, deuses
aos cavalos, os bois semelhantes aos de forma africana (nariz chato e negros), no extremo Norte,
terra dos mais bárbaros, os trácios, deuses com forma ariana.
Entre ambos, os gregos, e seus deuses atléticos. Como são,
deuses e os corpos fariam tais quais afinal, os deuses? Não são isso que pensam e representam os
eles próprios têm.” povos, cada qual à sua imagem?

Xenófanes não pretendeu negar os deuses; não era ateu, em

A crença em entidades e forças sobrenaturais é um afeto
adquirido pelo convívio. As crianças não possuem
inatamente este equipamento cultural, e muitas delas
chocam adultos crentes com uma curiosidade ingênua
que parece ceticismo ateu. No desenvolvimento da
criança, o peso das instituições, o poder da tradição e
outras pressões sociais formarão o quadro cognitivo do
crente; posteriormente, o pensamento e o sentimento
crente poderão ser justificados por várias crenças
e doutrinas, do esoterismo herege à religiosidade
ortodoxa dos penitentes. A maioria das pessoas,
pouco dadas à educação afetiva pela reflexão ou pela
arte, convertem sentimentos nobres de assombro e
piedade em religiosidade, e tentam apaziguar temores
com os mitos oferecidos pelas crenças. Muitos jamais
reencontrarão aquela pureza da criança, e passarão sua
vida iludidos por fantasmagorias de variados tipos.
Sem se dar conta de que abrigam intrusos em suas
mentes, adaptados à sujeição e à fantasia, os crentes
têm dificuldades reais para extirpar este nódulo
cultural de sua estrutura nevrálgica. Há, todavia,
diferentes caminhos para a libertação estética, moral
e intelectual pelo esclarecimento ateísta. Isto nos leva
ao ponto central do diálogo entre ateísmo, religião
e cultura: quais os caminhos para se compreender
o que é a religião na mente humana e na história
da humanidade, e como, com esta compreensão,
emancipar-se, ou seja, constituir-se plenamente como
autor livre e responsável, sujeito de suas decisões e
lúcido em sua posição no mundo?
Recentemente, a literatura mundial foi enriquecida pelo
ateísmo cientificista liderado por Richard Dawkins, e esta
parece ser hoje a principal fonte dos argumentos contra
o obscurantismo religioso. Sobrevivem, ainda, memórias
culturais que vêm do iluminismo irônico de Voltaire, crítico
do relativismo cultural das crenças religiosas, e de movimentos
humanistas do século XIX, que vão do materialismo de Karl
Marx, que inclui denúncia da religião, à iconoclastia de
Friedrich Nietzsche e do poeta Guerra Junqueiro; deste, em
A velhice do padre eterno:
"Por fim com barro vil, assombro da
olaria! / O que é que imaginaes que
o Creador faria? / Um pote? não; um
bicho, um bipede com rabo, / A que
uns chamam Adão e outros Simão".
Diante desta literatura, movida por lucidez humanista, rigor
científico e agudez filosófica, por sentimento de liberdade e
pela decisão de recusar noções insustentáveis, ou pela força
de razões tão fáceis que as decantam até mesmo crianças,
manter-se crente passa a ser uma opção, e uma opção difícil
em um mundo letrado.
Os gregos antigos, espantados diante do mito, e conscientes de
sua identidade social, como patrimônio de uma aristocracia
hegemônica, realizaram os primeiros e mais fortes ataques
à crença religiosa, com os quais se pode compreender este
Primeiramente, a antropologia; o filósofo aceita que animais
(bois e cavalos) pudessem ter religião, logo, esta não é
propriedade que define o homem. Aqui temos uma pequena
fábula filosófica que permite questionar um pretenso
axioma que quer fazer da religião uma característica cultural
fundamental do homem. Ora, há muita gente sem religião
e que nem por isso é menos humano, logo, esta não é uma
necessidade humana, e sim um condicionante cultural. Para
o filósofo, os animais poderiam ter crenças, mas não tinham
como expressá-las visualmente.
Segundo ponto: a devoção é dirigida a imagens produzidas
por artistas que as fazem com as mãos. Pintores e escultores,
que produzem os ídolos venerados. Grapsein, o verbo grego,
quer dizer pintar ou grafar. O culto se dirige a imagens
produzidas artisticamente. Entre outras consequências, isto
permite questionar o sofisma que quer redimir a religião por
esta ter sido patrona das artes; deu-se o contrário, em toda
a história da humanidade: o talento de artistas produziu as
imagens que divulgaram a religião e propiciaram sua eficiência
junto ao público ágrafo ou junto a todos os que envolvem-se
pela estética poderosa da arte sacra ou das narrativas mítico-
religiosas. Ademais, multidões de peregrinos foram e vão
atrás de imagens, ou vão a obras de arquitetura monumental
celebrar a majestade do autor oculto, que chamam de deus,
enquanto é, de fato, obra de artistas e arquitetos. Ora, eu
escrevo este texto ateísta ouvindo obras do piedoso J.S. Bach,
mas ainda prefiro o que disse o organista e filantropo Albert
Schweitzer: “creio na nona sinfonia”. Tal como evidencia
Xenófanes, é a religião que deve à arte.
