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O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS

A PERSPECTIY A DE BOÉCIO , ABELARDO E OCKHAM


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO
GRANDE DO SUL

CHA CELE R - Dom Dadeus Grings


REITOR - Ir. orberto Francisco Rauch
CONSELHO EDITORIAL
Antoninho Muza Naime
Antonio Mario Pa scua l Bianchi
Délcia Enricone
Jayme Paviani
Luiz Antônio de Assts Brasil e Silva
Reg ina Zilberman
Telmo Berthold
Urbano Zilles (Pre idente)
Vera Lúcia Strube de Lima

Diretor da EDIPUCRS - Antoninho Muza Naime

EDIPUCRS
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www.puc rs.br/edi pucrs/
Pedro Leite Junior

O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS


A PERSPECTIVA DE BOÉCIO, ABELARDO E OCKHAM

Coleção:
FILOSOFIA- 125

EDIPUCRS

PORTOALEGRE
2001
© Copy right de EDlPU CRS

L533p Leite Junior , Pedro


O probl ema dos universais : a perspectiva de Boécio ,
Abelardo e Ockha m / Pedro Leite Juni or. - Porto Alegre :
EDIPUCRS, 200 1.
162 p. (Coleção Filosofia, 125)

Apresentado anteriorme nte como Dissertação de


Mestrado na Pontifí cia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul - PUCRS
ISBN: 85-7430-194-9

1. Filo sofia Medie val 2. Boécio - Crítica e In-


terpretação 3. Abelardo, Pedro - Crítica e Interpreta-
ção 4. Ockham , Guilherme de - Crítica e Interpreta -
ção I. Título
CDD 189

Ficha cata lográfica elaborada pelo Setor de Processame nto Técnico da


BC-PUCRS
Proibid a a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização ex-
pressa desta Edito ra

Capa: Samü Machado de Machado


Diagramação: Isabel Cristina Perei ra Lemos
Revisão: O Autor
Imp ressão: Gráfica EPECÊ, com filmes fornecidos
Coordenador da Coleção : Dr. Urbano Zilles
AGRADECIMENTOS

Ao Orientado r Prof Dr. Luis Alberto De Boni pe la confiança, estímu lo e


imensa generosidade.

Ao Prof Dr. Draiton Gonzaga de Souza coordenador do Programa de


Pós-Gra duação em Filosofia desta universidade.

Ao Prof Dr. Reinhold o A. Ullmann pela ajuda nas tradu ções do Latim e
p ela revisão desta dissena çc7o .

Ao Grupo de Estudo s de Filosofta Medieval na p essoa do amigo Mano el


Vascon celos .

Ao CNPq (Conselho Nacio nal de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-


gico) que atra vés de uma bolsa de estudos me prop orcionou a realização
do Mestrado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

A Revisione Assess oria p elo auxílio na digitaçâo e editoraçâo desta dis-


se rtaçâo.

À Raqu el Rodrig ues e Ana Lúcia Pinto, amigas que sempr e tiveram wna
pa lavra de incentivo.

A todos aqueles que de algum modo contribuíram com seu apoio na rea-
/izaçc7odeste trabalho.

Min ha gratidcio profund a aos meus filh os Bruna , Frederico e Camila


pela compr eensão e paciência.

E, fi nalmente, ag radeço a minha esposa Loi va Leit e. compa11.


heira incan -
sá vel que compartilhou comigo os bons e maus mom entos que marcaram
esta j orna da.
Para Marlene e Pedro ,
com carinho e saudade.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO / 9
1 SOBRE O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS / 15
2 TIPOLOGIA DAS SOLUÇÕES / 27
3 SEVERINO BOÉCIO / 31
4 PEDRO ABELARDO / 41
4. 1 OCO TEXTO DE ABELARDO / 41
4.2 O PROBL EMA PARA ABELARDO / 46
4.3 PARS DESTR UENS: AS CRÍTICAS / 48
4.4 PARS CONSTRUENS: A SOLUÇÃO / 58
5 GUILHERME DE OCKHAM / 83
5. 1 OCO TEXTO HISTÓRICO-CULTURAL DE
OCKHAM / 83
5.2 A QUESTÃO DOS U !VERSAIS EM OCKHAM : A
EST RUTURA CRÍTI CA / 88
5.3 PARTE CRÍTICA / 97
5.3.1 Contra a primeira opinião / 101
5.3.2. Contra a segunda opinião / 113
5.3.3. Contra a opinião de Scotus / 115
5.3.4 Contra a distinção de razão / 130
5.4 PARTE RESOLUTIVA / 138
CONSIDERAÇÕES FINAIS / 155
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS / 158
INTRODUÇÃO

Histor ica mente, a Filosofia co nstituiu- se num espaço di-


nâ mico de deba tes acerca de problemas (e pseudoprob lernas), bem
co rno de tentativas contínuas de solucioná-los.
De modo gera l, ass inalamos como berço da Filosofia as
co lônias gregas da Ásia Menor, particularmente Mileto, por volta
do séc ulo VI a.C.
Loca liza mos ali os primeiros pensadores (poste riorm ente
co nhecidos como filósofos da natu reza) que de ra m início ao pro-
cesso de refl exão filosófica. Esses primeiros filósofos, insatisfe itos
co m as explicações de base mitológica da realidade, procuraram
ex plicar a Natureza , isto é, a realidade que tinh am dia nte de si,
através de um a man eira nova de pensar. Dese nvolvera m suas in-
ves tigações a par tir de uma perspectiva human a, quer dize r, de uma
progre ss iva va lor ização da especul ação do própri o home m. Bu sca -
ram coordenar racionalmente os dados apree ndidos pela expetiên-
cia hu mana e integrá-los numa visão comp reen íve l do pon to de
vista do hom em. Basicamen te, aparece aq ui a caracte rística qu e
instaura o pro cess o de reflexão filosófica: o homem, no uso de sua
fac uld ade racional, buscando por si mesmo a construção do con he-
ci mento . Iniciava-se , ass im, a atividade de filosofar. Aristóte les
lembra-n os que "(... ) é da na tureza do home m o desejo de conhe-
cer", e, nes e sentid o, "os ho111ensfi losofava m para fug ir da igno-
rância" 1• As reflex ões dos primeiros .filósofos da natur eza, mov i-
dos pe lo desejo natural de co nhec er fora m marca das pela admira -
ção e pela perplex idade (espa nto) diante das dific uld ades qu e a re-
al idade lhes infligia . Difi culda des essas que os levaram a formular

1
ARISTOTE. La Métaphysique. Tra d. J. Tricol. Paris: Yrin. 1966, I. l, 980a 2 l-
982b 20. Cotejamos essa tradução com a de Leonel Yallandro. Aris tóteles. Me-
tafísica. Po rto Alegre: Glob o. 1969.

Coleção~ilo~ofia - 125 9
PedroLeiteJunior

problema s, desenvolver métodos e conceitos, bem como buscar


soluções.
Decorridos muit os séc ulo s, desde aquelas primeiras inve s-
tigações, ainda hoje, os filósofos defrontam-se com problemas que
estão colocados e seus esforços de resolvê-los são contínuos. Tu-
gendhat observa que a tarefa propriamente filosófica consiste em
"(. ..) examinar os questionamentos, métodos e conceitos funda-
mentais existentes e desenvolver outros novos "2 .
É a partir desse quadro, ou seja, do desenvolvimento da re-
flexão hum ana, que está inserida, entre outras, uma questão que ,
desde a Antigüidade, tem sido objeto de invest igação de muito s
pensadores. Na Hi stóri a da Filosofia, tal questão é conhecida pela
expressão o problema dos universais.
Ainda que tratado na Antigüidade, talvez de modo não tão
vigoroso, foi no período medieval que o problema dos universais
3
tomou corpo e encontrou sua época áurea de debate s. Cousin , por
exemplo, reduziu a Filosofia Medieval à que stão dos universais.
Apontando, do mesmo modo, para a importância desse tema para
os medievais, escreve Saranyana: "A Filosofia Medieval foi uma
obstinada busca de resolver o problema dos universais "4 • Acres-
centa ainda Copleston:

"( ...) alguém desavisado poderia supor que os medievais ao


ocuparem-se com o probl ema dos univ ersa is poderiam estar
espec ulando sobre um tema inútil ou entregavam-se a jogos
dialéticos. Uma pequena reflexão, por ém, é suficiente para
mostrar a import ância do problema, se cons ideradas sobre-
tudo suas conseqüências" 5 .

2
TUGENDHAT , Ernst. Lições introdwórias à Filosofia Analítica da Linguagem.
Trad. e org . Mário Fleig. ljuí: Unijuí, 1992. p. 11.
3
COUS IN, Vitor. Ouvrages inédits d'Abélard. Paris: Didier , 1836, p. LYI-LXIV.
4
SARANY ANA, Josep-lgnasi. Historia de la Filosofía Medieval. Pamplona:
Universidad de Navarra, J989, p. 141.
5
COPLESTON, Frederick. Historia de la Filoso.fía. Barcelona: Ariel, 1983, v. II.
p. 145.

10 Coleção~ilosofia. 125
O problinna do~univet~ai~: a pet~pectivade lsoiício, Abelatdo e Ockhatn

É preci so assinalar, entretanto, que indicarmos a época


medieval como o apoge u da discussão do problema dos universais
não significa lim itá-lo ou reduzi-lo apenas a esse período. A tal
respeito, Vanni Rovi ghi afirma que a que stão do s univ ersa is não se
restringe ao período medieval, "(. ..) mas renasce sempre na Histó-
ria da Filosofia, mesmo na Filosofia Analítica contemporânea "6 .
Do mesmo modo , um filósofo contemporâneo como Quine refere o
interesse pela questão: "(. . .) os matemáticos fil ósofos modernos em
gera l não perceberam que debatiam o mesmo e velho probl ema
dos universais ... "7.
Entendemos, assim, que o problema dos universais guarda
sua importância no cenário filos ófico atual 8, certamente não nos
moldes em que foi discutido pelos medievais. É um assun to que se
man tém atual em virtude de sua complexidade, visto que está sub-
jacente a muitos domínios do di scurso. Sob suas diver sas formas,
desperta a reflexão de muito s filó sofos e suscita inúmeras discus-
sões.
Podemos , por exemplo, recorrendo à obra de Claude Pa-
naccio9, ilustrar o deba te contemporâneo que tem como pano de
fundo a quest ão sobre os universai s. Particu larmente, no capítulo
quatro , Referênc ia e singular idade, o autor examina a discussão
que , no âmbito da Filosofia da Linguagem , diz respeito à análise
semântica dos predicados gerais concretos, tais como, humano,
vermelho, etc. Tal discuss ão reflete a divergência entre duas posi-
ções (a realista e a nominalista) que são apresentadas e confronta-
das . Da perspectiva realista, são analisadas as posições de Gustav

6
YANNI ROVIGHI , Sofia. " [nten tion nel et universe l chez Abélard". Abélard.
Actes du Colloque de Neuchâtel, 16-17 nov. ln : Cahiers de la Revue de Théo/o-
gie et Philosophie, 1981 , p. 21.
7
QUINE , Will ard V. O. et alli. '·Sobre o que há". ln: Coleçc7o os Pensado res.
Trad. Luis Henrique dos Sa ntos. São Paulo: Abril Cu ltural, 1975, p. 225.
8
Conforme, por exe mpl o, o capítulo 8, '·Ter mos gera is, conce itos e c lasses", da
obra de TUGENDHAT, Ernst e WOLF, Ursu la. Propedêwica Lógico-
Se111ântica.Trad . Fernando Rodrig ues. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 101- 114.
9
PANACCJO , Claude. Les 111 01s, les co11cepts et les choses. La sémantique de
G11illau111ed'Occarn el /e 11.0111ina/is,ne
d'aujourd '/wi. Montréal - Par is: Bellar-
min - Yrin, 1991.

Coleção J:ilo~ofia- 125 11


PedtoLeiteJuniot

Bergmann e Herbert Hochberg que têm como base a semântica


fregeana. Do ponto de vista nominali sta, são avaliadas as opiniões
de Richard Martin e Nel on Goodman. Panaceia, ainda, introdu z
neste debate comtemporâneo a teoria ockhamista da conotação
que, segundo ele, da perspec tiva nominalista fornece uma solução
elegante e verdadeiramente fecunda à questão dos predicados ge-
rais .
Indicando , por fim , a relevância des se tema, esc reve Mar-
cuse:

"Longe de ser ape nas uma questão abstrata de ep istemolo-


gia, ou uma questão pseudoconcreta de linguagem e de seu
uso, a questão do estatuto dos univer sa is está no próprio
ce ntro do pensamento filosófico',1º.

Tratar acerca do prob lema dos universai s é, certamente,


abordar um tema amplo, complexo e não resolvido . Reconhecendo
a necessidade de restrin gir a abordagem da que stão, procuramo s,
por meio de um recorte, localizá-la em um período histórico de-
terminado. Assim, nosso est udo se limita a identificar e de screver
três momentos que marcar am o desenvo lvimento do problema no
período medieval. De modo gera l, podemos dividi-lo formalmente,
em dua s etapas. A primeira , de caráter preparatório e indispensá-
vel, consi te em apresentar a perspe ctiva tanto de Boécio quanto de
Abelardo no trato da que stão. A segunda, mais exte nsa., está dedi-
cada ao exame do problema. no pensamento de Guilherme de
Ockham. Para tanto, estruturamos a dissertação em cinco capítulos
que seguem este roteiro:
No primeiro capítulo, procuram os definir o problema dos
universais propriamente dito. Propomo s como idéia inicial que
es a é uma questão prim aria mente de orde m ontológica, porquanto ,
observamo que ela não está restrita ape nas a esse domínio do dis-
curso e, aí reside sua complex idade.

10
MARCUSE. Herbert. A Ideologia da sociedade i11d11srrial.
Trad. Ginso ne Re-
buá. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 191.

12 Coleção~ilo~ofia- 125
O ptoblrHnlldos univets:iis: a petspectivade lsoécio, Abel:itdo e Ockh:itn

Em seg uida, apresenta mos, em linhas gerais, o quadro de


so luções propostas que abrange o período de Boécio (séc ulo VI) a
Ockham (século XIV).
Os capít ulos três e quatro são consagrados, respectiva-
mente, a Boécio e a Abelardo, tend o em vista que sentimos neces-
sidade de comp reend er como a que stão foi abordada no período
anterior a Ockham. A escolha desses doi s interlocutores guarda as
suas razões, entre elas, as abaixo expostas.
Boécio, ao receber o probl ema de Porfírio, representa a
porta de entrada da questão no mundo medieval , seus textos servi-
ram de base para as discussões posteriores a respeito dos univer-
sais. A solução boecia na, de cunho aristoté lico (embora um tanto
vaci lante ), teve a pretensão de ter resolvido a questão.
A esco lha de Abelardo foi motivada por dois aspectos.
Primeiro, porque, através das críticas, form ulada s contra seus ad-
versários, podemos vis ualizar o contexto em torn o do qua l giraram
as discussões em sua época. Segundo, porque, nele já identificamos
tanto uma reação vigorosa contra a existênc ia do universal extra
animam quanto um direcionamento para tratar a questão sob a
perspectiva da linguagem .
Por fim, no quinto capítulo, apresentamos de maneira mais
detalhada a abor dagem de Ockham, em cuja perspectiva o proble-
ma assume um contorno muito mais lingüíst ico do que on tológico .

ColeçãoÍilosofi:i. 125 13
SOBRE O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS

Uma pergunta que de imediato se impõe pode ser formula-


da do seg uint e modo: em que consiste o problema dos uni versais ?
De maneira direta e o bjeti va, poderíamos dizer que o con-
teúdo central do problema gira em torno dos debates acerca de qu al
é o estatuto ontológico dos universais. Se en tendermos pela expres-
são onto lógico o âmbito do discurso, que trata da est rutura gera l da
realidade ex istente ou, mais precisamente, da existência da s coisas,
en tão o problema dos universais pode ser defi nid o co mo aquele
que investiga sob re a possibilidade da existê ncia ou não-existência
dos uni versais. Ora , tal questão remete a uma seg und a inquirição, a
sabe r: adm itind o-se que os universais ex ista m, pergunta-se: que
tipo de exis tênc ia poss uem? Em outra s palavras: se ex istem , sua
exis tên cia é rea l ou meramente ment al (pe nsada)? Mas, ao respon-
dermos de forma objetiva à nossa pergunta, não expres amo s inte i-
ramente os aspectos que envo lvem tal questão. Nesse sen tid o, pen-
sa mo s que uma exposição mais abra ngente do prob lem a talvez
possibilite identificarm os a co mpl exidade que o ass unt o comporta.
Estabelecemos, prelimin arm ente, que Aristóteles, Porfíri o
e Boécio (cons iderados as três autoridades) estão estre itamente
vinculados à cons titui ção do probl ema. Por um lado, em Porfíri o,
encon tram os a fo rmul ação clássica ela questões sob re os univ er-
sais. De outr a parte, duas noções de uni versa l - a ele Aristóteles e a
de Boécio - constituem um dado estrut ural elo problema, na medi-
da em que levara m os mestres med ieva is "a uma hesitação entr e
wnbas", como lemb ra Libera'.

1
LIBERA , A lain de. A Filosofia Med ieval. Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janei-
ro: Zahar. 1990, p. 95.

Coleçãof::ilo
gofia - 125 15
PedtoLeiteJuniot

A definição aristoté lica de univer ai contém uma noção de


predic ação: universal é aquilo que é apto por nature za a ser predi-
cado de vários - pra edicabi le de pluribus. Em Boéc io, a formula-
ção de universa l repousa obre a noção de comunidade , segundo a
qual o unive rsal é algo comum a muitos - commwzis in multis.
Visto que, em latim, plicar e significa dobrar e ex-p licare
signific a de dobrar, isto é, abrir as dobras, tentemos explicare o
envolvimento dessas três auto ridades no que concerne a instaura-
ção do problema dos universais.
De modo gera l, consi dera-se 2 que o ponto de partida das
discussões medieva is acerca dos universais encontra-se em um fa-
moso texto do fenício Porfír io (232/3 - 305), discípulo do neopl a-
tônico Platino (204 - 270). Nesse texto, intitul ado lsagoge (Intro-
dução às Categorias de Aristó teles/, Porfír io apresenta de modo
introdutório a doutrin a aristoté lica dos predicáv eis.
Aristóteles, no livro I dos Tópicos 4, defin e as quatro vozes ,
ou sej a, os pred icados gerais com os quais se constroem as propo-
sições e os argumentos. São eles : a definição, o próprio , o gê nero e
o acidente. Porfírio , a fim de introdu zir seu discípulo Crisaório no
estudo das Categorias de Aristóteles , ente nde que esse estudo deva
ser precedido de uma compree nsão das vozes aristoté licas. Note-
mos, contudo, que Porfírio retira a definição e acresce nta a espéci e
e a difer ença, já não sendo mais as quatro vozes aristoté licas . Os
cinco predicáveis (quinque voces) de Porfír io são: o gênero, a es-
pécie, a difer ença, o próprio e o acidente.

2
ASCIME TO, Carlo s A. R. do . "A quer ela dos univer sais revisitada" . ln : Ca-
dernos PUC-Filosofia. São Paulo: Co 1tez, n. 13, ( 1983), p. 37. Nascimen to, por
exe mplo, esc reve: "Como é sabido a fonte das discussões medievais sobre os
universais se enco ntra em três ques tões form uladas e não respondidas pelo neo-
platônico Porfírio no iníc io de ua introdução às categorias de Aristóteles (lsa-
goge)".
3
PORFÍRJO , lsagoge. Introdução às Categor ias de Aristót eles. Trad ., pref. e no-
tas de Pinh aranda Go mes. Lisboa : Guimarã es, 1994.
4
ARlSTÓTELES. ''Tópico s". ln : Orga11on V. Trad. Pinharanda Gomes. Lisboa :
Guimarães, 1987, I, 5, 102a-l02b25.

16 Coleção~ilo~ofüi
- 125
No início de sua obra, Porfírio form ula três ques tões relati-
vas à natur eza cios gê nero s e das espéc ies (uni versa is) 5, que co nfi-
gura m o quadro em torno do qual travaram-se os debates e as pos-
síveis soluções para o problema no período medieval. Esc reve Por-
fír io:

"Antes de mais, no que se refere aos gêneros e às espécies,


a ques tão é saber se eles são rea lidad es em si mes mas, ou
ape nas simples concepções do inte lec to, e, adm itind o qu e
seja m rea lidades substanci ais, se são corpóreas ou incorpó-
reas, se, enfim , são separadas ou se ape nas subsistem nos
sens ívei s e seg undo estes" 6 .

Repre se ntamos essa formul ação do probl ema , por meio do


que denomi naremos o esquema de Porfi rio:
Quanto aos univer sais (gêneros e espécies):
1. ou são rea lidades subsistente s:
a) corporais;
b) incorporais: b]) separadas das co isas sensíveis;
b2) situad as nas coisas sensíveis;
2. ou são simp les conce pções do intelecto.
Por considerar seu texto meramente introdutório e tendo
em vista que esse tema é por demai s complexo e profu ndo, Porfíri o
abs teve- se de apresentar- lhe alguma solução:

"É um ass unto de que ev itare i falar; é um problema muito


co mp lexo, que requer uma indagação e m tud o diferente e
mais ex tensa. Procurar ei mos trar-t e aqui o que os antigos, e
entre eles, so bretudo os peripat ét icos, co nceberam de mai s
acomo dado à lógica acerca destes últimos te mas e acerc a de
o utros que me propu s est udar" 7 •

5
Sara nyana ob~erva que Porfír io refe re-se ape nas aos dois predicáve is, gê neros e
espécies, na form ulação de suas ques tões (op. cit.. p. 8 1, nota 4 ).
6 ' .
PO RFIRIO , op . cil ., p. 50-51.
7 ' .
PORFIRI O, op. cI1., p.5 1-52.

Coleção f:ilo~ofi:a- 125 17


PedtoLeiteJuniot

A partir do esquema de Po,fírio, é possível sub linh armos


alguns aspectos que parecem pertinentes a nossa exposição do pro-
blema.
Uma primeira consideração remete ao que chamamos de
posterioridade do esquema. Essa posterioridade expressa- e, parti-
cularmente, através da que tão inicial colocada por Porfírio. a sa-
ber: "Os universais ão realidades em si mesmas ou apenas con-
cepções do intelecto?" Tal questão coloca-nos diante de duas pos-
sibilidades, ou seja:
i) ou os univ ersais são coisas (res) que existem indepen-
dentes de no a mente;
ii) ou os universais são conceitos (conceptus) ou ainda
palavras (voces), que dependem do intelecto humano.
Como ass inal a Nascimento 8 , es a inquiri ção inicial pod e
simbolizar o dois extremos em que oscilou a disputa dos univer-
sais. Em outros termos, o quadro porfiriano envia, de certo modo ,
para as po síveis soluções do problema desenvolvidas pelos mes-
tres medievais posteriores 9 .
Nossa segunda obse rvação diz respeito ao que sig nific a-
mos pela expressão ant erioridade do esquema. Essa anterioridade
emerge, na medida em que a formulação de Porfírio ugere remeter
para dua. vertentes ou alternativas para a questão, oriunda da An-
tigüidade grega.
A primeira vertente, de índole platônica, toma os univ er-
sais como entidades existentes em si mesmas e separadas das coi-
sa sensívei . A esse respeito, refere Michon: "( ... ) o platonismo
define-se pelo compromisso onto lógico com entidades abstratas,

8
NASCIMENTO, Cario A. R. do . "Introdução, u·adução e notas ··. ln : PEDRO
ABELARDO. Lógica para pri11cipiw11es.Petrópolis: Vozes, 1994. p. 16. (Se-
gundo solicitação e informe do orientador, Professor Dr. Luis A. De Boni, os
autore medievais são costumeiramente citados pelo nome comp leto. Por conse-
guinte, seguiremos tal padrão para referendar a bibliografia neste estudo).
9
o capítulo 2, apresentaremos a tipologia das principais posições diante do pro-
blema.

18 Coleção~iloi:ofia - 125
O ptoblernado~univet~ai~:
a pi!t~pectiva
de Boécio,Abelatdo e Ockharn

distintas dos indivíduos da natur eza, 111asparticipadas por eles"'º.


Cirne Lima denomjna "onto logia da participação" 11 o fato de os
indivíduos participarem de uma Idéia universal que é anter ior e in-
dependente deles. Acrescenta, por sua vez, Tugendhat:

"( ... ) segundo Platão. as Idé ias são como entidades autôno-
ma existentes, desp reendidas do ente sensível, isto é, exis-
tentes como as próprias co isas particulares - só que seriam
supra-sen síve is; ( ... ) os univer ais existiriam ante riormente
e independentemente dos objetos concretos (universale ante
rem)" 12.

Sem dúvida, é possível afirmarmos que tanto o platonismo


quanto o neoplatonismo influenciaram os debates e as so luções
propostas para o problema dos universais.
A segunda alternativa, de cunho aristotélico, que influenci-
ou profundamente no debate, con iste em tomar os universais
como concepções do intelecto com fundamento nas coisas (univer-
safe in re).
Por fim, o terceiro aspecto que gostaríamos de salientar re-
fere-se à expressões gêneros e espécies empregadas por Porfírio.
Yignaux recorda-nos que "( ... ) tratar dos universais é
sempre escrever sobre os gêneros e as espécies" e acrescenta:
"( ... ) estes gêneros e espéc ies dividem o mundo aristotélico como
, . " 13. E m sua o bra Categonas
pre d 1.ca d os poss1ve1s . 14 , A nstote
. , 1es es-
tabelece uma distinção entre substância primeira e substâ nci a se-
gunda. A sub tância primeira é caracterizada por:
i) não estar em um sujeito ;
ii) não ser predicada de nenhum sujeito.

10
MICHO . Cyrille. No,ni11a/is111e. w théorie de la sig11ificatio11d'Occa111.Paris:
Yrin. 1994. p. 3 l.
11
CIRNE LIMA , C. R. Dialética para pri11cipia111es. Coleção Filosofia (48) .
Porto Alegre: EDIPUCRS. 1996, p. 45.
12
TUGENDHAT. WOLF , op. cit .. p. 103.
" VIGNAUX. Paul. O pensar da Idade Média. Trad. e pref. de Antonio Pinto de
Carvalho. São Paulo: Saraiva, 1941. p. 184.
14
ARJST ÓTELES. Categorias. Coleção Filosofia-Textos. Trad. , introd. e coment.
de Ricard o Santos. Porto: Porto. 1995, 2 a l 1-18.

Coleçãol=ilo~ofia
- 125 19
PedtoLeiteJuniot

São exemp los de ubstâncias primeiras: "homem individu-


al", "cavalo individual" , poderíamos dizer Pedro, Manoel, etc.
Nesse sentido , as substâncias primeiras são as substâncias singula-
res. Aristóteles, todavia, concede o título de substância às substân-
cias seg und as. Essas são caracte rizadas como:
i) estão em algum ujeito;
ii) são predicáveis de algum ou muitos sujeitos.
As substâncias segundas são os gêneros e as espécies, à
quais pertencem as substâncias primeiras. Os exemplos de substân-
cias segundas, utilizados por Aristóteles, são: a e pécie homem e o
gênero animal. Alféri comenta: "( ... ) as substâncias segundas são
os universais ou comuns a uma série de singulares" 15• Aparece
aqui uma das características dos universais (gêneros e espéc ies), ou
seja, a possibilidade de serem predicados de vários.
Examinemos a seguir, de que modo a noções de univ er-
sal, de Aristóteles e de Boécio, são constituintes da questão dos
universais.
O problema dos universais envolve dois aspectos - um ló-
gico e outro onto lógico - que se relacionam diretamente com as
noções aristotélica e boeciana de universal. Tais noções estão vin-
culadas e correspondem a duas características dos universais, a a-
ber:
i) predicabilidade (aspecto lógico)·
ii) comu nid ade (a pecto onto lógico).
Em Aristóteles, localizamo a definição de universal que se
tornou clássica, isto é, "universal é o que é apto por natureza a ser
predicado de vários" . Escreve o Estagirita no livro De lnterpreta-
tione:

'Há coisas universais e coisas particulares, e denomino


universal isso cuja natureza é a de ser afirmada de vários
sujeitos , e de particular o que não pode tal, por exemplo,

15
ALFÉRJ , Pierre. Gui//awne d 'Ockham. Le Singulier . Paris: De Minuit, J 989 , p.
30.

20 Coleçãol=ilo~ofia
- 125
O pwblBrrni dos univBtsais: a pBtspBctiva
dBBoiício, AbBlatdo BOckham

homem é um termo universal, e Cálias um termo singu-


lar"16.

E, na Metafí sica, expressa: "( ... ) o universal, pelo contrá-


rio, é co111um , pois o que se chama universal é o que per tence por
nature za a muitos seres" 17.
A definição aristotélica de universal inclu i uma noção lógi-
ca de predicação - praedicabi le de pluribus . Esse caráter de "se r
predicado de vár ios" permite a próp ria distinção entre uni ve rsal e
singular. Enquanto o primeiro é atrib uído a muit os, o seg undo é
dito de um único. A definição proposta por Aristóteles, poré m,
presta-se a arnbigüidades, em virtud e da apli cação do universa l
tanto às palavras (voces) quanto às coisas (res).
Nesse sentid o, Yignaux assina la: "Mas, falando do univer-
sal, as auto ridades, Ar istóte les, Porfírio e Boécio, visam tanto às
coisas como às pa/avras " 18 • Na mesma perspectiv a, acrescenta
Kneale:

"A Filosofia da Lógica de Aristóteles teria ido bem mais


clara do que é, se ele se tivesse obrigado a si próprio a con-
siderar mais cuidadosamente aquilo que queria dizer acerca
de palavras e aquilo que queria dizer acerca de coisas. ( ...)
Aristóteles usa uma linguagem que cria ambigüidades e
como tal presta-se a mal-entendidos" 19 •

Di an te dessa dupla aplic ação da definição aris totéli ca do


univer sa l, exami nemos, de início , a atr ibui ção de universalidade às
palavras bem co mo as dificuldades que ela gera.
Conforme Aristóteles, há palavra s singulares (dirí amos
atualmente termos singulares) e palavras univer sais (ou termos ge-

16
ARISTÓTELES. Sobre la /11terpretació11(Peri Hermenéias). Tratados de Lógi-
ca li (Organon). lntrod ., trad . y notas de Miguel C. Sanmartin. Madr id: Gredos,
1995,7, l7b .
17
ARI STÓTE. La Métaphysique, VJII , 13, 1038b 11.
18
YIGNAUX , Pau l. "Nom inali srne". ln : Dictionnaire de Théologie Catholique.
Pari s: Librair ie Leto uzey et Ané , 193 1, t. XI. Col. 7 19.
19
KNEALE , William, K.NEALE, Ma rtha. Dese11\'olvi111e11to da Lógica. Trad. de
M. S. Loure nço . Lisboa: Fundação Ca louste Gulbenk ian. 1962, p. 20 0-201.

a - 125
ColBçãol=ilosofi 21
PedwLeiteJuniot

rais). Os termos singulares são aqueles que não ão predicados de


vários sujeitos e têm a função de designar algo de determinado.
Ora, designamos algo de determinado de três modos, a saber:
i) através de nomes próprios, como, por exemplo; "Pe-
dro";
ii) por meio de expressões dêiticas, que dependem do
contexto em que são utilizadas, como: "este livro";
iii)e, ainda, por expressões definidas, como: "a Capital do
Rio Grande do Sul".
Sendo assim, numa proposição do tipo "Pedro é homem",
o termo singular "Pedro" (sujeito da proposição) designa uma coisa
determinada, ou seja , um indivíduo.
Os termos gerais (palavras unjver ais), por sua vez, classi-
ficam as coisas e podem ser atribuídos a vários. No De lnt erpreta-
tione20, Aristóteles afirma que as palavras escritas são símbolos
(sinais) das palavras faladas; estas, por seu turno, são sinais das
afecções da alma, isto é, dos conceitos. Se tal é o caso, as palavras
univer sais são símbolos dos conceitos universais engendrados na
mente. Conceitos universais, como, por exemplo, animal (que é um
gênero) e homem ou humanidade (espécies), são expressos, res-
pectivamente, pelos termos gerais "anima l", "homem" e "h umani-
dade". Ora uma característica dos termos gerais - que simbolizam
os conceitos universais - é a possibilidade de serem predicados de
vários, através de proposições. Como exemplo do uso de termos
gerais temos as proposições: "Pedro é homem", "João é homem",
"Manuel é homem", etc.
Do ponto de vista do uso dos termos gerais, enquanto si-
nais dos conceitos universais, as dificuldades emergem a partir da
colocação da seguinte questão: há na realidade extramental algo
que conesponda aos termos gerais , ou seja, eles referem al go do
mesmo modo que os termos singulares? Por outra: existe na reali-
dade algo que corresponda diretamente aos conceitos universais?
No mundo, existe algo como a humanidade, da mesma maneira
como existe o indivíduo Pedro? Estamos aqui diante de uma pers-

20
ARISTÓTELES . Sobre la interpretación ..., I, 16a.

22 Coleçãof:ilMofia- 125
O problemados univetsais: a petspectiva de !soécio, Abelatdo e Ockharn

pect iva do problema dos universais, qu er dizer , do e tatut o dos


termo s gera is - dos predic ado s.
Aristóteles, entretanto, aplic a ainda sua defini ção de uni-
versal às coisas . Esse fato acrescenta mais uma dificuldade ao pro-
blema. Kneale , a esse respeito, escreve:

"( ...) sua linguagem sugere que ele pensa que exi te uma
espécie chamada ' homem' e um gênero chamado 'anima l' e
na verdade ele chega a afirmar que homem e animal são
substâncias segundas. ( ...) temos aqui o começo de uma
outra confusão que tem enfeitiçado a teoria dos individuais
e dos universais" 21 .

