do conhecimento
no campo da
educação especial
organizadores
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Esta edição recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.
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Todos os textos estão idênticos aos originais recebidos pela Editora e sob responsabilidade dos
Autores e Organizadores.
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Proibida a reprodução total ou parcial desta edição, por qualquer meio ou forma, em língua portuguesa
ou qualquer outro idioma, sem a devida menção acerca desta edição (créditos completos de Autoria,
Organização e Edição), sendo vedados quaisquer usos para fins comerciais.
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SUMÁRIO
9 Prefácio
Rosalba Maria Cardoso Garcia
16 Apresentação
José Geraldo Silveira Bueno
Katya Mitsuko Zuquim Braghini
Kazumi Munakata
Silvia Márcia Ferreira Meletti
25 PARTE UM
EDUCAÇÃO ESPECIAL COMO OBJETO
DE PESQUISA HISTÓRICA
26 Capítulo 1
Instituição e educação especial: perspectiva
histórico-pedagógica
Justino Pereira de Magalhães
58 Capítulo 2
Os cegos, “esses infelizes”: sujeitos, instituições
e circulação de conhecimentos pedagógicos
(séculos XIX e XX)
Helder Manuel Guerra Henriques
145 Capítulo 4
Alfabetização de alunos com deficiência
intelectual: um estudo sobre estratégias de
ensino utilizadas no ensino regular
Mirian Célia Castellain Guebert
166 Capítulo 5
Avaliação diagnóstica nos alunos com baixo
rendimento: ações colaborativas entre
educação e saúde
Viviane Ferrareto da Silva Pires
196 Capítulo 6
Educação de adultos com deficiência
intelectual grave: entre a exclusão social e o
acesso aos direitos de cidadania
Lucélia Fagundes Fernandes Noronha
223 Capítulo 7
Surdez, trajetórias sociais e a construção das
identidades
Carla Cazelato Ferrari
252 Capítulo 8
Os Programas de Livro e as políticas
públicas de acesso à leitura na perspectiva da
educação especial
Tatiana de Andrade Fulas
286 Capítulo 9
Indicadores sociais, escolarização de alunos
com deficiência e a pesquisa educacional
Silvia Márcia Ferreira Meletti
320 Capítulo 10
Censo escolar da educação básica: uma
análise das trajetórias de alunos com
deficiência intelectual matriculados na rede
municipal de Londrina-PR (2007-2015)
Jéssica Germano
341 Capítulo 11
Escolarização de alunos com deficiência
intelectual: as estatísticas educacionais como
expressão das políticas de educação especial
no Brasil (2007-2012)
Ricardo Schers de Goes
371 Capítulo 12
Deficiência, raça e gênero: uma análise de
indicadores educacionais brasileiros
Michelle Melina Gleica Del Pino Nicolau
Pereira
399 Capítulo 13
A filantropia e a segregação na educação
especial: um olhar a partir dos indicadores
educacionais brasileiros
Natália Gomes dos Santos
427 Capítulo 14
O Repositório de Livros de Educação Especial
das Bibliotecas Universitárias – LIEEB
José Geraldo Silveira Bueno e Carla Cazelato
Ferrari
447 Capítulo 15
Pesquisa bibliográfica: análise de resumos
acadêmicos sob a teoria de Raymond Williams
‒ o ensino-aprendizagem de surdos no Brasil
Geane Izabel Bento Botarelli
474 Capítulo 16
Os caminhos percorridos que resultaram na
tese intitulada “A produção acadêmica sobre
deficiência intelectual: um balanço das teses
defendidas entre 1993 e 2015”
Pâmela Carolina Martins Tezzele
506 Capítulo 17
Veiculação da produção científica sobre o
autismo no Brasil: embates e tensões
Katia Cristina Luz
536 Capítulo 18
Análise da produção intelectual em Educação
e Letras/Linguística: um balanço de teses e
dissertações sobre o ensino-aprendizagem de
inglês para alunos com deficiência
Vinícius Neves de Cabral
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 9
Na atual conjuntura brasileira, permeada por cortes
orçamentários para a área social, retração dos recursos
para a área da educação e fomento à pesquisa, e com
a ascensão de um pensamento conservador, considero
uma demonstração de força e resistência persistir com
a estratégia do trabalho coletivo, na universidade ou em
qualquer outra instituição.
A coletânea em tela, em seu conjunto, abraça
demandas de suma importância e relevância acadêmica
e social para a área da educação, ao mesmo tempo em
que difunde um posicionamento político e teórico de
reconhecer e afirmar a educação especial como campo de
conhecimento e objeto de pesquisa. Já aprendemos com
a história que em momentos como esses que estamos
vivendo, aqueles que estão nas margens dos processos
sociais são os primeiros a serem atingidos. Levar adiante a
pesquisa acadêmica de forma coletiva e difundir o campo
de conhecimento educação especial pode se revelar
importante estratégia de luta pela educação pública
para uma parcela significativa da população brasileira.
Instigada pela defesa da educação especial como
campo de conhecimento, que foi apreendida como
um fio condutor dos trabalhos que constituem esta
coletânea, realizei um estudo de pequena monta na base
corrente de dados do Diretório de Grupos de Pesquisa
- DGP do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq.1 Efetuei duas buscas
a produção
do conhecimento
no campo da
10 educação especial
inserindo no campo “buscar grupos” o descritor
“educação especial” utilizando como um primeiro filtro
a “grande área” Ciências Humanas nas duas buscas:
a primeira com um segundo filtro “área” – Educação
e a segunda busca com um segundo filtro “área” –
Psicologia. A opção pelo procedimento deve-se ao
fato de que consultando os dados já sistematizados
no próprio Diretório,2 identificamos que do total de
8.091 grupos registrados na grande área das Ciências
Humanas, o maior contingente corresponde à área da
Educação com 3.595 grupos, que representa 44,43% da
grande área. Em segundo lugar, localizamos a área de
História, com 912 grupos registrados, o que corresponde
a 11,27% da grande área Ciências Humanas. A terceira
área mais expressiva na grande área é a Psicologia com
884 grupos registrados (10,92%). As demais áreas das
Ciências Humanas conforme a classificação do DGP/
CNPq (sociologia, geografia, filosofia, antropologia,
ciência política, teologia e arqueologia) não foram
consideradas nesse estudo, devendo ser exploradas em
outra oportunidade. A área de História foi descartada do
estudo no procedimento principal, o qual foi definido
como a verificação do quantitativo de grupos de cada
área a partir do descritor “educação especial”, uma vez
que não foi localizado nenhum registro nessa busca.
Localizei, a partir da busca com o descritor “educação
especial”, 201 grupos registrados na área de Educação e
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 11
29 grupos na área da Psicologia, totalizando 230 grupos de
pesquisa na grande área Ciências Humanas em atividade
no Brasil com pesquisas nesse campo. Em uma segunda
filtragem buscamos dentre os grupos já identificados,
aqueles que contêm o termo “educação especial” em sua
denominação, a partir da qual localizamos 59 grupos na área
da educação e três grupos de pesquisa na área da Psicologia,
totalizando 62 grupos com essa característica. Identificamos
que 168 grupos mencionavam a educação especial como
palavras-chaves, ou nas linhas de pesquisa ou ainda nas
descrições das ações desenvolvidas pelos pesquisadores.
Tais dados podem conduzir a uma análise de que
somente 62 de 230 grupos se dedicam à pesquisa sobre
educação especial como foco principal, a ponto de a
denominação do grupo conter o termo específico. Por
outro lado, os mesmos dados podem revelar que o campo
da educação especial vem sendo mais pesquisado a partir
dos aportes teóricos e metodológicos comuns à área da
educação, constituídos pelos fundamentos da história,
filosofia, sociologia, economia, psicologia. Os grupos
analisados que não contém o termo “educação especial”
em sua denominação ressaltam como foco principal
de estudos, entre outros, a formação de professores,
o currículo, a política educacional, a didática, o
desenvolvimento humano, a aprendizagem, o que pode
significar que a educação especial vem sendo absorvida
nos grupos de pesquisa e nos programas de pós-graduação
como um objeto de estudo com as características gerais
da área da educação, mas com particularidades que são
próprias a um campo de conhecimento.
a produção
do conhecimento
no campo da
12 educação especial
Inseridos nos processos de pesquisa da área da
educação, os estudos apresentados na coletânea em
foco contém diferentes abordagens atuando no campo
de conhecimento da educação especial de forma
ampla, a saber: bibliográfica, histórica, documental,
pesquisa de campo, estudos de indicadores sociais
e estatísticas educacionais, estudos de trajetórias
sociais e estudantis. No desenvolvimento de tarefa
tão importante, os pesquisadores debruçaram-se
sobre dados quantitativos e qualitativos, mobilizaram
produções acadêmicas e análises diversas,
aglutinados por temas que contém em si uma agenda
de pesquisas.
A partir da leitura dos 18 capítulos que compõem as
cinco partes da coletânea de textos, dentre as muitas
temáticas problematizadas, elencamos aquelas que
consideramos presentes de forma transversal, aqui
expostas em seis agrupamentos:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 13
3 Os/as professores/as: papéis destinados aos professores
e às professoras no campo da educação especial; a
natureza e a qualidade do intercâmbio entre professores
da educação especial e demais docentes;
a produção
do conhecimento
no campo da
14 educação especial
de reiterar a importância de a educação especial,
como campo de conhecimento, ser pensada mediante
referenciais sociológicos, imprimindo dessa forma
uma marca, uma forma própria de ler o fenômeno
estudado, o que singulariza sua contribuição.
Como comentário final, mas não menos importante,
ressalto a análise crítica presente em todo o texto
acerca dos resultados educacionais e escolares
das políticas de educação especial na perspectiva
inclusiva no Brasil sem ferir o princípio do direito
à educação escolar, reafirmando a necessidade
histórica de acesso aos processos de escolarização, à
cultura humana que se acessa mediante a escola, sem
perder de vista que tais processos se realizam numa
sociedade desigual.
Generosamente, o Programa de Pós-Graduação
em Educação: História, Política, Sociedade da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC-SP, mediante a produção desse trabalho, se faz
presente nesse momento, honrando a sua história de
contribuições acadêmicas e políticas, ao oferecer
um rico e abrangente material de estudo que poderá
fomentar densos debates entre aqueles que se propõem
a fazer avançar o campo de conhecimento da educação
especial.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 15
APRESENTAÇÃO
a produção
do conhecimento
no campo da
16 educação especial
2011), preocupado com a constituição e organização das
práticas educativas em relação aos problemas oriundos
das condições sociais e econômicas da população e
da diversidade cultural que caracteriza a sociedade
contemporânea; “Educação e Regimes Ditatoriais: 50
anos do golpe militar no Brasil” (V Seminário – 2014),
que analisou as consequências de regimes autoritários
para a sociedade em geral e, especialmente, para a
educação e para a cultura, rememorando o golpe militar
no Brasil ocorrido em 1964.
Intelectuais de diferentes países passaram pelos
respectivos seminários, fortalecendo os debates sobre o
campo educacional, tais como: Michael Apple (EUA),
José Gimeno Sacristán (Espanha), Christian Laville
(Canadá), Anne-Marie Chartier (França), José Luiz
Coraggio (Argentina), Thomas Popkewitz (EUA),
Munanga Kabengele (Brasil), Bernard Lahire (França),
Clarice Nunes (Brasil), Pablo Pineau (Argentina),
Antón Costa (Espanha), Circe Bittencourt (Brasil), Alda
Junqueira Marin (Brasil), Thomas Skrtic (EUA), Noam
Chomsky (EUA), Manuel Antonio Garreton (Chile),
Carolina Kaufmann (Argentina), Paolo Bianchini
(Itália), Maria Ligia Coelho Prado (Brasil), Dalmo
Dallari (Brasil) e muitos outros.
No ano de 2018 o “VI Seminário Internacional:
A produção do conhecimento no campo da educação
especial” reuniu um conjunto de textos a partir do
trabalho de pesquisadores efetivado pela parceria entre o
PEPG-EHPS com a Universidade Estadual de Londrina
(UEL) e centros internacionais de conhecimento, tais
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 17
como a Universidade de Lisboa e o Instituto Politécnico
de Portalegre (Portugal). Vemos aqui o trabalho do Prof.
Dr. José Geraldo Silveira Bueno, com 25 anos de uma
trajetória de estudos, pesquisas e formação de doutores
e mestres na área da educação especial, a partir de seu
trabalho na linha de pesquisa “Processos de escolarização,
desigualdades sociais e diversidade”. Verifica-se
também a rica interlocução acadêmica constante com a
Profa. Dra. Silvia Marcia Ferreira Meletti (UEL) por sua
atuação concentrada na educação escolar e nas políticas
educacionais, com ênfase na Educação Especial,
principalmente no estudo de indicadores educacionais.
O Prof. Dr. Kazumi Munakata, que com o projeto “A
educação dos sentidos na escola contemporânea brasileira
(séculos XIX-XX): projetos, práticas, materialidades”,
tem aberto um caminho de pesquisas, na história da
educação, no sentido de pensar como se faz a educação
de quem está desprovido de um ou mais sentidos.
O livro, portanto, apresenta o trabalho conjunto
de grupos de pesquisa, sociólogos e historiadores da
educação, que, por meio da interlocução interdisciplinar
e do debate acadêmico, procurou dar força analítica às
investigações nesse campo de pesquisa e criar novos
horizontes de investigação. O debate tanto analisou
as questões políticas e sociais que visam ampliar as
oportunidades educacionais de sujeitos marginalizados
socialmente, quanto criticou a característica seletiva da
escola brasileira, que, em sua trajetória conservadora,
visa à manutenção das condições sociais de dominação.
Aqui, vemos a educação especial sendo discutida por
a produção
do conhecimento
no campo da
18 educação especial
diferentes caminhos: educação de alunos com deficiência
intelectual e com necessidades educacionais especiais;
expectativas em relação as suas aprendizagens; análises
de documentos oficiais, estatísticas; estudos sobre as
estratégias de ensino utilizadas no ensino regular; a
exclusão social e o acesso aos direitos de cidadania;
indicadores sociais; análises das iniciativas políticas;
análise histórica de materiais didáticos, estado da arte
da produção acadêmica no Brasil; um panorama da
literatura educacional ocupada com o tema etc.
O seu conteúdo está dividido em categorias formuladas
para o Seminário, tratando de:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 19
criação de métodos e sistemas de comunicação verbal
especializada, para cegos e para surdos, gerando novas
manifestações de escrita e a linguagem gestual. Ao
final, apresenta tanto a crise do que o autor chama de
instituição e a percepção da “evolução substantiva e
semântica” da Educação Especial, nas últimas décadas.
O segundo trabalho é do professor Helder Manuel Guerra
Henriques, que procura compreender quais modelos
pedagógicos e culturais relacionados com o ensino dos
cegos circularam entre o Brasil e Portugal, na transição
entre os séculos XIX e XX. Sua base documental foi
encontrada na primeira instituição portuguesa, fundada
em 1863, a acolher crianças, jovens e adultos cegos,
conhecido como Asilo de Cegos de Castelo de Vide.
Em relação ao campo pedagógico, visando
compreender a inclusão escolar de alunos com deficiência
intelectual e expectativas de aprendizagem, temos aqui
a análise do documento Referencial de Avaliação sobre
a Aprendizagem do Aluno com Deficiência Intelectual
(RAADI) em cotejamento com orientações destinadas
aos alunos considerados normais, investigado por
Patrícia Tanganelli Lara. Logo em seguida, Mirian Célia
Castellain Guebert apresenta análise sobre os processos
de alfabetização de alunos com deficiências em salas
de ensino regular. Por fim, a avaliação diagnóstica
nos alunos com baixo rendimento, tendo como campo
empírico a rede pública do município de Santo André, é
analisada por Viviane Ferrareto da Silva Pires.
As discussões sobre deficiência, políticas e meio
social foram introduzidas pela análise de Lucélia
a produção
do conhecimento
no campo da
20 educação especial
Fagundes Fernandes Noronha a respeito da educação
de adultos com deficiência intelectual grave, entre os
processos de exclusão social e o acesso aos direitos
de cidadania. Já a pesquisadora Carla Cazelato Ferrari
apresenta um estudo sobre as trajetórias sociais de
surdos e a construção de suas identidades. A autora
mostra como as condições objetivas de pessoas
surdas revelam trajetórias diversificadas, bem como a
construção de identidades sociais distintas, levando-as
até mesmo a utilizar diferentes formas de comunicação,
como a língua oral ou a língua de sinais. A investigação
de Tatiana de Andrade Fulas mostra os Programas de
Livros e as políticas públicas de acesso à leitura na
perspectiva da Educação Especial. No texto, vê-se que
a legislação é insuficiente para resolver as questões de
acessibilidade, principalmente no que diz respeito aos
editais dos Programas de Livros, já que os títulos em
Braille e Libras, disponibilizados pelo governo federal,
formam um acervo mínimo em comparação ao acervo
disponível para alunos sem deficiência.
Os indicadores sociais, escolarização de alunos com
deficiência e a pesquisa educacional são estudados
por Silvia Marcia Ferreira Meletti e abre a série de
pesquisas que consideram os dados estatísticos oficiais.
No caso, foram analisadas as recomendações dos
organismos internacionais no que se refere à educação
de pessoas com deficiência e a política de educação
especial vigente no Brasil. Resulta do estudo que o
acesso desta população a qualquer tipo de escola não
está garantido e que formas de atendimento segregado
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 21
marcam a educação especial no Brasil. Em seguida,
Jéssica Germano fez uma análise geral dos microdados
do Censo Escolar da Educação Básica do município
de Londrina de modo a perceber como é inconstante
a trajetória de alunos com deficiência na cidade,
pelos registros de ausência de aulas, instabilidade na
frequência das matrículas, falta de registros escolares
etc. Em outro estudo, Ricardo Schers de Goes apresenta
a escolarização de alunos com deficiência intelectual,
principalmente a partir das estatísticas educacionais.
Faz um panorama sobre a expansão das matrículas
de alunos com deficiência intelectual no ensino
regular em regiões do Brasil em relação aos alunos
com necessidades educacionais especiais (NEE),
evidenciando a influência da categoria nos resultados
dos levantamentos estatísticos no Brasil. O trabalho
de Michelle Melina Gleica Del Pino Nicolau Pereira
investiga os indicadores educacionais brasileiros, no
que se refere às matrículas de pessoas com deficiência
visual, auditiva, física e intelectual na educação básica,
no ano de 2012, com base nos dados do Censo Escolar,
em relação a gênero e raça. Para fechar este quadro,
Natália Gomes dos Santos estudou a filantropia e a
segregação na educação especial, analisando os dados
de instituições especiais deste tipo, por dependência
administrativa, categoria da escola especial, tipo de
necessidade educacional especial e etapa de ensino.
A autora destaca a predominância da filantropia nos
serviços da área, o que acaba por justificar o estímulo
financeiro para a manutenção desses espaços.
a produção
do conhecimento
no campo da
22 educação especial
O Repositório de Livros de Educação Especial das
Bibliotecas Universitárias, pesquisa feita por José
Geraldo Silveira Bueno e Carla Cazelato Ferrari, abre
o bloco sobre a pesquisa bibliográfica em educação
especial. Este trabalho teve por objetivo apresentar o
resultado do levantamento, organização e classificação
de livros que se voltaram especificamente para a
educação especial, constantes dos acervos de diversas
bibliotecas universitárias brasileiras. Resulta dessa ação
um banco de dados on line de acesso livre à pesquisa em
geral. Logo em seguida, Geane Izabel Bento Botarelli
mostra a sua pesquisa bibliográfica a partir da leitura
de resumos acadêmicos sobre o ensino-aprendizagem
de surdos no Brasil, tomando-os como um gênero
literário à maneira pensada por Raymond Williams.
Dois pesquisadores, Pâmela Carolina Martins Tezzele,
e logo em seguida, Vinicius Neves de Cabral estão
preocupados com a produção acadêmica, no sentido de
apresentar balanços sobre a produção na área. A primeira
autora tem como foco a deficiência intelectual a partir
do levantamento de teses e dissertações defendidas
entre 1993 e 2015, estando elas concentradas nas área
de Educação, Saúde e Psicologia. O segundo autor
pesquisou 178 programas de pós-graduação da áreas de
Educação e Letras/Linguística com o intuito de entender
como é apresentado o ensino-aprendizagem de Inglês
para alunos com deficiência. Ainda neste grupo, vemos o
trabalho de Katia Cristina Luz que percebeu a ocorrência
de uma luta simbólica entre a medicina e a psicologia
na busca de caracterização do que significa o autismo
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 23
e as consequências sociais de ampliação do termo para
“transtorno do espectro do autismo”.
Boa leitura!
Os organizadores
a produção
do conhecimento
no campo da
24 educação especial
PARTE UM
a produção
do conhecimento
no campo da
26 educação especial
categorias com história; a inclusão é fundamentalmente
sociopolítica. Em que medida o enfoque na inclusão
tem condicionado a história da integração? Esta dúvida
metódica decorre de um conjunto de princípios que os
especialistas têm vindo a equacionar, nomeadamente
quando pensam o institucional escolar. No quadro
escolar, a inovação pedagógica vem possibilitando a
inclusão, através de diferentes modos de integração,
combinando as dimensões política, sociocultural,
institucional, científica, pedagógica.
De modo necessariamente sumário, é possível
estabelecer uma diacronia que inclui noções básicas de
reeducação. Na viragem do século XIX e primeiras décadas
do século XX, foram implementados novos sistemas de
educação, em regime de instituição, congregando, entre
outros domínios científico-pedagógicos, a psicologia, a
sociologia, a didática. Até aos anos 80 do século XX,
o regime de instituição foi prevalecente, dando curso
a pedagogias de educação especial e de reeducação.
Desde a década de 1980 que tem estado em curso uma
evolução substantiva e semântica da educação especial,
no sentido de integração por inclusão, nomeadamente
através da aproximação entre neurociências e cognição
e de uma criteriosa utilização das Novas Tecnologias de
Informação e Comunicação (NTIC).
Neste contexto, David Rodrigues adverte que a
inclusão não decorre diretamente da evolução da
integração (Rodrigues, 2006). Também José Geraldo
Bueno tem chamado a atenção para a complexidade e as
contradições subjacentes ao movimento de participação-
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 27
exclusão, pois que este movimento tem estado baseado
na “homogeneização para a produtividade” (Bueno,
2011, p. 76). Mônica Kassar, por sua vez, chama a atenção
para a conveniência de equacionar, em simultâneo,
deficiência, integração e inclusão (Kassar, 2012).
Com efeito, à continuidade histórica da produtividade
decorrente da industrialização e da terciarização,
acentuada pela evolução tecnológica e pelo urbanismo,
vieram associar-se a prevalência dos elementos
intelectual e cerebral e, mais recentemente, também
a computadorização. O desenvolvimento da cultura
escrita como informação, comunicação e participação,
acentuado pela escolarização, tornou legítima a
utilização do Quociente Intelectual como diferenciador
e instrumento de racionalidade pedagógica.
No que reporta à educação especial, há ainda outra
continuidade, que é o institucional escolar. Desde o
movimento iluminista e literácito, iniciado no século
XVIII, a integração escolar possibilitou o reconhecimento
dos indivíduos como sujeitos; a participação cívica;
a atividade produtiva. A integração escolar, enquanto
habilitação literácita e instituição educativa, trouxe
aproximações à inclusão. Neste sentido, a instituição
educativa, ainda que frequentemente reduzida a
institucionalização, assume pleno significado quando
interpretada nos planos estrutural e conjuntural. Houve
diferentes modalidades, tempos e circunstâncias
de institucionalidade, combinando o uniforme e o
específico, o transversal e o circunstancial. A inclusão dá
sentido à integração, pois que estar integrado é ser parte.
a produção
do conhecimento
no campo da
28 educação especial
É estar preparado e assumir um papel ou mesmo uma
função. Em consequência, as virtualidades da integração
poderão não ser inteiramente obtidas com a inclusão.
Enquanto não diferenciação, a inclusão dá sentido à
integração, mas, paradoxalmente, a aparente facilidade
que subjaz a alguns ambientes de inclusão pode redundar
em debilidade educativa.
A psicanálise a as convenções sobre direitos humanos
foram os principais meios para a melhoria das sequências
processuais e para as mutações na semântica da deficiência.
No passado recente, também o desenvolvimento e a
aplicação das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) têm favorecido alterações no domínio da diferença.
No plano histórico-pedagógico, a semântica da deficiência
contempla a sequência de diferenciar/categorizar;
caracterizar/integrar; conhecer/incluir.
Da semântica da diferença
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 29
Associada à combinação histórico-pedagógica, há
uma semântica da diferença humana que inclui distintos
aspectos e mutações, tendo em atenção as circunstâncias
temporais, sociais, políticas. Em traços breves, o
século XVIII ficou assinalado pelo reconhecimento
da escola como meio de aculturação e modelação nas
práticas da leitura e da escrita; no reconhecimento da
participação literácita; na configuração de perfis letrados
e profissionais associados à cultura escrita. A busca de
normalidade fez evidenciar o anormal, mas o campo da
anormalidade permaneceu mergulhado no sincretismo.
Para os cegos e para os surdos-mudos, foram entretanto
implementadas modalidades de participação na
produção material e na economia. Desde o século XVIII
foram criadas e formalizadas linguagens e métodos
de aculturação, formação e integração. O institucional
escolar foi referente e medida.
Rompendo com o sincretismo, no decurso do século
XIX foram introduzidas as noções de distinção e
classificação, ligadas a ciências médicas, higienismo,
fisiologia, psicologia, ciências jurídicas, pedagogia,
antropometria. A configuração fisiológica e a capacidade
cerebral foram tomadas como referência e base de
classificação. Mas foram o desenvolvimento mental
e, particularmente, a capacidade intelectual que,
desde os primeiros anos do século XX, passaram a
constituir o principal fator de separação, diferenciação,
gradação. Com a aplicação da psicologia experimental,
associada à pedagogia científica, foram criados meios e
implementados instrumentos de observação, medição,
a produção
do conhecimento
no campo da
30 educação especial
diagnóstico e experimentação. A pedagogia científica
integrava, entre outras inovações, a lei dos Centros de
Interesse, estruturada por Édouard Claparède; os estádios
de desenvolvimento, estruturados por Jean Piaget; a
interação entre pensamento e linguagem tal como tinha
sido teorizada por Leontiev Vigotsky; a estrutura de um
currículo básico, aplicando a pedagogia dos Centros de
Interesse de Ovide Decroly.
A escala métrica de idade mental criada por Binet, em
1905, devidamente revista em 1908 e publicada por Simon
em 1911 (Escala de Binet-Simon), era composta de trinta
testes agrupados por idades. Para além do reconhecimento
de graus de deficiência profundos, foi também utilizada
para distinguir graus de oligofrenia. Em 1912, o psicólogo
alemão William Stern fez uso do termo Quociente de
Inteligência (QI) para medir a relação entre idade mental
e idade cronológica (cf. Costa, 1945-1946, p. 24). Em
1916, o psicólogo norte-americano Lewis Terman, ao
rever a Escala de Binet-Simon – no que ficou conhecido
como Revisão Stanford (RS), dado ser patrocinada
pela Universidade Stanford –, fez corresponder o QI
a um índice de desenvolvimento mental expresso em
1.000 QI. A aplicação do Quociente Intelectual veio
permitir uma gradação que foi utilizada para distinguir
o fisiológico e o intelectual, mas, sobretudo, para
graduar o Desenvolvimento Intelectual. Na sequência,
outros coeficientes foram criados, como a Constante
Pessoal de Yerkes (cf. Costa, 1945-1946, p. 19-63).
Ao adaptar a Escala de Desenvolvimento Intelectual,
Terman fez a seguinte aplicação: QI superiores a 140 –
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 31
quase gênio ou gênio; de 120 a 140 – inteligência muito
superior; de 110 a 120 – inteligência superior; de 90 a 110
– inteligência normal ou média; de 80 a 90 – atrasado,
raramente classificável de debilidade mental; de 70 a 80 –
zona marginal de deficiência, que abrange, por vezes, casos
classificáveis de atrasados e, com frequência, de debilidade
mental; inferiores a 70 – debilidade mental definida.
Segundo Terman, as subdivisões da debilidade mental
compreendem: de 50 a 70 ‒ cretinismo; 20 ou 25 a 50 –
imbecilidade; inferiores a 20 ou 25 – idiotia (apud Costa,
1945-1946, p. 27). À luz da Escala de Binet, a debilidade
mental era problema escolar nos níveis compreendidos
entre 50 e 70 (cf. Planchard, 1982, p. 308-309).
O Quociente Intelectual constituiu o instrumento
fundamental na caracterização dos deficientes e na
orientação de terapias e quadros curriculares. Foi
assumido por políticas e regulamentos de diferentes
países. A barreira dos 70-80 QI estabelecia a principal
separação. Assim, por exemplo, na Suécia, havia, por
meados do século XX, escolas especiais que acolhiam
cerca de 2.500 crianças com QI entre 40 e 70. E havia
quinhentas classes especiais frequentadas por 6 mil
crianças cujo QI oscilava entre 70 e 80 (cf. Carlos,
1947-1948, p. 189). A distinção entre escola especial
e classe especial (também dita de aperfeiçoamento) é
aqui determinante, pois que frequentemente a escola
especial era internato, com localização e configuração
próprias. Na Dinamarca, na sequência da lei de 20 de
maio de 1933, foram criadas, no âmbito do Ministério
do Trabalho e dos Assuntos Sociais, Comissões de
a produção
do conhecimento
no campo da
32 educação especial
Assistência: aos débeis mentais; aos cegos; aos surdos;
aos epilépticos (cf. Carlos, 1947-1948, p. 109). Foi
também criada uma comissão para assistência a crianças
difíceis, subnormais e normais. No âmbito de cada
comuna, havia uma comissão de proteção à infância, a
quem cabia dar encaminhamento a situações de carência
familiar ou de deficiência somática ou psíquica.
Desde finais do século XIX e, com maior intensidade,
a partir das primeiras décadas do século XX, pensar
o sistema escolar era também pensar a temática da
deficiência, como objeto específico e à luz da pedagogia
científica. Escrevendo em 1915, Faria de Vasconcelos,
que havia fundado e dirigido a Escola Nova de Bierges
(Bélgica) – instituição que Adolphe Ferrière considerou
modelo de Escola Nova, consignou de forma peremptória:
“Numa Escola Nova aplica-se rigorosamente o princípio
de que nenhuma criança com deficiência é aceite para
bem de todos” (Vasconcelos, 2015, p. 217). E,
na sequência, explicitava que todos os alunos eram
admitidos a título provisório. Em Portugal, também
Victor Fontes (que veio a ser o diretor do Instituto
Aurélio da Costa Ferreira, destinado à Saúde Mental
Infantil), numa conferência proferida em 1935, a convite
da Liga Portuguesa de Profilaxia Social, fez uso das
denominações crianças normais e crianças anormais e
foi categórico no seu juízo: “A convivência e o ensino
em comum de normais e anormais é prejudicial para
ambos” (Fontes, 1939, p. 212).
Pensar a escola é pensar a instituição educativa. O
escolar era referente fundamental. De acordo com a
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 33
definição consignada por Raymond Boudon e François
Boudon (1982), no Dictionnaire Critique de Sociologie,
“Les institutions désignent toutes les activités régies par
des anticipations stables et réciproques” (apud Dubet,
2008, p. 115). Integrado na instituição, o educando
concilia internalidade e sociabilidade, objetivação e
subjetividade. Ao dominar as tensões da experiência
escolar, o aluno torna-se autor da sua própria educação:
“En ce sens, l’école se transforme comme bien d’autres
mondes sociaux, ceux de la famille ou du travail par
exemple, en transférant les mécanismes de socialisation
des institutions vers les individus” (Dubet, 2008, p.
17). A instituição concilia as noções de acolhimento
(proteção), educação e reeducação. No fundamental, a
instituição educativa é instituição total. Este era o sentido
que o internato assumia enquanto Escola Nova.
Deste modo, tomando a instituição como base
da educação, cuja institucionalização corresponde e
perpassa a longa modernidade, falar de diferença humana
e equacionar a educação diferenciada é necessariamente
analisar e historiar as modalidades de instituição. Assim,
para caracterizar a diferença, ao desenvolvimento
intelectual e à pedagogia torna-se necessário acrescentar
o institucional educativo.
Até o final da Segunda Guerra Mundial, as caracterizações,
as terapias e as pedagogias decorreram sob o signo da
especificidade e da segmentação. Deste modo, constituíam
modalidade de integração. A institucionalização era a
modalidade mais frequente, correspondendo a uma das
seguintes configurações, enunciadas num crescente de
a produção
do conhecimento
no campo da
34 educação especial
institucionalidade: classe especial (aperfeiçoamento);
escola especial (frequentemente em regime de internato
para crianças deslocadas); internato (internato-escola);
internato-oficina; internato vitalício. Estas modalidades
de institucionalização permanecem em vigor até a
atualidade, em praticamente todos os países, como informa
a Organização Mundial de Saúde no Report de 2011.
Na sequência do prolongamento escolar, associado
à escola compreensiva e dando curso aos objetivos de
participação cívica e econômica plenas, começava,
por meados do século, a ser equacionada a temática
da inclusão, em particular da inclusão escolar. Para
alguns sistemas educativos, nomeadamente para os mais
desenvolvidos, a inclusão constituiria uma otimização
da integração social, cívica, profissional. O institucional
escolar era um racional, modelo e meio. Desde as
primeiras décadas da segunda metade do século XX que,
quer ao nível das convenções internacionais, quer no
interior dos sistemas nacionais de educação, equacionar
a inclusão não mais deixou de ser também equacionar a
desigualdade e a exclusão, mormente em relação à escola.
Para o Brasil, em dezembro de 1961 foi finalmente
promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, que consagrava o conceito “Educação de
Excepcionais”. Um pouco por todo o mundo dito
desenvolvido, a década de 1980 ficou marcada por um
grande investimento na formação profissional e numa
ampliação dos benefícios sociais, quer diretamente aos
deficientes, quer a empresas e instituições que lhes dessem
emprego. O ano de 1981 foi declarado Ano Internacional
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 35
do Deficiente. Em 1983, a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) consagrou a Convenção 159 à readaptação
profissional e emprego de pessoas deficientes. As
décadas de 80 e 90 do século XX ficaram marcadas pela
convergência entre a ação dos particulares e a do Estado.
A integração correspondeu, em boa parte, a
um processo individual e grupal, que contou com
caracterização, especialização, formação, participação.
A integração está condicionada aos próprios indivíduos.
Todavia, desfocada da integração, a inclusão, em virtude
da abrangência e da descaracterização, pode secundarizar
o programa formativo e trazer novas desigualdades. A
inclusão passa pela capacitação dos indivíduos, no que
é fundamental a cultura escrita e, particularmente, a
literacia escolar, pois que constitui base de uma cidadania
responsável, autônoma, comprometida, ética. Relevante
tem sido também a efetiva participação dos indivíduos
na produção material.
Permanece, no entanto, o desafio de uma teoria
democrática que contemple um multiculturalismo crítico,
pois que a pertença e a existência numa determinada
identidade grupal e cultural não garante a efetividade
dessa experiência e menos a plena realização do
humano; configura uma identidade e um conhecimento,
mas não um (re)conhecimento, ficando comprometida
a condição de capabilidade, tão cara a Ricoeur (2004,
p. 215-236). A representação identitária, a idealização
e a autonomização decorrem da oportunidade social e
das potencialidades científicas e técnicas, aplicadas ao
quadro pedagógico, à economia, à produção material.
a produção
do conhecimento
no campo da
36 educação especial
Há neste quadro um primado ético, que não é possível
abordar aqui.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 37
quando não partiu explicitamente do incidente e do
problemático, como sucedeu com Makarenko ao
fundar uma cooperativa-fábrica para crianças e jovens
delinquentes, visou à melhoria geral do ensino. O
sistema orgânico e pedagógico-didático, criado por
Decroly, abria ao ensino ativo e intuitivo. Conciliava o
holístico e o sincrético, combinava forma e globalidade,
favorecia a análise e a recomposição. Partindo do local
e do concreto para o abstrato e, enfim, graduando a
aproximação à realidade (nomes, ligação, relação,
simbolização) através da disposição gradual dos centros
de interesse, servia o ensino normal e o ensino especial.
Favorecia a generalização de uma norma aceitável
reificada num medium cultural como currículo escolar.
A inovação pedagógica tornou-se fundamental
para a própria realização escolar. Com efeito, a escola
promove a aculturação escrita, mas, correlativamente,
determina a norma linguística e esta tem repercussão
na comunicação oral e escrita. Assim, em face da
normalização linguística e escolar, surgem alinhamentos,
mas também irregularidades e dificuldades de diversa
ordem, seja na adaptação e na conformação gestual,
seja na incapacidade ou no retardamento em aprender,
seja, por fim, na impossibilidade de adaptação e na
incapacidade para aprender. A dislexia é uma anomalia
gerada no universo da aculturação escrita. A inovação
pedagógica permitiu divulgar e facilitar o acesso ao
conhecimento formal e à inserção escolar através
de melhorias pedagógicas e técnicas; melhorias no
método; adequação curricular. Em torno da escola foram
a produção
do conhecimento
no campo da
38 educação especial
criadas novas estruturas pedagógicas, nomeadamente,
as escolas especiais e as classes de aperfeiçoamento.
Houve pedagogos que encontraram analogias entre
tomar como referência a criança normal e o anormal
adulto. E houve pedagogos que procuraram responder
às dificuldades da aprendizagem de modo progressivo e
abrangente como sucedeu com as pedagogias de Maria
Montessori e de Ovide Decroly. No que reporta ao método,
à materialidade, à plasticidade, os itens e os requisitos
pedagógicos são fundamentalmente os mesmos, para o
ensino regular e para o ensino especial, mas pensados,
representados, aplicados de modo especial. As propostas
pedagógicas de Fröebel serviram à educação sensorial
e abriram à lição de coisas como reconhecimento do
meio, nomeação, seriação e progressiva abstração. A
exercitação entre o sensorial e o simbólico, através dos
dons, das formas e de jogo normalizado, surge referida
em relatórios de meados do século XX, sobre instituições
de ensino especial, belgas e suecas (Carlos, 1947-
1948, p. 192). A pedagogia de Decroly, especificamente
a perspectiva global ideovisual e os centros de interesse,
associados à intuição e à indução, foi utilizada por
instituições de ensino especial da Bélgica, da Holanda,
da Suécia, da Suíça. As virtualidades da pedagogia de
Decroly faziam-se sentir na organização do ambiente
escolar por centros de interesse e no ensino de um
mínimo de ler, escrever, contar, através do método global
(CARLOS, p. 99, 101, 105, 107, 137, 192). A ambiência,
a gradação e a harmonia gestual, cultivadas por Maria
Montessori, serviram para a aquisição de mobilidade e
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 39
coordenação motora e sensorial. As virtualidades desta
pedagogia surgem referidas nalgumas cooperativas
italianas (CARLOS, p. 164). Também as pedagogias de
projeto, como a experiência de Dalton, serviram para
comunidades escola-oficina, em contextos de município.
Assim sucedia com a Escola Municipal de Amsterdã (A.
H. Gerhard-School), destinada a crianças psicopatas de
inteligência normal ou acima do normal (CARLOS, p.
132). Esta escola estava articulada com uma fábrica e com
estabelecimentos comerciais. Na Suécia, os métodos de
Vinetka e de Haase foram utilizados no ensino especial,
nomeadamente no ensino do cálculo (CARLOS, p. 192).
A inovação técnica e pedagógica foi, com efeito,
racional, condição e meio de diversificação para
manter no sistema regular de ensino a generalidade
dos públicos infantojuvenis e para valorizar a escola
como fator de desenvolvimento. Assumindo-se como
fonte de literacia, a escola gerou coletivos. Na França,
secundando iniciativas entretanto implementadas
noutros países, a lei de 15 de abril de 1909 combinava
a utilização da Escala de Binet-Simon e o elemento
pedagógico-escolar. Os alunos foram distribuídos por
segmentos. O fator pedagógico emergiu como referência
e modo de intervenção. Aquela lei, no artigo 12, fez
reconhecer a categoria de Arriérés Scolaires – crianças
que, atingida a idade escolar, os pais e educadores
recusavam ou retardavam a inscrever na escola; ou
crianças que, entrando na escola, os professores iam
observando e sinalizando como alunos retardados em
relação ao ritmo dos outros (apud Nathan & Durot,
a produção
do conhecimento
no campo da
40 educação especial
1914, p. 126). Os alunos assim referenciados eram
submetidos à observação de uma comissão formada
pelo inspetor municipal, o diretor ou mestre de uma
escola de aperfeiçoamento, um médico escolar. Esta
comissão fixava o grau de educabilidade e o aluno era
encaminhado para uma escola de aperfeiçoamento, cuja
pedagogia incidia no método intuitivo.
A integração escolar através da especialização não
preveniu inteiramente as desigualdades e também não
assegurou que o racional escolar, enquanto método
e potencial cognitivo e formativo, orientado para a
prossecução dos estudos, fosse assimilado de modo
uniforme. O movimento de universalização escolar,
obtida em meados do século XX, deu lugar a um ciclo
histórico-pedagógico de crítica sobre o modelo que se
revelou limitado em face da diversificação do institucional
escolar. Nas últimas décadas do século XX, esta crise
tornou-se correlativa de certa desvalorização institucional
e da massificação das Novas Tecnologias de Informação
e Comunicação. Tais instabilidades e mudanças tiveram
manifesta repercussão na transformação das pedagogias
de integração em pedagogias de inclusão.
A escola está profundamente associada à cultura
escrita e constitui o principal meio de modernização
da sociedade contemporânea. Tradicionalmente, foi
o referente para a determinação e a caracterização da
diferença humana e muito particularmente da deficiência.
As necessidades educacionais especiais (NEE) são
determinadas e caracterizadas em função do educacional
escolar. Nos planos global, nacional e local, as principais
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 41
declarações de princípio e linhas programáticas, políticas,
pedagógicas, sociais, desenvolvimentistas, foram
definidas e convencionadas tendo a escola no horizonte.
A associação entre escolarização e desenvolvimento
acentuou-se com as noções de utilidade e produtividade,
já referidas. Desde meados do século XX que o
investimento em capital humano forçou a investimentos
na formação profissional. A adaptação e as melhorias
psicopedagógicas fizeram com que, no campo da educação
e no âmbito da formação profissional, os processos de
predição, prevenção, compensação assumissem maior
pertinência. O desenvolvimento da economia, associado
à melhoria técnica e a novos modos de produção e
profissionalização, trouxe maior seletividade e mais
oferta de atividades produtivas e de serviços a que podiam
concorrer também os indivíduos com deficiência, quando
devidamente preparados no plano escolar e profissional.
A crise do modelo e do institucional escolar a
partir das últimas décadas do século XX, enquanto,
por um lado, vem forçando à diversidade, nos planos
etnocultural, pedagógico-didático, em parte apoiada nas
Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, por
outro, acentua a normalização e a conformação, como
condições para novos quadros de flexibilidade. Observa-
se que a quebra de prestígio escolar torna menos radical a
noção e as consequências da educação especial, inclusive
em termos de estigma pessoal e social. No entanto, esta
constatação envolve um paradoxo, pois que toda a perda
de investimento científico e educativo não deixa de gerar
novas desigualdades.
a produção
do conhecimento
no campo da
42 educação especial
Instituição e educação especial
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 43
conferência que proferiu em Paris, em 1914, V. H.
Friedel, inspetor para o ensino especial, fez um balanço
do ensino especial na Europa e nos Estados Unidos.
Informou que o modelo das escolas de aperfeiçoamento
alemãs, em que a criação de classes de aperfeiçoamento
acompanhava o ensino regular e era obra dos municípios,
estava a ser adotado pelos países do Norte da Europa
e nos Estados Unidos (Friedel, 1914, p. 338).
Em Portugal, a criação de programas discriminados
para os diferentes “tipos” de crianças não foi estabelecida
nas primeiras décadas do século XX. No entanto,
as instituições foram se organizando em função de
diferentes categorias de deficiência: deficientes mentais,
visuais, auditivos, motores. Durante o século XIX, tinha
havido iniciativas de diverso tipo destinadas ao ensino
de cegos e de surdos-mudos. Na década de 20 do século
XIX foi criado o Instituto de Surdos-Mudos e Cegos,
confiado a Aron Borg, e que, depois, foi integrado à
Casa Pia de Lisboa. No início do século XX havia em
Portugal dois asilos para cegos, dois institutos para
cegos, dois institutos para surdos (Alves, 2012). Em
1913, por impulso de Aurélio da Costa Ferreira, entrou
em funcionamento, na Casa Pia de Lisboa, um “Curso
Normal” destinado à formação de professores. Nessas
primeiras décadas do século passado, não obstante o
avanço da ciência, permanecia alguma indeterminação no
tratamento pedagógico entre delinquência e deficiência
(cf. Martins, 2014, 2016).
Em 1935, o Instituto Aurélio da Costa Ferreira foi
submetido a um plano de remodelação, vindo a reabrir
a produção
do conhecimento
no campo da
44 educação especial
em 1942 sob a direcção de Victor Fontes. Funcionava
como Dispensário de Higiene Mental para todo o país.
Na sequência do decreto-lei de 3 de agosto de 1946,
foram criadas as primeiras “classes especiais junto das
escolas primárias”, sob orientação daquele Instituto, que,
equipado com modernos meios de diagnóstico, passou a
receber, em consulta, crianças de todo o país. Entre 1942
e 1963 ali foi publicado o boletim A Criança Portuguesa.
Antes disso, em 1941, entrara em funcionamento uma
Escola de Reeducação – Albergaria de Lisboa, que
acolhia cem rapazes e quarenta moças.
Na primeira metade do século XX e até aos anos 1960,
associada à melhoria da capacidade de diagnóstico,
a prática educativa habitual foi a de criar instituições
especializadas. Na generalidade dos países, a assistência
à infância deficiente e à infância com problemas de
conduta constituía um setor especializado, exigindo
técnicos e serviços especialmente preparados. A
formação de professores das classes especiais, auxiliares
e assistentes tinha vindo a merecer particular atenção.
Eram preparados através de cursos e seminários,
contando depois com períodos de experimentação. Em
regra, eram os médicos da família, o médico escolar
ou o professor primário que assinalavam as primeiras
anomalias nas crianças. Os diferentes países europeus
dispunham de instituições de terapêutica e reeducação
de crianças com anomalias mentais.
Os internatos destinados a crianças difíceis recebiam
um número de crianças que oscilava entre os 25 e os 70
internados, nos casos da Dinamarca e da Suécia, variando
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 45
os níveis mentais entre QI 70 e 140. Frequentemente,
os deficientes com QI inferior a 50 ficavam toda a vida
nos internatos. Os internatos para os portadores de
baixos QI eram grandes instituições de tipo hospitalar.
Para os casos em que houve reeducação, as instituições
tendiam a preparar a saída dos internos, procurando uma
ocupação e acompanhando os egressos durante os dois
ou três primeiros meses.
Em final da década de 1940, havia na Bélgica
trinta internatos de educação especial, inspecionados
pelo Ministério da Justiça. O governo tinha criado um
Fundo Comum para a Educação Especial, que dispunha
de uma comissão em cada província. Os pedidos de
admissão eram dirigidos aos presidentes das comunas.
Algumas congregações religiosas dispunham de
Institutos de Educação Especial, nomeadamente para o
gênero feminino. A Dinamarca dispunha de internatos
particulares e de classes especiais – em Copenhague,
havia 137 classes especiais. Todas as escolas, incluindo
as regulares, se beneficiavam de médico escolar e de
enfermeira escolar. Na Holanda, havia 150 escolas
especiais e dez internatos especializados. Os diagnósticos
eram realizados por centros médico-pedagógicos. Na
Inglaterra, na sequência do Educational Act de 1944, foram
criadas 11 categorias de deficientes: cegos; com acuidade
diminuída; surdos; com acuidade auditiva diminuída;
débeis; diabéticos; com atrasos intelectuais; epiléticos;
inadaptados; com deficiências físicas (estropiados);
com defeitos na fala. As crianças cegas, surdas,
epiléticas, estropiadas e afásicas deveriam ser educadas
a produção
do conhecimento
no campo da
46 educação especial
em escolas especiais. As crianças cegas e epiléticas
deveriam ser preferentemente educadas em internatos.
Em Portugal, havia então 14 classes especiais junto
das escolas de Lisboa e duas no Porto. A partir da década
de 60 do século XX, o Estado Português, através do
Instituto de Assistência a Menores, criou uma série de
estabelecimentos destinados à reeducação e à integração
de crianças com deficiência. Entre 1965 e 1970, foram
criados ou remodelados os seguintes estabelecimentos:
8 para deficientes visuais; 10 para deficientes auditivos;
11 para deficientes mentais. Medicina, Pedagogia e
Psicologia cruzavam-se em abordagens interdisciplinares
do fenômeno e dos diferentes casos. Em meados da
década de 1970, estavam já em funcionamento duzentos
estabelecimentos para deficientes: 74 de iniciativa
particular e 124 de iniciativa do Estado. A noção de
educação especial surgiu na sequência do Warnock
Report (cf. Costa, 1981).
A educação especial, que tradicionalmente havia
sido objeto de declarações de direitos, proclamações,
regulamentos, passou mais recentemente a ser objeto,
também e fundamentalmente, de convenções, de que são
particularmente notórios os casos dos Estados Unidos
da América e do Brasil. Para os Estados Unidos da
América, a noção de convenção está subjacente ao IDEA
(Individuals with Disabilities Education Act), cujas
versões datam de 1975, 1978 e 2004. Este quadro político-
educativo tem repercussão no FAPE (Free Appropriate
Individualized Education Program). De IDEA faz parte
uma revisão das categorias de deficiência (Disability –
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 47
14 categories). Para o Brasil, assume relevo a aprovação
do documento Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008).
Assim, pois, da combinação do elemento científico
com o elemento pedagógico resultou um princípio
orientador de institucionalização, adequando a pedagogia
à especificidade dos casos. As categorias utilizadas para
caracterizar a deficiência tinham vindo a mudar. Havia
contestação em face da utilização de certas categorias,
dado serem redutoras na caracterização dos indivíduos.
Correlativamente, era necessário combater a noção de
espectro. Estando a escola destinada a acolher todas
as crianças, foi em face da escola que, uma vez mais,
esta questão se levantou de modo consequente. A lenta
transferência do enfoque no indivíduo para o enfoque
no ecossistema (material, sociocultural, comunitário) em
que o indivíduo cresce e se educa tem sido determinante
para as questões de inclusão.
a produção
do conhecimento
no campo da
48 educação especial
integração (institucional e profissional), inclusão,
aceitação/preparação ambiental e grupal. Estão em
destaque: revolução científica e social; escola (o
institucional escolar) e inovação pedagógica; psicanálise
e subjetivação; convenção político-educativa.
Desde finais do século XIX que a noção de atrasados
(arriérés) resulta e é acentuada em função da escola. O
primado da escola foi reforçado pela psicometria: “En
langage scolaire [les arriérés] ce sont les écoliers qui, pour
une cause quelconque, trouvent notablement en retard,
dans leurs études, sur leurs camarades de même âge”
(Bellot, 1911, p. 105). O atraso escolar, “l’arriération”,
levou à distinção entre dois grandes grupos: os educados
fora da escola e os atrasados. Entre os estabelecimentos
educativos não escolares, em regra internatos,
contavam-se hospícios destinados a idiotas, epiléticos,
anormais incuráveis; asilos-escola (educação especial)
destinados a cegos e a surdos-mudos; escolas-oficina.
Entre os atrasados (“arriérés”) era possível distinguir
os deficientes intelectuais (diminuídos) e os instáveis
(temperalmente inquietos). A partir das últimas décadas
do século XIX foram sendo criadas, para os atrasados
escolares, escolas especiais e classes de aperfeiçoamento.
Projeções feitas com base na Escala de Binet permitiram
inferir que, na população europeia, seria esperado
que, para povoações com cerca de 50 mil habitantes,
houvesse um internato para alguns deficientes e uma
escola de aperfeiçoamento para cada um dos gêneros.
Ciclicamente, a modalidade “internato” suscitou
reservas. Escrevendo, em 1911, sobre Arriérés
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 49
scolaires, Émile Bellot admitia que o internato não era
o ideal, pois que não é bom que um deficiente instável
fique perpetuamente em contato com o espectáculo da
anormalidade de que padece. Ao contrário, era necessário
multiplicar os contatos com a infância normal, “pour qu’il
y trouve exemple et secours” (Bellot, 1911, p. 104).
Concluía, então, que a experiência tinha demonstrado que
tudo há a ganhar com as classes de aperfeiçoamento. O
sistema de classes anexas com acompanhamento médico
era preferível ao internato. Fundamental era, no entanto,
que, quer fosse em internato, quer fosse em pequenas
escolas, as classes especiais fossem tratadas com uma
pedagogia adequada no que reportava à distribuição do
tempo, programas, métodos. Para cegos e surdos-mudos,
cedo a questão continuou centrada na linguagem, na
socialização, na formação profissional.
Entretanto, o modelo alemão de classes de
aperfeiçoamento, contíguas às classes regulares, foi
adotado na generalidade dos países. Após a Segunda
Guerra Mundial, a debilidade e a educação especial
tornaram-se objeto de novos avanços científicos e de
abundante bibliografia. A noção de perfil psicológico
assente na multifactorialidade também foi aplicada
ao deficiente. A educação especial foi assumida em
diferentes países. Foi criado um ensino mais prolongado
para diminuídos motores, para os amblíopes e para
diminuídos mentais que tivessem sofrido dificuldades no
ensino regular. O ensino especial foi também prolongado
para cegos ou surdos, bem como para crianças com
deficiências da fala (Labregère, s.d., p. 435).
a produção
do conhecimento
no campo da
50 educação especial
Nos anos 70 do século XX, enquanto, por um lado,
foram desenvolvidos exames minuciosos com intenção
de programar uma intervenção educativa especializada,
por outro, foi sendo desenvolvida uma sensibilidade
pedagógica ecológica. Essa orientação tendeu a substituir
a intervenção terapêutica no paciente por uma intervenção
junto e a partir dos meios (familiares, grupo, classe),
com o intento de maior integração dos diminuídos na
escola regular. A educação especial tornou-se matéria de
convenção e adequação, nos planos político, normativo
e curricular. As políticas escolares compreensivas,
subsequentes à Segunda Guerra Mundial, haviam ficado
associadas à inovação pedagógica. Aquém de meados
do século XX, a situação alterou-se rapidamente, no
sentido de um ensino especial. Em 1968 foi aprovada
a Declaração dos Direitos Gerais e Particulares do
Deficiente Mental. A década de 1980 ficou marcada
por um grande investimento na educação especial e na
formação profissional, como referido.