Terceiro e mais importante: a religião é relativa e projeta a
imagem do próprio devoto, no caso, o homem, que produz
sentido antigo ou moderno, mas certamente pretende evitar
ingenuidades. É provável que ele visasse uma religiosidade
depurada, livre de crendices insensatas, o que transparece no
fragmento 23:
"Um único deus, entre deuses e
homens o maior, em nada no corpo
semelhante aos mortais, nem no
pensamento."
Há aí algo do que reaparece com Voltaire, um pensamento
deísta, ou seja, que aceita uma explicação metafísica abstrata
enquanto combate vulgaridades.
O conceito que realmente leva à lona o pensamento religioso
veio por uma palavra criada por Immanuel Kant no século
XVIII e atualizada pelo pensamento contemporâneo de
Marcel Gauchet: heteronomia, ou seja, a norma vinda de
autor externo (Estado ou divindade). Com este conceito
podemos realizar, com segurança, o desmonte da religião
como fato histórico, institucional e político, bem como sua
denúncia epistemológica, cognitiva e cultural. Será, todavia,
assunto para outros parágrafos. Por ora, recolhamos de
Xenófanes este poderoso argumento contra a idolatria e a
mecânica cultural das religiões, suficiente para pôr a perder a
pretensão de verdade assumida pela maior parte dos discursos
e práticas religiosas, e para encaminhar a verdadeira resposta
ao mundo das crenças e fantasmagorias: a autonomia.
Francisco Marshall, historiador e arqueólogo, professor da
UFRGS.

30 BIOLOGIA
10 MITOS
SOBRE A
EVOLUÇÃO
1 SE O HOMEM VEIO DO MACACO, POR QUE OS
MACACOS NÃO CONTINUAM SE TORNANDO
HUMANOS?
Humanos, primatas e macacos são apenas “primos” distantes.
Nós não viemos dos primatas, mas de um ancestral em
comum que não era primata nem humano, que viveu há
milhões de anos no passado. Na verdade, durante os últimos
sete milhões de anos, muitas espécies humanoides evoluíram,
alguns exemplos são: Homo habilis, Homo erectus e Homo
neanderthalensis. Todas elas foram extintas em épocas
diferentes, deixando apenas nós com uma porção de outros
primatas.
2 HÁ MUITAS LACUNAS NO REGISTRO FÓSSIL PARA
QUE A EVOLUÇÃO SEJA VERDADE
Na verdade, há vários fósseis intermediários. O
Archaeopteryx, por exemplo, é um dos mais conhecidos
fósseis de pássaros com um esqueleto de réptil e penas
mais recentes que conhecemos. Agora temos evidência de
que alguns dinossauros tinha pelos e penas. Os Therapsida
são intermediários entre répteis e mamíferos. O Tiktaalik
é um peixe de barbatana peduncular intermediário dos
anfíbios. Foram encontrados até o momento pelo menos seis
fósseis em fases diferentes da evolução das baleias, e sobre a
evolução dos humanos há pelo menos uma dúzia de fósseis
em fases distintas desde que os hominídeos se ramificaram
dos grandes primatas, há seis milhões de anos. Considerando
a excepcional baixa probabilidade de uma planta ou animal
morto fossilizar, é extraordinário que tenhamos encontrado
tantos fósseis. Primeiro, o animal morto precisa fugir das
presas dos necrófagos. Em seguida, tem que estar enterrado
em condições raras que causarão a fossilização em vez da
decomposição. Depois, as forças geológicos terão que de
certa forma trazer o fóssil de volta à superfície, para que
seja descoberto milhões de anos depois por grupos de
paleontólogos.
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3 SE A EVOLUÇÃO ACONTECEU GRADUALMENTE
DURANTE MILHÕES DE ANOS, POR QUE O
REGISTRO FÓSSIL NÃO EXIBE UMA MUDANÇA
GRADUAL?
Mudanças repentinas no registro fóssil não são falta de
evidência de gradação, elas são evidências de pontuação.