Tom ar o univ ersal como co isa é fazer dele um obj eto da


realid ade, o que possibilita a formulação da seguinte que stão: como
compatibi lizar o caráter de "se r predicado de vários" às coisas?
Isso não sugeriria que há coisas univer sais predicávei s das própria s
coisas? Se esse é o caso, a noç ão de predicação passa do âmbito
lóg ico-se mântico para o domínio onto lógico, visto que a capacida-
de de predic ação estender-se-ia das palavras às coisas.
Michon comenta, no entanto, que a questão ce ntral não é
tanto saber se Aristót eles trata de palavras ou de coi sas, mas de sa-
bermo s "(. ..) se aos sinais universais [conceitos univ ersais] cor-
respondem realidades universais" 22 . Em outras palavra s: é po ssí-
vel faz er do universal um objeto da onto logia?
23
Para Boécio , a noção de univer sal incid e sobre seu cará-
ter de comunidade, enquanto é "aquilo que é comum a vários" 24

11
KNEALE, KNEALE, op. ci r.. p. 200-201 .
22
MICHO , op. cir., p. 383.
23
ANÍCIO M.T.S .BOÉCIO . Co111m entaria i11Porphyri11111.ln : Opera 011111ia. Pa-
ris: Migne. 189 J. Pat.ro logia Latina 64, co l. 82A-86 A. As citações deste tex to de
Boécio serão feitas em portuguê s co m base em uma tradução rea lizada e forne-
c ida ao alunos pelo prof. Fernando Fleck, durante a disciplina "Se minário de
Filosofia An tiga e Med ieva l". em 1994/Tl na UFRGS. Estabe lece mos, ainda,
que esse texto será referido como seg ue: BOÉC IO, PL 64 (Patro log ia Latina) ,
co luna e letra .
24
Observamo s que a noção de com unid ade já havia sido apontada por Aristóte les,
Metaffsica. Yll , 13. l0 38bl l. Boéc io, ao que parece , desco nhec ia. ou não teve

ColeçãoJ:ilosofia- 125 23
PedwLeiteJuniot

Libera observa que "(. ..) o universal , segundo Boécio, é definido


como 'comum' a vários" 15. Completa ainda Michon: "( ... ) o uni-
1 ersal repousa sob re a noção de com unidad e. A expressão é de

Boécio (... ) "26 . O que é confirmado por Abelardo 27 : "( ... ) o univer-
sal é de tal modo comum, co1110Boécio afirma, que o mesmo está
. ..28
tod o ao mesmo tempo nos dif 1 e rentes .
Essa noção de comu nidade do universal , de Boécio, vin-
cula-se à definição aristotél ica, constituindo um dado mais ontoló-
gico do problema. Enquanto a definição aristotélica de universal
incide sob re uma noç ão lógica de" er predicado de vários', a boe-
ciana repousa sobre a noção de "ser comum a muitos". Ora, a pos-
sibilidade de predicação a muitos é garantida, na medida em que
e ses muitos têm algo de co111um . Conforme Yignaux , "este 'ali-
q11odcommune' é a matéria do probl ema dos universais" 29 . Assim,
por exemplo, os hom ens individuai s co ntêm "algo de comum" (um
universal como a espécie homem), que permite formularmo pro-
po ições predicativas do tipo: "Pedro é homem"; "João é homem "
e, assim, suces ivamente.
A perspectiva ontológ ica do problema surge - no âmbito
da definição boeciana - quando se toma o univ ersa l como sendo
algo (uma coisa) realmente existente nos indi víduos em que é co-
mum. De outro modo: quando formul amos a seguinte questão: os
univer ais (gêneros e espéc ies, substânc ias segundas, aliquod
commune) têm ex istência extramenta1?

acesso a essa obra, pois que o chamado corpus ar istotélico some nte ingressou
no Ocidente latino em fins do éc ulo XII.
25
LIBERA . op. ci1., p. 95.
26
MICHON , op. ci1., p. 383.
17
PETER ABAELA RDS. Die Logica /11 gredie111ib
us. ln: B Geyer. Pe1er Abae-
lards Philosophische Schrif1e11.Beitrage, XXI, I. Münster i. W. , 1919, p. 1-32.
Uti lizaremos para as citaçõe em portuguê s a tradução realizada pelo Prof. Car-
los Anhur R. do Nascimento, sob o tíllllo Pedro Abelardo. Lógica para pri11ci-
pia111es . As refer ências de sse texto seguem esta configuração: L 1, página e li-
nha .
28
"( ... ) universale ita commune Boet hiu s dicit, ut eodem tempore idem totum sit
in diver sis". LI, J 1, J-2.
29
VIGNA UX. O pensar .... p. 185.

24 Coleçãofilosofia- 125
O problemados universais:a perspectivade lsoécio,Abelardoe Ockham

Expostos alguns aspectos que abrangem o problema e que


envo lvem as autoridades , reconhecemos que o problema dos uni-
versais diz respeito, primariamente , ao domínio ontológico do dis-
curso. A questão fundamental acerca dos uni versais guarda como
pano de fundo a pergunta sobre sua existênc ia - seja real ou pensa-
da. Assim, retomamos nossa resposta inicial, isto é, de forma direta
e objetiva, é possível afirmar que a questão dos universais gira em
torno dos debates sobre qual é seu estatuto o ntológico.
É importante esclarecer, entretanto, que, ao considerarmos
tratar-se de um problema primariamente ontológico, isso não signi-
fica reduzi-lo ou restringi-lo so mente a esse âmbito. É um tema que
se ramifica em outros domínios do discurso, sendo essa a razão de
sua complexidade . Frai le, por exemplo, cons idera que "(. .. ) cons-
titui 11111problema crucial, no qual convergem as questões funda-
mentais da ontologia, da cosmologia e da psicologia " 3º. Müller
complementa:

''A discu ssão em torno do statu s ontológico dos uni versais,


que alenta as obras de numerosos mestres medievais, abarca
não só o âmbito lógico, mas também o gnosio lógico e o
metafísico: trata- se de estabelecer a correspondênc ia entre o
conce ito e a realidade " 3 1.

No âmbito teológico , por exemplo, a questão surge através


do conhecido Triteísmo de Roscelino, como lembra Saranyana:

"Ao aplicar sua doutrina dos universais à Santíssima Trin-


dade, as três Pessoas divinas se co nverteriam em três indi-
víduos ou singulares independentes, como três deuses , ao
predicar-se o termo ou voz ' Deus ' de vários singu lares.
Então não haveria uma essência divina na qual pudessem
subsistir as três Pessoas " 32 .

° FRAILE . Guillermo.
3
Historia de la Filosojfo . Madr id: B.A.C. , 1960. t. II, p.
353-354 .
31
MÜLLER, Paola. "Introdução" . ln: Guilherm e de Ockham: Lógica dos termos.
Porto Alegre : EDIPUCRS-Univ. São Franci sco, 1999, p. 46 .
32
SARANY ANA. op. cit., p. 144.

Coleçãol=iiosofia- 125 25
PedtoLeiteJunior

Copie ton sugere, ainda, que, quando questionamo s sobre


o modo como se formam os conceito universai s, "(. .. ) aborda mos
. . I , . ,.1 3
o pro bl ema d.e maneir a pstco ogtca · .
A complexidade do problema dos universais expressa-se
pelas múltiplas facetas que oferece para estudá-lo. Mas , eja qual
for o âmbito e o modo como é examinado este tema , subjaz como
34
pano de fundo sua persp ectiva ontológica .

33
COPLESTO , op. ci r., p. 146.
34
Nosso objetivo, ao apontarmos alguma s áreas e alguns tipos de abordagem do
problema, é simples mente ilu trar a co mplexida de que a questão compo rta.

26 Coleçãof:ilo~ofia- 125
2

TIPOLOGIA DAS SOLUÇÕES 1

A partir do que anter iormente designamos esquema de


Po,fírio , parece possível traçarmos, didaticamente 2 , um perfil ge-

1
Não visamos, nesse estudo, realizar uma hiswriog rafia completa do problema
dos univer ais. Neste sentido, aprese ntamo em linhas gerais algumas concep-
ções em torno das quai s giro u o debate.
2
A expressão didcuicamente empregada. aqui, de modo proposital, carece de re-
g istro.
De mod o gera l, quando da aprese ntaç:'io das soluções propos tas para o problema
dos universais, essas são "nominadas··. As respos tas prop orcion adas pelos auto-
res encontram-se como que '·prenhes" da desinênc ia "-ismo", o que remete a
expressões do tipo: realismo. 1w11Ii11 alis1110,dictis1110
. vocalismo, co11cept11alis-
11w, etc. Tudo parece, assim, muito claro e devidamente catalogado. Entretanto,
uma questão que nos deixa inquieto ., é a eguinte: até que ponto, de fato, de-
terminado -ismo pode carac terizar verdadeiramente o posicionamento de deter-
minado autor? Pensamos, mesmo, que o próprio fato de utilizarmos certa no-
menclatura para caracterizar determinad o autor, é um tanto problemático. Ve-
jamos o caso típico. por exemp lo, de Pedro Abelardo. Seu pensamento, no que
respeita à questão dos universai s, recebe denominações diversas e, por vezes,
exc ludentes.
VIGN AUX (Nominalisme, col. 718) lemb ra que João de Salisbury refere-se à
doutrina de Abelardo co mo à seita cios nominalistas (110111i11alis sec ta). Ora , o
mesmo Vignaux, em seu artigo '·La problemá tique du nominali sme médiéva le
peut-elle éc lairer des probleme phi losophique ac tuels?" ln: Revue Philosophi-
que de Lo11vai11, 75, p. 293-33 l. 1977, incli na-se para uma opi nião proposta por
Nonnan Kretzmann no artigo "Medieva l log icians 0 11 the meaning of the propo-
sition ". ln : Jo11mal of Philosophy . LXVíl. p.767-787, 1970. segu ndo a qual
Abe lardo sustentar ia um dictismo (ou melhor o dictwn propositionis), isto é.
aquil o que diz a proposição. Outra denominação atribuída à doutrina de Abelar-
do é a de um realismo moderado, conforme Christian Wenin "La s ignificaii on
des uni versa ux chez Abélard."' ln : Revue Philosophique de Lo11vai11 , 80, p. 414-
448, 1982. Há, ainda, quem tome a posição de Abe lardo como um conceptua-
lismo, sob um determinado aspecto, e co mo um nominali smo , sob outro. É o
caso Guida Küng , em seu artigo "Abélard et les vues actuelles sur les univer-
saux." Abélard. Actes du Colloque de Neuchâtel , 16- 17 nov. ln : Cahiers de la
Revue de Théologie er Philosophie, p. 99- 118, 1981. Diante dessa div ers idade

Coleção f:ilosofia- 125 27


PedtoLeiteJuníot

ral das alternativas propo stas para o problema dos universais . A


formulação porfiriana da questão suge re uma dicotomia entre duas
concepções concorrentes.
Por um lado, aponta para uma determinada alternativa que
suste nta serem os univer sa is realidade s efetivamente existentes.
Como bem nos lembra Libera, a característica centraJ des sa so lu-
ção é "( ... ) uma assimila ção do universal a uma coisa extramen -
ta/" 3. É pertinente sublinharmos qu e tal concepção aprese nta-se
matizada . Entre os ditos realistas, alguns afirmam que os univer-
sa is têm uma existência real, sendo esta separada, anterior e ind e-
pendente das coisas se nsíveis. Esse po sicionamento di ante do pro-
blema pode ser denominado realismo exage rado, de realismo
grosseiro, seg undo Alféri 4, ou ainda de realismo platônico - devi-
do à sua estreita relaç ão com a doutrin a de Platão . Sobre esse ponto
alienta Michon : "( ... ) o pla tonismo é definido pelo comprom isso
ontológico a entidad es abstratas ... " 5• Outra per spectiva, também
dita realista , aprese nta uma ton alid ade mai s moderada, na medid a
em que confirma a existência do s univer sa is, embora tal existência
eja identificada com uma essê ncia comum compartilhada e pre-
sente apenas na coi sas se nsívei s. Sob esse ponto de vista, os uni-
versais existem nas coi sas e não independentes ou anteriores a ela s.

de denomin ações atribuída s ao pensamento de Abel ardo, ficamos mesmo inde-


cisos em e tabelecer a qual delas correspondem, de fato , a idéia deste autor.
Ora, não se trata, a partir desses exe mplos, de desq ualifi car mos o recur so hab i-
tual da utili zação dos -ismos. Chamamos a atenção unic amente para que , no
em prego desse recurso, estejamos ciente de que sua função é mera mente pro-
porcion ar uma ex posição mais clara e obje tiva de um quadro de soluções pro-
postas para o problema dos universais. Queremos dizer com isso que a classifi-
cação dos autores, por meio do uso dos -ismos, co nstitui somente um recurso
didático exp licativo.
Estabelecemos , portanto , que nosso interesse principal incide muit o mai s em
expo r as po ições própria dos autores do que determinarmos qual ou quais de-
nomina ções suas doutrinas possa m receber.
3
LIBERA. Alain de. A Filosofia Medieval. Trad . Nico lás Campanário e Yvone da
Silv a. São Paul o: Loyola, 1998, p. 428 .
4 '
ALFERl, op. cit., p. 43 .
5
Ml C HON , op. cit., p. 381.

28 Coleçãoi:-iloi:ofia
- 125
O ptobletnado~univet~ai~: a pmpectivade Boécio,Abelatdoe Ockharn

No primeiro modo de realismo, o univer sa l é considerado uma en-


tidade ante rem, no segundo, é tomado como in re.
De outro lado, concorre com a alternativa realista uma
concepção de universal conhec ida pela expressão nominalismo.
Conforme Goodman , o nominalismo pode ser definido
como "(. ..) a recusa em admitir alguma entidad e que não a indivi-
dua/"6. Colaborando com essa perspectiva, Jolivet escreve que
"(. .. ) a tese nominalista seria talvez 111 elhor denominada não-
7
realismo " •
A partir des sas noções, parece possível apontarmos duas
características que constituem aquilo que é passível de ser entendi-
do por nominalismo, a saber:
i) rejeição completa da existência de qualquer entidade
universal extramental, seja exter ior às coisas, seja en-
quanto realidade nas coisas ;
ii) afirmação de que na realidade extramental há unica-
mente os indivíduos singulares.
Importa notannos que, se essas características são tomadas
como definidoras daquilo que se compreende por nominalismo,
então uma determinada posição que apresente tais características,
ou pelo menos uma delas , pode ser considerada como nominalista .
Aparece aqui , como ocorre na concepção realista, uma certa mati-
zação.
Ora , uma alternativa que pode ser afirmada como nomina-
lista, ainda que extrema 8, é aquela que , negando a existência dos

6
GOODMAN. Nelson . The Struct ure o.f appeara11ce. 3. éd. Dordrecht: Reide!.
1977 . p. 26.
7
JOLIYET. Jean. Arts du /angage et 1/iéo/ogie chez Abélard. Paris: Yrin , 1969. p.
89.
8
Para alguns autores (G ILSON , Etienne. A Filosofia na Idad e Média. Trad . Edu-
ardo Brandão. São Paul o: Martins Fontes. 1995 , p. 288), o eminente rep rese n-
tante da alternativa nomi nali sta é verdadeiramente Ro sce lino de Compiegne
( 1050-1120). Há quem considere o nom inali smo de Ro sce lino como radical e
extremo, como YALCKE, Lou is. ·'Jntroduction". l n: GUILLAUME D 'OC-
CAM. Co111111entaire sur /e livre eles prédicables de Porph y re . Québec: Centre
d'Étude s de la Renaissance . Univers ité de Sherbrooke, l97 8, p. 20, e, também,
de SANJUÁN, Anselmo, PUJADAS , Miguel. 'Trad ucción y orientación didác-
tica " . ln : PEDRO ABELARDO . Diálogo entr e u,1 filósofo, w1 judiá y wi crisri-

Coleçãof::ilo~ofia
- 125 29
uni versais, toma-os como jlatus voeis isto é, como meras emissões
da voz. Peculiannente é dita nolllina/ista a po tura que considera
os universais não mais do que o significado dos nomes, ou seja,
110111i1111111
signiflcatio. Há, ainda, uma posição considerada genui-
9
namente 110111i11a/ista, não sem discussão , qu e, ao negar qualquer
existência real do universal , toma-o como um conceito da alma en-
quanto é sinal - signo , nome ou termo - pelo qual designam-se os
vários indi víduos singulares que compõem a realidade. Em outras
palavras, universal é um sinal lingüístico mental , dotado da capaci-
dade de ser predicado de muitas coisas. Sob essa perspectiva, uni-
camente têm exi tência real os indivíduo singulares, pois os uni-
versais não são entid ades efetivamente existentes, mas ape nas ter-
mos da linguagem.
Entretanto, entre essas duas alternativas concorrente , há
uma terceira via para o problema. Poderíamos dizer que é um a
concepção híbrida, na medida em que me ela elementos tanto do
realismo quanto do nominalis1110.Essa posição é conhecida como
conceptualis1110e é assim definida por Ferrater Mora:

'·ConcepLUalismoé definido como a posição segundo a qual


os univer ai existem somente enquanto conceitos univer-
sai em nos a mente - possuem esse obiectum - enquanto
idéias ab tratas. Não são realidades reais nem tampouco
meros nomes usados para designar entidades concreta . São
conceitos gerais. Usado como posição intermediária entre o
realismo moderado e o nominalismo"'º.

Em síntese, parece ser esse o quadro optativo gera l em tor-


no do qual travaram-se os debates medievais e as soluções propos-
tas para o problema dos universais.

ano. Zaragoza: Ya lde, [s.d.], p. 53. Entretanto , LI BERA (A Filosofia ... 1998, p.
322) utiliza a expressão vocalis1110para designar a doutrina de Roscelino.
9
BOEHNER , Philotheus. 'The Realistic conceptualism of William Ockham" . ln:
Collecred Articl es 011Ockha111, .Y.: Franciscan lnstitute Publication s St. Bona-
venture, 1958. p. 156-174, considera a posição de Ockham como um co11ceptu-
alis1110realista.
'º FERRA TER MORA. José. Diccionario de Filosofía. Buenos Aires: Sudameri-
cana, 1975.

30 ColeçãoJ:ilo~ofia
- 125
3
1
SEVERINO BOÉCI0

De acordo com Boehner2, Boécio é considerado "(. ..) o 1íl-


timo [pensador] ro111 a110 e o pri111eiro Escolásti co ... ", na medida
em que "(. .. ) sua obra serviu de intermediária entr e a Filosofia
grega e a Es colástica".
Foi através do comentário e tradução 3 da lsagoge de Porfí-
rio, feitos por Boécio , que o probl ema dos uni versa is difundiu- se
no mund o medieval. Diferentemente de Porfírio , que ao prop or o
problema evitou respo ndê-lo, Bo écio apresentou uma so lução e
julgou tê-lo reso lvido. Diz e le: "Deter111inadotudo isto, julgo que a
questão está reso lvida "~.
A que stão que levanta mos, agora, é a seguinte: sob qual
perspectiva Boécio tratou a questão dos universai ?
Um a hipóte se (passíve l de ser comprovada ou rejeitada) se-
ria a de admitirmos que a posição de Boécio incid e obre um ponto
de vista que designaremos com a expressão "ontognosiológica " .
Ontológica em virtude de admit ir a existência do s universai nas

1
Segundo in forma LIBER A (A ji losrifia ... , 1998. p. 250), Anício M.T . Severino
Boécio (480-524) nasceu em uma ilu stre família patrícia. Estudou filo sofia em
Atenas e. talvez, em A lexandria. Foi cônsul e depoi ministro de Teodorico.
Suspeito de conspiração em Constantin op la, foi preso e depois morto por ordem
do Rei . Conforme SARANY ANA (op. ci t., p. 79). Boécio tinha co mo obje ti vo
traduzir para o latim os escrit os de Platão e Aristóte les e as im mostrar , atravé
de uma síntese compreensível, que entre ambas as doutrin as havia um acordo
substancial.
2
BOEH ER, Phil otheus, GILSON. Eti enne. Histó ria da Filosofia Cristã. Trad .
Raimund o Vier. Petrópoli s: Voze , 1985, p. 209-2 1O.
3
U ma tradução do texto de Porfírio já havia sido produzida por M ário Vitorino
(t 380). Parece que, insati sfeito com a ver ão vitori ana, Boécio reali zou uma
nova tradução e comentou-a.
4
" Hi s igi tur terminatis omni s (ut arbitrar ) quaestio di ssluta est". BOÉC IO, PL 64,
85 D.

ColeçãoÍilosofia - 125 31
Pedto Leite Juniot

coisas (universalia in reb11s). Gno iológica enqua nto entendemos


por es a expre são o domínio do di cur o que trata da natureza e
origem do conhec imento em gera l. Ora, a investigação de Boéc io
incide sobre o modo como conhecemos e formamo os gêneros e
as espécies, ou seja , sobre sua natureza. Utilizando a noção de co-
munidade do universal - aq uilo que por similitude é comum a
muitos e está em muitos - Boécio parece garantir o caráter predi-
cativo dos universais.
Decompomos o texto de Boécio 5em quatro partes , as quais
passamos a descrever em linhas gerais.
1) De início 6 Boécio apre enta as que tões proposta por
Porfírio, núcleo do problema, chamando a atenção para o fato de
que se trata de um tem a difícil e, portanto, é preciso considerá- lo
com cuidado. Coloca, em eguida, o assunto que irá de envo lver:
"Os gêneros e as espécies ou existem e subsistem , ou são forma-
dos apenas pelo intelecto e pelo pensamento; mas gêneros e espé-
cies não podem existir ". 1
2) Após a exposição inicial do tema que irá tratar Boécio
desenvolve três argumento . Os doi primeiros refutam a tese de
que os gêneros e as espécies existam sepa rados das co isas sensí-
veis . O terceiro recusa a te e de que os univer ais ejam meros
pensamentos, isto é, intelecções da alma.
O primeiro argumento, centrado na noção de comun idade
dos universais, nega sua exi tência, na medida em que nega sua
unid ade . Ora , se tudo aquilo que existe é uno , e os universais, en-
quanto comuns a muitos , não são unos , então não existem.
Escreve Boécio:

"T udo o que existe ao mesmo tempo comum a muitos não


pode ser uno em si. Pois é de muitos o que é comum, espe-
cialmente quando uma e mesma coisa esteja toda ao mesmo
tempo em muitas; pois, não importando quão numerosas
sejam as espécies, em todas o gênero é um, e não como se

5
/d., ibid., PL 64. 82A - 86A.
6
!d., ibid., PL 64, 828.
7
"Ge nera et species aut sunt et sub i tunt , aut intellectu et so la cogi tatione for-
mantur, sed ge11era et species esse 11011possu111" . BOÉCIO. PL 64. 83A.

32 Coleçãol=iio~ofia
- 125
O ptobletnado~univet~ai~:a pet~pectiva
de lsoécio,Abelatdoe Ockhatn

as espéc ies singulares tomas em dele alg umas partes, mas


poss uind o cada uma , ao mes mo te mpo , todo o gênero ; pelo
que todo o gê nero não pode estar situado em muito s singu-
lares ao mes mo tempo ; nem, pois , pode se r o caso que, se n-
do em muit os ao mes mo tempo, em si mes mo seja um e m
núm ero. Porque se é ass im, não poderá ser um determin ado
gênero e, portanto, não será abso lutam ente nada. Pois tud o
o que é [es t], pela própria razão de ser [esse ] é uno, e o
mes mo co nvém se r dito da espéc ie" 8 •

Compl ementando este argument o, na seqü ência , Boéci o


acrescent a:

" Porqu e se algum gê nero é uno e m núm ero, não pod erá se r
comum a muitos ( ...); o gênero, porém, não pode ser co -
mum à es péc ie se nenhum a desses modos, pois deve ser
co mum de tal modo que es tej a todo nos singulare s, e ao
mes mo te mpo, e que sej a ca paz de constituir e conform ar a
substância' 9 .

O segundo argumento rejeita o caráter múltiplo dos univ er-


sa is, poi s tal multipli cidade remet eria a um regresso ao infinito .
Encontramo s expre sso aqui o argum ento do terceiro homem :

8
" Omn e enim quod commun e est uno tempere pluribu s, id in e unum esse non
poterit. Mult orum enim est quod commun e est, praesertim cum una atque eadem
res mul tis uno tempere tota sit ; quant:iecumque enim sunt species, in omnibu s
genus unum est, non quod de eo singulae species quasi partes ali quas carpant.
sed singulae uno tempere totum genus habeant: quo fit ut totum genus in pluri -
bus singuli s uno tempere positum unum esse 11 0 11possit ; negue eni m fi eri potest
ut cum in pluri bus totum uno sit sit tempere. in semetip so sit unum numero.
Quod si ita est, unum quidd am genus esse no11poterit . quo fit ut omnin o nihil
sit. Omn e e11imquod est, id circo est qui a unum est. et de specie idem convenit
di ci". BOÉC IO , PL 64, 83B .
9
" Quod si unum quoddam numero genus est, commun e mult orum esse 11 0 11pote-
rit ( ... ); Genus vero secundurn nullum horum modum co mmun e esse speciebus
potest: nam ita commun e esse debet, ut et totum sit in si11g uli s, et uno tempe-
re. et eorum quorum co mmune est co11 stit uere valeat et confo rmare substanti -
am'' . BO ÉCIO , PL 64, 83C-D .

Coleção J:ilo~ofia
- 125 33
PedtoLeiteJuniot

"Porque, e existe algum gênero (e espécie) múltiplo e não


uno em número, não haverá um gênero último , mas terá
outro gênero situado acima de si que inclua aquela multipli-
cidade em um vocábulo de seu nome, pois as im como
muitos animais, tendo algo simi lar, não são, todavia, o
mesmo, e por isso mesmo e buscam os eus gêneros - por- -
que o gênero, que existe em muitas coisas e por isso é múl-
tiplo , tem em si a similitude que é o gênero, não sendo, po-
rém, uno porque existe em muitos - assim também um ou-
tro gênero deste deve ser buscado e, ainda que fosse encon-
trado, pela mesma razão mencionada acima, por sua vez,
um terceiro gênero seria buscado; portanto, é neces ário
que a razão proceda ao infinito e que não ocorra termo al-
gum à ciência" 1º.

O terceiro argumento rejeit a os universais enqu anto apenas


pensados. Segundo Boécio, tudo aquilo que é concebido é conce-
bido a partir de algum objeto. Em outras palavras, só há uma inte-
lecção, se sob essa intelecção há um sujeito subordinado . Ora, se os
universais não são apreendidos de nenhum objeto, a intelecção que
geram na mente é vazia e falsa, na medida em que não con-esponde
ao modo como a coisa é na realidade. O próprio texto de Boécio o
esclarece:

" Mas se os gêneros, as e pécies e os demais [predicáveis]


são apenas concebidos pelos intelectos, já que toda intelec-
ção se faz, a partir do objeto, ou como a coi a é, ou como a
coisa não é, é vão o que é concebido de nenhum objeto,
pois não se pode fazer intelecção de objeto algum. Se a in-

10
" Quod sit est quidem genus ac species, ed multiplex, neque unum numero, non
erit ultimum genus, sed habebit aliud super e positum genus, quod iliam multi-
plicitatem uniu s sui nomini s vocabulo concludat: ut enim plura animalia quoni-
am habent quiddam símile, tamen non sunt, et id circo eorum genera perquirunt,
ita quoque quoniam genu quod in pluribus e t, atque ideo multiplex, habet sui
simi litu dinem quod genus est, non est vero unum, quoniam in pluribus est, ejus
generis quoque genus aliud quaerendum est, cumque fuerit inventum eadem ra-
tione quae superius dieta est, rursus genus tertium vestigatur; itaque in infinitum
ratio procedat necesse est, cum nullus disciplinae terminus occurrat". BOÉCIO ,
PL 64, 83C.

34 Coleçãol=ilosofia
- 125
O ptobletnados univetsais:a petspectivade Boócio,Abelatdoe Ockhatn

relecção dos gêneros, das espécies e dos demais [predicá-


veis] prov ém do objeto assim co mo é a própria coisa enten-
dida, aqueles j á não estão apenas situados no intelecto, mas
tam bém existem na verdade das coisas. E novam ente se
deve busca r qual é a natureza daquilo que a inve stigação
acima procurava; mas se a intelecção dos gê neros e dos
demais [predicáveis] é apreendida de alguma coisa não
como é a coisa submetida ao intelecto, neces sa riamente vão
é ser inteligida , já que é apreendida de alguma coisa, mas
não como a coisa é, poi s falso é o que é inteligido de outro
modo do que a coisa é" II •

O resu ltado desses argumentos coloca Boécio diante de


uma dificuldade importante que ele terá que solucionar. Se os uni-
versais, por um lado , não existem separados das coisas, visto que
não constituem nem uma unidade nem uma multiplicidade, e, por
outro lado , a intelecção que geram na mente é vazia e falsa , pois
que não há um objeto subordi nado, então deve-se abandonar essa
investigação. Ora , não há razão para seguir investigando sobre uma
coisa que não existe. Para resolver tal dificuldade , Boécio busca
um raciocínio que remete a Alexandre de Afrodísia , um dos co-
mentadores de Aristóteles.
3) A solução apresentada por Boécio é de cunho aristotéli-
co. Nosso autor, indica dois modo s pelos quais concebemos idéias ,
quer dizer, formamos intelecções na mente 12 , a saber:
a) por conjunção (composição);

11
"Quod si tantum inte llect ibus ge nera et pec ies cae teraque capiuntur, cum om-
nis inte llec tus aut ex re subjecta fiat , ut sese res habet, aut ut res sese 11011 hab et,
vanus est qui de nullo su bjecto capilur nam ex nullo su bjecto fier i intel lectu s
11011 potest. Si ge neris et speciei cae terorumqu e intellectu s ex re subjecta venial,
ita ut sese res ipsa hab et quae intelligitur, jam 11011 tantum intell ec tu po sita sunt,
sed in rerum etiam veritate con sistunt. Et rursus quae rendum est quae sit eorum
natura. quod supe rior quaestio vestigabat: quod si ex re quidem gene ris cae tero-
rumqu e sumitur intell ect us, negue ita ut sese res habet quae intellectus subjecta
est, vanum necesse est esse inte llectum , Qui ex re quidem sumitur , non tamen
ita ut sese re~ habet , id est enim fa lsum quod aliter atque res et intelligitur ".
BOÉCJO, PL 64 , 84 A.
12
BOÉCIO emprega indi stintam en te as expressões: ment e (mens), espírito (ani-
m11s)e intelect o (i ntellec 1us).

Coleçãoí=ilosofia- 125 35
PBdtoLBitB
Juniot

b) por divisão e abstração.


Boécio indica que , para haver uma intelecção na mente, é
mister haja um objeto subordinado, isto é, a mente só concebe algo
a partir de uma coisa existente na realidade. Entretanto, nosso autor
observa que nem toda a intelecção, formada a partir de algum ob-
jeto e que não seja como o própr io objeto é na realidade, é necessa -
riamente falsa e vazia.
Por um lado, não é legítima, ou seja, é falsa e vazia toda a
intelecção produzida por conjunção, quer dizer, quando é um pro-
duto que o intelecto compõe e une o que na naturez a não é permiti-
do ser unido . Boécio exemp lifica ta] caso: "(. . .) ningu ém ignora
que se produ za o falso, como se, por exemplo , alguém une pela
imaginação o cavalo e o homem e representa o centauro" 13.
Por outro lado , uma intelecç ão produzida por divisão é
abstração; ainda que não cotTesponda ao modo como a coisa é na
realidade, não é falsa. Boécio sublinha que existem co isas que têm
seu ser em outras, ou eja, exi tem em outras e não podem ser se-
paradas destas , pois , caso sejam separadas, não subsistirão . O
exemplo de Boécio é o da intelecção de uma linha. Ora, uma linha
existe omente em um corpo, pois, separada deste corpo, não sub-
siste. Assim, é no corpo que está a linha. Mas o espírito (animus)
apreende pelos sentido s tanto o corpo como a linha inerente a ele.
O intelecto procede a uma separação, i to é, por abstração concebe
mentalmente a linha isolada do corpo. Afirma Boécio:

"Mas o espírito [animus], apree ndendo em si, a partir do s


sentidos, as coisas confusas e mistas, distingue-as por sua
própria força e pensamento ( ...), cujo poder é compo r os
disjuntos e disso lver os compostos que são transmitidos
confusamente a partir dos sentidos e, junto com os corpos,
distingue de tal modo que contempla e vê a natureza incor-
pórea por si e se m [as coisas] corpóreas em que está co n-
cretiza da "14.

13
'"( ... ) nullus ignorat: ut si quis eq uum atque hominem jungat imaginatione, atque
eftig iet centaurum". BOÉCIO. PL 64, 84C.
14
"Sed animus cum confusas res permistasque corpo ribu s in se a sensibus cepit.
eas propria vi et cog itati one distinguit. ( ... ) cui potes tas est et disjuncta compo-

36 ColBçãoJ:ilo~ofia- 125
O ptoblernadoi: univGti:aii::a peti:pectivade Boécio, Abelatdo e Ockharn

Boéc io admite que ex istem co isas concebidas à part e do s


sensív eis, para que 's ua naturez a possa er examinada e suas pro-
priedad es possa m ser compreendidas'. Gênero e espéc ie, qu ando
co ncebido s, expressam a similitud e dos singul ares e m que estão
situado s, isto é, nos qu ais são comuns. Por exe mpl o: a hum anidad e
ex pre ssa a seme lhança que há entre os homen s sing ulares, ainda
que estes sej am dif ere ntes numeri ca mente entre si. Assim, quando
a similitude entre os homens é inteligida pela mente, produ z-se a
espécie. Quando, por é m, é considerada a semelhança entre di versas
espécies, produz-s e o gê nero. Entretanto, gênero e espécie estão
situad os nas coisas sensíve is. Escreve Boéc io:

"( ...) e não se deve considerar a es péci e nada mais do que o


pensam ento co lig ido da similitude substancial dos indiví -
duo s dissí miles em núm ero, e o gênero é o pensamento co-
lig ido da similitud e das espéc ies. Mas esta similitud e,
quando está nos singulares, se faz sensível; quando nos
uni versa is, se faz inteligíve l, e do mes mo modo que, quan-
do é se nsíve l p ermane ce nos singulares, quando é inteligi-
da, se faz universa l. Sub sistem, portanto, nos se nsív e is; são
inteligidos, por ém , fora dos corpos ( ...)" 15•

Boéci o julg a ter resolvido o problema dos gê neros e das


espécies colocado por Porfírio, expondo deste modo sua solução:

" ( ... ) os gê neros e as es péc ies subsi stem de um modo, são,


por ém, intelig idos de outro modo ; e são incor porai s, mas
subsistem nos se nsíveis, junto co m os se nsíveis . São inteli-

nere et co mp os ita di ssolve re, quae a sens ibu s co nfu sa et co rporib us conj unc ta
traduntur, ita distinguit ul in incorpoream nalllram per se ac sine co rp orib us in
quibus es t concreta, et speculetur et videat". BOÉCIO, PL 64, 84D.
15
"( . .. ) nihiqu e aliu d species esse pu tand a e st, nisi cog itat io col lecta ex indi viduo-
rum di ss imilium num ero substantia li similitudin e, ge nu s vero cog itatio co llec ta
ex specierurn simil itudin e . Sed haec similitud e c um in si ngul aribu s est, fit se n-
sibi lis; cum in univ e rsa libu s, fit inte lligibi lis; eode mqu e modo c um se nsibili s
es t, in sing ul aribu s permane t, cu m inte llig itur , fit universalis . S usis lllnt ergo c ir-
ca se nsib ili a. inte lligun tur a utem praeter corpora( ...)". BOÉCIO, PL 64, 85C.

Coleçãol=iloi:ofia
- 125 37
PedroLeiteJunior

gidos, porém , fora dos corpos, como por subsistênc ia pró-


pria e não tendo em outros eu ser" 16.

Percorrido o texto boeciano, parece possível confirmarmos


nossa hipótese, segundo a qual Boécio trata do problema dos uni-
versais sob uma perspectiva onto-gnosiológica. Os universais são
considerados como res universales com fundamento na realidade.
Gêneros e espécies encontram sua natureza, origem e localização
na próprias coisas sensíveis. É pelo fato de conhecermos a seme-
lhança (aliquod commune), que há e está situada nos objetos ex-
·trame ntais, que for mamos mentalmente por abstração as noções de
gênero e e pécie. Em outras palavras , ó é possível produzirmos na
mente as noções de gênero e espécie à medida que há na realidade,
junto aos ensíveis, algo universal comum a vários. A possibilidade
de predicarmos o mesmo de co isas numericamente distintas parece
decorrer do fato de conhecermos e inteligirmos aqui lo que exis te
de comum entre as diversa coisas sensíveis. Ora , a possibilidade
de afirmarmos que Pedro, Pau lo, Manuel e tantos outros indivíduos
são homens é gara ntid a por algo comum - a humanidade - que se
enco ntra em cada um deles.
4) Concluímos a quarta parte do texto, ressaltando que a
própria solução proposta por nosso autor parece dúbia para ele
mesmo. Ao comparar o posicionamentos de Platão e Aris tóte les,
Boécio manteve-se indeci o e vacilante , mas cuidadosamente se-
guiu , naquele momento, a op inião do Estag irita:

"Platão julga que os gêneros, as espécies e os demais [pre-


dicáveis] não apenas são inteligidos como universais, mas
também que são e subsi stem fora dos corpos. Aristóteles
julga, porém, que são inteligidos como inco rporais e uni -
versais , mas que subsistem nos sensíveis. ão considerei
adequado decidir entre as suas opiniões. ( ...) Seguimos mais
cuidadosamente a op inião de Aristóteles de modo algum

16
" ( •.• ) genera et species sub si tunt quidem alio modo, intelliguntur vero a lio
modo, et sunl incorporalia. sed sensibilibus juncta subsi stuinl in sensib ilibus.
lntelliguntur vera praeter corpora , ut per semetip a susistentia, ac non in aliis
e se suum habentia". BOÉCIO . PL 64. 85D - 86A.