Entre 7 e 10 de junho de 1994, reuniram-se em
Salamanca, na Espanha, representantes de 92 governos
e de 25 organizações internacionais. Foi aprovada a
Declaração de Salamanca que proclamou o princípio de
uma “Escola para Todos”. Na base desta declaração estava
o argumento de que o “handicap é uma noção relativa;
existe num contexto preciso; difere em consonância
com as condições socioeconômicas e culturais; evolui
no tempo” (Afonso, 1997, p. 36). Como objetivo
central foi proclamado o da “plena inclusão”, que
envolve “combater as atitudes discriminatórias, criar
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 51
comunidades de acolhimento, construir uma sociedade
integradora e conseguir uma educação para todos”
(AFONSO, p. 35). Superando um diagnóstico clínico
tendente a classificar o tipo de deficiência, na atualidade
ganharam nova visibilidade a perspectiva integrada do
percurso de vida do sujeito; a relação com o contexto
em que se insere; as competências cognitivas; o
perfil emocional; as manifestações de participação e
responsabilidade pessoal, comunitária, humana.
A dialética entre integração e inclusão não está
todavia resolvida. Se a integração constituiu um desafio
à educação especial, continuando muitos países a manter
a diversidade de instituições criadas, a inclusão pode
trazer algum recuo em matéria de compromisso social
e estatal. Não é, porém, essa a intenção subjacente às
convenções internacionais, que consignam uma revisão
da integração à luz do primado da inclusão, como bem
salientam as teses de conceituados especialistas, com
relevo para as de David Rodrigues e José Geraldo
Bueno. É sob o signo da diferença que deve ser abordada
a educação inclusiva, como adverte Mônica Kassar
(2012). Num outro estudo de que é coautora, Mônica
Kassar privilegia a dialética entre deficiência, inclusão,
integração (cf. Kassar & Magario, 2017).
Em síntese, mais do que uma questão de semântica,
trata-se de um novo paradigma centrado na pessoa como
ser total, que tome em atenção o contexto e o meio,
que retire o máximo benefício do avanço científico,
técnico, pedagógico para a capacitação do indivíduo.
Reconhecimento e capacitação formam o binômio
a produção
do conhecimento
no campo da
52 educação especial
fundamental da integração; o aprofundamento da
integração é fundamental para fazer avançar a inclusão.
Concluindo
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 53
particularmente, a literacia escolar como base de uma
cidadania responsável, autônoma, comprometida, ética.
Cada ser humano comporta a sua especificidade e a
educação é o percurso interminável de tornar-se pessoa,
desafiando a humanitude. Meio fundamental para a
integração, o institucional escolar confere identidade,
habilita para a participação, sedimenta a personalização.
A crise do escolar e o aligeiramento da integração não
favorecem a inclusão. Enfim, são séculos a lidar com
a diferença e a aprofundar os caminhos da igualdade
humana. Por isso, não ficará mal recordar aqui as palavras
ditas pela raposa ao principezinho, na história de Antoine
de Saint-Exupéry: “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa
que a fez tão importante”.
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
54 educação especial
Boudon, R. & Boudon, F. Dictionnaire Critique de
Sociologie. Paris: PUF, 1982.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 55
Friedel, V.-H. Les Institutions pour Anormaux Scolaires
a l’Étranger. In: Nathan, M. & Durot, H. Les Arriérés
Scolaires. Conférences Médico-Pédagogiques. Paris: Fernand
Nathan, Éditeur, 1914, p. 311-355.
a produção
do conhecimento
no campo da
56 educação especial
Planchard, É. A Pedagogia Contemporânea, 8ª ed. atual.
Coimbra: Coimbra Editora, 1982.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 57
Capítulo 2
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
58 educação especial
Ao longo da modernidade, verificamos a emergência
e a consolidação da figura do Estado-nação e do seu
interesse em estar cada vez mais próximo das populações.
Esta proximidade, mais não significa do que uma
forma de vigiar os indivíduos e controlar a sociedade
como um todo. Para que este controle intencional se
pudesse verificar foi atribuído à escola um lugar central
no processo de organização da sociedade ocidental
(Henriques & Vilhena, 2015).
A escola que transmite um conjunto importante de
conhecimentos mas que, através dos seus agentes, cumpre
um papel de entidade normalizadora e moralizadora da
sociedade. No decorrer da modernidade, a escola serviu
a esse propósito de padronizar os sujeitos e torná-los
socialmente adequados. Na esteira de Michel Foucault,
Ribeiro (2009) afirma mesmo que:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 59
Assim, simultaneamente, verificou-se uma tendência
centrípeta em termos da padronização dos sujeitos
e, concomitantemente, observou-se uma tendência
centrífuga em face de um conjunto de sujeitos que se
“localizavam” ao centro: referimo-nos a todos os sujeitos
considerados diferentes e que, de alguma forma, podiam
constituir um perigo à nova ordem pública instalada e
em processo de consolidação.
É neste contexto que podemos incluir todos aqueles
considerados como uma “anomalia social”, isto é,
crianças e jovens desiguais. Remetendo à escala de
Decroly, simplificada por Diniz (2004), estamos a falar
de (1) anormais, por defeito ou lesão orgânica (aleijados,
atrofiados etc.); (2) anormais, por defeito sensorial
(cegos, surdos-mudos etc.); (3) anormais, por defeito
mental (idiotas, imbecis etc.); (4) anormais, por defeito
das faculdades afetivas (loucos morais); (5) anormais,
por defeitos particulares do sistema nervoso (epiléticos
etc.); (6) anormais, por deformação operada pelo meio
(DINIZ, 2004, p. 250). Como se percebe, estamos
perante grupos de sujeitos devidamente identificados,
classificados e, na sequência, institucionalizados de
acordo com a tipologia da “anomalia social” de modo
a responder aos anseios e receios de uma população
considerada normal. Mas coloca-se a seguinte questão:
afinal, como se pode definir a anormalidade?
Podemos afirmar a dificuldade em definir uma
fronteira clara e objetiva relacionada com o conceito
de anormalidade. Contudo, este é um conceito fluido,
líquido e que pode ter variáveis no espaço e no tempo
a produção
do conhecimento
no campo da
60 educação especial
que dificultam a consensualização, pelo menos numa
perspetiva “universalista”, de uma “definição total” do
conceito. Esta questão é, desde logo, colocada em 1905
por Claparède, quando afirma que:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 61
A visibilidade destes “seres estranhos” potenciam
a estigmatização em relação ao que apresenta traços
diferentes do conjunto padronizado apresentando-se e
constituindo-se, a partir desse momento, uma relação
desigual entre o “eu – normal” e o “outro – diferente”.
O olhar diferenciado sobre a figura do “outro” conjuga-
se, desde logo, com uma noção de perigo que deve ser
imediatamente controlado, potenciando a figura do
preconceito. A este propósito Boto (2011), apoiando-
se em Bobbio (1992, p. 203), fala-nos desta ideia
que, segundo a autora, remete-nos à intolerância, à
discriminação “contra alguém que, por razões físicas,
etárias, sexuais ou raciais, é percebido como desigual”
(BOTO, 2011, p. 32). Deste modo, Boto (2011) é
peremptória quando afirma que “o preconceito é, por sua
vez, um conjunto de opiniões que são acolhidas de modo
acrítico passivo pela tradição, pelo costume ou por uma
autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão”
(BOTO, 2011, p. 32).
Esta constatação que a historiadora e filósofa da
educação faz nos remete imediatamente à ideia de
estigma. De fato, quando pensamos em grupos de
pessoas diferentes, ao longo da história, e mesmo no
tempo presente, imediatamente emergem matrizes
culturais cristalizadas que fazem a maioria da população
assumir uma posição de receio em face do elemento que
pode ser “diferente” fisicamente pela ausência de um dos
sentidos (como exemplo, cegos e surdos-mudos).
Como afirma Goffman (1988), esta visão
preconceituosa ou estigmatizada pode surgir por
a produção
do conhecimento
no campo da
62 educação especial
referência a um atributo específico, como a falta de
visão, “que [torna o indivíduo] diferente de outros
que se encontram numa categoria em que pudesse ser
incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável”
(GOFFMAN, 1988, p. 12). Ainda assim, esta ideia de
estigma permite, por outro lado, a compreensão de
todo um universo de relações, discursos e narrativas
que envolvem aquele que é considerado “diferente”
ou que transporta uma “anomalia social”. De acordo
com Rangel e Louzada (2015), as relações sociais das
pessoas “diferentes” com as regulares, no âmbito do
pensamento moderno, caraterizam-se pela ideia de
imperfeição, ineficiência, improdutividade, pobreza ou
mendicância (RANGEL & LOUZADA, 2015, p. 115).
Estamos, portanto, a verificar que o cego, esse
elemento estranho à sociedade, constrói a sua identidade
por referência àquilo que julga que a sociedade pensa
dele e da sua imperfeição. É neste sentido que Amado
(2008) considera, na sua abordagem, o binómio
perfeição-imperfeição, afirmando que os cegos.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 63
lidou com essas crianças e jovens anormais, por “defeito
sensorial”, nomeadamente os cegos, principalmente na
transição entre as centúrias de oitocentos e de novecentos?
De que modo se procurou a sua normalização? Que
protagonistas podemos realçar? Que lugar ocupou nesse
processo o conhecimento científico, em particular a
Pedagogia? Que influências recebeu o ensino dos cegos
em Portugal?
Colocadas as questões orientadoras, prosseguimos
o nosso trabalho ancorados, do ponto de vista teórico,
ao campo da História da Educação e, em particular, da
História Social da Infância. Utilizamos um conjunto de
autores de referência para iluminar os nossos problemas
(Boto, 2011; Carvalho & Ó, 2010; Fernandes,
1989, 2004; Henriques & Vilhena, 2015;
Foucault, 2008; Goffman, 1988; Alves, 2012;
Amado, 2007, 2012; Rangel & Louzada,
2015; entre outros). Este trabalho é alimentado por um
corpus documental que podemos definir em três níveis:
fontes de arquivo, onde assumem destaque livros de
atas, livros de matrículas, livros de correspondência,
entre outros; imprensa, com destaque para o Jornal dos
Cegos (1895-1920); e fontes oriundas de uma biblioteca
pedagógica, assim como imagens fotográficas da época,
ilustrativas do discurso. Optamos por circunscrever
o nosso objeto de estudo ao espaço geográfico
português, utilizando, para o efeito, o exemplo do
Asilo de Cegos de Castelo de Vide, no distrito de
Portalegre (Portugal). A abordagem metodológica
é baseada nos princípios da análise socio-histórica,
a produção
do conhecimento
no campo da
64 educação especial
onde procuramos verificar o estado da arte, colocar
os problemas, identificar as fontes, recolher os dados,
interpretá-los, analisá-los e pô-los em formato de texto.
Defendemos que o Asilo de Cegos de Castelo de
Vide integrou o movimento filantrópico oitocentista
e procurou, através da constituição de uma escola
profissional, impulsionar a educação dos cegos
em Portugal, tornando-se um importante palco de
apropriação de ideias pedagógicas, baseado numa
formação sobretudo profissional desse público, onde
estão presentes diversas influências estrangeiras.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 65
diferente de tornar-se útil e produtivo de acordo com
uma sociedade liberal, nova, marcada pelos princípios
da racionalidade e do progresso.
A segunda metade do século XVIII e o século XIX
foram os momentos ideais para se desenvolver um
movimento racional de filantropia, em lugar do espírito
caritativo anterior, na civilização ocidental. É no
interior deste movimento humanitário e de filantropia
que encontramos as principais respostas institucionais
para o acolhimento de cegos, em Portugal, na
modernidade. Em associação com este movimento,
verificamos o desenvolvimento dos princípios médico-
higienistas, propícios à emergência e à consolidação
de novos saberes que encontraram na infância e na
cegueira uma possibilidade de mapear o corpo “e os
territórios da alma” (Carvalho & Ó, 2009.). Em
articulação, a Pedagogia surgiu como elemento maior
com capacidade de analisar, classificar e exercer um
poder corretivo, mas sobretudo produtivo, de modo a
transformar estes seres quasi-marginais em sujeitos,
socialmente, quasi-normais.
Na sequência, ao longo da modernidade a emergência
da diferença exigiu uma resposta rápida e eficaz
em face daqueles que eram considerados elementos
estranhos à sociedade, todavia com um potencial de
utilidade social. É neste contexto que se integra o grupo
que pretendemos analisar: aqueles que não possuíam
um sentido, nomeadamente a visão, tendo sido
encontradas, para estes “seres diferentes”, soluções
institucionais capazes de responder às necessidades
a produção
do conhecimento
no campo da
66 educação especial
psicológicas e biológicas dos cegos e, por outro lado,
à necessidade de conhecer mais e melhor esse ser que
não era considerado regular.
Rangel e Louzada (2015) são esclarecedoras quando
afirmam que as instituições asilares criadas assumiram
o trabalho como um mecanismo de emancipação
social, de recolhimento das mazelas sociais, isolando
os cegos no interior de muros, “em função da promessa
de bem-estar social feito pela revolução política e
científica moderna” (Rangel & Louzada, 2015,
p. 115). Acrescentam que deste modo se chega ao
higienismo “em associação plena entre o político e o
científico; o disciplinamento de toda a sociedade por
meio de mecanismos que operam em sentido macro,
o institucional, e, no sentido micro, nos corpos dos
sujeitos” (Rangel & Louzada, 2015,p. 115-116).
É deste modo, na relação entre o Estado, a ciência,
as instituições e os sujeitos, que se constrói uma teia de
regimes de verdade que propõe tomar o corpo do sujeito,
interná-lo num contexto técnico-institucional e aplicar-
lhe, por via da ciência, as normas sociopolíticas e morais
emanadas pelo Estado. Este processo foi aplicado na vida
da população cega ou que possuía outra anomalia que
podia pôr em causa a ordem e a regularidade impostas
socialmente. Os contextos técnico-institucionais
assumem-se como plataformas de intensidade política,
biológica, psicológica, moral e, também, educacional.
O movimento filantropo, em articulação com
o Estado e os saberes emergentes, constituiu
circunstância bastante para a “invenção” de vários
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 67
contextos técnico-institucionais em que circularam
diversos saberes (morais, científicos etc.), capazes
de aproximar da perfeição ‒ leia-se de alguém que
possui todos os sentidos ‒ o grupo dos cegos.
Como sabemos, o ensino dos cegos encontra-se, na
origem, associado a Valentin Haüy (1745-1822), na
França, que numa perspectiva filantrópica constituiu, em
Paris, o Instituto dos Jovens Cegos, no ano de 1784. De
acordo com Alves (2012), este era um “instituto modelar
[que] viria a transformar-se num centro de inovação,
porquanto seria o aluno Luís Braille (1809-1852), cego
desde os três anos, que criaria um código de pontos em
relevo denominado de sistema Braille, hoje difundido
por todo o globo” (Alves, 2012, p. 347). Além de Paris,
encontramos outras instituições de referência no ensino
dos cegos com destaque para Madri, Londres, Milão ou,
do outro lado do Atlântico, no caso brasileiro, o Instituto
Benjamin Constant.
O Jornal dos Cegos, em setembro de 1898,
apresenta um conjunto de dados relevantes sobre as
diversas instituições que existiam em todo o mundo
dedicadas ao ensino e recolhimento deste grupo cujo
título é “Instituto de Cegos – Escolas, Officinas e
Asylos existentes no mundo em 1898 – Aos quaes foi
distribuído o número impresso em relevo do Jornal
dos Cegos commemorativo do IV centenário do
descobrimento da Índia” (Jornal dos Cegos, nº
35, p. 273-284, 1898). Neste artigo Branco Rodrigues
identifica 368 instituições que tinham como objetivo
lidar com os cegos.
a produção
do conhecimento
no campo da
68 educação especial
Tabela 1 – Identificação do número de estabelecimentos existente no mundo em 1898 de acordo
com Branco Rodrigues
Grã-Bretanha: Escócia 7
Inglaterra 104
Irlanda 8
Espanha 9
Holanda 7
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 69
Os contextos técnico-institucionais para cegos em
Portugal: entre o asilar e o educativo
a produção
do conhecimento
no campo da
70 educação especial
recolhimento e ao ensino dos cegos foi o Instituto de
Surdos-Mudos e Cegos. De acordo com Fernandes
(1989) (texto republicado por Felgueiras e Ferreira em
2004), “apenas por volta de 1822 começa o problema da
educação de crianças deficientes a colocar-se na política
educativa” (FERNANDES, 2004, p. 706). Nesta época,
afirmava-se a necessidade de criar “cadeiras oficiais de
instrução de crianças surdas-mudas” (Fernandes,
2004, p. 706). Apenas no ano seguinte, em 1823, foi
criado o primeiro estabelecimento oficial dedicado ao
ensino de surdos-mudos e cegos em Portugal. Apesar
das dúvidas, terá sido sob o patrocínio régio, no âmbito
do movimento filantrópico da época, que terá sido criado
tal instituto. A criação do Instituto de Surdos-Mudos e
Cegos esteve ligada à vinda para Portugal dos irmãos
Borg: Pedro Aron Borg e José Hermano Borg. Pedro
Borg tinha fundado uma instituição similar na Suécia,
ajudado pelo seu irmão, e essa experiência poderia
constituir uma mais-valia para a edificação do novo
projeto sociopedagógico português (Fernandes,
2004, p. 707). Intervenientes portugueses também
estiveram ligados a este instituto, como José Crispim da
Cunha, que foi professor e ainda diretor da instituição.
No seguimento de Fernandes (2004), a organização
pedagógica assentava-se no princípio da diferenciação
do gênero, uma vez que “João Hermano Borg ocupava-
se da seção feminina e Crispim da Cunha da seção
masculina” (FERNANDES, 2004, p. 715).
O ensino neste estabelecimento encontrava-se
dividido entre a parte da manhã e a parte da tarde. Na
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 71
primeira metade do dia, assumia preferência a instrução
literária (das 8h30 até às 10h e das 11h ate às 13h);
na segunda metade do dia, apostava-se na formação
de matriz profissional, com destaque para os diversos
ofícios manuais.
Poucos anos depois do seu início, no contexto
político difícil de final da década de 20 da centúria de
oitocentos, o Instituto de Surdos-Mudos e Cegos vê-se
a braços com dificuldades financeiras e com um projeto
de integração à Casa Pia de Lisboa, acabando por
sucumbir aos discursos vigentes sobre a onerabilidade
do instituto e terminando esta breve experiência oficial
de “educação especial” em Portugal.
Depois da primeira experiência institucional dirigida
ao recolhimento e ensino de surdos-mudos e cegos
em Portugal, apenas em 1863 vamos encontrar, no
Alentejo, em Castelo de Vide, outra instituição: o Asilo
de Cegos de Castelo de Vide. É sobre esta instituição
que procuraremos construir um retrato mais alargado.
a produção
do conhecimento
no campo da
72 educação especial
O Asilo de Cegos de Castelo de Vide foi instituído
no Alto Alentejo, em Castelo de Vide, sob a invocação
de Nossa Senhora da Esperança, por João Diogo Juzarte
Sameiro, natural daquela localidade, cuja inauguração
aconteceu em 20 de julho de 1863. O instituidor deixou
90 contos de réis para garantir o seu objetivo principal,
que era o recolhimento de cegos de ambos os sexos, com
vantagem para os habitantes originários daquela região.
Em 20 de novembro de 1866 os primeiros estatutos
foram confirmados por Carta Régia de D. Luís.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 73
Pobreza absoluta. 2º Morigeração. 3º Que não padece
moléstia alguma contagiosa, em consequência da qual
se arrisque a saúde dos outros asylados” (1885, art. 3°).
Como podemos inferir, os tempos iniciais da vida deste
estabelecimento de recolha de cegos ficaram marcados
por uma visão essencialmente assistencialista. A ideia
era isolar, esconder estes sujeitos que eram considerados
“infelizes”, dada a ausência de um dos seus sentidos: a visão.
A sua entrada na instituição implicava a construção
de um cadastro que permitia à direção concluir se era, ou
não, pertinente tornar-se um sujeito institucionalizado.
Nesta fase não verificamos a importância dada às questões
educativas, todavia a ciência está bem presente. Note-se
que era necessária a presença de um médico, em regra
o médico municipal,
que averiguava dois
aspetos: o primeiro,
se efetivamente era
ou não cego, ou se
possuía baixa visão;
o segundo tinha a
ver com as doenças
infectocontagiosas
que poderiam
desenvolver-se no
quadro institucional.
Até o ano de 1880
os dados solicitados
eram os seguintes:
Figura 3 – Matrícula da asilada nº 1 (1863).
Fonte: AFNSE ‒ Livro de Matrículas nº 1.
nome, filiação, idade,
a produção
do conhecimento
no campo da
74 educação especial
naturalidade, estado civil, profissão, data de admissão e
um campo para as observações. Depois de 1880 verifica-
se a introdução de um novo campo que se prende às
questões do corpo, onde se questiona se o sujeito foi ou
não vacinado.
Entre 1863 e 1895, nesta primeira fase de matriz
assistencialista, encontramos 201 registos no Livro
de Matrículas. A maioria dos asilados eram pessoas
com idade avançada (cerca de setenta anos de idade),
naturais da vila de Castelo de Vide ou do distrito de
Portalegre, eram maioritariamente viúvo/as (embora
também tenhamos verificado a existência de um
conjunto significativo de pessoas solteiras), sem
recursos e suporte familiar, acabavam os seus dias
naquele contexto institucional.
Encontramos também algumas crianças de tenra idade
que deram entrada na instituição e que ali se mantiveram
durante vários anos. Percebemos que algumas dessas
crianças, no último quartel do século XIX, eram
encaminhadas para o Asilo-Escola António Feliciano
Castilho, dado que nesta fase do Asilo de Cegos de
Castelo de Vide o ensino não era ainda uma prioridade.
Neste contexto institucional havia uma vertente
disciplinar muito forte. Todos deviam respeitar os
espaços a que, no interior do asilo, estavam destinados.
Caso não o fizessem, ou desobedecessem a algum dos
funcionários ou regentes, eram castigados, por exemplo,
com períodos de reclusão ou até mesmo a expulsão,
como aconteceu frequentemente nos primeiros anos de
atividade.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 75
Um asilo-escola:
a Escola Profissional Branco Rodrigues
a produção
do conhecimento
no campo da
76 educação especial
nhecer mais e melhor o problema da cegueira e as possi-
bilidades de ensinar esse grupo de sujeitos. Branco Ro-
drigues nasceu em Lisboa, em 1861, falecendo em 1926.
O motivo do interesse de Branco Rodrigues pelas pro-
blemáticas que estamos a discutir neste texto prende-se,
segundo Alves (2012), ao falecimento do seu avô José
Rodrigues, que esteve cego na parte final da sua vida
durante, aproximadamente, 15 anos (ALVES, 2012, p.
348). Esta circunstância terá, pelo menos assim indica a
literatura, contribuído para dedicar a sua vida “à causa
dos cegos” (Alves, 2012, p. 348).
O tiflólogo português frequentou, embora não
concluindo, a Universidade de Coimbra. Esta
circunstância, porém, não constituiu um problema, tendo
se tornado um dos mais influentes e ativos lutadores em
prol dos cegos, chegando mesmo a influenciar os políticos
da época de modo a estabelecer “o ensino official dos cegos
no nosso paiz” (Jornal dos Cegos, nº 1, p. 3, 1895).
Em 1895 Branco Rodrigues visitou o Asilo de Cegos
de Castelo de Vide. Ali teve a oportunidade de verificar
o trabalho realizado pelo regente Severino Diniz Porto
que, desde 1894, promovia um trabalho notável “para
os cegos de menor edade, que existiam naquelle asylo”
(Jornal dos Cegos, nº 3, p. 17, 1896). De acordo
com o próprio Branco Rodrigues, nesta instituição foram
aplicados “os mais modernos processos de ensino e
obteve brilhantes resultados a ponto de levar ao lyceu
de Portalegre dois alumnos que alcançaram, no anno
passado, distinção no exame de instrucção primária.
Para este anno já tem preparados mais tres alumnos”
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 77
(Jornal dos Cegos, nº 3, p. 17, 1896). Também o
livro de visitas da época apresenta esse contato inicial
de Branco Rodrigues com o Asilo de Cegos de Castelo
de Vide, publicado posteriormente no Jornal dos Cegos:
a produção
do conhecimento
no campo da
78 educação especial
lhes o espírito e dar-lhes um modo de vida, como agora
acaba de ser posto em prática pelo benemérito director,
António José Repenicado (Jornal dos Cegos, nº
9, p. 67, 1896).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 79
que a fanfarra dos alumnos cegos desempenha, com
uma mestria e perfeição que causa verdadeiro espanto”
(Jornal dos Cegos, nº 3, p. 18, 1896).
Apesar do papel de Severino Diniz Porto na promoção
da educação literária e musical dos alunos cegos, “nunca
poderiam melhorar de situação, se não fosse a idea nobre
do benemérito instituidor da Escola Profissional Branco
Rodrigues” (Jornal dos Cegos, nº 3, janeiro de 1896,
p. 18), António José Repenicado. Assim, a criação da
nova escola e das respectivas oficinas permitiu ao cego
“trabalhar, o producto do seu trabalho pertence-lhe e,
como o asylo lhe satisfaz todas as suas necessidades,
o cego pode economisar o que ganhar, pode juntar um
peculio, e com esse peculio pode sahir de asylo” e,
consequentemente, “constituir família e fruir de todas as
felicidades do lar doméstico” (Jornal dos Cegos,
nº 3, p. 19, 1896).
O trabalho surge neste contexto como um elemento
de dignidade da vida humana, sobretudo para aqueles
que não possuíam um sentido. Assim, trabalhar, tornar-
se produtivo, constitui uma forma de procurar entrar
no universo da normalidade, tal como a constituição
de uma família. Todavia, esse desígnio apenas poderia
ser alcançado através de um conhecimento plural ‒
conhecimento literário, musical e profissional.
A Escola Profissional Branco Rodrigues, em Castelo
de Vide, parece inspirar-se em várias instituições
estrangeiras visitadas por Branco Rodrigues. Aliás, no
terceiro número do Jornal dos Cegos, de janeiro de
1896, onde é publicado um texto sobre o começo dessa
a produção
do conhecimento
no campo da
80 educação especial
escola, surge imediatamente outro texto sobre a Escola
Braille em Saint-Mundé, nos arredores de Paris, onde
“o cego é considerado como um operário, e deve, com o
producto do seu trabalho, pagar todas as suas despesas”
(Jornal dos Cegos, nº 3, p. 20, 1896).
A organização do espaço do Asilo de Cegos de Castelo
de Vide consistia já numa separação por idades e gênero.
No rés do chão encontravam-se os dormitórios e o
refeitório para os cegos do sexo masculino. As camaratas
eram adequadas aos cegos de diversas idades e aqui se
encontravam “os adultos completamente separados das
creanças” (Jornal dos Cegos, nº 10, p. 74, 1896).
Neste contexto institucional as crianças deveriam usar
um uniforme composto por uma “blusa de riscado azul
e branco. Todos possuem uma medalha com a effigie de
Nossa Senhora da Esperança” (Jornal dos Cegos,
nº 10, p. 74, 1896). Em 1896, o asilo era frequentado
por 12 rapazes e 3 moças, embora no total fossem
computados 43 cegos e a sua capacidade máxima fosse
de 100 sujeitos institucionalizados.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 81
Do ponto de vista pedagógico, o ensino dos cegos,
impulsionado pelo padre Severino Diniz Porto no
Asilo de Cegos de Castelo de Vide, baseava-se no
sistema Braille “o único universalmente adoptado em
todas as escolas de cegos do mundo” (Jornal dos
Cegos, nº 10, p. 79, 1896). De acordo com Branco
Rodrigues:
a produção
do conhecimento
no campo da
82 educação especial
de um instrumento e para a “fanfarra dirigida por um
hábil professor, D. Vicente Marçal”2.
Figura 6 – Alunos cegos (à esquerda) em formação musical para tocar na Fanfarra do Asilo; (à
direita) Alunos cegos em momento de aprendizagem de um ofício mecânico nas oficinas da Escola
Profissional Branco Rodrigues em Castelo de vide (1896). Fonte: AFNSE.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 83
frequentar uma missa diária, de caráter obrigatório, no
coro da igreja anexa. No refeitório eram obrigados a
fazer silêncio e a andar com a cabeça descoberta. Depois,
faziam novamente as orações, e também no final do dia.
Cabia ao asilado a função de fazer a sua própria cama,
“depois de lavada pelo ar”.
Do ponto de vista pedagógico, o regulamento de 1902,
falava da obrigatoriedade da frequência da instrução
primária, das vantagens da aprendizagem e da formação
musical, assim como da necessidade de aprender um
ofício de modo a garantir a sua subsistência futura.
A este propósito, da aprendizagem de um ofício,
Branco Rodrigues publica um texto em 1897 intitulado
“A primeira educação das creanças cegas”, em que
afirmava a importância do trabalho na possibilidade de
atingir a felicidade dessas crianças, argumentando que:
a produção
do conhecimento
no campo da
84 educação especial
sua autonomia. Segundo o tiflólogo, a criança cega devia
ser ensinada a andar “na mesma idade em que se ensinam
as que têm vista”. De igual modo, a criança cega devia
ser ensinada a vestir-se, a despir-se sozinha, a lavar-se
e a assoar-se, uma vez que “tudo isto pode a creança
cega fazer com tanta facilidade como a que tem vista”.
No mesmo sentido, a criança devia habituar-se a comer
sozinha com os respetivos talheres, primeiro o garfo e
depois a faca, e acrescenta que “este ensino deve ser
bastante minucioso, visto a creança não poder imitar os
gestos das outras pessoas”. Na perspetiva do seu corpo,
também deveria ser habituado a posições saudáveis, não
devendo, por exemplo, “costumar-se a esfregar os olhos,
a balouçar a cabeça, a estar curvadas”. Afirma Branco
Rodrigues a importância de a criança cega brincar,
devendo as crianças ser ensinadas a jogar através da
estimulação do uso do tato e do ouvido, acrescentando
que “os jogos das escondidas e da cabra-cega são muito
bons, se o cego tiver duas ou três pessoas para jogar com
elle”. Também devem ser estimulados os passeios ao ar
livre de forma a evitar uma vida sedentária. No que diz
respeito, especificamente, à educação destas crianças,
refere que:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 85
creança cega como sendo destinada a viver entre
pessoas com vista e como devendo, pelos seus hábitos,
pelo seu trabalho, differir d’ellas o menos possível.
Deve-se falar muitas vezes à creança cega, porque,
como ella não pode ler na physionomia de seus paes
a ternura de que é objecto, tem necessidade de ouvir
a sua voz mais amiudadamente do que qualquer outra
creança. [...]. Podemos dar à creança cega a instrução
moral e religiosa, na mesma idade que as ministramos
às que têm vista. [...] É mais importante do que para
as que têm vista estarem sempre occupadas, quer
seja com brinquedos, quer seja com o trabalho. [...].
Exercitaremos muito a memória da creança cega
[...]. Como os cegos não podem fazer idea das coisas
materiaes senão pelo tacto, devemos fazer com que
elles apalpem em todas as direções os objectos que
quizermos tornar conhecidos [...]. Quando a creança
cega tenha attingido a idade em que as crianças com
vista começam a frequentar a escola, ensinala-emos
então a ler e a escrever (Branco Rodrigues,
1897, p. 155)
a produção
do conhecimento
no campo da
86 educação especial
esse desígnio. A valorização do tato é considerada
fundamental no processo de aprendizagem deste grupo.
Atualmente, encontramos ainda na herdeira da instituição
asilar, associado, por exemplo, ao ensino da geografia,
quadros parietais construídos propositadamente para que
as crianças cegas tivessem a oportunidade de conhecer a
pátria onde nasceram. Verificamos também a existência
de uma importante coleção de ornitologia que serviu
para desenvolver as capacidades das crianças cegas
através do tato.
Figura 7 – à esquerda quadro parietal em relevo para o ensino da geografia; à direita, elemento
que integra atualmente a coleção de ornitologia da Fundação de Nossa Senhora da Esperança,
herdeira do Asilo de Cegos de Castelo de vide (Portugal). Fonte: AFNSC.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 87
De qualquer forma, era primordial o ensino porque
era este que daria a autonomia ao internado, quer
através do domínio do saber, quer através da mera
aprendizagem social correcta, deixando de ser um
excluído e intelectualmente desconsiderado. O ensino
profissional, esse, era um investimento muito directo
na autonomia e rendimentos próprios dos alunos e
sua demonstração e rentabilização social imediata
(Amado, 2008, p. 109).
A circulação do conhecimento:
Bibliotecas de Cegos –
o periódico e as
breves incursões exploratórias
a produção
do conhecimento
no campo da
88 educação especial
passou pela criação de bibliotecas específicas para o
ensino dos cegos.
Relativamente ao primeiro aspecto podemos referir
que o Jornal dos Cegos: Revista de educação e ensino
intellectual e profissional dos cegos foi fundado por
José Cândido Branco Rodrigues em 1895, e constituiu
um importante instrumento de valorização da “causa
dos cegos” em Portugal. Afirma o tiflólogo que, com
este periódico, poderia “informar os [...] leitores, do
movimento, hoje importante, de todas essas associações
e escolas. Tratarei de todas as questões relativas à
educação, ensino intelectual e profissional dos cegos”
(Jornal dos Cegos, nº 1, 1895).
Podemos identificar duas importantes fases do
periódico: a fase do começo, que pode ser enquadrada
temporalmente entre 1895 e 1902, onde o Jornal dos
Cegos assumia uma periodicidade mensal. Como
afirmam Henriques & Almeida (no prelo):
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 89
tendo a partir do nº 51 a redação sob a responsabilidade
da Livraria J. A. Pacheco, Rocio-Lisboa. Em Janeiro de
1902 a redação voltou à Livraria Catholica. A impressão
foi sempre feita na Typographia Casa Portugueza, 139,
São Roque, em Lisboa.
Figura 8 – A primeira página do primeiro número publicado em novembro de 1895. à direita uma
visão parcial da biblioteca dos cegos existente atualmente na Fundação de Nossa Senhora da
Esperança em Castelo de vide (Portugal).
a produção
do conhecimento
no campo da
90 educação especial
A segunda fase da vida deste periódico, sobretudo a
partir de 1903, foi marcada pela mudança da periodicidade
do jornal e pelo gradual afastamento de Branco Rodrigues
de Castelo de Vide. O Jornal dos Cegos passou a ser
publicado anualmente e Branco Rodrigues abraçou novos
projetos, tendo assumido a criação de novos institutos de
cegos em Portugal, nomeadamente em Lisboa e no Porto.
No geral, acompanhamos Castelo (2005) quando afirma
que este periódico teve a preocupação, entre outras, de
publicar “estudos vários de natureza científica [constituindo
uma] das preocupações deste jornal que analisa a cegueira
sob múltiplos aspectos (físico, psicológico, afetivo e
intelectual), divulgando em simultâneo, os respectivos
meios de combate tanto do ponto de vista clínico como
profiláctico” (cf. Castelo, 2005, ficha nº 327).
O segundo elemento fundamental para ampliar o
conhecimento dos cegos foi a criação de bibliotecas nas
diversas instituições onde Branco Rodrigues passou.
Desde logo, através do Jornal dos Cegos, dá-nos conta,
por duas vezes, de catálogos de livros das Bibliotecas de
Lisboa e do Porto. Apresenta em 1907 o “Catálogo das
Bibliotecas das Escolas de Cegos de Lisboa e do Porto”,
a que acrescenta no ano seguinte (1908) o catálogo de
“Obras Manuscritas e Impressas em Relevo”, retomando
a publicação deste “inventário” em 1915, com a
designação de “Catálogos da Biblioteca dos Cegos –
Livros em Relevo Pelo Sistema Braille”.
Nestas publicações identificamos centenas de
livros: clássicos da literatura portuguesa (Alexandre
Herculano, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 91
Júlio Dinis, Luís de Camões ou António Feliciano de
Castilho); livros de origem portuguesa dedicados à
infância (Adolfo Coelho ou António Xavier Pereira
Coutinho); obras de autores portugueses especializados
na problemática dos cegos (José Cândido Branco
Rodrigues), entre muitos outros. Verificou-se, também,
uma presença muito relevante de obras de origem
estrangeira: publicações francesas (obras publicadas
pela Associação Valentin Hauy; obras de La Fontaine,
Maurice de La Sizeranne, Adolphe Ribaux ou
Alexandre Dumas), publicações espanholas (Miguel de
Cervantes Saavedra, Fernán Caballero) ou publicações
italianas (Mascagni, Dante, Barbè, Adriani).
No entanto, o conjunto que nos parece mais
significativo, revelando a sua importância para a
educação dos cegos, corresponde ao conjunto de obras
dedicadas à música. A título de exemplo, verifica-se no
“Catálogo da Biblioteca Musical do Instituto de Cegos
de Lisboa” um conjunto de compositores clássicos de
grande importância cujas obras eram essencialmente
para serem acompanhadas com instrumentos musicais
(principalmente o piano). Destacam-se os nomes de
Chopin, Strauss, Beethoven, entre muitos outros.
De acordo com Alves (2012), a Biblioteca da Escola
do Estoril, em 1915, possuía mais de 1.500 exemplares.
Segundo a autora:
a produção
do conhecimento
no campo da
92 educação especial
sonatas, adágios, marchas, entre muitas outras,
destinadas ao Piano, num total geral de 277; para o
Canto, um total de 206 volumes e para Órgão estavam
inventariadas, marchas nupciais, fúnebres, ofertório,
canto pastoral e prece a Nossa Senhora, entre outras,
um total de 98 volumes (ALVES, 2012, p. 398).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 93
Pereira Coutinho3, considerada “a primeira typhlologa
portugueza, que tantos serviços tem prestado à causa dos
cegos, a maior propagandista do Systema Braille no nosso
paíz [...]” (Jornal dos Cegos, nº 36, p. 287, 1898).
O seu interesse pelas problemáticas dos cegos
prende-se, de acordo com o redator do Jornal dos Cegos
(vol. XXI, 1917), com o fato de ter ficado cega aos 15
anos de idade. Esta circunstância permitiu que dirigisse
a sua ação para a escrita de “inúmeros livros pelo
sistema Braille, copiando as obras escolhidas dos mais
célebres autores” (vol. XXI, p. 2, 1917). As primeiras
referências que encontramos relacionadas com a
constituição da Biblioteca de Castelo de Vide dizem
respeito ao conjunto de livros que a tiflóloga Maria da
Madre de Deus ofereceu, escritas em Braille “pelo seu
próprio punho”, para a Biblioteca dos Cegos de Castelo
de Vide. Foram essas obras escolhidas pela benemérita:
Compêndio de Doutrina Cristã, Método de Leitura e
Escrita de Branco Rodrigues (2 exemplares), Le génie
du Christianisme, de Chateaubriand (extratos), Orações
a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e a São José,
Relógio da Paixão, ou como se obtém o amor de Deus,
Pio Exercício da Agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Orações pelas almas do Purgatório, livro de contos,
Octilia, lenda flamenga, trechos de autores portugueses
em prosa e verso, última corrida de touros em Salvaterra
de Rebello da Silva, O poder do arrependimento, A festa
a produção
do conhecimento
no campo da
94 educação especial
e a caridade, de Thomaz Ribeiro, Leituras populares
(extratos) e Poesias, de João de Lemos. Percebe-se o
sentido moralista, de inspiração cristã, que estas obras
incorporam e que podiam ser transmitido aos cegos.
Além das obras referidas verificamos que ainda hoje
existem, no espaço onde estão os livros, títulos que
foram transcritos para o Braille por Maria da Madre de
Deus Pereira Coutinho, de que são exemplo os livros
Meditações sobre o Evangelho, de autoria de Bossuet
(transcrito em 18 de outubro de 1898), Os Lusíadas
– Canto Primeiro, de Luís de Camões (transcrito em
1899), ou mesmo um artigo intitulado “Ensino dos
Cegos em Castello de Vide” de autoria de Branco
Rodrigues.
Nesta biblioteca podemos encontrar um conjunto
muito diversificado de exemplares com origem
estrangeira (Alemanha, Itália, França, Espanha). Aliás,
os livros mais antigos incorporados na biblioteca do
Asilo são de origem francesa e datam das décadas
de 60 e 80 do século XIX. Identificamos a obra
de J. Guadet intitulada Tableau Chronologique de
L’Histoire Ancienne depuis les premiers temps jusqu’à
la destruction de l’empire, escrito por “M. Le Ministre
de l’instruction publique que pour l’enseignement
des lycées”, e o Livre de lecture et d’instruction pour
l’adolescent – Devoir et travail (1885), de autoria de G.
Bruno, transcrito por L. Braille no âmbito do Instituto
Nacional dos Jovens Cegos de Paris. Estes livros
apresentam uma especificidade que tem a ver com a
importância da “universalização” do sistema Braille
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 95
naquela época. Ambos começam com uma folha onde
se estabelece a relação entre o alfabeto “normal” e a
sua transcrição.
Figura 10 – à esquerda encontramos um exemplar de um dos livros do século XIX onde podemos
verificar a existência de uma primeira folha explicativa do sistema Braille; do lado direito, temos
um conjunto de volumes escritos em braille que constituíam a obra A cabana do Pai Tomás, de
autoria de Harriet Beecher Towe. Fonte: AFNSE.
a produção
do conhecimento
no campo da
96 educação especial
com a Fundação para o Livro do Cego no Brasil”,
encontrando-se neste momento na Fundação de Nossa
Senhora da Esperança, herdeira do antigo Asilo e da
respetiva biblioteca.
Figura 11 – Exemplo de duas obras existentes na biblioteca do Asilo de Cegos de Castelo de vide de
origem brasileira. Do lado esquerdo obra de Francisco de Ramos Júnior; do lado direito, obra de
Afrânio Peixoto. Fonte: AFNSE.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 97
Santos, publicado originalmente no periódico O Estado
de S. Paulo, intitulado “Diário de um Flagelado das
Sêcas”)4. Verifica-se também a existência de coletâneas
de poesias, obras relacionadas com contos policiais
ou edições generalistas associadas especificamente ao
conto brasileiro5.
Este é um primeiro esboço relacionado com a
biblioteca que chegou até nós e com o lugar que ocupou
na formação daqueles que passaram no Asilo de Cegos
de Castelo de Vide. A existência desta biblioteca, e a
aposta na sua constituição logo desde o final do século
XIX, revela um projeto maior que foi assumido para
auxiliar, por um lado, e permitir a emancipação, por
outro, o público que servia à instituição. Outros olhares
podem, e devem, ser construídos.
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
98 educação especial
entender, representar e projetar a sociedade ocidental
e, em particular, o lugar da infância nessa sociedade.
Potenciou-se a emergência de “diversas infâncias” e de
políticas e contextos técnico institucionais adequados à
tipologia e à singularidade de cada criança considerada
diferente. Como afirma Padilla Arroyo (2016), há hoje
um “interés creciente por este sector de la infancia”
(padilla arroyo, 2016, p. 23), que permite discutir
a relação entre o Estado, os movimentos filantrópicos e
sociais, os sujeitos e as instituições com o propósito de
normalizar aquele que é “diferente”.
A emergência da visibilidade dos problemas da
infância que não possui, por exemplo, uma determinada
capacidade sensorial, como é o caso dos cegos, constituiu
uma oportunidade para se discutir os mecanismos
normalizadores sobre estes sujeitos, mas também para
pensar os contextos em que foram colocados e os meios
utilizados para se tornarem seres úteis e produtivos.
Ao longo do texto identificamos duas dimensões
articuladas entre si e objetivadas na instituição em análise.
A primeira dimensão diz respeito a uma fase inicial do
Asilo de Cegos de Castelo de Vide, onde se assumiu a
preocupação central de recolher cegos da região de modo
a retirá-los da miséria, da mendicidade e de se tornarem
potenciais ameaças à ordem pública instituída. Esta
primeira fase foi caraterizada, essencialmente, por uma
visão assistencialista em face do público em questão.
A segunda dimensão é caraterizada pela emergência
da educação no contexto institucional de Castelo de
Vide. Mais do que recolher as crianças e os jovens cegos,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 99
a criação da Escola Profissional Branco Rodrigues
tornou possível oferecer as condições necessárias para
se adequarem a uma sociedade em transformação.
Esse processo de normalização foi conduzido por
vários protagonistas, onde se destaca a ação de José
Cândido Branco Rodrigues, de Severino Diniz Porto
ou António Repenicado, que potenciaram o ensino
dos cegos em Portugal e trouxeram um conjunto de
influências estrangeiras através de viagens realizadas
pelo próprio Branco Rodrigues, da criação de um jornal
próprio dedicado à causa dos cegos ou da constituição
de bibliotecas nos asilos fomentando a circulação do
conhecimento cultural e pedagógico sobre os cegos e
as formas de normalizar este grupo, tornando-o mais
apto a viver em sociedade no decorrer do arco temporal
analisado. Na Escola Profissional Branco Rodrigues,
além da formação de cariz intelectual ou literária, apostou-
se na formação musical e na aprendizagem de ofícios
manuais capazes de potenciar a “felicidade” dos cegos e
de desenvolver a sua autonomia pessoal e social, assim
como abrir a possibilidade de constituir uma família.
A pedra angular deste texto é exatamente a
possibilidade de inclusão dessas pessoas, aparentemente
condenadas a uma vida “infeliz”, através da educação,
e, em concreto, de uma educação manual/profissional/
oficinal, alcançarem uma vida normalizada, útil e
produtiva no interior de uma sociedade que procurava
vigiar e controlar, por qualquer circunstância,
todos aqueles que eram considerados diferentes e
potencialmente perigosos.
a produção
do conhecimento
no campo da
100 educação especial
Referências6
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 101
Cura Gonzalez, M. Medicina y Pedagogía ‒ La Construccion
de la Categoria “Infância Anormal” en España (1900-1939).
Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 2012.
a produção
do conhecimento
no campo da
102 educação especial
Ó, J. R. & Carvalho, L. M. Emergência e Circulação do
Conhecimento Psicopedagógico moderno (1880-1960). Estudos
Comparados Portugal-Brasil. Lisboa: Educa/Unidade de I&D de
Ciências da Educação, 2009.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 103
PARTE DOIS
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 105
de zona de desenvolvimento proximal e exploração da
capacidade de abstração dos alunos com deficiência
intelectual, o texto apresenta considerações sobre a
irreversibilidade das limitações dos alunos com deficiência
intelectual contidas nas expectativas de aprendizagem.
a produção
do conhecimento
no campo da
106 educação especial
indicava que 82% dos alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento ou altas habilidades/
superdotação estão incluídos nas classes comuns.
Em 2001, o Conselho Nacional de Educação – CNE,
atendendo aos dispositivos legais que regulam a sua ação,
publicou a Resolução CNE/CEB n° 2, de 11 de setembro de
2001, instituindo as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica, normatizando a educação
dos alunos que apresentem “necessidades educacionais
especiais”, determinando, em seu artigo 2°, que:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 107
Apesar da resolução, como não poderia deixar de ser,
por constitucional, abrir a possibilidade de atendimento
em salas e classes especiais, determina em seu artigo
7°, também, que o “atendimento aos alunos com
necessidades educacionais especiais deve ser realizado
em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa
ou modalidade da Educação Básica” (BRASIL, 2001).
A partir da publicação da Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (BRASIL, 2008), foram elaborados o Decreto
nº 6.571/08 e a Resolução nº 4/2009, que instituem as
diretrizes operacionais para o atendimento educacional
especializado na educação básica, operacionalizando a
nova política educacional.
Por meio das Diretrizes do Atendimento Educacional
Especializado na Educação Básica, modalidade de
Educação Especial (BRASIL, 2009), as questões
da inclusão escolar dos alunos com deficiência têm
recebido atenção especial por parte dos municípios no
que se refere à identificação, elaboração e organização
de recursos pedagógicos e de acessibilidade para a
participação ativa dos alunos nas atividades escolares.
A Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL. MEC.
SEESP, 2008) redundou em um conjunto de ações, com
destaque para o Programa de Implantação de Salas de
Recursos Multifuncionais, o Programa Educação Inclusiva:
direito a diversidade e o Programa Incluir que, segundo o
ministério, têm por objetivo a expansão dos fundamentos
inclusivos na política de Educação Especial no Brasil.
a produção
do conhecimento
no campo da
108 educação especial
Garcia e Michels (2011), entre outros autores,
encaram o Programa de Implantação de Sala de
Recursos Multifuncionais como um dos programas
mais importantes da atual política de educação especial,
definido como o lócus por excelência do Atendimento
Educacional Especializado (AEE).
Embora a ênfase da ação da sala de recursos
multifuncionais recaia, fundamentalmente, sobre o
atendimento de alunos por professor especializado, a
abrangência do Atendimento Educacional Especializado
é, segundo as normas vigentes, muito mais ampla, tal
como determinam os incisos do artigo 13 da Resolução
CNE/ CEB nº 04/2009:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 109
de recursos de acessibilidade;
VI – orientar professores e famílias sobre os recursos
pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo
aluno;
VII – ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma
a ampliar habilidades funcionais dos alunos,
promovendo autonomia e participação;
VIII – estabelecer articulação com os professores da
sala de aula comum, visando à disponibilização
dos serviços, dos recursos pedagógicos e de
acessibilidade e das estratégias que promovem a
participação dos alunos nas atividades escolares
(BRASIL, 2009, art. 13).
a produção
do conhecimento
no campo da
110 educação especial
Os professores ao participarem de um evento assumiam
a responsabilidade de socializar os conteúdos recebidos
com os seus pares no município e, algumas vezes, até
mesmo na região. O que deve ser questionado, tendo em
vista que, os professores, ao retornarem de tais eventos,
enfrentavam dificuldades para realizar o repasse, dada
a necessidade de retomar suas atividades cotidianas
próprias de suas funções nas escolas (LOPES, 2010, p. 87).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 111
A formação continuada de professores na área da
educação especial é um tema que merece debate crítico
diante das necessidades presentes no cotidiano escolar,
principalmente quanto ao acesso dos alunos com
deficiência intelectual ao currículo escolar.
Moscardini (2011), em sua investigação sobre o
processo de inclusão escolar dos alunos com deficiência
intelectual, observou as atividades realizadas pelos alunos
que frequentavam o ensino fundamental e o Atendimento
Educacional Especializado (AEE), destacando o
distanciamento existente entre o ensino fundamental e o
AEE, o que impossibilitava a estruturação de propostas
comuns de trabalho que pudessem contribuir para o
desenvolvimento cognitivo do aluno com deficiência.
De acordo com a pesquisa realizada, o autor comenta:
a produção
do conhecimento
no campo da
112 educação especial
Da mesma forma, Effgen (2011) analisa as
possibilidades de articulação entre o currículo
escolar e a escolarização de alunos com deficiência e
transtornos globais do desenvolvimento em processos
de inclusão escolar, nos anos iniciais do ensino
fundamental, verificando a necessidade de formação
continuada como uma ação para a implementação
de práticas pedagógicas inclusivas e reflexões
sobre a articulação do Atendimento Educacional
Especializado com a sala de aula de ensino comum.
Como se pode notar, esses estudos procuram
evidenciar o intercâmbio entre o professor da sala de
AEE e o professor regente de classe, especialmente
no que se refere à adoção de adaptações curriculares
compatíveis com as características dos alunos com
necessidades educacionais especiais.
Quanto ao Atendimento Educacional Especializado,
Bueno (2012) afirma que
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 113
Curriculares/Estratégias para a Educação de Alunos com
Necessidades Educacionais Especiais (BRASIL, 1997)
resguarde o caráter de flexibilidade e dinamicidade
que o currículo escolar deve ter, para atender todos, o
documento das Adaptações Curriculares não atinge o
nível operacional da sala de aula comum.
Considerando as políticas de inclusão escolar e as
alternativas construídas pelos municípios, visando qualificar
as práticas pedagógicas dos professores em sala de aula,
com o público de alunos com deficiência intelectual, a
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, por meio
da equipe de educação especial, elaborou o Referencial
sobre Avaliação de Aprendizagem na área da Deficiência
Intelectual (RAADI) (SÃO PAULO, 2008a) com o
objetivo de oferecer ao professor subsídios e indicativos,
com base nas Orientações Curriculares e Expectativas
de Aprendizagem do Ensino Fundamental – Ciclo I, para
que busque alternativas de avaliação da aprendizagem
a partir da base curricular do ensino fundamental.
Nessa perspectiva, o ensino escolar é concebido como
a produção
do conhecimento
no campo da
114 educação especial
inserção cultural, significando suas atitudes, sua fala,
seu desenho, suas produções e sua aprendizagem (SÃO
PAULO, 2008a), cabendo à escola e aos professores
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 115
discussão curricular está fundada em uma palavra
principal: inclusão. A inclusão em termos pedagógicos
é fundamental para a inclusão de educandos com
deficiência e a antecede. A inclusão aqui compreendida
se organiza em torno de três questões: consideração
de tempos, ritmos e características dos educandos.
Sem considerar essas questões para TODOS, não há
inclusão possível de educandos com deficiência. Não
é possível estabelecer mediação sem saber com quem
se está falando – e esse é o grande desafio da educação
contemporânea. Para tanto, é necessário estabelecer
na Unidade Educacional um ambiente de investigação
cognitiva, que se debruce sobre a seguinte questão:
Como o educando – criança, jovem ou adulto – pensa,
representa, se comunica, faz relações e abstrai? (SÃO
PAULO, 2014, p. 11).
a produção
do conhecimento
no campo da
116 educação especial
alvo da educação especial, reconhecendo a escola
como detentora de um saber acumulado sobre o tema,
ressaltando que
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 117
Portanto, a escola possui um papel importante para o
desenvolvimento dos alunos com deficiência intelectual,
inseridos, hoje, dentro de uma política nacional de
inclusão escolar.
Considerando, portanto, que as orientações
estabelecidas pela RME-SP procuram operacionalizar as
estratégias de ensino voltadas para alunos com deficiência
intelectual inseridos em classes do ensino regular e de que a
responsabilidade pelo apoio ao professor regente de classe
cabe ao professor da sala de recursos multifuncionais,
subsidiadas pelas orientações contidas no RAADI.
Baseados na perspectiva histórico-cultural, indagamos
se o Referencial sobre Avaliação da Aprendizagem na
área da Deficiência Intelectual (SÃO PAULO, 2008a)
oferece subsídios efetivos para a prática docente a fim de
que se dê o desenvolvimento do pensamento abstrato dos
alunos com deficiência intelectual, inseridos em classes
do ensino regular. Assim, é premente compreender a
função da escola na perspectiva da teoria vygotskiana.
a produção
do conhecimento
no campo da
118 educação especial
De acordo com a AAIDD (2006), a incapacidade
relaciona-se a uma limitação pessoal, que representa
desvantagem substancial em relação ao funcionamento
em sociedade. De acordo com Milanez (2008), a
incapacidade deve ser considerada dentro de um
contexto ambiental, de fatores pessoais e da necessidade
de suportes individualizados. Conforme a autora:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 119
uma natureza social específica e um processo através do
qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles
que as cercam. Para o autor, portanto, o uso de testes
a produção
do conhecimento
no campo da
120 educação especial
O autor considera que a escola não deveria medir
esforços para levar as crianças com deficiência intelectual
à elaboração de pensamentos abstratos, desenvolvendo
nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio
desenvolvimento, e, desse modo, “o concreto passa agora
a ser visto somente como um ponto de apoio necessário
e inevitável para o desenvolvimento do pensamento
abstrato – como um meio, e não como um fim em si
mesmo” (VYGOTSKY, 2007, p. 102).