Espécies ficam estáveis por longos períodos e por isso deixam
vários fósseis nos estratos geológico enquanto estão estáveis.
A mudança de uma espécie para outra, porém, acontece com
uma relativa rapidez (em uma escala de tempo geológico) em
um processo chamado equilíbrio pontuado. Uma espécie
pode dar surgimento a novas espécies quando um pequeno
grupo "fundador" se isola do grupo ancestral. Este novo
grupo fundador, enquanto permanecer pequeno e separado,
pode passar por uma mudança relativamente rápida (grandes
populações são menos estáveis geneticamente). A mudança
de especiação acontece tão rapidamente que poucos fósseis
ficam no registro. Mas depois da mudança para uma nova
espécie, os indivíduos conversarão seu fenótipo por um longo
período, deixando para trás muitos fósseis bem-preservados.
Milhões de anos depois, este processo resulta em um registro
fóssil que apresenta sobretudo estabilidade. A pontuação
está, entretanto, no equilíbrio.
4 NINGUÉM VIU A EVOLUÇÃO ACONTECENDO
Evolução é uma ciência natural com aspecto histórico
confirmada pelo fato de que muitas linhas independentes
de evidência convergem para esta conclusão. Conjuntos
independentes de dados da geologia, palentologia, botânica,
zoologia, biogeografia, anatomia comparativa e fisiologia,
genética, biologia molecular, biologia do desenvolvimento,
embriologia, genética populacional, sequenciamento
genético e muitas outras ciências apontam para a conclusão
de que a vida na terra evoluiu. Criacionistas exigem "um único
fóssil transicional" que mostre a evolução. Mas a evolução não
é provada com um único fóssil. Ela é provada por meio de
31 Mai/Jun 2017
uma convergência de fósseis, junto com uma convergência
de comparações genéticas entre espécies, e uma convergência
anatômica e comparações fisiológicas entre espécies, e muitas
outras linhas de estudo. (Na verdade, podemos ver a evolução
acontecendo - especialmente entre organismos com curtos
ciclos reprodutivos, que estão sujeitos à pressões ambientais
extremas. O conhecimento da evolução de vírus e bactérias são
vitais na ciência médica.)
5 A CIÊNCIA ALEGA QUE A EVOLUÇÃO ACONTECE
DE FORMA ALEATÓRIA
A seleção natural não é "aleatória" nem acontece "por
acaso". A seleção natural preserva as vantagens e elimina as
desvantagens. Para ilustrar esta ideia, um macaco em uma
máquina de escrever. Para que o macaco digite as 13 primeiras
letras do solilóquio de Hamlet por acaso, seria preciso
26¹³ tentativas para que ele conseguisse. Isso é 16 vezes o
número total de segundos do tempo de vida do sistema solar.
Mas se cada letra correta for preservada e cada incorreta
apagada, a frase "tobeornottobe" (ser ou não ser) pode "ser
selecionada" em apenas 335 tentativas, ou apenas segundos
em um programa de computador. Richard Dawkins define
a evolução como "mutações aleatórias com uma seleção
cumulativa não aleatória". E é a seleção cumulativa que
coordena a evolução. Não foi por acaso que o olho evoluiu
de um simples ponto sensível à luz em uma célula para se
tornar o olho complexo de hoje, mas por meio de milhares
de estágios intermediários, cada um preservado por criar
um olho melhor. Muitos desses estágios ainda existem na
natureza em organismos mais simples.
6 APENAS UM DESIGNER INTELIGENTE PODERIA
TER CRIADO ALGO TÃO COMPLEXO QUANTO UM
OLHO
A anatomia do olho humano mostra que ele pode ser
qualquer coisa menos "projetado". Ele é estruturado de cima
para baixo e ao contrário, fazendo com que os fótons de luz
viagem pela córnea, lentes, fluido aquoso, vasos sanguíneos,
células ganglionares, células amácrinas, células horizontais
e células bipolares, antes de chegar aos bastonetes e cones
sensíveis à luz, que convertem a luz em impulsos neurais, que
são então enviados para o córtex visual na parte de trás do
cérebro para processar em padrões com sentido. Para uma
visão otimizada, por que um designer inteligente criaria um
olho de cabeça para baixo e ao contrário? Este "design" apenas
faz sentido se a seleção natural construísse olhos a partir
de materiais disponíveis, e na configuração específica das
estruturas orgânicas pré-existentes do organismo ancestral.
O olho mostra os caminhos da história evolucionária, não de
um design inteligente.