38 Coleçãor::ilo
sofia- 125
O ptoblernados univmais: a petspectivade Boécio, Abelatdoe Ockharn

porq ue a aprovemos, mas porque este livro e escreveu para


as Categorias, de qu e Aristótele s é o autor" 17 .

A he itação de Boé cio entre o pen sa mento de Platão e o de


Ar istóteles parece tê-lo aco mpanh ado ao longo de sua ca rreira in-
telectual. Saranyana lembra : "Somen te ao ji"nal de sua vida have ria
de decidir-se claram ente a favor do plato nismo" 18• Essa opção
pe la doutrin a platônica encontra-se expressa, por exemplo, no livro
V de sua obra A Co11. so lação da Filosof ia :

"Quando a luz bate nos olhos, ou um grito ressoa nos ouvi-


dos, então o vigor da alma se reanim a, incita as image ns
que po ssui em seu interior se me lhantes a tai s movimento s,
ada pta- as aos sinais vindos do ex terior e assoc ia essas ima-
19
gens às formas diss imulada s no interior .

A indecisão de Boéc io, segu ndo G ilson 20 , foi retratada no


séc ulo XII por Godofredo de São Vítor (t 1194) , através da se-
guint e inscriç ão:

"Ass idet Boethius , stupens de hac lite,


Audiens quid hic et hic assera t peri te,
Et quid cui faveat 110 11 discernir rite ,
Nec praesu mit solve re !item defin ite" 2 1•

17
"Plato genera et species caeteraque non modo intlligi universalia, verum etiam
esse atque propter corpora subsistere putat: Ari loteies vero intelligi quidem in-
corpora lia atque universalia, sed subsistere in sen. ibilibus putat, quorum dijudi-
care sententias aptum esse 11011 duxi. Altioris enim est philosophiae. id circo
vero studiosius Aristotelis sententiam exsec uti sumus, non quod ea m maxime
probaremu s, sed quod hic liber ad praedicamenta conscriptus est, quorum Aris-
toteles auctor est". BOÉC IO. PL 64, 86A.
18
SARANY ANA, op. cir., p. 82.
19
ANÍClO M.T.S. BOÉCIO . A Conso la ção da Fi/ oso_fia. Trad. William Li e Pref.
Marc Fumarnli. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 147.
20
G ILSON, op. cit., p. 166.
21
"Está assentado Boécio. estupefato a respeito desta discussão/ ouvindo o que
este e aquele/ e que não discerne correwm ente a quem favorece. afirma com
propriedade/ nem pretende solucionar definitivamente a discussão" .

Coleção f:ilosofia- 125 39


4

PEDRO ABELARDO 1

4.1 O contexto de Abelardo

Fazendo referência ao éculo XII, ascimento 2 assinala


que, se, por um lado, é questionável debatermos sobre urna poss í-
vel renasce nça carolíngia, por outro lado, é praticamente unânime a
acei tação de urna Renascença do século XII.
Nessa perspectiva, surge um personagem de prim eira gra n-
deza: Pedro Abelardo . A importância de Abe lardo fica mani festa,
quando Libera 3 refere-se ao éculo X fI como o século de Ab elardo
e da Dialética. Impõe- se, desse modo , a figura do cavaleiro da di-
alé tica, expressão utili zada por Mas 011 4 .
De acordo com Estevão, "Abe lardo foi esse ncial111e11te um
lóg ico " 5 . Tal afir mação pode ser confirmada a partir das próprias
palavras de Abelardo:

"( ...) renunciei comp letamente a corte de Marte para ser


ed ucado no regaço de Min erva. E, visto que e u prefer i as
armas dos argumen tos dial éticos a todos os ensinamentos

1
Não é de nos o intere sse, neste estudo. rea lizar uma historiografia do tipo "v ida
e obra de Pedro Abelardo", mesmo porque. confo rme BOEHNER, G!LSON
(op. cir.. p. 295): "A obra de Abelardo é in eparáve l de sua vida" . Existem inú-
meras obras que retratam a vida e o pensamen to de Abelardo, e e le próprio redi-
giu uma autobiogra fia denominada Historia cala111i talllm mean1111(História das
min has ca lamid ades), onde descreve os fatos mais marcames de sua vida.
2
NASCrME TO , /11trod11ção .... p . 33.
3
LIBERA, A.filosofia ..., 1998. p. 307.
4
MASSON, Fran ço ise. "Abé lard" . Jn: Dictio1111 aire eles philosoph es. HUISMAN ,
Denis (org.). 2. ed . Paris: Presses Universitaires de France, 1993, v. 1, p. 11.
5
ESTEVÃO, José C. A Ética de Abelardo e o /11divíd uo. Dissertação de Mestra-
do. São Paulo: PUC , 1990 , p. l O1.

~ofia- 125
ColBção l=iio 4]
PedtoLeit1duniot

da filosofia , troquei as outras armas por essas e antepus os


choques das discussões aos troféus das guerras" 6 .

Mas , o que podemos entender por lógica ou ainda por ló-


gico, à época de Abelardo ?
De modo redundante, poderíamos dizer que significava ser
um dial ético; todavia , isso não nos acrescenta muita coisa. Abelar-
do foi designado por João de Salisbury7 como Peripatético do
Pallet 8 . É sugestivo que , nesse contexto , o termo Peripatético fosse
equivalente a lógico, ou ainda a dialético. O próprio Abelardo refe-
re: "(. .. ) no entanto, chamo de Peripatéticos os dialéticos ou não
importa quais argumentadores (...)" 9.
Fumagalli ' 0 informa-nos que, por essa época, o ensi no da
lógica era denominado Dialética , conquanto Masson 11 nos advirta
de que a Dialética era mais uma parte da lógica, mas por vezes
confundida com ela .
Devemos recordar que fazia parte da formação intelectual ,
à época de Abelardo, o estudo das chamadas artes liberais, dividi-
das em:
i) artes reai s ( quadrivium), constituídas pela Mú ica,
Aritmética, Geometria e Astronomia;
ii) artes do discur o (triviu111),compostas pela Gramática,
Retórica e Dialética (ou Lógica).

6
PEDRO ABELARDO. História das minhas cala111idad es. ln: Coleçcio Os pen-
sadores. Trad. Ruy A. da Costa Nunes. São Paulo: Abril Cultural, 1973, v. VU,
p. 250.
7
JOÃO DE SALISBURY. Metalogicon. In: Patrolo gia Latina, CXCIX. Pari s:
Migne, 1885, col. 823 - 946.
8
Abelardo (1079 - 1142 ) nasceu em Bourg du Paliei, na Bretanha, próximo a
Nantes. Advêm do se u loca l de nasc iment o exp ressões como Peripat ético Pa/a-
1i110ou simpl esmen te Pa/mi1111s.
9
"( ... ) Peripateticos autem dialecticos seu quoslibet arg um entatores appellat". LI,
8,41.
JO FUMAGALLI, Mar ia Teresa, PARODI, Massimo. S1oria della Filosofia Medi-
eva fe. Bari: Editori Laterza, l 998 . p. 168.
11
MASSON, op. cit., p. LO.

42 Coleçãol=ilo~ofi:i
- 125
O pwblernados univetsais:a petspectiva de lsoécio, Abelatdoe Ockharn

12
O estudo da Dialética , no sistema educativo medieval ,
adquiriu pleno destaque frente às demais áreas de pesquisa . Tor-
nou-se um domínio do saber que asseg urava ao homem, de um
modo racional , a po ssi bilidad e de di sce rnir o disc urso ve rdadeiro
do fa lso. Sua importân cia ficava manif esta, na med ida em qu e era
utilizad a na interpret ação de tex tos , prin cipalmente os da Escritura .
A Dial ética era empregada para um a análi se racional de probl emas ,
inclu sive os do âmbito da Teo log ia. Ora, um certo racionalismo
propo sto pela Dia lética gero u uma reação, por parte da Teolo gia,
remetendo a uma polêmica entre di aléticos e antidialéticos. Os di-
alético s pod em ser representados por Berengá rio de Tours (t l 088)
e Anselmo de Besata (tl0S0 ), enqu anto São Pedro Damião (1007-
1072) aparece como o gra nde antidi alético. Não podemos deixar de
referir , ainda que sucintamente, a intervenção de Santo An se lmo
(l 033 - 1109 ) como mediador nessa co ntrovér sia. Segundo Sa-
ranyana 13, Santo Anse lmo ass umiu um a posição de equilíbrio na
di scussão entre dial éticos e antidi aléticos. Frente aos prim eiros,
afirma a prim azia absoluta da fé; contra os seg undo s, sustenta a
razão como meio para co mpree nsão da fé . A bu sca da verdade
deve consistir em prim eiro crer nos misté rios da fé antes de disc utí-
los pela razão; dep ois esforça r-se pe la razão por compreender
aqui lo em qu e se crê. Não dar prec edênci a à fé, como faze m os di-
alét icos é pres unção ; não ape lar em seg uid a para a razão, como os
antidi alético s, é neg ligê ncia. Sobr e a Dialética refere Weinber g:

"O o utro problema que determi nou a configuração da Teo-


logia dos séculos X I e X II foi o papel que desempenhou a
Dialét ica no debate filosófico- teo lóg ico . Ho uve autor es que
propuseram a ap licação de regras lógicas de infe rência aos
problemas do dogma re ligioso ( ... )" 14•

12
Ver em LÉRTORA MENDOZA, Ce lina A. ·'Dial ética medie va l ou a arte de
discutir científica mente' '. ln : MONGELU , Lênia M. (org.). Tri vium e Quadri-
: As arte s liberais na Idade Média . Co tia: fbis, 1999 , p. 113- 158.
vi111n
13
SARANYANA , op. cit., p. 123-124.
14
WE INBERG . Juliu s. Br ei·e his1o ria de la Filosofia Medi eva l. Madrid : Cá tedra.
1987, p.67.

Coleção~ilosofia- 125 43
Pedw leite Juniot

O lógico (ou dialético), então, era aquele que considerava a


Dialética como o campo privilegiado do saber. Nesse sentido, prio-
rizava sua utilização, isto é, uma anál ise estritamente racional
(eminentemente humana), na avaliação das questões, tanto no âm-
bito humano quanto no divino. Ora, Abelardo manifesta-se um ló-
gico, na medida em que, como sublinh a Fumagalli, "( ... ) assegura
para a Lógica, quer uma autônoma função de busca da verdade,
quer uma primazia sobre as outras disciplinas"; e acrescenta ain-
da: "(. .. ) Abelardo tem um conceito de Lógica bastante rigoroso
que constitui sua contribuição mais original para a história do
pensamento de sua época " 15•
Uma questão pertinente que podemos levantar é a seg uinte :
em que contexto lógico Abelardo estava inserido? Mais precisa-
mente: quais eram os materiais didáticos (lógicos) disponíveis para
o estudo da Lógica?
Segundo registra Müller 16, o momento fundamenta l do
desenvolvimento da Lógica medieval pode ser representado pelo
ingresso do Corpus Aristotelicum de Lógica nas universidades oci-
dentais latinas, a saber: Paris e Oxford. Esse fato parece marcar o
ponto de referência de uma divisão cronológica, geralmente aceita,
em três períodos da Lógica na Idade Média. Devemos observar,
como aponta Bochenski, que "a Lógica não apresenta um desen-
volvimento linear contínuo, mas a imagem de sua trajetória histó-
rica é a de uma linha interrom.pida" 17.
De início, é possível dividir a Lógica medieval em Antiqua
e Modernorum. Sobre a Lógica dos modernos escreve Libera:

"( ...) os lógicos do final do século Xll e início do século


Xlll chamaram de lógica dos modernos, 'Logica Modemo-
rum', o conjunto dos conceitos, tratados, métodos, regras
ou distinções que acrescentaram ao Organon " 18.

15
FUMAGALLI , PARODI , op. cil., p. 169.
16
MÜLLER, op. cil., p. l l .
17
BOCHENSKI, Inocêncio M. His1oria de la Lógica Formal. Madrid: Gredos,
1966, p. 21.
18
LIBERA. A filosofia ..., 1998, p. 385.

44 ColeçãoÍilosofia- 125
O pwblerna dos universais: a perspectivade lso~cio,Abelardo e Ockharn

Esta Lóg ica desenvolveu-se a partir do ingresso comp leto


das obras lógicas de Aristóte les no Ocidente latino (Gui lherme de
Ockham, por exemplo, está inserido neste co ntexto).
A Logica Antiqua, po r sua vez, subdiv ide-se em Log ica
Vetus e Logica Nova.
A Logica Nova, cons titu ída na metade do séc ulo XII, é
marcada pela reorganização dos textos aristotélicos que começa-
vam a surgir nas univer sidades, redescobe rtos nas traduçõe de
Boécio ou trazidos pe los árabes. A caracter ística principal dessa
19
" nova Lógica", conforme Müller , é a de que a Lógica passa a ser
concebida como um instrumento (organon) a serviço das outras ci-
ênc ias - a Lógica torna-se propeélêutica.
A Logica Vetus estava centrada basicamente na interpreta-
ção e nos comen tários às obras conhecidas de Aristóteles. A esse
respeito esc larece- nos MUiler:

"Por logica vetus entende-se a interpretação ta rdia antiga


dos textos aristoté licos de lógica conhecidos (Ca tegorias e
Sobre a Interpretação), transmit idos pelos co men taristas
neoplatônicos, sob retudo estóico s. As indagaç ões lógicas se
refo rçam com repertório s enciclopédicos compi lados por
autores como Marc iano Cape la, Cassiodoro e Isidoro de
Sevi lha" 2º.

Complementam, ainda, os materiais de es tud o lógico as


obras de Boécio, como , por exemp lo, a tradu ção e co mentário à
lsagoge, de Porfírio, e outros comentár ios de textos de Aristóteles.
De acordo com Wenin 2 1, Abelardo es tava vincu lado à Lo-
gica Vetus, ou seja, a um contexto lóg ico de ordem aristotélica , e
isso parece ter influenciado seu pen sa mento . Sobre esse ponto aduz
Gi lson:

19 ••
MULLER, op. cit., p. 12.
20
[d., ibid.
21
WEN IN, op.cit., p. 414.

Coleção ~ilosofia- 125 45


PedtoLeiteJuniot

"Os tratado s de Boécio que ele come nta estão constante-


mente diante de seus olhos, mas longe de se deixar con-
quistar pelas tendê ncias platônicas dos mes mos, co 1Tige-os
cie ntemente no sentido de que crê ser o verdadeiro pensa-
mento de Aristóte les, e que de fato, o é por vezes, mas que
, . ' ??
é sempre o seu propno --.

4.2 O problema para Abelardo

Desde a so lução proposta por Boécio (séc ulo VI) para o


problema dos universais até à época de Abelardo (sécu lo XIT), há
um exte nso espaço de tempo. Entretanto, nesse períod o qu e separa
um do outro, o tema so bre os uni versais mantev e-se em pauta.
A que tão que aprec iamos agora é a seguinte: qu al era a
situaç ão do prob lema, qu ando Abelardo interveio na controvérs ia?
A formu lação cláss ica continuava se ndo as qu es tõe s pro-
postas por Porfír io. Abelardo defrontou-se com um a disc ussão,
provind a do séc ulo XI, qu e polariz ava radicalm en te dua s posiçõe s
as quai refl etia m os ex trem os em que osc ilou a que stão.
De um lado , Rosce lino de Compiegne ( 1050 - 1120), que
foi me stre de Abe lardo, suste ntava que os uni versa is (gêneros e es-
péc ies) não passavam de jlatus voeis, isto é, meras emissões de
voz. Isso signi ficav a que o univ ersais redu zir-se- iam à materiali-
dade física das pala vras, ou seja, aos se us co mp one ntes materi ais
(letras e sílabas). Ora , devemos ter em co nta que a exp ressã o vox
em Rosce lino tem um sentido meramente físico . Roscelino, desse
modo , negava radicalmente a realidade do s univer sais. Gil so n
complementa:

"Para ele, o termo ' homem' não designa nenhum a rea lidade
que seja, em qua lquer gra u, a da espécie humana. Como to-
dos os outros unive rsais, este co rrespond e apenas a dua s re-
alidades concretas, nenhuma das qu ais é a da espéc ie. Por
um lado , há a realidade física do próprio termo, isto é, da
palavra ' homem ' tomada co mo flatus voe is, ou emissão de
voz; por outro, há os indi víduos humanos que essas pala-

22
GILSON , op.cil., p. 344.

46 Coleção l=iiosofia
- 125
vras têm por função significar. E não há nada mais que se
encontre por trás dos termos que utilizamos" 23.

De outro lado , Guilherme de Charnpeaux (t 1121 ), de


quem Abelardo também foi aluno, defendia a concepção de que os
universais eram "essências mat eria is com uns " que constituiriam
tanto as espécies como os indivíduo . Haveria, então, uma essência
material - res universalis - que subsi stiria sob as determinações
particulares .
Abelardo, assim, tinha diante de si dua s alternativas opos-
tas:
i) ou tomavam-se os universais como coisas (res);
ii) ou como meras palavra s (voces).
Foi, a partir dessa dicotomia, res-vox, que nosso Magister
Palarinus analiso u a questão: "Uma vez que é certo serem os gêne-
ros e as espécies uni versa is, (. ..) indaguemos se estas se aplicam
'
apenas aspa lavras ou, tam b em,
, as ' coisas
. ,,24 .
Diante dessa polarização, res-vox, uma hipótese razoável
de trabalho (que poder á ser confirmada ou refutada) é a de que o
Magíster desloca o problema dos universais do nível ontológico
(universal como coisa) para um níve l semântico (universal como
palavra). Entendemos aqui a expressão "níve l semântico" enquanto
domínio do discurso que se ocupa com a questão da significação
das palavras 25. Esse domínio semântico parece justificar-se (como
veremos mais ad iante), na medida em que uma das dificuldades ,
talvez a principal , que Abelardo enfrenta, diz respeito à possibili-
dade da significação das palavras univer sa is.
Nossa descrição da posição de Abe lardo 26 frente ao pro-
blema está dividida em doi s momentos , designado por duas ex-
pressões nada originais.

23
/d ., p. 289.
24
"E t quoniam genera et species universalia esse constat, ( ... ) utrum hae so lis vo-
cibus seu etiam reb us (conve niant), perquiramu s". LI , 9, 13-17.
25
Segundo FERRATER MORA (op . cit., p. 634-635), semântica é o estudo que
trata das significações das palavras.
26
Apresentaremos a posição de Abe lardo expressa em sua obra Logica !11gredi-
e11tibus.

Coleção l=ilosofia
- 125 47
PedtoLeiteJuniot

No primeiro momento, Pars destruens (parte destrutiva),


expomos basica mente , em linha s gera is, as críticas de Abelardo a
algumas teorias que sustentam , seja isoladamente, seja co letiva-
mente, uma res universalis (co isa univer sa l).
No seg undo momento, Pars cons truens (parte construtiva),
apresentamos a solução proposta pelo Magister Palatinus para o
problem a.

4.3 Pars destruens: As críticas

Este é o moment o no qual Abelardo examina e rejeita as


teorias que atribuem os universais às coisas - res universalis.
O pano de fundo do debate remete às questões formu ladas
por Porfírio e que são retomadas por Abelardo 27 . Lembra, ele, ain-
da, que sobre esse tema é possível sere m formuladas outras ques-
tões, também de difícil solução, como, por exemplo:

"( ...) aquela a respe ito de qual seja a causa comum da im-
posição dos nomes universa is, quer dizer , aquela de acordo
com a qual coisas div ersas se reúnem; ou ainda aquela a
respeito da intelecção dos nomes univ ersais pe la qual ne-
nhuma coisa parece ser concebida, nem parece que, pela
palavra univer sa l, se trate de alguma coisa; e muita s outras
difíceis" 28 .

A colocação dessas outras questões parece indicar, desde o


início, as dificuldades que Abelardo terá de enfrentar, isto é, justi-
ficar a possibilidade de atribuição das palavras unjversais , através
tanto do problema de qual é a causa comum da imposição de um
nome universal quanto da natureza das intelecções que eles geram.
Abelardo complementa o quadro do problema , acrescen-
tando uma quarta questão para ser resolvida:
27
L l, 7,25-8,23.
28
"( ... ) sic ut est ilia de com muni ca usa impositionis univ ersa lium nominum qua e
ipsa sit, secundum qu od scilicet res di versae conve niunt, ve l ilia etia m de inte-
llect u universalium nominum , quo null a res concip i videtur nec de aliqua re agi
per univ ersa lem voce m, et aliae multae difticiles". L [, 8, 12-16.

48 ColeçãorHosofia. 125
O ptoblernados univetsais: a petspectivade Bo~cio,Abelatdo e Ockharn

"( ...) será que tanto o gêneros como as espécies, enquanto


ão gêneros e espécies, têm necessariamente de ter alguma
coisa subordinada atravé da denominação ou se, destruídas
a própria s coisas denominadas, então o uni versal poderia
constar da significação da intelecção , como este nome
' rosa' quando não há nenhuma das rosas às quais é co-
mum" 29.

A questão colocada por Abelardo pode ser formulada do


seg uinte modo: é necessário que exista na realidade "a lguma coi-
sa", ou uma res universalis , que corresponda ao nome universal? E
ainda: um nome univ ersa l pode ter sign ificação (gera r uma int elec-
ção na mente), mesmo que não tenha, na realidade, nenh um objeto
ubordinado ?
A elaboração dessa questão parece remeter a uma distinção
entre dua s funções semânticas das palavras, a saber:
a) uma funç ão significativa (significare), com se ntid o in-
tencional, isto é, a palavra enq uanto gera um conceito
na mente;
b) uma função referencial (110111inare), com sentido exten-
siona l, ou seja, a palavra enq uanto nomeia (des igna, re-
fere) um objeto.
Podemos, então, refor mular a questão desta mane ira: um
nome uni versal pode ser sign ificativo, ainda que não cumpra sua
função referencial?
Abelardo responde às quatro que stões, no fim de seu texto,
após ter desenvolvido sua noção de universal.
O ponto de partida na pars destm ens (e que subjaz às suas
críticas) está centra do em dois dad o .
Por um lado, como as inala Bertelloni, há "(. .. ) w11acon-
vicção ontológica que é quase um axioma e cuja validade é a de

29
'"( ... ) cilicet utrum et genera et species, quamdiu genera et species sunt, necesse
sit subiectam per nominationem rem ali quam habere an ipsis quoque nominatis
rebu Je tructis ex significatione inte ll ectus tunc quoque possit universale con-
sistere, ut hoc nomen ·rosa', quando null a est ro arum quibus comm une sit". L
I, 8, 18-22.

Coleção f:ilosofia- 125 49


PedtoLeiteJuniot

um princípio: a radical individualidade de todo o real " 3º. A esse


respeito acrescenta Vanni Rovighi :

"( ...) dizer que todo o ser real é individu al quer dizer im-
plesmente que todo o ser rea l é determinado, isto é, que é
idêntico a si mes mo; ( ... ) trata-se do princípio primeiro da
31
onto logia: o princípio da identidade " .

Assim, o primeiro dado de que Abelardo dispõe é que


"toda a realidade é individual ".
O seg undo dado , por outro lado , repousa sobre a própr ia
definição de universal , isto é, o uni versal é aquilo que é predicado
de vários - pra edicabil e de plurib11s.
Abelardo, entret anto, con stata uma ce rta amb igüidade
quanto à interpre tação da definição de universal , pois as auctorita-
tes atribuíram , ao que parece, os universais tanto às palav ras como
à coisa s. Para dirimir tamanha ambigüida de, ele dev e, então, in-
vestigar sobre a possibilidade ou não da aplic ação dos univer sais às
coisas. Escreve Abelardo: "(. ..) deve-se investigar de que man eira
a definição de universal pode ser aplicada às coisas" 32 . Ora, a
questão pode ser formulada nestes termos, conforme sugere Berte-
lloni: "(. ..) como compatibi lizar aquela definição do universal
como 'predicado de vário ' (inte1pretada ontologicamente) com o
princípio (também ontológico) da absoluta individualidade de todo
o rea/ ?" 33 .
A tarefa de Abelardo, realizada através de uas críticas,
consistirá em mostrar a impossibilidade de uma interpr etação on-
tológica da definição de universal, i to é, mostra r que não há coisas
univ ersais.

30
BERTELLONI , C.F. "Par s de truen s. Las críticas de Abelardo ai Rea lismo en
la 1° parte de la Logi ca fngredientibu s". ln : Patri stica e/ Mediaeva /ia . Bueno s
Aires ,YII , 1986, p. 55.
31
VANNJ ROYIGHJ , op. cit., p. 2 1-22.
32
.. ( ... ) quaerendu m est , qualiter rebus detinitio univer sa lis poss it aptari ". L l.
10,8-9.
33
BERTELLONI. Pars destruens ... , p. 55.

50 Coleção f:ilo~ofia
- 125
O ptoblerna dos univetsais: a petspectivade lsoécio, Abelatdoe Ockharn

Ob ervamos, com Yanni Rovigh i34 , que a noção subj acente


à refut ação abe lardi ana pode ser resumida da seg uinte maneira:
ad mitir uma res uni versal leva a uma realidade co ntraditória , isto é,
no me mo objeto e ao mesmo temp o, subsi tiria uma rea lidade sin -
gu lar e um a univer sa l, o que parece contrar iar tanto o princ1p10
ontológico da identid ade quant o o princípio lógico de não-
co ntra dição.
Abelardo inau gura seu exa me crí tico 35 , escrevendo: "Ou-
çamos, portanto, como chamam de universa l uma só coisa ou uma
coleção e apresentemos todas as opiniões de todos "36. E, apresenta
deste modo a primeira teoria examinada 37:

"( ...) a respeito da comunidade dos univ ersais, ele [Cham-


peaux] era da opi nião de que a mesma coisa existia essenci-
al e, ao mesmo tempo, inteiramente em cada um do seus
indivíduos , dos quais, por certo, não haveria nenhuma di -
versidade na essência a não ser a variedade na multipli cida-
de dos acidentes" 38.

Essa teoria , comumente desig nada pela expressão "essê n-


cia mat erial "39, con ce be uma res universalis como uma substância
material única e pre sente nos múltipl os indivíduos que se diferen-
ciam entre si por seus acidentes (form as). Por exemplo: Pedro e
Manuel são distinto s nume1icam en te e em virtud e de que cada um
possui seus próp1ios acidentes. Mas, Pedro e Manuel são esse nci-
almente (essentialiter) um e o mesmo , na medida em que existe em
cada um dele s um a únic a e mesma essência material : homem . Ora ,

34
VANNT ROYIGHJ, op. cit., p. 22.
35
Desc reve mos de modo ba tan te ge ral, q uase panorâmico, as críticas de Abelar-
do, visto que nosso intere se está voltado mai s para a parte const rutiva , na qu al
encontra-se a so lução para o prob lema.
36
"Qu omodo ergo vel rem unam ve l co llec tionem uni versa le appe llant, audia -
mus atque omne o mni um op iniones ponamus ". LI. 10, 15-16.
37
Em ua obra História das minh as calamidades , p. 25 1, Abelardo cita Guilh erme
de Champea11x co mo defe nso r de ta teoria. Já na Lógica para principiantes, p.
46 , atribui essa teoria a "alg uns".
38
PEDRO ABELARDO. História das minh as ... , p. 25 l .
39
LIB ERA. A filosofia ... , 1998, p. 322.

Coleção J:°ilosofi
a - 125 51
se esses indivíduos fossem desprovidos de seus acidentes, perma -
neceria ainda uma substância essencialmente a mesma (eadem es-
sentialiter materia) a ambos.
Contra essa doutrina Abelardo levanta quatro argumentos 40
os quais visam mostrar:
i) que ela nega a oposição dos contrários ·
ii) que nega a diversidade dos eres;
iii) que nega a multiplicidade das coisas, e
iv) que desconhece as noções de substância primeira,
substância segunda e acidente.
Apresentamos, resumidamente , o primeiro desses argu-
mentos. Conforme anota Bertolloni 41 , Abelardo apela à autoridade
da física para sustentar sua objeção. Ora, física é entendida aqui
como filosofia natural, cujo âmbito é a natureza das coisas (natura
rerum). A teoria da essência material mostra que, se dois indivídu-
os distintos , por exemplo , Pedro e um cão, tivessem uma e mesma
essência, animal, então e sa essência conteria em si formas contrá-
rias - racional e irracional -, negando assim a oposição dos contrá-
rios. Explica-nos Abelardo:

"Ainda que as autoridades pareçam concordar muito com


ela , a físic a se lhe opõe de todos os modo s ( ... ) de tal modo
que o animal informado pela racionalidade é o animal in-
formado pela i1ncionalidade e, assim, o animal racional é o
animal irracional e, desse modo, os contrários estariam si-
multaneamente no mesmo; ou melhor: já não seriam de
modo algum contrários ( ...)'"42 .

Após expor suas razões para não aceitar a teoria da essên-


cia material, o Palatinus conclui: "(. ..) carece totalmente de razão

40
LI, 11, 10-13, 17.
41
BERTELLONI. Pars destm ens ... , p. 58.
42
" Cui etsi auctoritates consentire plurimum videantur, physica modis omnibus

repugnat. (...) ut animal formatum rationalitate esse animal formatum i1rntiona-


litate et ita animal rationale es e animal irrationale et sic in eodem contraria si-
mui consistere. immo iam nullo modo contraria (...)". LI. 11, 10-16.

52 Coleçãoí=ilo~ofia
- 125
O ptoblernados univetsais: a petspectiva de Boécio,Abelatdoe Ockharn

a sentença pela qual se diz que a essência absolutamente idêntica


existe simultaneamente em diversos" 43.
A segunda opinião 44 analisada é exposta deste modo:

"Por isso , outros são de parec er diferente quanto à univer-


sa lidade e, aproxima ndo-se mais da determinação da coisa,
afirmam que as coisas singulares não apenas são diferentes
entre si pelas formas, mas são pessoalmente distintas nas
suas essências; ( ... ) a essê ncia de uma não é a essência da
outra; mas, conservando ainda o univer sa l das coisas , de-
nominam idêntico, não por certo essencialmente [essentia-
liter], mas indiferentemente [indifferenter], o que é distinto ,
tal como afirmam que todos os homens distintos em si
mesmos são o mesmo no Homem, isto é, não diferem na
natureza da humanidad e" 45 •

Tal conce pção sobre o universal é conhecida como "teoria


da indiferença". É importante assinalar que a expressão "indife-
rença" (indifferentia) deve ser entendida no sentido de "não-
diferença". Assim, quando é dito que ' A' e 'B' são "indiferentes ",
isto significa que ' A ' e 'B' são " não-diferentes ", ou seja, sob al-
gum aspecto mantêm uma identidade.
Segundo essa opinião, os indivíduos são distintos uns dos
outros, não somente por possuírem acidentes (formas) diferentes,
mas, também, porque suas essências são diferentes. Entretanto, é
possível dizer que dois homens são o mesmo indifer entemente (in-
differenter), visto que ambos são homens e, portanto, são não-

43
'·( ... ) penitus sen tentiam ratione care re qua dicitur eandem penitus essentiam in
diversis sim ul consistere " . L J, 13, 16- 17.
44
GlLSON (op. ci r., p. 346) observa qu e Guilherme de Champeaux teria assumi-
do esta posição, após Abelardo ter refutad o a teoria da essência material.
45
"U nde alii aliter de uni ve rsa litate se ntie11tes mag isque ad se 11tentiam rei acce-
dentes dicunt res singulas 110n so lum formis ab invicem esse diversas, ve rum
per so 11a liter in suis essentiis esse discretas( ... ) quod huius 110nest illius esse ntia.
( ... ) univer sa le tamen rerum adhuc retin entes idem 11011essentialiter quidem, sed
indifferenter ea quae discre ta sunt , appe llam , veluti singulos homines i11se ipsis
discret os idem esse in ho mine dicu11t, id es t 11011 differre in natura humanitati s".
LI, 13.18 - 14,4.

- 125
Coleçãor:;1osofia 53
PedtoLeiteJuniot

diferente s. Por exe mplo : Pedro e Manuel diferem tanto por suas es-
sências quanto por seus acide ntes; todavia, são indiferentes (não-
diferente s) no ser homem.
Essa concepção, mais moderada que a teor ia da essê ncia
material, ainda mantém a noção da exis tência de uma res univer sal,
expressa pela não-diferença entre os homens, ou seja, no "ser ho-
mem". Ora , os me mos indivíduos são designado s universai s,
quando se atenta para sua não-diferença e semelhança, e singula-
res, se, ao conb·ário, é conside rada sua distinção. Diz Abel ardo :

" Desse modo, eles denomin am uni versais, conforme a indi-


ferença e o acordo da semelhança, aqueles mesmos que
46
chamam de singul ares, segundo a di stin ção" .

Abelardo detect a, contudo , uma certa diverg ência entre


aque les que su tentam a teoria da indifere nça; ela é interpretada de
duas formas, a saber: doutr ina da coleção (collectio) e doutrina da
conveniência (convenientia) .
47
A teoria da coleção concebe a coisa univer sal apenas
numa coleção de vários elementos . Por exemplo: todos os homen s
tomado s ao mesmo tempo formariam a espécie (universal) homem,
enquanto todo s os animais formariam o gênero (universal) animal.
Explica ele:

" D e maneira alguma eles chamam Sócrates e Platão, por si


mesmos, de uma espécie, mas denomin am a todos os ho-
mens reunid os sim ultaneamente, aquela espécie que é o
homem, e todos os animais, tomados simu ltaneamente,
aquele gênero que é o animal , e assim por diante',48 .

46
" Eosdem qu os singulares dicunt ec undum discretionem, uni ve rsa les dicunt se-
cundum ind ifferent iam et simil itudini s convenientiam". LI , 14,4-6 .
47
GILSON (op. cir., p. 359) vincu la essa concepção à Josceli no de Soisso ns (t
l 151).
48
"Q ui Socratem et Plat onem per se null o modo spec iem voca nt, sed om nes ho-
mines sim ul co llectos speciem iliam quae est homo dicunt et om nia animalia
simul accepta ge nu s illud quod es r animal , et ita de ce teri s". L 1, 14,8- 11.

54 Coleçãol=ilo~ofia
- 125
O ptoblernados univetsais:a petspectivade Boécio, Abelatdo e Ockharn

49
Abelardo rebate tal doutrina por meio de seis objeções
qu e, conforme Vignaux, "(. ..) visam mostrar que a sentença da
co llectione desco nhece a definição de ttniversal" 50.
O equívoco dessa op inião con isti ria basicamente em não
51
ate ntar para a distinção, de cunh o aristoté lico , entre o todo inte-
gra l e o todo univer sa l. A característica da comunidade do uni ver-
sal é a de estar todo inteirame nte em cada um do s indivíduo s (todo
universal) , o que não é oca o da com un idade de coleção (todo in-
tegral). Os defensores dessa teoria tomam o uni versal, ind evida-
mente, como um todo integra l. Sobre esse ponto acrescenta Nasci-
mento:

"( ...) os partidários de tal opm1ao não percebem que uma


coleção é um todo integral que resulta da soma de suas
partes, o que a distingue radicalmente do todo universal que
é anterior ao indivíduos, e está todo inteiro em cada um
deles, sendo me mo a parte idêntica ao todo como a espécie
é o mesmo que o gênero quando referidos a um indiví-
duo"52.