Assim, Vygotsky (2007) discorre sobre o “bom
aprendizado” que não deve estar baseado nos níveis de
desenvolvimento que já foram atingidos, mas naqueles
que se adiantam ao desenvolvimento, por meio da zona
de desenvolvimento proximal. Neste aspecto, o autor
indica que “o aprendizado desperta vários processos
internos de desenvolvimento, que são capazes de
operar somente quando a criança interage com pessoas
em seu ambiente e quando em cooperação com seus
companheiros” (VYGOTSKY, 2007, p. 103).
O autor aponta que o aprendizado não é
desenvolvimento, entretanto,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 121
O autor enfatiza que o desenvolvimento nas
crianças nunca acompanha o aprendizado escolar
da mesma maneira, existindo, portanto, relações
dinâmicas altamente complexas entre os processos de
desenvolvimento, que devem estar baseadas no conceito
de zona de desenvolvimento proximal, sendo esta
conceituada como
a produção
do conhecimento
no campo da
122 educação especial
faculdades de concentrar a atenção sobre diferentes
matérias” (VYGOTSKY, 2005, p. 31).
O autor adverte que, apesar das crianças com
deficiência intelectual apresentarem pouca capacidade
de pensamento abstrato, os docentes não devem limitar
o seu ensino aos meios visuais. Um sistema de ensino
baseado apenas em meios visuais não auxilia a criança
a superar uma capacidade natural, mas consolida tal
incapacidade:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 123
dinámica de sus síntomas singulares, de los complejos
con los que se conforma el cuadro del retraso mental
del niño y la diferencia entre los tipos de niños
mentalmente retrasados (VYGOTSKY, 1997, p. 144).
a produção
do conhecimento
no campo da
124 educação especial
possibilitar a aquisição dos conhecimentos científicos e
revelar as peculiaridades do pensamento infantil.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 125
qual estão agrupados os documentos que apresentam
alguns critérios comuns, ou que possuem analogias no
seu conteúdo” (BARDIN, 2011, p. 52).
Fontes de pesquisa
a produção
do conhecimento
no campo da
126 educação especial
intelectual, inicialmente o estudo analisou o Programa
de Orientações Curriculares. Os documentos municipais
não estavam sincronizados com a perspectiva nacional,
que apresenta como conteúdo do currículo uma base
nacional comum e uma parte diversificada que devem
considerar “a realidade local, as necessidades dos alunos,
as características regionais da sociedade, da cultura e da
economia”, conforme o artigo 12 da Resolução CNE/
CEB (BRASIL, 2010):
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 127
as Diretorias de Orientação Técnica Regionais – atual
Divisão Pedagógica –, os Coordenadores Pedagógicos
das Unidades Escolares foram convocados no horário
de trabalho para participar de reuniões de formação.
Estes Coordenadores Pedagógicos eram formados com
o propósito de preparar e orientar os professores nas
escolas para a efetiva implementação do Programa.
O Programa de Orientação Curricular do Ensino
Fundamental da Secretaria Municipal de Educação,
por meio das 13 Diretorias Regionais de Educação,
envolvendo representantes da rede de ensino que,
por sua vez, eram assessorados por especialistas nas
diferentes áreas/níveis de ensino, resultou na produção
das Orientações Curriculares – Proposição de
Expectativas de Aprendizagem do Ensino Fundamental
I (SÃO PAULO, 2007), com o objetivo de garantir a
aprendizagem de todos os alunos em todas as áreas do
conhecimento, e apresentou, de forma descritiva, como o
professor deveria trabalhar para alcançar as expectativas
de aprendizagem destinadas aos alunos com deficiência
intelectual, planejadas para cada ano escolar.
Ao citar a questão da avaliação nas diferentes áreas
do conhecimento, o documento apresenta a proposta de
uma avaliação formativa que
a produção
do conhecimento
no campo da
128 educação especial
descobrir e propor soluções. Avaliar para compreender
os processos pedagógicos implicados no ensino (SÃO
PAULO, 2007, p. 135).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 129
estavam sendo desenvolvidas no Programa de Orientação
Curricular.
A implementação do RAADI, para a avaliação de
todos os alunos com deficiência intelectual inseridos nas
salas de aula comum, concretizou-se após a publicação
do Decreto Municipal nº 51.778/2010.
O documento apresenta indicadores e referenciais
de adaptação curricular, com o objetivo de atender às
necessidades do processo de avaliação da aprendizagem
de alunos com deficiência intelectual inseridos na sala
de aula comum.
O RAADI (SÃO PAULO, 2008a) está organizado
da seguinte forma: Introdução; Parte I: Conceito de
Deficiência Intelectual: novas perspectivas; Parte II:
As implicações da Teoria Histórico-Cultural na área
da Deficiência Intelectual; Parte III: A escolarização e
Avaliação na área da Deficiência Intelectual; Parte IV:
Terminalidade Específica: algumas considerações; Parte
V: Referencial sobre Avaliação de Aprendizagem na área
da Deficiência Intelectual e Bibliografia.
Os indicadores avaliativos presentes no Referencial da
Aprendizagem são compostos por três áreas: a Instituição
Escolar: Análise da Necessidade de Adequações
Específicas ‒ esta parte consta da análise das seguintes
dimensões: a instituição escolar e a análise do contexto
de aprendizagem; as Áreas do desenvolvimento do aluno
com deficiência intelectual: aspectos da percepção,
motricidade, desenvolvimento verbal, memória e
desenvolvimento socioafetivo; e as Áreas curriculares do
1º ao 5º ano: a partir das expectativas de aprendizagem
a produção
do conhecimento
no campo da
130 educação especial
geral, e conta com os componentes curriculares de
Língua Portuguesa, Matemática, Natureza e Sociedade,
Artes e Educação Física.
Na área Avaliação da Instituição escolar é realizada
uma pesquisa sobre o aluno e suas necessidades dentro
da unidade escolar. Ela se subdividide em três partes: I –
Conhecimento prévio sobre o aluno; II – Definição das
necessidades específicas do aluno; e III – Definição do
cronograma de ações. Já no item Avaliação do Contexto
de aprendizagem, são analisados também três aspectos:
I – Sala de aula; II – Recursos de ensino e aprendizagem;
e III – Estratégias metodológicas.
Para realizar a análise da aquisição do conteúdo
escolar dos alunos com deficiência intelectual, a
área Áreas Curriculares, que abarca os componentes
curriculares de Língua Portuguesa, Matemática, Natureza
e Sociedade, o professor deve utilizar uma legenda
diante das expectativas presentes na avaliação: RS –
realiza satisfatoriamente; RP – realiza parcialmente; CA
– realiza com ajuda; NAG – conteúdo não apresentado
ao grupo; NAA – conteúdo não apresentado ao aluno;
NR – não realiza.
Como o foco central deste estudo foi o de analisar as
orientações contidas no Referencial sobre Avaliação da
Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual – Ensino
Fundamental I (SÃO PAULO, SME, 2008a), cotejando-
as com aquelas contidas nas Orientações Curriculares –
Proposição de Expectativas de Aprendizagem – Ensino
Fundamental I, esta pesquisa analisou 1.096 expectativas
de aprendizagem, em que se efetuou o cruzamento entre
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 131
os anos escolares e a quantidade de excertos de cada
área dos dois documentos. Para a apresentação neste
artigo, foi realizada a seleção de dois excertos, pela
restrição do espaço, sobre os quais se realizou a análise
das concepções presentes no RAADI, baseada nas
contribuições de Vygotsky.
O documento considera a multidimensionalidade, em
seus diferentes contextos, para possibilitar a inserção
de alunos com deficiência intelectual no currículo
escolar, considerando e prevendo os níveis de apoio
pedagógico que se farão necessários durante o processo
de aprendizagem.
Com o objetivo de ampliar o universo de análise
conceitual da deficiência intelectual, levando-se em
conta a prática social e os níveis de apoio necessários para
garantir o desenvolvimento do aluno com deficiência, a
Parte II do documento baseia-se teoricamente na Teoria
Histórico-Cultural de Vygotsky.
Apresentando as contribuições de Vygotsky quanto
ao conceito de zona de desenvolvimento real e proximal,
enfatiza a importância da mediação do outro para o
desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual,
responsabilizando a escola por criar estratégias
pedagógicas para o desenvolvimento do aluno a fim de
que este supere seus limites.
Considerando o sujeito histórico, inserido
culturalmente no mundo, o documento apresenta a
importância de dar significado às atividades dos alunos
com deficiência intelectual, assim como a sua fala, seu
desenho, suas produções e sua aprendizagem.
a produção
do conhecimento
no campo da
132 educação especial
O RAADI avalia tanto o potencial de aprendizagem dos
alunos com deficiência intelectual quanto sua evolução no
decorrer do ano escolar. Pela restrição do espaço, e porque são
representativos dos demais para compreender as expectativas
de aprendizagem que a Secretaria Municipal de Educação
tem do aluno com deficiência intelectual, na seção Discussão
e Resultados será apresentada a análise do cotejamento
realizado quanto à produção escrita das expectativas
presentes nas Orientações Curriculares e no RAADI.
Discussão e Resultados
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 133
Quadro 1 – Cotejamento dos excertos das Orientações Curriculares e do Referencial sobre Avaliação da
Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual (RAADI) quanto a produção oral
a produção
do conhecimento
no campo da
134 educação especial
se das características do texto-fonte que pode advir de
um conto tradicional, acumulativo, da literatura infantil,
entre outros.
As expectativas de aprendizagem do RAADI também
se referem ao reconto de textos de diferentes gêneros,
com o apoio do professor, colega ou figuras, percebendo
as características do texto-fonte. O documento apresenta
a necessidade da presença do professor para que o aluno
com deficiência intelectual alcance esta expectativa de
aprendizagem escolar.
O RAADI apresenta expectativas de trabalho
coletivo, com o apoio do professor para recontar as
histórias. Assim como diz Vygotsky (1997), a maior
ou menor possibilidade de ter a criança, para passar
do que pode fazer por si mesmo e o que é capaz de
fazer em colaboração, constitui o sintoma indicador
para caracterizar a dinâmica do desenvolvimento e do
êxito em sua atividade mental, coincidindo plenamente
com a zona de desenvolvimento proximal. Do ponto
de vista do ensino, o apoio deve ser oferecido para
não ser mais necessário, ou seja, o aluno deve superar
a necessidade deste apoio e, desse modo, realizar as
atividades propostas.
As crianças com deficiência intelectual apresentam
limitações para a abstração, contudo elas necessitam
de mecanismos de formação de conceitos abstratos
para se adaptarem. Vygotsky (1997) alerta que as
limitações alcançam um maior grau quando seu
mecanismo de formação de conceitos está dominado
por um pensamento concreto, em situações concretas.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 135
Para a formação de conceitos complexos é necessário
o apoio para que isso seja desenvolvido. Neste aspecto,
o RAADI apresenta em suas expectativas para os
alunos com deficiência intelectual a ajuda e o auxílio
do professor ou dos alunos e expõe a necessidade de
momentos de trabalho em grupo como no terceiro ano,
por exemplo.
Vygotsky ressalta que um trabalho criativo e inspirador
pode ocorrer através de uma composição coletiva. Ao
apresentar o trabalho realizado por Tolstói, Vygotsky
(2009) relata que as crianças compunham, criavam as
figuras dos personagens, descreviam a aparência deles,
uma série de detalhes. A criança, conforme o autor,
brincava quando compunha.
A produção do texto coletivo é uma das etapas para a
construção de um texto de forma independente, contudo
não há a expectativa de que os alunos com deficiência
intelectual apresentem sozinhos alguma produção. Eles
sempre terão o apoio para que isto seja possível.
Quadro 2 – Cotejamento dos excertos das Orientações Curriculares e do Referencial sobre Avaliação da
Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual (RAADI) quanto a produção escrita
2º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de P24* – Registrar o texto aproduzido
produção
modelo, levando em conta o gênero e o seu do conhecimento
(receita, bilhete, lista) a partir da
contexto de produção, ditando-o ao produção coletiva e com base noda
no campo
136 educação especial
professor ou escrevendo de acordo com texto produzido, mesmo que não
sua hipótese de escrita. fielmente.
Expectativas conforme os gêneros
indicados para o 2º Ano
P17 – Produzir novo verbete a partir de
modelo, levando em conta o gênero e o seu
P 25 – Produzir novo conto de repetição a
partir de declaque de modelo, levando em
conta o gênero e o seu contexto de
produção, ditando-o ao professor ou
escrevendo de acordo com a hipótese de
escrita (Esfera literária (prosa) – conto
tradicional, conto acumulativo, literatura
infantil).
P34 – Produzir nova parlenda a partir de
modelo, levando em conta o gênero e o seu
contexto de produção, ditando-o ao
professor ou escrevendo de acordo com a
hipótese de escrita (Esfera literária (verso)
– cantiga, trava-língua, adivinha, trova).
2º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de P24* – Registrar o texto produzido
modelo, levando em conta o gênero e o seu (receita, bilhete, lista) a partir da
contexto de produção, ditando-o ao produção coletiva e com base no
professor ou escrevendo de acordo com texto produzido, mesmo que não
sua hipótese de escrita. fielmente.
Expectativas conforme os gêneros
indicados para o 2º Ano
P17 – Produzir novo verbete a partir de
modelo, levando em conta o gênero e o seu
contexto de produção, ditando-o ao
professor ou escrevendo de acordo com a
hipótese de escrita.
P46 – Produzir nova cantiga a partir de
modelo, levando em conta o gênero e o seu
contexto de produção, de acordo com sua
hipótese de escrita.
3º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de P24* – Registrar o texto produzido
modelo, levando em conta o gênero e o seu (receita, bilhete, lista) a partir da
contexto de produção, ditando-o ao produção coletiva e com base no
professor ou escrevendo de acordo com texto produzido, mesmo que não
sua hipótese de escrita. fielmente.
Expectativas conforme os gêneros
indicados para o 3º Ano
P52 – Produzir novo poema a partir de
modelo levando em conta o gênero e o seu
contexto de produção.
4º Ano P24 – Produzir novo texto a partir de P24* – Registrar o texto produzido
modelo, levando em conta o gênero e o seu (receita, bilhete, lista) a partir de
contexto de produção, ditando-o ao modelo oferecido pelo professor.
professor ou escrevendo de acordo com
sua hipótese de escrita.
Expectativas conforme os gêneros
indicados para o 4º Ano
P43 – Produzir fábulas a partir de
provérbios, levando em conta o gênero e o
seu contexto de produção.
P57 – Em duplas ou coletivamente,
produzir em versos fábulas ou contos
conhecidos, levando em conta o gênero e o
seu contexto de produção.
5º Ano P23 – Produzir texto levando em conta o P23* – Produzir texto simples, com
gênero e o seu contexto de produção. apoio, levando em conta o gênero
Expectativas conforme os gêneros (receita, lista, bilhete) com base em
indicados para o 5º Ano sua hipótese de escrita.
P7 – Produzir roteiro levando em conta o
gênero e o seu contexto de produção.
P42 – Produzir notícia de fato relevante,
levando em conta o gênero e o seu
contexto de produção.
P71 – Produzir poema, levando em conta o
gênero e o seu contexto de produção.
Fonte: Elaboração da autora.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 137
Neste excerto de produção escrita verifica-se a
necessidade de um planejamento para os alunos com
deficiência intelectual inseridos na sala de aula comum
completamente diferente daqueles alunos ditos normais.
Os alunos com deficiência intelectual continuarão com
as atividades de receita, lista e bilhete durante todo o
Ensino Fundamental.
A produção escrita é bem mais abstrata. Conforme
Vygotsky, “a escrita representa grandes dificuldades
por possuir leis próprias, que se diferenciam
parcialmente das leis da oralidade e ainda são pouco
acessíveis para a criança” (Vygotsky, 2009,
p. 64). O autor complementa que “ao aprender a
escrever, a criança precisa se desligar do aspecto
sensorial da fala e substituir palavras por imagens
de palavras” (VYGOTSKY, 2008, p. 123).
Os alunos com deficiência intelectual apresentam
limitações para a abstração, contudo ela necessita
de mecanismos de formação de conceitos abstratos
para a sua adaptação. Vygotsky (1995) alerta que
as limitações alcançam um maior grau quando seu
mecanismo de formação de conceitos está dominado
por um pensamento concreto, em situações concretas.
Para a formação de conceitos complexos é necessário
o apoio para que isso seja desenvolvido. Neste aspecto
o RAADI apresenta em suas expectativas para os
alunos com deficiência intelectual a ajuda e o auxílio
do professor ou dos alunos e expõe a necessidade de
momentos de trabalho em grupo como no terceiro ano,
por exemplo.
a produção
do conhecimento
no campo da
138 educação especial
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 139
os impedem de incorporar conteúdos cada vez mais
complexos. Fica a cargo do professor o caminho para
desenvolver processos de mediação que, ao longo do
tempo, levem à aquisição de forma autônoma, o que
dispensaria o apoio.
Então, mais do que um problema de ordem cognitiva
dos alunos, parece que a baixa aprendizagem reside nos
processos pedagógicos utilizados nesta área. Portanto,
se a formulação de expectativa de aprendizagem de
determinado conteúdo escolar indica que ela só se
concretizará com apoio do professor ou de colegas
não deficientes, e não se faz qualquer menção à
possibilidade de responder sem esse apoio, isto contraria
a base teórica que sustenta o RAADI, quanto à zona de
desenvolvimento proximal em que “o que a criança é
capaz de fazer hoje em cooperação, será capaz de fazer
sozinha amanhã” (VYGOTSKY, 2009, p. 129).
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
140 educação especial
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado. 1988.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 141
GARCIA, R. & MICHELS, M. H. A política de educação
especial no brasil (1991-2011): uma análise da produção do
gt15 – educação especial da ANPEd.. Revista Brasileira de
Educação Especial, Marília, v. 17, p. 105-124, maio-ago. 2011.
a produção
do conhecimento
no campo da
142 educação especial
SÃO PAULO (Município). Prefeitura do Município de São
Paulo. Secretaria Municipal de Educação. Referencial
sobre Avaliação de Aprendizagem na área da
Deficiência Intelectual – Ensino Fundamental I. 2008a.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 143
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento
dos processos psicológicos superiores. 7ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
a produção
do conhecimento
no campo da
144 educação especial
Capítulo 4
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 145
possibilite a aprendizagem de todos os alunos, considera
fundamental a participação dos pais, a formação
dos professores e as organizações das pessoas com
deficiência, na pronta identificação de como aprender
melhor e quais estratégias de intervenção atendem às
necessidades educacionais nas escolas integradoras no
Brasil denominadas inclusivas.
Tanto a Declaração de Salamanca (1994) quanto a
LDBEN (BRASIL, 1996), embora não determinem que as
pessoas com deficiências tenham que, obrigatoriamente,
ser atendidas nas escolas regulares, definem que a
inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais no ensino regular seja a forma preferencial nas
escolas regulares.
No entanto, reconhecem que a inclusão escolar
demanda modificações intensas na política educacional.
Não se pode negar que um dos aspectos enfatizados é a
modificação da organização escolar refletida nas práticas
pedagógicas desenvolvidas no interior das escolas,
para que todos possam aprender, independentemente
de suas características. Os documentos indicam que as
necessidades educativas especiais devem incorporar uma
“pedagogia centrada no aluno” – logo, as organizações
escolares devem efetuar adaptações necessárias para
cada aluno, com o objetivo de que eles tenham sucesso
em sua vida acadêmica. Para tanto, os programas de
ensino devem ser adaptados às necessidades dos alunos
e não o contrário. Por consequência, as escolas devem
oferecer opções curriculares que atendam diferentes
interesses e necessidades.
a produção
do conhecimento
no campo da
146 educação especial
O documento denominado Parâmetros Curriculares
Nacionais – Adaptações Curriculares, publicado
pelo MEC em 1998, a partir do que considera como
“significativas experiências pedagógicas desenvolvidas
no país”, indica providências e recomendações a serem
utilizadas pelo sistema escolar brasileiro, objetivando
a qualidade no processo de escolarização de todos os
alunos (BRASIL. MEC, 1998).
Em primeiro lugar, na perspectiva de “Educação Para
Todos”, recomenda que a escola deva enfrentar o desafio
de “garantir o acesso e a apropriação do saber, com vistas
a atingir as finalidades da educação escolar”.
Enfatiza, ainda, que há necessidade de concretizar
o caráter de flexibilidade e dinamização do currículo
escolar, e que este favoreça a interatividade e a eficiência
que precisa ser alcançada por todos os alunos e pela
escola (BRASIL. MEC, 1998).
Nesta perspectiva, a escola tem como função
desenvolver práticas que apontem alternativas para
lidar com as necessidades específicas dos alunos, a
partir das adaptações razoáveis, isto é, com tratamento
diversificado dentro do mesmo currículo, “respeitando a
diversidade, mantendo a ação pedagógica para que todos
os alunos possam aprender juntos”.
O documento considera que a aprendizagem escolar
está diretamente vinculada ao currículo, organizado para
orientar os níveis de ensino e as ações docentes.
Desta forma, as orientações oficiais recomendam que
a escola regular modifique não apenas as atitudes e as
expectativas em relação a esses alunos, mas se organize
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 147
para se constituir como escola real – que dê conta das
especificidades dos alunos que atende, promovendo
sua aprendizagem e seu desenvolvimento integral – por
meio da flexibilização curricular, com a identificação
das necessidades pedagógicas e com rede de apoio que
favoreça o processo educacional.
Esta flexibilidade curricular constitui possibilidade
de atuar perante as dificuldades de aprendizagem dos
alunos. Não se trata de um novo currículo e sim um
currículo “dinâmico, com planificações pedagógicas e
ações eficazes dos docentes”, tendo como critérios para
esta adaptação: o que o aluno deve aprender; como e
quando aprender; que formas de organização do ensino
são mais eficientes para o processo de aprendizagem;
como e quando avaliar o aluno (BRASIL. MEC, 1998,
p. 33).
Entendendo que o processo de educação é uma
prática social, e que a escolarização é uma necessidade
cultural, este processo deve ser organizado para atender
às características dos alunos, por meio de estratégias
que possibilitem a aprendizagem como resultado de um
processo de mediação junto a todos os alunos.
Ao planejar as atividades a serem desenvolvidas
com os alunos com deficiência, outro aspecto a ser
considerado são os trabalhos simultâneos, cooperativos
e participativos, respeitando o grau de intensidade da
programação curricular, chamados de rede de apoio.
Neste sentido, a definição das adaptações curriculares
são “carregadas de significados”, apesar de constituírem
modificações pequenas no currículo, facilmente
a produção
do conhecimento
no campo da
148 educação especial
realizadas pelos professores no planejamento das
atividades docentes e constituírem ajustes do contexto
normal da sala de aula – pois é fundamental que o aluno
aprenda o conteúdo elaborado, para que a escola cumpra
sua função social e curricular e os envolvidos possam
obter sucesso em sua escolarização (BRASIL. MEC,
1998).
Estas modificações englobam o planejamento e
a atuação do docente, selecionando, organizando
e introduzindo estratégias específicas, assim como
realizando alterações didáticas, organizando ações
diferenciadas em sala de aula, que devem respeitar
as características de cada aluno em seu processo de
escolarização.
Ao considerar que o currículo é vivo e que implica
formas de ensinar e de avaliar os diferentes conteúdos, o
professor deve reconhecer que adaptações metodológicas
precisam ser realizadas. Nesse processo, deve situar o
aluno no grupo a que pertence, por meio da adoção de
métodos e técnicas de ensino específicas, com apoio de
recursos físicos para realizar as atividades propostas,
que devem favorecer o trabalho cooperativo com iguais
possibilidades de execução, já que o processo se diz
inclusivo.
A adaptação curricular só se concretizará a partir
da premissa de um currículo funcional – em que a
aprendizagem ocorre de forma gradual, significativa e
sistematizada, para que a escola possibilite que todos
aprendam juntos –, mas são necessárias medidas
pedagógicas possíveis, que visem ao atendimento das
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 149
necessidades educacionais, para que os alunos com
características diferentes possam aprender.
Em 2007 o Ministério da Educação publicou a coleção
denominada “Atendimento Especializado – Deficiência
Intelectual”. O documento defende a escola como
instituição formal, em que todo o processo de mediação
favoreça a construção do conhecimento de forma
intencional e deliberada, e na qual tanto os professores
quanto os alunos devem conhecer os objetivos explícitos
do processo de escolarização – sendo que estes objetivos
devem ser perseguidos considerando o tempo escolar
(ano letivo) e o planejamento (desenvolvimento da
aula), para que o professor possa ensinar e o aluno possa
aprender.
Para garantir um processo de escolarização como
este, é necessário que os professores façam escolhas
metodológicas, definam recursos didáticos relevantes
para a realização do trabalho coletivo, considerando
também as características dos alunos com deficiência em
seu processo de escolarização (BRASIL. MEC, 2007).
Segundo a publicação, estas escolhas representam
a busca de soluções e, neste sentido, a adaptação de
currículos e de atividades para o processo avaliativo deve
ser considerada, quando os currículos e as atividades se
referem a alunos com deficiência intelectual.
Ao assumirem o caráter substitutivo da educação
especial, as práticas adaptativas funcionam como
reguladores externos para as aprendizagens, ao
estarem subsidiadas por procedimentos de ensino
que buscam atender às necessidades dos alunos com
a produção
do conhecimento
no campo da
150 educação especial
deficiência intelectual, submetendo-os aos processos de
escolarização.
Como se pode perceber, ambos os documentos
recomendam que as estratégias desenvolvidas pelos
professores em sala de aula devem garantir que todos
os alunos aprendam, independentemente de suas
características, entre eles os caracterizados como
deficientes intelectuais.
Por outro lado, quando propuseram adaptações
curriculares e de procedimentos didáticos como
uma possibilidade na escolarização dos alunos com
deficiência intelectual, as recomendações do Ministério
da Educação (BRASIL. MEC, 1998; BRASIL. MEC,
2007) permaneceram no âmbito geral, sem algum
detalhamento preciso que ofereça aos professores
subsídios para definir “o que fazer” efetivamente
no sentido de propiciar meios para que esses alunos
aprendam na escola regular.
Para Carvalho (2000), o que necessita ser modificado
no processo de escolarização é a postura dos profissionais
ante a deficiência – que levem em conta as características
individuais, principalmente dos alunos que apresentam
algum tipo de necessidade específica em seu aprendizado.
No entanto, cabe à escola a responsabilidade para
garantir o processo de aprendizagem para todos os
alunos, respeitando as diferenças, o que implica seu
reconhecimento com base na percepção do outro como
sujeito da aprendizagem. Entretanto, o reconhecimento
das diferenças nos processos de aprendizagem envolve
inúmeras e complexas barreiras existentes na organização
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 151
do processo de escolarização. As mais significativas são
de cunho atitudinal, mas também incidem “no currículo
e nas adaptações curriculares, na avaliação contínua
do trabalho, na intervenção psicopedagógica e na
qualificação da equipe de educadores” (CARVALHO,
2000, p. 77).
Ao estabelecer o elo entre o não saber e o saber
elaborado, entre o planejamento e as práticas
pedagógicas, as adaptações curriculares não devem
ser entendidas como um conjunto de conhecimentos
que a escola deve transmitir aos alunos, mas como um
conjunto de experiências que a escola (como instituição
formal) dispõe aos alunos, para potencializar o seu
desenvolvimento.
Neste sentido, para Carvalho (2000) as adaptações
curriculares são encaradas como modificações realizadas
pelos professores intencionalmente organizadas, de um
lado, e, de outro, de forma quase espontânea, por meio
da dinâmica das ações que envolvem a prática docente
na sala de aula, visando responder às necessidades de
cada aluno.
Em um currículo flexível e aberto às adaptações é
condição fundamental para atender às necessidades
educativas de qualquer aluno – condição sine qua non
para a equalização das oportunidades a todos que buscam
uma escola de qualidade.
Todas essas orientações parecem demonstrar que, para
que a aprendizagem do conteúdo escolar seja acessível ao
aluno com deficiência intelectual, é preciso que ocorram
adaptações didáticas que levem em consideração as
a produção
do conhecimento
no campo da
152 educação especial
dificuldades inerentes aos seus déficits intelectuais.
Nessa perspectiva e, considerando a aprendizagem da
língua escrita como um dos requisitos básicos para a
progressão a níveis mais altos de escolaridade, constata-
se a necessidade de identificar as estratégias utilizadas
por professores no processo de alfabetização de alunos
com deficiência intelectual.
A pesquisa
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 153
identificar a estratégia de ensino predominante nas
práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula.
Os dados foram descritos considerando: a) a cena; e
b) a prática do professor e a identificação da estratégia
predominante – como podem ser verificados nas cenas
abaixo descritas.
a produção
do conhecimento
no campo da
154 educação especial
analisar se este trabalho basta para que um aluno com
deficiência intelectual se beneficie efetivamente de
um processo de ensino qualificado. Foi possível obter
respostas para minhas indagações – as adaptações que a
professora faz para esse aluno, como se efetiva o serviço
de apoio e que resultados são alcançados?
Com relação ao procedimento de coleta de dados – as
videogravações –, a experiência inicial me mostrou que
o campo de pesquisa se torna ideal quando viabiliza as
coletas dos dados. No entanto, sabe-se que o trabalho
científico se dará pela análise que se fizer com estes
dados.
Embora parte das práticas pedagógicas atuais se
caracterize por uma classificação e estruturas precárias,
de todo um discurso ideológico sobre a não imposição
de padrões pedagógicos preestabelecidos, tal como
Bernstein (1988) demonstra em relação ao ensino
pré-escolar e anos iniciais do Ensino Fundamental,
o dinamismo da sala de aula não pode ser analisado,
segundo ele, de forma dicotômica (pedagogia visível
× pedagogia invisível), pois elas se completam. Este é
um cuidado a se tomar quando descrever as estratégias
observadas.
Ao contrário, esses conceitos devem ser utilizados
como ferramentas teóricas que permitam, dentro desse
dinamismo, classificar essas estratégias como contendo
classificação e estrutura mais ou menos precária ou
mais ou menos adequada. Com base nas argumentações
acima, e considerando as recomendações oficiais
em relação a modificações curriculares e adoção de
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 155
procedimentos didáticos, elas são gerais e pouco
operacionais; a escolarização é a base em que se assenta
todo o ensino posterior e que pouco tem se investigado
sobre esse tema; que parece haver um conflito entre as
práticas pedagógicas atualmente em uso (caracterizadas
mais como invisíveis do que como visíveis); que para
o aluno com deficiência intelectual, por suas próprias
limitações, a falta de uma classificação e estrutura mais
explícita possa tornar o ensino sem sentido para ele.
A pesquisa está em fase inicial de coleta de dados, as
estratégias serão observadas e analisadas com o roteiro
elaborado, em duas gravações de 30 minutos por semana,
combinada com os profissionais que atuam no campo da
pesquisa. Há necessidade de refletir junto à professora
sobre suas práticas e para a realização das adaptações
nas atividades a serem propostas ao aluno, objetivando
sua escolarização.
Cena 1
a produção
do conhecimento
no campo da
156 educação especial
da pergunta, relacionando-a às informações obtidas na
leitura do texto.
A atividade proposta contraria a recomendação
oficial de que as atividades devem ser colaborativas.
Ao potencializar desenvolvimento e aprendizagem
por meio da linguagem e da interação, nega também
a teoria de Vygotsky. A prática da professora expressa
um modelo de planejamento que privilegia o conteúdo,
não se preocupando com as diferentes formas de
aprender de seus alunos. Não há nenhuma adaptação
curricular evidenciada, ou adequação dos processos
metodológicos.
Cena 2
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 157
personagem falando, a professora aproveitou a questão
para explicar o uso do travessão e letras maiúsculas,
apresentando as regras da Língua Portuguesa.
Nesta cena, percebe-se o fato de a professora
retomar a atividade lembrando o que deveriam fazer.
A cena também evidencia que a contextualização
favorece a relação de teoria e prática, ao associar
conceitos gramaticais e sua utilização na produção dos
alunos. Utilizou, porém, a oralização e demonstração
da escrita para os alunos, e não avançou a respeito da
função da escrita – apenas esclareceu a necessidade
de os alunos utilizarem adequadamente as regras da
língua portuguesa em sua produção, negando o que
deve ser entendido por alfabetização.
Para Ferreiro (1995), a escrita pode ser considerada
uma representação da linguagem quando envolve um
processo de diferenciação dos elementos e relações
reconhecidas no objeto a ser apresentada, quando
concebida como um código de transcrição que
transforma as unidades sonoras em unidades gráficas,
e assim a escrita coloca a percepção visual e auditiva
em evidência. Logo, sua aprendizagem não pode
ser mecânica, ou não se pode considerar somente os
aspectos gráficos destas produções.
Neste sentido, as produções dos alunos devem
ser entendidas como resultado do processo de
construção de significados de códigos, que unificam
a linguagem escrita, possibilitando aprendizagem e
desenvolvimento do processo de alfabetização.
Tfouni define:
a produção
do conhecimento
no campo da
158 educação especial
Alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto
aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e
as chamadas práticas de linguagem. Isto é levado a
efeito, em geral, por meio do processo de escolarização
e, portanto, da instrução formal. A alfabetização
pertence, assim, ao âmbito do individual. O letramento,
por sua vez, focaliza os aspectos socio-históricos
da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura
estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando
adotam um sistema de escritura de maneira restrita
ou generalizada: procura ainda saber quais práticas
psicossociais substituem as práticas “letradas” em
sociedades ágrafas (Tfouni, 1988, p. 9).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 159
no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita,
de modo que o indivíduo se torne, ao mesmo tempo,
alfabetizado e letrado.
O processo de letramento envolve dois fenômenos
bastante diferentes, a leitura e a escrita, sendo cada
um deles constituído de uma multiplicidade de
habilidades, comportamentos, conhecimentos. Nesta
perspectiva, a leitura se caracteriza por um conjunto
de habilidades e comportamentos que se estende desde
simplesmente decodificar sílabas ou palavras, até ler
uma obra completa. A escrita implica um conjunto de
habilidades e comportamentos que se estendem desde
simplesmente escrever o próprio nome até escrever
uma tese de doutorado. Assim, uma pessoa pode ser
capaz de escrever, mas não ser capaz de escrever uma
argumentação defendendo um ponto de vista.
Segundo Soares (1998), há duas condições indicadas
para que esse processo se concretize. A primeira
condição é que haja escolarização real e efetiva e o
acesso à escolaridade se amplie, para termos mais
pessoas sabendo ler e escrever e, com a extensão da
permanência na escola, possamos almejar um pouco
mais do que simplesmente a mera alfabetização e
possamos ter um efetivo processo de letramento.
A segunda condição é que haja disponibilidade
de material de leitura: material impresso posto à
disposição, livrarias, preço acessível de livros, jornais
e revistas, ampliação do número de bibliotecas, além de
uma transformação efetiva das práticas desenvolvidas
pelas escolas.
a produção
do conhecimento
no campo da
160 educação especial
Em relação ao processo de alfabetização de alunos
com deficiência, como aspecto relevante poder-se-ia
argumentar que não difere da aquisição da leitura e da
escrita pelos demais educandos. Contribuições teóricas
como as de Vygotsky (1994) se opõem à perspectiva
rígida que considera impossível a aprendizagem
acadêmica de alunos com deficiência intelectual.
Para Vygostsky (1994), a escrita ocupou um
lugar restrito na prática escolar, em relação ao
papel fundamental que desempenha no processo de
desenvolvimento cultural da criança. Ou seja, este
autor afirma que as práticas escolares ensinam a
desenhar letras e a construir palavras com elas, mas
não se ensina a linguagem escrita.
A linguagem escrita é pouco estudada como
um sistema particular de símbolos e signos, e cujo
domínio é um ponto crítico em todo o desenvolvimento
cognitivo e cultural da criança.
Do ponto de vista pedagógico, as estratégias
utilizadas para ensinar a escrita não permitem a
observação desta transição, mas afirma-se que o
desenvolvimento da linguagem escrita na criança
ocorre pelo deslocamento do desenho de coisas para o
desenho de palavras. Assim, é necessário que o ensino
esteja organizado de forma que a leitura e a escrita se
tornem significativas para as crianças, e que seu uso
tenha relevância.
Por outro lado, quanto ao aspecto social encontramos
o sociólogo Bernstein (1984), que descreve dois
conceitos teóricos que podem contribuir de forma
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 161
significativa para a análise de práticas docentes no que
se refere ao conteúdo: a classificação e a estrutura.
Para ele, classificação se refere às relações entre os
conteúdos do currículo, em especial a diferenciação
entre conteúdos: quanto mais forte ou muito marcada
a classificação, mais os conteúdos se isolam uns dos
outros, e quanto mais débil ou flexível a classificação, as
fronteiras são menos marcadas, menos nítidas.
Em contraposição, a estrutura se refere ao contexto
em que se comunica o conhecimento, à clareza com que
se distingue o que pode e o que não pode ser comunicado:
estrutura forte, quando é mínimo o grau de controle de
professores e alunos sobre a situação pedagógica, e
estrutura fraca, quanto maior a autonomia de professores
e alunos sobre a situação pedagógica.
Estes conceitos remetem a análises das práticas
docentes quanto à relevância da organização curricular
e sua aplicabilidade junto aos alunos que estão em
seus processos de escolarização, especificamente na
construção da leitura e escrita.
Considerações
a produção
do conhecimento
no campo da
162 educação especial
um conflito entre as práticas pedagógicas atualmente
em uso (atividades individuais e em grupos, cópias para
responder a questões sem possibilidade de argumentação,
produções de textos sem significados sociais para o aluno
e para o professor, controle de ações dos professores
sobre seus alunos): negam a formação para a cidadania
e a autonomia e desconsideram as diferenças do capital
cultural de cada aluno, bem como suas características
cognitivas e de aprendizagens.
As cenas descritas são apenas uma amostra do que
se observou em um ano de pesquisa. Evidenciam que
professores – que se dizem inclusivos – utilizam em
sala de aula estratégias que os alunos não percebem
como diferenciadas. Isso os isola, deixa-os como únicos
em suas especificidades, nega suas potencialidades
e limitações, e exclui a variedade de conhecimentos
pedagógicos essenciais e necessários para possibilitar o
letramento dos alunos.
Considera-se ainda que não basta formação
acadêmica aos professores para que possibilitem a
aprendizagem de todos os alunos. É necessária sua
tomada de consciência, há necessidade de que o professor
realize mediação adequada. Este educador deve ser um
observador, crítico e estudioso de sua prática, no intuito
de aprimorar sua atividade profissional, potencializando
o desenvolvimento e a aprendizagem de todos os
envolvidos no processo de escolarização.
Os dados estimulam novas investigações a respeito
de como os estilos de ensino dos professores influenciam
a aprendizagem dos alunos, como os alunos aprendem
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 163
quando não há mediação adequada, e ainda o que
é inclusão escolar se os alunos estão em processos
individuais, com mediações coletivas, negando suas
características individuais.
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
164 educação especial
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NECESSIDADES
EDUCATIVAS ESPECIAIS. Declaração de Salamanca e linha
de ação sobre necessidades educativas especiais. Salamanca:
UNESCO/Ministerio de Educación y de la Ciencia, 1994.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 165
Capítulo 5
Avaliação diagnóstica de
alunos com baixo rendimento:
ações colaborativas entre
educação e saúde
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
166 educação especial
A apreciação que os professores fazem dos estudantes
está intimamente ligada aos instrumentos utilizados
para avaliação diagnóstica e aos mecanismos de ensino
criados historicamente, cujos sistemas de classificação
escolar acabam por legitimar a classificação social.
Os instrumentos empregados no registro do
desempenho escolar dos alunos nem sempre expressam
seus reais conhecimentos e dificuldades, sendo também a
manifestação da dicotomia entre ensino e aprendizagem
(Bueno & Giovinazzo Jr., 2010, p. 98-99).
A pesquisa foi realizada no município de Santo André,
localizado na Grande São Paulo, no período de 2012 a 2014.
A coleta dos dados se baseou em três fontes de
documentação:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 167
Os profissionais da saúde que realizaram o diagnóstico
faziam parte de convênio entre a Secretaria de Educação
do Município e a Faculdade de Medicina do ABC,
que constituem o Centro de Atendimento Educacional
Multidisciplinar (CAEM), cujo acompanhamento
e suporte ficava a cargo do Centro de Atenção ao
Desenvolvimento Educacional (CADE), da Secretaria
Municipal de Educação.
a produção
do conhecimento
no campo da
168 educação especial
Moysés e Collares (2011) sustentam que, no Brasil,
uma das causas do fracasso escolar é atribuída às
famílias, sendo outra causa a expansão quantitativa
de acesso à escola, a partir dos anos 1970, assim
como pelos processos mais atuais de redução da
reprovação/repetência escolar (sistema de ciclos,
progressão continuada etc.) que então produziram
o processo de medicalização do fracasso escolar,
que, “de um problema pedagógico e político, de
ordem institucional, constitui grande obstáculo à
transformação das práticas que regem o cotidiano
escolar e à superação do fracasso” (MOYSÉS &
COLLARES, 2011, p. 31).
Ou seja, ao invés de os procedimentos dos
especialistas servirem para a delimitação efetiva das
características dos alunos (negativas, mas também
as positivas) – de forma a contribuir para o trabalho
pedagógico –, têm servido para a reiteração da visão do
professor, na medida em que estão centrados, única e
exclusivamente, na busca do “problema”, redundando
na patologização de alunos que perturbam o ambiente
escolar:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 169
Na identificação histórica dos alunos que apresentam
dificuldades relacionadas ao aprendizado dos conteúdos
acadêmicos, bem como aos comportamentos valorizados
e esperados pela escola, esse panorama parece
permanecer, razão pela qual procuramos nas contribuições
de Vygotsky (1983, 1998 e 2007) embasamento teórico
para o desenvolvimento da pesquisa.
Uma das contribuições mais significativas desse autor
foi o fato de não considerar o ambiente uma variável
controlável, mas considerar as relações sociais como elas
mesmas, constitutivas do sujeito psicológico, que não
podem ser abstraídas, pois na abstração dessas relações
o sujeito não é apreendido, porque suas expressões
psicológicas exteriorizadas são sempre necessariamente
sociais na medida em que a vida psíquica é a expressão
da vida social (Vygotsky, 2007).
Para ele, tanto o instrumento quanto o signo possuem
função mediadora, pois enquanto o instrumento é
o condutor da atividade humana sobre o objeto da
atividade, o signo constitui o meio da atividade interna
dirigido para o controle do próprio indivíduo. Neste
sentido, a função psicológica superior é, exatamente, a
combinação entre o instrumento e o signo na atividade
psicológica.
Mas o desenvolvimento das funções psíquicas não
é fruto de um desenvolvimento individual, pois as
funções psicológicas superiores se originam das relações
sociais entre indivíduos: no início do processo de
desenvolvimento são fundamentalmente interpessoais
e somente após o estabelecimento de relações sociais
a produção
do conhecimento
no campo da
170 educação especial
significativas essas funções são internalizadas pelos
indivíduos.
Partindo desse princípio, Vygotsky (2007)
considera que o pensamento tipicamente humano
se constrói a partir da relação entre o indivíduo e o
objeto, mediado pela ação do outro (interpessoal),
que ele denominou como “nível de desenvolvimento
real”. É na relação com o outro, pelos processos de
mediação, que a criança se desenvolve psiquicamente
até conseguir realizar essa mesma operação de forma
autônoma, alcançando o que ele denominou como
“nível de desenvolvimento potencial”. A distância
entre esses dois níveis foi por ele cunhada como “zona
de desenvolvimento proximal”.
Assim é que, se é verdade que a aprendizagem
depende do desenvolvimento, sua perspectiva
interacionista obriga a que se considere que a
aprendizagem influi decisivamente nos níveis de
desenvolvimento.
Ora, isso nos reporta à zona de desenvolvimento
proximal, pois ao se avaliar o nível de desenvolvimento
mental de um indivíduo por meio de testes
padronizados, está se determinando o que ele já tem
de apropriação de determinados conhecimentos, o que
consegue fazer sozinho, ou seja, verifica-se o nível
de desenvolvimento real, o tempo e a dificuldade na
realização de determinada operação, sem que a ele
sejam dadas oportunidades para que, pela mediação,
a partir de seu conhecimento prévio, consiga realizar
o proposto.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 171
Verifica-se assim a possibilidade de se repensar
muitos dos encaminhamentos realizados por
professores para avaliar estudantes que apresentam
baixo rendimento escolar como se esse problema
específico fosse inerente aos alunos e não estivesse
atrelado ao seu processo de aprendizagem, com os
conteúdos próprios da educação formal.
Por meio do exposto anteriormente, verificamos
que os alunos com problemas de ajustamento (leia-se
deficiência ou outros fatores) desafiam esta constituição
já estabelecida, podendo ser veladamente excluídos
do processo de aprendizagem no cotidiano da escola,
nos vários ambientes escolares, nas relações e demais
ações pedagógicas que permeiam a aprendizagem:
a produção
do conhecimento
no campo da
172 educação especial
O campo empírico selecionado e
o procedimento avaliativo
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 173
que mediava as discussões dos casos avaliados, e cujo
diagnóstico era concluído na terceira semana após o
início dessa avaliação no CAEM, em uma reunião à
qual compareciam os responsáveis pelo estudante, o
Assistente Pedagógico (AP) da escola e o Professor
Assessor de Educação Inclusiva (PAEI).
Procedimentos da pesquisa
a produção
do conhecimento
no campo da
174 educação especial
Dessa forma, os dados referentes ao novo período
compõem uma massa crítica suficiente para análise,
assim como a possibilidade de estudo de uma série
histórica de três anos.
A coordenadora da equipe de avaliação do CAEM
pôde esclarecer como ocorria o processo de avaliação,
assim como informou sobre a documentação utilizada e
os registros decorrentes deste conjunto de informações
escritas.
O procedimento inicial consistiu no levantamento
do número de alunos encaminhados para avaliação
diagnóstica no CAEM e as queixas a eles relacionadas.
Observou-se que havia pouca variação com relação às
queixas, sendo elas preferencialmente relacionadas à
dificuldade escolar, à aprendizagem e ao comportamento.
As informações como o nome dos alunos, número
dos prontuários, ano de cada avaliação e escola que
frequentavam encontravam-se em formato digital em
uma única planilha. As informações relativas à idade
e às dificuldades apresentadas foram encontradas
nos arquivos. As demais informações necessárias
para a pesquisa estavam nos relatórios finais com os
diagnósticos. No entanto, muitos deles não estavam
digitalizados.
Posteriormente verificou-se a necessidade de ampliar a
coleta de dados, acrescentando-se o campo “Observação”
– para registrar os alunos que estavam sendo reavaliados
após determinado período de intervenção terapêutica,
para verificação do potencial cognitivo ou diagnóstico
diferencial.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 175
A partir da coleta inicial dos diagnósticos, verificou-
se a necessidade de acrescentar ao campo “Diagnóstico”
a identificação constante na CID – Classificação
Internacional de Doenças (OMS, 2011), distinguindo os
que faziam ou não parte dessa padronização.
Todas essas informações constantes das fontes
supracitadas foram inseridas em software de tratamento
estatístico: número do prontuário, ano da avaliação,
idade, sexo, escolaridade, escola, queixa, avaliação
psicológica, avaliação fonoaudiológica, avaliação
psicopedagógica, diagnóstico e encaminhamentos, que
redundaram em tabelas e gráficos que constituíram a
matéria-prima desta pesquisa.
a produção
do conhecimento
no campo da
176 educação especial
significado ao chamado baixo rendimento e priorizar a
aprendizagem.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 177
correspondente ao EJA o sexo feminino foi o mais
encaminhado. Entretanto, a população feminina desse
município também é maior nessa faixa etária.
A apresentação e análise dos resultados foram
efetuadas por meio de quatro eixos de análise: 1) As
queixas dos professores; 2) Os diagnósticos psicológicos;
3) As escalas de caracterização do TDAH; e 4) Os
diagnósticos de deficiência intelectual.
a produção
do conhecimento
no campo da
178 educação especial
(19,3%) e de linguagem e funções básicas (10,1% cada).
No entanto, se considerarmos que as categorias – que
os docentes denominam “escolares”, “aprendizagem”,
“linguagem oral e escrita”, “funções básicas” e
“desenvolvimento” – reportam-se à relação ensino-
aprendizagem, pode-se verificar que as queixas se voltam
expressivamente para o baixo desempenho de alunos nas
atividades acadêmicas (67,6%), seguidas ao longe pelas
de “comportamento” (28,3%).
Se distribuirmos essas incidências conforme a progressão
escolar dos alunos, elas se modificam expressivamente, de
acordo com os dados apresentados na Tabela 2 a seguir.
Tabela 2 ‒ Dificuldade relatada na queixa e agrupamentos por idade
Faixa etária
2a4 5e6 7 a 10 11 a 14 Acima de
TOTAL
anos anos anos anos 15
Dificuldade
Comportamento 25 55 136 11 4 231
Escolares 1 33 167 17 9 227
Aprendizagem 1 16 128 18 3 166
Linguagem oral e escrita 13 25 39 4 1 82
Funções básicas 5 9 52 2 0 68
Desenvolvimento 2 1 1 1 1 6
Hipótese de autismo 0 1 1 0 0 2
TOTAL 47 140 524 53 18 782
Fonte: Dados do CAEM (2012 a 2014). Tabela elaborada pela autora.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 179
o Ensino Fundamental I, com 431 do total de 524
encaminhamentos (70%).
Além disso, enquanto os dados sobre problemas
de comportamento mostram um crescimento menos
acentuado (o dobro dos encaminhamentos na idade pré-
escolar em relação à idade correspondente à creche e
menos de três vezes da idade correspondente ao Ensino
Fundamental I em relação à da pré-escola), o aumento
dos encaminhamentos relacionados às queixas de
dificuldades escolares ou de aprendizagem foram mais
exponenciais: nas dificuldades escolares – 33 vezes
mais incidente na idade pré-escolar do que na creche e
5 vezes maior na faixa etária correspondente ao Ensino
Fundamental I em relação à da pré-escola; dificuldades
de aprendizagem: 16 vezes mais incidente na idade pré-
escolar do que na creche e 9 vezes maior na faixa etária
correspondente ao Ensino Fundamental I em relação à
da pré-escola.
Por fim, o número de encaminhamentos de alunos
acima dos 15 anos é muito reduzido, não permitindo
alguma análise tendencial de incidência. Mas soa
estranho que, numa rede de ensino com diversos recursos,
somente tenham sido notadas as dificuldades de 18
alunos em idade correspondente ao Ensino Médio e EJA
– em faixa etária que também incluiu alunos adultos.
Os diagnósticos psicológicos
a produção
do conhecimento
no campo da
180 educação especial
de avaliação utilizados pelo campo da psicologia,
evidenciados na Tabela 3 abaixo.
Tabela 3 ‒ Distribuição das avaliações psicológicas
pelo tipo de procedimento principal
PROCEDIMENTO PRINCIPAL Total de Quant. %
Alunos
WISC III ou WAIS 525 436 83,0
Escala de TDAH 525 434 82,7
Escala Columbia e Escala Vineland 525 16 3,0
Outros testes 525 5 0,9
Observações lúdicas associadas à história de vida 525 45 8,6
Sem resposta 525 81 15,4
Fonte: Dados do CAEM (2012 a 2014). Tabela elaborada pela autora.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 181
Instrumentos como as Escalas Weschsler de
Inteligência, que estão entre os mais investigados e
usados, são geralmente adaptados para outros países. A
prática corrente de adaptar instrumentos desenvolvidos
e normatizados em uma determinada cultura para uso
em outra não está circunscrita somente a pesquisas
transculturais, mas também para uso intracultural
(Hambleton & Bollwark, 1991). Como afirmam Van de
Vijver e Hambleton (1996), o processo de adaptação
de testes psicológicos apresenta dificuldades, muitas
das quais relacionadas às diferenças entre a cultura
de origem do teste e a cultura para onde ele está
sendo adaptado, sendo que, quanto maior a distância
cultural, maior o número de dificuldades em se obter
uma versão que seja equivalente (Nascimento &
Figueiredo, 2002, p. 605).
a produção
do conhecimento
no campo da
182 educação especial
de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações
sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões
de comportamento dominantes, um instrumento de
controle e dominação” (Marcuse, 1999, p. 73) – e um
componente decisivo da racionalidade tecnológica,
típica da sociedade industrial e administrativa,
visto que a formação de indivíduos adaptados a tal
racionalidade constitui também um fator tecnológico
e condição para pôr em funcionamento e garantir a
reprodução do sistema social (Sass, 2011, p. 973).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 183
As escalas de caracterização do TDAH
a produção
do conhecimento
no campo da
184 educação especial
se em momentos mais controlados ou em espaços mais
livres etc.
No segundo campo, denominado Déficit de Atenção,
os dez primeiros itens procuram avaliar atitudes
positivas dos alunos (organização do material, respostas
coerentes, acompanha o ritmo da sala, atenção durante
as explicações etc.). No entanto, se o professor está
encaminhando o aluno para uma avaliação externa,
parece evidente que é bem grande a possibilidade de o
professor indicar que o estudante apresenta dificuldades
em algumas delas.
A Hiperatividade e a Impulsividade são avaliadas
no terceiro campo e se relacionam a comportamento
agitado, instável, déficit no sistema inibitório e baixo
controle dos impulsos. Neste campo há 12 alternativas,
sendo 9 de comportamentos considerados inadequados
e 3 adequados, sendo que a ordem aqui é inversa à do
campo anterior: primeiramente são apresentados os
comportamentos inadequados para, ao final, serem
expostos os três itens considerados adequados, estes muito
mais genéricos do que os comportamentos inadequados.
Os dois últimos campos parecem induzir ainda mais a
caracterização negativa dos alunos, pois, se o professor
está encaminhando determinado alunos para essa
avaliação, com certeza é porque avalia que ele apresenta
“problemas de aprendizagem” ou “de comportamento”.
A escala SNAP foi elaborada a partir dos sintomas
do Manual de Diagnóstico e Estatística – IV Edição
(DSM-IV), da Associação Americana de Psiquiatria, e é
composta por 26 questões.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 185
Segundo os autores da adaptação da escala para o
português, existem
a produção
do conhecimento
no campo da
186 educação especial
ser preenchida somente para alunos que o professor
pretende encaminhar para avaliação diagnóstica. Ou
seja, se o professor considera que o aluno apresenta
problemas que justifiquem o seu encaminhamento,
é claro que o professor deve, mesmo que de forma
inconsciente, se prender muito mais às questões que
indicam comportamentos considerados inadequados.
Além disso, se o critério para caracterização do
TDAH é o comportamento dos colegas, mas se ele é
aplicado somente aos alunos a serem encaminhados para
avaliação, fica evidente que essa comparação é feita de
forma extemporânea e muito pouco precisa.