7 A EVOLUÇÃO É APENAS UMA TEORIA
Todos os ramos da ciência são baseados em teorias, que
são embasadas em hipóteses testáveis e explicam um
vasto e diverso corpo de fatos sobre o mundo. Uma teoria
é considerada robusta se previr consistentemente novos
fenômenos que são observados subsequentemente. Fatos
são os dados do mundo. Teoria são ideias que explicam estes
dados. Conceitos e outras afirmações não testáveis não fazem
parte da ciência. A teoria da evolução atende a todos os
critérios do rigor científico, determinados pelo juiz William
Skeptics Society
Artigo de:
The Skeptics Society
Overton no julgamento do criacionismo do Arkansas:
• Ela é guiada por uma lei natural.
• Ela deve ser explanatória em referência à lei
natural.
• Ela é testável no mundo empírico.
• Suas conclusões são aproximadas.
• Ela é testável e falseável.
Se você pudesse encontrar fósseis de mamíferos no mesmo
estrato geológico que trilobitas, então a evolução seria
falseada. Ninguém encontrou esses dados contraditórios.
8 AS EVIDÊNCIAS DA EVOLUÇÃO HUMANA ERAM
FALSAS, FRAUDES OU FANTASIOSAS
Ávidos para difamar a evolução, criacionistas ignoram
descobertas de fósseis de hominídeos e escolhem apenas
o que lhes convêm de boatos e erros, na crença de que
erros na ciência são um sinal de fraqueza. Este é um mal-
entendido grave acerca da natureza da ciência, que avança
constantemente usando tanto os erros quanto os acertos. Sua
habilidade de construir de forma cumulativa no passado é o
que faz a ciência progredir. A natureza de autocorreção do
método científico é um dos seus recursos mais poderosos.
Boatos como o Homem de Piltdown, e erros honestos
como o Homem de Nebrasla, Homem de Calaveras e o
Hespero-pithecus são corrigidos em pouco tempo. Na
verdade, não foram os criacionistas que expuseram estes
erros, mas os próprios cientistas. Criacionistas apenas leem
sobre revelações científicas destes erros e desonestamente
as reivindicam para si.
9 A SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA PROVA
QUE A EVOLUÇÃO É IMPOSSÍVEL
A Segunda Lei da Termodinâmica se aplica a sistemas
fechados e isolados. Considerando que a Terra recebe
energia constante do Sol – ela é um sistema aberto-
dissipativo – a entropia pode diminuir e a ordem
aumentar (embora o próprio sol esteja se enfraquecendo no
processo). Portanto, a Terra não é um sistema estritamente
fechado e a vida pode evoluir sem violar nenhuma lei
natural. Enquanto o Sol continuar queimando, a vida
pode continuar prosperando e evoluindo, assim como
os automóveis podem ser poupados da ferrugem, nós
podemos preparar hambúrgueres nos nossos fornos, e todas
as outras coisas que são aparentes violações da segunda lei
da termodinâmica podem continuar acontecendo. Mas,
assim que o Sol parar de queimar, a entropia seguirá o seu
curso e a vida na Terra cessará.
10 A EVOLUÇÃO NÃO EXPLICA A MORALIDADE
Como uma espécie de primatas sociais, nós evoluímos
um profundo senso do que é certo e errado, para realçar e
recompensar reciprocidade e cooperação, e para atenuar e
punir atos de egoísmo excessivo e parasitismo. Além disso,
a evolução criou emoções morais que nos mostram que
mentira, adultério e roubo são errados porque eles destroem
a confiança nas relações humanas que dependem de
honestidade, fidelidade e respeito à propriedade. Não seria
possível que uma espécie de primatas sociais sobrevivesse
sem um senso moral. Na constituição da natureza humana
está o alicerce para a constituição das sociedades humanas.