49
L I, 14,32- 15,22.
50
VlGNAUX. No111i11alis111e ..., col. 722.
51
Aristóteles na Me1afísica, V, 26, 1023 b 26s, estabelece a distinção entre todo
universal e todo integral. Quanto ao primeiro diz o Estagirita: "( ...) o que se
pode predicar de uma classe inteira( ...) pode predica r-se de um todo, no sent ido
de conter muita s coisas por ser pred icado de cada uma e de todas; po r exemp lo.
homem, cava lo, deus, que são cada um uma coisa só, porque todos são viven-
tes". O seg undo é definid o deste modo: ''( ...) quando repre senta uma unidad e
formada de várias partes''. A caracte rística do todo univer ai é poder ser predi-
cado de todas e cada uma das partes que contém em si. Vivente, por exemplo,
contém em si o homem, o cava lo, o asno, etc . É possível. então. afir marm os de
cada um e de todos que são vive ntes. O todo universal está todo inteira mente em
cada parte . Por outro lado, o todo integral é a reunião de muitas panes, tal que
dessas partes não é possíve l predicarmo s este todo. Assim. uma ca a é um todo
integral formado pelo telhado, parede, jane la, etc. Mas, ele cada uma dessas
partes não podemos predica r o todo. isto é. não podemos dizer que o telhado , a
parede ou a janela sejam a casa .
52
NASCIME TO . huroduçcio.... p. 22 .

Coleção l=ilosofia
- 125 55
Em suma, é preciso não confundir a relação todo-parte com
a relação universal-singular. O universal é afirmado de cada indi-
víduo de que é predicado , enquanto o mesmo não pode ser dito de
uma coleção, isto é, esta não pode ser predicada de cada um dos
elementos que a compõem.
A doutrina da conveniência é exposta por Abelardo nestes
termos:

"De certo, todos os homens considerados em si mesmos são


muitos, por força da diferença pessoal , e um só, devido à
semelhança da humanidade e, em relação à diferença e à
semelhança , os mesmos são julgados serem diversos de si
mesmos, tal como Sócrate s, enquanto é homem, distingue-
se de si mesmo enquanto é Sócrates" 53 .

Essa concepção, em outras palavras, visa estabelecer uma


distinção entre universal e singular no interior dos indivíduos, pres-
supondo que neles há dois aspectos. Os homens seriam analisados
segundo sua individualidade e de acordo com aquilo que lhes con-
vém (o que eles têm em comum) . Por exemplo: Manuel seria con-
siderado como Manuel, em seu aspecto individual. Mas, Manuel
também poderia ser analisado enquanto homem, levando-se em
conta a espécie, ou seja, aquilo que Manuel tem em comum com os
outros homens. Manuel convém (coincide) com Pedro enquanto
ambos são "homens" e, nesta medida , são o mesmo.
Contra essa opinião Abelardo levanta três restrições 54 que
Vignaux 55 sintetiza deste modo:
i) A primeira , ao tomar por sinônimos "predicar de mui-
tos" (predicari de pluribus) e "convir com muitos"
(convenire cum pluribus), desconhece as noções mes-
mas de singular e de universal;

53
"Quippe omnes homines et in se multi sunt per personalem discretionem et
unum per humanitatis similitudinem et iidem a se ipsis diversi quantum ad dis -
cretionem et ad similitudinem iuducantur, ut Socrates in eo quod est homo, a se
ipso in eo quod Socrates est , dividitur". LI , 14,24-28 .
54
LI, 15,23-16 ,9.
55
VIGNAUX. Nominalisme ..., col. 722-723.

56 ColeçãoÍilo~ofia- 125
O pt0bletna dos univetsais: a petspectiva de Boécio, Abelatdo e Ockhatn

ii) desco nhece a unid ade do indivíduo, na medid a em qu e


nenhum a co isa é simult anea mente dive rsa de si mesma,
e,
iii) por fim , essa opini ão não protege a diferença radical
entre os indivíduos .
Abelardo refe re, ainda, uma opini ão qu e considera "com-
bin ar no homem" de for ma nega tiva, isto é, tom a co mo sinônim os
"co nveniência" e "não- dife rir". Essa posiçã o, igualmente, é des-
car tada por Abelardo, pois parece não resolver a qu estão:

"Há, porém, aqueles que tomam nega tivame nte a expressão


'co mbinar no homem', co mo se dissesse: 'Sócra tes não di-
fere de Platão no homem'. Mas também poder-se- ia dizer,
então, que eles não diferem na pedra, uma vez que nem um
nem outro é pedra. Desse modo, não se nota maior combi-
nação entre eles no homem [o que eles são] do que na pedra
[o que eles não são] (...)" 56 .

A síntese das críticas form uladas pelo Mag ister Palatin us


pode ser ex pressa, segui ndo-se as indi cações de Bertelloni 57 :
a) A temi a da essênc ia material é rej eitada, na medida em
que remete a uma inco mpatibilid ade de ac identes ex -
clud entes que coex istiriam, qu er no unjversa l quer no
indi víduo.
b) A doutrin a da co leção é refut ada em virtud e do caráter
inadequ ado da noção de co leção para defin ir o uni ver-
sal.
c) A co ncepção da co nveniência é de scartada por sua de-
sate nção ao caráter do indivíd uo enqu anto idê ntico a si
mesmo.
A pars destruem, cuja tarefa era mostrar a imp oss ibil idade
de conci liar a defini ção de unive rsal (tomada ontologica mente)

56
"Sunt au te m qui, in homine conve nire nega tive acc ipiun t, ac si d ice retur : Non
diff ert Socrates a Platone in hom ine. Sed et quoque potest dici, qui a nec diff ert
ab eo in lapid e, cum neuter sit lapi s. Et sic non maio r eo rum co nve nientia nota-
tur in hom ine quam in lapi de" . L I, 16,9- l 3.
57
B ERTELLONI. Pa rs destruellS ... , p. 63.

Coleção Íilosofia- 125 57


PedtoLeite Juniot

com a absoluta individual idade do real , encerra- e com uma con-


clu são negativa, isto é, ne ga que há coisas universai . Ma s, por ou-
tro lado, indica já em que direção Abelardo examinará a questão na
par s co11strue11s:

"E ntretanto , agora que já foram apresentadas as razões pe-


la quai s as coisas, nem tomadas isoladamente nem coleti-
vamente , podem ser chamada de univ ersais no que diz res-
peito ao serem predi cadas de vários, resta que conf iramo s
es a univer alidade apenas às palavras" 58.

4.4 Pars construens: A solução

O momento con trutivo é aquele no qu al Abelardo desen-


volve sua noç ão de univ ersal, para, então, responder tanto às três
questões formuladas por Porfírio quanto à sua própria.
O ponto de partid a da pars construens é o produto obtido
da conclusão negativ a a que o Magister chegou na parte de strutiva ,
a saber : não há coisa universais, nem tomadas isoladamente nem
coletivamente. Rejeitada s as teoria s que atribuíam a universalidade
às coisas, resulta , positiva mente , a indic ação de que a univer alida-
de cabe somente às palavras - o uni versa l é palavra , vox.
Parece pertinent e, aqui, abrirmo s um parênte se de modo a
prestarmos um pequeno esclarecimento. o contexto abelardiano ,
a expressão vox não se reduz ao mero sentido físico concebido por
Roscelino . Fumagalli a inala que a expressão vox indicava, para
Ab elardo , de modo equívoco, "(. ..) quer o s0111articulado ainda
sem significado [palavra material] , quer a pala vra instituída pelo
homem para a significação" 59 . A expressão vox assume em Abe-
lardo o sentido de vox signifi cativa, daí o uso de ex pressões como
se rmo ou nomen 60 . w· entn. 61
con fi1rma e ses d01s
. se nti.dos, comen-

58
" une autem oste nsis rationib us quibus neque res singillati m neque co llec tim
accep tae universales dici poss unt in eo quod de pluribu praedicantur, res tat ut
huiu smodi uni versa litatem so l is vocibus adsc rib amus". L 1. 16, 19-22 .
59
FUMAGALLI , PARODI. op. cit .. p. 170.
60
Conforme Estevão (op. ci r., p. l 20), Abelardo. em sua obra Logica No stror11111,
ao introduzir a di stin ção entre vox (o so m no eu se ntid o acús tico - jla111s voeis)

58 Coleçãol=iiosofia
- 125
O ptoblernados 1.mivetsais:
a petspectivade Boifoio,Abelatdo e Ockharn

tando que Abelardo utilizou a expressão vox para indicar o aspecto


físico da palavra, reserva ndo o uso de exp ressões como nom en,
sermo, e poderíamos dizer, vox significativa, para designar a fun-
ção significativa das palavras. Estamos aqui no domínio se mântico
da significação (significatio). Nesse co ntexto, sign ificação assume
um sentido intencional, quer dizer, enquanto é geradora de um
conceito na mente. Assim, uma palavra (nomen, sermo, vox signifi-
cativa) é significa tiva, na medida em que tem a capacidade de ge-
rar uma intelecção - inte/lectum const ituere.
Bertelloni 62 afirma que a empresa de Abelardo, na pars
cons truens, consiste em fornecer os fundamento da atrib uição da
universalidade ape nas às palavras. Em outros termos, a tarefa dele
é mostrar sobre que bases o universal atribuído somente às palavras
pode ser significativo, isto é, pode constit uir uma intelecção na
mente, na medida em que não há na rea lidade uma res uni versa l
que possa correspo nder àquela intelecção.
Antes mesmo de tratar do problema propriamente dito , ou
seja, desenvo lver sua teoria sobre o univ ersal e resolver as dificul-
dades inerentes a ela, Abe lardo disco rre sobre algumas considera -
ções introdutórias 63 , que passamos resumidamente a descrever.
Inicialmente, apresenta, no âmbito da linguagem, uma dife-
rença de vocabu lário entre a Gramática e a Dial ética. Os gramá ti-
cos, de um lado , utilizam certos nomes chamados próprios e outros
chamados apelativos. Por sua vez, o repertório dos dialéticos com-
preende expressões simp les, co mo palavras universais e palavras
singulares. Essa diferença parece querer destacar dois pontos:

e vox significativa (a palavra), explica que a origem dos nomes (ser11101111111


sive
110111i111u11)
é emine ntemente uma insti tu ição humana. Vignaux (Nominalisme ...,
co l. 725.3) apresenta a opo ição vox-senno e afirma que essa posição ainda não
apa rece na Logica /11 gredie111ib11s ma s é encontrada
(Lógica para pri11cipia111es).
na Logica Nos1roru111 , obra que é pos terior.
61
WEN !N. op. cü., p. 426.
62
BERTELLON1, C.F. " Par s const ruens. La so lucion de Abelardo ai pro blema
dei un iversa l e n la 1" parte de la Log ica [ngred ientib us - l" Parte". ln: Pa1ristica
et Mediaevalia. Bue nos Aires. VIII ( 1987), p. 39.
63
L l, 16.22-18,3.

Coleçãol=ilosofia- 125 59
PedtoLeiteJuniot

i)
O primeiro é que um universal pode ser um nome; to-
davia, nem todos os nomes (como os nomes apelati-
vos e próprios) são unjversais. Isso pode ser verifica-
do em razão de o universal ser definido por sua predi-
cabi lidad e. Ora, os nomes apelativos e próprios com-
portam, tanto os casos retos (por exemplo, o nomina-
tivo), como os casos oblíquos (por exemplo, o geniti-
vo), que não podem ser tomados como predicados e,
nesse sentido, são excluídos da definição de universal .
Universal, portanto, pode ser colocado entre os no-
mes, porém não é equiva lente aos nomes apelat ivo s
ou próprios .
ii) O seg undo ponto destaca que nem todos os universais
reduzem-se aos nomes , visto que os verbos são passí-
veis de serem incluídos entre os universais. Os verbos
não estão contidos na definição dos nomes (antes, são
chamados 'cas os dos nomes·)64, mas podem atuar
como universal (predicado) em frases predicativas.
Por exemplo: na frase "Pedro anda", o verbo "anda"
pode ser entendido sob a forma predicativa do tipo
"Pedro é andante".
A seguir, Abelardo retoma a definição de universal (refor-
mulando-a com algumas "part icularid ades"), contrapondo-a à defi-
nição de singular. Escreve ele:

"U ma palavra universal é aquela que , por sua descoberta, é


apta para ser predicada de muitos tomados um a um, tal
como este nome ' hom em', que pode ser ligado [coniungi-
bile] com os nomes particulares dos homens segundo [se-
cundum] a natureza das coisas subordinadas [natura rerum
subiectarum] às quais foi imposto. Já o singular é aquele
que é predicável de um só, como Sócrates, tomado como
nome de um único" 65 .

64
LI , 17,38.
65
"Es t autem universale vocabulum quod de pluribus singillatim habile est ex in-
ventione sua praedicari, ut hoc nomen ' homo', quod particularibus nominibus
hominum coniungibi le est sec undum subiectarum rerum naturam quibus est im-

60 Coleçãol=ilosofüi
- 125
O problemados universais:a perspectivade Boécio,Abelardoe Ockharn

Podemos questionar, agora: quais são as particularidades


contidas ne a reformulação de definição de universal?
i) A primeira pode ser detectada já no início da defini-
ção, quando Abelardo utiliza a expressão "palavra
uni versal ". Isto sugere, talvez, um deslocamento da
questão, quer dizer, do universa l tomado como res
para sua consideração enquanto vox.
ii) Em segundo lugar, o Mag ister não majs emprega a
expressão "apto por natur eza" preferindo "apto por
sua descob erta" . O univer ai parece que é retirado do
mundo da natureza (res) e colocado no domínio de
uma construção e instituição humana (vox) .
iii) Por fim, a definição insinua uma relação entre nomes,
quando afirma que um nome universal é ligado aos
nomes particulares dos indivíduos. Entretanto, a pos-
sibilidade de imposição (a impositio é um ato emi-
nentemente humano) dos nomes universais parece es-
tar vinculada à natureza das coisas, remetendo a um
certo compromisso ontológico. Sobre este ponto Ber-
telloni faz a seguinte observação:

"Devemos aqui chamar a atenção sobre a circuns tância de


que, apesar da participação da natura rerum no processo
que permite a imposição do nome uni versa l, desde o princí-
pio Abelardo coloca a questão co mo problema co ncerne nte
a uma relação entre nom es e não a um a relação entre nome
universal e indivíduos ou coisas particulares. ( ...) percebe-
mos de imediato a vontade abelard iana de colocar o pro-
blema em um terreno claramente semântico" 66 •

Dando continuidade às sua considerações preliminare ,


Abelardo analisa cada uma das partes componentes da definição a
saber: aquele que (quod) é predicado (praed icari) de vário (de
pluribus). O quod indica tanto a simplicidade da expressão univer-

positu m. Singulare vero est quod de uno solo praedicabile est. ut Socrates, cum
unius tantum nomen accipitur". L 1. 16,25-30.
66
BERTELLO I. Pars co11s1rue11s .... p. 43-44.

ColeçãoJ:ilosofía- 125 61
PedtoLeiteJuniot

sal, para distingui-la das frases (expres ões complexas), quanto a


unidade de significação frente ao nomes equívocos, que contêm
diversa significações. A possibilidade de ser predicado (praedica-
ri) do universal apóia-se na função do verbo-cópu la numa frase,
isto é, o verbo "é " permite a ligação predicativa do universal a um
ou vários sujeitos. Por fim de pluribus indica a diversidade das
coisas nomeadas pelo nome univer ai.
Abelardo passa, em seguida, a examinar os dois modos em
que pode ocorrer uma ligação (coniunctio) entre sujeito e predica-
do. Bert elloni 67 esclarece que é a partir da análise da noção de liga-
ção que Abelardo chega à noção de estado de coisa (status rei).
De acordo com Estevão 68 , a Lógica (ou Dialética) trata dos
nomes, quer dizer , da imposição das palavras - impositio vocum. O
tratamento da predicação , enquanto imposição dos nomes, diz mais
respeito ao âmbito da Dialética, do que ao da Gramática. O próprio
Abelardo distingue a Gramática da Dialética por meio do tipo de
ligação (coniwzctio) que cada uma estabelece, a saber: ligação de
construção (Gramática) e ligação de predicação (Dialética).
Conforme lembra Estevão 69 , o gramático avalia uma frase
predicativa sob se u aspecto sintático, sem importar-se se ela cor-
responde ou não a um estado de coi a - status rei. Abelardo afirma
que a ligação de con !:rução do gramático é boa

..( ...) quanto a manifestar verdadeiramente uma intelecção ,


mas não quanto a mostrar o estado da coisa. Assim, a liga-
ção de construção é boa , todas as vezes que apresenta uma
sentença correta, quer seja assim, quer não" 7º.

67
!d., p. 46.
68 -
ESTEV AO , op. cit., p. l 13.
69
ESTE V ÃO, José C. "Sobre o diclllm proposirio11isem Abelardo e alguma
questões de abordagem". ln : L6gica e Linguagem 11aIdade Média. Org. Luis A.
De Boni . Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995, p. 69-75.
70
"( ... ) quantum quidem ad manifestandum intellectum , non quantum ad osten-
dendum rei tatÚm. Coniunctio itaque con tructioni s totien s bona es t, (quotiens)
perfectam demonstrat sentenciam, sive ita sit sive non ". L J, 17,16-I9.

62 ColeçãoJ:ilosofia - 125
O ptoblema dos unívetsaís:a petspBctíva
de Boiicío, Abelatc/oe Ockham

O gramático examina se uma determinada frase predicativa


está corretamente construída . Ora , uma frase é dita gramatical -
mente bem-construída, quando liga convenientemente um predica-
do a um sujeito pela cópula "é". Assim, por exemp lo, a frase "O
homem é pedra" é dita correta, do ponto de vista gramatical. É
uma frase que rea liza uma ligação de construção sujeito-predicado
de modo correto e vincu la um sentido que entendemos , em bora não
manife ste um estado de coisa.
O dialético , por sua vez, ocupa-se co m a correção semânti-
ca (ca tegoria l) de um a frase predicativa , quer dizer, exam ina se a
ligação de predicação , que a frase estabelece, respeita uma semâ n-
tica correta. Uma frase predicativa é sema nticamente correta, se a
ligação de predicação que ela expressa une (coniungit) um predi-
cado a um sujeito, conforme (secundum) a natureza desse sujeito, e
mostra a verdade de seu estado. Escreve Abelardo: "A ligação de
predicação, que aqui conside ram os, diz resp eito à natureza das
coisas e à demonstração da verdade de seu estado " 71.
O dialético parece utilizar dois critérios para ava liar se uma
frase predicativa é semanticame nte correta, ou seja, se a frase reali-
za um a ligação de predicação, a sabe r:
i) a atribu ição do pre dicado deve corresponder à nature-
za da coi sa predica da; e
ii) deve mostrar a verdade do que é afirmado, isto é, do
estado de coisa - status rei.
Te ntemos esclarecer o exposto acima, através de alg un s
exemplos e como estes podem ser ava liados .
l. "Pedra Sócrates o é" . Na verdade, essa expressão não
cons titui uma frase propriamente dita. É incorreta
tanto do ponto de vista gramatical quanto se mântico e
não veicu la nenhum sent ido.
2. "Sócra tes é pedra". Na per spectiva gramatica l, é um a
frase predicativa correta e manife sta um se ntid o que
podemos ente nder. Entretanto, é incorreta do ponto de
vista semântico. A frase em tela comete um e1To cate -

71
"Praedicationi s vero coniunctio quam hic accipimus, ad rerum naturam perti net
et ad veritatem sta tus earum demo nstrandam " . L 1,17, 19-2 l.

Coleçiio~ílosofía - 125 63
PedtoLeiteJuniot

goria l, isto é atribui uma qualidade (pedra) a um su-


jeito (Sócrates) que, seg undo (secundum) sua nature-
za, não pode ser- lhe atribuída. Nesse sentido, não ex-
pressa a verdade do estado de coisa.
3. "Sóc rates é homem ". É uma frase correta tanto sob o
aspecto gramatical quanto emântico, sendo verdadei-
ra, na medid a em que mostra a verd ade do estado de
coisa - status rei.
A di stinção e tabelecida entre ligaçã o de construção e liga-
ção de predic açã o permit e a Abelardo indicar em que âmbito des-
envolverá sua noção de univers al, poi s ele diz: "Aqui, enquanto
definimos o universal, damos atenção apenas à força da predica-
ção "72 . Isso parece confirmar aquilo que havia dito anteriormente:
"( ...) há tamb ém pala vras ulliversais às quais somente atribui-se a
função de servir de termos-pr edicados das proposi ções" 73.
Apó apresentar suas con siderações prelimjnares , passa
Abelardo a tratar da que stão do univer sal propriamente dita, escre-
vendo:

"( ...) já tendo estabelecido nas palavras a definição tanto do


universal como do singular, investi guemos com cuidado
74
principa lmente a propri edade das palavras uni versais" .

Ao negar que o unive rsal é uma coisa (res), tanto isolada-


mente quanto co letivamente, Abe lardo va i localizá- lo na palavra,
ou melhor , naquilo que a palavra tem de próprio - ua significação.
Ele afirma: "( ... ) é pr óprio das pala vras signifi car ou revelar, e
das coisas, o se rem significadas" 75 . As im, a característica própria
das palavras , em geral, é sua capacidade de significação. Uma pa-

72
"Cuiu tantum vim praedication is hic attendimus, dum universale definimus" .
L l.17,27-28.
73
"( ... ) voces quoque universale esse convincitur, quibus tantum praed icatos ter-
minos propositionum esse adscrib itur". L 1.10.6-7.
74
"( ... ) autem universalis quam singularis definitione vocibus assignata praecip ue
univer alium vocum proprietatem diligenter perquiramus''. L 1, 18,4-6.
75
"( .. . ) significare autem vel 111011 trare vocum e t, significari vero rerum" . L
1, 10,1-2.

64 ColeçãoJ:iioso
fia - 125
O pwblernado~univet~ais:a petspectiva delsoécio, Abelatdoe Ockharn

lavra ex pressa sua capac idade sign ificativa, qu ando sa tisfaz, em


princípio , du as co ndições, a sa ber:
i) quando gera uma intelecção na mente; e
ii) quando se refere a algum a coisa.
A que stão qu e Abelardo eleve enfre ntar incide so bre a pos-
sibi lidade de significação dos nome s uni versais. Mas , no exame da
propriedade das palavra uni versais, Abelardo afirma que elas pa-
recem não satisfaze r as con dições requeridas para a signific ação,
pois escreve:

" Levantaram-se questões a propósito dessas palavras uni-


versais, duvida-se sobretudo de sua significação, uma vez
que parecem não ter qualquer coisa subordinada nem fixar
uma intelecção válida de algo" 76 .
77
Segund o comenta Wen in , o problema da significação do s
nomes uni versai desdob ra-se em outros dois problemas, qu e
78
Abe lardo deve resolver, e qu e Berte lloni den o min a, respectiva -
mente, impotência sign ificat iva do universal e impotê nci a cognos-
citiva.
i) O primeiro , o da imp otê ncia significat iva, diz res peito
ao fato de que os nomes uni versa is parecem não cor-
responder a alguma realidade, i to é, não têm qu alquer
coisa subordinada. Em ou tras pa lavras, não se aplicam
ou nomeia m nada.
ii) O eg undo o da impotência cog noscitiva, incid e na
impossibilidade de as palavra uni versa is ofe rece rem
algum co nheci mento, ou seja, gerar um a intelecção
vá lida de algo na mente.
79
Segundo Boécio , para have r uma intelecção na mente, é
pr ec iso que haj a alg um obj eto subord inad o (refe rido), qu er diz er, a

76
" De quibus universalibus positae fuerant guaestiones, guia max ime de earum
signifi cati one dubita tur , cum negue rem subiectam ali guam videantur habere
nec de alig uo intell ectum sanum constitu ere". L ! , 18,6-9.
77
WENlN , op. cit., p. 422.
7
BERTELLO I. Pars co11s1me11s ... . p. 49.
79 '
BOEC!O , PL. 64, 84 A-C.

Coleção i::ilosofia- 125 65


mente só concebe algo (seja por conjunção, seja por divisão e abs-
tração), a partir de uma coisa existente na rea lidade. Em outro s
termos, toda intelecção procede de um a co isa subordin a-
da(referida) , ou tal como essa coisa é na realidade (intelecção por
divi são e abstração) - e, nesse caso, a intelecção é verdadeira e não
vazia -, ou tal co mo es a coisa não é na realidade (intelecção por
conjunção) - e, nesse caso a intelecção é falsa e vaz ia. Boécio ob-
serva, ain da, que não há intelecção de um subordi nado inexi ste nte.
Reportan do -se a Boécio , Abe lardo exe mplific a a qu estão
da signific ação do nome universal contrapondo-a à significaç ão
esta belecida por um nome singu lar. A significação de um termo
singul ar par ece clara , na medida em qu e este nomeia uma coisa
singu lar determinada e sig nific a, isto é, gera na mente uma intelec-
ção precisa. Assi m, quando esc utamos a palavra "Sócrates", inteli-
girnos uma coisa determi nada qu e se refere a um a coisa única . Por
outro lado, quando ouvimos o nome "ho mem ", não inteligimos
algo dete rmin ado, ne m loca liza mos na realidad e uma coisa que
possamos referir , ma "(. ..) a inteligência do ouvi11teé arreba tada
por muit as.fiutuações e é levada a erros" 8º.
Podemos resumi r a dificuldade sobre a signific ação do s
nomes universais do seguinte modo: para que um nome universal
tenha significação, deve cu mprir du as condições, a sa ber: con stituir
uma intelecção válida na mente e referir-se a alg um a co isa subor-
dinada na orde m do real. De acord o co m Bo écio, a po ssibilidade de
uma intelecç ão depende de um referente na rea lidade - um esta do
de coisa. Ma s, Abelardo nega a existê ncia de um a res univer sal que
co n-espo nda à intelecção ge rada pelo nome uni versal. Ora , se a in-
telecção gerada por uma pa lavra uni versal não e refere a um a coi-
sa subordinada na ordem do real, então é falsa e vazia. O nome
univer ai, portanto, parece desprovido de signi ficação. A es e res-
peito diz Abelardo:

" Desse modo , parece que tanto homem como qualquer ou-
tro vocábulo univer sa l não signific a coisa nenhum a, uma

80
" ( ... ) audita inte lligentia audie nti s multi s, inqui1, raptatur fluctibus erro ribusque
trad ucitur " . L f, 18, 19-20.

66 Coleçãol=ilosofia
- 125
O ptoblernados univetsais:a petspectivade Boécio,Abelatdoe Ockharn

vez que não fixa a intelecção de coisa alguma. E nem pare-


ce que possa haver intelecção que não tenha uma coisa su-
bordinada que conceba. ( ...) Em conseqüência disso, os
universais parecem completamente desprovidos de signifi-
cação"81.

Diante de uma conclusão, que parece negar a possibilidade


de significação dos nom es universais, Abelardo reage, afirmando
que não é as im (non est ila), e apresenta, em síntese, a ignifica-
ção que atribui às palavras universai s:

"Mas não é a sim. De fato ela significam, de certo modo


[quodammodo], coisas diversas por meio da denominação
ldenominatio], não porém fixando uma intelecção proce-
dente delas, mas pertinente a cada uma. Como esta palavra
homem, tanto nomeia [nominat] cada um deles por motivo
de uma causa comum, isto é, que são homens, pelo que é
denominada [a palavra] universal, como constitui uma certa
intelecção comum, não própria, isto é, pertinente a cada um
deles, dos quais concebe a semelhança comum" 82.

Assim, para Abelardo, as palavras universais são passíveis


de nomear [nominare] coi as diversas, e sua significação não deve
ser buscada numa intelecção que proceda das coisa nomeadas,
mas pertencente a cada uma delas , na medida em que, a partir de
uma causa comum, concebe a seme lhança co mum entre elas.
A íntese explicativa apresentada co ntém alguns aspecto
que necessitam um melhor esclarecimento. Em vista dis o, Abelar-
do esboça um roteiro dos pontos que deve investigar .
81
''N ullu m itaque significar e videtur vel homo vel ali ud uni versa le vocabulum,
cum de nulla re constitua! intellectum. Sed nec inte llectus posse esse videtur ,
qui rem subiectam quam co ncipiat, non habet. ( ... ) Quapropter universalia ex
tato a significatione videntur aliena··. L I, 18.37- I9,6.
82
"Se d non est ita. am et res diversas per nominationem quodammodo signifi-
cant, non constituendo tamen intellectum de e is surgentem, sed ad singulas per-
tinentem . Ut haec vox ' homo' et singulos nominal ex communi causa, quod sci-
licet homines sunt, propt er quam univer sa le dicitur, et intell ec tum quendam
cons tituit communem, non proprium, ad si ngulos sci licet pertinentem. qu orum
communem concip it similitudinem". LI, 19,7- 13.

Coleçãof:ilosofia- 125 67
PedtoLeiteJuniot

Inicialmente, ele deve examinar qual é a causa comum que


possibilita a imposição do nome universal a muitos. Em outras pa-
lavras, qual é a causa comum na ordem do real, isto é, a partir das
próprias coisas, que permite a atribuição das palavras universais.
Trata-se, assim, da significação real dos nomes universais - signi-
ficatio de rebus.
Em seguida, a análise incide sobre a significação intelectu-
al do universal - significaria de intellectibus - expressa na seg uinte
questão: qual é a concepção de intelecção da semelhança com um
da coisas?
Por fim, deve ser examinado se um nome é dito comum,
devido:
a) à causa comum;
b) ou à concepção comum;
c) ou, ainda, a amba simult aneamente.
Apresentaremos, na seqüência , de modo geral, cada um
desses ponto s que constituem a base a partir da qual ele responderá
às questões formuladas sobre os universais.
Conforme Abelardo, os homens individuais diferenciam-se
uns dos outros, tanto pelas essências como pelos acidentes. Isso
significa que todas as coisas existem enquanto são coisas individu-
ai . Entretanto, os homens individuais combinam (convêm) no "ser
homem" (in esse lzo111i11 em), isto é, naquilo mesmo que eles são -
no fato de erem todos homens.
Há que se ter cuidado de não entender este "ser homem"
abelardiano conforme a acepção da teoria da conveniência. O esse
homine111que Abelardo indica não designa uma coisa ( res) ou al-
guma essência, do mesmo modo que, egundo Aristóteles 83 , não é
uma coisa (res) não e tar em um sujeito e não er suscetíve l de
contrariedade, embora e tas sejam propriedades em que as sub-
stâncias combinam. Diz Abelardo:

"Ca da um dos homens , distinto s uns dos outros, embora di-


firam tanto pelas próprias e ências quanto pelas formas, se
reúnem naquilo que são homens. Não digo no homem , já

81 ' .
· AR ISTOTELES. Caregon as... , 5.

68 Coleçãol=ilosofia
- 125
O ptobletn:idos univets:iis:a petspectivade Boécio, Abel:itdoe Ockh:itn

que nenhuma coisa é homem, exceto uma coisa distinta,


mas no ser homem. Ora, ser homem não é homem ou coisa
alguma ( ...)"84 .

O "se r homem ", em que os hom ens individuai s convêm


(coincidem) e que expres a a semelhança real entre eles, é o que
Abelardo denomina "estado de hom em" ( status hominis). O "es ta-
do de homem" indica o fato real de um homem individual ser
aqui lo mesmo que é - homem. Ma s, tal status homini s não designa ,
na ordem real, alguma coisa ou essência, nem lhe corresponde. Es-
clarece Abelardo:

"( ...) dizemos que este e aquele combinam no estado de


homem lstatus hominis], ou seja, nisto que são homens.
Mas não entendemos senão que eles são homens e, de acor-
do com isso, não diferem de modo algum; de acordo com
isso, explico-me, que são homens, ainda que não apelemos
para nenhuma essência" 85 .

Por exemplo, Pedro e Manuel são indivíduos singulare s di-


versos um do outro. Todavia, por suas naturezas individuais pró-
prias, ou seja, pelo fato de se rem o que são - homens -, asseme-
lham-se e combinam no "estado de homem ". Em outros termos,
ambos são distintos entre si, contudo combinam no status hominis;
quer dizer , enquanto são homens , não diferem um do outro, ainda
que não possuam qualquer essência real comum. O fato de um in-
divíduo encontrar-se no "esta do de homem " não expressa algo di-
verso do homem individual , mas simplesmente que o homem indi-
vidual é um homem.

84
'"Singulis hominis discreti ab invicem, cum in propriis differant tam essentiis
quam formis, ut supra meminimus rei physicam inquirentes, in eo tamen conve-
niunt, quod homines sunl. Non dico in homine, cum res nulla sit homo nisi dis-
creta, sed in esse hominem. Es e autern hominern non est homo nec res aliqua
(...)". L T, 19,20-26.
85
"( ... ) cum scilicet hunc et illum in statu horninis, id est in eo quod unt homines,
convenire dicimus. Sed nihil aliud sentimus. nisi eos homines esse, et secundum
hoc nullatenus differre, secundum hoc, inquam. quod homines sunt, licet ad
nullam vocemus essentiam". L 1. 20,3-6.

Coleçiiof:ilosofia- 125 69
PedtoLeiteJuniot

O status hominis (o próprio fato de um homem individual


ser homem) não designa uma essência e é a causa comum pela qual
é imposto um nome universal a cada um dos indivíduos. Ouçamos
Abelardo:

"C hamamos de estado de homem o próprio ser homem, que


não é uma coisa e que também denominamos causa comum
da imposição do nome a cada um, conforme eles próprios
se reúnem uns com os outros" 86 .

Sobre esse pensamento de Abelardo ajuíza Vignaux:

"Es ta doutrina coloca entre os indivíduos uma semelhança


real, mas que não se pode de maneira nenhuma realizar à
parte, em uma essência; a natureza de homem não é senão a
concordância substancial dos indivíduos , absolutamente in-
distinta dos indivíduos" 87 .

Podemos resumir este primeiro ponto do seguinte modo:


uma palavra universal (homem , por exemplo) tem uma significa-
ção real , na medida em que nomeia cada um dos homens individu-
ais, exprimindo, a partir dos próprios ind ivíduos, seu estado (sta-
tus). Esse status, que não indica uma essência, consti tui a causa
comum da atri buição dos nomes universais a muitos . De outro
modo: o nome universal tem significação real; a partir das próprias
coisas, ele significa o status rei, isto é, as próprias coisas individu-
ais enquanto combinam no serem tais coisas .
O segundo ponto que Abelardo deve examinar incide sobre
as intelecções que os nomes universais geram.
De início, caracteriza as intelecções em geral em oposição
às sensações. Observa que ambas (intelecção e sensação) são pró-
prias da alma, embora sejam diferentes. As sensações, por um lado,
são exercidas por meio dos órgãos corporais e percebem os corpos

86
"Statum autem homini ipsum e se homin em. quod non est res, vocamus, quod
etiam diximus co mmunem causam imp osit ioni s nominis ad singulos, secundum
quod ipsi ad invice m conveniunt". LI , 20,7-9.
87
VlGNAUX. No111inalis111e ... , col. 728.

70 Coleçãol=ilo~ofia
- 125
de lso~cio,Abelardo B Ockharn
O problemado~univer~ai~:a p2r~p2ctiva

e suas qualidades. Uma sensação oco1Te somente na presença de


um objeto. Por exemplo: diante de uma torre, a visão percebe a tor-
re e sua quadratura. Mas , se essa tone for destruída, a sensação que
atuava sobre ela também desaparece . A intelecção, por seu turno ,
não nece ssita de um órgão corporal e prescinde de um objeto su-
bordinado. Para a atuação de uma intelecção, basta a semelh ança
do objeto que a própria alma elabora para si mesma e para a qual
ditige a ação de seu intelecto. Assim, se a totTe for destruída (usa n-
do o exemplo acima ), a intelecção permanece, na medida em que a
semelhança da tone for retida pela alma .
Em segui da, Abelardo apresenta a seg uinte distinção:

"( ... ) assim como a sensação não é a coisa sentida, para qual
se dirige, assim também a intelecção não é a forma da co isa
que ela concebe, mas a intelecção é uma certa ação da alma,
pela qual é chamada de inteligente, e a forma para a qual se
dirige é uma certa coisa imaginária e fictícia , que o espír ito
elabora para si quando quer e corno quer , como são aquelas
cidades imaginárias vistas durante o sono ou co rno aque la
forma de um edifício a ser construí do ( ...)" 88 .