Enfim, pode-se afirmar que os instrumentos
utilizados induzem os professores a caracterizar os
alunos de forma completamente descontextualizada, e
considerar que o problema está nas suas características
pessoais, constituindo elemento fundamental para sua
patologização.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 187
Por outro lado, fica evidente que os alunos
diagnosticados com deficiência intelectual não deveriam
se enquadrar nos casos mais graves, na medida em
que os professores precisaram conviver com eles para
levantarem suspeitas de problemas pessoais que estariam
interferindo na escolarização.
Na Tabela 4 são apresentados os dados sobre
esses diagnósticos, cotejados com a quantidade de
encaminhamentos efetuados.
Tabela 4 ‒ Distribuição dos diagnósticos de deficiência intelectual por ano
Ano Encaminhamento Diagnóstico/DI %
2012 240 31 12,9
2013 117 38 32,5
2014 168 46 27,4
TOTAL 525 115 21,9
3 Embora citada por Bueno em 2004, a obra de Dunn foi traduzida e publi-
cada no Brasil em 1971 e na categoria de excepcionais incluía os alunos
com deficiência intelectual, da fala, da audição, da visão, ortopédicos,
além dos distúrbios de aprendizagem, emocionais e os superdotados.
a produção
do conhecimento
no campo da
188 educação especial
Se os estudos e estimativas mostram que em situações de
normalidade não há razão plausível que justifique o aumento
de deficiências – a não ser em períodos específicos de eventos
concretos como, por exemplo, quando se disseminou o uso
da talidomida ou nas epidemias de meningite –, pode-se
afirmar que o processo de patologização de alunos com
baixo rendimento escolar se intensificou.
Na Tabela 5, a seguir, verifica-se a distribuição
do diagnóstico de Deficiência Intelectual por etapa e
modalidade de ensino.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 189
Há elevada concentração de alunos diagnosticados
como Deficientes Intelectuais quando frequentavam o 2º
ciclo do Ensino Fundamental, ou seja, 3º, 4º e 5º anos,
totalizando 59,2%. Esse dado intriga, na medida em que
esses alunos não foram encaminhados para avaliação nos
primeiros anos de escolarização, incluindo a Educação
Infantil, permitindo supor ser mais um problema de
baixo rendimento escolar do que de deficiência.
Vale a pena destacar, também, a incidência de
diagnósticos de deficiência intelectual em alunos com
mais de 12 anos de idade, incluindo aqui quatro adultos,
ou seja, é paradoxal que uma rede que se funda na máxima
de igualdade de oportunidades constate que 18 alunos
sejam identificados como tal, o que redunda em duas
possibilidades: ou os diagnósticos estão equivocados ou
houve negligência do sistema de ensino em não efetuar
esse diagnóstico em idade mais precoce.
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
190 educação especial
Cabe ressaltar, nestas considerações finais, que tanto
os educadores como os profissionais clínicos da rede de
ensino investigada expressam compromisso efetivo com
a qualidade do ensino e acreditam que a relação entre a
escola e o sistema de saúde contribuem para o melhor
atendimento de alunos com problemas.
Ou seja, não se pretende aqui avaliar especificamente
esses órgãos, mas tomá-los como expressão de uma
perspectiva que tem se mostrado hegemônica em grande
parte dos países tanto do Norte quanto do Sul, tal como
afirma Castorina ao estabelecer relação entre a atividade
acadêmica e profissional da psicologia e a sociedade
calcada na mercadoria:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 191
diferencial a este capital. Isto é, o que estes mecanismos
interferem nas suas dificuldades. Em síntese, tanto a
origem como os efeitos da naturalização permanecem
em grande parte desconhecidos para os próprios
psicólogos (CASTORINA, 2005, p. 27). (Tradução da
autora).
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
192 educação especial
CASTORINA, J. A. Las prácticas sociales en la formación del sentido
comum: la naturalización en la psicologia. In: LLOMOVATE, S. &
KAPLAN, C. (coord.), Desigualdad educativa: la naturaleza como
pretexto. Buenos Aires: Centro de Publicaciones y Material Didáctico, 2005.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 193
PATTO, M. H. Políticas atuais de inclusão escolar: reflexão a partir
de um recorte conceitual. In: BUENO, J. G.; MENDES, G. &
SANTOS, R. (org.), Deficiência e escolarização: novas perspectivas
de análise. São Paulo: Junqueira & Marin, p. 25-42, 2008.
a produção
do conhecimento
no campo da
194 educação especial
PARTE TRÊS
DEFICIÊNCIA, POLÍTICAS E
MEIO SOCIAL
Capítulo 6
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
196 educação especial
brasileira acolha todos os alunos, indistintamente, têm
se chocado com o caráter excludente, segregativo e
conservador do nosso ensino. A autora afirma que
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 197
A inclusão dos alunos com deficiência na rede regular
de ensino – sem uma reestruturação de suas práticas
políticas, institucionais e pedagógicas – pode redundar
em fracasso, pois este sistema apresenta problemas
graves de qualidade, expressos pelos altos níveis de
analfabetismo funcional, repetência, evasão e baixos
níveis de aprendizagem.
Nessa perspectiva, acredita-se que a maior parte das
pessoas com deficiência tem condição de ser incluída na
rede regular de ensino. No entanto, uma pequena parcela
dessa população – adultos e jovens que apresentam
limitações extremas em sua capacidade adaptativa, e que
praticamente não reúnem condições para executarem
tarefas simples do dia a dia – pode não apresentar
condições de usufruir dos benefícios da escola tal como
ela está configurada, considerando idade e série.
Ao defender a igualdade de direitos e a cidadania
dessas pessoas, não se pretende que lhes sejam oferecidas
as mesmas oportunidades de acesso à escolarização
formal ou de acesso ao mercado de trabalho. Propõe-se
que seja assegurado o acesso a serviços de qualidade,
capazes de atender às suas necessidades, para que vivam
com dignidade e melhor qualidade.
Não se trata também de se opor à inclusão escolar
e social da pessoa com deficiência, pois continua a
ser um importante princípio norteador na sociedade a
possibilidade de essas pessoas levarem uma vida o mais
parecida possível com a das pessoas comuns. Reitera-se,
porém, que a inclusão escolar da pessoa com deficiência
pode ser tratada como um direito para quem possa se
a produção
do conhecimento
no campo da
198 educação especial
beneficiar, e não um dever ao qual todos devem aderir
sem discutir, sem questionar.
São muitas as discussões a respeito de legislações
e documentos norteadores das propostas de educação
inclusiva. Entre divergências e convergências de
ambiguidades interpretativas, entretanto, parece
evidente que, de alguma forma, esse material contempla
a individualidade e reconhece a necessidade de
diferentes ambientes de ensino, cuja tônica central é o
atendimento de todos os alunos, preferencialmente, na
rede regular de ensino, tal como dispõem a Declaração de
Salamanca (Conferência Mundial sobre Necessidades
Educacionais Especiais, 1994), a Constituição Federal
(BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (BRASIL, 1996).
Considerando que, de acordo com os princípios
básicos dos direitos humanos, todo ser humano tem
direito às condições básicas de vida, não basta que uma
proposta educacional voltada a essa população garanta
sua presença no ambiente escolar: deve-se proporcionar
seu desenvolvimento e aprendizagem, contribuindo
decisivamente para a melhoria de sua qualidade de
vida.
Mediante o exposto acima, configura-se o seguinte
problema de pesquisa: O acesso à cidadania – no sentido
de garantir os direitos humanos de jovens e adultos
com deficiência intelectual grave – é ampliado com a
organização estrutural e práticas educativas correntes
de instituição especializada, como espaço único de
vida e interação social.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 199
Nessa perspectiva o estudo teve por objetivo:
Descrever, classificar e analisar as práticas sociais e
educativas levadas a efeito em instituição especializada,
na educação de pessoas com deficiência intelectual grave,
que aí residem, no sentido de verificar se propiciam
autonomia a esses residentes e, consequentemente, a
ampliação de seu acesso aos direitos humanos.
A coleta de dados foi realizada por meio dos
seguintes procedimentos:
a produção
do conhecimento
no campo da
200 educação especial
de pais de pessoas com deficiência intelectual grave,
sob a justificativa de criar um espaço institucional que
pudesse favorecer o desenvolvimento de seus filhos,
bem como propiciar-lhes bem-estar e segurança.
A escolha de uma instituição privada não deve e não
pode ser entendida como uma defesa da filantropia. Ela
foi utilizada como campo empírico desta investigação
em razão das adequadas condições estruturais e de
funcionamento, e pela absoluta ausência do Estado
na manutenção de espaços educacionais qualificados
voltados a essa população.
Os dados foram analisados com base nas contribuições
teóricas de Martuccelli, Cury e Bittar, no que tange aos
direitos de cidadania e educação; nas perspectivas teóricas
de Martins, com respeito à exclusão e inclusão social; e,
nas concepções de Vygotsky sobre desenvolvimento e
aprendizagem.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 201
adaptativas: comunicação, cuidado pessoal, habilidades
sociais, vida familiar, uso comunitário, autonomia, saúde
e segurança, funcionalidade acadêmica, lazer e trabalho.
Sob essa perspectiva, considera-se com deficiência
intelectual grave o sujeito que apresenta necessidades de
apoio permanente para desenvolvimento de habilidades
adaptativas.
Nesse sentido, se pretendemos analisar práticas
educativas concretas voltadas a pessoas com deficiência
intelectual grave, em instituição especializada, para
verificar até que ponto elas oferecem oportunidade para
a ampliação de seus direitos humanos e de cidadania, há
que se levar em consideração seus limites e possibilidades
intelectuais, perspectiva para a qual são importantes as
contribuições de Vygotsky (1997, 1983, 2003).
a produção
do conhecimento
no campo da
202 educação especial
Segundo Cury (2005), políticas inclusivas supõem
uma adequação efetiva ao conceito avançado de
cidadania determinado pelo ordenamento jurídico do
país; compreendendo a educação escolar como um
espaço privilegiado para reafirmar a expansão do conceito
para além dos direitos políticos de votar e ser votado,
colocando-o à luz dos direitos humanos, nesse sentido,
cidadania e nação são construções históricas, mas não
são objetos de uma relação imanente e ontológica.
Ainda segundo esse autor, avançar no conceito de
inclusão supõe a generalização e a universalização de
um conceito contemporâneo de direitos humanos, cujo
lastro transcende o liame tradicional e histórico entre
cidadania e nação: “colocar políticas inclusivas à luz
da espécie humana é pô-las sob a guarda dos direitos
humanos, cujo espectro e âmbito de aplicabilidade
incorporam e transcendem os direitos dos cidadãos
em seus espaços nacionais” (CURY, 2005, p. 12). Tal
como afirma Bobbio(2004), “direitos do homem são
aqueles cujo reconhecimento é condição necessária
para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para
desenvolvimento da civilização” (BOBBIO, 2004, p. 17).
Entender cidadania, para além da existência de
direitos políticos, é uma questão preliminar importante
para a construção desta reflexão.
Segundo Bittar (2006), em decorrência da tradição
moderna, a ideia de cidadania trouxe importantes
aquisições para a experiência histórica das democracias,
mas em parte não contemplou certas indagações que,
constantemente, incomodam as práticas políticas: “Num
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 203
conceito mais político-jurídico tradicional, ser parte de
um Estado soberano, cuja adesão lhe concede um certo
status, bem como votar e poder ser votado, são as únicas
condições para a definição de cidadania” (Bittar,
2006, p. 2).
Deve-se, portanto, superar a dimensão tradicional do
conceito de cidadania, buscando superar suas limitações
e deficiências, expandindo-o no sentido dos grandes
dilemas políticos e contemporâneos, dos grandes
desafios históricos desejados dos direitos humanos.
Os direitos das pessoas com deficiência vêm ganhando
força na sociedade, de um lado pelos movimentos sociais
em prol das minorias exploradas e expropriadas e, de
outro, pelas próprias exigências da sociedade moderna
de, continuamente, necessitar de indivíduos mais bem
qualificados para exercer até atividades laborais muito
simples.
Apesar de os documentos internacionais e de a
legislação e normas nacionais considerarem que existem
determinadas deficiências que impedem uma inclusão
escolar qualificada, formaram-se duas correntes entre os
estudiosos: uma que defende a inclusão total e radical
(SASSAKI, 2006; MANTOAN, 2006, 2008) e outra
que, apesar de defender a inclusão escolar, considera
que determinados sujeitos não reúnem condições para
usufruir o que a escola regular pode oferecer (BUENO,
1999, 2008; MENDES, 2006).
Entretanto, nenhuma dessas correntes tem se
voltado ao estudo de pessoas com graves deficiências
intelectuais, características das quais decorrem prejuízos
a produção
do conhecimento
no campo da
204 educação especial
quase intransponíveis para o aprendizado de habilidades
sociais básicas e de conteúdos escolares.
Assim, cabe pôr em discussão o que se entende por
direito à educação. Segundo Cury (2008), a educação
escolar veio se constituindo como um dos direitos mais
importantes da cidadania por suas funções maiores,
quais sejam: ensino, aprendizagem e cidadania. Ele
problematiza uma das questões centrais da cidadania: a
relação entre o direito à igualdade e o direito à diferença:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 205
Nesse sentido, apesar de reconhecer que o direito
à diferença não pode deixar de ser levado em conta, o
autor considera que “um tratamento diferenciado só se
justifica perante uma situação objetiva e racional e cuja
aplicação considere o contexto mais amplo” (CURY,
2002, p. 256).
Para ele, o direito à diferença baseia-se no princípio
da equidade, de forma que, como já se afirmava na
Antiguidade Clássica, uma das formas de se fazer justiça
é “tratar desigualmente os desiguais”:
a produção
do conhecimento
no campo da
206 educação especial
como a Declaração de Salamanca, em casos excepcionais
permitem o encaminhamento de alunos para sistemas
especiais.
Quem tem usufruído dessas possibilidades? No caso
das deficiências sensoriais e físicas não neurológicas,
com certeza as empresas privadas e profissionais
prestadores de serviços de saúde, aliados a escolas
privadas de elevada qualidade e correspondente custo
financeiro.
No caso das deficiências intelectuais e físicas de
fundo neurológico mais graves, esse atendimento está
distribuído entre instituições filantrópico-assistenciais
e raríssimas instituições residenciais, de alto custo de
manutenção e, portanto, dirigidas às camadas sociais de
alto poder aquisitivo.
Método
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 207
desenvolvidas na instituição, bem como o desempenho
desses sujeitos no sentido de verificar suas potencialidades
e limitações.
Para tanto, procuramos caracterizar o campo
empírico em que ocorreu a investigação, seguido pela
caracterização dos residentes e, por fim, os procedimentos
de coleta de dados utilizados.
a produção
do conhecimento
no campo da
208 educação especial
anos. Três deles foram encaminhados para a instituição
em 1971 e aí residem desde essa época. Os outros cinco
residentes ingressaram na instituição respectivamente
em 1982, 1984, 1999, 2008 e 2011.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 209
A leitura exaustiva dos documentos, bem como a
seleção, organização e descrições do corpus do estudo
configuraram-se, no decorrer de 2012.
No intuito de buscar respostas às perguntas
norteadoras desse estudo foi organizado um conjunto de
dados subdivididos em dois eixos:
a produção
do conhecimento
no campo da
210 educação especial
(cuidadora) responsável pelo plantão. O objetivo
principal é informar as atendentes educacionais que
assumem o plantão noturno e o plantão do dia seguinte
sobre as atividades desenvolvidas e os comportamentos
dos residentes, para que se possa dar continuidade ao
trabalho desenvolvido. Nesta pesquisa, apresentaremos
apenas três relatórios sobre residentes diferentes e dias
diferentes, tomados aleatoriamente.
C – Episódios relatados nos registros de ocorrências também
foram aleatoriamente tomados. Neles são registradas
as manifestações de agressão, autoagressão, variações
no quadro geral de comportamento – relatadas por
profissional presente na situação.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 211
comportamento dos residentes ou provocar alteração de
humor. Há que se considerar que pouquíssimos brasileiros
têm o privilégio de usufruir de um cardápio tão variado
e nutritivo – tanto pelo elevado custo, quanto pela
necessidade de uma rotina, disponibilidade de tempo,
organização e disciplina para seguir rigorosamente as
orientações de tal educação alimentar.
Buscar mantê-los ocupados na maior parte do tempo
– tanto nas atividades laborais mais simples como
cuidar de si, nas atividades rotineiras da casa, atividades
individuais ou em grupo, propostas pelos técnicos e
educadores – podem propiciar autonomia aos sujeitos,
ainda que limitada.
A rotina da instituição e as atividades propostas
são elaboradas e acompanhadas por uma equipe
multidisciplinar, composta por profissionais da saúde e
educação, com formação e experiência em deficiência
intelectual – aspecto relevante, já que muitas queixas em
relação à educação inclusiva referem-se ao despreparo e
à falta de formação dos profissionais.
Algumas atividades programadas ocorrem fora do
espaço institucional. Existem também passeios e saídas
periódicas para consultas a médicos e dentistas, exames
e visitas a familiares. Em relação às visitas de familiares
aos residentes, não há restrição de dia e horário por parte
da instituição, mas a maioria delas ocorre nos fins de
semana e datas festivas.
Os dados revelam uma engrenagem, um sistema
voltado exclusivamente para as necessidades dessas
pessoas. Esse sistema parece oferecer o que as famílias
a produção
do conhecimento
no campo da
212 educação especial
contemporâneas – nas quais cada um de seus membros
tem inúmeros afazeres – não têm condições de oferecer.
Isso talvez explique a opção de encaminhar para uma
instituição especializada um membro familiar que
apresente deficiência intelectual grave.
Relatórios de ocorrências
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 213
Nas ocorrências relatadas, há intervenções imediatas
dos profissionais, com a preocupação evidente em manter
a integridade física e psicológica de todos. Mas também
revela que os profissionais têm equilíbrio, formação
adequada e afeto. Além de proteção e cuidado, percebe-
se um esforço em ouvir e acolher as manifestações dos
residentes e seus desejos, expressos nas mais diversas
formas de comunicação com o mundo que os cerca.
a produção
do conhecimento
no campo da
214 educação especial
mobilização da sociedade para incluir todas as pessoas,
os dados apresentados pela instituição parecem indicar
que isso ainda é algo distante.
Considerando a trajetória de cada um dos residentes,
os relatos e comentários dos familiares e dos profissionais
que participaram da atividade – descrevendo o
comportamento dos residentes – é possível afirmar que o
trabalho da instituição contribui significativamente para
o desenvolvimento da autonomia, o que redunda em
ampliação, mesmo que pequena, dos direitos humanos e
de cidadania desses sujeitos.
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 215
transformando debates em embates, desconsiderando
possibilidades de discussão e, principalmente,
embutindo na sociedade a proposta de educação
inclusiva como unanimidade, transformando-a num
tema recorrente e polêmico.
Assim, foi de fundamental importância a possibilidade
de produzir algum conhecimento acerca da educação
especial para além dos estudos amplamente difundidos e
constantemente pesquisados sobre a inclusão da pessoa
com deficiência no ensino regular.
Os dados revelaram que as pessoas com deficiência,
da instituição pesquisada, vivem em ambiente segregado
e não frequentam a rede regular de ensino, porém têm
um elevado padrão de vida e estão inseridos em uma
rotina diária, voltada exclusivamente ao atendimento de
suas necessidades, visando à ampliação de acesso aos
seus direitos humanos e à cidadania. Sendo assim, não
estão excluídos socialmente – muito pelo contrário, têm
uma qualidade de vida muito melhor que milhões de
brasileiros.
Sobre esses aspectos, é possível uma aproximação
com as considerações de Martins (2009), ao definir
exclusão social como um conceito vazio. O autor afirma
que o discurso atual sobre exclusão é, basicamente,
um equívoco. Diz ainda que há uma fetichização
conceitual da exclusão, elegendo-a como uma palavra
mágica que explicaria tudo. Sendo assim, torna-se
um conceito insuficiente e equivocado: “O conceito é
inconceitual, impróprio e distorce o próprio problema
que pretende explicar” (MARTINS, 1999, p. 27).
a produção
do conhecimento
no campo da
216 educação especial
Desse modo, podemos deslocar o eixo da discussão de
segregação como sinônimo de exclusão, para discutir que
estar socialmente incluído pode ir além do estar junto, de
frequentar o mesmo espaço educacional. Pode ser, talvez –
dependendo das limitações e condições de vida do sujeito
–, a possibilidade de se desenvolver, de aprender e viver
dignamente, tendo seus direitos humanos garantidos.
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 217
BITTAR, E. C. B. Cidadania: condição de exercício dos direitos
humanos. Panóptica, Vitória, ano 1, n° 1, p. 1-5, set. 2006.
Disponível em: <http://www.panoptica.org>.
a produção
do conhecimento
no campo da
218 educação especial
BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 219
CURY, C. R. J. Os fora de série na escola. São Paulo: Armazém
do Ipê, 2005.
a produção
do conhecimento
no campo da
220 educação especial
MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como
fazer? São Paulo: Moderna, 2006.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 221
PAN, M. A. G. de. S. O direito à diferença: uma reflexão sobre
deficiência intelectual educação inclusiva. Curitiba: Ibpex, 2008.
a produção
do conhecimento
no campo da
222 educação especial
Capítulo 7
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 223
mobilização em prol dos indivíduos que utilizam
a Libras como forma prioritária de comunicação.
Apesar de hegemônicos – tanto o movimento dos
surdos em prol de uma cultura e identidade próprias,
caracterizadas pela utilização da língua de sinais, quanto
o movimento acadêmico que procurou dar sustentação
teórica a essa perspectiva – encontraram opositores,
seja por surdos que defendem a oralização, seja por
pesquisadores que colocam em xeque a visão da surdez
como diferença que se expressa por uma cultura própria,
apartada e antagônica à cultura ouvinte2.
Cabe levar em conta que aqueles que sinalizam
compõem somente uma parcela das pessoas com perda
auditiva profunda ou severa bilateral3.
É dizer, nem todos os indivíduos surdos comunicam-se
por meio da Libras, o uso da fala e leitura labial constitui-
se como modo de comunicação eficiente entre um grupo
significativo de indivíduos surdos4. Cabe entender,
também, que tanto a modalidade linguística visual-
motora quanto a falada estiveram atreladas à educação
a produção
do conhecimento
no campo da
224 educação especial
escolar de indivíduos surdos. Isto é, historicamente
a educação de pessoas surdas esteve envolvida com
a expectativa do sujeito em adquirir uma língua e se
comunicar por meio dela. Para alguns, tal expectativa
encaminhou-se para a língua oral, para outros, os sinais.
Diante de tal cenário, a tese de doutorado cujo
escrito tem por referência procurou compreender de
que forma as condições sociais expressas em trajetórias
diversificadas favoreceram a construção de identidades
sociais distintas, tendo como parâmetro a decisão desses
indivíduos em utilizar preferencialmente a língua oral ou
a língua de sinais.
Tendo por base a perspectiva de estudos críticos da
educação de pessoas surdas, a partir da iniciativa de
Bueno (1998), considera-se a surdez como deficiência
e não somente como uma diferença, pois a perda da
audição acarreta impedimentos auditivos importantes
para a vida social, assim como não constitui a única
marca na composição da identidade de uma pessoa surda
porque, para qualquer sujeito (surdo ou não), marcas
como condição de classe, raça, gênero, local de moradia
e espaço social percorrido na trajetória de vida compõem
elementos que se inscrevem na construção social da
identidade.
São levados em consideração para esta produção
textual os dados e análise dos depoimentos pessoais de
três5 mulheres surdas, no que se refere a determinada
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 225
época em que traçaram o início de suas trajetórias e o
momento histórico-político, assim como os espaços
sociais onde constituíram suas trajetórias. Trata-se,
então, de parte dos achados da pesquisa já mencionada
que toma para análise a construção social da identidade
de indivíduos surdos por meio dos conceitos de trajetória
e estratégia, cunhados por Bourdieu (1996), utilizando
como procedimento sua organização em estações.
Tal escolha se deu por Bourdieu definir trajetória
a partir da crítica que estabeleceu aos estudos que se
utilizam dos procedimentos denominados história de
vida, cujo entendimento sobre o conceito está calcado em
uma trajetória singular e na sucessão de acontecimentos
relacionados. Utilizando-se de uma metáfora para
demonstrar o equívoco do procedimento citado, o autor
expõe que é como “tentar explicar a razão de um trajeto
no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto
é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes
estações” (BOURDIEU, 1996, p. 189).
De outro modo, define trajetória como uma série de
posições ocupadas, sucessivamente, por um indivíduo ou
grupo, em um espaço social. Elucidando que, imersos em
uma “trama de relações, práticas e significados sociais”
– que presta à sua existência a ideia de unidade – os
indivíduos também podem, ao longo da vida, deslocar-
se no espaço social. É dizer que o que lhe confere à
a produção
do conhecimento
no campo da
226 educação especial
existência a ideia de unidade são os mecanismos sociais,
os quais tendem a estabelecer que certa ação ou postura,
inscrita no mundo social, seja associada à identidade
individual (BOURDIEU, 1996, p. 189).
Assim,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 227
as trajetórias e posições que ocupam socialmente (em
virtude do volume e estrutura de capital), possuem uma
inclinação a orientar-se ativamente para a preservação
da distribuição do capital ou pela subversão dessa
distribuição. Tal formulação não possui o sentido
generalizador que atribui a todos os pequenos possuidores
de capital virem a ser agentes sociais revolucionários,
muito menos seu inverso, mas pode possibilitar entender
o espaço social em seu conjunto (BOURDIEU &
WACQUANT, 2005).
É dentro desta ótica que Bourdieu (1996, p. 61)
se refere aos processos de escolarização como um
“modo de reprodução estatística”, ou seja, de tendência
predominante de sucesso e fracasso escolar em relação
à origem e trajetória social de cada um, alertando que
os interesses de pais e filhos estão direcionados (aquém
da consciência) a evitar a desclassificação social. Para
isso conduzem inúmeras estratégias que possuem por
finalidade manter a posição, segundo sua origem. Para
tanto, o sentido real das estratégias reside no senso
prático, no sentido do jogo, “como domínio prático da
lógica ou da necessidade imanente de um jogo, que se
adquire pela experiência de jogo e que funciona aquém
da consciência e do discurso” (BOURDIEU, 1996, p. 79).
Para dar maior precisão ao conceito, o autor
estabelece uma distinção entre regra, tal qual Lévi-
Strauss argumentava, e estratégia, no significado que
ele procura estabelecer, na medida em que com essa
não distinção “corre-se o risco de cair em um dos
paralogismos mais funestos das ciências humanas,
a produção
do conhecimento
no campo da
228 educação especial
aquele que consiste em tomar, segundo a velha fórmula
de Marx, ‘as coisas da lógica pela lógica das coisas’”
(BOURDIEU, 1996, p. 79).
Sobretudo, tendo como princípio básico que
norteou a pesquisa ultrapassar a perspectiva de que
a trajetória se restringe única e exclusivamente a um
percurso linear, individual e relativamente organizado
e planejado, serão expostos a caracterização das três
mulheres surdas entrevistadas e dos espaços sociais, a
organização da análise por estações e as considerações
pertinentes aos resultados apresentados.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 229
Primeiro, cabe citar a mais jovem dentre os sujeitos
entrevistados.
Aline é uma jovem branca de 20 anos, surda profunda
desde o nascimento, falante e implantada, estudante de
moda, solteira, moradora da região central da cidade de
São Paulo, filha única de pais de uma fração da classe
média, frequentadora dos encontros de implantados e de
grupos de discussão feminista.
Seus familiares mantiveram, durante sua infância e
adolescência, residência na mesma localidade, no bairro
Santa Cecília, que em períodos históricos anteriores
foi uma região que reunia casarões de cafeicultores e a
sede do governo do Estado de São Paulo, mas durante
o período vivido por Aline a área já apresentava certa
degradação nos edifícios e vias e grande concentração
de moradores sem-teto (SÃO PAULO, 2013b). Assim,
recorrer ao bairro vizinho de Higienópolis para os
estudos em uma escola particular de alto padrão e lazer
com acesso a lojas, cinema e shopping, são escolhas
inquestionáveis de sua família, mesmo que para isso
sua mãe tivesse que trabalhar inclusive aos sábados.
Em geral, Aline demonstra usufruir mais do bairro
vizinho, por conta também da proximidade geográfica –
de aproximadamente 800 metros de sua residência – do
que de onde realmente reside, preferindo situar-se como
moradora de Higienópolis e não do bairro Santa Cecília.
Em seus relatos evidencia-se que sua origem social
remete a uma ascendência de classe média. Seu pai atua
profissionalmente como analista de sistemas e a mãe,
como gerente de loja. Ambos acessaram o nível de ensino
a produção
do conhecimento
no campo da
230 educação especial
superior, mas a mãe acabou não conseguindo concluí-lo
por conta da gestação de Aline e pelo adensamento dos
custos financeiros que desfavoreceu tal investimento.
De todo modo, é possível entender que as condições
sociais de origem expressam que Aline pertence a um
estrato superior da classe média, com ambos os pais
exercendo ocupações valorizadas, residindo em um
bairro, mas situando-se no bairro vizinho caracterizado
como de população dessa camada social, expressa, por
exemplo, pelo shopping Pátio Higienópolis ali situado.
Jaci é uma senhora branca de 64 anos, falante, não
utiliza aparelho de amplificação sonora e faz leitura
labial. Sua composição familiar de origem era formada
por cinco pessoas, sendo duas irmãs mais novas, pai
procurador da Justiça e mãe professora. Mãe de dois
filhos, hoje adultos, tornou-se viúva antes dos 30
anos, e mesmo já tendo se aposentado até o momento
da pesquisa, ocupa-se como bibliotecária, função que
exerceu por toda a vida.
Nasceu no município de São Caetano do Sul, região
do ABC Paulista, mas durante o período de sua primeira
infância a família se mudou para o bairro da Aclimação
e logo depois para Moema, local onde firmaram
residência. Nessa mesma época inicia-se na região a
construção do Parque do Ibirapuera e alguns anos depois
o shopping que leva o mesmo nome. Assim, o bairro vai
se constituindo como uma das mais importantes áreas
de cultura e lazer da cidade, além de ser considerada
uma região nobre devido ao alto padrão de custo dos
prédios, residências e comércio que ali se instalaram –
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 231
lojas de calçados e vestuário de marcas internacionais e
restaurantes de renome.
A mudança da família para Moema deu-se com a
compra de uma casa no bairro por causa da proximidade
com a escola especial em que Jaci estudava, com o
trabalho do pai proporcionando um cotidiano mais
agradável e menos desgaste nos trajetos diários, e
também por ser um local que foi se estabelecendo de
acordo com as expectativas e necessidades da família.
Jaci e sua mãe frequentavam um cinema que ficava a
poucos metros de sua residência, por exemplo.
Sobretudo, entende-se que as condições sociais de
origem de Jaci expressam que pertencia a uma família
de classe média da segunda metade do século XX,
com ambos os pais exercendo ocupações valorizadas,
residindo em um bairro que foi se estabelecendo, em
sincronia com sua trajetória socioeducacional, em uma
região altamente valorizada.
Já Lúcia é uma mulher de 34 anos, a única pessoa
entrevistada que se autodeclara parda, surda profunda
desde o nascimento, usuária da língua de sinais, casada,
mãe de dois filhos (um ouvinte e um surdo), moradora do
município de Mauá, quinta filha de um conjunto de nove
irmãos, e instrutora de Libras em uma escola estadual
em Santo André.
Como parte da região do Grande ABC, Lucia viveu
sua infância e adolescência no bairro Jardim Zaíra, um
dos mais populosos do município de Mauá. Localizado
em região de mata atlântica, o município está em processo
de estruturação de uma política de desenvolvimento
a produção
do conhecimento
no campo da
232 educação especial
sustentável, uma vez que abriga várias nascentes de
rios, como o Tamanduateí, e diversas áreas de proteção
ambiental permanente. É relevante citar que na região a
política de loteamento centrava-se em vender terrenos a
preços baixos e fornecer material suficiente para o início
da construção de uma casa popular (DIAS, 2012).
Esta localidade, que nas últimas décadas enfrenta
sérios problemas sociais originados pela ocupação
desordenada, aliada à falta de planejamento urbano, possui
áreas irregulares, sem saneamento básico e ausência de
investimentos em infraestrutura. Lá é onde Lúcia tem
acesso aos bens de consumo (alimentação, vestuário
etc.) necessários para o seu cotidiano, permanecendo
no local após o casamento (BRASIL, 2016b).
Seu pai trabalhou como operador-chefe de uma
empresa multinacional de produção de automóveis. Hoje
é aposentado. Sua mãe se ocupava do lar e dos filhos.
Ambos os pais completaram o ensino primário e ginasial
(Ensino Fundamental). Tiveram nove filhos, sendo
quatro ouvintes e cinco surdos. Lúcia é a quinta filha.
Em seus relatos ela declara que seu grupo familiar
chegou a apresentar dificuldades para a própria
subsistência. Casou-se aos 25 anos. Tem dois filhos, um
com 9 anos, ouvinte, e o outro com 6, surdo.
As condições sociais de origem expressam que Lúcia
pertenceu a uma família de classe popular, com o pai
exercendo ocupação qualificada e a mãe se dedicando
aos afazeres domésticos e aos cuidados com os filhos,
residindo em bairro periférico caracterizado pela
ausência ou inconsistente infraestrutura básica.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 233
Estações: Moema, Higienópolis e Jardim Zaíra
a produção
do conhecimento
no campo da
234 educação especial
(culturais, sociais etc.) são apropriados por esses sujeitos
(BOURDIEU, 2012).
Assim como Jaci, Lúcia residiu a vida toda no
mesmo bairro, no município de Mauá. No entanto,
a falta de infraestrutura fez com que ela, em alguns
momentos da vida, precisasse se deslocar para outras
regiões para ter acesso ao ensino especializado e
trabalho. Esses deslocamentos não representaram para
Lúcia motivação suficiente para que mudasse o local de
sua moradia.
Permaneceu na mesma região após o casamento, e
declarou que sua escolha se deu porque ali lhe é muito
familiar. Mais do que isso, levando em conta as chances
efetivas de sua condição social, suas possibilidades
somente permitiriam se transferir para outro local
muito parecido com aquele ao que está habituada.
Assim, racionaliza essa impossibilidade afirmando que
está habituada ao local onde mora, valorizando-o: “É
um lugar tranquilo, pois nasci e cresci ali, o cheiro é
familiar”, o que contrasta com a realidade efetiva do
Jardim Zaíra.
Cabe entender que o espaço social, além de organizar
as representações e práticas dos agentes, vincula-se
às suas propriedades determinantes, distinguindo e
agrupando as pessoas em suas afinidades, desejos,
simpatias, em suas disposições. Assim, a proximidade
no espaço social engendra uma possibilidade objetiva,
uma pretensão em existir como classe, como grupo
social. Contudo, as distâncias ou aproximações
também se constituem pelo espaço social reificado,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 235
isto é, pelo espaço físico objetivado. Cada agente,
como um ser tangível, está situado em um ponto
do espaço físico, em um lugar cujas propriedades
(sociais, culturais e outras) podem ser apropriadas,
de acordo com sua posição em relação aos demais
lugares (BOURDIEU, 1996, 2012).
Deste modo, o espaço social se manifesta
diversamente, em oposições espaciais, e funciona sob
o modo de “simbolização espontânea” desse espaço,
definindo-se pela exclusão mútua de posições:
a produção
do conhecimento
no campo da
236 educação especial
A surdez em família de classe média e as
experiências escolares
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 237
pessoal. Meus pais ficaram na dúvida, no começo, se
eu devia estudar lá, mas eu fui crescendo e perceberam
que valeu muito a pena eu ter feito a oralização. Se eu
tivesse uma filha eu ia escolher a oralização também,
eu acho que tem mais recursos, do que só com a
Libras” (Aline).
a produção
do conhecimento
no campo da
238 educação especial
Com relação à escolarização, Aline realizou todo o
percurso escolar de base em uma instituição particular
muito tradicional e de qualidade reconhecida, localizada
no bairro de Higienópolis. Além do período de aulas que
correspondia à série na qual estava matriculada, Aline
permanecia na escola no contraturno, momento em que
fazia aulas de ballet, inglês e artes, realizava lições de casa,
esclarecia dúvidas, assim como brincava com os demais
alunos com jogos tradicionais e atividades recreativas
dirigidas: jogo de taco, circuitos com bolas, perna de pau etc.
Na adolescência a família passou a buscar outros tipos
de investimento escolar, como o curso de inglês em uma
escola específica para o ensino de línguas, que frequentou
por dois anos. O que a impulsionou, anos mais tarde, a
estudar de forma independente outras línguas, como a
língua russa. Com a alta no treinamento de fala aos 16
anos, a família passou a recorrer às aulas de reforço. A
necessidade desse recurso se fez imprescindível, mesmo
com o evidente interesse de Aline pelo aprendizado
escolar, pois no Ensino Médio a prática dos professores
em priorizar a explicação oral em momento de aula
dificultava dar continuidade ao estudo fora da sala de
aula, bem como as provas passaram a conter questões
dos vestibulares de anos anteriores, o que reforçou a
necessidade de apoio.
Aline concluiu o Ensino Médio e está se
profissionalizando em moda, cursando a graduação em
uma faculdade particular com pouca tradição no ensino
superior, mas com importante renome como instituição
de ensino básico.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 239
Com relação a Jaci, única pessoa surda da família,
sua perda auditiva deveu-se a um antibiótico que a
mãe tomou durante a gravidez. Desde a tenra infância
até os dias atuais passou por intenso treinamento
oral diário no meio familiar. Seus pais estavam
sempre atentos a sua fala, compreensão das palavras,
significados que eram comunicados.
Falar corretamente era essencial para a socialização
de Jaci, de tal modo que a fez ser capaz de oralizar e
se concentrar na leitura labial sem ser cansativo, já
que a comunicação com as mãos não era apreciada
pelos familiares.
a produção
do conhecimento
no campo da
240 educação especial
As relações de amizade de Jaci estiveram continuamente
atreladas aos contatos do meio familiar, como primos,
amigos da escola e do clube esportivo a que a família era
associada, privilegiando o contato com ouvintes e surdos
falantes. Mais do que não gostar dos gestos ou sinais,
o uso deste recurso de comunicação era entendido por
sua família como inadequado para seus descendentes.
Jaci menciona de forma positiva a relação entre o
treino de fala e o esforço empreendido para isso, sendo
reconhecido por ela como satisfatório comparado
a outros aprendizados, como a alfabetização. Cabe
entender que seu treino de fala se dava em conjunto com
a escolarização na instituição especializada, também
muito reforçado em momentos de descontração e lazer
no ambiente familiar.
Jaci frequentou o ensino especializado durante os anos
de 1955 a 1966, até completar o ensino primário e ginasial
(Ensino Fundamental) com 14 anos, e ser encaminhada
ao próximo nível de ensino, na época chamado ensino
colegial. Não por acaso, Jaci fazia parte de um grupo
privilegiado de alunos do ensino especializado, os quais
tinham aulas extras de leitura.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 241
ano, ela tirava dinheiro do próprio bolso pra não ficar
no vermelho. Por isso que meu pai era voluntário. A
minha mensalidade era mais cara que o salário da
minha mãe como professora. Era muito cara” (Jaci).
a produção
do conhecimento
no campo da
242 educação especial
Observa-se também o intenso processo de manutenção
da herança cultural familiar que mobilizou os familiares
a buscarem diminuir a marca da deficiência auditiva –
com treinos e correções diárias de linguagem, além da
valorização do contato social entre pares da mesma
fração de classe (porção dominante da classe média) –,
favorecendo inclinar-se a um destino social adequado
ao padrão moral-religioso católico no qual é valorizada
a constituição e manutenção do núcleo familiar. Esse
padrão, aliado à profissão de nível superior, puderam
garantir o sentido esperado de sua trajetória. Ao trabalhar
durante quarenta anos no mesmo emprego, Jaci foi capaz
de se manter no status social de seu grupo familiar, pois seu
local de trabalho ainda possui muito prestígio social, além
de permitir-lhe atender às exigências e responsabilidades
que seu grupo social atribuía à função de mãe.
Assim, estudar em determinada escola especial
privada estabeleceu-se como uma estratégia para evitar
sua desclassificação social em relação ao seu grupo
familiar, explicitada também na preocupação da mãe
em fornecer complementos educacionais para que ela
tivesse um futuro garantido.
É interessante, ainda, verificar que não havia
nenhuma preocupação mais acentuada sobre uma
possível desclassificação de suas duas irmãs ouvintes,
pois para a família era “natural e previsível” que uma
trajetória comum e sem percalços seria percorrida
por elas, como aconteceu. Assim, mesmo que de
forma pouco consciente, a distinção entre a ação
familiar sobre as três irmãs e os resultados alcançados
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 243
mostram que esse estrato social se apropria de meios
bastante adequados para superar as possibilidades de
desclassificação de uma filha que possui uma marca
biológica considerada negativa.
Para o grupo familiar de Aline o investimento na
escolarização da filha se distingue do que foi estabelecido
pela família de Jaci, pois em meados dos anos 1990 as
escolas especializadas para surdos passavam por um
redirecionamento na perspectiva socioeducacional, do
oralismo para o bilinguismo.
O ano de nascimento de Aline é muito significativo
no âmbito da educação de surdos, pois se comemoravam
os dez anos da mudança de nome e perspectiva da
Federação Nacional de Educação e Integração dos
Deficientes Auditivos (FENEIDA) para se tornar a
Federação Nacional de Educação e Integração dos
Surdos (FENEIS)7, mostrando que se intensificava a
mobilização que passava a defender a língua de sinais.
Tanto é que, dois anos depois, em 1999, se fez público o
manifesto “A educação que nós surdos queremos”, que
tinha em uma de suas pautas principais o direito de toda
criança surda aprender a língua de sinais8.
a produção
do conhecimento
no campo da
244 educação especial
Mais do que isso: o pai de Aline mantinha contato com
a efervescente conjuntura do movimento pela afirmação
da língua de sinais, uma vez que trabalhava em uma escola
privada para surdos quando descobriu a surdez da filha.
Tanto é que a família ficou em dúvida inicialmente, mas
acabou escolhendo a oralização como meio de aquisição
de linguagem para a filha. Tal direcionamento deveu-se
às possibilidades da família, pois a surdez foi descoberta
ainda no primeiro ano de vida (a precocidade é um fator
relevante para o aproveitamento do treino de linguagem)
e a família detinha condições objetivas para que a opção
se realizasse, assim como pelos interesses associados que
a posição social lhes inspirou, confirmados por Aline ao
declarar que a oralização proporciona mais recursos do
que a Libras.
Assim, a inserção da filha em uma escola de ensino
regular qualificada, associada ao trabalho contínuo
de oralização, constituiu-se como estratégia capaz de
proporcionar sua efetiva incorporação em seu grupo
social.
Por meio da produção ou apropriação dos meios
simbólicos existentes, deve-se entender que a cultura
pode tornar-se uma forma de capital, pois para cada
forma de capital cultural há um valor atribuído, conforme
os diferentes tipos de mercado (familiar, escolar,
profissional etc.). Em decorrência, entende-se que a
posse do capital cultural legítimo significa distinguir-se
socialmente e elevar sua posição no espaço social, que
é também poder usufruir de vantagens nas disputas por
prestígio social. Sobretudo, quando a transmissão do
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 245
capital cultural ocorre domesticamente é que as famílias
garantem o mais determinante dos investimentos
educativos (BOURDIEU, 2015a,b).
Os grupos familiares de Jaci e Aline investiram
intensamente na aquisição de capital cultural,
principalmente em ambiente familiar onde o trabalho de
linguagem oral era reforçado pelos pais no incentivo ao
diálogo cotidiano, no acesso a diversas leituras e legendas
e nas correções de pronúncia e uso das palavras.
Algumas considerações
a produção
do conhecimento
no campo da
246 educação especial
De acordo com os resultados analisados é possível
afirmar: a constituição da identidade social e o uso
preferencial pela língua de sinais ou língua oral se
dá no decorrer da trajetória social da pessoa surda,
de acordo com a posição social que ela ocupa em
determinados espaços sociais e momento histórico-
político.
Nesse sentido, pode-se constatar que a apropriação
e uso predominante da língua de sinais não foi o único
elemento que constituiu a identidade social desses
indivíduos com deficiência auditiva severa e profunda,
assim como a apropriação e uso predominante da
língua oral também não foi o único vetor responsável
por uma inserção social mais qualificada.
Reconhecer que a língua de sinais é natural a
toda e qualquer pessoa surda é atribuir a diferentes
pessoas, pertencentes a diferentes grupos sociais,
características unificadoras, deixando de levar em
conta que pessoas – surdas ou ouvintes – possuem
construções identitárias distintas que se alteram ou se
cristalizam no decorrer de suas trajetórias.
Mais do que isso, procurar estabelecer identidade
social unitária como escolha pessoal é uma das táticas
ideológicas constituídas na luta de classes, com o
gosto (ou preferência) tomado como natural, extraído
de sua aparência e eficácia, convertendo as diferenças
reais contidas nos modos de aquisição da cultura em
diferenças da natureza.
Ao se tomar, formalmente, sujeitos de diferentes
estratos sociais como iguais ante a escola, e a cultura,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 247
imputa-se também “à desigualdade dos dons ou à
aspiração desigual à cultura a representação desigual
das diferentes camadas sociais nos diferentes níveis
de ensino”, que, ao fim e ao cabo, está a serviço
da legitimação dos privilégios de uns sobre outros
(BOURDIEU & PASSERON, 2015, p. 45).
Por fim, ainda sob a guarida do sociólogo francês
e seus colaboradores, cabe aqui firmar posição em
relação aos limites da investigação social, dado que
a produção
do conhecimento
no campo da
248 educação especial
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 249
BRASIL. Decreto n° 5.626, 22 de dezembro de 2005. Regulamenta
a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais ‒ Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de
dezembro de 2000.
DIAS, S. Jardim Zaira. In: Mauá, A., Série bairros: Jardim Zaira.
Mauá Memória, 2012. Disponível em: <http://mauamemoria.
blogspot.com/2012/12/serie-bairros-jardim-zaira.html>. Acesso
em: 15 fev. 2017.
a produção
do conhecimento
no campo da
250 educação especial
PERLIN, G. O lugar da cultura surda. In: THOMA, A. LOPES,
M. (org.), A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidades
e diferença no campo da educação. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2005, p. 73-82.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 251
Capítulo 8
a produção
do conhecimento
no campo da
252 educação especial
livros, até culminar no invento do código de pontos por
Louis Braille. Ter domínio da leitura e de um método
de escrita eram o ponto central na educação dos cegos.
Na história da educação dos surdos, entretanto, a pedra
de toque sempre foi o modo de comunicação mais
adequado a ser-lhes ensinado: a língua de sinais ou a
oralização (ou a combinação de ambos), e o bilinguismo
(língua de sinais e a língua dominante do país). Os
primeiros indícios desse debate começaram no século
XVI, ganhando força nos séculos XVIII e XIX com os
congressos internacionais, e não estaríamos errados em
afirmar que perduram até os dias de hoje. O domínio da
leitura e da escrita, habilidades fundamentais para quem
vive em uma sociedade letrada, cuja língua dominante
é a língua portuguesa, não é uma realidade na educação
da maioria dos surdos brasileiros.
Embora o Brasil tenha avançado bastante em relação
às políticas de afirmação dos direitos das pessoas
com deficiência, sabe-se que a implementação das
prescrições não ocorre no mesmo ritmo. Neste artigo
pretendemos analisar a articulação entre a legislação
que contempla a acessibilidade de leitura e os editais
dos Programas do Livro, com a efetiva distribuição de
obras em braille e Libras1 nas escolas da rede pública
de ensino, partindo das seguintes questões: Que tipo
de obras têm sido produzidas para os alunos cegos e
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 253
surdos? Como os editais tratam a questão do acesso à
leitura? Quem produz esses materiais didáticos? Como
tem sido o processo de seleção, compra e distribuição
de livros? De que maneira o mercado editorial tem
respondido a tal demanda?
Para tentar responder a essas perguntas, o
procedimento de pesquisa adotado foi a análise
documental das seguintes fontes: legislação sobre
acessibilidade de materiais didáticos, editais dos
Programas do Livro, Guias dos Livros Didáticos, listas
das obras adquiriras pelo Ministério da Educação
(MEC), documentos produzidos pelos órgãos
responsáveis pelas diretrizes da educação especial
e dados da Imprensa Braille do Instituto Benjamin
Constant (IBC). Além disso, houve pesquisa no acervo
das bibliotecas do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES), da Biblioteca Nacional, do IBC, e da
Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da
Comunicação (Derdic).
a produção
do conhecimento
no campo da
254 educação especial
fim de compor o acervo da biblioteca escolar. Ambos
os programas são estruturados por um rigoroso
processo de seleção e avaliação − realizado por
uma comissão técnica formada por professores de
universidades públicas −, aquisição e distribuição das
obras, sob responsabilidade do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE)2.
Em 1985 articulou-se um projeto de lei que obrigasse
as editoras a imprimir em braille uma parte da tiragem de
todos os livros publicados. Após dez anos tramitando no
Congresso Nacional, o projeto foi vetado e incorporado
à legislação sobre os direitos autorais de 1998, com a
ressalva de que não configuraria violação dos direitos do
autor a impressão de livros em braille. Deste modo, abria-
se a oportunidade para o uso da lei nos Programas do Livro.
A primeira iniciativa do MEC para produção de
livros em braille do PNLD ocorreu em 1999, em
parceria com o Instituto Benjamin Constant (IBC),
centro de referência nacional na área da deficiência
visual, sendo o primeiro estabelecimento para
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 255
cegos fundado na época do Brasil Império,
vinculado diretamente ao ministério. A proposta
foi adaptar e transcrever para o braille vinte livros
didáticos aprovados no PNLD para atender, de
forma experimental, alunos cegos matriculados no
ensino regular. Foram produzidos livros de 1ª a 4ª
série, conforme mostra a Tabela 1. Em virtude dos
diversos obstáculos encontrados durante a produção
das obras, a equipe responsável deparou com a
necessidade da elaboração de uma normatização da
grafia braille que abrangesse as múltiplas linguagens
presentes nos livros didáticos, como gráficos,
tabelas, fotos, caça-palavras, tirinhas, mapas,
entre outros. O resultado desse trabalho gerou dois
documentos oficiais que são referência na produção
de qualquer material em braille no Brasil: Normas
técnicas para a produção de textos em braille (1999)
e Grafia braille para língua portuguesa (2002). Em
busca de uma tecnologia que auxiliasse a produção
dos livros, a Imprensa Braille do IBC fez uma
parceria com o Núcleo de Computação Eletrônica
da Universidade Federal do Rio de Janeiro para
a criação do software Braille Fácil, um editor de
texto que permite a visualização do texto em braille
na tela do computador, agilizando a produção do
livro impresso (SANTOS et al., 2014). Com a
experiência adquirida no projeto-piloto, o instituto
aumentou gradativamente o volume de obras: entre
2000 e 2001, adaptou 90 títulos didáticos de 1ª a 4ª
série (Tabela 2).
a produção
do conhecimento
no campo da
256 educação especial
Tabela 1
Livros didáticos em braille produzidos pelo IBC (1999)
1ª 2ª 3ª 4ª
Disciplina série série série série Total
Língua Portuguesa - 1 1 - 2
Matemática - 1 1 - 2
Ciências 1 4 2 1 8
Estudos Sociais* 5 1 2 - 8
Total 6 7 6 1 20
*
Embora na lista do IBC conste como Estudos Sociais, referem-se às
disciplinas de História e Geografia.
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados disponíveis em:
<http://www.ibc.gov.br>. Acesso em: 22 fev. 2015.
Tabela 2
Livros didáticos em braille produzidos pelo IBC
(2000-2001)
1ª 2ª 3ª 4ª
Disciplina série série série série Total
Língua Portuguesa 5 7 6 5 23
Matemática 2 2 3 3 10
Ciências 6 6 5 6 23
História e Geografia* 13 8 7 6 34
Total 26 23 21 20 90
*
A lista do IBC traz apenas os títulos das coleções agrupados em História
e Geografia, não sendo possível identificar os volumes separadamente.
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados disponíveis em:
<http://www.ibc.gov.br>. Acesso em: 22 fev. 2015.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 257
II ‒ o livro é o meio principal e insubstituível da difusão
da cultura e transmissão do conhecimento,
do fomento à pesquisa social e científica,
da conservação do patrimônio nacional, da
transformação e aperfeiçoamento social e da
melhoria da qualidade de vida;
III ‒ fomentar e apoiar a produção, a edição, a difusão,
a distribuição e a comercialização do livro;
[...]
IX ‒ capacitar a população para o uso do livro como
fator fundamental para seu progresso econômico,
político, social e promover a justa distribuição
do saber e da renda;
[...]
XII ‒ assegurar às pessoas com deficiência visual o
acesso à leitura (BRASIL, 2003).
a produção
do conhecimento
no campo da
258 educação especial
em Minha Casa”, sendo trinta títulos do programa de 2001
(4ª série) e quarenta da edição de 2002 (4ª e 5ª série)3.
Tabela 3
Livros didáticos em braille produzidos pelo IBC (2003-2004)
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª
Disciplina Total
série série série série série série série série
Língua Portuguesa 4 6 6 6 7 7 7 7 50
Matemática 2 2 2 2 2 2 2 2 16
Ciências 1 3 3 3 2 2 2 2 18
História 2 4 4 4 3 2 2 4 25
Geografia 1 3 3 3 3 2 2 2 19
Total 10 18 18 18 17 15 15 17 128
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados disponíveis em: <http://www.ibc.gov.br>. Acesso em: 22
fev. 2015.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 259
Tabela 4
Programa Nacional Biblioteca da Escola ‒ PNBE (1998 a 2014)
Ano de Livros
Investimento total Atendimento
distribuição adquiridos
a produção
do conhecimento
no campo da
260 educação especial
incorporar a legislação de acessibilidade de leitura
gradativamente. No ano de 2004 foram lançados dois
editais para aquisição de obras para 1ª a 4ª série com
as seguintes prescrições: o PNBE 2005 incluiu uma
cláusula em que a Secretaria de Educação Especial
(SEESP) ficaria responsável por indicar as obras
passíveis de adaptação ao braille, devendo as editoras
assinar um termo de autorização, uma vez que a
edição adaptada não entraria no cômputo da compra
realizada pelo MEC/FNDE; e o edital do PNLD
2007 determinava que a SEESP indicaria, no Guia do
Livro Didático, as obras passíveis de adaptação para a
escolha do professor5. Embora tal indicação não tenha
constado do Guia, o IBC deu continuidade ao trabalho
de produção de livros didáticos em braille, conforme
mostram as Tabelas 7 e 8.