 Michael Shermer e Pat Linse
32 CIÊNCIA 33 Mai/Jun 2017 Artigo de:
The Skeptics Society

A CIÊNCIA
POR TRÁS
POR QUE PESSOAS
VEEM FANTASMAS Crédito da imagem: pixabay

COMA
Há 500 anos, demônios assombravam o mundo, e íncubos e súcubos atormentavam suas vítimas enquanto elas No bestseller Proof of Heaven (A Prova do Céu, em tradução PADRONIZAÇÃO
dormiam. Há 200 anos, espíritos dos que já se foram apareciam ao lado da cama dos vivos. Mais recentemente, livre), de Ebe Alexander, o professor de Harvard conta Imagine que você é um hominídeo nas planícies da África
alienígenas verdes e cinzas começavam a molestar pessoas enquanto dormiam. O que há por trás disso? Estes visitantes sua Experiência de Quase-Morte (EQM) durante o coma há três milhões de anos. Você ouve um barulho vindo do
misteriosos estão no nosso mundo ou nas nossas mentes? Eles estão em nossas mentes. Todas as experiências são induzido decorrente de uma meningite e diz que esteve no pasto. Seria apenas o vento ou um predador perigoso? Se
mediadas pelo cérebro, que é formado por cem bilhões de neurônios com mil trilhões de conexões sinápticas. Não é de se céu. Será mesmo? Provavelmente não. Primeiro, Alexander você supuser que o barulho é um predador perigoso mas
espantar que o cérebro seja capaz de tais ideias fantásticas como a evolução e o Big Bang. Mas isso também significa que, afirma que seu "córtex foi completamente desligado" e perceber que era apenas o vento, você cometeu um Erro do
sob uma variedade de condições, o cérebro é capaz de criar experiências extraordinárias que não são reais. que "Minha experiência de quase-morte... não aconteceu Tipo I em cognição, também conhecido como falso positivo,
enquanto meu córtex não estava funcionando direito, mas ou crer que algo é real quando não é. Ou seja, você encontrou
DANO CEREBRAL quando ele estava desligado." E, ainda assim, a única forma um padrão inexistente. Nenhum dano. Você se afasta do
EFEITO DE PRESENÇA E SENTIDO O renomado neurologista Oliver Sacks, mais conhecido pelo de lembrar a experiência seria se seu cérebro estivesse ligado. barulho, fica mais alerta e cauteloso e traça outro caminho.
Há um fenômeno muito conhecido entre alpinistas, seu trabalho em "despertar" cérebros catatônicos de vítimas E há uma razão por trás do nome Experiências de Quase- Mas se você supuser que o barulho é apenas o vento mas
exploradores, marinheiros isolados e atletas de resistência de encefalite como apresentados no filme popular de 1990 Morte: as pessoas que passaram por isso não estão mortas perceber que era um predador perigoso, você cometeu um
chamado de efeito de presença e sentido - a sensação de que Awakenings (Tempo de Despertar, no Brasil), com Robin de verdade. Assim, como Oliver Sacks observa em seu livro Erro do Tipo II em cognição, também conhecido como
algo ou alguém a mais está conosco. Condições associadas Williams interpretando Sacks. O neurologista escreveu vários Halluciations (Alucinações, em tradução livre), de 2012, falso negativo, ou não crer que algo é real quando é; neste
com a sensação de presença incluem: monotonia, escuridão, livros descrevendo as bizarras alucinações de seus pacientes - enxaquecas também podem produzir alucinações, pelas caso, um predador perigoso. Você virou almoço! Você não é
paisagens áridas, isolação, frio, ferimentos, desidratação, como as do homem que confundiu sua esposa com um chapéu quais o próprio Sacks passou, incluindo uma "luz cintilante" mais um membro do patrimônio genético dos hominídeos.
fome, cansaço, medo ou privação de sono. Charles Lindbergh - que são inevitavelmente interpretadas pelos pacientes como que era "ofuscante": "Ela se expandiu, tornando-se um Nossos cérebros são máquinas de crenças, evoluíram
sentiu "presenças fantasmagóricas" em seu voo transatlântico algo externo ao seu cérebro. Uma paciente idosa que sofria arco enorme, que se estendia do chão ao céu, com bordas mecanismos de reconhecimento de padrões que conectam
para Paris. O famoso alpinista austríaco Hermann Buhl sentiu de degeneração macular e tinha perdido completamente a acentuadas e cintilantes, com um brilho azul e laranja." pontos e criam o sentido dos padrões que pensamos ver na
uma presença depois chegar ao topo da montanha Nanga visão foi diagnosticada por Sack com a Síndrome de Charles Compare a experiência de Sacks àquela viagem de Eban natureza. Às vezes (A) realmente está conectado a (B); às