O Magister distingue, assim , a intelecção (enquanto ato de


inteligir da alma) da forma comum , isto é, a imagem de semelhan-
ça da coisa concebida pela alma. Sobre este ponto acrescen ta Este-
vão:

"Abe lardo concebe a intelecção co mo uma cer ta ação da


alma, seme lhante à sensação, mas que dirige-se a uma for-
ma que é uma certa coisa imaginária e fictícia , que o espí-
rito elabora por si mesmo. E distingue cuidadosamente a
intelecção como ação da alma (o ato de inteligir), da inte-
lecção enq uanto aquilo que é con hecido, isto é, enqua nto

88
"( ... ) autem sensus non est res sentita, in quam dirig itur , sic nec intel lectus for-
ma est rei quam concipit , sed intellectu s actio quaedam est animae, unde inte-
lli gens dicitur, forma vero in quam dirigitur , res imaginaria quaedam est et fict a,
quam sibi, quando vult et qualem vult , animus confiei! , quales sunt i llae imagi-
nariae civitates quae in s011111 0 v identur vel forma i lia componendae fabricae
( ...)". LI, 20,28-34.

ColeçãoJ:ilo~ofia- 125 71
PedtoLeiteJuniot

signi ficação desta coisa imaginária e fictícia, desta imagem,


fruto de outra ação da alma, a imaginação. A intelecção , ao
co ntrário do signo, não é ernelha nte às co isas nem se dirige
a e las, mas à imagem produzida pelo espíri to , esta sim, se-
89
melhante às coisa " .

Após tratar das intelecções em geral, Abelardo distingue as


intelecções geradas pelos nomes universais das intelecções dos
nomes singulares. Diz ele:

"( ... ) um nom e univ ersal concebe urna imagem comum e


confusa de muitos, enquanto que a pal avra singular engen-
dra e apreende a forma própria e como que singular de um
9
só, isto é, referente apenas a uma única pessoa" º.

Assim , um nome singular, por exemplo, "Sócrates ", quan-


do é ouvido, gera na mente uma forma própria de um único indiví-
duo. Essa palavra nomei a e determina um só objeto subordinado.
Um nome universal, "home m", por exemplo, quando ouvido, en-
gendra na mente uma forma comum a todos os homens , mas que
não é própria de nenhum . A palavra universal, então, embora no-
meie cada uma das coisas em que é comum, não certifica ou de-
termina a coisa que lhe é subordinada.
Conforme Abelardo, a intelecção distingue- se da forma da
coisa. O nome universal gera na mente uma forma comum, e esta é
significada pelo nome universal. Eis o que diz Abelardo:

"Ad uzida s as autoridades que parecem assegurar que as


formas comuns concebidas são designadas pelos nomes
universais, a razão também parece concordar. Com efeito,
que outra coisa é concebê-las pelos nome s, se não serem si-
gnifica da s por e les? Mas , certamente, uma vez que admiti-
mos que elas [as formas] são diferentes das intelecções, já

9
ESTEVÃO. Sobre o dic111111 ..., op. cir., 1995, p. 71.
90
"( ... ) universalis nomini s est , communem et co nfusam imaginem multorum
concipit, ille vero quem vox singulari s generat, propriam unius et quas singula-
rem formam tenet, hoc est ad unam tantum per onam se habentem" . L 1, 21,29-
32.

72 ColeçãoÍilosofía- 125
O ptoblemados univetsais:a petspectivade Boiício,Abelatdoe Ockham

repo nta. além da coisa e da intelecção, uma terceira sign ifi-


cação dos nomes" 91•

Segundo Vignaux, Abe lardo estabe lece, assim, uma trípli-


ce significação dos nomes universais:

"( ...) quer endo asseg urar aos universais uma dup la signifi-
cação, real e intelectual , que convé m às palavras, descobr e-
se uma terceira: ( ...) entendo um nome: penso a coisa; tenho
o mesmo pensamento que aquele que fala; concebo a ima-
gem [forma] da coisa; o nome significa a coisa , a intelecção
·
e a imagem .... ,92

Isto significa que um nome universa l


a) tem uma significação rea l, a partir das próprias coisas,
que procede do estado da co isa - status rei; e
b) tem uma signific ação intelectual , a partir da intelecção
por ele fixada; e
c) tem um a significação imaginária (segundo Vignaux), a
partir da forma co mum visada pela intelecção.
Quanto ao terceiro ponto , o Magister expressa-se deste
modo:

"( ...) a comunidade dos nomes universais é determinada se-


gundo a cau a com um de impo sição, ou segundo a concep-
ção comum, ou seg undo ambas . Nada obsta, porém , se o for
seg undo ambas, mas a causa com um, que é tomada segundo
a natureza das coisas, parece possuir uma força maior" 93 .

91
"lndu ctis autem auctoritatibus, quae astruere videntur per universa lia nomina
co ncepta comm unes formas designari , ratio quoque con se ntir e vide tur . Quippe
eas concipere per nomina quid aliud est, quam per ea significari ? Sed profecto
cum eas ab intellectibu s div ersas facimus, iam praeter rem et intellectum tertia
exi it nominum sig nificatio". LI. 24,25-30.
92
YIGNAUX. Nominalism e ... , col. 730.4.
93
''( ... ) propter commu nem ca usam impositionis vel propt er commu nem concepti-
onem vel propter utramque comm unita s univer sa lium nominum iudicetur , as-
sig nemu s. Nihil autem obest. si propter utramque , sed maiorem vim obtinere
communis cau a quae ecundum rerum accipitur naturam". L l. 24,32-37.

ColeçãoJ:ilosofia- 125 73
PedtoLeite Junior

Até o momento , Abelardo aprese ntou qu al é ca usa comum


da impo sição dos nomes univ ersais, bem como a concepção co-
mum que eles geram . Entretanto, deve, ago ra, reso lver a seg uinte
qu e tão: dad o que, de acordo com Boécio, toda intelecção deve ter
uma coisa subordinad a, e, se as intelecções do s nomes univer sais
não determinam um objeto subordinado, então não seria m elas va-
zias e falsas?
A fim de solucionar esse probl ema, Abelardo deve mostrar
que a intel ecção do s univ ersa is se dá por abstração e determinar em
que sentid o a intelecção é chamada isolada, nua e pura, mas não
vazia 94 .
O Magister trata, de início , da abstração, escrevendo:

"Ass im deve-se saber que a matéria e a forma aprese ntam-


se se mpre misturadas uma co m a outra, ma a razão do es-
pírito tem o poder de, ora considera r a matéria por si mes-
ma, ora dirigir a ate nção só para a forma , ora conce ber am-
bas misturadas. Por cer to, os dois primeiros são por abstra-
ção, pois abstraem algo dos que estão reunidos para consi-
derarem a sua própria natureza. Mas o terceiro é por con-
junção"95.

A abstração tom ada desse modo leva Abelardo à seguinte


afir mação:

"Ora , tais intelecções fdos universa is] por abstração parece-


riam , talvez, falsas e vãs porque percebem a co isa de modo
diferente de como subsiste ' 96.

94
L l, 24,38-41.
95
"Sciendum itaque mat eriam et for mam permixta simul se mper co nsistere, animi
tamen ratio hanc vim habet, ut modo materiam per se speculetur , modo formam
so lam attendat , modo utr aque permixta co ncipiat. Duo vero primi per abs trac ti-
onem sunt, qui de co niun ct is aliq uid abstrah unt , ut ipsam ei us natur am co nside-
rent ". LI, 25,1-6.
% " Huiu smodi au tem intellectus per abstractionem inde forsitan falsi vel van i vi-
debantur, qu od rem aliter quam subsis tit, percipiant ". LI, 25 , 15- 16.

74 Coleção r:iJosofia- 125


O problemados universais: a perspectiva
de Bmício,Abelardoe Ockharn

Assim, se uma coisa é inteligida de modo diferente de


como ela se apresenta ou de como ela é (subsiste), quer dizer, se é
atentado para aquilo (natureza ou propriedade) que a coisa não
possui, então há uma intelecção falsa e vazia.
Novamente, aqui, Abelardo utiliza a fórmula: "não é as-
sim" (non est ita), pois não é isto que aco ntece com a abstração .
Por abstração Abelardo entende o processo pelo qual é possível di-
rigir a atenção a um aspecto de um todo. Em outras palavras , a
abstração existe, quando a intelecção dirige a atenção separada-
mente para os não- separa dos97 • Escreve Abelardo:

"E quando digo que atento para ela apenas enquanto ela
possui este algo, aquele 'apenas' refere- se à atenção, não ao
modo de subsistir, pois , de outra sorte, a intelecção seria
vazia" 98 .

Abelardo está aqui a expressar a distinção entre modo de


inteligir e modo de subsistir. Quando efetuamos uma abstração ,
atentamos (dirigimos nossa atenção) apenas a um aspecto da coisa,
inteligimos o que está nela , todavia não em seu todo , isto é, tudo o
que ela possui . O que é abstraído não existe em separado (sem
matéria ou forma), mas pode ser inteli gido separadamente, quer di-
zer, podemos pensá-la como separada. Essa possibilidade de inteli-
girmos separadamente é devida , diz Abelardo, "(. .. ) à inteligência
da coisa e não à sua subsistência( ...)"; e acrescenta: "( ... ) são mo-
dos de inteligir e não de subs istir" 99 . Assim, diante de uma estátua

97
BOEHNER, GlLSON (op. cit .. p . 304) e VIGNAUX (Nominalis me ... , col. 730)
apre se ntam o cará ter próprio da abstração em Abelardo. Em linha s gera is, a
abstração em Abe lardo é diferente da abs tração em Aristóteles e S. Tomá s. Se-
gund o Vignaux, a abstração tomista é "a 1ra11 smutação do sensíve l em inteligí-
vel"'. Trata-se de liberar uma forma de sua mat éria. Em Abe lardo, porém, trata-
se de co nsiderar de diferentes modos as coisas e sua s im age ns. A abstração é di-
rigir a ate nção, é di scernir.
98
"E t cum dico me atte11dere ta11tum eam i11eo quod hoc habet. illud tantum ad
atte11tio 11em refertur, 11011ad modum subs iste11di, alioqui11 cassus esse t intellec-
tus". LI, 25,26-28 .
99
"( ... ) ad i11t
ellige ntiam , 11011ad sub siste11tiam rei ( ... )"; "( ...) ut sint scilicet mo-
dus intelli ge ndi , non subsistendi". LI. 25,35-37.

ColeçãoJ:'ilosofia
- 125 75
PedwLeiteJunior

composta de metade ouro e metade prat a, podemo s di cernir sepa-


radamente ora o ouro, ora a prata, ate ntando separadamente, para
coisa s unid as.
Tendo apresentad o a natur eza da abstração enquanto um
modo de inteligir, Abelardo afirma que tanto as intelecçõe s dos
univer sais qu anto a dos singulare s se dá por abstração. Isto quer di-
zer que a abstração opera em doi s níveis:

'·( ...) quando ouço ' homem' ou ' brancura' ou ' branco', não
me lembro, por força do nome, de todas as naturezas ou
propriedades que estão nas coi as subordin adas, mas por
meio de 'home m' tenho apenas a concepção [conceito] ,
embora confusa, não-di stint a, de animal e racional mortal ,
não porém dos demais acidentes. ( ...) as intelecções dos
singulares também se fazem por abstração; ( ...) por meio de
'este homem' atento para natureza do homem, mas referida
a um certo sujeito, enquanto por meio de ' homem' atento
para aquela me ma natureza implesmente em si mesma,
100
não referid a a qualquer dos homens" •

Temo s uma intelecção dos singulare s por abstração, quan-


do visamos, não Sócrat es, mas dirigimos nossa atenção para 'e te
homem ". Atenta mos , assim, para a natureza do homem que está
relacionad a a um indivídu o determin ado. Por outro lado, por meio
de "hom em", ate ntamo s para aquela me ma natur eza, mas somente
em si mesm a e que não está relacionada com um indivíduo deter-
minado. Segundo Abelard o, podem os então distin guir a intelecção
dos nom es uni versais que, embora não seja vazia , é isolada, nua e
pura . Compl eta ele:

100
"( •• • ) cum audio ' hom o ' ve l 'a lbedo' ve l 'al bum', non omni um naturarum vel
proprietatum, quae in rebus subiectis sunt , ex vi nominis recordar, sed tantum
per ' homo' an imalis et rationaJis mo1talis, non etiam posterio rum accidentium
conceptionem habeo, confu sa m ta men non discretam. ( ...) intellectus singula-
rium per abstract io nem fiunt ; ( ...) per 'hic homo' naturam tantum homini s, sed
circa certum subiectum attendo, per ' homo' vera iliam eadem simpli c iter qui-
dem in se . non circa aliqu em de hominibus ". LI , 27,20-29 .

76 Coleção ~ilo~ofia- 125


O ptoblemados univetsais:a petspectivade Boécio,Abelatdoe Ockham

"Portanto, a intelecção dos universai s é denominada com


razão isolada , nua e pura: isolada das sen ações, porque não
percebe a coi a como sensíve l; nua quanto à abstração de
todas ou de algumas formas, e completamente pura , quanto
à distinção porqu e nenhuma coisa, quer seja matéria , quer
seja forma, é cer tificada nela, razão pela qual chamamos
acima uma concepção [conc e ito] deste tipo conf usa" I ºI •

Desenvolvida sua noção de universal e aparadas as are tas


inerente s a ela, Abelardo tem a base que o deixa em condiçõe de
responder às questões clássicas sobre os universais.
A primeira questão , agora reformulada sob sua ótica, é ex-
pressa do seguinte modo:

"Assim, a prim e ira dessas questões era se os gêneros e as


espécies subsistem, isto é, significam algo verda de irame nte
ex istente ou se estão postos ape nas no intelecto ; isto é, se
estão colocados numa opinião vaz ia sem a coisa, como es-
tes nome s de quimera e hicocervo que não engendram uma
intelecção sadia" 1º2 .

Abelardo salienta que a que tão de Porfírio é malformula-


da, na medida em que é excludente e não permite uma resposta em
outros termos . De ve, pois , ser reformulada deste modo: os univer-
sais designam coisas realmente existentes ou estão eles apenas no
inte lecto, de modo que , à falta de referência na ordem do real, seja
preciso tomá-los corno intelecções vazias de sentido, tais como as
palavras "quimera" e "hicocervo" que não têm nenhum significado
razoável? uma palavra : os univer sajs são puras e simp les cons-
101
"Unde merito intellectus universalium sol us et nudus et puru s di citur. solus
quidem a sen u, qui a rem ut ensualem 11011 percipit. nudus vero quantum ad
abstractionem formarum vel om nium vel aliquarum, puru s ex toto quantum ad
di screti onem, quia null a res, sive materia sit sive forma, in eo certifi catur. se-
cundum quod superiu s huiusmocli conceptionem confusam diximus " . LI , 27,29-
34.
102
''Prima itaque huiusmodi erat, utr um genera et species subsistant. icl est signifi-
cent aliqua vere existentia, an sint posita in intellectu solo etc., id est sint posita
in opinione cassa sine re, sic ut haec nomi na chimaera, hircocervus, quae sanam
intelli genti am 110 11 generant". L L 27.39-28.2.

Coleçãoí=ilosofia
- 125 77
PedroLeiteJunior

truções ou ficções da mente, às quais nada corresponde na realida-


de?
A essa questão Abelardo responde assim: os nomes univer-
sais significam, pela denominação [denomina tio], isto é, referem
coisas verdadeiramente existentes, mas não coisas ( res) universais;
eles significam as mesma s coisas de ignadas pelos nomes singula-
res, mas numa intelecção e pecífica: i olada (em relação às sensa-
ções), nua (por abstrair de todas ou de algumas formas) e pura (ori-
enta-se para uma imagem confusa e indeterminada). Isto quer dizer
que os univer sais colocado s nessa intelecção não são desprovidos
de significação, isto é, não ão intelecções vazias ou que não se re-
firam a nenhuma realidade.
Na seg unda que stão - admitindo-se que os universais si-
gnifiquem coisas subsistentes, estas poderiam ser corporais ou in-
corporais - Abelardo estende o sentido de corporal e incorporal.
No primeiro sentido, toma corporal como sinônimo de corpo, ou
seja, aquilo que pode ser perce bido por um órgão corporal. Incor-
poral, ao contrário, é o que não pode ser percebido através de um
órgão corporal, é um não-corpo . No segundo sentido, que se adapta
mais à questão, corporal é considerado como separado (distinto), e
incorporal como não-separado (não-distinto).
Abelardo responde à quest ão, afirmando que os nomes
universais são ditos corporais quanto à natureza das coisas, e in-
corporais quanto ao modo de significação, pois, embora deno mi-
nem as coisas que existem separad a , não as denominam separa-
damente e de modo determinado , mas de maneira confusa. Com-
plementa ele:

"Vejo que, do s existe ntes, uns se dizem corporais e outros


incorporais; quais deste s dizemos que são os que são signi-
ficados pelos universais? De um certo modo , os corporais,
isto é, separados na sua es ência e os incorporais quanto à
designação do nome univ ersa l, porque não os denominam
separada e det erminadamente, mas confusamente; ( ... ) daí
os próprio s nomes univ ersais serem chamados corpóreos
quanto à nature za das coisas, e incorpóreos quanto ao modo

78 Coleção f:ilo~ofia- 125


O problemados universais:a perspectiva
de lsoécio, Abelardoe Ockham

de significação, porque, embora denominem o que é sepa-


rado, não o denominam separada e determinadamente" 1º3 .

A terceira questão pergunta se os universais existem nas


coisas sensíveis ou fora delas. Ela decorre do fato de se conceder
que os universais são incorpóreos e, assim, dividirem-se em incor-
póreos , que estão no sensível, e incorpóreos, que não estão no sen-
síve l. Por um lado , é possível dizer que os universais existem nas
coisas sensíveis, porque designam a substânc ia interna dessas coi-
sas e não sua forma externa . A substância designada pelos univer-
sais não ex iste concretamente senão nas coisas sensíveis . Por outro
lado, os universais apontam para seus modelos na mente divin a e,
assim, existem fora das coisas sensíveis. Esclarece Abelardo:

"Diz-se que os universais subsiste m nos sensíve is, isto é,


que significam a substância intrínseca existente na coisa
sens ível; ( ... ) resta a que stão de saber se denominam apenas
os próprios sensíve is ou se significam também algo de ou-
tro modo ; ao que se responde que sig nific am, ao mesmo
tempo , os próprios sensíveis e aquela concepção comum
que Prisciano atrib ui princip almen te à mente divina" 104•

Respondendo à quarta questão form ulada por ele mesmo,


diz Abelardo:

IDJ "Video quod existentium alia dicuntur co rporalia , alia incorporalia , quae ho-
rum dicemu s esse ea quae ab universalibu s significantur ? Cu i res pond etur: cor-
poralia quodammodo, id est di sc reta in essentia sua et incorporalia quantum ad
univer sa lis nominis notationem , quod sc ilicet ea non discrete ac cleterminate
nominant, sed confuse ; ( ...) nomina ipsa univer sa lia et corporea dicuntur quan-
tum ad naturam rerum, et incorporea quantum ad modum significationis, quia
ets i quae discreta sunt, nominent, non tamen discrete et determi nate". L 1,
28,38-29,7.
104
"Et clicuntur universalia subsistere in sensibilibus, id est significare intrinse-
ca m substantiam existentem in re se nsibili ; ( ... ) restabat quaestio , utrum ipsa
sensibilia tantum appellarent an etiam aliqu id aliud significarent; cui responde-
tur quod et sensibi lia ipsa significam et simul communem iliam co nceptionem
quam Pricianus divinae menti praecipue ". L 1, 29, 11-38.

ColeçãoÍilosofia- 125 79
PedtoLeiteJuniot

"( ...) a so lução é esta : que nós , de mod o algum, admitimos


que haj a nomes univ ersais quando, tendo sido de struída s as
suas coisa , eles j á não são predicáveis de vário , porqu anto
nem são comuns a quai qu er coisas como o nome da
rosa 105, quando já não há mais rosas, o qu al, entreta nto , ain-
da é signifi cativo em virtud e de intelecção, e mbora careça
de denominaç ão, pois , de outra sorte, não have ria a propo-
100
sição: nenhum a rosa existe" •

A res po ta fornecida por Abelardo a essa quarta que stão


parece indicar uma distinção entre duas funções semâ nticas própri-
as da s palavras , a saber:
i) um a fun ção significati va que envia à significaç ão in-
telect ual do s nomes universais, na medida em que a
palavra fixa um a intelecção na mente;
ii) uma funç ão refe renci al, quer dizer , a palavra enqua nto
denom ina uma co isa sing ular, o que remet e à sua si-
gnifi cação real.
Não ex istind o as co isas reais às quais são atribu ídos os
nome s univ ersa is, eles perdem sua função den ominativ a de erem
pred icados de vár ios. Entreta nto, a função sig nificat iva subsiste,
em razão da significaç ão intelectual do nome univ ersa l. Ass im,
mesmo que não exista mai s a reisa, na ordem do real, para ser refe-
rida , sua intelecção mantém-se, possibilitando a formulaç ão da se-
guint e frase: "A rosa não existe " . Ainda que não possa mos mais
designar uma co isa, podemos formar um co nce ito daquilo que não
exi ste m ais.

105
Este texto de Abe lardo inspirou Umberto Eco o títul o de seu conhecido roman-
ce O nome da rosa, cuja última frase é: "( ...) stat rosa pristi11anomine, 1w111i11a
1111da te11em11s";[(...) da rosa antiga só permanece o nome, o que temos são no-
mes nus".] . ECO, Umberto. O nome da rosa. Tr ad. de Aurora F. Bernardini e
Homero F. de Andrade. Rio de Janeiro: ova Fronteira, 1983, p. 562.
106
'"( ••• ) haec est olutio quod univ ersali a nomina nullo modo volumu s e e, cum
rebus eorum perempti s iam de pluribu s praedicabi li a 110 11 sint. quipp e nec nulli s
rebus communia, ut rosae nomen i am permanentibu s rosis, quod tamen tunc
quoque ex intellectu significativum est, li cet nominati one careat, ali oquin pro-
positi o non esset null a rosa est"'. L I , 29,40-30,5.

80 Coleçãol=ilo~ofia
- 125
O ptoblema dos univetsais: a petspectiva de Boécio,Abelatdo e Ockham

Nossa hipótese inicial , segundo a qual Abelardo desl oca o


problema dos universais do âmbit o ontológico para o semântico,
parece ser confirmada. Ele nega a universa lidade às coisas ( res),
estabelecendo-a apenas às palavras. O problema fundamental de
que Abelardo deveri a dar conta é como os nome s universa is podem
ter significação, e isso coloca a questão no âmbit o semânti co.
O próprio Abelardo afirma que a fonte de numerosos erros,
no trato do problema , é a transposição indevida da universalidade
das palavra s às coisas:

"Deve- se notar, que, embora a definição do universal ( ...)


inclua apenas palavras, estes nomes são freqüentemente
transportados para suas coisas ( ...). Daí principalmente o
tratamento ambíguo tant o da lógica quanto da gramática in-
du ziu em erro, pelas tran sferências dos nomes ( ...)" 1º7 •

Concluindo esta parte de nosso estudo, pensamos que,


após Abelardo (século XII), somente com Guilherme de
Ockham (século XIV) a semântica (ou a linguagem) retoma
como ponto central nas disc ussões e abordagem do probl ema
dos universais .

107
"Notandum vero, quod licet solas voces definitio universalis ( ...) includat, sae-
pe tamen haec nomina ad res eoru m transferuntur ( ...). Unde maxime tractatus
tam logicae quam gramm aticae ex translationibus nominum ambiguus muit os in
errorem ( ...)".LI, 30,17-24.

Coleção J:ilosofia- 125 81


5

GUILHERME DE OCKHAM

5.1 O contexto histórico-cultural de Ockham

O período intermediário entre Pedro Abelardo (século XII)


e Guilherme de Ockh am 1 (século XIV), é bem menos exte nso, se,

1
Não há indicação exata da data do nascimento de Gui lherme de Ockham. Esti-
ma-se que tenha nascido por volta de 1280, na vila hom ô nima de Ockham , no
Condado de Surrey a vinte milhas de Londr es . O primeiro registro ce110 sob re
Ock ham data de 26 de fevereiro de 1306, dia e m que foi ordenado subdi ácono
na Igreja de St. Mary em Southwark , na dio cese de Winche ster . Ockham inicio u
seus estudos no conve nto Franci cano de Oxford em 1307, e, como determinava
o regulamento vigente, por oito anos se dedicou aos estudos teológicos, par a de-
pois passar a comentar as Sentenças de Pedro Lombardo, por mai s quatro anos.
Em 1318, Ockham obteve o título de Bacca/a11r eus Sententiarwn isto é, bacha-
rel apto a comentar as Se111e11ças . Gu ilherme chegou a Baccalaureus Fonnatus
na Universidade de Oxford . Nunca chegou a Magister, como deixa supor o tí-
tulo de Venerabilis lnceptor a ele tradicionalmente atr ibuíd o, ao que parece , em
parte por motivos doutrinário e em parte pela opo ição do chanceler de univer-
sida de, João Lullerell. Entre l 3 l 7- 1320, Ockham comentou as Sentenças, tendo
dado a redação final ao primeiro dos quatro livro s, ou seja, o Comentário ao
Primeiro Livro das Sentenças de Pedro Lombardo. destinado à pub licação , por
isso chamado Ordinatio. Em 1324, Guilherme tran feriu- e para o Convento
Franciscano de A vig non, onde residia o Papa João XXU, para responder , pe-
rante uma comissão de teólogo , nomeada pelo Papa, às acusações de here sia
movidas por João Lutterell. Ockham permaneceu e m Avignon de 1324 a 1328.
É desse período a obra S111n111a Logicae. Nesse tempo, ainda, foi convocado por
Miguel de Cesena, Geral da Ordem franciscana , a intervir na discussão acerca
da pobr eza evangélica e suas diversas interp retações, que dividiam a Ordem
dentro de si mesma e nos confrontos com o Papa . Ock ham alinhou-se com a ala
intransigente, que rejeitava com a pereza a orientação do Papa . Tal atitude teve
importantes desdobramentos nos seus escritos posteriore s. Decide, declarando-
se a favor da pobreza evangélica dos franciscano s, fugir de Avignon junto com
o Geral da Ordem, Migu el de Cesena e outros franciscanos. Todos asi lam-se na
Itália sob a proteção do imperador Ludovic o IV, o Bávaro . A fuga de Ockham
marca o distanciamento de seus est udos de intere sse filosófico e teológico , e o
início da compo ição de obras polêmica s de caráter primariamente político e

ColeçãoÍ ilosofia- 125 83


PedtoLeiteJuniot

comparado com o período que separa Abelardo de Boécio (século


VI) . Entretanto, nesse curto espaço de tempo, o Ocidente latino foi
intensamente marcado , tanto por um profundo movimento cultural,
social e político-religio so quanto por um grande desenvolvimento
intelectual. Conforme diz Boehner , "o século XIIIfoi o cenár io de
uma florescência científica sem precedente "1 . Saranyana, por sua
vez, designa o século XIII como "o Século do esplendo r "3 .
Ockham foi um herdeiro do século XIII. Sob tal perspecti-
va, parece útil apontarmos, em linhas gerais, alguns fatos ocorridos
nesse período que , de certo modo , colaboraram para a formação do
contexto no qual o Venerabilis lnceptor estava inserido.
O florescimento, no século XIII, das universidades - má-
xime a Universidade de Paris - é, notadamente, um dos traços
marcantes daquilo que é via de regra denominado de Filosofia Es-
colástica4. A reorganização e a sistematização do ensino universi-
tário possibilitaram espaços de debates e fomentaram o surgimento
de idéia s originais. Entre os métodos de ensino, podemos destacar
dois, aliás desenvolvidos por Abelardo, a saber: a lectio e a dispu-
tatio, que possibilitaram o aprofundamento e a sistematização nos
estudos.
É preciso acrescentar a essa efervescência acadêmica a in-
trodução no Ocidente do Corpus Aristotelicum, trazido , em parte ,
pelos filósofos árabes 5. O contato com os textos desconhecidos de
Aristóteles , principalm ente no âmbito da física, das ciências natu-
rais, da metafísica e da moral, representou um acervo de novas
idéias e descortinou um mundo novo aos pensadores desse período.
No entanto , o pensamento de Aristóteles foi instituciona lmente

eclesiológico . A partir de 1330, Ockham se estabe lece no convento franciscano


de Munique , região da Baviera , na Alemanha, permanecendo ali até sua morte,
ocorrida entre 1347-50, provavelmente vítima da peste negra.
2
BOEHNER, GILSON, op. cit., p.349.
3
SARANY ANA, op. cit., p.283 .
4
A respeito da univer sidae medieval: ULLMANN, Reinholdo A. A universidade
medieval. Porto Alegre: EDlPUCRS, 2000.
5
Sobre o significado do pensamento peripatético no Ocidente , conforme; DE
BON1, Lui s A. "A entrada de Aristótele s no Ocidente". ln : Dissertaria. Pelota s.
ano 1, n. l, I 995, p. 65-105 .

84 Coleçãoi:-ilo~ofia
- 125
O pwbl!itnados univetsais: a petspectivade Boécio,Abelatdoe Ockharn

proibido e combatido, por parte das autoridades clericais. A pri-


meira censura, por exemplo, data de 1210, quando o Concílio da
Província Eclesiástica de Sens proibiu a leitura (lectio) dos textos
aristoté licos e de seus comentários, tanto em público (nas aulas)
quanto privadamente , sob pena de excomunhão. Entretanto, apesar
das freqüentes censuras, o aristotelismo enco ntrou solo fértil junto
ao meio acadêrrúco (professores e alunos) e, progressivamente, foi
sendo assimilado e consolid ado .
Outro fato que muito contribuiu para o desenvolvimento
intelectual dos mestre s do século XIII foi o contato com obras de
pensadores de outras culturas. Por exemplo, os textos dos filósofos
árabes, dentre os quai s podemos destacar A vicena (980 - 1037) e
Averróis (1126 - 1198). A importância de Averróis fica manifesta,
na medida em que ele foi considerado o grande Comentador de
Aristóteles. Além disso, algumas doutrinas de Averróis, de cunho
aristotélico, como, por exemplo , a doutrina da unidade do intelecto
e a da eternidade do mundo, repercutiram positivamente entre al-
guns professores e alunos da Faculdade de Artes de Paris. A influ-
ência averroísta estava na base de um movimento conheci do pela
expressão averroístas latinos, entre cujos representantes figuravam
Boécio de Dácia (tl280) e Síger de Brabante (1240-1284).
A assimilação nos meios univer sitários das teorias de base
aristotélico-averroísta ultrapassou os muros da universidade. Tais
doutrinas, consideradas perigosas aos dogmas da Teologia, gera-
ram um debate e uma forte reação por parte dos teólogos. A reação
institucional 6, frente a um "aristotelismo radical", não tardou e foi
deterrrúnada por um fato que marcou profundamente a vida inte-
lectual e universitária européia no final do século Xlll. No dia 7 de
março de 1277, Estêvão Tempier, então bispo de Paris , condenou
219 teses que, segundo ele, eram defendidas por professores e alu-

6
A respeito das condenações no século XIU, ver, por exe mplo: DE BON !, Luis A.
"As condenações de 1277: os limites do diálogo entre Filosofia e Teo logia". ln :
Lógica e Linguagem na Idade Média. Org. Luis A. De Bani . Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1995, p. 127- 144. Ou ainda; WIPPEL, John F. "The Condemnati-
ons of 1270 and 1277 at Paris". ln: Journal of Medieval anel Renaissance Studi-
es. n.7, 1977, p. 169-201.

ColeçãoJ:ilosofia- 125 85
PBdtoLBifB
Juniot

nos da Uni versidad e de Paris. Tai s teses eram consideradas falsas;


sustentá-las era heresia. Estava feito , assim , o acerto de contas com
o aristoteli smo. Alguns dias depois, em 18 de março de 1277, o ar-
cebispo de Canterbury Roberto de Kilwardby, com o assentimento
dos mestres de Oxford , publicava também uma relação de trinta
proposiçõe s censurada s. Essas condenações estabe leceram uma
autocensura universitária e restringiram sensivelmente a liberdade
intelectual. Segundo informa Ghisalberti 7 , à época de Ockham ain -
da estava vivo , nos ambientes intelectuais ingleses, o sentimento
provocado pelas condenações de Tempier e Kilwardby , pois, en-
quanto alguns mantinham a validade das condenações, outros afir-
mavam que se tratava de proibições feitas por bispos e que, por-
tanto , decorrida a morte deles, não continuavam em vigor.
Uma discussão, que merece ser mencionada e que se ins-
taurou no século XIII, com repercussões no século XIV, particu-
larmente em Ockham, diz respeito ao debate sobre a pobreza evan-
gélica . O problema da pobreza envolveu tanto uma discussão inter-
na na Ordem franciscana (à qual Ockham pertencia) quanto com o
clero na figura do Papa João XXII .
No âmbito da lógica , por sua vez, o século XIJI propiciou
um complexo desenvolvimento de doutrinas terministas, conheci -
das pelo nome Logica Modernorum . Nesse período, foram elabo-
radas muitos tratados de Lógica, as Summae ou Summulae, cujo
estudo da teoria das propriedades dos termos 8 constitui , talvez, a
sua principal característica. Entre os lógicos do século XIII, pode-
mos destacar Guilherme de Sherwood (t 1249) e Pedro Hispano
(tl277), que deixaram importantes conteúdos , desenvolvidos pos-
teriormente por seus sucessores.
Por fim, é fundamental destacarmos (entre os fatos e pen-
sadores que contribuíram para a con strução do ambiente no qual

1
GHISALBERTT , Ales sandro . Guilherme de Ockham. Trad. Luis A. De Boni.
Porto Alegre : EDlPUCRS , 1997 , p.16.
8
Sobre a propriedade dos term os, ver; DE RIJK, L. M. ''The prigins of the theory
of the prop erties of term s". ln : The Cambridge History of Later Medieval Philo-
sophy. Ed . Kretzmann , N., Kenny, A. e Pinborg , J. Cambridge: Cambridge Uni -
versity, 1988, p. 161- 173.