Importante observar que a legislação em prol da
acessibilidade de leitura abarcava apenas a deficiência
visual e os livros em braille. A população surda, embora
tenha conquistado o reconhecimento da Libras como
língua de comunicação e expressão em 2002, seria
incluída na discussão do acesso a materiais didáticos
somente no Decreto n° 5.625/2005, cujo capítulo a
respeito do uso e da difusão da Libras e da língua
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 261
portuguesa traz a seguinte prescrição: “disponibilizar
equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação
e comunicação, bem como recursos didáticos para
apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência
auditiva” (BRASIL, 2005).
Nesse ínterim, uma iniciativa da editora Arara
Azul, de Petrópolis, chamou a atenção para tal lacuna.
Com financiamento do Fundo de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), por meio do
edital Tecnologia na Pequena Empresa − TPE, de
2002, a editora criou um projeto para produzir dez
títulos clássicos da literatura brasileira em Português-
Libras no suporte livro com CD-ROM. O trabalho
se desenvolveu ao longo de três anos e contou com
a parceria da Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos (Feneis), com o apoio do
Ministério da Cultura e da SEESP/MEC, e com
patrocínio da empresa IBM por meio da Lei Rouanet.
Durante sua execução, foi criado um ambiente virtual
com um fórum de discussões para que professores de
vários estados pudessem avaliar os CDs e enviar suas
sugestões e críticas, uma vez que se tratava de um
projeto experimental e inédito de adaptação de textos
literários para a língua de sinais. Ao fim do processo,
com todos os ajustes possíveis incorporados à edição
dos CDs, foram adquiridos em 2006 pelo MEC 15 mil
coleções, distribuídas em 8.315 escolas, beneficiando
36.616 alunos surdos de todo o Brasil e totalizando um
investimento de 660 mil reais por meio da verba do
PNBE (RAMOS, 2013).
a produção
do conhecimento
no campo da
262 educação especial
As discussões suscitadas por este projeto vinham ao
encontro das reivindicações dos movimentos sociais
que pleiteavam o acesso dos surdos à educação, com
a presença de intérpretes de Libras em sala de aula e
o ensino da língua portuguesa escrita como segunda
língua, promovendo uma educação bilíngue. O decreto
de 2005 supriu essa demanda ao incluir a língua de sinais
como disciplina curricular nos cursos de licenciatura e
a criação de cursos de graduação para a formação de
professores de Libras.
Ainda no ano de 2005, o edital do PNLD 2008 para
obras de 5ª a 8ª série incluiu uma cláusula que mexeu
com o mercado editorial: “O processo de adaptação,
transcrição e impressão dos livros em braille, bem como
dos livros em caracteres ampliados das obras adquiridas
pelo FNDE, ficará a cargo dos detentores de direitos
autorais” (BRASIL, 2005b, p. 11). O edital trazia apenas
esta cláusula, sem especificar prazos, multas ou punições
em caso de descumprimento. Não se sabe se houve uma
possível negociação com MEC/FNDE para eximir os
editores de tal obrigação, tampouco há registros sobre
o pagamento de livros didáticos em braille nas relações
de compras do FNDE. Esta cláusula não voltou a constar
do demais editais do PNLD, nos fazendo concluir que
o ônus pela produção dos livros em braille aprovados
neste edital recaiu sobre o IBC, uma vez que a lista de
obras impressas do instituto inclui o ano de 2008.
Nos editais do PNBE e do PNLD publicados em 2006
não constam cláusulas sobre acessibilidade. Podemos
inferir dois fatos que justifiquem essa ação: a contínua
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 263
produção de livros didáticos em braille pelo IBC,
conforme vemos nas Tabelas 7 e 8; e a recente aquisição
das obras de literatura em Libras. Outro fato relevante é
que, no ano de 2006, a editora Arara Azul propôs ao MEC
a produção de um livro didático em Libras, algo nunca
realizado em nenhum país, segundo Ramos (2013).
A obra escolhida foi Trocando ideias: alfabetização
e projetos, da editora Scipione, inserida nas compras
do PNLD 2008. Em 2007, foram distribuídos 16.500
exemplares da obra para alunos surdos das classes de
alfabetização.
a produção
do conhecimento
no campo da
264 educação especial
entrelinhas é a isenção de responsabilidade do MEC em
fornecer tais livros às escolas, uma vez que remete ao
modelo que vinha sendo desenvolvido pela editora Arara
Azul. Ou seja, deixa a cargo das editoras produzir ou não
livros didáticos em Libras, às suas próprias expensas,
em conjunto com alguma instituição especializada na
educação de surdos. Se tal produção ocorresse, o MEC/
FNDE garantiria a compra de tais obras. Não houve essa
produção espontânea naquele ano, e os termos desta
cláusula se mantiveram em todos os editais seguintes,
incluindo o publicado em 2017.
Nessa época, já estava em andamento a produção de
mais alguns livros didáticos em Libras pela editora Arara
Azul com aval do MEC. Em 2009 foi adaptada a Coleção
Pitanguá, da editora Moderna, composta por livros de
1ª a 4ª série das disciplinas de Português, Matemática,
História, Geografia e Ciências, totalizando vinte volumes.
O ambicioso trabalho durou quase dois anos e contou
com a participação de 24 profissionais surdos e ouvintes
dos estados do Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul. Também incluídos no PNLD 2008, a
entrega nas escolas ocorreu apenas no ano seguinte, quando
a produção foi finalizada. Em 2011, foram adaptados
quatro volumes da Coleção Porta Aberta, da editora FTD,
com obras de 1º e 2º ano nas disciplinas de Português e
Matemática; e no mesmo ano foram adquiridos pelo MEC
11 mil exemplares do Dicionário Enciclopédico Ilustrado
Trilíngue, publicado pela Edusp (RAMOS, 2013; BRASIL,
2015). Desde 2011 não houve novas publicações de livros
didáticos em Libras.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 265
Tabela 5
Livros didáticos e paradidáticos produzidos em Libras
Disciplina Série 2006 2007 2009 2011 Total
Total 10 1 20 4 35
*
Livros apenas para 1º e 2º anos.
Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados de Ramos (2013).
a produção
do conhecimento
no campo da
266 educação especial
educação especial bem como de obras de literatura
infantil e juvenil para os alunos com necessidades
educacionais especiais sensoriais” (BRASIL, 2008c, p.
69). Poderiam ser inscritos livros com textos em verso
– poemas, quadras, parlendas, cantigas, trava-línguas,
adivinhas; textos em prosa – pequenas histórias,
novelas, contos, crônicas, textos de dramaturgia,
memórias, biografias; livros de imagens e de histórias
em quadrinhos. Os formatos acessíveis dispostos no
edital eram braille, Libras, áudio e caractere ampliado,
com previsão de aquisição de 180 obras, sendo 60
para Educação Infantil; 60 para Ensino Fundamental;
e 60 para Ensino Médio, estando contemplados nessa
quantidade os livros de orientação pedagógica.
Neste programa, o processo de inscrição e avaliação
das obras não é divulgado publicamente; os professores
não participam da escolha dos livros – são os próprios
avaliadores que selecionam as obras –; e a tiragem a ser
comprada é determinada pelo FNDE/MEC com base no
Censo Escolar. Em geral, os editais do PNBE são bastante
disputados pelas editoras de paradidáticos, que produzem
obras especialmente para a concorrência pública e usam
seus diversos CNPJs para inscrever o maior número
possível de títulos por selo editorial. Consequentemente,
a quantidade de obras inscritas é sempre bastante
superior à cota a ser comprada pelo MEC. Neste edital
em particular, entretanto, somente 75 obras foram
adquiridas, menos da metade pretendida pelo MEC. Por
ter sido o primeiro edital de obras acessíveis, é possível
que as editoras estivessem despreparadas, razão pela
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 267
qual teriam optado pelos formatos mais simples e menos
onerosos, uma vez que não se sabia o volume da compra.
O investimento na produção de obras em braille e
Libras é bastante dispendioso e depende de profissionais
especializados. Para impressão de livros em braille, em
geral as editoras recorrem à Fundação Dorina Nowill
para Cegos, que cuida da transcrição, revisão e impressão
da obra, assim como a narração do texto para a versão
audiolivro, uma vez que a fundação possui um estúdio
de gravação adequado e profissionais experientes em
audiodescrição. Para a produção do vídeo em Libras é
necessário contratar um intérprete de Libras para a tradução,
exige equipamentos e espaço para a gravação do vídeo, além
de um técnico para a edição do CD. Esses procedimentos
– tanto da edição em braille como da língua de sinais –
não fazem parte do dia a dia das editoras e representam
um custo extra àqueles que compõem normalmente a
edição de um livro. Ao analisarmos as obras aprovadas
dos grandes grupos editoriais, como Ática, Ediouro, FTD,
Rocco e Melhoramentos, responsáveis por vinte títulos
aprovados, destacam-se os formatos escolhidos por todas
elas: caractere ampliado e áudio. O caractere ampliado não
é uma novidade para os editores, pois trata-se simplesmente
de ampliar o corpo da fonte do texto; e para a produção
do áudio basta contratar uma empresa especializada, que
possua estúdio e narradores profissionais. O tempo e o
custo para a produção desses dois formatos é relativamente
menor se comparado aos formatos braille e Libras.
O resultado da seleção foi publicado em janeiro de
2009, e a distribuição nas escolas ocorreu em 2010.
a produção
do conhecimento
no campo da
268 educação especial
Conforme mostra a Tabela 6, foram adquiridas apenas
6 obras em braille para as crianças que estão em fase
de alfabetização, e 11 obras para as crianças surdas da
Educação Infantil e Ensino Fundamental. Para os alunos
surdos do Ensino Médio, nenhum título foi selecionado
− deduz-se que nessa fase eles já estejam plenamente
alfabetizados em língua portuguesa −, e para os cegos
houve a predominância de audiolivros e caractere
ampliado, em decorrência do grande volume gerado pela
impressão em braille de livros com muitas páginas. A
única obra em braille selecionada para o Ensino Médio,
cujo título é Feche os olhos para ver melhor (Sá Editora),
é composta de dois volumes, com apenas cem páginas
cada um, o que não representa uma obra volumosa.
Tabela 6
Livros adquiridos no PNBE Especial 2010, por tipo de acessibilidade
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 269
e, a partir de 2010, todos os editais6 deste programa
passaram a incluir os formatos em tinta acessível − ou
seja, volume impresso com opção de acessibilidade
− no ato da inscrição das obras: tinta em caractere
ampliado com braille no mesmo exemplar, tinta
acompanhada de CD em Áudio, tinta acompanhada
de CD em PDF; e tinta acompanhada de CD ou
DVD em Libras. No final de 2009, a publicação
do PNBE 2011 trazia também o formato digital
Mecdaisy, que naquele ano seria produzido pelo
MEC. Após treinamento oferecido aos editores para
uso e manipulação do software, nos anos seguintes
a entrega do DVD da obra aprovada no formato
Mecdaisy ficou sob a responsabilidade dos editores,
remunerados pelo custo de produção.
Depois da inserção da cláusula de Libras no
edital de livros didáticos em 2008, o braille voltou a
figurar nos dois editais seguintes revelando uma ação
diretamente articulada com o IBC. Publicado em
2009, no edital para o Ensino Médio (PNLD 2012)
estava determinada a entrega dos arquivos para futura
impressão em braille das disciplinas de Matemática,
Física, Química e Biologia; e os arquivos em
DVD Mecdaisy para Língua Portuguesa, História,
Geografia, Sociologia, Filosofia e Língua Estrangeira
Moderna (inglês e espanhol). Já o edital publicado
a produção
do conhecimento
no campo da
270 educação especial
em 2010 para 1º ao 5º ano (PNLD 2013), o Mecdaisy
seria para Língua Portuguesa, Matemática, História,
Geografia e Ciências do 4º e do 5º ano, e o formato
braille para letramento e alfabetização, Matemática
de 1º ao 3º ano, incluindo as disciplinas de História,
Geografia e Ciências de 2º e 3º ano. Observando as
Tabelas 7 e 8, nota-se uma produção contínua de
livros das disciplinas de Língua Portuguesa, História,
Geografia e Ciências de 2000 a 2012 para atendimento
do Ensino Fundamental I, no entanto não constam dos
relatórios do IBC produção em braille para o alunado
do Ensino Médio.
Em 2011, o edital do PNLD 2014 para 6º ao 9º
ano procurou cobrir uma lacuna ao especificar que
somente para a disciplina de Matemática deveriam
ser entregues os arquivos para impressão em braille
– as demais disciplinas seriam em Mecdaisy7. Vale
destacar que o primeiro lote de livros didáticos
de Matemática para 6º ao 9º ano (5ª a 8ª série) foi
produzido em 2003-2004 pela Fundação Dorina
Nowill para Cegos quando da parceria com o IBC.
Embora as duas Imprensas Braille utilizassem um
padrão para a adaptação do conteúdo, a normatização
oficial só ocorreu em 2006 pelo MEC com a
publicação do Código matemático unificado para
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 271
a língua portuguesa (CMU), o que sugere ter sido
a produção desses primeiros livros de Matemática
um experimento para a definição mais lapidada das
normas, justificando a não produção de tais livros
nos anos 2004-2005-2006, conforme mostra a Tabela
7. De qualquer modo, houve um intervalo de quase
dez anos para um novo abastecimento de didáticos de
Matemática para o alunado do Ensino Fundamental II.
Ainda em 2011 é publicado o PNLD Campo 2013
para alunos de salas seriadas ou multisseriadas de
áreas rurais de 1º ao 5º ano, com as cláusulas-padrão
de acessibilidade Mecdaisy, braille e Libras. Nos
anos de 2012 e 2013, os editais direcionados para
Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA 2014) e
para o Ensino Médio (PNLEM 2015) não mencionam
a impressão em braille, mas somente a versão
Mecdaisy e Libras.
Tabela 7
Livros didáticos produzidos em braille pelo IBC por disciplina
2004 2007 2010 2011 2013
2000 2003
Disciplina 1999 2005 2008 2011 2012 2014 Total
2001 2004*
2006 2009 2012 2013 2015
a produção
do conhecimento
no campo da
272 educação especial
Tabela 8
Livros didáticos produzidos em braille pelo IBC por série/ano
2004 2007 2010 2011 2013
2000 2003
Disciplina 1999 2005 2008 2011 2012 2014 Total
2001 2004*
2006 2009 2012 2013 2015
1º ano - - - - - - - 10 10
1ª série/2º ano 6 26 10 5 12 15 - 22 96
3ª série/4º ano 6 21 18 10 12 25 - - 92
4ª série/5º ano 1 20 18 9 12 25 - - 85
5ª série/6º ano - - 17 13 - - 9 - 39
6ª série/7º ano - - 15 11 - - 9 - 35
7ª série/8º ano - - 15 11 - - 9 - 35
8ª série/9º ano - - 17 12 - - 5 - 34
Tabela
Tabela 99
Livros
Livrosparadidáticos
paradidáticosproduzidos
produzidos emembraille
braillepelo
peloIBCIBC por
por
série/ano
série/ano
2007
2007
2003
2003 *** ******
Disciplina
Disciplina 2008
2008 2010***
2010 2013
2013 Total
Total
2004* *
2004 **
**
2009
2009
1ª a1ª4ªa série
4ª série 42
42 18
18 -- -- 60 60
5ª a5ª8ªa série
8ª série 34
34 19
19 -- -- 53 53
1º e 2º ano - - 131 - 131
1º e 2º ano - - 131 - 131
1º ao 3º ano - - - 169 169
1º ao 3º ano - - - 169 169
****
Total 76
****
37 131 169 413
Total 76 37 131 169 413
*
Livros do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) –
*
Livros do em
Literatura Programa
Minha CasaNacional Biblioteca da Escola (PNBE) –
(2001-2002).
**
Literatura emdoMinha
Livros CasaNacional
Programa (2001-2002).
Biblioteca da Escola (PNBE), de
** 2005 e 2006.
Livros
***
do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), de
2005 eLivros
2006.do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) − Obras
*** Complementares (2010-2013).
Livros
**** do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) − Obras
A quantidade correta é setenta títulos. No entanto, na lista do IBC
Complementares (2010-2013).
****constam nove títulos repetidos e três títulos faltantes, totalizando a
diferença de seis obras. é setenta títulos. No entanto, na lista do IBC
A quantidade correta
constam nove títulos repetidos e três títulos faltantes, totalizando a
diferença de seis obras.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 273
A partir de 2014, uma nova mudança é
implementada nos editais do PNLD, vigente
até a última edição publicada em 2017 (PNLD
2019): os arquivos das obras aprovadas “ficarão
sob guarda e responsabilidade da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão – SECADI para disponibilização aos
Centros Produtores Público Braille no Acervo
Digital Acessível – ADA” (BRASIL, 2014). Este
acervo digital faz parte do Projeto Livro Acessível,
desenvolvido por uma parceria entre SECADI,
FNDE, IBC e Secretarias de Educação, às quais
se vinculam os Centros de Apoio Pedagógico a
Pessoas com Deficiência Visual – CAP e os Núcleos
de Apoio Pedagógico de Produção Braille – NAPPB
(BRASIL, 2018). O objetivo do projeto é o de
promover a acessibilidade no âmbito dos Programas
do Livro:
a produção
do conhecimento
no campo da
274 educação especial
descentralização da produção de livros em braille –
saindo das mãos do IBC −, o que pode significar, por
um lado, maior agilidade no processo e atendimento
mais direcionado aos alunos via Secretarias de
Educação, e por outro lado, maior burocratização,
já que as Secretarias precisarão apresentar um plano
de trabalho a fim de obter apoio financeiro do MEC
para custeio da produção. Em consulta ao site do IBC
em fevereiro de 2018, a lista de livros disponíveis
em braille trazem obras produzidas até 2014, entre
didáticos, paradidáticos, literatura e técnicos, com a
limitação de pedido por escola de 15 livros a cada três
meses.
No 13º Encontro Técnico Nacional dos Programas
do Livro, realizado em 2012, foram apresentados
os resultados das ações da Diretoria de Políticas
de Educação Especial, como a criação de 55 CAPs
e NAPPBs8, investimento na modernização desses
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 275
centros para a produção de material pedagógico e
as ações de acessibilidade nos Programas do Livro
(BRASIL, 2012). Os estados que mais possuem
centros de produção de livros em braille são Minas
Gerais, Paraná, Santa Catariana e Bahia. Uma análise
comparativa entre as matrículas do Censo Escolar
de alunos cegos e com deficiência visual por estado
poderia revelar se é possível o atendimento adequado
à demanda, considerando o maquinário disponível
nessas unidades. Alguns desses centros também
possuem material de apoio a professores para o ensino
de Libras, como o Centro de Apoio Pedagógico (CAP)
do município de São Paulo.
Tabela 10
Centros de Apoio Pedagógico a Pessoas com Deficiência
visual (CAP) e Núcleos de Apoio Pedagógico e
Produção Braille (NAPPB)
Estado CAP NAPPB
Acre 1 -
Alagoas 1 -
Amapá 1 -
Amazonas 1 -
Bahia 4 -
Ceará 1 -
Distrito Federal 1 -
Espírito Santo 1 -
Goiás 1 -
Maranhão 1 -
Mato Grosso 1 -
Mato Grosso do Sul 1 2
Minas Gerais 7 -
Pará 2 -
Paraíba 1 -
Paraná 6 -
Pernambuco 1 1
Piauí 1 - a produção
do conhecimento
Rio de Janeiro 2 1 no campo da
educação especial
276
Rio Grande do Norte 2 -
Rio Grande do Sul 1 2
Rondônia 1 -
Roraima 1 -
Maranhão 1 -
Mato Grosso 1 -
Mato Grosso do Sul 1 2
Minas Gerais 7 -
Pará 2 -
Paraíba 1 -
Paraná 6 -
Pernambuco 1 1
Piauí 1 -
Rio de Janeiro 2 1
Rio Grande do Norte 2 -
Rio Grande do Sul 1 2
Rondônia 1 -
Roraima 1 -
Santa Catarina 2 2
São Paulo 1 2
Sergipe 1 -
Tocantins 1 -
Total 45 10
Fonte: Elaboração da autora com base nos endereços
disponíveis no site do MEC (BRASIL, 2018).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 277
Língua Brasileira de Sinais – Libras” (BRASIL, 2017,
p. 4). Novamente, a produção do livro em Libras não
será obrigatória, passando a ser necessária a solicitação
por parte de alguma escola.
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
278 educação especial
leitura dos cegos. Mas não se pode incorrer no erro
de acreditar que o livro digital seja a solução para
permitir o acesso de cegos e surdos à cultura letrada. A
promulgação da Lei nº 13.146/2015, conhecida como
Lei Brasileira da Inclusão, parte da prerrogativa de que
somente as editoras que disponibilizarem seu catálogo
em formato digital acessível poderão participar de
licitações públicas9. O EPUB3 permite, sem dúvida,
uma série de mecanismos de acessibilidade, mas traz
consigo as discussões sobre a desbrailização, isto é, o
fim do formato braille, preocupação recorrente entre
as pessoas cegas que atuam nas políticas públicas
de educação. A possibilidade de integração com os
aplicativos que traduzem o texto em língua portuguesa
para a língua de sinais é outra vantagem, porém as
políticas do livro colocam essa alternativa como
optativa e não obrigatória.
Conforme demonstramos, tem havido um
descompasso entre a legislação, as políticas de
acessibilidade de leitura e os Programas do Livro. Não
existe ainda uma produção sistematizada para a entrega
das obras didáticas aos alunos cegos, e o acervo literário,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 279
cujo objetivo é incentivar a formação do leitor, é ínfimo
se o compararmos às obras destinadas aos alunos sem
deficiência. A situação dos surdos é ainda mais crítica,
porque nem sequer há um comprometimento do poder
público em fornecer livros didáticos que auxiliem na
formação escolar bilíngue – aqui estamos falando de
conteúdo escolar e alfabetização em língua portuguesa,
e não apenas em formas de comunicação.
Os Programas do Livro têm incorporado as políticas
de acessibilidade de leitura de maneira bastante
irregular, tanto em termos de atendimento como na
inconstância entre os formatos requisitados nos editais.
As tentativas de impor às editoras o fornecimento dos
livros acessíveis se mostraram ineficazes, revelando
o despreparo do mercado editorial para atender este
público específico. Por outro lado, as ações iniciadas
pelo IBC na década de 1990 para impressão de livros
em braille, que vinha alcançando alguns resultados
em termos de sistematização e continuidade na
produção, foram descentralizadas e direcionadas para
as Secretarias de Educação estaduais e municipais. No
tocante à produção de livros para surdos, os projetos
experimentais, cuja iniciativa foi de uma editora em
particular, não tiveram continuidade. E neste caso chama
a atenção o fato de o Instituto Nacional de Educação de
Surdos − INES, órgão centenário vinculado ao MEC
e referência nos estudos sobre a surdez, não ter tido
o mesmo envolvimento na política pública do livro.
Os dados que apresentamos aqui revelam que a
implementação da legislação percorre um caminho
a produção
do conhecimento
no campo da
280 educação especial
longo e tortuoso, com avanços e retrocessos, sem
a preocupação de se estabelecer uma continuidade.
Contudo, esses dados nos permitem formular
novas questões: Os poucos livros produzidos têm
chegado às escolas? Eles têm sido úteis no trabalho
do professor da classe regular ou do atendimento
educacional especializado? Esses livros cumprem sua
função no processo de escolarização dos alunos com
deficiência? São muitos os desafios que permeiam a
educação especial, e o acesso à cultura letrada é um
ponto que está diretamente ligado ao desempenho
e à permanência dessas crianças na escola.
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 281
BRASIL. Ministério da Educação. 13 ° Encontro Técnico
Nacional dos Programas do Livro (2012). Disponível em: <http://
www.fnde.gov.br/centrais-de-conteudos/publicacoes/category/126-
encontros?download=7110:palestra-mauro-jose-silva.>. Acesso
em: 14 jan. 2018.
a produção
do conhecimento
no campo da
282 educação especial
BRASIL. Ministério da Educação. Edital de convocação para
o processo de inscrição e avaliação de obras literárias para o
Programa Nacional do Livro e do Material Didático ‒ PNLD
2018 Literário (2018). Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/
programas/programas-do-livro/consultas/editais-programas-livro/
item/11568-edital-pnld-liter%C3%A1rio>. Acesso em: 8 abr. 2018.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 283
PONTE, M.; SALVATORI, T. & SONZA, A. Material digital
acessível para deficientes visuais: ampliando o acesso à informação.
Revista Benjamin Constant, Rio de Janeiro, dez. 2012.
a produção
do conhecimento
no campo da
284 educação especial
PARTE QUATRO
a produção
do conhecimento
no campo da
286 educação especial
públicas e execução de programas na área da educação,
incluindo os de transferência de recursos públicos como
merenda e transporte escolar, distribuição de livros e
uniformes, implantação de bibliotecas, instalação de
energia elétrica, Dinheiro Direto na Escola e Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)
(Brasil, 2011a, on-line).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 287
Statistics (Statistical Package for the Social Science)
para extração e organização dos dados.
Em todo o universo de dados disponíveis nos bancos
de microdados do INEP, selecionamos e organizamos
aqueles referentes à matrícula de alunos com deficiência.
Os dados sobre essa população registram as matrículas
de alunos com deficiência (física, intelectual, visual
e auditiva), transtorno global do desenvolvimento
(autismo infantil, Síndrome de Asperger, Síndrome
de Rett, transtorno desintegrativo da infância) e altas
habilidades/superdotação (Brasil/MEC/INEP, 2016).
Para a análise do acesso à educação trabalhamos
com duas estatísticas públicas, uma referente aos dados
demográficos sobre incidência da população com algum
tipo de deficiência, segundo frequência à escola no Brasil
(Brasil/IBGE, 2010a), e outra referente às matrículas na
educação básica (Brasil/MEC/INEP, 2016).
As informações demográficas sobre pessoas com
deficiência foram coletadas por amostragem. Foi
investigada a existência de deficiência visual, auditiva,
física (denominada no Censo Demográfico como
motora) e a deficiência mental/intelectual (segundo
denominação do Censo Demográfico). Durante a coleta
dos dados a pergunta realizada era se havia alguma
pessoa na residência com dificuldade permanente para
enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus. Quanto à
deficiência mental/intelectual, perguntava-se se havia
alguma pessoa com deficiência mental/intelectual
permanente que limite suas atividades habituais como
trabalhar, ir à escola, brincar etc. As respostas foram
a produção
do conhecimento
no campo da
288 educação especial
dadas selecionando uma das seguintes categorias: não
consegue de modo algum, com grande dificuldade,
com alguma dificuldade e nenhuma dificuldade. Para a
deficiência mental/intelectual apenas sim ou não. Além
disso, o Censo Demográfico apresenta as características
desta população segundo faixa etária e frequência à
escola (Brasil/IBGE, 2010a).
Contudo, os dados demográficos também apresentam
limites, haja vista a grande possibilidade, por exemplo,
de pessoas com problemas visuais que, mesmo sem se
enquadrarem na condição de deficiência visual, terem
se declarado como tais. O mesmo ocorre com os outros
tipos de deficiência.
A despeito da crítica, não podemos desconsiderar
que tais dados são aqueles que subsidiam oficialmente
o planejamento, a elaboração, implementação e
monitoramento de todas as políticas públicas brasileiras.
Em função da amplitude das categorias do Censo
Demográfico, no presente trabalho utilizamos para nossas
análises os dados referentes à categoria não consegue
de modo algum para as deficiências visual, auditiva e
motora. Também consideramos os dados referentes à
deficiência mental/intelectual.
Outra delimitação feita foi em relação à faixa etária das
pessoas declaradas como com deficiência: trabalhamos
com os dados referentes à faixa etária entre 0 e 19 anos,
o que permitiu analisar a incidência de deficiência na
população em idade escolar.
Selecionamos e organizamos os dados demográficos
de 2010 no banco de dados agregado, a partir do
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 289
Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA)
(Brasil/IBGE, 2010a).
Com relação às matrículas, tomamos os dados
de alunos com necessidades educacionais especiais
verificando sua incidência em relação aos dados
gerais da educação básica. Agregamos os dados por:
(1) Modalidade de Ensino – ensino regular com as
matrículas em classes regulares e em salas de recursos
multifuncionais e ensino especial com as matrículas em
instituições e classes especiais (modalidade substitutiva
de ensino); (2) Dependência Administrativa da Escola –
pública ou privada.
As condições de permanência dessa população na
educação básica foram analisadas a partir da distribuição
das matrículas segundo Modalidade de Ensino e Etapas
de Ensino (Creche, Pré-Escola, Ensino Fundamental,
Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA)),
Atendimento Educacional Especializado (AEE) e do
cotejamento dos dados sobre a relação Idade-Série.
a produção
do conhecimento
no campo da
290 educação especial
uma espécie de complementação de serviços entre o
poder público e a sociedade. Autores como Bueno (1993)
e Jannuzzi (2004) registram a ausência de serviços
públicos em especial para a população de pessoas
com deficiências mais severas. Como consequência,
de acordo com Kassar e Meletti (2012, p. 50), “[...] o
setor público atendeu de forma compartilhada, em sua
maioria, alunos com deficiências mais leves em classes
especiais em escolas públicas e o setor privado atendeu
alunos com deficiências mais severas em instituições
especializadas”.
O impacto dessa relação pode ser identificado nos
dados estatísticos oficiais do final da década de 1980.
Em 1988, o Ministério da Educação mostrava que, dos
alunos que recebiam atendimento especializado no Brasil,
21,78% estavam em instituições sob administração
pública e 78,21% em instituições privadas filantrópicas
(Brasil, 1991a). A relação é diferente quando se considera
a matrícula de alunos no ensino regular (para alunos de
7 a 14 anos): 2,82% estavam matriculados em escolas
privadas e 97,18% em escolas públicas (Brasil, 1991b).
Para Jannuzzi (1997), a relação entre os setores público
e privado, no que se refere à educação especial, chegou a
se caracterizar como uma parcial simbiose, permitindo,
de um lado, ao setor privado influenciar na determinação
das políticas públicas brasileiras e, de outro, ao Estado
estruturar a educação especial por meio da filantropia.
A partir da década de 1990 essa relação é afetada pela
adesão, por parte do Brasil, às orientações internacionais
tratadas na Declaração de Educação para Todos
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 291
(Conferência Mundial de Educação para Todos, 1990)
e na Declaração de Salamanca e linha de ação sobre
necessidades educativas especiais (1994), resultado da
Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais
Especiais. A adesão brasileira se dá em razão de seu
débito com as agências internacionais, tais como o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. De
acordo com Noma (2010),
a produção
do conhecimento
no campo da
292 educação especial
Esses e outros documentos internacionais forneceram
a base para a formulação das políticas educacionais
brasileiras que incorporaram os discursos da
universalização do ensino e da educação inclusiva.
Neste panorama,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 293
legítimo objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso
da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas
intactas as determinações estruturais fundamentais da
sociedade como um todo (MÉSZÁROS, 2005, p. 25).
a produção
do conhecimento
no campo da
294 educação especial
nas relações sociais que reiteram a ordem social vigente.
Mesmo quando inseridos por meio de privações, de
processos de coisificação e de anulação, de modo
precário, desumano e indigno.
Com base nesta referência é possível analisar que a
inclusão não se constitui como uma via de transformação
das condições de vida, ao contrário, é parte constitutiva
de sua criação e, sobretudo, de sua conservação.
Bueno (2008, p. 56) analisa que:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 295
durante a primeira infância têm sido lentos demais.
Em 2010, em torno de 28% das crianças de até cinco
anos de idade apresentavam baixa estatura, e menos da
metade das crianças tinha acesso à educação infantil.
Objetivo 2: O ritmo de progresso em direção
à universalização da educação primária está
desacelerando. O número de crianças fora da escola
estagnou em 61 milhões em 2010. De cada 100 crianças
fora da escola, 47 provavelmente nunca vão frequentá-la.
Objetivo 3: Muitos jovens carecem de habilidades
básicas. Em 123 países de renda baixa e média baixa,
cerca de 200 milhões de pessoas entre os 15 e 24 anos
de idade não concluíram a educação primária, o que
equivale a um em cada cinco jovens.
Objetivo 4: A alfabetização de adultos continua sendo
um objetivo difícil de ser alcançado. O número de
adultos analfabetos caiu apenas 12% entre 1990 e 2010.
Em 2010, o número de adultos analfabetos era de cerca
de 775 milhões, dois terços dos quais eram mulheres.
Objetivo 5: As disparidades de gênero se materializam
em várias dimensões. Em 2010, ainda havia dezessete
países com menos de nove meninas para cada dez
meninos na educação primária. Em mais da metade dos
noventa e seis países que não alcançaram a paridade
de gênero no ensino secundário, os rapazes estão em
desvantagem.
Objetivo 6: A desigualdade em termos de resultados de
aprendizagem continua implacável pelo mundo afora.
O número de crianças que não sabem ler ou escrever
na idade em que deveriam entrar na quarta série pode
a produção
do conhecimento
no campo da
296 educação especial
chegar a 250 milhões (UNESCO, 2012, p. 5).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 297
porque esse poder ideológico só pode prevalecer graças
à preponderância da mistificação, por meio da qual os
receptores potenciais podem ser induzidos a endossar,
“consensualmente”, valores e diretrizes práticas que
são, na realidade, totalmente adversos a seus interesses
vitais (MÉSZÁROS, 2008, p. 8).
a produção
do conhecimento
no campo da
298 educação especial
tributária quanto aos preços e sustentabilidade dos
programas, e levando alguns países, incluindo os
Países Baixos e a Suécia, a darem os primeiros passos
para reduzir a dependência do benefício entre pessoas
com deficiência e estimular a inclusão de pessoas
com deficiência no mercado de trabalho (BANCO
MUNDIAL, 2011 p. 45).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 299
classificando o atendimento em escolas especiais, aulas
especiais em escolas integradas e aulas inclusivas. Todos
os 29 países listados possuem escolas especiais, 6 não
possuem aulas especiais em escolas integradas e 3 não
possuem aulas inclusivas. Vale destacar que a Bélgica
possui mais de 90%, e a Alemanha, mais de 80%, dos
alunos com deficiência em espaços segregados; a Suécia
e a Suíça não possuem alunos com deficiência em
aulas inclusivas, privilegiando o atendimento em aulas
especiais em escolas integradas e em espaços segregados
(BANCO MUNDIAL, 2011, p. 219).
Estes dados são apresentados em meio a um discurso
de valorização das diferenças, atribuindo à educação
inclusiva a possibilidade de criação de uma sociedade
justa, sem discriminação. Para tanto, basta reduzir os
gastos diretos e indiretos com os sujeitos improdutivos
e garantir as condições quantitativas de acesso à mesma
escola. Enquanto isso, a contradição explicitada é que os
países mais ricos adotam sistemas segregados de ensino
para pessoas com deficiência.
Os dados do relatório também indicam que os estudos
feitos até o momento não eram conclusivos em relação à
melhor forma de educação para pessoas com deficiência.
a produção
do conhecimento
no campo da
300 educação especial
caso de alunos com deficiência, o acesso à educação
e a permanência na escola, preferencialmente na rede
regular de ensino, estão garantidos na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 e na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n°
9.394/96, assim como a exigência de adequação dos
sistemas de ensino para atender às especificidades
desta população.
Em 2001, a Resolução n° 2/2001 do Conselho
Nacional de Educação (CNE), que instituiu as Diretrizes
Básicas da Educação Especial, determina que “[...] os
sistemas de ensino devem matricular todos os alunos,
cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento
aos educandos com necessidades educacionais especiais,
assegurando as condições necessárias para uma educação
de qualidade para todos” (BRASIL/CNE, 2001).
Por outro lado, esse mesmo aparato legal e
normativo mantém a valorização da iniciativa privada
por meio do apoio técnico e financeiro do poder público
às instituições especiais filantrópicas que atuem
exclusivamente em educação especial e que atendam
aos critérios estabelecidos pelos órgãos normativos dos
sistemas de ensino, possibilitando seu reconhecimento
como escola pertencente ao sistema comum de ensino
(BRASIL, 1996; BRASIL, 2001). Assim, as instituições
especiais filantrópicas são absorvidas como parte do
sistema de serviços de educação especial na perspectiva
inclusiva, para aqueles sujeitos em idade escolar
obrigatória e também para todos os outros mediante
novos processos de gestão (GARCIA, 2013, p. 108).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 301
Em 2006, o Ministério da Educação publicava
o primeiro documento que definia o Atendimento
Educacional Especializado (AEE), a ser implementado
em salas de recursos multifuncionais, como:
a produção
do conhecimento
no campo da
302 educação especial
O AEE é realizado, prioritariamente, na sala de recursos
multifuncionais da própria escola ou em outra escola
de ensino regular, no turno inverso da escolarização,
não sendo substitutivo às classes comuns, podendo
ser realizado, também, em centro de Atendimento
Educacional Especializado da rede pública ou de
instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas
sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de
Educação ou órgão equivalente dos Estados, Distrito
Federal ou dos Municípios (Brasil, 2009a, on-line).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 303
conveniadas com o Poder Executivo competente” (Art.
4° e Art. 5°).
Vale destacar a centralidade do AEE, implementado
nas salas de recursos multifuncionais, na atual política
de educação especial brasileira. O que indica o modo
como a escolarização de alunos com deficiência será
organizada: em escolas regulares públicas, nas classes
comuns com o AEE ocorrendo no contraturno.
Acesso à escola
a produção
do conhecimento
no campo da
304 educação especial
estatística pública não conseguiríamos analisar qual a
incidência de pessoas com necessidades educacionais
especiais que não frequentam a escola. Já para as
análises da distribuição das matrículas segundo
modalidade regular ou especial de ensino e dependência
administrativa da escola, utilizamos os dados sobre os
alunos com necessidades educacionais especiais do
Censo da Educação Básica de 2016.
De acordo com os dados demográficos de 2010,
a população brasileira era de 190.755.799 pessoas.
Destas, 45.606.048 (23,91%) se declararam com pelo
menos uma das deficiências investigadas, 1.585.004
(0,84%) declararam que não conseguem de modo algum
enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus e 2.611.536
(1,36%) afirmaram possuir deficiência mental/intelectual
permanente que limite suas atividades habituais.
Para o dimensionamento do acesso de pessoas com
deficiência à escola, selecionamos e organizamos os
dados demográficos nacionais de 2010 por faixa etária
de zero a 19 anos, tipo de deficiência (de modo algum
e com deficiência mental/intelectual permanente) e
frequência à escola.
Os dados do Censo Demográfico de 2010 mostram
que, no Brasil, dos 190.755.799 de pessoas, 59.565.188
(31,23%) frequentavam a escola em todos os níveis e
etapas de ensino (da educação básica ao Ensino Superior)
e 131.190.611 (68,77%) não frequentavam. A população
brasileira com idade de zero a 19 anos era de 62.928.423,
dos quais 47.068.141 frequentavam a escola e 15.860.283
não frequentavam. Significa que 25,2% da população
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 305
brasileira, em idade de zero a 19 anos, não frequentava a
escola em 2010. A maior incidência de frequência estava
na faixa etária entre 5 e 14 anos, com 65,42% dos casos
declarados. Contudo, nesta mesma faixa etária (5 a 14
anos), 1.338.322 pessoas não frequentavam a escola.
No Brasil, das 1.585.004 pessoas que declararam que
não conseguem de modo algum enxergar, ouvir, caminhar
ou subir degraus, 1.319.542 (83,25%) não frequentavam
a escola. Na faixa etária entre zero e 19 anos tínhamos
171.230 (54,45%) que frequentavam a escola e 143.199
(45,55%) que não frequentavam. No caso das 2.611.536
pessoas que se declararam com deficiência mental/
intelectual permanente, 577.557 (22,11%) tinham entre
zero e 19 anos. Destas, 365.465 (63,27%) frequentavam
a escola e 212.091 (36,73%) não frequentavam.
Os dados do Censo Demográfico de 2010 mostram
que o alcance das proposições políticas para a educação
brasileira é limitado. Mesmo priorizando os aspectos
quantitativos de acesso à escola para consolidar a
universalização do ensino e a educação inclusiva,
conforme indicaram Ferreira e Ferreira (2004), ainda
encontramos um número expressivo (mais de 15
milhões) de pessoas em idade entre zero e 19 anos
fora da escola. No caso da pessoa com deficiência essa
situação se agrava, fundamentalmente para aqueles que
declararam não conseguir de modo algum enxergar,
ouvir, caminhar ou subir degraus ou possuir deficiência
mental/intelectual permanente.
Os dados apresentados sustentam a análise de
que o acesso à escola de pessoas com deficiência
a produção
do conhecimento
no campo da
306 educação especial
ainda é precário no Brasil. Cumpre resgatar
que a faixa etária selecionada compreende os
períodos de escolarização obrigatória e também
aqueles indicados como fundamentais, mas não
obrigatórios: a Educação Infantil e o Ensino Médio.
Além disso, o acesso à escola pode ser analisado
por meio dos dados de matrícula na educação básica.
No caso de alunos com deficiência, a migração de
sistemas substitutivos (segregados) de ensino para
a escola e classes comuns pode ser analisada pelas
matrículas na educação básica segundo modalidade
de ensino regular ou especial, que contempla
aqueles que frequentam, exclusivamente, classes
ou instituições especiais. Outro aspecto a ser
considerado é a divisão de responsabilidades entre
os setores público e privado no que se refere à
educação de alunos com deficiência, conforme
analisamos anteriormente.
A Tabela 1 apresenta as matrículas de alunos
com deficiência distribuídas segundo a modalidade
de ensino, regular ou especial, e a dependência
administrativa da escola, federal, estadual,
municipal ou privada.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 307
Em 2016, havia 967.895 alunos com deficiência
matriculados na educação básica brasileira. Destes,
793.038 (81,93%) estavam no sistema regular de ensino
e 174.857 (18,06%) estavam na modalidade substitutiva,
classes ou instituições especiais.
Em relação à dependência administrativa da escola,
observamos que, na modalidade de ensino regular,
as redes públicas são responsáveis por 93,54% dos
alunos com deficiência, enquanto a rede privada se
responsabiliza por 6,46%. Na modalidade de ensino
substitutiva, esta relação se inverte e a rede privada
atendeu 73,69% dos alunos com deficiência no ano de
2016.
Na modalidade regular de ensino as redes municipais
são as responsáveis por 60,88% dos alunos com
deficiência, seguida pelas redes estaduais (32,16%),
privada (6,46%) e federal (0,48%). Esta proporção
evidencia a concentração dos alunos com deficiência
no Ensino Fundamental I que, via de regra, está sob
responsabilidade dos municípios.
Mesmo sem haver a universalização do acesso,
conforme indicado anteriormente, os dados apresentados
na Tabela 1 mostram o aumento significativo de alunos
com deficiência na modalidade regular de ensino quando
comparados a estudos anteriores (BRASIL, 1991a;
MELETTI & BUENO, 2011; KASSAR & MELETTI,
2012). Ainda assim, cumpre destacar que é significativo
o número de alunos com deficiência matriculados na
modalidade substitutiva de ensino, sob responsabilidade
da rede privada de ensino (128.857 alunos).
a produção
do conhecimento
no campo da
308 educação especial
Condições de permanência na escola
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 309
no Ensino Fundamental, sendo 450.827 (64,56%)
no Ensino Fundamental I. Segundo a modalidade
de ensino, o ensino regular possui a maioria das
matrículas, com 85,53% dos casos, sendo 59,61% no
Ensino Fundamental I. A modalidade substitutiva de
ensino concentra 14,47% dos alunos com deficiência
matriculados no Ensino Fundamental. Destes, 93,78%
estavam no Ensino Fundamental I. Merece destaque o
fato de o poder público assumir a maior proporção de
matrículas na etapa obrigatória de ensino, mas não pode
ser desconsiderado o número de alunos que permanecem
em espaços segregados nessa mesma etapa.
Esta situação não se repete nas etapas de ensino da
Educação Infantil, Creche e Pré-Escola. Os registros
mostram que pouquíssimas crianças com deficiência
frequentam a creche no Brasil. Dos 20.411 alunos da
creche, 74,74% estavam no ensino regular e 25,25% no
ensino especial.
Em relação à Pré-Escola, no Brasil, das 49.372
matrículas, 88,13% estavam registradas na rede regular
de ensino e 11,86% na modalidade substitutiva. Destaca-
se também o baixo número de alunos com deficiência que
têm acesso a qualquer tipo de escolarização nesta etapa.
O baixo número de matrículas de crianças de zero
a 4 anos na Educação Infantil pode ser confirmado
cotejando os dados do Censo da Educação Básica com
os demográficos. Segundo o Censo Demográfico de 2010
do IBGE, no Brasil, 385.303 crianças de zero a 4 anos
foram declaradas com pelo menos uma das deficiências
investigadas e, destas, 91.916 estavam na categoria não
a produção
do conhecimento
no campo da
310 educação especial
consegue de modo algum enxergar, ouvir, caminhar ou
subir degraus.
Bueno e Meletti (2011) indicam “[...] a pouca
relevância que as políticas educacionais voltadas para
alunos com deficiência têm dado à educação infantil,
expressa pelo número reduzido de matrículas em relação
às estimativas de incidência”. O que, segundo os autores,
“[...] mostra uma perspectiva política que se volta,
basicamente, para o ensino fundamental” (Bueno &
Meletti, 2011, p. 76).
Com relação ao Ensino Médio, os dados do Censo da
Educação Básica revelam que um número muito baixo
de alunos com deficiência têm acesso a essa etapa de
ensino. Os dados nacionais indicam que 78.989 alunos
com deficiência estavam matriculados no Ensino Médio
em 2016. Destes, 98,41% estavam no ensino regular.
Indicadores educacionais da educação básica mostram
o afunilamento do número de matrículas gerais entre o
Ensino Fundamental e o Ensino Médio brasileiro. Bueno
e Meletti (2011) mostram que no Brasil, em 2009, as
matrículas gerais no Ensino Médio correspondiam a
25,9% das do Ensino Fundamental, enquanto as de
alunos com deficiência, matriculados nessa etapa de
ensino, correspondiam a 5,6%. Evidencia-se que o
problema de acesso ao Ensino Médio se agrava em se
tratando dessa população.
Os dados censitários registram 113.353 alunos com
deficiência na Educação de Jovens e Adultos (EJA),
no Brasil, em 2016. Destes, 47,02% estavam no ensino
regular e 52,97% no ensino especial.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 311
Meletti e Bueno (2010) mostram que as matrículas
do alunado da educação especial na EJA parecem “[...]
ser a expressão localizada do problema que envolve toda
a educação básica no Brasil, qual seja, a de que, apesar
do incremento das matrículas em geral, os níveis de
aprendizagem são muito baixos, o que implica retorno
à escola por essa modalidade” (MELETTI & BUENO,
2010, p. 11). As condições de permanência dos alunos
com deficiência na educação básica também podem
ser reveladas na análise da relação idade do aluno e
ano de estudo em que está matriculado (relação Idade-
Série). A Tabela 3 apresenta o número de alunos com
deficiência, de 6 a 18 anos, segundo etapa de ensino
na qual estavam matriculados em 2016, possibilitando
a análise da relação Idade-Série desta população.
1o ano 12.239 24.099 6.571 4.691 3.908 3.120 2.576 2.190 1.942 1.792 1.503 1.151 1.015
2o ano 14.652 28.345 7.552 4.350 3.394 2.796 2.249 1.957 1.754 1.439 751 585
3o ano 16.372 35.678 18.239 10.318 6.483 4.268 3.054 2.149 1.467 1.130 846
4o ano 12.073 30.656 18.330 11.309 7.489 5.223 3.488 2.180 1.484 999
5o ano 11.020 28.278 18.165 12.710 8.980 6.292 4.102 2.613 1.667
6o ano 10.112 23.067 15.913 11.890 8.618 5.378 3.153 1.774
7o ano 9.052 18.235 12.691 9.650 6.402 3.816 2.107
8o ano 7.600 13.694 9.932 7.211 4.450 2.611
9o ano 7.393 11.303 8.409 5.654 3.368
Fonte: Elaboração própria com base no modelo desenvolvido por Ferraro (1999) e nos Microdados do
Censo da Educação Básica de 2016 ‒ INEP/MEC.
no ano de estudo adequado defasagem de um ano nos defasagem de dois anos ou
à idade estudos mais nos estudos
a produção
do conhecimento
no campo da
312 educação especial
6 e 18 anos de idade. A maior incidência de matrícula era
entre 10 e 14 anos (357.178 alunos), mesma faixa etária
que apresentava maior número de alunos em defasagem
Idade-Série de dois anos ou mais: 193.544 (54,18%).
Apenas 100.513 (13,38%) dos alunos com deficiência,
entre 6 e 18 anos, estavam matriculados no ano de estudo
adequado à sua idade. Destes, a maior incidência era de
alunos com 8 anos matriculados no 3° ano do Ensino
Fundamental I.
De todos os alunos com deficiência na faixa etária
analisada, 28,42% estavam em defasagem Idade-Série
de um ano e 58,2% de dois anos ou mais. A maior
defasagem referia-se aos 1.015 alunos de 18 anos que
estavam matriculados no 1° ano do Ensino Fundamental
I (12 anos de defasagem).
Os dados de relação Idade-Série denunciam
a precariedade da permanência e da inserção da
população com deficiência em processos efetivos de
escolarização. Ferraro (1999) considera que alunos
com mais de dois anos de defasagem compõem o grupo
dos excluídos na escola, ou seja, “[...] exclusão operada
dentro do processo escolar, por meio dos mecanismos
de reprovação e repetência” (Ferraro, 1999, p.
24). Este parece ser o caso da maioria dos alunos
da educação especial brasileira. Tal precariedade
corrobora, ainda, as análises tecidas por Ferreira e
Ferreira (2004) ao indicarem que os compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil privilegiam
aspectos quantitativos de acesso à escola, explicitando
seu caráter conservador e de massificação.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 313
Outro aspecto destacado pela política nacional de
educação especial, como condição para a inclusão de
alunos com deficiência, é o Atendimento Educacional
Especializado (AEE). No entanto, mais uma vez, os
dados oficiais mostram a precariedade de um sistema de
ensino que se pretende inclusivo. No Brasil, em 2016,
havia 187.891 escolas regulares da educação básica, e,
destas, apenas 32.983 (17,55%) ofertavam o AEE. Dos
967.895 alunos com deficiência, 357.360 (36,92%)
estavam matriculados em turmas de AEE. Significa dizer
que, de todos os alunos com deficiência matriculados na
educação básica, apenas 36,92% recebem o atendimento
preconizado como o eixo da educação especial brasileira.
Não há registros nos dados oficiais sobre a ocorrência
de outro tipo de atendimento especializado que não o
AEE, implementado prioritariamente em salas de recursos
multifuncionais. Oficialmente, então, a informação é a
de que os alunos que não recebem o AEE podem estar
na escola sem nenhum tipo de atendimento direcionado
a suas necessidades de apoio. Esse dado, associado aos
de defasagem Idade-Série, indica a precariedade do
processo de escolarização de alunos com deficiência na
educação básica brasileira.
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
314 educação especial
implementação das políticas inclusivas no Brasil e que
resgatamos aqui para tecer algumas considerações.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 315
de apoio os alunos com deficiência, que não recebem
AEE, estão tendo na escola regular.
Outro indicador das condições de permanência
analisado foi a relação Idade-Série. Os dados revelam
uma situação preocupante, que deve ser alvo de outras
investigações. A defasagem Idade-Série pode ser
consequência tanto da retenção do aluno em um ano
de estudo, quanto pela entrada tardia na escola. Outro
fator, no caso desta população, é a migração dos alunos
de classes especiais para salas regulares de ensino
sem a devida reclassificação. De todo modo, essas
possibilidades, ainda que presentes conjuntamente, não
justificam os números de defasagem encontrados.
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
316 educação especial
BRASIL. CNE. Resolução CNE/CEB n° 1, de 11 de setembro
de 2001, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica. Brasília, 2001.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 317
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS. Declaração de Salamanca e linha
de ação sobre necessidades educativas especiais, 1994, Brasília.
Anais... Brasília: CORDE, 1994.
a produção
do conhecimento
no campo da
318 educação especial
LEHER, R. Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico
2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 319
Capítulo 10
Jéssica Germano
a produção
do conhecimento
no campo da
320 educação especial
legitimação de instituições especiais como o âmbito
educacional mais adequado para educá-la, transferindo
a responsabilidade da educação desta população para
o setor privado, especialmente para aquele de caráter
filantrópico (MELETTI, 2008a p. 1).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 321
porque “o desenvolvimento incompleto das funções
psíquicas superiores está ligado ao desenvolvimento
cultural incompleto da criança com atraso mental [...]”
(VYGOTSKY, 1997, p. 144, tradução nossa).
Esta condição de escolarização da pessoa com
deficiência intelectual é afetada no final da década de 1970,
início dos anos 1980, período em que a educação especial
brasileira “passa a explicitar uma preocupação de cunho
pedagógico, incorporando em seu discurso os princípios
de normalização e de integração” (MELETTI, 2006, p.
39). Neste período observamos a ampliação das classes
especiais e, contraditoriamente, das instituições especiais
filantrópicas (FERREIRA, 1995; MELETTI, 2006).
As classes especiais, contudo, ao invés de favorecerem
a integração dos alunos com deficiência intelectual nas
salas comuns, contribuíram para a consolidação da
segregação e como alternativa para a manutenção de
classes homogêneas e produtivas (FERREIRA, 1995).
O encaminhamento às classes especiais serviu como
justificativa para a não aprendizagem do aluno e este
espaço favoreceu a separação entre os aptos e os inaptos.
Tanto para exclusão dos improdutivos, como para a
formação dos considerados produtivos (FERREIRA,
1995; KASSAR, 1999).
Como estratégia de superação de atendimento
segregado em espaços paralelos de educação surgem na
década de 1990 ações políticas que passam a valorizar e
incentivar o acesso de alunos com deficiência nas classes
comuns regulares, dos quais compõem este grupo os
alunos com deficiência intelectual.
a produção
do conhecimento
no campo da
322 educação especial
Mediante documentos como a Declaração Mundial
de Educação para Todos e a Declaração de Salamanca
surgem, então, as primeiras formulações para a educação
inclusiva (BRASIL, 2008). No entanto, somente em 2008
ocorre a formulação da Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva “[...]
em defesa do direito de todos os estudantes de estarem
juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de
discriminação” (BRASIL, 2008, p. 1).
A política na perspectiva de educação inclusiva entende
a educação especial como modalidade de educação
escolar ofertada preferencialmente na rede regular de
ensino a alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidade/superdotação, como
forma de valorização da diversidade e promoção do ensino
de todas as crianças e jovens do país (BRASIL, 1996).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1996) garante que
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 323
III – professores com especialização adequada em nível
médio ou superior, para atendimento especializado,
bem como professores do ensino regular capacitados
para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV – educação especial para o trabalho, visando à sua
efetiva integração na vida em sociedade, inclusive
condições adequadas para os que não revelarem
capacidade de inserção no trabalho competitivo,
mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem
como para aqueles que apresentam uma habilidade
superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V – acesso igualitário aos benefícios dos programas
sociais suplementares disponíveis para o respectivo
nível do ensino regular (BRASIL, 1996).
a produção
do conhecimento
no campo da
324 educação especial
Procedimentos metodológicos
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 325
A primeira etapa da coleta de dados consistiu em
identificar nos anos de 2007 a 2015 todos os alunos
com deficiência intelectual matriculados na rede
municipal de ensino de Londrina-PR. Para isso, foram
isoladas as variáveis: município da escola, dependência
administrativa da escola e tipo de necessidade
educacional especial – deficiência intelectual. No total,
foram encontrados 1.257 registros e estes compuseram
o conjunto de alunos cujas trajetórias foram analisadas.