Parbat (8.125 m): "(...) Eu vi dois pontos. Eu gritei de alegria... Bonnett, por causa do seu complexo conjunto de alucinações Alexander ao céu, na qual ele estava num "lugar de nuvens. vezes, não. O jogador de beisebol que não faz a barba (A) e
Eu ouvi as vozes deles também, alguém chamou "Hermann", visuais, incluindo principalmente rostos com olhos e dentes Nuvens grandes, inchadas, rosas e brancas, que surgiam acerta uma rebatida (B) forma uma falsa associação entre (A)
mas depois percebi que eram apenas pedras... E eu parti distorcidos. Outro paciente desenvolveu um tumor no córtex contra um profundo céu azul e preto. Mais alto que as nuvens e (B), mas esta é relativamente inofensiva. Porém, quando a
novamente. Isso acontece frequentemente. (...) Eu ouço vozes, visual e logo depois começou a ter alucinações com desenhos - incalculavelmente mais alto - grupos de seres transparentes, associação é real, aprendemos algo valioso sobre o ambiente
ouço meu nome claramente - [mas são apenas] alucinações. - principalmente com Caco, dos Muppets - que eram cintilantes atravessavam o céu, deixando longas linhas de sobre o qual podemos fazer previsões que ajudam na
(...) Eu tive uma sensação extraordinária de que não estava transparentes e cobriam apenas metade do seu campo visual. fumaça para trás." Dr. Sacks explica que a razão pelas quais sobrevivência e reprodução. Somos descendentes daqueles
sozinho." Seja qual for a causa imediata (temperatura, altitude, Na verdade, Sacks afirma, que cerca de 10% dos portadores de alucinações parecem tão reais "é que elas ativam os mesmos que sucederam em encontrar estes padrões. Este processo é
hipoxia, exaustão física, privação de sono, fome, solidão, deficiência visual têm alucinações visuais. Exames do cérebro sistemas no cérebro que a de percepções reais. Quando chamado padronização, ou a tendência de encontrar padrões
medo), uma causa mais profunda do efeito de presença e de pacientes que estão alucinando mostram que o córtex alguém tem alucinações com vozes, as vias auditivas são significativos no barulho com ou sem sentido. O problema
sentido deve ser encontrado no cérebro: (1) Uma extensão da visual está ativado enquanto veem estas ilusões. Durante ativadas; quando alguém tem alucinações com rostos, a área é que avaliar a diferença entre um erro do Tipo I e Tipo II
sensação normal de presença que sentimos de pessoas reais alucinações geométricas, é o córtex visual primário que está fusiforme do rosto, normalmente usada para perceber e é altamente problemático - principalmente em uma fração
ao nosso redor; (2) Um conflito entre razões e emoções; (3) mais ativo - a parte do cérebro que percebe padrões (mas não identificar rostos no ambiente, é estimulada." Sacks conclui: de segundos que geralmente determina a diferença entre
Um conflito de imagem corporal, ou nossa sensação física imagens). Alucinações que incluem imagens como rostos "A hipótese mais plausível para o caso do Dr. Alexander, vida e morte no ambiente em que nossos ancestrais viviam
de indivíduo, no qual o cérebro é levado a pensar que há são associadas com mais atividade na área fusiforme do então, é que sua EQM aconteceu não durante o coma, mas - então a posição padrão é supor que todos os padrões são
outro de você; (4) Um conflito de imagem mental, ou nossa lóbulo temporal, que está relacionada ao reconhecimento de enquanto ele estava emergindo do coma e seu córtex estava reais; ou seja, supor que todos os ruídos vindos do pasto são
sensação psicológica de indivíduo, no qual a mente é levada a faces (pessoas que sofreram dano nessa área não conseguem voltando a funcionar. É intrigante que ele não permita esta predadores perigosos e não o vento. Esta é a base de todas as
pensar que há outra mente. reconhecer rostos, e o estímulo na área faz com que pessoas explicação óbvia e natural, mas em vez disso insista na superstições e pensamentos mágicos.
vejam rostos espontaneamente). sobrenatural."
34 CIÊNCIA

DOPAMINA
Agradecimento de Apoio
MEDITAÇÃO Explorando a neuroquímica da superstição e pensamento Obrigado a todos apoiadores e leitores da Revista
No livro Why God Won't Go Away (Por que Deus Nunca mágico, os psicólogos Peter Brugger e Christine Mohr Ateísta pela realização de mais uma etapa deste projeto, aproveitamos para
Desaparecerá, em tradução livre), lançado em 2001, o descobriram que pessoas com alto nível de dopamina são ressaltar a importância da participação dos apoiadores “ouros” e “prata” que
neurocientista Andrew Newberg relatou que exames do mais propensas a encontrar significado em coincidências e de forma indireta patrocinaram essa ideia. Muito obrigado à todos vocês.