86 ColBçãof:ilo~ofia- 125
O pwblernados universais:a perspectiva
de Boécio,Abelardo e Ockharn

Ockham estava inserido) o surgimento dos dois sistemas filosófi-


cos que muito influenciaram seus posteriores, a saber: o de Santo
Tomá de Aquino (1224/5 - 1274) e o de Duns Scotus (1265/6 -
1308).
Seguramente Tomás de Aquino fo i um homem do séc ulo
XIII. Sua tentativa de realizar um a síntese entre a verdades da re-
ve lação (Teologia) e os conceitos da razão aristotélica (acordo en-
tre fé e razão) representa o ponto de maior de envolvi mento da
Filosofia Escolástica. O pensamento de Duns Scctus , por sua vez,
já préfigura o espírito do sécu lo XIV, como diz Boehner: "(. .. ) do
ponto de vista histórico, sua obra é um início de idéias novas e de-
cis ivas "9.
Conforme aponta Gilson 10, o século XIV foi, em larga me-
dida, um período de crítica. Tal crítica, voltada para o sécu lo XIII,
visava denunciar a impo ssibi lidad e de apoiar o dogma na Filosofia,
e assim, acentuar a separação entre Teologia (Fé) e Filosofia (Ra-
zão). A respeito do século XIV acrescenta Libera:

"Período de extraordinária fecundidade intelectual, o século


XIV não foi de modo algum o século da decadência, des-
crito pelos historiadores que vêm no século xm, época da
síntese escolástica, o único cume do maciço medieval. Foi
um período de invenção conceituai, de crítica do aristote-
lismo grego-árabe e de inovação contínua" 11•

Após delinearmos , em seus aspectos gerais, o período que


antecedeu a época de Ockham, parece possível indicarmos , sinteti-
camente, o contexto no qual ele estava inserido , seguindo o que es-
creve Nascimento:

"Acentua-se a separação entre Teologia e Filosofia e, den-


tro do próprio domínio da Filosofia, toma-se uma consciên-
cia mais aguda da distinção entre certeza e probabilidade.
Tendo lido Averróis e as teses condenadas em 1277, os

9
BOEHNER , GILSON, op. cit., p. 488.
10
GILSON, op. cit., p. 794 .
11
LIBERA . A filosofia ... , 1998, p. 418.

Coleçãof:"ilosofia
- 125 87
PedtoLeiteJuniot

teólogos do século XIV se julgam bem informados dos li-


mites da razão , bem mais estreitos, segundo eles, do que os
que lhe tinham sido atribuídos pelos pensadores do século
XIII. Duns Scotus já é alguém em quem essas característi-
cas começam a se manife star. Mas é em Ockham que elas
vêm à luz plenamente" 12•

A passagem da época de Abelardo à de Ockham não repre-


senta apenas a passagem espácio-temporal de dois séculos, mas
fundamentalmente significa que nos encontramos diante de dois
mundos bastante diferentes. O divisor de águas entre eles é o sé-
culo XHI, que, por sua importância e suas características, suscitou
novos problemas e exigiu cuidadosas investigações, principalmente
de ordem metafísica.
No que diz respeito especialmente ao problema dos univer-
sais, a partir do século XIII, não foi mais abordado como uma
questão pontual, quer dizer, centrado principalmente nas questões
formuladas por Porfírio. Era uma questão que não deixava de ser
discutida, todavia seu tratamento estava subjacente e perpassava
discussões mais refinadas que envolviam outros temas investiga-
dos, como , por exemplo , o problema da individualização.

5.2 A questão dos universais em Ockham: a estrutura


crítica13

Guilherme de Ockham examina explicitamente o problema


dos universais em pelo menos duas de suas obras, a saber: no
Scriptum in Librum Primum Sententiarum 14 e na Summa Logicae 15•

12
NASCIMENTO . A querela ... , p. 60.
13
Seguim os co mo model o, para a con stru ção da estrutura crítica de Ockham, o
texto de Paul Vignaux, Nomi11alis me.. , col. 733 -741.
14
GUlLHERME DE OCKHAM . Scriptum i11Librum Primum Sente11tiarum. Or-
dinatio (Distinction es li - Ili ). In : Opera Theologica li . Ed. S. Brown , adlabo-
rante G. Gál. Cura Instituti Franciscani , Univer sitatis S. Bonaventurae, St. Bo-
naventure , N .Y ., 1970.
O probl ema dos univer sais é ex aminado ness a obra na di stinção II, questões de
IV a Vlfl , p. 99 -292. Estab elece mos que as referências de sse texto terão a se-

88 ColeçãoÍílo~ofia- 125
O ptobletna do~univet~ai~:
a pet~pectiva
de Boécio,Abelatdoe Ockhatn

Na primeira obra 16, o problema é tratado de modo extenso, e a ele


Ockham dedicou cinco questões que ocupam por volta de duas
centenas de páginas. Assim, as questões de IV a VII constituem a
parte crítica, e a questão VIII a parte resolutiva. Na segu nda obra,
particularmente os capítulos 15, 16 e 17 da 1ª parte, Ockham des-
envo lve a parte crítica do problema, mas de maneira bem mais
sintética 17 •
Como mencionamos mais acima, a partir do século XIII, o
prob lema dos universais não foi mais abordado pontualme nte (ten-
do como parâmetro as questões formuladas por Porfírio ), mas apa-
recia subjacente no exame de outros temas. Essa mudança de pa-
râmetro pode ser comprovada , por exemp lo, no início da discussão
de Ockham sobre os universais, quando coloca a seguinte questão:

"Ace rca da identidade e da distinção ent re Deus e a criatura


é pergunt ado se, entre Deus e as criaturas, exis te algo co-
18
mum unívoco , predicável essencia lmente de ambos" •

guinte configuração: L. Selll ., seg uida pelo número da questão (em algarismos
romanos), página e linha.
15
GUfLHERME DE OCKHAM . Summa Logicae. ln: Opera Philosophica I. Ed.
Ph. Boehner, G. Gál. e S. Brown . Cura lnstituti Franci sca ni, Universitatis S.
Bonaventurae, St. Bonaventure, N. Y., 1974.
Utilizaremos o texto latino coteja do com a tradução brasi leira da 1ª parte da
Suma Lógica. ln: Guilh erme de Ock ham: A Lógica dos Termos. Trad . de Fer-
nando Pio de A. Fleck. Porto Alegre: EDIPUCRS - Universidade São Franc is-
co, 1999. As referências , segundo o texto latino, terão a seguinte configuração :
Sum. Log ., parte, capítulo, página e linha.
16
Ut ilizaremos como texto-base para a discus são de Ockham acerca do problema
dos uni versais a obra Scriptw11 in Librum Pri11111111Se,uentiarum e, como texto
de apoio e comp lemento, a obra Summa Logicae . Isso não significa que abdica-
mos de referir algum outro texto de Ockham, o que será feito quando e se neces-
sário .
17
DE ANDRÉS, Teodoro. E/ nominalismo de Guillermo de Ockham como Filo-
sofía dei Lenguaje , Madrid: Gredos, 1969, p. 60-65 , observa que há um parale-
lismo , no que se refere à parte crítica, entre ambas as obras e, apresenta uma
análise detalhada de tal para lelismo.
18
"Ci rca identitatem et distinctionem Dei a creatura est quaerendum an Deo et
creaturae sit aliquid commune univocum praedicabile essentia liter de utroque ".
L. Sent ., IV, 99, 9- 11.

Coleção~ilo~ofia- 125 89
PedtoLeiteJunior

E se é o âmbito da Teologia, quer dizer, trata-se da possi-


bilidade de enco ntrar entre Deus e suas criaturas alguma coisa de
comum que seja atribuível à essência de um e de outro. O próprio
Ockham lembra 19 que a resol ução dessa questão depende do co-
nhecimento da natureza do universal, e é acerca de tal natureza que
ele levanta algumas que tões.
De imediato , visando delinear a estrutura crítica de
Ockham, fixemos um ordenamento das que tões de IV a VIII.
Na Quaestio IV diz Ockham:

" Pergunto , primeiro, se aquilo que imediata e proxima-


mente é denominado de intenção do universal e do unívoco
é verdadeiramente alguma coisa fora da alma, intrínseca e
es encial àqueles nos quais é comum e unívoco, distinto re-
alme nte deles" 2º.

A Quaestio V diz:

" Pergunto em seg undo lugar, se o universal e unívoco é


verdadeiramente uma coisa fora da alma , realmente distinta
do indivíduo, naque le também realmente existente, real-
mente multiplicado e variado" 2 1.

A Quaestio VI é expressa deste modo:

"Perg unto em terceiro lugar, se algo que é universal e uní-


voco é realmente fora da alma, a partir da natureza da coisa,
distinto do indivíduo ainda que não realmente" 22 .

19
L Serlf., IV, 99,12-15 .
20
"Primo quaero utrum illud quod immediate et proximo denominatur ab intenti -
one univer sa li et uni voei si t aliqua vera res extra animam, intrinseca et essentia-
lis ili is quibu s est comm une et univocum, distincta rea liter ab illis ". L. Sent., IV,
99, 16-19 .
21
"Secundo quaero utrum universale et uni voc um sit vera res extra animam reali -
ter distincta ab individuo, in eo tamen realit er exsistens, realiter multiplicata et
variata". L. Se111.,V, 153, 3-5.
22
"Te rtio quaero utrum aliquid quod es t universale et univocum sit realiter extra
animam ex natura rei di tin ctum ab individuo quamvis non realiter". L. Selll. VI,
160, 4-6.

90 ColeçãoJ:ilosofia- 125
O pwblBrna
dos univl!tsais: a p!!tsp!!ctivad!!Boécio, Ab!!lardo!!Ockharn

Na Quaestio VII é dito:

"Pergunto em quarto lugar, se aquilo que é universal e co-


mum uní voco é de algum modo realmente a parte da co isa
fora da alma" 23•

Por fim, a Quaestio Vl/J diz:

" Pergunto em quinto lugar, se o universa l unívoco é algum a


realidade ex istente subjetivamente em qualquer parte " 24 .

Parece possíve l, a partir da expos ição de sas cinco que s-


tões , ass inaJar mos que todas dizem re peito ao mesmo sujeito
examinado, isto é, ao uni versal. O orde namento das questões per-
mite , ainda, estabelecermos uma primeira divi são no tratamento do
problem a, a saber:
i) As que stões de IV a VII, que constituem a part e críti-
ca, formam um grupo, na medida e m qu e sustentam a
ex istên cia de uma natureza universal como algo, que ,
de algum modo , exi te extra animam (fo ra da alma)
nos indi víduos . Diz Ockham:

"( ... ) todas [as opi niões] nisto co nvêm: que os uni ve rsa is
são de algum modo à parte das coisas, daí que os univ ersa is
es tão nos singulares mesmos" 25•

ii) Na questão VIII, parte resolutiva, Ockham pergunta


se, recusadas todas as outras op iniões, o univer sal
existe de algum modo em qualquer parte - alicu bi.
Ora , trata-se aqui de localizar o universal in anima (na
alma).

23
"Q uarto quaero utrum illud quod est universa le et commune univocum sit quo -
modoc umqu e rea liter a parte rei ex tra animam". L. Sent., VII, 225, 4-5.
24
"Quinto qu aero utrum uni versa le univocum sit aliquid rea le exs istens alicubi
subiec tive". L. Se111., Vlll, 266, 10-11.
25
"( ... ) omnes conveniunt quod univ ersalia sunt aliquo modo a parte rei. ita quod
univ ersa lia sunt realiter in ipsis singularibu s". L. Se111
.. Y ll , 229, 4-6.

Coleção Íilosofia- 125 9!


Pedtoleite Juniot

Assim, temos uma primeira dicotomia na consideração do


problema: ou o universal existe extra animam ou existe in anima .
Determinamos , a seguir, a posição geral dos adversários de
Ockham (que sustentám o universal extra animam), conforme o
exposto na questão VII:

"Em conclusão dessa que stão, todos, que vimos, concordam


dizendo que , uma natureza , que, é de algum modo univer-
sa l, ao meno s em potênci a e incompleta, existe realmente
no indivíduo, ainda que a lgun s digam que é distinta real-
mente, alguns que simple smente formalmente, alguns que
de nenhum modo a partir da natureza da coisa, mas sim-
plesmente segu ndo a razão ou pela consideração do inte-
lecto" 26.

Todas as opiniões examinadas e rejeitadas por Ockham


concordam basicamente em colocar nos indivíduos (nos singulares)
uma natureza (natura) que é de algum modo universal. Em outras
palavras , sustentam a existência de uma natureza universal que é
comum a muitos e é parte constitutiva desses muitos e, enquanto
parte, é distinguível deles.
De acordo com Alféri 27 , a noção de natura, enquanto co-
mum e parte dos indivíduo s, foi uma herança legada pelos metafí-
sicos do século XIII e que adquiriu traços refinados em Tomás de
Aquino e em Duns Scotus. Conforme observa Adams 28, os defen-
sores dessa natura mantêm que os universais (gêneros e espécies)
existem nos singulares e são seus constituintes metafísicos. Além
disso , afirmam, também, que os univer sais são comuns aos indiví-
duos numericamente distintos. Mas , eles não são capazes de sus-
tentar que unicamente os gêneros e as espécies sejam os consti-
26
"ln conclu sione istius quae stio nis omne s quo s vidi concordant, dicentes quod
natura, quae est aliquo modo universali s, saltem in potent ia et incomplete, est
realiter in indi viduo , quamvi s aliqui dicant quod distinguitur realiter, aliqui quod
tantum formaliter, aliqui quod nullo mod o ex natu ra rei sed secundum rationem
tantum vel per con siderati onem inte llectu s" . L. Se111., VII, 225, l 7- 226 ,3.
27 ' .
ALFERl, op. cu., p. 34-35.
28
ADAMS , Marilyn M. William Ockham. Indian a: Notre Dame, 1987 , v. I. p.13-
14.

92 ColeçãoJ:ilosofia- 125
1 O ptobletnado~univet~a
i~:a pet~pectiva
de Boécio,Abelatdoe Ockhatn

tuintes dos singu lares. Pois , se esse fosse o caso, ou seja, se apenas
essa natureza (natura) fosse o único const ituti vo de qualquer ho-
mem particular, pareceria , então, que não haveri a mai s do que um
único homem .
Assim, se um a natura uni versal é considerada como parte
componente de Pedro e Manuel, de modo que ambos têm um
constituinte comum, então, em virtude de serem eles indivíduos
numericam ente distinto s, cada um deles deve ter um constituinte
que não é comum a ambos e, portanto, faz dele s indivíduos distin-
tos um do outro. Isso significa que os indivíduos, que são sing ula-
res, estão compostos por uma natureza (que é de algum modo co-
mum e distinta deles ) e de um princípio de individuação, isto é, de
uma diferença contraída, por meio da qual os singulares se distin-
guem numericamente . Estamos. aqui, diante de um tema de consi-
29
derável discu ssão, a saber: o problema da individuação .
Segundo record a Ghisalberti3°, o problema que envolve o
princípio de individuação é o de saber como e em virtude de qual
elemento a natureza univer ai se contrai, dando lugar à multiplici-
31
dade dos indivíduos da mesma espécie. Acrescenta, ainda , que tal
problema , tomado na perspectiva de Ockham, perde todo o signifi-
cado, configurando-se num pseudoproblema. Isso pode ser expli-
cado, em virtude de que Ockham e tava convencido de que apenas
o indivíduo existe e a realidade é por i mesma singular e, como
tal, inteligível em sua singularidade .
Todas as opiniõe ag rup adas por Ockham , na parte crítica,
estão de acordo em colocar nos indivíduos (portanto, extra ani-
mam) uma natureza (natura) que é de algum modo universal.
Afirmam, ainda, que essa natureza universal é comum a muitos e é
parte constitutiva de sses muitos . Além disso , concordam em que
tal natureza universal pode ser distin guida dos singu lares nos quais
está realizada.

29
Não visamos neste estudo aborda r a discussão ace rca do probl ema da individu-
ação, pois exig iria um a outra investi gação e, por co nseqüência, um novo traba -
lho.
30
GHISALBERTl, op. cit., p. 74.
31
/d., ibid., p. 74.

Coleçãor:no~ofia- 125 93
PedtoLeiteJuniot

O desacordo entre essas opm1oes surge quanto ao modo


pelo qual a natureza universal e o singular se distinguem. É possí-
ve l, nesse sentido, determinarmos uma segunda dicotomia, pois;
i) para uns, a distinção entre universal e sing ular é esta-
belecida a partir da natureza da coisa - ex natura rei;
ii) para outros, a distinção ocorre segundo a razão - se-
cundum rationem.
Entre aqueles que distinguem a natureza universal e o indi-
víduo (no qual está realizada), a partir da natureza da própria coisa
sing ular, podemos identificar três posições exam inadas por
Ockham nas questões IV, V e VI. É possíve l, então, fixarmos uma
nova classificação, pois há bem duas maneiras de se disting uir uni -
versal e singular ex natura rei: realmente ( realiter) ou formalmen te
(Jo,ma liter).
A distinção real (realiter) entre universal e singular pod e
ser entendida de dois modos.
Por um lado, há uma opinião, exposta na questão IV, que
afuma que a natureza universa l, mesmo realizada nos singulare s,
mantém sua unidade, isto é, permanece una e não-multiplicada
(non-multiplicata), ainda que os singulares sejam num ericamente
múltiplos. Escreve Ockham:

"( ... ) e todas essas coisas [universais] sem multiplicar-se,


por mais que os singulares se multipliquem, estão em cada
indivíduo da mesma espécie' 32 .

Por outro lado, a posição expressa na questão V sustenta


que a natureza universal e diversifica, ou seja, está multiplicada
(multiplica/a) nos singulares (nos quais está colocada) por meio de
uma diferença con traíd a. Diz Ockham:

"( ...) o universal é verdadeiramente uma coisa fora da alma,


distinta realmente por uma diferença contraída, ain da que

32
"( •.. ) et omnes illae res in se nullo modo multiplicatae, quantumcumq ue singula-
ria multiplicentur , sunt in quolibet individuo eiusdem speciei". L. Selll., IV, 101,
10-11.

94 Coleção filosofia- 125


O ptobhirnado~univet~ai~:a pet~pectiva
de Boécio, Abelatdo e Ockharn

realmente multiplicada e variada por tal diferença contraí-


da"JJ_

A op1mao que afirma uma distinção formal (formaliter)


entre universal e singular é examinada por Ockham , na questão VI,
e é apresentada deste modo :

"Quanto a esta questão é dito que, na coisa fora da alma, a


natureza é realmente a mesma com a diferença contraída
para um indivíduo determinado, ainda que distinta formal-
mente (...)" 34.

Entre aq ueles que asseveram uma distinção secundum rati-


onem, Ockharn avalia três versões que são tratadas na questão VII:

"( ...) todas estas opiniões afirmam que o universal e o sin-


gular são realmente a mesma coisa e não diferem senão se-
gundo a razão"35 .

Conforme informa Michon 36 , trata -se de modo geral, nessa


opinião , de uma úni ca e mesma coisa que é singular ou universal ,
seg und o um a distinção de razão. Isso quer dizer que entre uni versal
e singular há uma identidade real, e o intelecto, na consideração da
coisa, dá ao universal um certo modo de ser secundum rationem.
37
A primeira versão toma o universal como uma certa for-
ma nas coisas. Diferencia a forma do gênero da forma da espécie,
mantendo que ambas subsistem, cada uma à sua maneira, nas coi-
sas mesmas.

33
"( . .. ) univer sa le es t re vera ex tra animam , distincta realit er ab una differentia
contrahente, realiter tam en multiplicata et variata per talem differentiam con-
trahentem". L. Sent., V, 154, 5-7.
34
"Ad istam quaest ionem dicitur quod in re extra animam est natura eadem reali-
ter cum diff ere ntia contrahente ad determi natum individuum , distincta tam en
formaliter ( ... )". L. Se11t.,VI. 161, 2-4.
35
"( ... ) omnes istae opiniones ponunt qu od univer sa le et sing ulare su nt eadem res
realiter , nec diff erunt nisi sec undum rationem". L. Sent, VII, 229, 1-3.
36
MTCHON, op. cit., p. 405.
37
L. Sent., Vil. 226, 5-227. 7.

Coleção l=ilo~ofia
- 125 95
PedtoLeiteJuniot

Sobre a segunda versão escreve Ockham:

"Outros, no entanto, afirmam que uma coisa segundo seu


ser realizado é singular, e a mesma coisa segundo seu ser
no se u intelecto é univ ersal, de modo que a mesma coisa
segundo um ser ou segundo uma consideração, é universal,
e segundo outro ser ou segundo outra consideração, é sin-
gular" 38.

A terceira versão 39 sustenta que uma mesma coisa, sob um


conceito , é universal e, sob um outro conceito, é singular.
De modo geral , todas as opiniões examinadas por Ockham,
no Scriptum in Librum Primum Sententiarum, na parte crítica,
questões de IV a VII, concordam em manter uma natureza univer-
sal nas coisas singulares, portanto, extra animam. O desacordo en-
tre elas é estabelecido pelo modo como cada uma distingue tal na-
tureza universal dos singulares, nos quais está realizada.
Para visualizarmos com mais clareza a estrutura crítica de
Ockham, fixamos o seguinte esquema:

não-multiplicada
Realmente
istinta ex natura rei { multiplicada
A natureza {
universal tem ou Formalmente
existência ex-
tra animam enquanto forma
nos singulares Distinta secundum rationem pela consideração do intelecto
{ enquanto conceito confu so

Finalizando nosso esboço da estrutura crítica, podemos,


agora, a partir da articulação do ordenamento das questões (de IV a
VTI) e da fixação das opiniões examinadas por Ockham, indicar,

38"Alii autem ponunt quod res secundum esse suum in effectu est singu laris, et
eadem res secundum esse suum in intellectu est universali s, ita quod eade m res
secundum unum esse vel secundum unam considerationem est universalis, et
secundum aliud esse vel secundum aliam considerationem est singularis" . L.
Sent., YTI, 227 , 9-13.
39
L. Sent., VII, 227 , 15-16.

96 Coleçãof:ilosofia- 125
O problemado~univer~ai~:
a per~pectiva
de Boócio,Abelardoe Ockharn

seg und o sugere Vignaux 40 , um progresso de pensamento no desen-


vo lvim ento do problema, que vai da primeira à última questão . To-
das as questões tratam do modo de existência da natureza univer sa l
nas coisas (extra animam) . O grau de realidade atribuído à natureza
universal é medido, por assim dizer, seg undo a maior ou menor
distinção que a separa dos singu lares no quais está colocada. As-
sim temos:
i) Na questão IV, há uma distinção máxima, segundo
a qual a unidade da natureza universal despreza a
multiplicidade dos indivíduos nos quais está reali-
zada .
ii) Na questão V, encontramos uma disti nção menor,
onde a natureza univ ersal sob a diferença que re-
cebe se multiplica de um indivíduo a outro.
iii) Há uma distinção ainda menor na que stão VI, se-
gundo a qual a nature za universal e a diferença
contraída não são mais duas coisas realment e, em-
bora se distingam formalmente.
iv) Por fim, na questão Vll, encontramos uma di stin-
ção mínima, onde a natureza universal não se di -
tingue do sing ular, senão pelo olhar do espírito -
pela razão.
Após repassar todos esses modos de realizar o univer sa l
nas coisas - extra animam - Ockham não admite nenhum.

5.3 Parte crítica

Todo o movimento crítico de Ockham está fundamenta l-


mente centrado e marcado pelo seguinte princípio: toda a realidade
exi tente fora da alm a é essencial e imediatamente singu lar. De-
nominamos tal princípio pela expressão '·princípio de sing ularidade
do real". Atravé dele podemos expressar a rigorosa defesa que o
Venerabilis lnceptor faz do indivíduo como a única realidade con-
creta .

40
YIGNAUX. No111i11alis111e
..., col. 735.

Coleçilo~ilo~ofia- 125 97
Pedta LeiteJunior

O próprio Ockham escreve "(. ..) que entre os lógicos estes


nomes 'indivíduo', 'singular', 'suposto' são conversíveis (. ..)" 41 • O
individuo é definido como "(. . .) aquilo que é uma coisa em número
e não muitas (...)" 42 , e o singu lar como "(. .. ) tudo aquilo que é um
e não muitos "43 . Estamos, aqui, diante da conversibi lidaqe de ex-
pressões como: coisa (res), singu lar (singulare), indivíduo (indivi-
duum) e um em número (uno numero). Isso permite a Ockham
afirmar que tudo aquilo, a título de coisa (res) existente, é uma coi-
sa singular, um indivíduo e, portanto, um em número. Diz ele "(. ..)
que toda a coisa singular é singular por si mesma "44 e acrescenta
"(. ..) que toda a coisa fora da alma é realmente singular e uma em
número (. ..)" 45 . O indivíduo é determjnado em bloco, isto é, sua
singularidade não lhe é acrescentada, a singularid ade é sua essência
mesma . E completa:

"Disso se segue, que toda a coisa fora da alma é por si


mesma singular, de modo que ela mesma, sem nenhum
acréscimo , é aquilo que imediatamente é denominado de
intenção da singularidade',46 •

A afirmação, por parte de Ockham, do princípio da singu-


laridade do real não deixa espaço para a ad missão de qualquer tipo
ou modo de existê ncia de uma natureza univ ersa l nos sing ulare s,
ou seja, extra animam. Aos olhos do Venerabilis lnceptor, aqueles
que admitem uma nature za univer sal fora da alma assumem uma
posição falsa e absurda. Tal falsidade e absurdidade podem ser
demonstradas com evidência, segundo diz Ockham: "Coni efeito,

41
" ( •• •) quod apud logicos ista nom ina convenibilia sunt 'individuum· , 'singula-
re', ' suppositum ' ( ... )"'. Sum. Log. l , 19, 66, 6-7.
42
"( . .• ) illud quod est una res numero et non plures". Sum. Log., 1, 19, 66, 13.
43
"( . .. ) omne illud quod e l unum et non plura" . Sum. Log., 1, 14, 48 , 14-15.
44
"( •• . ) quod quaelibet res ingularis se ipsa est singularis". L Se11t
., VI, 196, 2.
45
"( ••• ) quod omn is res extra animam est realiter singulari s et una num ero( ... )". L.
Sent., VI, 196, 13-14.
46
"Ex istis sequitur quod quaelibet res extra anima m se ipsa est singularis, ita qu-
od ipsamet sine omni addito est illud quod immediate denominatur ab intentione
singularitat is" . L. Sem., VI, 197, 7-10.

98 Coleçãof:ilo~ofia- 125
O ptoblernados univetsais:a pGtspectiva
de Boécio,Abelatdoe Ockharn

pode-se provar com evidência que nenhum universal é uma subs-


tância fora da alma "41 .
De aco rdo com Yignaux 48 , a noção de evidência decide, na
parte crítica, contra todo o modo de existência do universal fora da
alma. Essa noção de evidência, entendida aqui no sentido de um
saber certo e indubitável, emerge de um âmbito do di curso que
para Ockham é prioritário, a saber: o âmbito lógico .
Ockham é essencialmente um lógico e a importância que
dedica à Lógica pode ser comprovada em pelo menos duas passa-
49
gens de suas obras. Na p1imeira diz ele:

"Como tudo aquilo que opera, pelo fato que pode errar em
suas operações e em seus atos, tem necessidade de um prin-
cípio diretor, pois que a inteligência humana, na aquisição
da ciência e de sua perfeição própria, procede necessaria-
mente do desconhecido para o conhecido, pois que sobre
esse princípio diretor ela pode errar de múltiplos modos, é
necessá rio descobrir uma arte, graças à qual ela distinga
com evidência o discurso verdadeiro do falso, para poder,
enfim, disce rnir com certeza o verdadeiro do falso. Ora,
essa arte é a Lógica e é por tê-la ignorado, como atesta o
Filósofo no livro I da Física, que numerosos dos antigos
caíram em erros diversos" 5º.

47
"Quod enim nullum universa le sit aliqua substantia extra animam exs isten s evi-
denter probari potest". S11111.Log., 1, 15, 50, 5-6.
48
VIGNAUX. Nominalisme ... , col. 736;738.
49
GUILHERME DE OCKHAM . Expositio11es i11 Libras Anis Logicae. Prooe-
mium". ln : Opera Philosophica li . Ed. Ernestus A. Moody. Cura lnstituti Fran-
cisca ni, Universitatis S. Bonaventurae, St. Bonaventure, N. Y., 1978. As refe-
rências , seg undo o texto latino, terão a seg uinte config uração: Prooem., página e
linha .
50
"Quoniam omne operans, quod in suis operationib us et actibu potest errare,
aliquo indi get directivo, et intellectus hum anus in adquirendo scientiam et suam
perfectionem ab ignotis ad nota discurrit necessario, c irca quod directivum erra-
re pote st multipliciter, necesse fuit aliquam artem inveniri per quam evidenter
cognosceret veras discursos a falsis, ut tandem posset certitudinaliter inter ve-
rum et falsum discernere. Haec autem ars est logica, propter cuius ignorantiam,
tes tante Philosopho l Physicorum , multi antiqui in errares varias devenerunt".
Prooem., 3. 3-11.

Coleção f:"ilos
ofia - 125 99
PedtoLeiteJuniot

No segundo texto escreve Ockham:

"Com efeito, a Lógica é, dentre todas as artes, o instru-


mento mais apto, aquele sem o que nenhuma ciência pode
ser perfeitamente conhecida; [uma arte] que não é consu-
mida pelo uso freqüente , à maneira dos instrumentos mate-
riais , mas que , pelo exercício diligente de qualquer outra ci-
ência , recebe um incremento contínuo. De fato, assim como
o artesão que carece de um co nhecimento perfeito do seu
instrumento , usando-o , adquire um con hecime nto maior,
ass im tamb ém o instruído nos só lidos princípios da lógica,
quando se dedica com empenho às outras ciênc ias, adquir e
simu ltaneamente uma perícia maior nesta arte . Assim , con-
sidero que o dito vulgar , 'a arte Lógica é uma arte frágil' ,
ap lica-se somente àqueles que negligenciam o estudo da
sapiência. ( ...) como o mais das vezes acontece que os jo -
vens se dediquem ao estudo das suti lezas da teologia e das
outras disciplinas antes de possuírem grande experiência
em lógica - e, por isso , caem em dificuldades inexplicáveis
para eles (dificuldades que, todavia, para os outros são pe-
quenas ou nulas) e incidem em múltiplo s erros, rejeitando
verdadeiras demonstrações co mo sofismas e aceitando so-
fistarias como demonstrações (.. .)"51 •

51
" Logica enim est omnium artium aptissimum instrumentum , ine qua nulla sci-
entia perfecte sciri potest, quae non more materialium instrumentorum usu cre-
bro consumitur , sed per cuiuslibet alteriu cientiae studiosum exercit ium recipit
incrementum . Sicut enim mec han icu s sui insu·umenti perfecta ca rens notiti a
utendo eodem recipit pleniorem, sic in so lidi s logicae principiis eruditus dum
aliis sc ientii s operam imp endit so llicit e simul istius artis maiorem adquirir peri-
tiam . Unde illud vulgare ·ar s logica labili s ars es t' in so lis sapientiale stud ium
negligentibus Iocum reputo ob tinere. ( ... ) quia plerumque contingit ante mag-
nam experientiam logicae subtilita tibu s theologiae aliarumque Facultatum iuni-
ores impendere st udium , ac per hoc in difficultates eis inexplicabiles incidunt ,
quae tamen aliis parvae sunt aut nulla e, et in multi piices prolabuntur errares, ve-
ras demon strationes tamquam sop hismata respuentes et sop hist icat iones pro
demonstrationibus recipiente s( ... )" . S11111.Log., Epistola Prooemialis, 5 , 2 - 6,
26.

100 Coleçãoi:ilo~ofia- 125


O ptoblernados univetsais:a petspectivade Boécio,Abelatdoe Ockharn

É munido de todo o arsenal que a arte lógica lhe fornece


que Ockham vai atacar e refutar as posições de seus adversários. A
esse respeito, Alféri escreve:

"Esta refutação, a mais sistemática que Ockham deixou ,


permanece um mode lo de pensamento escolástico, por sua
virtuosidade, sua intransigência e uma espécie de alegria
lógica, difícil de reproduzir num comentário" 52.

A seguir, tentemos reconstruir os movimentos críticos de


Ockham, em seus momentos mais vigorosos.

5.3.1 Contra a primeira opinião

A primeira opinião 53 examinada por Ockham é exposta


deste modo:

"Para esta questão há uma opini ão de que todo o universal


unívoco é uma certa coisa realmente existente fora da alma
e em cada singular e é da essência de cada singular, distinto
realmente de cada singular e de cada outro universal , assim
como o homem universal é verdadeiramente uma coisa fora
da alma realmente existente em cada homem , e do animal
universal e da substância universal; e assim de todos os gê-
neros e espécies, quer sejam subalternos , quer não sejam
subalternos. E, assim, segundo esta opinião , tantos são os
universais predicáveis de algum singular quantas coisas há
nele realmente distintas , cada uma das quais realmente dis-
tinta de outra e desse singular, e todas estas coisas sem
multipiicar-se, por mais que os singulares se multipliquem,
estão em cada indivíduo da mesma espécie" 54 .
5, ,
- ALFERI, op. cit., p. 43.
53
Segundo ADAMS (op. cit., p. 29) , essa opiniã o foi definida por Walter Bur-
leigh, contemporâneo de Ockham.
54
"Ad istam quaestionem est una opinio quod quodlibet universale univocum est
quaedam res exsistens extra animam realiter in quolibet singulari et de essentia
cuiuslibet singularis, di stincta realiter a quolibet singulari et a quolibet alio uni -
versali , ita quod homo universalis est una vera res extra animam exsistens rea-
liter in quolibet homine, et di stinguitur realiter a quolibet homine et ab animali

Coleçãol=ilosofia
- 125 101
PedtoLeiteJuniot

De modo geral, e sa opinião suste nta a existência de uma


natureza nniver ai fora da alma, ou seja, nas coisas. Tal universal,
a título de coisa universal (res universalis), é algo comum às coisa
nas quais e. tá co locado; é, ainda , distinto delas e mantém uma uni-
dade (estando ele não-multiplicado) , ainda que as coisas (nas quai s
está) sejam múltiplas.
A partir do que Ockham expôs, podemos enumerar como
principai s características dessa opinião os seguintes pontos:
(P l ): nas coisas extra animam há uma natur eza univer sal,
ou seja, uma coisa universal;
(P2): essa natureza universal é da essência (parte constitu-
tiva e intrín seca) das coisas nas quais é comu m;
(P3): tal coisa universal é realmente existente fora da alm a;
(P4): tal coisa unversal é, ainda, distinta realmente tanto
das coi as nas quais é comum quanto de outros uni-
versais;
(PS) tal coisa universal mantêm uma unidade não-
multiplicada, permanecendo una, ainda que as coi-
sas, nas quais é comum, seja m múltipla s.
De acordo com Mic hon 55 , para essa opinião a realidade da
natureza universal é determinada, ao mesmo tempo, por seu esta-
tuto de coisa (res) e por sua distinção real das coisas sing ulare s.
Assim, o universal é conceb ido enquanto uma res universalis co-
mum a certas subst âncias sing ular es e realmente distinta delas .
A humanidade, por exemplo, é tomada como uma coisa
universal que é comum e intrínseca tanto a Pedro quanto a Manuel,
porém di tinta realmente deles . Adams 56 observa, ainda, que essa

universali et a substantia universali, et sic de omnibus generibus et speciebus si-


ve subalternis sive non subalternis. Et ita sec undum istam opinionem quot sunt
universal ia praedicabilia in quid et per se primo modo de aJiquo singulari per se
in genere tot sunt in eo res realiter di tinctae quarum quaelibet realiter distin-
guitur ab alia et ab illo singulari , et omne s illae res in se nullo modo multiplica-
tae. quantum cu mque singularia multiplicentur, sunt in quolibet individuo eius-
dem speciei". L. Sent., IV , 100, 17-101, 11.
55
MICHO , op. cir., p. 386 .
56
ADAMS , op. cir., p. 30.