Em seguida, foi identificada a variável código do
aluno, constituída por sequência numérica inalterável
enquanto o indivíduo estiver matriculado na educação
básica. O código do aluno é a variável que permitiu o
agrupamento e acompanhamento, ano a ano, dos alunos
com deficiência intelectual no banco de microdados.
Definidos e agrupados, os 1.257 alunos com deficiência
foram caracterizados segundo sexo, raça e idade.
O passo seguinte foi rastrear, em cada ano do período
analisado, os 1.257 códigos dos alunos. O que permitiu
identificar que muitos destes possuíam períodos sem
registro no Censo da Educação Básica da rede municipal
de ensino de Londrina-PR. As possibilidades para a
ausência de registro poderiam ser: (1) o aluno mudou
de dependência administrativa e se matriculou na rede
federal, estadual ou privada de ensino; (2) o aluno
mudou de município ou de unidade federativa; (3) o
aluno deixou de ser registrado como tipo de necessidade
educacional especial (NEE) – deficiência intelectual
(DI); (4) casos de nascimento após o período sem registro
de matrícula; (5) o aluno se evadiu da escola; (6) óbito
a produção
do conhecimento
no campo da
326 educação especial
do aluno. Como os microdados permitem rastrear as
quatro primeiras possibilidades, separou-se os códigos
dos alunos daqueles que não possuíam registro de
matrícula na rede municipal de ensino de Londrina-PR e
foi realizado um novo rastreamento, desta vez isolando
apenas a variável código do aluno. Assim, rastreou-se
este conjunto de alunos em todo o território nacional e
em todas as redes de ensino nos nove anos do período
analisado.
Ao final deste procedimento, observou-se que dos
1.257 alunos, 147 possuíam matrícula em apenas três
anos ou menos do período analisado. Optou-se por
considerar estes 147 alunos apenas na caracterização
inicial e não na análise das trajetórias. Sendo assim, na
análise do perfil dos alunos contamos com n = 1.257 e
para a análise das trajetórias n = 1.110.
Os dados de trajetórias foram agrupados segundo
frequência escolar do aluno. No caso dos alunos com
matrículas em todos os anos do período analisado,
denominou-se trajetória constante. No caso dos alunos
com ausência de matrícula em alguns anos do período
analisado, mas que reaparecem nos registros, denominou-
se trajetória intermitente. No caso dos alunos que deixaram
de ser registrados denominou-se trajetória interrompida.
Resultados e discussões
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 327
(40,73%) eram alunos do sexo feminino e 13 (1,04%),
deste conjunto, possuíam duas ou mais atribuições de
sexo no registro do Censo Escolar, que não puderam ser
interpretadas e denominadas nesta pesquisa. Pressupõe-
se para tal ocorrência a possibilidade de equívocos no
lançamento das informações e registros destes alunos.
A população de estudantes com NEE no município
de Londrina-PR apresentam uma média percentual
semelhante aos alunos com DI aqui investigados, no
decorrer dos anos de 2007 a 2015, caracterizada por
58,82% de alunos do sexo masculino e 41,18% de
estudantes do sexo feminino. Entretanto, os dados da
população geral de estudantes do município apresentam
uma porcentagem menos desigual no que se refere à
caracterização segundo sexo. Percebe-se que, entre
2007 e 2015, a média de alunos do sexo masculino
matriculados em Londrina-PR correspondia a 51% dos
estudantes, enquanto 49% tratavam-se de alunos do sexo
feminino.
Desse modo, é nítida a disparidade de sexo de alunos
em relação aos dados gerais do município e os dados de
alunos com necessidades educacionais especiais (NEE)
e com deficiência intelectual.
Assim, pode-se inferir a desvantagem feminina
quanto ao acesso à educação, sobretudo de alunos com
NEE e deficiência intelectual nos últimos anos (2007-
2015). Este dado expressa o agravamento da situação
histórica de desvantagem social da mulher no sistema
capitalista, quando associada à condição da deficiência,
especialmente à deficiência intelectual (ALMEIDA, 2009).
a produção
do conhecimento
no campo da
328 educação especial
Referente à caracterização do grupo segundo a raça,
os dados revelam que 732 (58,23%) destes alunos eram
da raça branca1, 270 (21,48%) eram pardos, 64 (5,09%)
dos alunos não declararam a raça durante o período e 42
(3,34%) alunos eram da raça preta. Os dados indicam que 4
(0,32%) alunos eram de raça amarela, bem como revelam
a inexistência de alunos indígenas neste conjunto. Outros
145 (11,54%) alunos apresentavam em seu percurso
escolar lançamentos com mais de uma raça durante todo
o período de matrículas. Suspeita-se que por erro ou
equívoco no momento de preenchimento das informações.
Assim como percebido na caracterização por sexo.
A média percetual (de 2007 a 2015) da população
escolar de Londrina-PR e dos alunos com NEE do
município acompanham a caracterização do grupo
de alunos investigados com DI. Desse modo, a
caracterização por raça dos estudantes matriculados em
Londrina entre 2007 e 2015 indica que uma média de
22,36% dos alunos não declararam raça, 57,58% dos
alunos eram da raça branca, 2,18% eram da raça preta,
16,37% eram da raça parda, 1,17% dos alunos eram
da raça amarela e 0,34% dos alunos eram indígenas2.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 329
Quanto aos alunos com NEE, a média percentual indica
que 22,10% destes não declararam raça, 56,34% eram
da raça branca, 2,83% eram da raça preta, 17,20% dos
alunos eram da raça parda, 1,36% dos alunos eram da
raça amarela e 0,17% eram indígenas.
Desse modo, percebe-se a concentração de alunos da
raça branca, que ultrapassam mais da metade dos alunos
matriculados em todo o município de Londrina-PR.
Referente à frequência das matrículas, os dados
revelaram que, dos 1.257 alunos investigados, 439
(35%) possuem trajetória constante, 180 (14,3%)
alunos possuem trajetórias escolares intermitentes3, 187
(14,9%) dos alunos têm a trajetória interrompida antes
de 2015, 62 (4,9%) possuem tanto intermitência como
interrupção escolar, e 242 (19,2%) alunos não possuem
registro de matrículas ao início do período investigado.
Cumpre destacar ainda um conjunto de 147 (11,7%)
alunos que possuíam apenas três anos ou menos de
matrículas registradas no período investigado. Vista
a impossibilidade de atribuir uma análise efetiva da
escolarização destes estudantes, as matrículas deste
conjunto de alunos encontram-se analisadas somente no
item a seguir, que se refere aos registros não efetuados
em idade escolar obrigatória. Do mesmo modo que as
informações segundo sexo e raça foram anteriormente
descriminadas. Portanto, a análise realizada pela etapa
a produção
do conhecimento
no campo da
330 educação especial
de ensino, matrícula em classe especial e instituição
especial posteriormente, refere-se somente à trajetória
de 1.110 alunos.
Duzentos e sessenta (260) alunos (incluindo aqueles
com três anos ou menos de matrículas registradas)
não frequentaram o espaço escolar em idade de ensino
obrigatória por períodos de intermitência nas matrículas
ou ausência da matrícula ao início do período investigado.
Referente às interrupções escolares, os dados revelam
que outros 103 alunos possuíam idade escolar obrigatória
no momento da interrupção. Destes, 41 alunos sofrem
interrupção entre 8 e 14 anos de idade e 62 alunos
tiveram a trajetória interrompida entre 15 e 17 anos.
No que tange à escolarização segundo etapa de ensino,
dos 1.110 alunos investigados4, os dados revelam que 12
(1,08%) frequentavam a Educação Infantil, possuindo
até 6 anos de idade na última matrícula registrada do
período investigado. Outros 462 (41,62%) alunos
atingiram a escolarização somente até os anos iniciais
do Ensino Fundamental, enquanto 323 (29,10%) alunos
atingiram as séries correspondentes aos anos finais (127
alunos matriculados no 6º ano até o último registro
dentro do período investigado, 89 alunos matriculados
no 7º ano, 63 alunos matriculados no 8º ano e 44 alunos
matriculados no 9º ano).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 331
Percebe-se ainda que somente 48 (4,33%) alunos
atingiram a escolarização em nível médio. Sobre isso,
podemos mencionar a discussão realizada por Kuenzer
(2000) a respeito da formação produtiva estreitamente
ligada às etapas de nível médio escolar. A autora indica
como objetivo principal destas etapas de ensino a
preparação direcionada para a atuação no mercado de
trabalho, tendo em vista a constituição social, econômica
e política que rege as relações sociais e, portanto, a
formação humana.
Diante da concepção sobre a pessoa com deficiência
intelectual, logo podemos associar o baixo índice
de alunos que frequentam o Ensino médio, vistas as
atribuições de improdutividade intelectual associadas
a eles. Portanto, ainda que a formação humana em
nível médio reforce uma escolarização produtiva aos
interesses econômicos, percebe-se que nem mesmo
este percurso educacional é garantido à pessoa com
deficiência intelectual. Tornando-o, deste modo, sujeito
excluído da participação social.
Até mesmo o número de alunos que atingem o Ensino
Médio e o número expressivo de alunos que atingem os anos
finais do Ensino Fundamental não relatam efetivamente
um processo educacional satisfatório, haja vista o alto
índice de defasagem entre idade e série identificado.
A exemplo disso, pode-se citar a frequência recorrente
de alunos com idades entre 14 e 16 anos matriculados no
1º ano do Ensino Fundamental, assim como o registro
de escolarização no Ensino Médio de alunos com faixa
etária entre 18 e 22 anos de idade.
a produção
do conhecimento
no campo da
332 educação especial
Os dados indicam, ainda, que outros 62 (5,59%)
alunos frequentavam as etapas de ensino correspondentes
à Educação de Jovens e Adultos (EJA) durante todo o
período investigado (2007-2015). Outros 99 (8,90%)
alunos foram encaminhados à EJA após frequentarem
os anos iniciais do Ensino Fundamental, enquanto
45 (4,06%) alunos foram conduzidos à Educação de
Jovens e Adultos posteriormente a matrículas em anos
finais. Do mesmo modo que 42 (3,79%) alunos foram
encaminhados à EJA após frequentaram classe especial.
Foram identificadas, ainda, 17 (1,53%) trajetórias
incomuns devido às inconsistências nas matrículas
que se alternavam entre etapas de ensino aleatórias e
irregulares. Estas contam com a passagem de alunos
pela Educação de Jovens e Adultos, a exemplo dos três
casos seguintes.
Um aluno frequentava por oito anos a Educação de
Jovens e Adultos (dos 19 aos 26 anos de idade) e, no
último ano de investigação, encontrava-se matriculado
no 7º ano do Ensino Fundamental, aos 27 anos de idade.
Outro aluno frequentava o 5º ano do Ensino
Fundamental aos 15 anos (em 2009), posteriormente foi
encaminhado à EJA por dois anos (2010 e 2011), e em
seguida encontrava-se matriculado no Ensino Médio.
Ocorre ainda um aluno que possuía matrícula em
classe especial aos 14 anos (em 2007), em seguida
encontrava-se matriculado na Educação de Jovens e
Adultos, aos 15 anos. No entanto, dois anos após sua
matrícula na EJA (tempo intercalado por evasão escolar/
intermitência), o aluno retorna matriculado no 1º do
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 333
Ensino Fundamental em instituição especial de ensino.
E depois de três anos, sem registro de matrícula, retorna
novamente matriculado na EJA, aos 21 anos de idade.
Referente aos encaminhamentos realizados à EJA,
chama a atenção as idades em que ocorrem. Percebe-se
que 9 alunos são encaminhados à Educação de Jovens
e Adultos aos 14 anos de idade, 36 alunos aos 15 anos,
44 alunos aos 16 anos e 41 alunos passam a frequentar a
EJA aos 17 anos. Ainda, 34 alunos são encaminhados à
Educação de Jovens e Adultos aos 18 anos de idade, bem
como 16 alunos aos 19 anos e 2 alunos aos 20 anos de
idade. Dois (2) alunos também são conduzidos à EJA aos
21 anos de idade, enquanto 1 aluno aos 22 anos e outro
(1) aluno aos 27 anos de idade.
Entre os alunos que estavam matriculados por todo o
período na EJA, chama a atenção a idade das matrículas
de, pelo menos, 10 alunos: 2 destes apresentavam
matrícula inicial (em 2007) na EJA aos 14 anos de
idade, enquanto os outros 8 alunos já se encontravam
matriculados na EJA aos 16 anos em 2007.
Sobre as inconsistências que envolvem as etapas de
ensino da Educação de Jovens e Adultos, bem como o
encaminhamento muitas vezes precoce a estes espaços, é
oportuno mencionar a discussão realizada por Gonçalves
(2012) sobre a relação entre os alunos com deficiência e
a EJA.
Segundo Gonçalves (2012), assim como as marcas de
segregação evidentes na educação especial, a Educação
de Jovens e Adultos refere-se a mais um espaço que
segrega e reduz as possibilidades de participação social.
a produção
do conhecimento
no campo da
334 educação especial
Trata-se de uma modalidade de ensino que recebe
indivíduos não escolarizados em idade adequada e que,
portanto, carregam as marcas de não escolarização.
Sendo assim, a frequência de encaminhamentos de
alunos com DI à Educação de Jovens e Adultos evidencia
não só o processo de não escolarização, como reafirmam
e agravam os processos de segregação, limitadores de
interação social destes sujeitos.
A respeito das matrículas em classe especial, os
dados revelam que dos 1.110 alunos, cujas trajetórias
foram analisadas, 203 (18,29%) possuíam matrículas
neste espaço de ensino em algum momento do
período investigado (2007-2015). Destes, 45 alunos
frequentaram o espaço por um ano, 69 estiveram
matriculados em classe especial por dois anos e 62 alunos
encontravam-se matriculados por três anos. Outros 16
alunos frequentaram classe especial por quatro anos, 8
alunos estiveram matriculados por cinco anos e 3 alunos
possuíam matrículas neste espaço por seis anos do
período analisado.
No que se refere às matrículas em instituição especial
percebe-se, na análise realizada das 1.110 trajetórias,
que 254 (22,88%) frequentaram instituição especial em
algum momento do período (2007-2015). Destes, 66
alunos estiveram matriculados em instituição especial
por um ano, enquanto 56 alunos frequentaram o sistema
paralelo de ensino por dois anos e 48 alunos por três
anos. Vinte e sete (27) alunos frequentaram instituição
especial por quatro anos e outros 27 alunos estiveram
matriculados no sistema paralelo por cinco anos.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 335
Catorze (14) alunos frequentaram o espaço durante
seis anos do período investigado, ao passo que 8 alunos
estiveram matriculados em instituição especial por sete
anos. Outros 7 alunos frequentaram instituição especial
por oito anos, do mesmo modo que 1 aluno apresentava
matrícula em instituição por todo o período investigado
(9 anos).
Quarenta e sete (47) alunos frequentaram o sistema
regular de ensino concomitante à instituição especial
por um ano, 7 alunos frequentaram ambos os espaços
de ensino por dois anos do percurso escolar investigado.
Outros 7 alunos estiveram matriculados tanto na rede
regular de ensino como em instituição especial por três
anos e 1 aluno frequentou ambos os espaços, de forma
concomitante, por quatro anos da trajetória escolar5.
Cumpre destacar o atraso escolar evidenciado pelas
matrículas registradas em instituições especiais de
ensino, que ultrapassam sete anos de defasagem entre
idade e série.
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
336 educação especial
de não escolarização destes alunos. Portanto, denunciam
em parte a não efetivação e o insucesso das políticas de
educação inclusiva a alunos com DI no município de
Londrina-PR.
O alto índice de defasagem entre e idade e série, a
ausência de registros em idade escolar obrigatória, bem
como a concentração das matrículas em anos iniciais
do Ensino Fundamental e o baixo número de alunos
escolarizados em Nível Médio, afirmam as condições
de precariedade educacional vividas pelos alunos com
deficiência intelectual em Londrina-PR.
Além das profundas marcas de segregação indicadas
pelas matrículas nas classes e instituições especiais
de ensino, percebe-se essa condição acentuada com
o elevado índice de encaminhamentos à Educação de
Jovens e Adultos. Índices estes que não denunciam
unicamente a qualidade do ensino oferecido a esta
população, mas revelam irregularidades educacionais,
devido à presença de alunos com idade de escolarização
regular (obrigatória) nas etapas de ensino da EJA.
De modo geral, os dados das trajetórias de alunos
com DI matriculados na rede municipal de Londrina-PR
(2007-2015) revelam-se alarmantes quanto à efetivação
das políticas de educação inclusiva e processo de
escolarização dos alunos com deficiência intelectual.
Demonstram, do mesmo modo, a necessidade de
aprimoramento das políticas públicas e, sobretudo,
indicam a urgência na superação da concepção da
deficiência, haja vista a precariedade escolar e social a
que são conduzidos estes sujeitos.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 337
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
338 educação especial
FERREIRA, J. R. A exclusão da diferença. 3ª ed. Piracicaba (SP):
Editora UNIMEP, 1995.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 339
MELETTI, S. Políticas de educação inclusiva e a instituição
especializada na educação da pessoa com deficiência
mental. Ciências & Cognição, Rio de Janeiro, v. 13, n°3, p. 199-
213, 2008b.
a produção
do conhecimento
no campo da
340 educação especial
Capítulo 11
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 341
sociedade e nos papéis que nela cada indivíduo deve
desempenhar.
Para Adorno (1995), a escola deveria ter como função
emancipar o indivíduo, por meio da oferta de um ensino
substancial e que promovesse a transformação pelo
movimento dialético, por meio da reflexão:
a produção
do conhecimento
no campo da
342 educação especial
consciência verdadeira. Isto seria inclusive da maior
importância política; sua ideia, se é permitido dizer
assim, numa exigência política. Isto é uma democracia
com o dever de não apenas funcionar, mas operar
conforme seu conceito demanda pessoas emancipadas.
Uma democracia efetiva só pode ser imaginada
enquanto uma sociedade de quem é emancipada
(ADORNO, 1995, p. 141-142).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 343
educativa solicita resultados que só podem ser atingidos
se apresentarem um suposto padrão considerado
normativo.
No caso específico da educação especial, a negação da
diversidade entre os indivíduos parece estar respondida
na histórica distinção categorial das deficiências que
os entendia como um conjunto diferenciado de seres
humanos quanto aos seus processos constitutivos, mas
homogêneo dentro da categoria deficiência.
Em outros termos, essa nomeação pode não ter
permitido o entendimento de que esses indivíduos não
são somente deficientes, antes são homens, mulheres,
pobres, ricos, negros, brancos etc. Por essa razão, o
desafio da educação inclusiva não reside somente na
perspectiva da generalidade dos alunos, mas também
nas modificações que essa experiência atribui a todos os
indivíduos no espaço social.
Não se trata apenas da percepção das diferenças
individuais dos alunos na escola, mas das diferenças
individuais de todos nas diversas relações sociais.
Nessa percepção está a possibilidade de o indivíduo
viver experiências e refletir sobre si mesmo e sobre os
outros, pois a inclusão é algo que só se realizará por
manifestações individuais.
A tarefa básica dessa escola é, portanto, materializar o
processo de iluminação/eliminação pelo esclarecimento
das causas que produziram a exclusão, para a contestação
e para a resistência, enxergar que os indivíduos não podem
ser explicados automaticamente a partir das condições da
diferença e fortalecer o desejo de libertar-se do passado.
a produção
do conhecimento
no campo da
344 educação especial
Portanto, inclusão não pode se referir apenas à
colocação de indivíduos historicamente diferenciados
e estigmatizados nessa escola que apresenta problemas
graves de qualidade, verificados pelos baixos níveis de
aprendizagem e altos níveis de evasão e repetência.
Entretanto, conforme afirma Bueno (1999):
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 345
gera muitas controvérsias. Por um lado, conferências
e declarações internacionais e nacionais e políticas
públicas brasileiras nos âmbitos federal, estaduais e
municipais apregoam a inclusão desta população na
escola de ensino regular; por outro lado, estão as escolas
buscando aplicar aquilo que é determinado como produto
desses debates?
Neste cenário, a inclusão escolar aparece como um
discurso hegemônico em defesa de uma sociedade
inclusiva, que aceita e garante direitos para todos, como
fruto de uma ideia de justiça social, coesão, solidariedade,
entre outros atributos que legitimam o discurso, mas
que, segundo Garcia (2004), leva a uma precipitação
de políticas públicas que buscam produzir consensos de
que estamos, cada vez mais, construindo uma sociedade
democrática.
No entanto, a centralização das políticas de educação
especial na inserção, a qualquer custo, de alunos com
deficiência no ensino regular, parece estar respondendo
muito mais a uma visão abstrata e idealista, na medida
em que não leva em consideração os reais problemas que
envolvem a educação escolar em geral.
Assim é que Bueno (2005) estabelece crítica radical ao
conceito de educação inclusiva, para ele uma expressão
definida da mudança de ótica decorrente das políticas
neoliberais:
a produção
do conhecimento
no campo da
346 educação especial
excluídos, que deverão receber atenção especial para
deixarem de sê-lo [...] esta nova bandeira vira de
cabeça para baixo aquilo que era uma posição política
efetivamente democrática (mesmo com perspectivas
diferentes), na medida em que o que deveria se constituir
na política de fato – a incorporação de todos na escola,
para se construir uma escola de qualidade para todos
– se transmuda num horizonte, sempre móvel, porque
nunca alcançado (BUENO, 2005, p. 9).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 347
que possuem pela educação das pessoas com deficiência
(Araújo, 2006, p. 124).
a produção
do conhecimento
no campo da
348 educação especial
As informações do Censo Escolar trazem um
panorama nacional da educação básica que pode
ser de grande valia para formular políticas públicas
e executar programas na área da educação, mas que
tem sido pouco aquinhoada nas análises acadêmicas
no que diz respeito aos alunos com deficiência
intelectual.
Embora reconhecendo que a definição da deficiência
intelectual é muito complexa, por envolver elementos
etiológicos, ideológicos, de contextos sociais e
culturais, entre muitos outros fatores que dificultam
a possibilidade de haver consenso ou precisão na
definição de seu conceito e classificação, o que se
tem como certo é que se trata de um significado
construído socialmente, e, assim, sempre associado
às concepções de um determinado momento histórico
em todos os seus campos científicos, éticos e culturais.
Assim, independentemente das diferentes
perspectivas teóricas sobre a deficiência intelectual,
o que se tem de concreto é que as políticas públicas
induzem à utilização de distintas categorizações de
crianças com dificuldades escolares, entre elas a de
alunos com deficiência intelectual, e que são objeto
de programas de ações.
Contudo, o que há em comum nestas posições é o
fato de compreenderem a deficiência intelectual com
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 349
ênfase no seu aspecto de funcionalidade biológica e
capacidade de adaptação social, o que deve ser alvo
de crítica, pois uma sociedade administrada leva à
adaptação dos indivíduos, e, consequentemente, a
escola também tem a sua função adaptativa.
Assim é que, com a ascensão ao governo federal
de candidatos do Partido dos Trabalhadores,
as políticas de educação especial iniciaram um
privilegiamento das matrículas dos alunos com
deficiência em classes do ensino regular, que
redundaram na Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL. MEC. SEESP, 2008), com uma clara
indução da União para que estados e municípios
adotassem esta perspectiva estabelecida nas
políticas nacionais por meio de estímulos
financeiros (dupla matrícula de alunos com
necessidades educacionais especiais) ou de apoio
técnico-financeiro para implantar salas de recursos
multifuncionais para o atendimento especializado
de alunos com necessidades educacionais especiais.
No entanto, apesar da forte indução exercida
pelo governo federal em prol de uma política
de inclusão destes alunos no ensino regular, as
políticas dos estados da federação e dos municípios
nem sempre são convergentes com o que se decide
em âmbito federal.
As análises das estatísticas públicas a seguir são
referentes à população de alunos com deficiência
intelectual em relação à população em geral,
a produção
do conhecimento
no campo da
350 educação especial
às matrículas gerais da educação básica, assim
como a de alunos com necessidades educacionais
especiais, na educação básica, entre 2007 e 2012.
Os dados populacionais dos estados foram obtidos
pelo censo nacional (BRASIL. IBGE, 2010) e nos
anos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012 foram obtidos
por estimativa das populações residentes municipais
calculadas com base na projeção populacional para o
Brasil (BRASIL. IBGE, 2013).
Tendo como ano-base os dados do censo demográfico
de 2010, utilizamos os índices percentuais de aumento
da população indicados por esse órgão: 2009: -1,2% em
relação aos dados de 2010; 2008: -1,23% em relação
aos dados de 2009; 2007: -1,01% em relação aos dados
de 2008. Para os anos posteriores ao censo de 2010,
utilizamos os seguintes índices: 2011: +1,13% em
relação aos dados de 2010 e 2012: +1,1% em relação aos
dados de 20112.
Inicialmente, por meio da Tabela 1, apresentamos os
dados referentes à evolução das matrículas de alunos
com deficiência intelectual, cotejando-os com os das
matrículas de alunos com necessidades educacionais
especiais (NEE) e com as matrículas totais da educação
básica, e também, da mesma forma, com os dados sobre
a população em idade escolar e a população total.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 351
352
Tabela 1 – População nacional, em idade escolar (0 a 17 anos), matrículas na educação básica: totais de alunos, com NEE e com
deficiência intelectual no Brasil (2007-2012)
População População População em idade escolar Matrículas Matrículas de alunos com NEE Matrículas de alunos
Total (0 a 17 anos) Totais com deficiência
intelectual
2008 186.250.335 101 55.436.926 101 52.321.667 100 741.494 112 319.248 104 43,0
2009 188.485.339 102 56.127.292 102 52.580.452 101 799.086 120 437.519 143 55,0
2010 190.755.799 103 56.809.000 103 51.549.889 98 928.827 140 580.887 190 63,0
2011 192.911.340 105 57.450.941 105 50.972.619 97 1.047.582 158 676.669 221 65,0
2012 195.033.364 106 58.082.902 106 50.045.050 95 1.141.218 172 757.801 247 66,0
Fonte: Tabela criada pelo autor a partir dos dados disponíveis no IBGE e nos microdados do INEP de 2007 a 2012.
educação especial
no campo da
do conhecimento
a produção
Constatamos primeiramente, pelos dados da Tabela 1,
que embora a população nacional e a população em idade
escolar tenham apresentado um crescimento constante de
cerca de 1% ao ano, entre 2007 e 2012, as matrículas to-
tais mostram um percurso diferenciado: nos três primeiros
anos praticamente acompanham o crescimento da popu-
lação, mas a partir de 2009 apresentam um decréscimo
que, ao ano final do período, representa 5% a menos em
relação ao ano-base. Muito provavelmente esse peque-
no decréscimo se deve aos processos de correção do flu-
xo escolar e das políticas de redução da repetência, como
o sistema de ciclos e o regime de progressão continuada.
Entretanto, é possível observar que, apesar do decréscimo
das matrículas totais, há um aumento constante da quanti-
dade e da proporção de matrículas de alunos com necessi-
dades educacionais especiais e com deficiência intelectual.
No primeiro caso, as matrículas crescem mais de 70%
em 2012 em relação ao ano-base, ou seja, apesar das
matrículas totais decrescerem, esse aumento pode ser
interpretado como alunos já matriculados que receberam
o diagnóstico de NEE nesse período.
Mais impressionante é o crescimento das matrículas de
alunos com deficiência intelectual. Enquanto as matrículas
de alunos com necessidades educacionais especiais apresen-
tam um aumento médio anual de 0,20 em relação ao ano-ba-
se (com exceção de 2008, cujo crescimento foi 0,12), as de
alunos com deficiência intelectual se ampliaram em 1,47,
ou seja, praticamente duas vezes e meia superior às de 2008.
Por outro ângulo, enquanto em 2008 as matrículas de
alunos com deficiência intelectual correspondiam a 46%
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 353
das dos alunos com necessidades educacionais especiais,
no último ano do período essa proporção atingiu 66%, ou
seja, de menos da metade no ano-base, para dois terços
das matrículas no ano final do período.
Este crescimento das matrículas na educação especial
merece ser analisado por dois aspectos:
a produção
do conhecimento
no campo da
354 educação especial
intelectual aumentaram em mais de 350 mil alunos, ou
seja, quase 12 vezes maior que a de alunos com NEE.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 355
356
Tabela 2 – Matrículas de alunos totais, com NEE e com deficiência intelectual, por região, com indicação de porcentagem*
Ano
Região Alunado 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
CO Total 3.724.120 7,0 3.804.154 7,0 3.857.310 7,0 3.959.277 7,0 3.993.512 7,0 4.009.753 7,0
Alunos com NEE 52.236 1,4 64.427 1,7 68.119 1,8 84.884 2,1 97.803 2,4 101.099 2,5
Com deficiência 24.295 47,0 27.216 42,0 36.944 54,0 53.148 63,0 62.983 64,0 67.158 66,0
intelectual
N Total 5.181.971 10,0 5.250.995 10,0 5.380.243 10,0 5.493.123 10,0 5.645.368 10,0 5.804.890 11,0
Alunos com NEE 41.268 0,8 48.220 0,9 55.787 1,0 71.468 1,3 86.164 1,5 95.991 1,7
Com deficiência 14.158 34,0 17.005 35,0 26.876 48,0 38.181 53,0 47.487 55,0 53.369 56,0
intelectual
NE Total 16.742.008 31,0 16.851.470 31,0 16.770.036 31,0 16.324.613 30,0 16.363.674 30,0 16.430.060 30,0
Alunos com NEE 127.098 0,8 143.699 0,9 155.957 0,9 208.531 1,3 249.524 1,5 264.772 1,6
Com deficiência 47.780 38,0 53.050 37,0 72.489 46,0 106.807 51,0 137.645 55,0 150.785 57,0
intelectual
SE Total 20.652.814 39,0 21.261.191 39,0 21.218.891 39,0 21.041.407 39,0 21.214.170 39,0 21.247.121 39,0
Alunos com NEE 293.363 1,4 342.437 1,6 376.121 1,8 388.305 1,8 409.497 1,9 437.262 2,1
Com deficiência 129.949 44,0 146.907 43,0 204.808 54,0 254.586 66,0 277.295 68,0 300.184 69,0
intelectual
S Total 6.938.472 13,0 7.116.334 13,0 7.208.156 13,0 7.312.835 14,0 7.219.594 13,0 7.265.282 13,0
Alunos com NEE 149.039 2,1 142.711 2,0 143.102 2,0 175.639 2,4 204.594 2,8 242.094 3,3
Com deficiência 90.104 60,0 75.070 53,0 96.402 67,0 128.165 73,0 151.259 74,0 186.305 77,0
intelectual
Brasil Total 53.239.385 100 54.284.144 100 54.434.636 100 54.131.255 100 54.436.318 100 54.757.106 100
Alunos com NEE 663.004 1,2 741.494 1,4 799.086 1,5 928.827 1,7 1.047.582 1,9 1.141.218 2,1
Com deficiência 306.286 46 319.248 43 437.519 55 580.887 63 676.669 65 757.801 66
intelectual
Fonte: Tabela criada pelo autor a partir dos microdados disponíveis no INEP de 2007 a 2012.
* Os percentuais de matrículas totais em cada região foram calculados em relação ao total de matrículas no Brasil; dos alunos com NEE, ao número de matrículas totais de cada região geográfica; e de
alunos com deficiência intelectual, às matrículas de alunos com NEE de cada região geográfica.
Legendas: CO – Região Centro-Oeste; N – Região Norte; NE – Região Nordeste; SE – Região Sudeste; S – Região Sul; NEE – Necessidades educacionais especiais
educação especial
no campo da
do conhecimento
a produção
Observamos que, no comportamento das matrículas
totais no período, os percentuais de matriculados totais
por região permanecem estáveis em todas as regiões,
com um ligeiro decréscimo no Nordeste, entre 2010 e
2012, em relação aos anos anteriores (1%), e um ligeiro
aumento de 1% na região Norte no último ano do período.
Em relação às matrículas de alunos com NEE, há um
aumento significativo nas regiões Centro-Oeste, Norte
e Nordeste, com quase o dobro de matrículas no ano
final em relação ao ano-base no Centro-Oeste (94%),
ainda maior no Norte (133%), e praticamente o dobro no
Nordeste (109%).
O aumento de matrículas no período nas regiões
Sudeste e Sul foi percentualmente bem inferior ao das
regiões acima; no Sudeste representaram um aumento de
um terço no ano final em relação ao ano-base e 37% na
região Sul, no mesmo período. Mas deve-se considerar
que os índices percentuais de matrículas de alunos com
NEE dessas duas últimas regiões era muito superior às
demais no ano inicial do período considerado.
Portanto, esses dados nos permitem afirmar que,
enquanto no Sul e no Sudeste o aumento no período
parece corresponder às políticas de atendimento
implantadas antes da promulgação da Política Nacional
de 2008, nos estados das três primeiras regiões essa
política causou maior impacto.
Destaca-se que o percentual de matrículas de alunos
com NEE alcançado no final do período no Centro-Oeste
só foi inferior ao do Sul e ultrapassou, inclusive, o Sudeste,
que reúne, pelo menos, três estados tradicionalmente
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 357
reconhecidos pelo desenvolvimento de políticas de
educação especial mais qualificadas (São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais). O fato parece pôr em xeque
essa visão, ao mesmo tempo em que sugere pesquisas
mais localizadas para analisar os determinantes desse
aumento na região.
Por outro lado, apesar do crescimento verificado em
todas as regiões, o percentual de matrículas de alunos
com NEE é muito inferior em relação às estimativas
internacionais e aos índices do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Por fim, o fato de
as matrículas totais permanecerem estáveis em todas
as regiões, enquanto as de alunos com NEE parecem
aumentar consideravelmente, merece uma análise mais
detalhada, pois tanto pode significar um resultado
satisfatório das políticas de educação especial, quanto
de caracterização de alunos já matriculados.
Com relação às matrículas de alunos com deficiência
intelectual, em todas as regiões o aumento dos
percentuais é altamente significativo: tanto na região
Norte quanto na Sul (onde aparecem os menores índices
de crescimento), esse aumento correspondeu a 17% no
ano final, em relação ao ano-base; na região Nordeste,
correspondeu a 19% e, na região Sudeste, representaram
um aumento de um quarto no ano final em relação ao
ano-base.
Em todas as regiões, o elevado percentual de
matrículas de alunos com deficiência intelectual no ano
final revela o papel que elas exercem no crescimento
dessas matrículas no período; em todas, mais da metade
a produção
do conhecimento
no campo da
358 educação especial
dos alunos com NEE estão incluídos nessa categoria;
nas regiões Nordeste e Sudeste permanecem em 60% e,
na região Sul, atinge a impressionante cifra de 77% de
todas as matrículas de alunos com NEE.
Se computarmos esses aumentos por meio da
frequência absoluta, esta situação ficará ainda mais
comprovada, conforme descrevemos a seguir.
Na região Centro-Oeste, no ano inicial, o número de
matrículas de alunos com NEE (com exceção daqueles
com deficiência intelectual) foi de 27.491, contra 24.295
matrículas de alunos com deficiência intelectual, ou
seja, 53% das matrículas de alunos com NEE (sem
contar os alunos com deficiência intelectual) e 47% de
matrículas de alunos com deficiência intelectual. No ano
final, o número de matrículas totais de alunos com NEE
(com exceção dos alunos com deficiência intelectual)
foi de 33.941, contra 67.158 matrículas de alunos com
deficiência intelectual, ou seja, o percentual caiu para
34% das matrículas de alunos com NEE (sem contar
os alunos com deficiência intelectual), contra 66%
de matrículas de alunos com deficiência intelectual.
Portanto, de 2007 a 2012, nesta região, os alunos com
deficiência intelectual passaram a ser a maioria dos
alunos com NEE.
Na região Norte, no ano inicial, o número de
matrículas de alunos com NEE (com exceção dos
alunos com deficiência intelectual) foi de 27.111, contra
14.158 matrículas de alunos com deficiência intelectual,
ou seja, 66% das matrículas eram de alunos com NEE
(sem contar os alunos com deficiência intelectual) e
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 359
34% de alunos com deficiência intelectual. No ano
final, o número de matrículas totais de alunos com NEE
(com exceção dos alunos com deficiência intelectual)
foi de 42.622, contra 53.369 matrículas de alunos com
deficiência intelectual, caindo para 44% o percentual das
matrículas de alunos com NEE (sem contar os alunos
com deficiência intelectual), contra 56% de matrículas
de alunos com deficiência intelectual em relação ao ano-
base. Portanto, de 2007 a 2012, nesta região, os alunos
com deficiência intelectual passaram a ser a maioria dos
alunos caracterizados com NEE.
Na região Nordeste, no ano inicial, o número de
matrículas de alunos com NEE (com exceção dos alunos
com deficiência intelectual) foi de 79.318, contra 47.780
matrículas de alunos com deficiência intelectual, ou
seja, 62% das matrículas eram de alunos com NEE (sem
contar os alunos com deficiência intelectual) e 38% de
matrículas de alunos com deficiência intelectual. No ano
final, o número de matrículas totais de alunos com NEE
(com exceção dos alunos com deficiência intelectual) foi
de 113.987, contra 150.785 matrículas de alunos com
deficiência intelectual, ou seja, as matrículas de alunos com
NEE (sem contar os alunos com deficiência intelectual)
caíram para 43% contra 57% de matrículas de alunos com
deficiência intelectual. Portanto, de 2007 a 2012, nesta
região, os alunos com deficiência intelectual passaram
a ser a maioria dos alunos caracterizados com NEE.
Na região Sudeste, no ano inicial, o número de
matrículas de alunos com NEE (com exceção dos
alunos com deficiência intelectual) foi de 163.414,
a produção
do conhecimento
no campo da
360 educação especial
contra 129.949 matrículas de alunos com deficiência
intelectual, ou seja, 56% das matrículas de alunos com
NEE (sem contar os alunos com deficiência intelectual) e
44% de matrículas de alunos com deficiência intelectual.
No ano final, as matrículas totais de alunos com NEE
(com exceção dos alunos com deficiência intelectual)
foram da ordem de 137.078, contra 300.184 alunos com
deficiência intelectual, isto é, as matrículas de alunos com
NEE (sem contar os alunos com deficiência intelectual)
caíram para 31% contra 69% de matrículas de alunos com
deficiência intelectual. Portanto, de 2007 a 2012, nesta
região, os alunos com deficiência intelectual passaram
a ser a maioria dos alunos caracterizados com NEE.
Na região Sul, no ano inicial, o número de matrículas
de alunos com NEE (com exceção dos alunos com
deficiência intelectual) foi de 67.641, contra 75.070
matrículas de alunos com deficiência intelectual, ou
seja, 40% das matrículas de alunos com NEE (sem
contar os alunos com deficiência intelectual) contra 60%
de matrículas de alunos com deficiência intelectual.
No ano final, as matrículas totais de alunos com NEE
(com exceção dos alunos com deficiência intelectual)
foram 55.789, contra 186.305 matrículas de alunos com
deficiência intelectual, verificando-se, portanto, que as
matrículas de alunos com NEE (sem contar os alunos
com deficiência intelectual) caíram para 23% contra
77% de matrículas de alunos com deficiência intelectual.
Portanto, de 2007 a 2012, nesta região, diferentemente
de todas as outras regiões do Brasil, os alunos com
deficiência intelectual, já no ano inicial, eram a maioria
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 361
dos alunos caracterizados com NEE, mas que, mesmo
assim, seguiram a tendência nacional de queda das
referentes aos alunos com NEE e de incremento das dos
alunos com deficiência intelectual.
Estes dados comprovam que, em todas as regiões,
o aumento de matrículas de alunos com deficiência
intelectual foi decisivo para o incremento de alunos
com deficiência no período. Destaca-se, neste aspecto, a
região Sul, que apresentou no período queda de 17% nas
matrículas de alunos com deficiência, com exceção das
de alunos com deficiência intelectual (de 67.641 para
55.079) e incremento de 149% nessas últimas, de 2009
para 2012 (de 75.070 para 186.305).
Embora, nas outras regiões, as matrículas de alunos
com as demais deficiências tenham aumentado no
período, o percentual de matrículas de alunos com
deficiência intelectual foi sempre superior, o que mostra
a influência dessas últimas no cômputo total dos dados.
As análises feitas até aqui dão conta das aproximações
e das diferenças entre os dados de matrículas totais,
de alunos com necessidades educacionais especiais e
de alunos com deficiência intelectual, no Brasil e por
região geográfica, comprovando o peso que a deficiência
intelectual tem no conjunto dos dados estatísticos da
educação especial no país.
As diferenças regionais revelam que, apesar de
tendências semelhantes de crescimento das matrículas
de alunos com deficiência intelectual no ensino regular
e de queda na educação especial, há uma série de
nuances que exigem análises mais aprofundadas para
a produção
do conhecimento
no campo da
362 educação especial
verificar, com mais detalhamento, as distinções entre
as regiões, unidades da federação e municípios. Assim,
parece-nos que os números nacionais não são a melhor
fonte de dados para o estabelecimento de políticas
regionais e locais.
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 363
parte das vezes oriundas da pobreza, para justificar seu
afastamento do ensino regular.
Nesse sentido, o primeiro aspecto a se destacar é
o da força que a deficiência intelectual assume em
relação ao incremento de matrículas em geral, assim
como nas distintas regiões geográficas. Esse incremento
significativo de matrículas de alunos com deficiência
intelectual pode estar expressando maior incorporação
dessa população pela educação escolar ou, então,
uma reclassificação de alunos com baixo rendimento
escolar, na medida em que grande parte deles é assim
caracterizada pela equipe escolar, sem algum diagnóstico
mais preciso.
Seja em nível nacional, seja em nível regional, o
fato de, por exemplo, ser impensável a caracterização
de alunos com deficiência visual ou auditiva sem um
laudo médico preciso, a dispensa de maior precisão na
caracterização de alunos com deficiência intelectual
deixa evidente a ambiguidade das práticas ancoradas nos
documentos oficiais.
Estas tendências e nuances entre as regiões
geográficas brasileiras podem ser exploradas em estudos
futuros para buscar, entre tantas possibilidades, quais
são as distinções entre as regiões, unidades da federação
e municípios, pois os dados estatísticos nacionais não
permitem a investigação de políticas regionais, estaduais
e municipais.
Nesse sentido, as políticas nacionais de educação
especial parecem ser a expressão brasileira da injustiça
institucionalizada, criada por Skrtic (1996), ao efetuar
a produção
do conhecimento
no campo da
364 educação especial
a análise das políticas de educação especial nos
Estados Unidos, quando critica o encaminhamento
desproporcional de negros, latinos e pobres em relação
aos alunos brancos americanos; pode-se afirmar, pelos
dados aqui colhidos e analisados, que, no Brasil, a
concentração da classificação de alunos como deficientes
intelectuais expressa essa mesma injustiça, na medida
em que a grande maioria desse alunado pertence às
camadas populares.
A educação especial responde, portanto, a uma
racionalidade circunscrita pela exclusão-inclusão não
constituidora apenas da identidade escolar, mas da
relação dessa identidade com a cultura. Não se trata
só de uma referência à educação comum, ou seja,
do reconhecimento de seus limites e diferenças, mas
da convivência com outra escola que insiste em se
diferenciar pela negação das diferenças.
Assim sendo, a escolarização dos alunos com
deficiência intelectual parece cumprir um papel
amenizador das contradições do ensino regular,
porque oculta uma das funções básicas nas sociedades
capitalistas modernas, qual seja, a de instrumento de
legitimação da seletividade social.
Com esse propósito, a educação inclusiva estaria
voltada para a realidade sem desconsiderar seu
impasse histórico, a predisposição dos indivíduos
para o preconceito, fruto da relação desses com a
cultura. Esse conflito traria à tona, de acordo com
Adorno (1995), aquilo que foi negado historicamente
ao indivíduo vítima de preconceito: a possibilidade
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 365
de modificação dessa realidade pensada nos seus
próprios termos, para que a vida escolar não se torne
resignação.
Portanto, o acesso à educação de alunos com
necessidades educacionais especiais, bem como a
sua ascensão escolar, comprovam que o direito à
educação tem sido estendido de maneira muito lenta
e frágil, sem uma meta precisa de sua universalização
para o alunado da educação especial, sobretudo para
as pessoas com deficiência intelectual.
Se, de um lado, devemos reconhecer que o processo
de inserção de alunos com deficiência intelectual nas
classes do ensino regular vem, paulatinamente, se
efetivando, essa inserção apresenta um conjunto de
novos problemas que não podem ser encarados somente
pela ampliação das matrículas. Em outras palavras,
se a inclusão escolar de alunos com deficiência tem,
de fato, o objetivo de oferecer a esse alunado uma
educação qualificada, podemos no máximo afirmar
que esses alunos tiveram acesso à escola, mas que não
foram efetivamente incluídos.
Enfim, ainda é preciso efetivar estudos que procurem,
cada vez mais, buscar investigar diferenças regionais
e locais, no sentido de aprofundar o conhecimento
sobre as políticas educacionais em ação, na medida em
que, embora existam muitos pontos convergentes, os
indicadores nacionais brutos parecem ser insuficientes
para o estabelecimento de políticas regionais e
locais, em um país de dimensões continentais e
com enormes diferenças econômicas e sociais.
a produção
do conhecimento
no campo da
366 educação especial
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 367
GOES, R. Escolarização de alunos com deficiência intelectual : as
estatísticas educacionais como expressão das políticas de
educação especial no Brasil. Tese (Doutorado) ‒ Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2014.
a produção
do conhecimento
no campo da
368 educação especial
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais. Microdados do censo escolar da
educação básica 2008. Brasília: MEC/INEP, 2008.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 369
BRASIL. Sinopse estatística da educação básica. MEC/INEP.
Brasília, 2007. Disponível em: <http://inep.gov.br>. Acesso em: 22
set. 2009.
a produção
do conhecimento
no campo da
370 educação especial
Capítulo 12
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 371
um número (ao menos visualmente) desigual de
alunos em relação ao sexo, na medida em que os dados
censitários disponíveis (Censo Demográfico do IBGE
e Censo Escolar do INEP) evidenciavam que, entre a
população escolar em geral, o número de alunas na
escola básica superava o de alunos.
Como esse dado representava um caso específico,
decidi verificar a desigualdade de acesso à
escolarização, baseada na incidência de matrículas de
alunos com deficiência, segundo o sexo e por cor/raça,
utilizando como fonte de coleta de dados o Censo
Escolar, no Brasil e nas diferentes regiões geográficas.
Desta forma, o objetivo da presente investigação
foi o de verificar se a educação básica, no que se
refere à população com deficiência, expressa relações
excludentes e desiguais quando se analisam os contrastes
e combinações entre as categorias gênero e raça.
As principais hipóteses foram a incidência de
maior número (proporção) de matrículas de alunos do
sexo masculino em comparação às do sexo feminino,
e que as matrículas de brancos eram proporcional e
significativamente mais numerosas que a dos negros
(pretos/pardos).1
Segundo Osório (2003), a designação como negros
por meio da agregação da população classificada
como pretos e pardos se justifica
a produção
do conhecimento
no campo da
372 educação especial
[...] estatisticamente, pela uniformidade de
características socioeconômicas dos dois grupos.
Teoricamente, pelo fato de as discriminações,
potenciais ou efetivas, sofridas por ambos os grupos,
serem da mesma natureza.
[...]
O que interessa, onde vige o preconceito de marca, é
a carga de traços nos indivíduos do que se imagina,
em cada local, ser a aparência do negro. Pardos têm
menos traços, mas estes existem, pois se não fosse
assim não seriam pardos, e sim brancos; e é a presença
desses traços que os elegerá vítimas potenciais de
discriminações (OSÓRIO, 2003, p. 23-24).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 373
legitimação com o princípio de inferioridade e exclusão da
mulher por meio da divisão social do trabalho e na divisão
das atividades produtivas ‒ sobretudo no confinamento
da mulher ao espaço doméstico, com atribuições da
maternidade e educação dos filhos. E mesmo com mais
acesso ao ensino e ao mercado de trabalho, a igualdade
formal de acesso dissimula o fato de as mulheres
ocuparem posições subalternas ou menos remuneradas
que os homens em trabalhos de mesma natureza.
No que se refere aos procedimentos de pesquisa,
os dados foram obtidos no site do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), por meio de download dos microdados do Censo
Escolar 2012 (BRASIL, MEC.INEP, 2012), entre os
quais esta pesquisa utilizou somente os de matrículas2,
definindo-se como variáveis a serem investigadas: sexo,
cor ou raça, tipos de deficiências e etapa de ensino.
Embora fosse nossa intenção estabelecer relação entre
a escolarização de alunos com deficiência e a origem
social, isto não foi possível na medida em que o Censo
Escolar não disponibiliza o perfil socioeconômico dos
alunos.
O estudo quantitativo apresenta a composição da
população escolar com deficiência, detalhando suas
características pessoais (sexo e cor/raça). A análise
dos dados permitiu a confirmação de incidência
significativamente mais elevada de uma categoria
a produção
do conhecimento
no campo da
374 educação especial
em comparação entre os sujeitos, refletindo assim a
concentração de mulheres e negros em posições de
desvantagem e desigualdade no acesso de oportunidades
educacionais, com o sistema de ensino atuando na
legitimação da discriminação.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 375
com as ciências biológicas e psicológicas, se conceitue
de maneira adequada e abrangente essa população ‒ o
que levaria a profundas transformações nos modelos,
procedimentos e práticas da educação especial.
Conforme Bueno, as deficiências ou distúrbios
orgânicos e não orgânicos são determinados “não pela
simples diferença biológica, mesmo quando de origem
orgânica, mas porque influi na totalidade do homem
como indivíduo e como membro de um determinado
grupo social” (BUENO, 2011, p. 60).
O cerne do problema estaria no fato de determinadas
características serem consideradas como não universais
da espécie humana, em especial as deficiências físicas,
mentais e sensoriais, encaradas, dentro de uma perspectiva
estreita e abstrata, como a totalidade do indivíduo, que
leva em consideração unicamente a marca divergente e
negativa (BUENO, 2011).
a produção
do conhecimento
no campo da
376 educação especial
vida. Segundo Bueno (2011), “dois indivíduos com
o mesmo quadro de excepcionalidade podem ser
caracterizados de forma diferente, na medida em que
a determinação de suas dificuldades não está isenta
das possibilidades que lhes são oferecidas no sentido
de preveni-las, minimizá-las e, até mesmo, superá-las
totalmente” (Bueno, 2011, p. 65).
A Declaração de Salamanca ‒ proclamando que toda
criança tem direito fundamental à educação ‒ reconhece
o caráter imprescindível e urgente de providenciar a
educação para crianças com necessidades educacionais
especiais no sistema regular de ensino. A Declaração
apresenta princípios que estruturam a ação em Educação
Especial, argumentando que as escolas deveriam
acomodar “todas as crianças independentemente de
suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais,
linguísticas ou outras”, devendo incluir “crianças
deficientes e superdotadas, crianças de rua e que
trabalham, crianças de origem remota ou de população
nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas,
étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos em
desvantagem ou marginalizados” (CONFERÊNCIA
MUNDIAL SOBRE NECESSIDADES EDUCATIVAS
ESPECIAIS, 1994, p. 3).
A Constituição Federal de 1988 prevê o direito à
educação e institui como dever do Estado a garantia
de atendimento educacional especializado às pessoas
com deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino, direito reafirmado pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN, Lei n° 9.394/96), que
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 377
define por educação especial “a modalidade de educação
escolar oferecida preferencialmente na rede regular de
ensino, para educandos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação”.
O Decreto n° 6.949/2009, que promulgou a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, ressalta a preocupação com as difíceis
situações enfrentadas por pessoas com deficiência, por
estarem sujeitas a formas múltiplas ou agravadas de
discriminação devido a raça, cor, sexo, idioma, religião,
origem nacional, étnica, nativa ou social, entre outras.
Em seu artigo 6º, reconhece que mulheres e meninas
com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de
discriminação e que, portanto, devem ser tomadas
medidas “para assegurar às mulheres e meninas com
deficiência o pleno e igual exercício de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais” (CONVENÇÃO
INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2009).
Instituída em 2015, a Lei Brasileira nº 13.146, de
Inclusão da Pessoa com Deficiência, prevê que toda
pessoa com deficiência deve ter direito à igualdade de
oportunidade, devendo ser protegida de toda forma de
discriminação, exploração, tratamento desumano, entre
outros, e afirma que são considerados especialmente
vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso
com deficiência.
Apesar das declarações internacionais e das
proposições políticas nacionais indicarem
a produção
do conhecimento
no campo da
378 educação especial
uma série de princípios, ações e procedimentos com
vistas ao incremento dos direitos de cidadania, entre eles
o de escolarização das pessoas com deficiência, estudos
críticos sobre as políticas em ação têm evidenciado um
conjunto de problemas e distorções que têm se abatido
especialmente sobre a população escolar pertencente às
camadas populares (PEREIRA, 2016, p. 31).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 379
salariais e de vida extremamente desiguais a que as
pessoas classificadas como negras (pretos e pardos)
estão expostas em comparação ao segmento branco da
população brasileira.
Na análise a respeito do mito da democracia racial,
Munanga (1996) enfatiza que as manifestações racistas
no Brasil são implícitas, que a agressão aos negros
não é apenas socioeconômica, mas também racial. E
atribuir o fator racial a um significado sociocultural de
classe é uma tentativa de mascarar ideologicamente
um mecanismo específico de opressão. Para o autor, o
mito da democracia racial dificulta a implantação de
políticas públicas às vítimas de preconceito, com base
na afirmação de que “não existe racismo no Brasil, de
acordo com o ditado perante a lei somos todos iguais. As
prováveis atitudes preconceituosas e comportamentos
discriminatórios são interpretados como frutos das
diferenças socioeconômicas” (MUNANGA, 1996, p. 87).
Em concordância, Fernandes (1988) considera
interligadas as lutas de classes e de raças: classificado
socialmente como proletário, o negro continua a ser negro
e a sofrer preconceitos, discriminações e violências.
a produção
do conhecimento
no campo da
380 educação especial
periferia da ordem social competitiva, o preconceito
e a discriminação de cor impedem a existência e
o surgimento de uma democracia racial no Brasil
(FERNANDES, 2007, p. 93).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 381
Do mesmo modo, analisamos a relação entre as
desigualdades sociais entre homens e mulheres, em que
não é negada a distinção biológica, mas que tem como
foco a construção social e histórica produzida sobre as
características biológicas, como são representadas e
compreendidas, tornando-se parte do processo histórico.