cérebro feitos em monges budistas meditando e freiras escolher sentidos e padrões onde eles não existem. Em um
franciscanas orando indicam uma impressionante baixa estudo, 40 indivíduos tomaram L-Dopa - a droga usada EXPEDIENTE:
atividade no lóbulo parietal superior posterior, uma região para pacientes com a Doença de Parkinson, que aumenta apoiadores ouro
do cérebro que os autores chamaram de Orientation os níveis de dopamina no cérebro - e descobriram que o EDITOR RESPONSÁVEL E Aelson de Melo Ferreira Karen Marques
Association Area (OAA) - Área de Associação de Orientação, impulso de dopamina fazia as pessoas identificar faces FUNDADOR Afrânio Prudêncio dos Santos Cruz Leonardo R. Miguel
em tradução livre. A função da OAA é orientar o corpo em distorcidas e reais e palavras misturadas como normais. Por Gabriel Filipe Rodrigues de Souza
um espaço físico. Pessoas que sofreram danos nessa área Alberth Palhares Lívio Temoteo Olíveira
quê? A dopamina aumenta a taxa de descarga neural em Registro 3474/ES Andre Rodrigues de oliveira Marcos Alves
sentem dificuldades para se locomover em casa, às vezes até associação com reconhecimento de padrões, o que significa gabrielfilipe702@gmail.com
chegando a esbarrar em objetos devido ao fato de que seus que as conexões sinápticas entre neurônios podem aumentar Armando Marcio Zuccarelli Mariah Guedes
cérebros não são capazes de processar o objeto como algo em resposta ao padrão percebido. Aumentar o nível de REVISOR: Ben-Hur Demeneck Meire Finelon
separado de seus corpos. Quando a OAA é acionada e segue dopamina significa aumentar a detecção de padrões, e outros Edson Amaro de Souza Caleb Baltazar da Motta Sales Mírian Liza Alves Forancelli Pacheco
funcionando perfeitamente, há uma nítida distinção entre cientistas descobriram que a dopamina não apenas melhora Cássio Carlos Gomes Cabral Noemi Be
o indivíduo e o que está fora do indivíduo. Quando a OAA o aprendizado, mas doses mais altas também podem acionar EQUIPE TÉCNICA: Cícero Augusto de Toledo Valle Júnior Oiced Mocam
está no modo de repouso - como no período de profunda os sintomas de psicose, como alucinações. Flávio Almeida Claudio Loredo Orlando Passoni Jr.
meditação e oração -, esta divisão é rompida, levando a uma Thiago Oliveira
distorção das linhas que separam realidade e fantasia, e entre Clóves Fernandes da Nóbrega Júnior Paulo Augusto Franke
EXPERIÊNCIAS DE QUASE-MORTE (EQM)
a sensação de estar dentro e fora do corpo. Talvez seja isso Daniel F. Gontijo Pedro Luiz Gomes Carpino
Desde o advento dos aviões a jato, capazes de atingir a COLUNISTAS:
o que acontece com monges que passam pela experiência aceleração da gravidade, que pode fazer os pilotos perder David Ayrolla Dirceu Reis da Silva Rafael Futino
de unidade com o universo, ou com freiras que sentem a a consciência durante manobras aéreas, a Força Aérea e a Devanil Júnior Eclis Rodrigues de Castilho Raimundo Martins Sales Neto
presença de Deus, ou com pessoas abduzidas por alienígenas, Marinha Americana realizaram vários estudos sobre como Wagner Caldas Edgar Maria Torres Neto Raphael Pantaleão
que flutuam de suas camas para entrar na nave mãe. enfrentar a Perda de Consciência Induzida pela Força G. O Francisco Marshall Flávio Marques Terra Renato Silvio da Frota Ribeiro
Dr. James Whinnery estudou pilotos usando a centrifugadora Hugo Jardel Fred Gomes Ricardo Lupinski
do Naval Warfare Center em Warminster, PN, onde ele Diego Vasconcelos Gisleine Aver Rodrigo Gastal
ANOMALIAS DO SONO & SONHOS LÚCIDOS descobriu um fenômeno incrível vivenciado pela maioria Marcio Americo Guilherme Marcondes Machado Rogério Nascimento Nascimento
Experiências de abdução costumam ocorrer durante o sono e dos pilotos - o que ele chamou de "dreamlets", consistindo de Gregory Gaboardi
se assemelham fortemente às alucinações hipnogógicas (logo breves episódios de uma visão em túnel (às vezes com uma Gustavo Leal Toledo Gustavo Bruzzi Samuel Lima
após cair no sono) e hipnopômpicas (logo depois de acordar). luz brilhante no fim), e de sensações de flutuação ou paralisia Glorinha Silva Gustavo Grasso Thiago Kaizer
Outros estados de sonho, como o sonho lúcido e paralisia do e, depois de recuperar a consciência, uma sensação de euforia Ricardo Machado Gustavo Sousa Pinto Vinícius Eduardo Rossi
sono, também contêm componentes paralelos à experiência ou paz e serenidade. Estas são as mesmas características da Daniel F. Gontijo Ivan Cesar Leite de Medeiros Waldervan Messias de Lima de Souza
de abdução. Alucinações hipnogógicas e hipnopômpicas Experiência de Quase-Morte (EQM). Whinnery induziu Jonatas Faria Rossetti Wellington Oliveira
ocorrem nas fronteiras nebulosas entre o estado de vigília e mais de mil EQMs sob as condições controladas da TRADUTOR: José Mário Pereira Carvalho Andrade Wilian dos Anjos
de sono, quando o nosso cérebro consciente desliza para o centrifugadora. Sobre a força da aceleração da gravidade, o Tom Melo Júlio Cesar da Silva William Martani
campo inconsciente enquanto dormimos, ou em transições cérebro sai da cabeça e se acumula no tronco, enviando os
do sono para a vigília. Realidade e fantasia distorcidas. Várias pilotos para uma fase "acinzentada", seguida de um estado ILUSTRADORES: Júlio Martinelli Yuri Salles Lutz
modalidades sensoriais podem ser envolvidas, incluindo ver de apagão. Tudo isso ocorre em uma variação de 15 a 30 Pleaseno Santos
e ouvir coisas que não estão ali de verdade, como imagens
representativas, padrões geométricos, manchas ou linhas.