102 ColeçãoJ:ilosofia- 125


O ~toblernado~univet~ai~:a ~et~~ectivade Boécio, Abelardoe Ockharn

coisa univer sal combina com um prin cípio de indi vidualização para
compor a coisa singular que é Pedro e co mbin a com outro princí-
pio de individualização para compor a co isa singular que é Manuel.
Além disso, não importand o em quantas coisas singulares possa
existir, a coisa un iver sal perma nece una e não-multip licada.
A atitude de Ockh am frente a essa po sição é vigorosa:
"Essa opinião é simpl esme nte fal sa e absu rda (...)" 57 .
A questão que de imediato pode ser formulada é a segui n-
te: em que consiste a falsidade e a abs urdidade dessa op inião?
Para dar cont a de tal que stão, encontramo s um a série de
cinco argumentos, elencados por Ockh am, que visam mostrar as
incomp atibilid ades e contradições em que caem os defe nsores des-
sa po sição. A seguir, procuramos descrever três argumentos dessa
érie , destaca ndo seus principais a pectos.
O argumento inici al de Ockh am , segundo obse rva Mi-
cho n58, visa mostr ar que a própri a noção de natureza uni versa l
(co isa uni ve rsal), enquanto algo comum em vários, co ntém em si
uma incomp atibilid ade, em virtude de repo usar obre dois termos
co ntradit órios, a saber: singula r e universal.
Se a naturez a é uma coisa, então é singular . Se, por outro
lado a nature za é comum , então é univ ersa l. Ora, se a natur eza é
singul ar, então não é co mum . Ma s, essa última afirmação contradiz
aquilo que os defen sores da opini ão exami nada su tentam, ou seja,
que o univer sal é algo co mum nas co isas fora da alma.
A tarefa de Ockham co nsiste, nesse argume nto, em indicar
a contradiç ão que se esta belece entre a noção de num ericame nte
um (singular) e a noção de comum a vários (universal), caso tais
noções e verifiquem simult aneamente na res univ erso/is . Porém,
para realizar tal tarefa, ele deve provar que a natureza universa l
tomad a enquanto coisa (res) tem uma unidad e num érica, isto é, é
numeric amente um a e não-comum. Além disso, Ockham prec isa
mostrar que o univ ersa l como coi a (res) se reduz ao sing ular, isto
é, tudo aquilo a título de co isa (res) é por si mesmo num ericame nte
um e, portanto, singular.

57
"!sra opinio est simplicit er falsa et absurda( ... )". L. Se/li.. IV, 108, 2.
58
MlCHON, op. cit., p. 387.

Coleção í=ilo
~ofia - 125 103
Ockham inaugura sua crítica com o seguinte argumento:

"( ...) nenhuma co isa una em número - nem variada nem


multiplicada - é suposta em vários ou nos singu lares sensí -
veis, nem mesmo naqueles indivíd uos criados simultanea-
mente ; mas tal coisa, se afirmada, é uma em número; logo,
não seria em vários e da essência deles" 59 .

Podemos expressar esse argumento, por meio da seguinte


forma silogística:
Nenhuma coisa numericamente una é suposta em e essen-
cial a vários singulares;
Ora, toda coisa universal é numericamente una;
Logo, nenhuma coisa univer sal é suposta em e essencial a
vários singulares.
A premissa maior do silogismo (nenhuma coisa numeri-
camente una é suposta e essencial a vários) é explicada por
Ockham mediante uma exceção teológica, isto é, é próprio somente
da essência divina estar suposta essencialmente em vários singula-
res sem multiplicar-se 60 .
Para explicar a premissa menor do silogismo (todo univer-
sal é uma coisa numericamente una), Ockham recorre a um novo
silogismo 61, que pode ser expresso desta maneira:
Se um par de coisas realmente distintas e igualmente sim-
ples é cada uma delas numericamente uma; e, se a coisa universal e
a coisa singular são duas coisas realmente distintas e igualmente
simples; então a coisa universal e a coisa singular são cada uma
delas numericamente uma.
Para esclarecer tal argumento, Ockham toma a premissa
menor (a coisa universal e a coisa singular são duas coisas real-
mente distintas e igualmente simples) e avalia as duas noções nelas

59
"( ... ) nulla una res numero - non variata nec multiplicata - esl in pluribus sup-
positis vel singularibus sensibilius, nec etiam in quibuscumque individuis creatis
simul et seme l; sed talis res, si poneretur, esset una numero; igitur non esset in
pluribus singularibus et de essentia illorum" . L. Sent., IV, 108, 3-7.
60
L. Sent., IV, 108, 7-10.
61
L. Sent., IV, 108, 11-109, 4.

104 Coleçãof:ilosofia- 125


O ptoblernados univmais: a petspectivade Boécio,Abelatdoe Ockharn

contidas: a noção de coisas realment e distintas e a noção de igual-


mente simples.
A noção de que a coisa universal e a coisa singular são du-
as coisas realmente distintas estabelece uma distinção real entre
universal e sing ular. Da perspectiva dos adversários de Ockham,
tal distinção não é problemática, pois é admitida por eles através de
(P4).
O problema ocorre quanto à noção de que universal e sin-
gular são igualmente simples. Ockham recusa tal idéia e, ao contrá-
rio, afirma a maior simplicidade da coisa universal. Ele deve então
demonstrar que a coisa universal tem maior simplicidade do que a
coisa singular e, isso fazendo, prova a unidade numérica da coisa
universal. Para tanto desenvolve o seguinte movimento argumen-
tativo62: Se duas coisas , a e b, são igualmente sim ples, então ne-
nhuma inclui maior pluralidade de elementos constitutivos que a
outra . Mas, se a coisa a possuí maior pluralidade do que a coisa b,
então já não são mais duas coisa s igualmente simples. Ora, se a
coisa a (que possui maior pluralidade e, portanto, é menos simples)
é considerada como numericamente uma, então a coisa b (que não
inclui maior pluralidade e, portanto, é mais simples), com mais ra-
zão, deve ser considerada como numericamente uma.
Em outras palavras, segundo Ockham, a coisa universal
não inclui maior pluralidade de elementos constitutivos do que a
coisa sing ular e, portanto, é mais simples. Pois, se não fosse assim,
caberia a seguinte questão: esses elementos constituintes da coisa
univer sal seriam, eles mesmos, coisas universai s ou coisas singu la-
res?
Caso se dê o primeiro, ou seja, se os elementos constituin-
tes do universal fossem, eles mesmos, coisas universais, então tor-
naríamos a perguntar: cada uma dessas coisas universais (consti-
tuintes da coisa universal) é ela mesma constituída de outras coisas
universais; e, assim, seguiríamos sucessivamente questionando, o
que enviar-nos-ia a um processo ao infinito 63.

62
O argumento completo da simplicidade da co isa universal está expresso, L.
Sent. TV, 109, 7 - 1 lO, 5.
63
L. Sent., IV, 109, 16.

Coleçãoí=ilosofia
- 125 105
Pedto Leite Juniot

Ocorrendo o segundo caso, isto é, se os elementos consti -


tutivos da co isa univ ersal fossem, eles mesmo s, coisas singu lares,
então a coisa univer sal não se di tinguiria da coisa singular senão
como o todo da parte. Entretanto, isso contra diz aquilo que susten-
tam os adver ária s, pois, seg undo eles, o ingul ar inclui intrinse-
camente a coisa univ ersa l e algo a mais (o princípio de indiv idu a-
ção) e, por conse qü ência, o singular é o todo e o universal é a parte
(e sencial). Para completar, diz Ockham : "(. .. ) se qualqu er part e
for uma em núm ero, o todo será um em número " 64 .
Ao afir mar a maior impli cida de da coisa universal ,
Ock ham visa mostrar a unidade num érica do uni versal. T al inten-
ção fica clara, se ob servarmos os desdobramentos do arg umento,
que é complementado por inúm eras confir mações . Para citarmos
apenas um exem plo , diz Ockham:

"( ...) nunca um universal i nclui maior pluralidade de coi sas


(nem singular nem universal ) do que o singular e, por con-
seqüência, é igualmente simples e, por con eqüência, é um
65
em número; se é um em número, é singular" .

Basicame nte o primeiro argume nto prop o to por Ockham


visa mo strar os erros que co metem aquele que consideram a natu-
reza univer sa l co mo uma co isa (res) e como comum à várias . Visto
que toda a coisa (res) fora da alma é, por si mes ma, numericamente
uma, é singular. Sob tal prisma, a natureza univer sal incluiria em si
e simult anea mente du as noções contra ditórias , a saber: comum a
vários e num ericamente wn, o que aos olhos de Ock ham é absurdo.
ate mos, ainda, que tal co ntradi ção resulta daquilo que é dito pe-
los próprio s defe nsores dessa opinião. Segundo e les, a nat ureza
uni versal é com um naqueles nos quais está realizada. Mas, susten-
tam, também, que tal natureza uni versa l permanece una em si (não-
multiplic ada), ainda que seja m múltiplo s aqueles aos quais é co-

64
"( ••• ) si quaelibet pars sit una numero, toturn erit unurn numero". L. Sent., IV ,
llO. 6-7.
65
"( ... ) nunquam univer sale inc ludit maiorem pluritatem rerum (singularium nec
univer salium ) quam singulare. et per consequens est aeque implex, et per con-
sequens unum numero, si singulare sit unum numero". L. Sem., IV , 110, 12-15.

106 Coleção J:ilosofi:i- 125


Pedto LeiteJuniot

existência da existência de uma natureza universal, a humanidade,


que é sua parte essencial. Mas, a natureza universal humanidade
não depende para sua existência da existência de Pedro.
A conclusão do argumento (logo, pode existir sem a coisa
singular) afirma que a natureza universal existe, sem que exista a
coisa singular, confirmando ass im a primeira possibi lidade.
Em íntese, o argumento, apoiado na noção de anteriorida-
de natural da natureza universal, permite concluir que o universal
existe separado e distinto do singular. Isso signjfica que a humani-
dade existe, sem que exista o indivíduo Pedro , por exemp lo. De
acordo com Adams 67, parece perfeitamente razoável aos defensores
dessa primeira opinião sustentarem essa conclusão, visto que a na-
tureza universal humanidade, após a morte de Pedro, continua a
existir em Manuel , em Paulo, em João , etc .
Entretanto, visando inva lidar tal conc lusão, Ockha m utiliza
um princípio mais vigoroso 68 , segu:ido o qual, se a natureza uni-
versal pode existir independentemente de cada coisa singu lar de
uma mesma espécie, então ela deve poder existir indepe ndente-
mente de todas as coi as singulares colocadas sob es a espécie, ao
menos pela potência divina. Podemos expressar tal princíp io deste
modo:
se uma coisa a pode existir, sem que exista b ou e ou d ou
etc., então a coisa a deve poder existir, em que existam nem b,
nem e, nem d, etc.
Assim , conforme esse princípio , se a humanidade pode
existir, sem que exista um indivíduo particular, então ela deve po-
der existir independentemente da existência de todo e qualquer
homem. Ora , isso para Ockham é inconcebível e absurdo. Diz ele :

"A lém disso, se algo univer sal fosse uma substância exis-
tente nas substâ ncias singulares e distinta delas , seguir-se-ia
que poderia exist ir sem elas, porque toda a coisa natural-

67
ADAMS , op. cit., p. 32.
68
L Sent., IV, I 15, 4- 10.

108 ColgçãoÍiloi:ofia- 125


O ptoblernados uníveti:aíi::
a peti:pectíva
de Boécio,Abelatdoe Ockharn

mum. Ora, ser comum a vários e ser num erica mente um são duas
noções inconciliáveis , tomando, assim, tal opinião falsa e absurda.
O seg undo movimento argumentativo desenvolvido pelo
Venerabilis lnc eptor focaliza a pos sibilidade da existência separa-
da de coisas realmente distintas. Trata- se, nesse caso, de investigar
a distinção real entre a natureza univer sa l e a coisa singular.
Para invalidar a posição dos adversários, Ockham lança
mão de um princípio que pode ser expresso deste modo:
Se a e b são duas coisas distintas , então a pode existir sem
que exista b e vici::-ver a.
A partir de tal princípio, passa a examinar a distinção real
entre universal e singular, sob duas possibi lidades , a saber:
i) quer a natureza univer sal exista, sem que exista a coisa
singular, e
ii) quer a coisa singular exista, sem que exista tal natureza.
Examinando a primeira po sibilidade (existência da natu-
reza universal, sem que exista a coisa singular) , Ockham apresenta
este argumento:

"( ... ) toda a coisa anterior, realmente distint a de outra, pode


existir sem ela, mas para ti, es ta é anterior e é rea lmente
distinta; logo pode existir sem a coisa singular " 66 .

Vejamos mais de perto esse argumento, na medida em que


nos leva a admitir a primeira possibilidade.
Apoiando a primeira premissa (toda a coisa anterior, re-
almente distinta de outra, pode existir sem ela) encontramos a no-
ção de prioridade natural, que pode ser expressa nesta fórmula:
a é naturalmente anterior a b, se e somente se b depende de
a para sua existência, ma não vice-versa.
A segunda premissa (esta é anterior e é realmente distinta)
diz respeito ao fato de os defensores de sa posição sustentarem que
um homem particular (Pedro , por exemplo) depende para sua

66
"( ... ) omnís res prior alia re realiter di stinc ta ab illa potest esse sine ea, sed per
se ista est prior et est realiter distincta ; igitur potest esse ine re singu lari". L.
Sem .. IV, 115. 1-3.

Coleçíiol=ilosofia- 125 107


O ptohl!!tnados unimsais: a p!!tSp!!ctiva
d!!lsoécio,Ab!!latdo!!Ockharn

mente anterior a outra, pode, pela potência divina, existir


69
sem ela; mas o conseqüente é absurdo" .

Admitir a posição adversária, ou seja, a existência da natu-


reza, sem que exista o singular, leva à seguinte situação, que parece
absurda: haveria a Humanidade , sem que houvesse o homem .
Além disso, retomaríamos a idéia platônica de uma humanidade-
em-si, o que para Ockham ninguém de mente sadia conceberia 1°.
A segunda possibilidade de distinção real entre a natureza
universal e a coisa singular também é considerada por Ockham
como absurda. Tal possibilidade leva a admitirmos a existência de
um homem particu lar (Pedro) desprovido de sua própria essência ;
quer dizer , existiria o homem sem sua humanidad e. Diz Ockham:

"É confirmado por essa razão, porque , seg undo e les, o indi-
víduo acrescenta algo a mai s à natureza e esse algo por si
faz um com aquela coisa univ ersa l, porque se não, existiria
algo que não seria nem substânc ia nem acidente; logo, não
parece incluir contradição que aquilo que é acrescentado,
conservado por Deus, so breven ha sem qualquer natureza
71
univer sa l, o que é absurdo" •

Assim, Ockham considera absurda tanto a possibilidade de


que existe a humanidade , sem que exista o homem , quanto a pos i-
bilidade de que exista o homem sem sua humanidade. Rec usa, des-
se modo, as duas pos ibilidades de uma distinção real entre a natu-
reza univer sal e a coisa singu lar. Além disso, a própria noção de
dist inção real, como Ockham a entende, parece resolver a questão.

69
"Item, si aliqu od uni ver ale esse t substant ia una. exs istens in subs tantii s singu-
laribu s, distincta ab eis. seq ueret ur qu od posset esse sine eis, quia o mni s res pri-
or naturalit er alia potes! per divinam potentiam esse sine ea; sed co nseq ue ns est
absurdum". S11111. Log .. l. 15. 5 l, 25-28.
70
"( ... ) nullus sanae menti s caperet ( ... )''. L. Se111.,
IV , 118, 1-2.
71
''Confirmatur ista ratione, quia indi viduum aliquid acldit supra naturam , sec un -
dum istos, et hoc aliquid faciens per se unum cum ilia re universali, quia si non ,
tunc esset aliquid qu od nec esset sub stant ia nec acc idens; igitur 11011 videtur in-
cludere co ntradicti onem quod illud additum conserva tur a Deo sine omni natura
u niversali adveniente, quod vide tur absurdum". L. Selll., IV , 115 , 12 - 17.

Col!!çãol=ilosofia
- 125 109
PedtoLeiteJuniot

De acordo com o Veneranilis !nceptor12, a distinção real


ocorre somente entre duas coisas reai , ou seja, entre coisas num e-
ricamente uma e com existências independentes uma da outra. Isso
quer dizer que há, pelo menos, doi s critérios para que ocorra uma
distinção real , a saber:
i) que as coisas ejam uma numericamente e, portanto,
singu lares;
ii) que cada uma delas possa existir indepe ndenteme nte da
existência da outra.
Nesse sentido , há uma distinção real, por exe mplo, entre
Pedro e Manuel , entre João e um asno, etc. Mas, por outro lado ,
não há tal distinção entre a natureza universal e a coisa singul ar,
pois ,
a) pela forma argume ntativa anterior, o univ ersal não
pode ser tomado como numericamente um , em virtude
de gerar uma contradição. Assim, o primeiro critério
não é satisfeito;
b) pelo movim ento argumentativo em pauta, o segundo
critério também não é satisfe ito .
Portanto , entre natureza universa l e coisa singular não há
uma distinção real.
Por fim, destacamos o terceiro e último movimento argu-
mentativo (da série de cinco argumentos que Ockh am leva nta con-
tra essa primeira opinião) que examina a afirmação de que a natu -
reza univ ersa l é uma par1e constitutiv a e sencial da coisa singular.
Visando refutar essa afirmação, Ockham utiliz a o princípio
segun do o qual, se o todo é singular·, então proporcionalmente cada
uma das parte s que o compõe m também é singu lar. Sob tal per s-
pectiva, se a natureza universa l fos se parte da essência do indiví-
duo , esse ind ivíduo seria com posto de natureza s universais, como,
por exemp lo, a humanidade, a animalidade, etc . Conforme o prin-
cípio de que o todo é do mes mo núm ero que a parte, o indivíduo (o
todo) seria ele mesmo um universal ou suas parte ser iam singula-
res. A respeito disso, escreve ele: "(. .. ) e, conseqüentemente, o in-

12
L. Sent., rn, 78, 6 - 8.

110 Coleçãol=ilosofia
• 125
O ptoblernado~univet~aig:
a petgpectiva
de Bo~cio,Abelatdo e Ockharn

divíduo se comporia de universais, e, assim, o indivíduo nc7.oseria


mais singular que universal" 73, e complementa:

" Disto seguem-se muitos ab. urdos . Prim e iro, então que Só-
crates não mais seria uma coisa singular rnai do que uni-
versa l, porque o todo não seria mais denominado de urna
parte essencial sua mais do que por outra, as irn corno urna
composição não ser ia mais dita ser forma mais do que ma-
téria, nem o inverso , tanto quanto a forma seria a parte
principal" 74 .

Outro modo de recusar essa opinião é pela via da Teologia.


Admitir a natureza universal como parte essencial do indivíduo
impossibilita tan to a ação criadora quanto a aniquiladora da potên-
cia divina. Assim, por um lado, se a natureza univer sal fosse uma
parte essencial e comum a todos os indivíduos de uma mesma es-
pécie, Deu s não poder ia destruir um indivíduo, sem, ao mesmo
tempo, destruir os dem ai , na medid a em que, ao aniquilar a huma-
nidade que e tá em Pedro , an iquil aria a humanidade que se encon-
tra em Manuel , em Paulo , etc. Por outro lado, a potência divina não
criaria um novo indivíduo do nada , em virtude de que já preexistira
em outro s indivíduo s uma parte essencia l desse novo indivíduo.
Esclarece Ockham:

"A lém dis so, se essa opinião fosse verdadeira, nenhum in-
divíduo poderia se r criado, se algum indivíduo preexi stisse,
porque não receberia todo o ser do nad a, se o universal que
é nele, primeiro fosse em outro. Em razão do mesmo , tam-
bém se seguiria que Deus não poderia aniquilar um único
indivíduo de uma substâ ncia, se não destruísse os demais

73
"( ... ) et per conseguens individuum compo11ere1urex universalibus, et ita i11di-
viduum no11esset magis si11gularequam u11iversale... S11111. wg., I, 15, 51, 39 -
41.
74
"Ex isto sequuntur multa ab urda. Primum, quod tu11cSortes 11011 magis esset
res si11gularisquam universalis. quia totum non magis denominatur ab una sua
parte essentiali quarn ab alia, sicut compositum 11011
magis dicitur esse forma
quam materia nec e conver o, quamvis forma sit pars principalior". L. Sent, IV,
118, 7 - 11.

Coleção~ilosofia. 125 111


PBdtoLBitB
Junior

indivíduos, porque, se aniquilasse algum indivíduo, destrui-


ria tudo o que é da essência do indivíduo e, em conseqüên-
cia, destruiria o universal que é nele e nos outros, já que
não podem remanescer sem a parte sua com a qual é admi-
75
tido o univ ersal" .

Para finalizar, observamos que subjacente a todos os ar-


gumentos apresentados por Ockham contra essa primeira opinião
podemos identificar a afirmação do princípio da singularidade do
real. A partir desse princípio, o univer sal não pode ser admitido
como uma res extra animam (coisa fora da alma) comum a muitos
nos quai s estaria realiz ado. A natureza univer sal não pode ser to-
mada como coisa (res), na medida em que a própria noção de res
pressupõe uma unidade numérica, descartando, assim, a noção de
comum, pois aqui lo que é um em número não pode ser simultane-
amente comum a muito s. Além disso, o que existe fora da alma (na
realidade) , isto é, o singular, é determinado por si mesmo, como
um bloco , não admitindo qualquer tipo de divisão interna. A hu-
manidade de Pedro, por exemplo, é sua essência própria, não
constituindo algo que lhe é acrescentado como parte essencia l e
que possa ser distinto realmente dele. Além do mais, a noção de
distinção real cabe apenas entre coisas reais, que devem ser nume-
ricamente unas e que a existência de uma seja independente da
existência da outra. Por fim, considerar a natureza universal como
algo não-multiplicado é tomá-la como uma em número e, portanto,
singular. Estaríamos diante de uma natureza que seria universal ,
por ser comum e, ao mesmo tempo, singular, por ser não-
multiplicada, o que parece um absurdo.

75
"Item. si opinio ista esset vera, nullum indi viduu m posset creari si aliguod indi -
viduum praeexsisterer, guia non totum caperet es e de nihilo i universale guod
est in eo prius fuit in alio. Propter idem eriam seg ueretur guod Deus non po sse t
unum indi viduum sub stanti ae adnihilare nisi ce tera individua destrueret, guia si
adnihilaret aliguod individuum , destrueret totum guod est de essentia individui ,
et per conseguens des tru eret illud univ ersale guod est in eo et in aliis, et per
conseguen alia non manerent , cum non po sse nt manere sine parte sua , guale ·
ponitur illud universale". S11111. Log. I, l5, 5 l , 29 - 37.

112 - 125
ColBçíiol=ilo~ofill
O pwbliHna
dos univetsais:a petspectivade Boécio,AbelatdoB Ockharn

5.3.2 Contra a segunda opinião

A segunda opinião di scutida, conforme Ockham informa 76 ,


asse melha-se a uma opinião atri buíd a erroneamente a Dun s Scotus
por William de Alnwick (tl 332), um franciscano membro da es-
cola escotista.
Ockham ap resenta tal op inião deste modo:

"( ...) o uni versal é verdadeiramente uma coisa fora da alma,


realmente distinta de uma diferença contraída, ainda que
multiplicada e variada realmente por tal diferença contraí-
da"11_

Essa segu nda posição constitu i-se como uma variação da


primeira. Basicamente , a diferença entre elas con iste em que a
opinião em pauta sustenta que a natur eza universal é individualiza-
da, quer dizer , se torna singular pela diferença contraída, isto é,
pelo princípio de individuação . Temos aqui ua característica prin-
cipal, a saber: a natureza universal está multiplicada (multiplicata)
nas coisas singula res numericamente distintas.
78
De acordo com Adams , é possível enumerarmos quatro
teses básicas admitidas por essa opinião, a saber;
T 1: nas coisas fora da alma há uma natureza universal que
é de algum modo comum a muitos;
T2: tal natureza universal existe como part e das co isa ex-
tra animam;
T3: tal natureza universal é realmente distinta do princípio
de individuação (diferença contraída);

76
L. Se11r.,V, 154 . nota 1.
77
"( ... ) uni ve rsa le es t res vera ex tra animam, distincta realiter ab una d ifferentia
contrahente. rPaliter tam e n multiplicata et va riata per tal em different iam con-
trahe nlem". L. Selll., V, 154. 5 - 7.
78
ADAMS. op. cir .. p. 39. No . sa exposição dessa segu nda opin ião seg ue de perto
o texto de Adams.

Coleçãol=ilo
sofia - 125 113
T4: tal natureza universal está numericamente multiplicada
pela diferença contraída, nas coisas singulares numericamente dis-
tintas.
Ockham julga que essa teoria é, como no caso da posição
anterior, falsa e absurda. Além disso, para refutá-la, poderíamos
recorrer aos argumentos levantados contra a opinião precedente.
Diz o ele:

"Igualmente , que tal natureza [universal] não existe foi pro-


vado em todas as razões colocadas na questão anterior con-
tra a opinião ali rejeitada " 79 .

Certamente Ockham concordaria com T4, tendo em vista


que, por exemplo, ela leva-nos a admitir que haveria tantas huma-
nidades numericamente distintas quantos homens há singulares,
distintos numericamente, pois cada homem individual é portador
de sua próp1ia humanidade. Entretanto , Ockham não aceita a teoria
em seu todo , na medida em que as teses tomadas conjuntamente
contêm muitas contradições.
Determinemos , de imediato , dois movimentos argumenta-
tivos nos quais, jogando habilmente com as teses adversárias,
mostra as incompatibilidades entre elas e, portanto, a falsidade e o
absurdo de admiti-las.
A primeira forma argumentativa utilizada por Ockham,
para contestar a opinião adversária, consiste em mostrar que T l é
incompatível com T2; quer dizer, o universal não pode ser comum
e parte da coisa singular. Novamente Ockham recoITe aqui ao prin-
cípio , segundo o qual o todo é do mesmo número que a parte. Es-
creve ele:

"( ... ) mas há sempre uma proporção entre o todo e a parte ,


de modo que , se o todo é singular e não comum, qualquer
uma de sua partes é do mesmo modo proporcionalmente
singular, porque uma parte não pode ser mais singular do
que outra ; logo, ou nenhuma parte do indivíduo é singular

79
"Similiter , quod non sit tali s natura probant fere omne s rationes positae in priori
quaestione contra opinionem ibi improb atam " . L. Sem., V, 159, 7 - 9.

114 ColeçãoJ:ilosofia- 125


O ptoblerna dogunivetgaig
: a petgpectivade lsoiâcio, Abelatdoe Ockharn

ou toda é, mas não é o caso de que nenh uma parte seja sin-
gular "8º.

O segundo movimento argumentativo retoma a crít ica contra a


opinião anter ior so bre a distinção real entre universal e singu lar. Ora , ad-
mitir T3 requer a negação de T2 , pois diz Ockham:

"( ... ) se no indivíduo houvesse duas coisas realmente dis-


tintas, parece que não haveria co ntradi ção em que uma fos-
se capaz de existir se m a outr a, e, nesse caso, a ordem indi-
vidua l poderia ex istir sem a natureza contraída ou vice-
versa, cada uma das qu ais é um abs urdo " 81 •

Em síntese, essa opinião visa salvar a idéia da existência de


uma natureza univ ersa l extra animam e de sua distinção real das
coisas singulares onde está colocada. Porém, não afirma mais ,
como no caso da po sição anterior , a unidade não- multiplicada do
universal. Agora, através de T4, sustent a a natureza universal en-
quanto afetada por uma diferença contraída. Em outras palavras, o
universal multiplicando- se é indi viduali zado pelo princípio de in-
dividualização. Entretanto, essa so lução não resolve a questão ,
pois, ao se multiplicar a natureza univer sal nos indivíduos , tal uni-
versal torna-se um indivíduo a mais, o que segundo Ockham é ab-
surdo .

5.3.3 Contra a opinião de Scotus

A terceira opinião considerada pelo Venerabilis Inceptor é,


segundo ele mesmo afirma, a autêntica opinião de Duns Scotus.

80
"( ... ) sed semper imer totum et partem es t proportio, ita quod si totum sit sin-
g ular e 110 11comm une , quaelibet pars eodem modo es t si 11gu laris proportio11aliter,
quia una pars 11011pote st plus esse singu lar is qu am alia; igi tur vel nulla pars in-
dividui est si11gularis vel quaelibet; sed non nulla , ig itur quaelibet " . L. Se111.,V,
158, 23 - 159, 2.
81
"( ... ) si in individuo essen t talia du o realiter di tincta , 11011videtur includ ere
co ntradicti onem quia unum posset esse sine altero, et tunc posset esse grad us
individualis sine natura comracta ve l e converso; quorum utrumque est abs ur-
dum". L. Se111., V. 159, 3 - 6.

ColeçãoÍifogofia- 125 115


Pedto LeiteJuniot

Visando gara ntir a veracidade de sua exposição da teoria do Docto-


ris Subtilis, Ockham se propõe apresentá-la a partir do s próprio s
texto s de Scotus 82 . Diz Ockham:

"E porque essa opinião é, como creio, a opinião do Doutor


Sutil ( ...) por isso quero expor detalhadamente essa teoria,
que ele expôs em diversas passafens, em toda a sua integri-
dade sem mudar as expressões" 8 .

Ockham expõe a opinião de Scotus tanto no Liber Senten-


tiarum qu anto na Summ a Logicae. No primeiro texto escreve:

"Sobre essa opinião é dito que na coisa fora da alma existe


uma natureza realmente idêntica com a diferença contraída
para um indivíduo determinado, ainda que distinta formal-
mente, que por si não é nem universal nem particular, mas
que é universal incompleto na coisa e completo segundo a
existência no intelecto" 84.

Na egunda obra diz:

"Embora a muitos seja claro que o universal não é uma


substância exterior à alma, existente nos indivíduos e deles

82
A ques tão VI do Liber Se111entia , na qual é exa minad a a pos ição de Dun s
,:w11
Scotus , é dentre todas as que stões que trat am dos univ ersa is a mai s extensa. pre -
cisa mente são 64 páginas (da 160 a 224). Isso, por si só, j á manifesta a imp or-
tância , para Ockha m, da opinião de Scotus . Mas. não é nosso propós ito, nes te
est udo, realiz ar uma confrontaç ão efet iva e abra nge nte entre o pensamento des-
ses dois me stres franc i canos. Nesse sentid o, nos co ntentam os co m a apresenta-
ção que e le faz da teo ria de Sco tus e não disc utimo s se essa é correta ou não.
Trata- se aq ui da opi nião de Scotus co mo Ockham a entende u; falando de modo
mais claro. é o Scotus de Ockham.
83
·'Et quia ista opinio es t, ut credo, opini o Sub tili s Doctoris ( ... ) ideo vo lo lotam
istam opinionem, quam sparsim ipse po nit in diversis locis, hic rec itare di stinc-
te, verba sua quae ponit in diversis loc is 11011 mutando ". L. Sem., Vl, 161 , 6 - 10.
84
"A d istam quaestionem dicitur quod in re ext ra animam es t natura eade m reali-
ter cum differentia contrahente ad determinatum indi viduum , di stin cta tamen
forma liter, quae de se nec universal is nec part icularis, sed inco mplete dum esse
in intellectu " . L. Sem., VI, 161, 2 - 6.

116 Coleçãof:ilogofia - 125


O ptoblernados univetsais: a petspectivade Boécio, Abelatdoe Ockharn

realmente distinta, parece, todavia, a alguns que o universal


existe de algum modo fora da alma nos indivíduos, não, po-
rém. distinto realmente deles, mas apenas formalmente. As-
im, dizem que em Sócrates existe uma natureza humana,
contraída em Sócrate por uma diferença individual, que
não se distingue daquela natureza realmente, mas formal-
mente. As im, não são duas coisas, mas uma. todavia, não é
formalmente a outra" 85 .

Do expos to acima, podemos de stac ar as seg uintes caracte-


rísticas dessa opi nião:
1) nos indivíduos extra animam ex iste uma natureza (na-
tura) que lhes é co mum ;
2) tal natureza é realmente idêntica com uma diferença
individuali zante (prin cípio de individualização) nos in-
divíduos ;
3) tal natureza se distin gue da diferença individualizante
ape nas forma lmente (Jonnaliter);
4) tal natur eza considerada em si mesma não é nem sin-
gular nem univ ersal, mas é simpl esme nte comum
(communis).
A teoria de Scotus sustenta basicamente a ex istênc ia de
uma natura que é comum a todos os singulare s nos qu ais está colo-
cada e se distingue deles de modo apen as form al. A sim , segundo
essa opinião, os indi víduos (que são singu lares e, portanto , têm
uma unidad e numérica) e tão con stituído s por uma natura comum
que contrai , isto é, que recebe o acréscimo de uma diferença indi-
vi du alizante. Essa compos ição nature za-diferença, entre tant o, não
signifi ca urna ligação rea l entre dua s coisas (res), corno se uma
coisa real (dife renç a contraída) fosse unida a urna outra coi sa real
85
"Quamvi s multis sit perspicuum quod universale non sit aliqua substalllia extra
animam exsi tens in individuis, di tincLarealiter ab eis, videtur tamen aliquibus
quod univer ale est aliquo modo extra animam in individui s, non quidem dis-
tinctum realiter ab eis. sed talllum distinctum formaliter ab eisde m. Unde dicunt
quod in Sorte est natura humana, quae contrahitur ad Sortem per unam differen -
tiam indiv idualem. quae ab ilia natura non distinguitur real iter sed formaliter.
Unde non sunt duae res. una tamen non est formaliter alia''. S11111. Log., 1, 16, 54,
3- 10.

ColeçãoÍilosofia. 125 117


Pedto LeiteJuniot

(natureza comum), para formarem os indivíduos. Antes se trata de


uma ligação interna no próprio indivíduo, quer dizer , uma união
formal no interior do indivíduo . A natureza comum se individuali-
za por meio da diferença contraída. Em outras palavras , como in-
forma Alféri 86 , a natureza está contida no singular, graças a um su-
plemento formal, isto é, pelo princípio de individualização. Da
perspectiva dessa união formal, natura e diferença não diferem re-
almente no interior do indivíduo, embora urna não seja a outra
formalmente (formaliter). Assim, se a natureza comum e a diferen-
ça contraída são realmente, isto é, materialmente idênticas e apenas
formalmente distintas , então entre elas não há uma distinção reali-
ter mas somenteformaliter.
Tentemos exemplificar, como diz Alféri 87, esse difícil pen-
samento de Scotus. Um indivíduo humano é constituído por uma
natureza (a humanidade) que é comum a ele e a outros indivíduos
humanos . A essa natureza (a humanidade) é acrescentada formal-
mente (a título de suplemento formal) uma diferença individuali-
zante que faz com que cada indivíduo humano seja aquilo que ele
é. Natureza e diferença são os constituintes formais de cada indiví-
duo humano e, em cada indivíduo humano, elas são realmente
idênticas, mas formalmente distintas.
Após a exposição da opinião de Scotus, Ockham indica
uma característica importante da natureza escotista:

"E é da compreensão deste Doutor que, além da unidade


numérica , existe uma unidad e real menor do que a unidade
numérica , que é a própria da natureza e que é de a lgum
modo univer sal" 88 .

86
ALFÉRI, op. cir., p. 48.
87
!d., ibid .
88
"Et est de intentio ne istius Doctoris quod praeter unitatem numeral e m est uni tas
realis minor unitate numer ali, quae convenit ipsi naturae quae est aliquo modo
univer salis". L. Sent., V, 161, 11- 13.

118 Coleçãof:ilo~ofia- 125


O problemadoi:univeri:aii:: de Boiício,Abelatdo e Ockharn
a peti:pectiva

O Venerabilis lnc epto r traça a seg uir 89 seu plano de estudo


da natura escotista. Para Scotus, segundo Ockham, tal natura pode
ser comparada:
a) com o singular;
b) com a unid ade numérica;
c) com o ser univer sal, e
d) com a unid ade menor que a unidade numérica 9°.
No que diz respeito à comparação da natureza com o sin-
gular, Ockh am afi rma que para Scotus, a nature za considerada em
si mesm a não é um 'isto" (haec), ou seja, "es ta coisa singular". A
natura se torna um "isto" (haec), quer dizer, "esta coisa singu lar"
por meio da união formal co m a diferença indi vidualiza ntero. Es-
creve Ockh am:

"Se comparada co m sing ular mesmo, essa opin ião afirma


que a natureza [natura] não é po r si isto [haec] mas por
algo acrescentado. E em segundo lugar afirma, na questão
2, que aquilo que é acre sce ntado não é uma negação; nem é
algum acidente, na questão 3; nem existência atual , na
questão 4; nem matéria , na questão 5. Em terceiro lugar ,
que aq uilo que é acrescentado é do gênero de uma substâ n-
cia e intr ínseca ao indi víduo. Em quarto lugar , que a natu-
reza é naturalmente anterior àquilo que é contraído" 91 .