Segundo Louro (2003), é necessário se contrapor
ao argumento de que a distinção sexual serve para
explicar e justificar a desigualdade social. Para a autora,
é fundamental evidenciar que não são propriamente
as características sexuais, mas as formas como
são representadas e valorizadas que vão constituir,
efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma
sociedade, em determinado momento histórico:
a produção
do conhecimento
no campo da
382 educação especial
Quanto às relações de dominação, segundo
Bourdieu (2011, p. 7) é surpreendente “que a ordem
estabelecida, com suas relações de dominação, seus
direitos e suas imunidades, seus privilégios e suas
injustiças”, se perpetue com tanta facilidade e que
condições de existência das mais intoleráveis sejam
consideradas como aceitáveis ou naturais. Para o
autor, a dominação masculina, da maneira como é
imposta e vivenciada, exemplifica essa submissão,
resultante do que denomina de violência simbólica,
que se exerce essencialmente pelas vias simbólicas de
comunicação e conhecimento.
As divisões constitutivas da ordem social exercem
a função de ratificar a dominação masculina sobre
a qual se alicerça, por meio da divisão social do
trabalho, a distribuição das atividades em relação aos
sexos, a diferença biológica e a distinção anatômica
entre os corpos, utilizada como justificativa natural da
diferença entre os gêneros, socialmente construída.
Por meio da experiência de uma ordem social
sexualmente ordenada, dirigidas por seus pais,
professores e colegas,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 383
se para as que lhes são sistematicamente destinadas
(BOURDIEU, 2011, p. 114).
a produção
do conhecimento
no campo da
384 educação especial
via internet, no Educacenso, fica a cargo das escolas
(BRASIL. MEC. INEP, 2013)3.
No que se refere aos dados individualizados dos alunos,
é possível obter informações sobre nacionalidade, local de
nascimento, idade, sexo, cor ou raça, tipo de deficiência,
etapa e modalidade de ensino etc. Entre as variáveis
utilizadas neste estudo, em relação ao tipo de deficiência,
as classificações são: Cegueira ou Baixa visão; Surdez;
Deficiência auditiva; Surdo-cegueira; Deficiência
física; Deficiência intelectual; Deficiência múltipla.
Neste trabalho, foram selecionadas e agregadas
algumas categorias, o que redundou na seguinte
classificação:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 385
Primeiramente, procurou-se verificar se há uma
diferença significante na incidência de matrículas dos
alunos com deficiência em relação ao sexo e cor/raça,
conforme dados da Tabela 1, a seguir:
Tabela 1 ‒ Matrículas de alunos com deficiência, segundo sexo e a cor/raça ‒
Brasil ‒ 2012
Sexo
Total
Cor/Raça Feminino Masculino
Nº % Nº % Nº %
Total 514.246 100,0 207.805 40,4 306.441 59,6
Branca 261.538 50,9 109.265 41,8 152.273 58,2
Negra 252.708 49,1 98.540 39,0 154.168 61,0
Fonte: Pereira (2016). Tabela elaborada pela pesquisadora com base nos dados do
INEP (2012).
a produção
do conhecimento
no campo da
386 educação especial
mulheres com deficiência, considerando “a afirmação
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI) de que existiriam 10
mulheres deficientes por 6,7 homens” (Pereira, 2016, p. 80).
Quanto à composição do número de matrículas
segundo raça/sexo, entre os 261.538 alunos declarados
brancos, 109.265 ou 41,8% são do sexo feminino e
152.273 ou 58,2% do sexo masculino. Em relação aos
252.708 matriculados que se declaram negros, 98.540
ou 39% são do sexo feminino e 154.168 ou 61% do
sexo masculino. Se os primeiros dados mostram uma
desvantagem na escolarização de mulheres brancas em
relação à população masculina, evidencia uma grande
desvantagem das mulheres negras, com um número de
matrículas significativamente menor em relação às dos
homens da mesma raça.
Quanto às matrículas de alunos com deficiência, cru-
zando-se sexo e cor/raça, é possível identificar que, das
207.805 matrículas do sexo feminino, 109.265 ou 52,6%
se declaram brancas e 98.540 ou 47,4% se declaram ne-
gras. Das 306.441 matrículas do sexo masculino, 152.273
ou 49,7% se declaram brancos e 154.168 ou 50,3% se de-
claram negros. Pode-se notar que a desvantagem do nú-
mero de matrículas com base na raça se refere aos alunos
do sexo feminino, com diferença de 5,2%, indicando que
o número de matrículas de alunas brancas com deficiên-
cia é significantemente maior do que as de alunas negras.
Munanga e Gomes (2006) afirmam que as pessoas
classificadas como negras estão expostas a piores
condições, comparativamente aos brancos. A estrutura de
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 387
nosso país é racista e aprendemos a atribuir inferioridade
aos negros devido à sua aparência – e é no processo
educacional e de sociabilização que se desenvolve a
percepção e visão das diferenças entre negros e brancos.
Nessa perspectiva, compreendida no contexto de uma
sociedade racista, que tende a se referir à percepção de seus
atributos físicos, a desigualdade educacional dos negros
parece intensificar-se quando nos referimos às mulheres
negras, sujeitas a múltiplas formas de discriminação, por
atributos devido a sua raça, como a textura dos cabelos e
traços faciais ‒ além da desigualdade de gênero.
Para aprofundamento do estudo, verificou-se a
diferença na incidência de matrículas de alunos por tipo
de deficiência, segundo o sexo:
Tabela 2 ‒ Matrículas de alunos por tipo de deficiência, segundo o sexo
‒ Brasil ‒ 2012
Sexo
Tipo de deficiência Total Feminino Masculino
Nº % Nº %
Total 514.246 207.805 40,4 306.441 59,6
Deficiência visual 48.227 22.208 46,1 26.019 54,0
Deficiência auditiva 43.389 19.278 44,4 24.111 55,6
Deficiência física 77.620 33.545 43,2 44.075 56,8
Deficiência intelectual 345.010 132.774 38,5 212.236 61,5
Fonte: Pereira (2016). Tabela elaborada pela pesquisadora com base nos dados
do INEP (2012).
a produção
do conhecimento
no campo da
388 educação especial
Constata-se que, em todos os tipos de deficiência,
há predominância de matrículas de alunos do sexo
masculino, com diferenças percentuais entre 23%
(alunos com deficiência intelectual) e 11,2% (alunos
com deficiência auditiva), evidenciando que, apesar
da população feminina em geral ser mais elevada que
a masculina, verifica-se que no caso de alunas com
deficiência elas expressam a dupla desvantagem citada.
Os testes de significância estatística aplicados4, para
averiguar se haveria diferença significante entre os sexos,
constataram que o número ou proporção de matrículas
de alunos do sexo masculino foi significantemente maior
que as matrículas do sexo feminino para todos os tipos
de deficiência.
Quanto às matriculas de alunos classificados com
deficiência intelectual, verifica-se que é maior que o
dobro totalizado pelas demais deficiências. Góes (2014)
identificou em sua pesquisa o aumento crescente de
matrículas de alunos com deficiência intelectual entre os
anos de 2007 e 2012. Ressalta-se a necessidade de novos
estudos para investigar se este aumento de matrículas é
proporcional entre os sexos.
Segundo Bourdieu (1983, p. 207), “a inteligência é
aquilo que os testes de inteligência medem, isto é, aquilo
que o sistema escolar mede”. Para o autor, não se pode
permanecer somente no terreno da psicologia, pois os
testes de inteligência são produto de determinações
sociais que estão na origem do racismo próprio das elites,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 389
o racismo da inteligência, com o qual a classe dominante
estabelece sua legitimidade por meio das classificações
escolares.
a produção
do conhecimento
no campo da
390 educação especial
Demográfico 2010 (IBGE, 2012), a população branca
e negra no país totaliza 187.846.940, dos quais 48,5%
declaram-se brancos e 51,5% declaram-se negros, o que
indica maior número de negros (pretos/pardos), com
uma diferença de 3%.
Para Munanga (1996), a situação do negro deve
ser analisada a partir de um comparativo dos dados
estatísticos quanto às categorias renda, emprego, saúde,
educação, etc., que identificam a concentração da
população negra nas posições inferiores da hierarquia
social ‒ considerando que os indicadores de desigualdade
racial se caracterizam pela desvantagem no acesso
a oportunidades sociais, em que a raça e a diferença
biológica persistem como elemento da mobilidade social.
Este estudo teve como hipótese que a quantidade
de matrículas de alunos brancos seria maior que a dos
negros. Quando examinamos as matrículas por tipo de
deficiência, percebe-se uma variação entre o predomínio
da raça. Em relação à deficiência visual e auditiva,
constatou-se que o número (proporção) de matrículas
de alunos declarados negros é maior que as de alunos
brancos. No grupo de alunos com deficiência física e
intelectual, a quantidade de matrículas de alunos brancos
é significantemente maior que a dos negros.
Embora não se possa afirmar categoricamente, essas
discrepâncias parecem evidenciar que nas deficiências
mais objetivamente diagnosticadas (de visão e de
audição) as matrículas acompanham a incidência
populacional entre brancos e negros, mas, no caso das
deficiências físicas (que envolvem um enorme quadro de
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 391
limitações, desde as periféricas até as do sistema nervoso
central) e no das deficiências intelectuais (com severas
críticas sobre as suas caracterizações pelos sistemas de
ensino), a população branca tem sido mais aquinhoada.
Para examinar se as questões de gênero e raça
expressam desigualdade no processo de progressão
escolar, classificamos a distribuição de matrículas por
etapa de ensino, inicialmente privilegiando a relação
deficiência/gênero.
Tabela 4 ‒ Matrículas de alunos com deficiência, segundo o sexo,
por etapa de ensino – Brasil - 2012
Sexo
Etapas de Ensino Total Feminino Masculino
Nº % Nº %
Total 514.246 207.805 40,4 306.441 59,6
Educação Infantil 45.616 18.872 41,4 26.744 58,6
Ensino Fundamental 405.034 159.999 39,5 245.035 60,5
Ensino Médio 27.437 12.499 45,6 14.938 54,4
EJA5
1
36.159 16.435 45,5 19.724 54,5
Fonte: Pereira (2016). Tabela elaborada pela pesquisadora com base nos dados do INEP (2012).
a produção
do conhecimento
no campo da
392 educação especial
de estudos aprofundados a respeito do processo de
progressão escolar de alunos com deficiência.
Além disso, cabe destacar que é nesse nível de ensino
que se verifica a maior defasagem entre alunos do sexo
feminino em relação aos do masculino (60,5% de homens
contra 39,5% de mulheres), ou seja, é exatamente onde
se concentra o maior número de alunos com deficiência
que a defasagem entre os sexos é a mais gritante.
O número de matrículas de alunos do sexo masculino
superior que as de sexo feminino, em todas as etapas de
ensino, nos permite concordar com o pensamento de Bour-
dieu (2011), que traz à tona a reflexão de que a igualdade
de oportunidades de acesso à escolarização “não deve mas-
carar as desigualdades que persistem na distribuição entre
os diferentes níveis escolares” (Bourdieu, 2011, p. 109).
Para investigar o nível de escolaridade de alunos com
deficiência segundo cor/raça, com o objetivo de verificar
se há diferença significante na incidência de matrículas
por etapa de ensino, elaborou-se a Tabela 5 a seguir:
Tabela 5 – Matrículas de alunos com deficiência segundo cor/raça, por etapa de
ensino – Brasil ‒ 2012
Cor/Raça
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 393
Conclui-se que o número de matrículas de alunos
que se declaram brancos é significativamente
maior que as dos negros na Educação Infantil e
Ensino Médio, com a diferença mais expressiva
na Educação Infantil. No entanto, no Ensino
Fundamental, o número de matrículas de alunos
declarados negros é maior, com uma diferença de 3%.
Ou seja, ao contrário do que se verificou em relação
às matrículas de alunos com deficiência por sexo, o
número de alunos negros matriculados na etapa de
ensino de maior incidência acompanha quase que pari
passu a incidência populacional6.
Observa-se que dos alunos declarados brancos,
tendo como referência o percentual de matrículas da
Educação Infantil (59,2%), há uma queda no Ensino
Fundamental (48,5%) e incremento no Ensino Médio
(52,5%). No que tange aos alunos negros, há um
incremento no percentual de matrículas no Ensino
Fundamental (51,5%) e posterior queda no Ensino
Médio (47,5%). Desse modo, em relação ao maior
nível de escolaridade alcançado, há desvantagem dos
negros no Ensino Médio.
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
394 educação especial
que o número (proporção) de matrículas de alunos do
sexo masculino é maior do que as do sexo feminino,
independentemente da deficiência. Quando examinados os
dados por tipo de deficiência, verificou-se que a deficiência
intelectual apresenta maior diferença entre os sexos.
Com relação à raça, identificamos que há uma
variação na distribuição das matrículas. Quanto aos
alunos com deficiência visual e auditiva há maior
número de matrículas de alunos declarados negros;
já entre alunos com deficiência física e intelectual, o
número de matrículas de alunos declarados brancos é
significantemente maior.
A análise a respeito das etapas de ensino constatou
maior número de alunos do sexo masculino declarados
brancos no Ensino Médio, o que indica aumento do
nível de escolaridade alcançado em relação às meninas
e aos alunos declarados negros.
O estudo realizado conclui que as mulheres e negros
com deficiência têm menos acesso à escolarização.
A desigualdade se intensifica entre as alunas com
deficiência declaradas negras, de acordo com o número
de matrículas significantemente menor.
O Decreto nº 6.949/2009 ‒ Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ‒ indica
que as pessoas com deficiência estão sujeitas a formas
múltiplas ou agravadas de discriminação por causa de
cor/raça e sexo e salienta o fato de a maioria viver em
condições de pobreza.
Compreende-se que os problemas que se
referem à escolarização de pessoas com deficiência
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 395
devem ser analisados tendo como base a extrema
desigualdade social produzida historicamente no
país. Embora com legislação cada vez mais precisa e
avanços significativos, a superação da desigualdade
requer políticas de efetiva justiça social.
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
396 educação especial
BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios ‒ PNAD. Disponível em: <https://
agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-
de-noticias/noticias/18282-pnad-c-moradores.html>. Acesso
em: 3 abr. 2018.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 397
MUNANGA, K. Estratégias e políticas de combate à
discriminação racial. São Paulo: Edusp/Estação Ciência, 1996.
a produção
do conhecimento
no campo da
398 educação especial
Capítulo 13
A filantropia e a segregação na
educação especial: um olhar a
partir dos indicadores educacionais
brasileiros
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 399
Prestam-se a subsidiar as atividades de planejamento
público e a formulação de políticas sociais nas diferentes
esferas de governo, possibilitam o monitoramento das
condições de vida e bem-estar da população por parte
do poder público e da sociedade civil e permitem o
aprofundamento da investigação acadêmica sobre a
mudança social e sobre os determinantes dos diferentes
fenômenos sociais (JANNUZZI, 2005, p. 138).
1 Cf. <http://www.educacenso.inep.gov.br/censobasico/#/>.
a produção
do conhecimento
no campo da
400 educação especial
Exclusiva 1”, visto que ambas se referem aos dados de
serviços substitutivos (instituições e classes especiais).
Após esse procedimento, os dados foram agrupados por:
(1) Tipo de deficiência2: cegueira, baixa visão, surdez,
deficiência auditiva, deficiência física e deficiência
intelectual; (2) Dependência administrativa: municipal,
estadual, federal e privada; (3) Categoria da instituição:
filantrópica, confessional, comunitária e particular; (4)
Etapa de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental,
Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos.
As análises dos dados do presente trabalho são
baseadas na tese da unidade entre qualidade e quantidade
na perspectiva da dialética marxista, apresentada por
Alceu Ferraro (2012). Segundo o autor, constata-se a
necessidade de pensar quantidade e qualidade, não de
forma complementar entre uma e outra, mas de unidade,
uma vez que são indissociáveis. A articulação entre essas
perspectivas produz uma compreensão mais aprofundada,
visto que ultrapassam a descrição quantitativa por meio de
uma análise qualitativa que considera as questões sociais
e históricas que envolvem tal realidade. Nota-se que
2 Nesse trabalho optou pela apresentação apenas das deficiências, visto que
foram as variáveis utilizadas no estudo de Santos (2016).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 401
de tudo, afastar duas concepções opostas e igualmente
vulneráveis: de um lado, a daqueles(as) que veem
incompatibilidade, dicotomia ou oposição excludente
entre métodos quantitativos e métodos qualitativos; de
outro, a daqueles(as) que veem unidade entre os dois
tipos de métodos – uma unidade construída não sobre
a diferença que os distingue, mas sobre uma identidade
imaginária que desfigura uns e outros, na medida em que
ignora ou apaga as diferenças (FERRARO, 2012, p. 144).
a produção
do conhecimento
no campo da
402 educação especial
Tais serviços se intensificaram na década de 1930 com
a criação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais (1932)
e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais no Rio
de Janeiro (1954). Ambas as instituições foram fundadas
a partir da iniciativa de profissionais da área da saúde
e educação, além do auxílio de políticos e de pessoas
influentes na sociedade. Tais instituições encontram-se
ativas até a atualidade, fazendo-se presentes em todo o
território brasileiro (CAIADO & JANNUZZI, 2013).
As instituições especiais ganharam espaço perante
a discussão da educação especial a partir de influência
política, como pode ser observado em 1973, quando
foi fundado o Centro Nacional de Educação Especial
(CENESP), o qual era vinculado ao Ministério da
Educação e possuía autonomia financeira e administrativa,
integrando-se às diversas instâncias administrativas,
inclusive à privada (KASSAR,1998).
O centro se configurou como um marco histórico na
consolidação das instituições especiais no Brasil no que
refere à participação política, pois foi criado para propiciar
financiamento das instituições especiais filantrópicas por
parte de órgãos internacionais. Por conta das exigências
destes organismos, era necessário encontrar, na realidade
brasileira, um órgão que direcionasse as políticas em
relação às pessoas com deficiência (MELETTI, 2006).
Entre os anos de 1974 e 1978, o órgão teve como
finalidade apoiar a educação especial, priorizando
a expansão dos serviços da área. A força política da
iniciativa privada foi observada pelo CENESP nas ações
realizadas, que, de forma explícita, as auxiliava. Em
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 403
1979, o Centro Nacional de Educação Especial ajudou
cerca de 279 instituições especiais privadas, além de
investimentos em projetos de construção, propostas
curriculares e formação docente (JANNUZZI, 2006).
A década de 1990 foi marcada por uma nova
discussão na área, visto que eventos internacionais
apresentaram o debate de oportunizar, para todos os
indivíduos, o acesso à democratização e universalização
do ensino, compreendendo a educação como um direito
sem discriminação de condições sociais, econômicas e
étnicas. Dentre os eventos, encontra-se a Conferência
Internacional de Educação para Todos (1990) e a
Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais
Especiais: acesso e qualidade (1994), a qual oportunizou
a elaboração da Declaração de Salamanca.
Por conta dessas discussões, a escolarização do
público-alvo da educação especial é fortemente priorizada
em espaços regulares de ensino e a atuação dos serviços
segregados na declaração foi redimensionada, uma vez
que eles
a produção
do conhecimento
no campo da
404 educação especial
amplificado papel de prover apoio profissional às
escolas regulares no sentido de atender às necessidades
educacionais especiais. Uma importante contribuição
às escolas regulares que os profissionais das escolas
especiais podem fazer refere-se à provisão de métodos
e conteúdos curriculares às necessidades individuais
dos alunos (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA,
1994, p. 5-6).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 405
clínico de seus atendimentos para trabalhar em uma
perspectiva educacional, ou seja, para que o poder
público destine recursos às instituições especializadas é
necessário que se enquadrem às normativas estabelecidas
pelo sistema de ensino, visto que “há a exigência de
uma ‘pedagogização’ da instituição especial que deve se
caracterizar como escola para fins de educação escolar”
(MELETTI, 2008a, p. 201).
As federações criticaram as normativas apresentadas
na LDBN/96 pelo fato de financiar somente serviços
relacionados ao atendimento educacional especializado,
contudo, as reivindicações não foram atendidas e, por
conseguinte, a FENAPAES organizou documentos que
apresentam um caráter educativo para os atendimentos
de suas filiadas (MELETTI, 2008b). Em 1997 foi
elaborado o Projeto Águia, que apresentou metas do
Movimento Apaeano para oportunizar a realização
de programas educacionais respaldados pela política
educacional. Com base no documento anterior, em
2001 foi elaborado o documento intitulado “APAE
Educadora: a escola que buscamos”, cuja finalidade é
estabelecer diretrizes educacionais para suas instituições,
vislumbrando a adequação às normativas educacionais
vigentes (MELETTI, 2008b).
Meletti (2008b) analisou o documento “APAE
Educadora” e observou que, segundo o documento, a
educação especial é compreendida como uma modalidade
ofertada na escola especial, a qual disponibiliza serviços
em todas as etapas de ensino. A perspectiva educacional
apresentada no documento não se refere a uma
a produção
do conhecimento
no campo da
406 educação especial
escolarização efetiva, visto que as instituições possuem
um caráter reabilitador e terapêutico. Outra consideração
é sobre a flexibilização curricular apresentada no
documento, a qual apresenta a expansão do tempo de
ensino e redução dos saberes escolares (MELETTI,
2008b).
A Política de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva entrou em vigência no ano de 2008
e tem por finalidade orientar os sistemas educacionais
para propiciar aos alunos com necessidades educacionais
especiais condições de acesso, permanência e sucesso
escolar, garantindo o atendimento educacional
especializado, formação dos docentes, acessibilidade do
espaço escolar, equipamentos, transportes, mobiliários,
comunicação e informação e a participação da
comunidade e da família (BRASIL, 2008a).
A política define a educação especial como uma
modalidade de ensino que perpassa todas as demais
modalidades, níveis e etapas de ensino. O atendimento
educacional especializado se configura como um serviço
necessário para o sucesso acadêmico dos alunos com
necessidades educacionais especiais, tendo por
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 407
escolarização. Esse atendimento complementa e/
ou suplementa a formação dos alunos com vistas
à autonomia e independência na escola e fora dela
(BRASIL, 2008a, p. 10).
a produção
do conhecimento
no campo da
408 educação especial
Encontram-se contradições no âmbito das políticas pú-
blicas, como verificada na Meta 4 do Plano Nacional de
Educação (PNE 2014-2024) em que, na estratégia 4.8 da
Meta 4, o PNE se propõe a oportunizar uma educação in-
clusiva e regular; no entanto, na estratégia 4.17, verifica-
se o incentivo ao setor privado, como registrado a seguir.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 409
ao destinar recursos financeiros para a manutenção destas
instituições, visto que o custo de implementar serviços
em espaços regulares é maior.
Os serviços filantrópicos constituem-se a partir da
sociedade civil, que se refere a uma esfera distinta do
Estado. Entretanto, a sociedade civil deveria ser um
recurso de luta contra o capitalismo e não sua adaptação
e, por conta disso, encontra-se uma ambiguidade,
pois seu conceito pode ser vasto, desde instituições
voluntárias até mesmo os sistemas econômicos. É
necessário aprofundar a análise sobre essa esfera,
porquanto pode-se tornar uma máscara para o sistema
capitalista, pois “confunde e disfarça tanto quanto
revela” (WOOD, 2011, p. 210).
Posto isso, pode-se compreender as instituições
especiais como o terceiro setor, uma vez que não estão
ligadas nem ao poder público nem ao mercado, mas
apresentam-se como uma responsabilidade passada
do Estado para os cidadãos. Com base na Terceira
Via, em uma perspectiva de “democracia”, a atuação
do Terceiro Setor possui influência sobre as políticas
sociais, entretanto, vale ressaltar que em uma sociedade
capitalista a democracia, no que refere aos direitos,
possui pouca influência sobre as desigualdades e formas
de exploração. Apesar das conquistas de direitos, as
políticas sociais não estão contribuindo efetivamente
para sua concretização (PERONI, 2013). Por este fator
as contrações são nítidas, pois, ao garantir os direitos dos
alunos à educação, a atuação dos serviços terceirizados
impede sua concretização.
a produção
do conhecimento
no campo da
410 educação especial
Dir-se-ia que essa tendência do Poder Público em
transferir a responsabilidade pela educação para o
conjunto da sociedade, guardando para si o poder
de regulação e de avaliação das instituições e dos
resultados do processo educativo, operou uma inversão
no princípio constitucional que considera a educação
“direito de todos e dever do Estado”, passando-se a
considerar a educação pública como dever de todos
e direito do Estado. Por esse caminho será acentuada
a equação perversa que marca a política educacional
brasileira atual, assim caracterizada: filantropia
+ protelação + fragmentação + improvisação =
precarização geral do ensino no país (SAVIANI,
2013, p. 754.)
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 411
Os indicadores dos serviços especializados na
educação especial
a produção
do conhecimento
no campo da
412 educação especial
contudo, o número de alunos matriculados nesses
espaços ainda é significativo.
Dentre as deficiências, observa-se que a intelectual
apresentou o maior percentual de matrículas em todos
os anos. Em 2010 foi registrado o índice mais elevado,
totalizando 182.374 matrículas, representando
75,97% das matrículas desse ano. O ano de 2014
computou o menor número de matrículas de alunos
com deficiência intelectual (92.062), todavia, ainda se
encontra predominância, visto que 72,54% dos alunos
desse ano possuem deficiência intelectual.
A deficiência física também apresentou um elevado
índice. Como pode ser observado, o ano de 2010
computou 32.110 alunos matriculados em espaços
segregados, aproximadamente 13,37% das matrículas
desse ano. Em comparação com os demais anos, 2014
computou o menor número de alunos com deficiência
física em instituições especializadas, no entanto, ao
analisar as matrículas desse ano, verificou-se que
elas contabilizaram 16,42% das matrículas. Essa
porcentagem representa o maior índice de matrículas
de pessoas com essa necessidade ao longo dos anos
analisados.
A cegueira apresentou o menor índice em todos
os anos, em comparação com as demais deficiências.
O ano com o menor número de matrículas de alunos
cegos foi 2014, computando 1.104 matrículas. Em
seguida, encontra-se 2016 (1.447 matrículas) e
2015 (1.463 matrículas). O ano de 2010 computou o
maior número de matrículas, em comparação com os
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 413
demais, entretanto o índice de alunos cegos é menor,
perfazendo 1% do total de matrículas desse ano.
Nota-se que, embora já tenha se passado cerca de
duas décadas do debate sobre a educação inclusiva e
quase dez anos de implementação da Política Nacional
de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, os índices de alunos com deficiência nesses
espaços é elevado. Esse dado explicita a influência
que o poder privado possui ante a educação especial
brasileira, visto que se reorganizou para manter sua
atuação na área (SANTOS, 2016).
Dentre os dados de deficiência, observa-se que a
concentração de alunos com deficiência intelectual
não é uma realidade apenas da modalidade
substitutiva, uma vez que Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Educação de Jovens e Adultos
também possuem altos percentuais de alunos com
essa respectiva deficiência (BUENO & MELETTI,
2011; GONÇALVES, 2012).
Os dados de alunos matriculados por etapa de ensino
podem ser observados na Tabela 2.
a produção
do conhecimento
no campo da
414 educação especial
Ao analisar as matrículas dos alunos público-alvo
da educação especial na Educação Infantil, nota-se que
os números foram reduzindo ao longo dos anos, visto
que em 2009 foram computadas 47.748 matrículas,
já em 2016 foram contabilizadas 11.012 matrículas,
apresentando uma diminuição de 23,06%. Uma hipótese
para essa queda é a inserção de crianças com necessidades
educacionais especiais nas escolas regulares, visto que
por meio da Emenda Constitucional nº 59 passou a
ser obrigatório o acesso das crianças à escola a partir
dos quatro anos de idade. Em seus estudos, Meletti e
Bueno (2011) ressaltam a necessidade de se considerar
a inserção das crianças com deficiência na educação
infantil, pois essa etapa de ensino se configura como a
base para a escolarização desse público.
A etapa de ensino com o maior percentual de matrículas
em todos os anos analisados é o Ensino Fundamental,
com média de 61,45% das matrículas. Observa-se
que, ao longo dos anos analisados, as matrículas do
Ensino Fundamental de oito anos sofreram uma queda
acentuada, visto que, em 2009, foram contabilizadas
84.225 matrículas e, no ano de 2016, foram registradas
apenas 4.655 matrículas. Em contrapartida, as matrículas
de alunos com necessidades educacionais especiais no
Ensino Fundamental de nove anos aumentaram, pois
em 2009 foram contabilizadas 78.419 matrículas e, em
2016, foram registradas 101.118 matrículas.
A concentração de matrículas no Ensino Fundamental
de nove anos ocorre por conta das normativas educacionais
que regulamentaram, a partir da Lei n° 11.114/2005, a
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 415
inserção de crianças de seis anos no Ensino Fundamental.
Dentre as justificativas pela ampliação dessa etapa de
ensino, encontra-se a universalização e democratização
do ensino no país. As proposições legais afirmam que
a produção
do conhecimento
no campo da
416 educação especial
Os dados também apresentam um número significativo
de alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultos
(EJA). Observa-se que as matrículas de adultos com
deficiência em instituições de ensino aumentaram ao
longo dos anos, visto que em 2009 foram computadas
39.913 matrículas, e em 2016 foram registradas 60.081
matrículas, ou seja, houve um aumento de 50%. Esse
dado merece destaque, pois apesar de se encontrar na
realidade brasileira políticas que respaldam o direito à
educação regular para esse alunado, eles permanecem na
EJA. Segundo Gonçalves (2012):
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 417
sua escolarização no ano de 2013. Tanto esse dado
como os revelados pelos anos analisados evidenciam a
não escolarização dos alunos com deficiência, de modo
que eles não estão se apropriando dos conhecimentos
científicos. As parcerias público e privado agravam
a condição desses alunos, uma vez que seu direito à
educação não está sendo assegurado de forma efetiva.
A Tabela 3 apresenta os dados de matrículas de
alunos com necessidades educacionais especiais por
dependência administrativa.
a produção
do conhecimento
no campo da
418 educação especial
uma queda no número de alunos atendidos pela instância
estadual, visto que foram registradas 15.458 matrículas,
perfazendo uma redução de 44,55%.
A esfera municipal apresenta, dentre as instâncias
públicas, o maior índice. No ano de 2009 também foi
registrado o maior número de matrículas, (53.635
matrículas). Ao comparar esse ano com 2016, é notável
a queda no índice de alunos matriculados na esfera
municipal, contabilizando uma redução de 55,81% das
matrículas.
Verifica-se que o predomínio de matrículas se encontra
na esfera privada, pois contabilizou em média 70% do
total de matrículas em espaços segregados de ensino.
Como as demais esferas, o ano de 2009 computou o
maior número de matrículas de caráter privado (163.556
matrículas). Em comparação com o último ano analisado,
também houve uma queda nas matrículas (31,73%).
A predominância de matrículas privadas apresenta
a força política e social que as instituições especiais
possuem. Dentre os serviços ofertados atualmente pelas
instituições, encontra-se o Atendimento Educacional
Especializado (AEE), o qual é respaldado por lei. Lemos
em Borowsky (2013) que
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 419
regular, dentro da perspectiva da chamada inclusão.
Esta reconfiguração pela qual tem passado a Educação
Especial quanto ao tipo de educação ofertada aos alunos,
quanto às terminologias e o papel do professor, não
ocorre no que diz respeito ao local onde deve ocorrer,
já que a política não extingue a oferta de educação
especial privada mas, pelo contrário, a fomenta e a
legitima (Borowsky, 2013, p. 11).
a produção
do conhecimento
no campo da
420 educação especial
contabilizaram em média 0,20% das matrículas entre os
anos. As instituições de caráter particular registraram em
média 3,47% das matrículas privadas. Ao comparar os
anos de 2009 e 2016, verifica-se aumento no número de
matrículas desse caráter, pois em 2009 foram registradas
5.905 matrículas e em 2016 foram contabilizadas 7.376
matrículas, perfazendo um aumento de 24,91%.
Dentre as categorias das instituições privadas,
observa-se um predomínio do caráter filantrópico, o qual
computou em média 94,25%. Ao comparar os anos de
2009 e 2016, observa-se uma queda de matrículas, visto
que em 2009 estavam matriculados 152.227 alunos, já em
2016 foram computadas 119.704 matrículas, perfazendo
uma redução de 20% das matrículas.
Apesar da queda das matrículas, vale ressaltar que o
número de alunos inseridos em instituições filantrópicas
é alto, pois, no ano de 2016, cerca de 94,25% das
matrículas eram de cunho filantrópico.
O poder exercido pelas instituições especiais de caráter
filantrópico é presente na educação especial brasileira
e isto é preocupante, pois dificulta o entendimento da
educação como um direito social. Por essas questões
observa-se a necessidade de desvelar essa realidade.
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 421
e questionar a manutenção dos serviços paralelos, visto
que ainda se encontra um número significativo de alunos
nas instituições especiais.
Outro dado que chamou a atenção foram os números
de alunos matriculados no Ensino Fundamental e no En-
sino Médio. A partir desse dado, é possível observar que
os alunos público-alvo da educação especial atendidos
em espaços segregados não estão se escolarizando, difi-
cultando a conclusão de seus estudos na educação básica.
A concentração de matrículas em instituições
filantrópicas também se configura como um dado a
ser observado atentamente. Aproximadamente 94%
dos alunos matriculados em espaços segregados
encontravam-se em instituições de cunho filantrópico.
Esse dado apresenta tanto a força política que as
instituições possuem, quanto a manutenção da
perspectiva de benevolência e caridade como meio para
a educação desses alunos.
Por conta deste contexto, é necessário olhar com
criticidade para as contradições encontradas nas políticas
da educação brasileira, as quais perpetuam serviços que
não oferecem aos alunos com deficiência condições de
se apropriarem do conhecimento científico de forma
efetiva.
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
422 educação especial
BRASIL, Ministério da Educação. Ensino Fundamental de nove
anos: Orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade.
Brasília. 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/
pdf/Ensfund/ensifund9anobasefinal.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2018.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 423
FERRARO, A. Quantidade e qualidade na pesquisa em educação,
na perspectiva da dialética marxista. Pro-Posições, Campinas, v.
23, n° 1, p. 129-146, jan.- abr. 2012.
a produção
do conhecimento
no campo da
424 educação especial
MELETTI, S. APAE educadora e a organização do trabalho
pedagógico em instituições especiais. Anais 29ª Reunião Anual da
ANPEd. Caxambu (MG): ANPEd, 2008b. Disponível em: <http://
www.anped.org.br/reunioes/31ra/1trabalho/GT154852--Int.pdf>.
Acesso em: 2 fev. 2018.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 425
PARTE CINCO
A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA EM
EDUCAÇÃO ESPECIAL
Capítulo 14
O Repositório de Livros de
Educação Especial das Bibliotecas
Universitárias ‒ LIEEB
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 427
escolar (SZENCZUK, 2004) ou sobre a relação “ética-
educação” (CALEFFO, 2009), até aqueles voltados
mais para a constituição do campo (ALVARENGA,
1996).
Entre os balanços produzidos por pesquisadores mais
experimentados, cabe destacar aqueles já clássicos de
Gouveia (1971, 1976), os produzidos por encomenda
da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
(ANPEd) (GATTI, 1983, 1992; WARDE, 1988, 1990,
1993; AMADO; FÁVERO & GARCIA, 1993), bem
como os produzidos por iniciativa de renomados
pesquisadores (PATTO, 1988; CURY, 1989; VELLOSO,
1992; WEBER, 1992; SOUZA, 1993; ANDRÉ et al.,
1998; BRZEZINSKI & GARRIDO, 2001), inclusive
da educação especial (NUNES et al., 1998).
Seguindo esta trilha, foram realizadas análises
parciais sobre a produção acadêmica em educação
especial, quando se constatou que, ao lado de inegáveis
avanços alcançados pela pesquisa nesse campo no
país, nos deparamos com problemas que devem ser
enfrentados se quisermos, efetivamente, adquirir cada
vez mais consistência de análise.
O balanço mais antigo produzido, a pedido da própria
instituição, analisou as dissertações e teses defendidas
no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que
é, ainda hoje, após grande expansão da pós-graduação
no país, um dos mais expressivos centros de produção
científica da área e o único especificamente voltado à
educação especial (BUENO, 2004).
a produção
do conhecimento
no campo da
428 educação especial
Esse trabalho, que analisou a produção desse
Programa de Pós-Graduação, no período entre 1981 e
2001, constatou que a visão altamente disseminada entre
profissionais e acadêmicos de que a produção científica
sobre a educação especial, dada suas atávicas relações
com os campos da medicina e psicologia, voltava-
se muito mais para aspectos específicos e intrínsecos
da deficiência, não se confirmava, na medida em que,
naquele programa específico de educação especial, a
escola era objeto de estudo de 52,4% de sua produção,
com uma tendência de crescimento a partir dos anos 1990.
Outra característica importante dessa produção foi a
de que 40,4% dela se dirigia para outra população que não
a de alunos com deficiência, composta por trabalhos que
se voltaram à investigação de processos de escolarização
envolvendo dificuldades de aprendizagem, fracasso
escolar, alunos autistas, com distúrbios emocionais,
epilépticos, e mais da metade dessa produção
explicitamente voltada a alunos sem nenhum quadro de
dificuldades.
Com relação à incidência dos tipos de deficiência
investigados constatou-se a seguinte distribuição:
deficiência mental: 58,3%; deficiência em geral: 15,3%;
deficiência auditiva: 15,3%; deficiência física: 6,9%;
deficiência visual: 2,8%; e deficiência múltipla: 1,4%.
Por fim, verificou-se que 54% das produções tinham
como foco os diferentes processos de educação especial
(escola especial e classe especial), enquanto 46% delas
investigaram aspectos da escolarização de alunos com
deficiência no ensino regular.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 429
A partir desse trabalho inicial foram produzidos
mais alguns balanços, inclusive com a colaboração de
renomados colegas, sobre a produção de pesquisa em
educação especial no Brasil, no sentido de contribuir
para a reflexão sobre os caminhos que as investigações
têm percorrido nos últimos trinta anos.
Embora tenham ocasionado ressonância na
área, todos eles focaram aspectos específicos, tais
como as investigações que se voltaram à análise
da relação entre condições pessoais e sociais de
alunos com deficiência (BUENO, 2006); a produção
discente da pós-graduação sobre escolarização,
desigualdades sociais e deficiência (BUENO, 2007);
a análise da produção do GT-15 (Educação Especial)
veiculada nos anais das Reuniões Anuais da ANPEd
(FERREIRA & BUENO, 2011); a produção sobre a
formação de professores para a educação especial
(MARIN; BUENO & PENNA, 2011) e o balanço das
dissertações e teses sobre distúrbios de aprendizagem
(BUENO & OLIVEIRA, 2013).
Toda essa produção desembocou no trabalho
levado a efeito por Bueno (2014), sobre a produção
acadêmica na educação especial, em que foi efetuado o
balanço das dissertações e teses brasileiras defendidas
entre 1987 e 2009, apresentado no VI Seminário
Internacional do Programa de Estudos Pós-Graduados
em Educação: História, Política, Sociedade, em 2011.
Além desses trabalhos, cabe destacar as dissertações
e teses defendidas no Programa de Estudos Pós-
Graduados em Educação que também tiveram como
a produção
do conhecimento
no campo da
430 educação especial
foco a literatura especializada sobre os distintos
aspectos da relação entre educação especial e fracasso
escolar, tais como as de Aparecido (2000), Oliveira
(2012), Botarelli (2014) e Luz (2016).
Assim, tendo em vista essa trajetória pregressa,
esta pesquisa, decorrente de projeto de pesquisa já
finalizado (“O estado da arte da produção acadêmica
em educação especial no Brasil”, financiado pelo
CNPq), teve por objetivo, por meio de levantamento
exaustivo das publicações em livros sobre educação
especial, reunir fontes bibliográficas ‒ que se
encontram pulverizadas em diferentes bibliotecas
universitárias do país ‒ em repositório digital de
livre acesso, no qual, além dos dados catalográficos
constantes dos fichamentos das bibliotecas, contém
informações sobre os seus conteúdos, por meio
da digitalização da capa, folha de rosto, índices e
sumários, e, na falta desses, a apresentação inicial de
cada obra.
A restrição aos livros se justifica por duas razões:
1) artigos publicados em periódicos especializados,
em anais, assim como teses e dissertações estão
disponíveis, quer seja por meio de sites específicos,
quer seja por meio de mídias digitais; 2) a literatura
especializada sobre educação, assim como sobre
educação especial, até os anos 1990, era veiculada
fundamentalmente por meio de livros e coletâneas.
Até o término do projeto acima (30 de novembro
de 2017), foram colhidos e catalogados dados dos
acervos de livros, utilizando o descritor “educação
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 431
especial”, de seis1 universidades brasileiras, sendo três
localizadas na cidade de São Paulo (USP, PUC-SP e
UNIFESP) e três universidades da região Sul do País:
duas do estado do Paraná (UEL e PUC-PR) e uma de
Santa Catarina (UFSC).
Desta forma, este artigo apresenta o processo de
coleta, organização e inclusão de informações sobre
os conteúdos de livros e coletâneas no Repositório
de Livros de Educação Especial das Bibliotecas
Universitárias (www.lieeb.com.br), que disponibiliza
aos pesquisadores, professores e estudantes o acesso a
informações até então somente exequível em consulta
presencial às referidas bibliotecas, assim como os
procedimentos pelos quais os interessados podem
acessar as informações nele contidas.
Para o desenvolvimento e organização do repositório
faz-se uso do software de tratamento estatístico SPHINX
iQ2 e das fotografias digitalizadas dos livros selecionados
‒ contendo capa, folha de rosto e sumário (na falta deste
último, apresentação e prefácio), que permite o acesso,
além dos dados catalográficos, às seguintes informações:
instituição de ensino superior, biblioteca depositária,
título, autor/organizador, idioma, país e cidade de
publicação, editora, edição, data de publicação e número
de páginas que permitem a confecção de tabelas e
a produção
do conhecimento
no campo da
432 educação especial
gráficos, bem como procedimentos de análise estatística
inferencial.
No que se refere à exploração desse repositório nas
pesquisas já concluídas (TEZZELE, 2017; SOUZA,
2018; LEHMKHUL, 2018), o eixo orientador adotado
segue a proposta de estudos que vem pautando a
produção do nosso programa de pós-graduação, qual
seja, a da estreita relação entre escola e cultura.
Um dos autores que fundamentam esses estudos é
Raymond Williams (1969, 1980), cujo núcleo central é
constituído pela elaboração da teoria divulgada como
materialismo cultural, ou seja, uma teoria que parte das
especificidades da produção material, tomando a produ-
ção literária e sua análise crítica como material partíci-
pe da cultura, considerando que um dos aspectos centrais
para constituição desses princípios refere-se ao exame da
produção cultural que deve ser feito não somente pelo
seu interior, mas como expressão do contexto social.
Nesse sentido, efetua um deslocamento dos modos de
leitura das obras, apegadas unicamente a uma concepção
restrita de forma e a cânones estabelecidos, redirecionan-
do a análise para os “meios” vividos por quem escreve.
Tal perspectiva permite compreender as características
sociais e culturais que dão os contornos às produções,
ou seja, a crítica passa a ser feita a partir do “exame das
condições de uma prática” (WILLIAMS, 1980, p. 184).
Tendo como ponto de partida que toda a literatura
acadêmica é uma produção narrativa de cunho científico
– e, portanto, parte da cultura ‒, os estudos sobre a
educação especial aqui focalizados devem passar por
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 433
análise orientada por tais princípios, ou seja, como
práticas de produção cultural específica de um campo
consideradas como expressões dos sujeitos, dos espaços
sociais e do tempo em que foram efetivadas.
Dentro desta ótica, o estudo de Skrtic (1996) sobre
a produção do conhecimento na educação especial ‒
especialmente no que se refere às críticas epistemológicas
que são feitas a essa produção (ateórica, base teórica
confundida ou equivocada) e sua contraposição ‒ oferece
apoio para a classificação e análise dessa produção.
Segundo ele, a crítica prática do conhecimento da edu-
cação especial foi proveniente do campo profissional e
social, no âmbito dos movimentos civis dos Estados Uni-
dos, envolvendo pais, adultos deficientes, defensores dos
direitos das pessoas deficientes, até parte de especialistas
insatisfeitos com seus resultados, que ocasionaram mu-
danças nas políticas e práticas da educação especial, mas
não exerceram nenhuma contraposição ao conhecimento
teórico que as fundamentavam, pois que calcadas exclusi-
vamente nas contribuições da psicologia e biologia, bases
fundamentais para o embasamento da educação especial,
mas não suficientes, na medida em que as característi-
cas psicológicas e biológicas individuais se constroem e
se manifestam no meio social, razão pela qual as teorias
de desvio social não poderiam deixar de ser utilizadas.
Assim, nessa perspectiva, não cabe apenas inquirir se
a produção de conhecimento na área tem ou não uma base
sociológica, mas é necessário verificar se ela ultrapassa
a visão positivista de deficiência como totalidade do
indivíduo, que assim a caracteriza, independentemente
a produção
do conhecimento
no campo da
434 educação especial
das condições sociais, culturais, econômicas, políticas
que a constituíram.
É sob esta ótica que este projeto de pesquisa buscou
congregar pesquisadores, doutorandos e mestrandos com-
prometidos com o crescente incremento da educação espe-
cial como campo de conhecimento, reafirmando-se aqui a
pretensão de dar continuidade a esse projeto, ampliando o
atual acervo para outras bibliotecas, além de atualizar regu-
larmente o que já foi produzido, tendo claro que o universo
pretendido inicialmente ainda não possui condições obje-
tivas de ser atingido, dadas as limitações orçamentárias.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 435
e puderam ter suas fotos catalogadas, com a seguinte
distribuição, que compõem o acervo digital do LIEEB:
a produção
do conhecimento
no campo da
436 educação especial
O acesso inicial ao Repositório LIEEB se dá a partir da
página de entrada, uma capa que mostra sua finalidade,
conforme a Figura 1.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 437
Após a capa, a primeira página do site dispõe o
conteúdo do repositório organizado em três abas:
“Apresentação”, “Acesso ao Acervo” e “Entre em
Contato”, conforme a Figura 2.
A apresentação é composta de um explicativo sobre
o projeto de pesquisa “O estado da arte da produção
acadêmica em educação especial no Brasil”, que deu
origem ao repositório, e sobre o funcionamento do
banco de dados a ser consultado.
a produção
do conhecimento
no campo da
438 educação especial
de Ensino Superior), que deverão ser ampliados ‒,
incluídos no lado esquerdo da página conforme Figura 4.
Ao buscar por uma palavra, aparecerão resultados
como na Figura 4:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 439
Figura 5 ‒ Consulta de um livro específico
a produção
do conhecimento
no campo da
440 educação especial
Com essas informações, fica aqui oficialmente
lançado o Repositório de Livros de Educação Especial
das Bibliotecas Universitárias Brasileiras (LIEEB),
com a convicção de que ele poderá contribuir para
o desenvolvimento da pesquisa nesse campo e
para a visibilidade dos trabalhos efetuados pelos
pesquisadores.
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 441
BOTARELLI, G. O ensino-aprendizagem do português escrito
para surdos em pesquisa: análise de resumos acadêmicos (1987-
2010). Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 2014.
a produção
do conhecimento
no campo da
442 educação especial
BUENO, J. G. S. & OLIVEIRA, A. M. R. Balanço tendencial
das dissertações e teses sobre dificuldades de aprendizagem
(1987/2009). Filosofia e Educação, v. 5, n. 2, 2013.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 443
GOUVEIA, A. A pesquisa sobre educação no Brasil: de 1970 para
cá. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, Fundação Carlos Chagas,
n°19, dezembro de 1976.
a produção
do conhecimento
no campo da
444 educação especial
PATTO, M. H. O fracasso escolar como objeto de estudo: anotações
sobre as características de um discurso. Cadernos de Pesquisa, São
Paulo, Fundação Carlos Chagas, n° 65, 1988.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 445
WARDE, M. O papel da pesquisa na pós-graduação em educação.
Cadernos de Pesquisa, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n° 73,
1990.
a produção
do conhecimento
no campo da
446 educação especial
Capítulo 15
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 447
Para desenvolver uma análise em retrospectiva
acerca do processo do qual fiz parte, optei por
apresentar um relato dividido em partes. Na primeira,
explicarei brevemente a trajetória de minha dissertação
e as escolhas feitas nesse trajeto; depois, enfocarei a
pesquisa bibliográfica e o objeto de estudo; em seguida,
explicarei sobre a abordagem quantiqualitativa (ou
qualiquantitativa) e, por fim, explanarei a respeito do
referencial teórico e da análise de dados, para chegar às
considerações finais.
a produção
do conhecimento
no campo da
448 educação especial
me auxiliassem no desafio de uma aula de qualidade
para esse público, percebi a escassez desses materiais.
Isso suscitou em mim a vontade de entender melhor
essa situação, o que me levou ao mestrado.
Esse não era o único aspecto que me inquietava
como pesquisadora. Outras coisas poderiam ter
se transformado em objetos de estudo e, por
conseguinte, em minha pesquisa de mestrado, por
exemplo: a “surpresa” em descobrir que a maioria
dos alunos surdos é totalmente avesso à inclusão
de surdos em classes de ouvintes, mesmo com o
apoio do intérprete de Libras; o papel do intérprete
de Libras em aulas voltadas a estudantes surdos; os
estereótipos cognitivos construídos a partir da ideia
de alunos que usam linguagem visuoespacial, entre
outros. Mas, em meio a tantas opções e vertentes de
análise, foi necessário fazer uma escolha e eu a fiz.
Minhas opções foram favorecidas pelo fato de,
ao ingressar no programa de pesquisa Educação:
História, Política e Sociedade, na PUC-SP, conheci
meu orientador, Professor José Geraldo Silveira
Bueno, com ampla pesquisa em educação especial e
destaque em trabalhos envolvendo especificamente
surdos. Obviamente esse fato ajudou muito na minha
evolução teórica e metodológica, principalmente
porque ele coordenava um projeto macro da
pesquisa Balanço tendencial das dissertações e teses
brasileiras sobre educação de surdos (1987/2011),
o qual é subproduto de pesquisa interinstitucional
empreendida pelo Grupo de Pesquisas Instituição
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 449
Escolar e Prática Pedagógica, do Programa de
Estudos Pós-Graduados em Educação: História,
Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP). Minha pesquisa inseriu-se
facilmente nesta pesquisa maior.
Gradualmente, no mestrado, fui aprendendo a
conhecer e me interessar por balanços bibliográficos e
pesquisas sobre pesquisas. Li também alguns materiais
interessantes, como o artigo “Escola como objeto de
estudo nos trabalhos acadêmicos brasileiros: 1981-
1998” (Marin; Bueno & Sampaio, 2005).
Aos poucos, meu estudo começava a tomar forma.
Entendendo aspectos essenciais de uma pesquisa
acadêmica e conhecendo mais a respeito do tema, as
escolhas muitas vezes vão acontecendo de forma natural.
Ao estudar sobre surdos, conheci diferentes correntes
acadêmicas sobre o assunto, como descrevi em minha
dissertação.
a produção
do conhecimento
no campo da
450 educação especial
ouvintismo, que se trata da opressão que os ouvintes
submeteriam os surdos, impondo-lhes a cultura e hábitos
peculiares aos ouvintes.
Encontrei também uma análise distinta dessa, defendida
por Bueno (1998), que analisa até que ponto é legítimo
afirmar a existência da comunidade e identidade dos
surdos de forma distinta dos ouvintes, considerando
que ouvintes e surdos partilham da mesma sociedade.
Esse estudioso ainda se propõe a discutir o que se diz a
respeito da cultura e identidade dos surdos sob diferentes
visões: a perspectiva multicultural da cultura surda, a
visão histórica da situação social do indivíduo surdo e a
relação surdez-normalidade.1 Nesse sentido, aponta que
a surdez não pode obscurecer outros aspectos peculiares
às pessoas, tais como classe social, cor, gênero,
aspectos esses que estariam relacionados também à
inclusão na sociedade (BOTARELLI, 2014, p. 21).
1 Há outras pesquisas recentes nessa linha. Entre elas, podem ser citadas as
de Dantas (2006), Mendonça (2007), Pereira (2011) e Lima (2012).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 451
O objeto de estudo e a pesquisa bibliográfica
a produção
do conhecimento
no campo da
452 educação especial
em programas de pós-graduação dentro de
universidades, em determinado contexto de espaço
e tempo, constroem a visão a respeito do ensino-
aprendizagem da língua portuguesa para surdos.
E foi assim que, essencialmente, a pesquisa
definiu-se a partir da pergunta: quem, quando, onde e
como tem sido investigado o ensino-aprendizagem da
língua escrita para surdos nas produções acadêmicas
brasileiras?
No que se refere ao delineamento do processo,
eu poderia ter escolhido vários artifícios para coleta
de dados, porém, diante da possibilidade de realizar
um levantamento amplo, procedimentos como
entrevistas, questionários, entre outros, dificultariam,
por exemplo, descobrir questões temporais ou
espaciais. Segundo Gil (1994), a “principal vantagem
da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir
ao investigador a cobertura de uma gama de
fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente” (Gil, 1994, p. 71).
Dessa forma, naturalmente, a pesquisa bibliográfica
se consolidou nesta dissertação de mestrado.
Vale refletir que
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 453
implica um conjunto ordenado de procedimentos
de busca por soluções, atento ao objeto de estudo,
e que, por isso, não pode ser aleatório (LIMA &
MIOTO, 2007, p. 38).
a produção
do conhecimento
no campo da
454 educação especial
Quadro 1 ‒ Critérios de estudo
Critérios de estudo Definição da pesquisa
Parâmetro temático Tema: Educação de Surdos
Subtema: Escrita de Surdos
Palavras-chave: Surdo, deficiente auditivo; escola,
educação, escolarização.
Parâmetro linguístico Língua Portuguesa
Principais fontes Resumos disponibilizados no Banco de Teses da
CAPES
Parâmetro cronológico 1987 a 2010
Fonte: Elaboração da autora.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 455
institucionais, autorais, de orientação temporal etc. Mais
do que informações sobre o ensino-aprendizagem da
língua portuguesa escrita para surdos, é possível elaborar
algumas inferências que ajudem a conhecer o universo
das pesquisas sobre esse tema.
Para realizar a coleta de dados foi utilizado o
procedimento “todas as palavras” para a busca, com os
resultados demonstrados na Tabela 1.
Tabela 1 – Palavras-chave selecionadas e resultado da busca no
Banco de Teses da CAPES
Palavras-chave (descritores) Resultados
Surdo escola 359
Surdo educação 395
Surdo escolarização 054
Deficiente auditivo escola 088
Deficiente auditivo educação 090
Deficiente auditivo escolarização 009
TOTAL 995
Fonte: Botarelli, 2014, p. 54. Disponível em <https://goo.gl/TF3pvX>.
a produção
do conhecimento
no campo da
456 educação especial
de Dados da CAPES ficou indisponível, pois estava em
manutenção, o que impossibilitou alguma nova consulta.