segundos. As EQMs ocorreram durante o apagão, sugerindo
a causa: hipóxia ou privação de oxigênio no córtex. Quando
Carlos Ruas apoiadores prata
Imagens alucinatórias podem aparecer em preto e branco ou a Perda de Consciência Induzida pela Força G é induzida PÁGINAS APOIADORAS: Alan Pires Ferreira Mário Cézar Amorim de Oliveira
em cores, fixas ou em movimento, achatadas ou em 3D, e às de forma gradual ao acelerar a centrifugadora de forma Um Sábado Qualquer Aleksander Rodrigues Brito Matheus Mota Rocha
vezes incluem os túneis espiralados relatados pelas pessoas sistemática, os indivíduos primeiro experimentam a visão em Universo Racionalista Alexandre Giacomo Junior Miriam Beatriz Barbosa Corrêa
que tiveram Experiências Extracorpóreas e de Quase-Morte. túnel, e em seguida, cegueira e apagão, que são provavelmente Alimente o cérebro Angela de Carvalho Lins Morys Albert de Oliveira Santos
Alucinações também podem ser auditivas, como ouvir causados pela falta de oxigênio na retina e depois no córtex Papo de Primata Eduardo sousa varela Paulo Roberto Costa Camargo
alguém chamando o seu nome, ou o som de uma campainha (produzindo a visão em túnel, já que os neurônios apagam de Pense, é grátis Filipe Albuquerque Russo Pedro Lemos
ou de alguém batendo à porta, chegando até a fragmentos de fora para dentro), levando ao apagão total quando a maioria Jesus Bêbado
falas de outras pessoas que se imagina que estão no recinto. do córtex estiver desligado. EQMs também podem ser criadas Gilberto Kreisler Rafael Augusto Bonin Bisoffi
As imagens presentes em um sonho lúcido podem ser ainda por estimulação elétrica do giro angular direito no lobo IMAGENS: Guilherme Landi Rafael Mendonça
mais vivas porque a pessoa que está dormindo está consciente temporal. Uma paciente de 43 anos sofrente de convulsões Pixabay Gutemberg Amorim Pereira Raphael Garcia de Sousa Evaristo
de que ele ou ela está dormindo e sonhando e pode participar epilépticas graves relatou a sensação de estar "afundando na Revista Ateísta Heclair Rodrigues Pimentel Filho Renato Oliveira
dentro e fora do próprio sonho. A paralisia do sono é um tipo cama" e "caindo de uma determinada altura" depois de um Jorge A. L. Jorge Romualdo André da Costa
de sonho lúcido no qual o indivíduo, consciente do sonho, leve estímulo elétrico nesta área. Estímulos mais intensos a FONTE/TRADUÇÃO: Kauê Leonardo Gomes Ventura Lopes Samir Mohamad Kharfan
também sente a paralisia, pressão no peito, presença de um levaram a "ver a si mesma deitada na cama, de cima...". E uma www.skeptic.com Laurinei Ataide de Queiroz Totem
ser no recinto, flutuar, voar, cair ou sair do próprio corpo, "sensação de leveza" ainda mais induzida e uma sensação de Marcio dos Santos Ribeiro Valeska Silveira
com um componente emocional que inclui um elemento estar "flutuando a dois metros acima da cama". Os cientistas Marcos M. Trujilho
de terror, mas às vezes também pode ocasionar entusiasmo, descobriram que poderiam até controlar a altura acima da
euforia, arrebatamento ou êxtase. Marcos Malagosini Machado
cama que a paciente relatou pela intensidade da eletricidade.