Gil (1994, p. 72) ainda destaca alguns aspectos
relevantes na realização de uma pesquisa bibliográfica:
a exploração das fontes bibliográficas; a leitura do
material; a elaboração de fichas; a ordenação e análise
das fichas; e as conclusões.
No aspecto da exploração das fontes bibliográficas, o autor
destaca a importância de consulta a bibliotecas especializadas.
Na minha dissertação, como já mencionado, recorri ao
Banco de Teses da Capes2 por acreditar ser a melhor
fonte para Teses de Doutorado e Dissertações de Mestrado.
Quanto à elaboração de fichas, foi estabelecido um
protocolo de pesquisa com indicadores considerados
relevantes, conforme é possível verificar no Quadro 2. Isso
norteou a leitura do material. Foram lidos todos os 643
resumos selecionados a partir dos indicadores estabelecidos.
Uma leitura detalhada de cada um dos resumos
foi realizada, buscando alimentar o banco de dados,
seguindo esses indicadores do Quadro 1. Buscou-se
a informação explícita, mas em alguns casos foram
utilizadas inferências para coletar a informação. Nesse
sentido, tomou-se o cuidado de que tais inferências não
pudessem ser equivocadas. Por exemplo, determinada
descrição de procedimentos e coleta de dados podem
levar à conclusão de que o trabalho foi um “Estudo de
Caso”; em outros casos, as informações fornecidas pelo
resumo não deram essa possibilidade. Quando não foi
2 Disponível em <http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/>.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 457
possível ter a certeza da informação, assinalou-se como
“Não especificada”.
Quadro 2
Indicadores do protocolo de pesquisa
1. Número da Ficha
2. Instituição de defesa
3. Instância administrativa
4. Unidade da Federação
5. Região
6. Programa de Pós-Graduação
7. Ano de defesa
8. Grau de titulação
9. Orientador
10. Tipo de escolarização
11. Educação especial
12. Outras modalidades de ensino
13. Nível de Ensino
14. Série
15. Componente curricular
16. Campo Temático
17. Campo Temático – Outro – Especificar
18. Escrita
19. Linguagem/Língua
20. Termo utilizado
21. Campo empírico
22. Abrangência geográfica
23. Abrangência histórica
24. Orientação metodológica
25. Abordagem de pesquisa
26. Tipo de pesquisa
27. Procedimentos de coleta
28. Fontes dos dados
29. Base teórica
30. Fonte teórica
Fonte: Botarelli, 2014, p. 55. Disponível em <https://goo.gl/TF3pvX>.
a produção
do conhecimento
no campo da
458 educação especial
Quadro 3 – Lista das Tabelas elaboradas
Tabelas Título das Tabelas
a produção
no campo da
Tabela 1 Dissertações e teses selecionadas no Banco de Teses da CAPES
Tabela 2 Palavras-chave selecionadas e resultado da busca no Banco de Teses da CAPES
do conhecimento
educação especial
Tabela 3 Distribuição anual das produções de educação de surdos que investigaram ou não a escrita (1987-
2010)
Tabela 4 Distribuição total da produção sobre surdez e sobre língua escrita por IES (1987-2010)
Tabela 5 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por IES (1987-2010)
Tabela 6 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por instância administrativa (1987-2010)
Tabela 7 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por Programa de Pós-Graduação (1987-
2010)
Tabela 8 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por unidade da federação (1987-2010)
Tabela 9 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por grau de titulação (1987-2010)
Tabela 10 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por orientador (1987-2010)
Tabela 11 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por termo utilizado (1987-2010)
Tabela 12 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por termo utilizado e ano de defesa (1987-
2010)
Tabela 13 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por tipo de escolarização (1987-2010)
Tabela 14 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por serviço de Educação Especial (1987-
2010)
Tabela 15 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por Nível de Ensino (1987-2010)
Tabela 16 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por Campo Temático (1987-2010)
conforme é possível verificar nos Quadros 3 e 4.
Tabela 17 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por orientação metodológica (1987-2010)
Tabela 18 Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por abordagem de pesquisa (1987-2010)
Tabela 19 Base teórica da produção sobre surdez e língua escrita (1987-2010)
Fonte: Botarelli, 2014, Lista de Tabelas. Disponível em <https://goo.gl/TF3pvX>.
A partir disso, no aspecto da ordenação e análise das
459
a organização das informações coletadas dos resumos,
elaboraram-se 3 gráficos e 19 tabelas, os quais auxiliaram
fichas, utilizou-se um software de tratamento estatístico e
A abordagem qualiquantitativa
Distribuição anual das produções de educação de surdos que investigaram a escrita (1987-2010)
As pesquisas realizadas na
área das Ciências Humanas e
Distribuição da produção por ano em relação ao tipo de escolarização (1987-2010) Sociais são, geralmente, de cunho
qualitativo e há uma negação da
abordagem quantitativa. Todavia,
Fonte: Botarelli, 2014, Lista de Gráficos. Disponível em <https://goo.gl/TF3pvX>.
a produção
do conhecimento
no campo da
460 educação especial
uma pesquisa, verifique-se com clareza a pergunta de
pesquisa. Na dissertação de mestrado analisada, ficou
evidente que os dados quantitativos eram relevantes na
realização da análise qualitativa.
As informações analisadas na pesquisa foram retiradas
dos resumos das teses de doutorado e das dissertações
de mestrado, tidos aqui como produções culturais. Pela
lógica que se segue na linha teórica escolhida (item que
será visto a seguir), os autores dessas produções não são
apenas expressões individuais, pois, pelo conceito de
mediação, percebemos o quanto suas obras podem trazer
em seu bojo a natureza de determinado contexto. Por essa
razão, a análise desses resumos trouxe elementos que
possibilitaram compreender as tendências das pesquisas
acadêmicas quanto a diferentes aspectos, os quais foram
demonstrados na análise dos dados.
Quanto ao conteúdo, Williams (1992) destaca que
“a análise exige, necessariamente, procedimentos de
pesquisa extensivos e sistemáticos, em contraposição ao
tratamento mais seletivo e até arbitrário do ‘conteúdo’ em
estudos não sociológicos” (Williams, 1992, p. 18).
O teórico esclarece ainda que, muitas vezes, a análise
do conteúdo é criticada por seus achados “meramente
quantitativos”, todavia, considera esses dados essenciais
para análises posteriores, em diversos trabalhos que
lidem com o conceito de cultura.
Como o estudioso, nesta pesquisa de mestrado
analisada, acreditamos que os dados quantitativos
têm o potencial de demonstrar aspectos qualitativos
extremamente significativos das produções culturais
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 461
verificadas. Por exemplo, a respeito da distribuição
da produção sobre surdez e língua escrita no Brasil,
constatou-se que, das 136 produções feitas no período
de 1987 a 2010,
a produção
do conhecimento
no campo da
462 educação especial
especificamente a investigação sobre os processos de
ensino/aprendizagem da língua escrita. Nesse sentido,
a escolha pela abordagem qualiquantitativa auxiliou na
busca pelas respostas a essas questões.
Mapeamento de palavras-chave
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 463
Meus termos de referência, portanto, não são apenas para
distinguir os significados, mas relacioná-los com suas
fontes e com seus efeitos. Tentarei fazer isso examinando,
não uma série de problemas abstratos, mas uma série de
declarações de indivíduos. Isso não ocorre apenas porque
eu, por temperamento e formação, vejo mais sentido
nesse tipo de declaração verificada pessoalmente do
que em um sistema de abstrações significativas. Ocorre
também porque, em um tema desse tipo, sinto-me
comprometido com o estudo da própria linguagem: ou
seja, com as palavras e sequências de palavras que homens
e mulheres específicos usaram ao tentar dar sentido a
sua experiência. [...] Como método de pesquisa, não
escolhi listar certos tópicos e reunir resumos e afirmações
específicas sobre eles. Ao contrário, com apenas exceções
ocasionais, concentrei-me em pensadores específicos e
suas verdadeiras declarações, e tentei compreendê-las
e valorizá-las. O arcabouço da pesquisa é geral, mas o
método, em detalhe, é o estudo das verdadeiras declarações
e contribuições individuais (WILLIAMS, 1969, p. 21).
a produção
do conhecimento
no campo da
464 educação especial
o entendimento é que cada uma dessas palavras traz, em
si, a ramificação de outras tantas palavras, conceitos,
definições e contextos, os quais também conversam
entre si, em um processo dialético. Na definição dessas
palavras-chave, busquei trazer conceituações diversas – e
até paradoxais – de cada uma delas.
4 Grifo meu.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 465
no seu aperfeiçoamento, sob a pressão da experiência,
do contato e das invenções, inscrevendo-se na própria
terra. A sociedade em desenvolvimento é um dado, e,
no entanto, ela se constrói e reconstrói em cada modo de
pensar individual. A formação desse modo individual é,
a princípio, o lento aprendizado das formas, propósitos
e significados de modo a possibilitar o trabalho, a
observação e a comunicação. Depois, em segundo lugar,
mas de igual importância, está a comprovação destes
na experiência, a construção de novas observações,
comparações e significados (WILLIAMS, 1958, p. 2).
Mediação
a produção
do conhecimento
no campo da
466 educação especial
de espelho, no qual a produção incorpora diretamente
o material social preexistente) por mediação. Ao
escolher, por exemplo, os conceitos estabelecidos pelo
estudioso Raymond Williams como referencial teórico
desta análise, vivencio o conceito de mediação, pois
a análise está sendo mediada pela teoria, ao mesmo
tempo em que eu leio essa teoria, interpreto-a, percebo-a
e analiso-a tanto a partir de seu contexto de produção
quanto ao meu contexto de utilização. A teoria se realiza
mediada por mim e eu realizo a pesquisa mediada por
ela. Nas palavras do autor, isso significa que se “refere
a um modo indireto de relação entre a experiência e sua
composição” (WILLIAMS, 1992, p. 23).
Novamente a mediação se torna um conceito essencial
ao tratar dos dados coletados na pesquisa. Williams
(1992) explica que uma produção cultural pode ser lida
por meio de diferentes posições:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 467
e formas de arte diretas – imagens que iluminam uma
condição (social e psicológica) básica [...] que pode
referir-se, de maneira variável, à natureza de uma época
como um todo, de uma determinada sociedade num
período determinado, ou de um grupo determinado
dentro daquela sociedade naquele período. Todas
essas referências, porém, de maneira mais óbvia, a
segunda e especialmente a terceira, são potencialmente
sociológicas, mas implicam tipos muito diferentes de
análise a partir da reconstituição de relações diretas
de conteúdo ou de forma (WILLIAMS, 1992, p. 24).
a produção
do conhecimento
no campo da
468 educação especial
entender melhor esse gênero textual, tendo por base os
pressupostos da Análise do Discurso, tentando entender
o dito e o não dito nesses resumos acadêmicos.
Considerando o pressuposto da Análise do Discurso
(AD), proposto por Pêcheux, Eni Orlandi, na Introdução
do livro O discurso, de Michel Pêcheux, do qual foi
tradutora, diz a respeito da AD:
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 469
fica evidente a importância de estudos e conhecimento das
diversas possibilidades de desenvolvimento de pesquisa,
a fim de escolher de forma mais adequada o método, os
procedimentos, a fundamentação teórica e, com isso, ser
possível escrever com qualidade um trabalho acadêmico.
A escolha pela pesquisa bibliográfica aconteceu
naturalmente quando se definiu a pergunta e o objeto
da pesquisa. O referencial teórico, porém, tornou-se
determinante para o tratamento dos dados coletados à
medida que as evidências precisavam de um tratamento
analítico adequado, que fosse suficiente para produzir
conhecimento e provocar transformação, em especial no
que se referia ao campo da educação especial, em que
aspectos estruturais e conjunturais dependem em grande
parte do entendimento de quais seriam as tendências e
perspectivas de enfrentamento dos dilemas educacionais.
É por isso que a pesquisa bibliográfica se torna
relevante, como no caso relatado por mim, pois
viabilizou obter informações que outros métodos
não possibilitariam ou dificultariam, por exemplo, o
mapeamento de informações de todos os programas no
Brasil que trabalham com pesquisas de pós-graduação
stricto sensu, em um período de 23 anos, analisando as
informações quantiqualitativamente.
Conforme são definidos os termos essenciais
da pesquisa, todos esses aspectos interligam-se,
complementam-se, imbricam-se, de forma que a pesquisa
tem maiores possibilidades de tornar-se um todo coeso
e coerente, capaz de produzir entendimento novo sobre
questões diversas.
a produção
do conhecimento
no campo da
470 educação especial
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 471
MARIN, A.; BUENO, J. G. & SAMPAIO, M. M. Escola
como objeto de estudo nos trabalhos acadêmicos brasileiros:
1981/1998. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n° 124, p. 171-
199, abril de 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000100009&lng=pt
&nrm=iso>. Acesso em: 12 fev. 2018.
a produção
do conhecimento
no campo da
472 educação especial
WILLIAMS, R. Cultura e Sociedade – 1780-1950. São Paulo:
Editora Nacional, 1969.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 473
Capítulo 16
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
474 educação especial
que se cumprir alguns requisitos básicos: planejamento,
cumprimento rigoroso de etapas, postura ética e crítica
por parte do pesquisador. Debate-se, em cursos de
metodologia da pesquisa, que toda discussão de que
um método, a priori, é melhor ou pior ou que existem
vantagens da pesquisa qualitativa em relação à quantitativa
(e vice-versa) não passam de questões ideológicas.
São as escolhas feitas pelo pesquisador que
configuram o caminho a ser percorrido ao longo
da pesquisa científica. Os instrumentos e técnicas
de análise, dos quais ele se valerá, permitirão uma
aproximação eficiente ou não da realidade do objeto de
estudo. Alguns autores alertam para a importância de
não incorrer no erro de que o método está determinado
a priori, ressaltando que o método está a serviço do
objeto e não o contrário, isto é, são os objetivos da
pesquisa e o objeto de estudo que determinam o método
e o(s) instrumento(s). Thiollent (1980) alerta que, sem
a necessária busca pelas melhores e mais coerentes
alternativas metodológicas, “a aplicação dos instrumentos
se torna um fim em si” (Thiollent, 1980, p. 15).
Alguns autores dedicam-se a escrever sobre isso,
tornando o estudo do método uma disciplina acadêmica.
A existência de estudos desse tipo justifica-se pela
necessidade de se conhecer sobre os paradigmas de
pesquisa vigentes que são aceitos em dado período
de tempo e por determinado grupo de pesquisadores
e suas respectivas áreas. O conhecimento acumulado
sobre os métodos e técnicas, grosso modo, constitui a
metodologia da pesquisa, que precisa, por sua vez, ser
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 475
diferenciada do método de pesquisa, que, em síntese, é a
escolha de procedimentos sistemáticos para a descrição
e a explicação de fenômenos. Uma coisa é falar sobre
pesquisa, outra é fazer pesquisa (LUNA, 2011).
Para Adorno e Horkheimer (1978), razão crítica
e ciência não devem jamais estar separadas. A
sociologia deve superar ser caracterizada como
conhecimento metodológico e técnico que almeja
alcançar resultados exatos e objetivos, mas, sim,
deve ter o caráter de uma ciência que impulsiona
a reflexão crítica do conteúdo das consciências,
dos comportamentos e das relações sociais, como
produtos da própria sociedade que os condiciona.
Para tanto, o método é conditio sine qua non e deverá
equilibrar a não submissão do dado como inerente
ao objeto, à manutenção da realidade direta do dado
(que reflete sua própria contradição).
Para eles:
a produção
do conhecimento
no campo da
476 educação especial
deve, precisamente, esclarecer rigorosamente e sem
idealizações (Adorno & Horkheimer, 1978, p.
127).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 477
Compartilha-se aqui, com o intuito de contribuir com
a discussão sobre o que e como se tem produzido na
área de educação especial, a experiência vivida na forja
da referida pesquisa de doutorado, as inquietações que
levaram à escolha do tema, as justificativas, os percalços
que exigiram mudança de plano, a opção pelo tipo de
pesquisa, os problemas de pesquisa, os objetivos, a
escolha e a função da base teórica e, principalmente, o
método e os resultados.
a produção
do conhecimento
no campo da
478 educação especial
inquietações veio a decisão, ao adentrar no universo
da pós-graduação, de pesquisar sobre deficiência
intelectual. Outro fator, não menos inquietante, é a grande
incidência da DI na população1 e, consequentemente, é
o acometimento da maioria da população atendida pelos
serviços de educação especial oferecidos nas escolas.
No decorrer da minha trajetória no doutorado,
especialmente quando da discussão a respeito das
bases teóricas das concepções de deficiência nas
disciplinas “Escolarização de alunos com deficiência” e
“Perspectivas sociológicas do desvio e da deficiência”,
ministradas pelo Professor Doutor José Geraldo Silveira
Bueno, pude constatar que, diferentemente do que
supunha ser o problema de uma certa indefinição prática
e conceitual, na verdade se devia a diferentes concepções
sobre os sujeitos com deficiência, oriundas de bases
teóricas distintas, predominantemente da Medicina e da
Psicologia.
Fui, então, elaborando o projeto de pesquisa focada
em verificar as tensões teóricas existentes no campo
da deficiência intelectual (DI), oriundas das diferentes
áreas que a tomam como objeto de estudo. Realizar um
balanço da produção acadêmica atual, a fim de traçar
um panorama do cenário dessa produção e discutir a
caracterização sobre DI que essa literatura apresenta,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 479
pareceu, desde o início, o melhor caminho a ser seguido,
o que confere a esta pesquisa o caráter de Pesquisa
Bibliográfica.
Angell e Freedman (1974) explicam que há um
“valor peculiar de documentos expressivos” que
“apresentam vida para aqueles que a vivem” (Angell
& Freedman 1974, p. 298). A leitura aprofundada e
minuciosa fornece a maior proximidade possível com
as vivências e os conteúdos dos documentos, e o teor
da análise fica totalmente dependente da interpretação
do cientista, que deve encontrar nos documentos os
elementos necessários a uma análise satisfatória. Os
documentos têm valor expressivo em pesquisas que
visam elaborar conceitos e hipóteses.
Na fase de idealização do projeto, utilizar como
lócus a volumosa biblioteca de reconhecida instituição,
dedicada há décadas à educação de pessoas com
deficiência, com polos espalhados por todo o Brasil,
inclusive, com produção própria de material que discute
deficiência, foi a primeira opção. O primeiro percalço
surgiu quando, mesmo após visita explicativa com
encaminhamento e, aparentemente, nenhuma oposição
à minha presença no recinto, houve uma negativa de
inserção na biblioteca dessa instituição, às vésperas do
projeto passar pela primeira etapa, que é a análise do
projeto por três professores pareceristas.
A mudança de rota exigiria manter o foco nas produções
sobre DI, evitaria a “peregrinação” em busca de acolhida
(sempre sujeita à negativa) e ainda ampliaria o espectro
da pesquisa. Surgiu então a ideia de utilizar como fonte
a produção
do conhecimento
no campo da
480 educação especial
as teses de doutorado produzidas nas universidades
federais e estaduais do Brasil, disponíveis em formato
digital. O segundo percalço surgiu quando, após
minuciosa e exaustiva procura pelas teses de doutorado
nas bibliotecas digitais das universidades federais e
estaduais das cinco regiões do Brasil, percebeu-se que
a grande concentração de produção voltada ao tema de
interesse estava localizada nas regiões Sul e Sudeste. No
entanto, os dados resultantes dessa etapa serviram de
comparativo (quantidade de universidades por estado) e
ainda poderão ser aproveitados para futuras publicações.
Devido a essa concentração de produção nas regiões
Sul e Sudeste, optou-se por utilizar material oriundo
destas. O total, portanto, de Instituições de Ensino
Superior (IES) que compuseram o corpus desta pesquisa
foi de 47 universidades. Destas, 27 pertencem à região
Sudeste do Brasil e 20 à região Sul.
A escolha pela utilização de teses de doutorado
produzidas nos programas de pós-graduação das
universidades federais e estaduais das regiões Sul e
Sudeste se deveu a um conjunto de razões: a maioria
esmagadora das investigações é efetivada nesses
programas e as pesquisas realizadas fora desse âmbito
são praticamente residuais. As universidades públicas
são referência em pesquisa, com programas de pós-
graduação tradicionais, reconhecidos como de altos
padrões de exigência, na medida em que mantêm grupos
de pesquisa que vão desde a iniciação científica até o
pós-doutorado; as teses de doutorado são a expressão
mais qualificada das investigações disponíveis, com
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 481
repositórios de acesso aberto, como o Banco de Teses da
CAPES, o site Domínio Público e os acervos on-line das
bibliotecas universitárias.
O acesso a alguns dos acervos on-line pode ser citado
como o terceiro percalço que exigiu inesperadas formas
de manuseio, tendo em vista que a localização dos
trabalhos passa, por vezes, por caminhos tortuosos, por
exemplo, a separação manual do que é tese, dissertação
e tese de livre-docência, porque alguns sites não contam
com a opção “selecionar tipo de material”. No entanto,
entende-se que esse é um problema isolado, pois os
sites não foram pensados para atender aos objetivos
específicos de pesquisa.
Sobre a escolha dos autores que respaldaram esta
pesquisa, justifica-se a opção por Raymond Williams
(1969, 1979, 2007, 2009 e 2011) por sua vasta
produção na área da sociologia da cultura. Sua teoria,
o materialismo cultural, parte de características que
a produção material assume em consonância com o
espaço social onde é produzida. Assim como o foco de
sua análise são as narrativas produzidas pela literatura,
para a realização da pesquisa em questão foram tomadas
as produções acadêmicas como narrativas de cunho
científico, entendidas, igualmente, como manifestação
social concreta, produto da cultura.
As formas de crítica às narrativas escritas, conforme
propõe Williams, devem estabelecer relações com os
“meios” em que essa produção acontece. O autor oferece
novos caminhos para a leitura e análise da produção
literária, para além do interior do conteúdo dessas
a produção
do conhecimento
no campo da
482 educação especial
narrativas. Nesse modo de análise, interessa constatar
o que não está escrito, o que está nas entrelinhas, o
processo de produção e não o produto em si. Interessa
ver as nuances culturais, sociais, políticas e temporais,
implícitas nas narrativas literárias ou, como no caso
desta pesquisa, nas narrativas científicas.
Decidiu-se, então, que esse aporte teórico iluminaria
uma análise voltada para as tendências da produção sobre
DI veiculada pelas teses de doutorado e que realizar um
balanço tendencial dessa produção permitiria traçar
um panorama expressivo do cenário de pesquisa, bem
como discorrer de forma mais abrangente, para além do
conteúdo, de modo a expressar uma visão crítica da área
e do campo acadêmico e suas tensões, aproximações e
disputas:
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 483
convivência de paradigmas, as diferentes perspectivas
de deficiência intelectual e as tendências da produção
de conhecimento na área, entre as quais aquelas que
acabam por se consolidar em práticas hegemônicas.
Para a utilização de tal conceito cunhado por
Bourdieu (2014), como instrumento de análise e
compreensão da produção como expressão do campo
acadêmico, foi necessário tomar os devidos cuidados
para que explicações totalitárias e generalizações não
desvinculassem o propósito de perceber nas entrelinhas
as características dos sujeitos, os meios e espaços sociais
em que se deram essas produções, isto é, o objeto de
pesquisa das produções em questão, as diretrizes
adotadas para a realização dos trabalhos e as predileções
por determinados temas são essenciais – afinal, são
elementos que se assentam em padrões forjados nas
relações entre indivíduos e sociedade, são atos políticos,
são escolhas permeadas por valores, são fruto de
disputas por hegemonia intelectual no campo acadêmico.
Para Bourdieu (2014), tais lutas medem forças e
tais forças são determinadas pelo acúmulo de capital
(social, simbólico, cultural ou econômico) dos agentes
em disputa, o que, aliado ao conhecimento técnico, é
fator determinante para ocupar a posição de autoridade.
E sobre autoridade científica e a estrutura de distribuição
de capital no campo, Garcia (1996) acrescenta:
a produção
do conhecimento
no campo da
484 educação especial
ou a posição da disciplina em relação às demais
disciplinas que compõem o campo científico
(GARCIA, 1996, p. 71).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 485
Itens norteadores da pesquisa
Problemas de pesquisa
Objetivos
Hipóteses
a produção
do conhecimento
no campo da
486 educação especial
A forma particular como cada campo disciplinar em
questão (Educação, Saúde e Psicologia) se caracteriza
e se ocupa da DI sugere que o próprio foco de interesse
de cada área influencia, decisivamente, as concepções
por elas expressas.
Procedimentos de pesquisa
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 487
serve de procedimento-padrão para a busca em todas as
bibliotecas. Portanto, a primeira triagem de trabalhos foi
efetuada a partir do descritor. No caso desta pesquisa,
o procedimento-padrão adotado foi o seguinte: após
a entrada no ambiente virtual de cada biblioteca de
cada universidade, o link da biblioteca era passado
imediatamente para o “diário de campo” ao qual as
informações de número de trabalhos localizados e sob
qual descritor seriam adicionadas. Em seguida, quando
o site da biblioteca disponibilizava o campo “tipo de
material” a ser buscado, foi selecionada a opção “tese
de doutorado”. Quando não havia essa opção, conforme
relatado anteriormente, as teses foram localizadas
manualmente em meio às dissertações de mestrado e
teses de livre-docência, havendo a necessidade de abrir
os trabalhos ou buscar essa informação no Currículo
Lattes dos autores.
Por entender que o campo assunto era mais
abrangente que os demais, este foi utilizado como filtro
principal para a busca por meio dos descritores retardo
mental (RM), deficiência mental (DM) e deficiência
intelectual (DI), que representam os principais termos
designativos dos sujeitos, utilizados em diferentes
momentos.
Desse levantamento inicial, foram encontradas 35
teses com o descritor RM, 98 com o descritor DM e 62
com o descritor DI, totalizando 195 teses. No entanto,
como alguns trabalhos apareceram em mais de um
descritor, a retirada das repetições redundou em um
universo de 180 produções.
a produção
do conhecimento
no campo da
488 educação especial
O próximo passo foi excluir os que não
disponibilizavam o resumo e/ou a tese completos, em
formato digital. Em seguida, após a leitura de todos
os resumos, foi possível o descarte dos que fugiam do
assunto “deficiência intelectual” que, no entanto, haviam
sido catalogados sob os descritores utilizados, o que
resultou num universo de 76 teses de doutorado que
constituem o corpus desta pesquisa.
Em seguida, efetuou-se o armazenamento de dados
extraídos dos resumos dessas 76 teses, em um software
de tratamento estatístico que auxilia na concepção e
edição de questionários, entrada de respostas, apuração e
análises que contam com recursos de tabulações simples
e cruzadas, assim como de análises uni e bivariada de
dados.
Interessou destacar informações referentes a três
grandes blocos: Dados de identificação, Temas e
Procedimentos de pesquisa. A enquete formulada
apresenta os seguintes tópicos: A – Dados de
identificação: Identificação do trabalho (Autor, Título,
Orientador(a), Ano de defesa, Instância, Estado,
Região, Instituição de Ensino Superior (IES), Programa,
Área do Conhecimento); B – Tema (Termo geral,
Tema, Caracterização do sujeito investigado); C –
Procedimentos de pesquisa (Abordagem da pesquisa,
Tipo de pesquisa, Coleta de dados, Fonte de dados,
Campo do conhecimento).
Na segunda etapa foram selecionadas, dessas 76
teses, 9 teses da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), três de cada uma das áreas abrangidas
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 489
(Saúde, Educação e Psicologia), sobre as quais se
efetuou leitura exaustiva do texto completo, com o
intuito de analisar as caracterizações da deficiência
intelectual que expressam perspectivas teóricas distintas
tanto entre as áreas como internamente entre elas. Essas
nove teses foram selecionadas com base nos seguintes
critérios: haviam sido produzidas na Unicamp (pois esta
universidade teve expressiva produção de pesquisas
que se debruçaram sobre a questão da deficiência
intelectual), assim como porque foi a universidade que
abarcou as produções mais adequadas para a análise que
se pretendeu fazer neste capítulo; estavam distribuídas
de modo a representar as décadas de 1990, 2000 e 2010
(ainda que não exatamente, mas por aproximação);
tinham abordado temas que as enquadravam como
pesquisas das áreas da Saúde, Educação e Psicologia;
abordavam em seu conteúdo, principalmente, elementos
que permitiam discutir caracterização e concepção de
deficiência intelectual.
Procedimentos de análise
a produção
do conhecimento
no campo da
490 educação especial
Tema e Caracterização do sujeito investigado) e como
investigam: Abordagem da pesquisa; Tipo de pesquisa;
Procedimentos de coleta de dados; e Fonte dos dados.
Já a análise mais aprofundada do conteúdo das
produções selecionadas, que resultou em outro capítulo
da tese, pretendeu cotejar as diferentes concepções sobre
a deficiência intelectual, expressas pelas caracterizações
utilizadas pelos autores. A resultante foi uma tese
estruturada da forma a seguir.
No Capítulo 1, intitulado “As diferentes perspectivas
teóricas que produziram a deficiência intelectual”,
apresentaram-se as diferentes perspectivas teóricas que
tratam de temas considerados importantes para compor a
discussão sobre deficiência: a relação normal /patológico
sob os enfoques biológico e sociológico, e as diferentes
correntes da Psicologia que se ocuparam da questão da
deficiência intelectual em paralelo à discussão sobre
processos de aprendizagem, deficiência e inteligência.
A discussão foi feita sob o viés da cisão do conteúdo
promovida pelas ciências. Apresentou-se um panorama
das diferentes perspectivas sobre o mesmo fenômeno,
isto é, buscou-se apreender o movimento da literatura
especializada e tensionar as perspectivas das diferentes
áreas. Inteligência, normatividade biológica, padrões
sociais e comportamento desviante – entendidos
como o cerne desta discussão – foram os pilares para
o entendimento do sujeito com essa condição, em suas
dimensões biológica, social e psicológica.
No Capítulo 2, “As tendências das teses: quem, o
que e como a deficiência intelectual foi pesquisada”,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 491
fez-se o balanço tendencial, propriamente dito, da
produção sobre deficiência intelectual a partir de
características do corpus do estudo, as 76 teses
de doutorado selecionadas que trataram desse
fenômeno. Os resumos das teses foram utilizados
como fonte de informação. Os dados coletados
junto às teses foram incluídos em software de
tratamento estatístico que permitiu a construção
de tabelas. Estas foram analisadas segundo três
critérios (quem produz, o que produz e como
produz), que possibilitaram apresentar um
panorama sobre a produção acadêmica expressa
pelas teses defendidas de 1993 a 2015.
Primeiro critério, quem investiga: universidade;
área de conhecimento, orientações e distribuição
anual. Segundo critério, o que investiga: termo
utilizado para a designação dos sujeitos; tema da
pesquisa e distribuição anual. Terceiro critério,
como investiga: tipo de pesquisa; instrumentos
para coleta de dados e distribuição anual.
As teses foram selecionadas como expressões
de diferentes contextos acadêmicos (instituições,
áreas de conhecimento 2 e programas de pós-
a produção
do conhecimento
no campo da
492 educação especial
graduação) e não como produto simplesmente
individual. A consequência foi sua contextualização
na busca de elementos que permitissem apreendê-
las como produto social desses contextos.
As dez tabelas do capítulo destinam-se a
apresentar: instituição de defesa da tese, áreas
de conhecimento, quantidade de orientações por
professor responsável, distribuição anual de teses
por área de conhecimento, distribuição anual de
teses por termo utilizado, termo designativo da
deficiência por área de conhecimento, distribuição
anual por tipo de pesquisa, distribuição dos
tipos de pesquisa por área de conhecimento,
distribuição dos instrumentos de coleta de dados
por área de conhecimento.
A título de exemplificação do método de
exposição, apresenta-se tabela da tese e parte
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 493
da análise dela decorrente que compõe o critério
“quem investiga”.
a produção
do conhecimento
no campo da
494 educação especial
Tabela 2* – Distribuição dos temas das teses por área de conhecimento
Tema Área
Psicologia Saúde Educação Outras TOTAL
Diagnóstico 1 36 1 1 39
Etiologia - 1 - - 1
Reabilitação - 2 2 - 4
Escolarização 4 1 11 3 19
Profissionalização - - 3 1 4
Relações familiares 2 4 - - 6
Tecnologia assistiva 1 - - 2 3
Avaliação - 1 - - 1
Socialização 2 - 1 - 3
Prevalência - 1 - - 1
Relações de gênero 1 - 1 - 2
Políticas públicas - 4 1 - 5
Bases teóricas 1 - - - 1
TOTAL 12 50 20 7 89 **
Fonte: Tezzele, 2017.
. corresponde à tabela de número 7.
* Na tese,
** O total é maior do que a quantidade de teses porque muitas delas indicaram mais de
um tema específico.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 495
grandes polêmicas entre os especialistas da área
(Tezzele, 2017, p. 86).
a produção
do conhecimento
no campo da
496 educação especial
procedimentos experimentais e de provas em número
menor, mas relativamente expressivo (quatro entre
15 instrumentos, ou seja, uma proporção de 0,27 do
total). Na área da Educação, assim como nas Outras, na
maioria os instrumentos referem-se àqueles adequados
a pesquisas qualitativas, com incidência ainda menor
de procedimentos experimentais ou de testes, três entre
26 utilizados, ou seja, 0,02 de proporção em relação ao
total (TEZZELE, 2017, p. 89).
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 497
2010); três da área da Saúde e três da área da Psicologia
(seguindo a mesma distribuição temporal em ambas),
por se entender que tal distribuição temporal e por área
cumpre a função de trazer elementos que possibilitem
discutir distanciamentos e aproximações no trato
de um mesmo objeto, a deficiência intelectual. Para
o direcionamento de leitura das teses, utilizou-se
protocolo elaborado pela pesquisadora (TEZZELE,
2017, Anexo 2, p. 167).
Para uma análise mais aprofundada das referidas
produções, trabalhou-se com dois indicadores: a) a
estrutura das teses, contendo: dados de identificação,
objetivos, método e organização dos capítulos; b) as
caracterizações da deficiência intelectual, com base em
excertos das teses que de alguma forma se reportam
a elas. Tarefa que se tornou um grande desafio, que
inspirou mais tempo e destreza do que o imaginado na
reta final da pesquisa, dado que as caracterizações que
foram criadas pelos autores se encontravam dispersas
por trechos distintos de cada uma das produções.
Assim, “rastejando pelas bordas”, para evitar que
afundássemos na “areia movediça”, e não ter que, tal
como o Barão de Munchausen, tentar sair do atoleiro
puxando os próprios cabelos (RASPE, 2016), buscou-
se ser o mais fiel ao discurso original, assim como
evitar ao máximo juízos de valor sobre o que pudemos
colher em cada uma delas.
Abaixo, trecho elucidativo do método de análise do
conteúdo das teses; trata-se de um excerto que discorre
sobre uma das teses da área da Psicologia:
a produção
do conhecimento
no campo da
498 educação especial
Com base em Foucault (2006) e Lobo (2008), a autora
inicia a discussão marcando posição, com veemência,
quanto ao lugar que acredita que as pessoas com
deficiência ou transtornos mentais vêm ocupando
historicamente na sociedade: “os guetos das existências
infames” (p. 1). Para ela, tanto o “louco” (pessoa com
transtorno mental) quanto o “idiota” (pessoa com
deficiência intelectual) ocupam o mesmo lugar social
marginal. Segundo ela, o “tratamento” dispensado a
ambos vem sendo, historicamente, o manicômio (p.
1). Observa-se, pelas nuances do texto, que a autora
utiliza os termos “louco” e “idiota” em tom de crítica
para atentar para uma abordagem ‒ a manicomial ‒ tão
obsoleta e ineficaz quanto tais termos designativos e não
por concordar com o uso dos mesmos. Tal segregação
dessa população, segundo Surjus (2014), vem se
perpetuando sob diferentes justificativas, a exemplo: o
desconhecimento sobre a realidade desses sujeitos e/
ou o risco à segurança que podem representar (p. 1).
Em contrapartida, considera que avanços nos campos
que chama de “identitários” e “técnico-políticos”,
estão relacionados à concepção de cidadania e ao
reconhecimento dos direitos desses sujeitos (p. 1 e 2)
(TEZZELE, 2017, p. 130).
Considerações finais
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 499
Como não será possível abarcar todos, neste artigo,
selecionaram-se alguns desses achados.
a produção
do conhecimento
no campo da
500 educação especial
meio de instrumentos objetivos (experimentos, testes e
provas), enquanto as outras duas áreas se utilizam de
diferentes procedimentos de pesquisas qualitativas.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 501
médica, ao tratar de casos nos quais afirma que se
verifica melhora do comportamento de pacientes (com
DI associada à Síndrome do X Frágil) com o passar da
idade, mas entende que isso não pode ser explicado pelo
efeito de medicamentos, abrindo espaço para uma relação
com as pesquisas, por exemplo, da área da Psicologia ou
da Educação, para averiguar essa melhora do ponto de
vista da qualidade das relações sociais.
Por fim, embora tanto as teses defendidas na área da
Educação quanto as da de Psicologia se caracterizem pela
preocupação em ampliar a concepção da deficiência para
além dos aspectos clínicos individuais, a incorporação
das contribuições das ciências sociais é praticamente
ignorada, ou seja, parece que as formas pelas quais se
estabelecem relações sociais com esses sujeitos não
necessitam de investigação que acrescente conhecimento
a sua caracterização. Na verdade, em termos mais globais,
o que se verificou é o que Skrtic (1996) já indicava há
vinte anos: o conhecimento teórico da educação especial
funda-se quase que exclusivamente nas contribuições
da Psicologia e da Medicina, com o campo da educação
especial não se utilizando (ou utilizando quase nada) de
aportes das ciências sociais.
Referências
a produção
do conhecimento
no campo da
502 educação especial
BOURDIEU, P. O Campo Científico. In: ORTIZ, R. (org).
Sociologia. Tradução Paula Montero e Alícia Auzmandi. São Paulo:
Ática, 1983.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 503
BUENO, J. G. et al. (org.). A escola como objeto de estudo:
escola, desigualdade, diversidade. 1ª ed. Araraquara (SP): Junqueira
& Marin, 2014.
a produção
do conhecimento
no campo da
504 educação especial
SKRTIC, Th. La crisis en el conocimiento de la educación especial:
una perspectiva sobre la perspectiva. In: FRANKLIN, B. M.
(comp.), Interpretación de la discapacidad: teoría e historia de la
educación especial. Barcelona: Pomares-Corredor, 1996.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 505
Capítulo 17
Introdução
a produção
do conhecimento
no campo da
506 educação especial
b) verificar os embates e tensões que perpassam o campo
científico por meio da narrativa científica construída.
Na tentativa de responder às problemáticas principais,
foram elaborados os seguintes questionamentos: Quem
produz e divulga sobre o autismo? Quando? Quais os
embates e tensões expressos pelas produções acadêmicas
sobre o autismo, considerando sua origem institucional e
geográfica, de distribuição no tempo e no espaço, das fontes
investigadas e da sua construção como uma forma específica
de produção cultural, dentro de um subcampo científico?
Durante a realização da pesquisa, houve a preocupação
de que a base teórica adotada se coadunasse também com
os objetivos do trabalho. Para tanto, e já em consonância
com os pressupostos teóricos do materialismo cultural
desenvolvido por Williams (1980), toma-se a literatura
como lócus de pesquisa e análise das narrativas nela
contidas, a fim de verificar práticas institucionalizadas.
Logo, a escolha de artigos científicos deu-se pela
forma concreta de expressão cultural que possuem,
pela significativa função social na disseminação de
conhecimento e, por último, mas não menos importante,
seu impacto direto na elaboração de políticas públicas e
sociais no âmbito mundial e brasileiro. Adota-se, dessa
forma, conforme os pressupostos willianos, a produção
literária como material partícipe da cultura e os artigos,
especificamente como narrativas científicas para análise
das tendências da produção material abarcada pelo
balanço tendencial.
A escolha do Portal de Periódicos da Coordenação
de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (CAPES), do
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 507
Ministério da Educação, ocorreu por três motivos: a
princípio, por reunir produção de ponta a respeito do
tema; por ampliar as publicações sem se ater a limites
de nacionalidade e, por conseguinte, indo ao encontro
do conceito de campo científico como espaço de lutas
simbólicas, desenvolvido por Bourdieu (1990), por ser
o banco de dados mais utilizado pelo meio acadêmico.
Essa premissa permite, assim, verificar quais os embates
e tensões contidos no campo científico que expressam as
práticas e ações no subcampo do autismo. Para análise da
dimensão histórica das produções, optou-se pela análise
ao longo de todo o período coberto pelo portal, ou seja,
de 1983 a 2015.
Na coleta inicial dos dados, por meio de busca simples,
utilizando-se a descrição autismo, foram encontradas
657 produções. Após a adoção de alguns critérios como
a escolha apenas dos artigos revisados por pares, a
exclusão dos títulos repetidos e dos artigos sem resumos,
o corpus documental resultou em 113 artigos.
Em princípio, a intenção era selecionar indicadores
por meio da leitura dos resumos, porém, durante
o percurso da pesquisa, com o exame dos textos,
percebeu-se que isso seria inviável, pois, contrariando
a norma NBR 6028, de 2003, que traz especificações
para a elaboração do resumo, foram encontrados
textos sem resumo e, entre os que o possuíam, muitos
não expunham a especificação do tipo de pesquisa,
a metodologia utilizada, tampouco especificações de
siglas, referenciais teóricos e resultados de pesquisa.
Ainda que não se possa generalizar, os textos com essas
a produção
do conhecimento
no campo da
508 educação especial
particularidades representavam a maioria e infere-se, a
partir dessa observação, que a falta de informações em
um resumo acadêmico pode ser um fator que influencia
na escolha do texto para leitura ou não. Em decorrência
dos critérios para seleção e exclusão dos textos, a
quantidade de artigos diminuiu significativamente e, por
este motivo, a fim de que não houvesse mais descartes
devido à falta de informações nos resumos, optou-se
pela leitura dos textos integralmente.
Após essa coleta, foram organizados os indicadores
(32)1 com o auxílio de um software estatístico e, com
a elaboração de tabelas, simples e cruzadas, e gráficos,
verificaram-se as principais tendências, os embates e
as tensões contidos na literatura e no interior do campo
científico.
Ao tomar o autismo como objeto de estudo, já no
levantamento inicial da bibliografia, verificou-se a
existência de uma variação teórica acerca do tema,
aspecto confirmado com a análise da literatura pelo
balanço tendencial.
Desde o início do século XIX já existia certo interesse
dos cientistas sobre os desvios e anomalias mentais na
infância, tendo como base a distinção entre “loucura
no adulto” e “transtornos de comportamento infantil”
(BUENO, 2014, p. 96). De acordo com Rosemberg (2011,
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 509
p. 20), nesse século houve várias ações que buscavam
descrever as crianças com comportamentos semelhantes
aos que hoje são englobados no diagnóstico autítico.
Contudo, a expressão autismo foi utilizada no início do
século XX por Plouller (PRISTA, 2014, p. 34), em 1906,
e por Bleuler, em 1911 (GADIA et al., 2004, p. 83),
ambos da área da Psiquiatria, com o intento de descrever
a impossibilidade ou falta de comunicação e relacionando
o sintoma dessa patologia com a esquizofrenia.
Dessa forma, o diagnóstico e a categorização do
autismo ficaram sob a classificação da “esquizofrenia
infantil” durante décadas (BOSA & CALLIAS, 2000).
Com os estudos de Kanner durante a década de
1940, o termo passou a ser utilizado mais enfaticamente
(PRISTA, 2014, p. 34) e, apesar de, num dado momento
de suas pesquisas, ter ascendido para a configuração
da patologia como esquizofrenia (FACIÓN, 2005), ao
variar significativamente suas definições nos aspectos
etiológicos, acabou qualificando uma nova síndrome,
desta vez englobando-a ao quadro das psicoses
(BERGUEZ, 1991). Embora os estudiosos apontados até
então fossem da área da Psiquiatria, evidencia-se, por
fim, que possuíam pontos de vistas distintos.
Kanner apresentou diferentes explicações para as
causas do autismo, dentre as quais a comportamental
operante (causa ligada a fatores ambientais), a
neurofisiológica (ligada ao sistema nervoso central),
as epidemiológicas (estudo da prevalência de casos),
as psicanalíticas (relações objetais) e as orgânicas
(ROSEMBERG, 2011). Tais aspectos fizeram com que
a produção
do conhecimento
no campo da
510 educação especial
as pesquisas de Kanner se tornassem leitura obrigatória
pelos estudiosos do tema. Os estudos do psiquiatra
austríaco influenciaram expressivamente na elaboração
de classificações da síndrome em documentos
importantes, como o DSM (Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders), documento elaborado
para auxiliar profissionais da saúde no estabelecimento
do diagnóstico autístico.
Ainda que atualmente o autismo seja considerado
pela comunidade científica como um transtorno do
neurodesenvolvimento, há certa indefinição conceitual
acerca do tema, haja vista que tanto os trabalhos
acadêmicos quanto as normas e orientações oficiais têm
sido objeto de disputas e polêmicas.
Tanto é assim que, entre as cinco publicações do
DSM, a terceira é considerada por estudiosos como
Klin (2006) como marco histórico para o autismo,
pois, após nova definição desenvolvida por Rutter, em
1980, a “síndrome de Kanner” passou a ser considerada
transtorno, tendo o autismo aparecido pela primeira
vez como entidade nosológica, dando ênfase às
manifestações comportamentais e distanciando-se das
perspectivas psicanalíticas abordadas nas duas versões
anteriores do DSM.
Na última versão do DSM, publicada em 2013,
as Perturbações Globais do Desenvolvimento que
incluíam o autismo, o Transtorno Desintegrativo da
Infância, o Transtorno Global do Desenvolvimento e as
síndromes de Asperger e Rett foram concentradas num
único diagnóstico, o Transtorno do Espectro Autista
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 511
(TEA), categorizando-os amplamente nos distúrbios
do Neurodesenvolvimento (APA, 2013, p. 94). Nesse
sentido, é possível evidenciar uma possível influência
da neurociência para a conceituação do autismo como
transtorno do neurodesenvolvimento nessa publicação
do manual de classificação, ainda que seja negado
qualquer aporte teórico nessa edição.
Com a unificação dos conceitos, surge a ideia metafórica
de “guarda-chuva” (SMITH, 2008). Essa especificação
não possui debates expressivos, ao menos não foram
localizados nas pesquisas científicas abarcadas pelo
balanço. Contudo, há questões que chamam a atenção e
reivindicam reflexões, uma vez que estudiosos do autismo
e da síndrome de Asperger afirmam que não há consenso
na origem etiológica de ambos (MILLER & OZONOFF,
2000 apud OLIVAR & DE LA IGLESIA, 2011).
Como é possível verificar, a trajetória histórica da
produção científica sobre o autismo expressa obstáculos
conceituais que, em princípio, parecem dificultar a
determinação precisa das causas e sintomas em crianças
e jovens que têm como característica fundamental a
recusa para a interação social. Na tentativa de entender
esse impasse conceitual presente na produção acadêmica,
seguir-se-á a apresentação dos dados coletados.
Na impossibilidade de apresentar todas as tabelas
e quadros inclusos no trabalho de dissertação,
serão apresentados os que expressam os principais
achados da pesquisa. Antes, cabe ressaltar que
não houve intenção de fazer análise de produções
individuais, mas identificar a área de atuação por
a produção
do conhecimento
no campo da
512 educação especial
autoria, quem divulga a produção científica, quando
foi divulgado, quem/quando efetuou a produção e a
distribuição da produção durante o período analisado.
Dessa forma, na tentativa de responder à questão
“quem produz”, na Tabela 1 é demonstrada a área de
atuação dos autores.
Tabela 1 – Área de atuação dos autores
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 513
no levantamento histórico da patologia, o resultado
da Tabela 1 chama a atenção, pois nela evidencia-se
expressiva incidência de autores da área da Psicologia.
Contudo, se consideramos que a Psiquiatria faz parte
das especialidades da Medicina e a somarmos às demais
particularidades da área médica, percebe-se que há certo
equilíbrio entre os dois campos disciplinares. A busca
pela delimitação da forma mais precisa do autismo
infantil, tal qual os processos diagnósticos do quadro
de alteração de comportamento, assunto tão polêmico,
é expressa por uma diferença bastante reduzida entre
os dois campos (43,3% na Psicologia contra 39,8% nas
áreas relacionadas à Medicina).
Outro dado interessante encontrado na pesquisa de
dissertação, e que confirma que a produção científica
expressa tendências do meio acadêmico, é que, pela
observação da distribuição da produção sobre o autismo
por origem institucional do autor, a maioria esmagadora
advém de universidades de vinculação institucional do autor
concentradas especialmente nos Estados Unidos, Espanha
e Brasil, com supremacia das pesquisas norte-americanas,
o que, de certa forma, parece expressar a hegemonia
estadunidense nesse campo (LUZ, 2016, p. 44-46).
Sabe-se que os artigos científicos são os principais
canais de divulgação da pesquisa científica e isso justifica
a preferência pelo meio acadêmico para a divulgação de
resultados de pesquisa, embora se devam considerar outros
fatores, como a qualidade e a credibilidade. Dessa forma,
os pesquisadores, ao procurar os meios para a divulgação
dos seus trabalhos, baseiam-se em critérios críticos, como
a produção
do conhecimento
no campo da
514 educação especial
campo e quantidade de leitores e, na/pela escolha de um
periódico específico (ligado a um campo disciplinar),
expressam as lutas simbólicas estabelecidas sobre um
objeto de investigação particular, como é o caso do autismo.
Pela análise da Tabela 2, que expõe a distribuição da
produção sobre o autismo por área de conhecimento do
veículo de divulgação, tal fato pode ser verificado.
Tabela 2 – Distribuição da produção
sobre o autismo por área de
conhecimento do periódico
Área do
conhecimento Quant. % Consolidado
Psicologia 43 38,2 38,2
Medicina 17 15,0
Psiquiatria 10 8,8
Saúde Mental 10 8,8
45,9
Neurologia 9 8,0
Pediatria 5 4,4
Genética 1 0,9
Linguagem 6 5,3
Educação 5 4,4 15,9
12
Outra 7 6,2
TOTAL 113 100 100
Fonte: LUZ, 2016.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 515
Os dados da Tabela 2 permitem verificar que, como
na tabela anterior, quando se observou a área de atuação
dos autores, a área da Psicologia possui considerável
destaque se comparada aos outros campos, pouco
menos de 40% da distribuição por área da instituição
publicadora.
Contudo, se novamente considerarmos que os
campos da Medicina, Psiquiatria, Saúde Mental,
Neurologia, Pediatria e Genética são espaços de poder
fundamentalmente advindos da Medicina, a soma desses
campos resulta em 45,9% de toda a produção. Ou seja,
igualmente à análise anterior, evidencia-se um equilíbrio
entre os dois campos.
Dessa maneira, a busca pela “verdade científica”,
de acordo com a lógica bourdieusiana, ocorre
fundamentalmente entre os campos da Medicina e da
Psicologia. Ou seja, a disputa aparece conjecturada nas
dificuldades para definir a etiologia e a caracterização do
autismo, entre aspectos biológicos, genéticos e psíquicos.
A disputa consolida-se entre os dois campos, na
medida em que tanto o campo de atuação dos autores
como os veículos escolhidos para sua divulgação
confirmam que a produção maciça sobre o autismo fica
restrita as áreas da Medicina e Psicologia. Um indício de
que a caracterização do autismo está longe se tornar mais
precisa, ainda que, nessa última análise, haja um número
consideravelmente superior no campo da Medicina.
Cabe destacar que, quando feita a análise da
distribuição sobre o autismo por países da instituição
publicadora, as revistas brasileiras e espanholas
a produção
do conhecimento
no campo da
516 educação especial
possuem significativa concentração, embora ocorra
importante centralização das publicações em revistas
latino-americanas. Essas informações nos permitem
responder à questão “quem divulga os artigos
científicos?”.
Pela distribuição por ano dos artigos no período
histórico investigado, verificam-se as curvas tendenciais
em termos de distribuição temporal, expostas no Gráfico 1.
14
12 12
11 11
10
9 9
4 4
3
2
1 1 1 1 1 1
1984 1989 1994 1998 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Fonte: LUZ, 2016.
a produção
do conhecimento
no campo da
educação especial 517
Por último, o terceiro subperíodo, de 2010 a 2015,
apresenta um crescimento ainda mais evidente das
publicações, pois foram encontrados 77 artigos, isto é,
uma média de pouco mais de dez artigos anuais, com
discreta variação entre 9 e 14 publicações por ano.
A primeira hipótese para justificar esse incremento
está relacionada à expansão da educação especial
em âmbito mundial, o que, conforme Bueno (2011,
p. 93), influenciou sua institucionalização em países
ocidentais de tal forma que resultou no aumento
de matrículas de deficientes na rede educacional,
aumentando a demanda de profissionais especializados
e, consequentemente, a procura e adesão a esses
cursos, o que, por sua vez, eleva o número de
estudos e publicações nas respectivas áreas do saber.
Outra probabilidade é o impacto causado pela
Declaração de Salamanca (1994), que, além de in-
fluenciar as políticas públicas de educação em
todo o mundo, também contribuiu para a am-
pliação da escolaridade dos alunos com deficiên-
cia. A inclusão cada vez mais acentuada de alu-
nos com necessidades pedagógicas distintas pode
ter intensificado os estudos sobre essa população.
As exigências de produtividade acadêmica também
podem ter influenciado a expansão dos estudos sobre
o autismo. Apesar das críticas à produção exagerada,
aparentemente, a tradição investigativa alocada no meio
acadêmico a acompanha. Tal fato pode ser comprovado
pela hegemonia de estudos advindos de autores
pertencentes às universidades, como dito anteriormente.
a produção
do conhecimento
no campo da
518 educação especial
Para além das possibilidades expostas até aqui, há
outra, atrelada à especificidade autística e que causa
estranhamento, que diz respeito ao exagerado número
de casos de autismo desde 2005. Talvez o incremento
da produção a partir do segundo subperíodo reflita a
preocupação dos estudiosos do tema em relação ao
aumento da incidência do autismo.
Com a apresentação dos resultados, procurou-se, tendo
como base os aportes teóricos de Williams (1980) e Bour-
dieu (1983), a análise do contexto da produção acadêmica
sobre o autismo. Na intenção de adentrar um pouco mais
na caracterização do contexto acadêmico que produziu a
literatura examinada e também nas disputas nela travadas,
a finalização da análise dos resultados se dará pelas relações
entre os campos disciplinares com maior incidência.
Como a grande concentração da produção incide
essencialmente nos campos da Medicina e da Psicologia,
a apreciação será restrita às duas áreas, nas quais
verifica-se a distribuição dos artigos entre o período de
1984 a 2015. Com isso, na Tabela 3, averigua-se quando
as pesquisas sobre o autismo foram divulgadas pelas
respectivas áreas, durante o período proposto.
Novamente, observa-se a dinâmica da produção sobre
o autismo, dividindo-as em três subperíodos.
Ainda