Em apo io ao que foi dito, Ockham expõe um texto de


Scotus 92 , para de imed iato enumerar as co nseqüências que se se-

89
L. Se111.,VI. 161, 14-17.
90
Apresentamo s. no que se seg ue. as comparaç ões de mod o bastante superficial,
tendo em conta que este eswdo não visa uma inves tigaçã o profunda e detalhada
do pe nsa mento de Scotu s. Observamo s, ainda, que Ockharn. seg uindo sua ori-
entação de expor a teoria de Scollls em sua inte gridade, após cada comparação
apóia o que diz, remetendo a um texto do própri o D01.11or S111il
.
91
"S i comparetur ad ipsum singulare, sic ponit ista op inio quod natura 11011 est de
se haec sed per aliquid additum. Et sec undo, ponit quod illud add itum 11011 est
negatio, quae tione 2; nec aliquod accid ens, quae stione 3; nec actual is exsis ten-
tia , quae tione 4 ; nec materia, quaestione 5. Tertio, quod illud add itum est in
ge nere substantiae et intrinsecum individuo . Quarto, quod nalllra es t prior natu-
ral iter ilia contrahe nte". L. Se111.,VJ, 161. 18- 162, 3.
91
L.Se111. , VJ, 162. 3-163 , 2.

Coleçãol=iloi:ofia- 125 119


guem da relação entre natura e diferença individualizante a partir
93
dessa comparação .
1) a diferença individualizante não é quiditativa;
2) a natura é naturalmente anterior a diferença contraída;
3) a natura , por si, não repugna à oposição dessa diferen-
ça individualizante , na medida em que tal natura pode
ser unida formalmente a uma outra diferença individu-
alizante;
4) a natureza e diferença não se distinguem como coisa e
coisa;
5) a natureza e a diferença se distinguem simplesmente
formalmente;
6) a natura é distinta de outras distintas diferenças que a
contraem. (A humanidade é distinta da humanidade
própria de cada ser humano).
Nov amente Ockham confirma o que foi dito, citando um
94
texto de Scotus .
Quanto à comparação entre natura e a unidade numérica,
diz Ockham:

"Se, por outro lado, essa natureza [natura] é comparada


com a unidade numérica , é afirmado igualmente que a natu-
reza [natura] não tem por si uma unidade numérica , nem é
aquilo que imediatamente é denominado por alguma unida-
de real. É, contudo, realmente uma em número. Não é re-
almente algo uno por alguma unidade real em dois indiví-
duos, mas implesmente em um" 95 .

Para Scotus, de acordo com Ockham, a natura não tem por


si mesma uma unidade numérica , visto que tal unidade é concedida

93
l,,.Sent., VI, 163, 3-13.
94
L. Sent., VI, 163, 13-17.
95
"Si autem ista natura comparetur ad unitatem numeralem. similiter ponit quod
natura non habet ex se unitatem numeralem, nec est illud quod immediate de-
nominatur quacumque unitate reali. Est tamen realiter una numero. Nec est rea-
liter aliquid unum quacumque unitate reali in duobus individuis sed in uno tan-
tum". L. Se111 ., VI, 164, 1 - 5.

120 Coleção~ilo~ofia. 125


O ptoblernado~univet~ai~:
a pmpectivade Boócio,Abelatdo e Ockharn

pela diferença individualizante. formalme nte distinta. Entretanto,


em virtude da identidade real com a diferença individualizante, a
natura se torna realmente una numericamente na coisa singular.
Michon afirma: "(...) a natureza é verdadeiram ente una quando
está unida à diferença singularizante para constitu ir uma substân-
cw. partzcu
. I ar ,,96 .
Mais uma vez 97, Ockham recorre a um texto de Scotus,
para sustentar o que foi dito. esse mesmo texto, Scotus ilusb·a seu
pensamento . Assim, tomemos, por exemp lo, a superfície branca de
uma folha. É dito que essa brancura não tem, em si mesma, uma
unidade numérica. Ma , enquanto contida na folha, tem realmente
uma unidade numérica, na medida em que a folha mesma tem tal
unidade .
A natura comparada com o universal gera uma situação
que De Andrés denomina de quase-universalidade 98 , ou seja, uma
universalidade incompleta. A natureza em si mesma é simples-
mente comum (comnlllnis), isto é, indiferente tanto à universalida-
de quanto à ingularidade. A natura enqua nto comum nas coisas é
um universal incompleto. O caráter de universal da natureza co-
mum é estabelec ido a partir da ação do entendimento. Isso quer di-
zer que nas coisas a natura é um universal incompleto e apenas no
intelecto é um universal completo. A tal respeito Michon 99 co-
menta que, para Scotus, co1111111.111i
s não é propriamente sinônimo de
universal, mas preferencialmente universal é o ser no intelecto, isto
é, comum é aquilo que, pensado, é sempre universal. Escreve
Ockham:

"Se, por outro lado, do terceiro modo , a natureza [natura] é


comparada com o se r universal é afirmado que por si não é
universal comp leto, ma seg undo tenha se r no intelecto. Em

96
MICHON, op. cit., p. 403.
97
L. Sent., VI, 164.6- 165. 9.
98 '
DE ANDRES , op. cit., p. 35.
99
M1CHON , op. cit., p. 403, n. 1.

ColeçãoJ:ilo~ofia
. 125 121
Pedw LeiteJuniot

segundo, que por si convém à comunidade não à singulari-


dade"100.

Com o de hábito , Ock ham confirma o que dis se, citando


Scotu s 101.
Por fim , a natura é comparada co m um a certa unidade me-
nor que a unid ade num érica . Para Scot us, a natur eza é port adora de
um a unidad e menor que a unidad e numérica. Nesse sentido, em
cada singular (que tem um a unid ade numérica ) existe, através da
natur eza, uma unidade menor que a unidade num érica. De An-
dré s 102 den omin a essa unidade menor infranumérica e come nta
que tal unidade não é algo que pertenç a à definição da natura en-
quanto tal, mas a qualid ade de ser uma "unidad e infranumérica" é
um proprium da natur eza .
Diz Ockham:

"Se em quarto lugar, a natureza [natura] é comparada com


uma unidade menor que a unidade numérica, é afirmado
que essa unidade não está sob a razão qüididativa da natu-
reza [natural, mas é predicada dela segundo o modo de di-
zer por si" 103.

A parti r das considerações de Ockh am, podemos resumir a


opinião de Dun s Scotu s através dos segui ntes ponto s:
i) a natura não ex iste realm ente fora da alma,mas está
(fora da alma) unida formalme nte a diferença indivi-
dualizante;
ii) a natura é um univer sal incomp leto na co isa singular ,
mas é um uni versa l completo no entend imento;

100" Si autem, tertio modo, natura comparatu r ad esse uni versa le, sic ponit quod de
se 11011 est comp lete uni versal is sed sec undum quod hab et esse in inte llec tu. Se-
cund o, qu od de se co nvenit sibi co mmuni tas. 11011 singu laritas". L. Se111 ., VI.
165, L0-13.
'°1
102
L. Selll., VI, 165, 13- 166, 18.
, ·
DE ANDRES, op. cll., p. 35-36.
103
"Si. quarto. compare tur natura ad unitat em minorem unit ate numerali, sic ponit
quod ista unita s non est infra rati onem quidditativ am naturae. sed praed ica tur de
ea sec und o modo dicendi per se" . L. Sent., VJ. 166, 19-22 .

122 ColeçãoJ:ilosofia- 125


O problemados universais: a perspectivade Boécio, Abelardo e Ockharn

iii) a natura, por si mesma, não tem unid ade numérica,


mas adqui re essa unidade numérica no indivíduo,
quando unida formalmente à difere nça individuali -
zante;
iv) a natura tem uma unidade menor que a unidad e nu-
mérica (unidade infranumérica).
v) a natu ra e a diferenç a individualizante são realmente
idênticas no ingular, mas se distingu em apenas for-
malment e (jon11aliter).
As críticas de Ockham endereçadas à teor ia de Scotu s es-
104
tão, segundo Michon na base de uma das mais acirradas polêm i-
cas que envolveram o Venerabilis ln cep tor . Tal polêmica já foi
obje to de estudo de numerosos comentadores 105, mas parece ainda
não ter encontra do seu termo. Nesse sentido , não de ejamos em-
preend er, aqui , uma expos ição defin itiva em torno desse assunto .
Damo-nos por satisfeitos, preferencialmente , com uma tentativa de
expres ar as principai s estruturas argu mentativa s desenvolvida s por
Ockham contra a opinião de Scotus.
De acordo com Ockham , é possíve l refutar a posição de
Scotus por dua vias 1°6 .
A primeira via de ataque visa a própria noção de distinção
formal. O movimento crítico de Ockham, para invalidar a distinção
escotista, consiste em reduzi-la a uma não-distin ção, dizendo me-
lhor, a uma ausência de distinção . Em outras palavras, exa mina as
poss ibilidades de distinções para concluir que a elas, não cabe, isto
é, não se enquadra a distinção proposta por Scotus.
De início escreve:

"( ...) porque é impossível nas criaturas 107 que algumas se


distinguam formalmente sem que se distinguam realmente;

104
MJCHO , op. cit. p. 406.
105
A DAM (op. cir .. p . 46-59). por exe m p lo. ap rese nta de modo notáve l as c ríti -
cas de Ockham à o pini ão de Scotus.
i0<, Em L. Sem., VI, 173 - 192. Ock ham uti liza duas vias para c riti ca r a teo ria es-
cot ista. En tre tant o, na S111111110 Logicae, cap. 16, essas d uas v ias são abando na-
das, e aprese nta uma série de arg um e ntos que re to mam ba icamente os d a pri-
meira via .

Coleção J:ilosofia - 125 123


logo , se a natureza [natura ] se distingue de algum modo da-
quela difer ença contraída, é preciso que se distinguam
como co isa e co isa ou, como se r de razão e ser de razão , ou
como ser real e ser de razão . Mas a primeira é negada por
esses e, igualmen te, a seg unda ; logo, é preciso que se dê a
terceira; logo a nature za [natura], qualquer que seja o modo
que se distin gua do indivíduo , não é senão um ser de ra-
zão108.

Ockham inicia seu movimento crítico, retomando uma dis-


cussão , desen volvida nas questões anteriores 10<\a respeito dos di-
versos tipo s de distinçõe s. Sua afirmação inicial de que toda a dis-
tinção entre seres cr iados co nsiste numa distinção real é bem im-
portante , na medida em que Scotus suste nta que a distinção formal
é autenticamente uma distinção (não-ide ntidad e) . Para Ockham , se
a distinção formal entre a natureza comu m e a diferença individua-
lizante é verdadeiramente uma disçinção, então tal distinção se re-
duz à distinção real. Mas reduzir a distinção escotista a um a distin-
ção real gera uma contradição na própria distinção formal. As sim
se prova que a distinç ão formal não é uma distinção real ; quer di-
zer, não se enquadra em um tipo de distinção . Tudo isso deve ser
demonstrado .

101
Ockh am não ace ita a distinção formal no mundo criado, isto é, nas criaturas ,
embora admita a poss ibilid ade de tal di stinção ap licada à potência di vina. Não
disc utire mos tal tema aqui , mas indicam os a esse respeito o belo co mentário de
DE ANDRÉS (op. cit ., p. 39-42).
108
"( ... ) quia impossibi le es t in crea turi s aliqua differe formaliter nisi distinguan-
tur rea liter; igitur si natur a aliqu o modo distinguitur ab ilia diff erenti a co n-
trahente, oportet quod di stinguantur sicut res et res, vel sic ut ens rationis et ens
rationis, vel sicu t ens rea le et ens rationis . Sed pr imum nega tur ab isto, et simi-
liter secu ndum , igitur oportet dari tertium ; igitur natura quae qu oc umque modo
distinguitur ab indi viduo non es t nisi ens ratio nis". L. Se111., VI, 173, 12- 18.
109
L. Sent. I, l4 , 8-20 e L. Sem., Ili , 78, 4-79. 2.
Ockham aprese nta as seguinte s distinç ões:
distinç ão real: entre coisas reais;
di stinção de razão: entre seres de razão , isto é, entre conc e itos.
di stinção intermediári a (quasi 1nedia) : e ntre uma co isa rea l e um se r de razão.
e, uma distinçã o que Ockham não nomeia, en tre um compos to de co isa rea l e ser
de razão com um outro composto se melhant e.

124 - 125
ColBçiio J:iloi:ofia
O problemados univetsais: a petspectivade Boécio,Abelatdo <! Ockharn

Conforme Ockha rn 110, uma distinção rea l ocorre apenas


entre co isas reais (ells reale ab ent e rea li) . Um cr itério, para se es-
tabelecer um a dist inção real é co ncedid o pe lo princípi o de contra -
dição, corno esc rev e Ockh am "(. .. ) porque a comr ad ição é a via
mais p oderosa para provar a distin ção das co isas" 111• Ass im, dua s
coi sas são realm ente distintas se cada urna de las pode receber pre-
dicados contraditó rios. O critério de distinção rea l pode ser expres-
so atrav és da seg uint e fórmula: se a e b são realmente distintas ,
ent ão é pos sível afirmar, de ambas, se m co ntradição que a é F e b
é não-F.
De acordo com Ockh am, não é poss ível que, nos seres cri-
ados, isto é, nas coisas reai s. ex ista uma distinção forma l, sem que
exista um a distinção real. Nesse sentid o, a distin ção formal se re-
duz a um a disti nção rea l. Mas, se aplic armos o critério, que esta-
belece a distinção rea l, à distinção for mal , o resultado é um a con-
tradição nos termos dessa última . Ora, se a natur eza com um e adi-
fere nça individualiz ante distinguem- se apenas formalmente, por
mín ima que seja essa distinção, elas não são de todo o mod o (om-
nibus modis) a mesm a co isa. Se não ão a mesma co isa, é poss ível
afir mar algo de uma e negar o mes mo da ou tra . Ma , Scotu s man-
té m que a natureza e a diferença são re alm ente idênticas e m uma e
mesma co isa, e disso deco rre uma contradição na própria co isa. Por
exe mplo, uma coisa singular conteria em si o próprio e o comum.
A ta l respeito escreve Ockham:

" Alé m di sso, a mesma coisa não é comum e própri a; mas,


segundo eles, a dif erença individua l é própri a, o uni versal,
porém, é comum, portanto, nenhum uni versal é a mesma
coisa do que uma difer ença indi vidual" 112 .

º L. Se111
11
., III, 78. 6-8.
111
' '( •. • ) quia con tradi ct io est via potentíssima ad probandum distinc li onem re-
rum ". L. Selll., Yl. 174, 5-6.
11
~ ·'Item, eadem res non est comm uni s et propria; sed secundum eos diff erentia
ind ividualis est prop ria, univ ersale autem est com mune; igitu r nullum universale
et diff erenti a indiv idu al is unt eadem res... Swn. Log., l, 16, 54, I 9 - 55, 2 1.

Coleçãof::ilo
sofia - 125 125
PedtoLeiteJuniot

Aceitar a distinção formal e não real de Scotus levaria ao


desaparecimento do critério de distinção real e, além disso, supri-
miria toda a distinção real entre os seres criados . Diz Ockham:

"( ...) porque, se a natureza [natura] e essa diferença contraí-


da não são de todo o modo o mesmo , então se pode verda-
deiramente afirmar algo de uma e negar da outra; mas nas
criaturas não se pode verdadeiramente afirmar e negar o
mesmo de uma mesma coisa; logo, não são uma [mesma]
coisa. ( ...) se nas criaturas, de uma mesma coisa , se pode
com verdade afirmar e negar completamente o mesmo, não
pode-se provar nenhuma distinção real entre elas"' 13.

Definitivamente a distinção formal não se aplica às coisas


extra animam, cabendo a essas unicamente uma distinção (não-
identidade) real. Completa Ockham:

"( ...) porque nas criaturas jamais pode haver alguma distin-
ção, qualquer que seja , fora da alma, senão onde as coisas
são distintas; se, portanto , entre esta natureza [natura] e esta
diferença há uma diferença , qua lquer que seja , é preciso
que elas sejam coisas realmente distintas"' 14•

Recusada a possibilidade de que a distinção formal seja


uma distinção real, pareceria, talvez, que ela fosse uma distinção
de razão. Assim, se a natureza comum e a diferença individuali -
zante formam uma unidade em uma e mesma coisa e não diferem
realmente, mas formalmente , então a distinção eqüivaleria a uma

113
"( . .. ) quia si narura et ilia differentia contrahe11s 11011
sint idem omnibus modis,
igitur aliquid potest vere affirmari de uno et negari a reliquo; sed de eadem re in
creaturis non potest idem vere affirmari et vere negari; igitur non sunt una res.
( ... ) si in creaturis ab eadem (vel ab eodem pro eadem re) potest omnimo idem
vere negari et vere affirmari , nulla distinctio realis potest probari in eis " . L.
Sent., VI, 173, 19-174, 8.
114
"( ... ) quia in creatu ris nunquam potest esse aliqua distinctio qualiscumque extra
animan nisi ubi res distinctae sunt; si igitur inter istam naturam et istam diffe-
rentiam sit qualiscumque di stinctio , opertet quod sint res realiter distinctae".
Swn. Log., I, 16, 54, 11-14 .

126 ColeçãoÍilo~ofia- 125


O ptoblerna do~ univetsais: a petspectiva de Boécio, Abelatdo e Ockharn

simpl es di stinção de razão. Entreta nto, pa rece, també m, que esse


não é o caso.
Segundo Ockha m 115, uma di tinção de razão oco rre ape na
entre seres de razão, isto é, entre co nceitos qu e, por sua vez, não
tê m teo r ontológico. O próprio Sco tus nega que a natu ra e a dif e-
rença seja m, a duas, seres de razão. Natureza e diferença e tariam
mais para um par dis imét 1ico, seg undo o qu al a nat ureza (uni ver-
sa l com pleto) seria um ente de razão e a dife rença, enqu anto pró-
pri a do indi víduo, um ser real. esse sentid o, a distinção fo rmal
não é um a distinção de razão; quer dizer, não se enquadra em um
dos tipos de dis tinções afirmadas por Ock ham.
No entanto, ab re-se a poss ibil idade de que a di stinção es-
116
co tista seja um a distinção quasi 111 ed ia , que é aq uela que oco rre
entre um ser rea l (ens reale) e um ser de razão (ens rationis). Mas
aqui também há problemas, pois a poss ibilidade dessa distinção
intermediár ia fica prejudica da em virtude de Sco tus sustentar a
unid ade rea l entre natura e diferença que se dis tinguir iam apenas
form almente. Por um lado, se a natureza e a dife rença dif erem
fo rmalmente, diferem por razão, mas a distinção de razão requer
dois seres de razão, o que não é o caso . Por outro lado, a natura é
admitid a como um universa l comp leto ape nas no intelecto (ens ra-
tionis). Sem dúvida, Ock ham aceita o un iversal apenas com o ser de
razão. M as Sco tus també m toma a natura como um uni versal in-
co mpleto, enqu ant o unid o à difer ença na coi sa singular e, portanto,
co mo um ser rea l. Ora, na tura teria, então, dois modos de ser:
co mo um ser de razão (no intelecto) e co mo um ser rea l (no singu-
lar), o qu e parece co ntradi tório. Ass im, a distinção form al não é
uma di stinção qua si med ia, poi essa press upõe uma distinção en-
tre ser rea l e ser de razão. M as na distinção escot ista um dos termos
não sat isfaz co mpl etamente tal press upo ição, visto qu e a na tura é
um se r de razão no intelecto (uni versal co mpl eto) e é um er rea l
(uni ve rsa l inco mpleto) na co isa onde está realizada.
Resulta des a prim eira via crítica que a noção de distinção
forma l de Sco tus não se enquad ra nas poss íveis di stinções e, prin -

115
L. Sem .. lll , 78. 9-10.
116
L. Sent., lll , 78, 12- 15.

ColeçãoJ:ilosofia - 125 127


PedtoLeiteJuniot

cipalmente, que a distinção esco tista não pode ser ap licada às co i-


sas criadas. Nesse ponto , Ockham é taxativo:

"C umpr e dizer, po rtanto , que nas criatur as não há tal distin-
ção formal, mas todas as [coisas] qu e nas criaturas são di s-
tintas são rea lmente distint as, e são coisas distint as, se cada
uma delas é uma co isa verdadeira" 117.

A seg unda via crítica 118 desenvo lvida por Ockh am ataca di-
retamente a próp ria natura communi s escotista, mais precisamente
seu caráter de comunidade e sua unid ade infranumérica.
Conforme Ockh am, ainda que , por hipót ese, aceitássemos
a distinç ão formal nas criaturas, nem assim seria possível salva r-
mos tal natureza co mum. Diz ele:

"A seg unda via pod e argüi r co ntr a a op inião prece dente
que ela não é verdadeira, ainda qu e se afi rme qu e tal dis-
119
tinção existisse" •

Os movimento s argumentativos de Ockh am têm como base


o emprego do princípio de contradiç ão. O arg umento seguinte visa
mostrar a contradição que se estabelece entre a coexistência da
unidade numérica reaJ da natura e dessa outra unidade infranumé-
rica . Diz Ockh am:

'·Mas, para ti, toda a coisa fora da alma é rea lmente singular
e uma em núm ero, ainda que alguma coisa sej a singular por
si e outra simples mente por algo ac resc ido; logo, nenhuma

117
"Dice ndum es t igitur quod in crea turi s nu lia es t tal is distinctio formal is, sed
qu aec umqu e in creat uris unt disti ncta, realiter sunt di stincra, et sunt res di s-
tinctae si utrumqu e illorum sit vera res". S11111. Log., I, 16, 56, 66-68.
118
Essa seg und a via desenvo lvida por Ockham, e m L. Se/li., VI, co nté m se te ar-
gume ntos (p. 177 a 192) contra natura co111m1111is, além das muitas "co nfirm a-
ções", nas quai s se multipli cam os silog ismos. Alguns de sses argumentos são
reprodu zidos sinteticamente na Su111111a Logicae, ca p. 16. Por brev idade, não
aprese ntaremos todos os argumentos de a via.
119
"Sec unda via potest argui contra praedictam op inionem quod non est vera. eti-
am posi to quod esset talis distinctio ". L. Senl., VJ, 177, 9- IO.

128 Coleçãor:Hosofi
a - 125
O pwblema dos univetsais:a petspectivade Boécio, Abelatdoe Ockham

coisa fora da alma é realment e comum nem uma unidade


opos ta à unidade da singularidade; logo, realmente não há
algu ma unidade senão a unid ade da singularidade" 120.

Segundo Scotus , toda a coisa fora da alma é singu lar por si


(de se). Ma s afirma, também, que a natura (humanidade) torna-se
singular pela união formal com uma diferença. Ora , se não há uma
unidade real além da ingular (realizada pela união formal), então a
natureza enquanto comum não tem unidade real, quer dizer , não há
nenhuma comunidade nem, por conseqüência, nenhuma universa-
lidade real . Mas, Scotus , na tentativa de sa lvar sua natura commu-
nis, afirma que ela tem no singular uma unidade menor qu e a uni-
dade numérica, ou seja, um a unid ade menor que aq uela unidade do
singular em si mesmo . Além disso , Scotus sustenta que essa unida-
de infranum érica é conciliáve l com a comunidade. No entanto,
aqui há uma incompatibilidade, pois a humanidad e de Pedro estaria
contida em Pedro e tal humanidade teria uma unid ade menor que a
unidade singular de Pedro. Porém , enquanto comum a Pedro e a
Manuel, a humanidade tetia também uma unidade mais ampla que
aquela unidade de Pedro e da unid ade de Manuel. A unidade infra-
numérica defendida por Scotus, contradiz , então, a noção de comu-
nidade e, por conseqüência, não há comunidade .
Os argumentos contra a teoria de Scotus são numerosos e,
dentre eles, apresentamos mais dois . O primeiro é exposto deste
modo:

'A lém disso , se a natur eza [natura] comum fosse a mesma


realmente que a dif erença indi vid ual haveria realmente
tantas naturezas comuns quantas diferença individuais há,
e, em conseqüênc ia, nenhuma delas se ria comum, mas

120
"Sed per te. omnis res extra ani111 am est realiter singularis et una nu111ero
quamvis aliqua de se sit singularis et aliqua tantum per aliquid additum; igitur
nulla res extra animam est realiter co111munisnec una unitate oppos ita unitati
singularitati s, igitur realiter non est aliqua unitas nisi unitas singularitatis". L.
Sell{., VI, 177, 15-19.

Col!!çãor:Hosofia- 125 129


PedroLeiteJunior

qualquer um deles seria próp1io da diferença com respeito à


121
qual ela é a mesma realmente" .

No segundo diz Ockham:

"Em terceiro argúo assim: a humanidade de Sócrates e a


humanidade de Platão se distinguem realmente, logo cada
uma delas é realmente uma em número e, por conseqüê ncia ,
nenhuma delas é comum" 122.

Em suma, a teoria de Scotus, como as opm1oes anterior-


mente criticadas, mantém a existência extra animam do universal.
O Doutor Sutil sustenta uma natura communis distinta apenas for-
malmente (fonnaliter) do singu lar. Mas, essa solução não resolve a
questão em virt ude das contradições que, segu ndo Ockham, ela
estabelece. De Andrés resume deste modo a situação da doutrina
escotista:

"Pa ra Ockham essa situação criada por uma 'natura' colo-


cada simultaneame nte a um nível real e meta-real (das for-
malidades), ou é um mero verba lismo ou implica a ruína
dos primeiros princípios. E, em ambos os casos, é inaceitá-
vel"123.

5.3.4 Contra a distinção de razão

Na questão VII do Liber Sententiarum Ockham seg ue o


ordenamento das que stões sob re os universais, isto é, seu movi-
mento descendente que vai em direção a uma radical negação do

121"fiem, si natura communis esset eadem realiter cum differentia individuali,


igitur tot essent realiter naturae communes quot sun t differentiae indi vidual es, et
per consequens nullum eorum esset commune. sed quodlibet esse t proprium dif-
feren tiae cui est eadem realiter". S1.1111. Log., I, 16, 55, 26-29. Um argumen to si-
milar é exposto no L. Sent., Vl , 181, 8-13.
122
"Tertio arguo sic: hum anitas in Sorte et humanitas in Platone realiter distin-
guuntur; igitur utraque illarum est realiter una numero, et per co nseq uens neutra
est com munis". L. Sent. VI, 184, 11-13. Também na Sum. Log., I, 16, 55, 30-32.
P3 '
- DE ANDRES, op. ci r., p. 43.

130 - 125
Coleçãor:;1ogofia
O pwblBrnado~univBt~ai~:
a pBt~p
Bctiva dBBoécio, AbBlatdo BOckharn

universal extra animam. Discute, então, a opinião daqueles que


mantêm urna distinção secundum rationem entre universal e sin-
gular.
124
Conforme indica Baudry , o Venerabilis lnceptor exami-
na três versões dessa opinião, que se reduze m a uma mesma tese, a
saber: universal e singular constituem uma única e mesma realida-
de fora da alma e se dislinguem um do outro apenas pela razão,
isto é, pela consideração do intelecto. É exatamente por essa dis-
tinção secundum rationem que essa opinião (bem como suas ver-
sões) se diferencia das outras três opiniões anteriormente critica-
das. Entretanto, todas as opiniões sustentam em comum a existên-
cia, de algum modo, do universal extra animam. Diz Ockham:

' Assim, pois, todas essas opiniões afirmam que o univ ersal
e o singu lar são rea lmente a mesma coisa, não diferindo se-
não segundo a razão; e nisso se diferenciam das três opini -
ões expostas nas três questões precedentes; contudo, todas
concordam nisto: que o universal é de algum modo à parte
da coisa, de modo que o universal existe realmente nos sin-
gulares mesmos " 125.

A base da crítica de Ockham contra essa pos1çao, como


126
lembra Michon , continua sendo a aplicação do princípio de con-
tradição, pois atribuir propriedades contraditórias (un iversalidade e
singularidade) a uma mesma coisa é um absurdo.
O movimento refutativo pode ser estabelecido em dois
momentos. De início , é apresentada uma crítica geral contra a tese
comum, que visa mostrar a impossibilidade de que universal e sin-
gular sejam o mesmo na rea lidade fora da alma. Em seguida,

124
BAUDRY , Léon. Lexique Philosophiqu e de G11illaumed'Ockham. Paris: Pu-
blication s de la Recher che Scienti!ique, 1958, p. 281.
125
"Sic ergo omnes istae op inione s ponunt quod universale et singulare sunt ea-
dem res realiter , nec differunt nisi secundum rationem; et in hoc discrepant a
tribus opinionibus recitatis in tribus qua estionibus praecedentibu s; omnes tam en
in hoc conveniunt quod universalia sunt aliquo modo a parte rei, ita quod uni-
versalia sunt realiter in ipsis singularibus". L Sent., VII, 229, 1-6.
126
MICHON , op. cit., p. 414-415 .

ColBçãoÍilo~ofia- 125 131


Pedto Leite Juniot

Ockham examina cada uma das versões de tal opinião. Vejamos,


em linha s gerais, esses dois momento s.
Segundo Ockham 127, por definição, universa l é aquilo que
pode ser afirmado de vários, enquanto o singular não pode tal.
Nesse sentido, tais termos são oposto s, ou melhor, são dois termos
contraditórios, isto é, não podem convir a uma mesma realidade.
Em outras palavras, entre o universal e o singular há uma oposição
absoluta. Predicados contraditórios requerem sujeitos distintos, ou
seja, é preciso que haja uma distinção entre os sujeitos portadores
dessas duas propriedades. Escreve ele:

"( ...) porque as coisas que são opostas requerem sujeito s


distintos aos quais convenham primariamente; mas a uni-
versa lidade e a singularidade são desta maneira segundo to-
dos esses; logo os sujeitos que recebem a denominação
primária e imediatamente delas se distinguem" . 128

Mas, que tipo de distinção há entre eles? Ockham diz 129


que não se distinguem formalmente, pois essa possibilidade já foi
recusada anteriormente. Se a distinção é compreen dida como uma
distinção entre coisa e coisa , então estamos de volta à primeira e à
segunda teorias já refutadas. Não é, também, uma distinção que
envolva dois seres de razão . Resta uma distinção entre um ser real
e um ser de razão. Sem dúvida, o singular não é um ser de razão;
logo, o universal é um ser de razão. Ora, um ser de razão é apenas
um ser que tem existência na alma e, portanto , não existe na reali-
dade fora da alma.
A partir da própria definição do universal e do singular,
130
Ockham mostra que ambos não podem ser o mesmo no indiví-
duo. Se o singular não é predicável de muitos, e se o universal é

127
L. Sent., VII , 236, 12- 14.
128
"( ... ) quia ilia quae sunt opposita requirunt distincta quibu s primo convenia nt;
sed univer salitas et singularitas sunt huiu smodi secundum om nes istos; igit ur
ilia quae prim o et imm ediate denominantur ab istis distinguuntur " . L.Sent. , VII
235, 19 - 236, 2.
129
L. Sent., VII, 236, 2-9.
130
L. Sent., VII , 236, 10-17.

132 Coleçãof:ilo~ofía - 125


O ptoblerna do~univet~ai~:
a pet~pectiva
de lsoécio,Abelatdoe Ockharn

predicável de vários, então não são o mesmo. Isso equivale a dizer


que não é possível verificarem-se extremos contraditórios em um
mesmo indivíduo. Mas predicável de muitos e não-predicável de
muitos se verificam no singu lar e no universal, conseqüentemente,
não são o mesmo .
Entretanto, conforme Ockham 13 1, pode ser dito que é pela
cons ideraç ão do intelecto que a predicação é realizada. Mas essa
resposta não é válida, e é preciso responder que a predicabilidade é
anterior a essa operação do intelecto. O universal , sendo predicável
de muitos, se distingue do singu lar independentemente da operação
inte lectual.
O ponto importante, aqui, é a afirmação, por parte de
Ockham , da abso luta oposição entre universalidade e singu laridade
e, nesse sentido , não podem coexistir realmente (na realidade) em
um e mesmo indivíduo .
Passemos, agora, ao segundo momento crítico, no qual
Ockham avalia as três versões dessa opinião .
A primeira versão 132, distinguindo a forma do gênero da
forma da espécie, afirma que nos singulares há uma certa forma
desprovida de toda a unidade real e provida unicamente de uma
unidade de razão. Assim, tomada em si mesma , essa forma é uni-
versa l, mas, considerada enqua nto determinada nos indivíduos, é
sing ular . Escreve ele:

"Daí dizem alguns que nas criaturas existe uma certa forma,
que, segundo a coisa e a natureza, não tem em si nenhuma
unidade, mas em si é naturalmente dividida e tem somente
unidade segundo o intelecto da razão ( ...). Sustenta , pois,
essa opinião que a forma do gênero não é una e simples por
si, mas por si é dividida ; mas a forma da espécie é por si
una e simples e, como tal, é universal, ma a forma mesma
enqua nto determinada neste suposto é particular; de modo
que essa opinião afirma que tanto a forma do gênero quanto

131
L. Sent., VTJ, 236, 18- 237, 6.
132
Segundo ADAMS (op. cit., p. 59), essa versão reporta a Tomás de Aquino e a
seu seguidor, o dominicano Hervaeus Natalis (tl323).

Coleção(:ifo~ofia
- 125 133
PedtoLeiteJuniot

a da espécie subs istem no mesmo singular, ainda que cada


uma à sua maneira" 133•

134
Ockham rejeita tal posição, conforme escreve Baudry .
Entre a natureza e aquilo que a determina deve haver uma diferen -
ça, pois, caso contrário, a natureza em si mesma não seria universal
mais do que a natureza determinada. Mas essa diferença não pode
ser uma diferença real, em virtude de cairmos numa das hipóteses
refutadas anteriormente. Também não pode ser uma mera diferença
de razão , visto que, então, uma dessas naturezas não seria mais do
que um ser de razão, isto é, um conceito . Diz Ockham:

"Contra o primeiro modo afirmado, pergunto: como se dis-


tinguem a natureza e a determinação da natureza? Se, de
nenhum modo, então não é mais natureza univer sal do que
natureza determinada. Se, de algum modo: ou seg undo a
coisa ou segundo a razão. Se do primeiro modo, esse foi re-
futado anteriormente. Se do seg undo modo, se segue que
uma delas é apenas uma razão [ratio] , como se há dito na
questão sobre os atributos ; e que não haja uma distinção
intermediária nas criaturas ficou manifesto ali mesmo" 135•

133
"Unde dicunt aliqui quod in creat uris est quaedam forma , quae secu ndum rem
et naturam nullam unitatem habet in se omnino, sed in se est naturaliter divisa et
habet solum unitatem secundum intellectum rationis ( ...). Yult igitur ista opinio
quod forma gener is non est una simplex ex se, sed ex se est divisa; sed forma
speciei ex se est una simplex, et ut sic est universal is, sed ipsa forma ut signata
in hoc supposito est particularis ; ita quod ista opinio ponit quod tam forma ge-
neris quam speciei subsistit in ipsis singularibus quarnvis aliter et aliter". L.
Sent., VIl , 226, 5 - 227, 7.
134
BAUDRY, op. cit., p. 281.
135
"Contra primum modum ponendi quaero quomodo distinguuntur natura et de-
signatio naturae ? Si nullo modo, igitur non plus est natura universali s quam na-
tura designata. Si aliquo modo: aut secundum rem, aut secundum rationem. Si
primum , hoc est prius improbatum. Si secu ndum modo, sequitur quod unum
illorum sit tantum ratio, sicut dicturn est in quaestione de attributis; et quod non
sit differentia media in creaturis patebit ibidem ". L Sem. , VII, 240, 10-16.

134 Coleçãol=ilosofia
- 125
O ptoblern:ido~univet~lli~:
ll pet~pectiv:i
de Bo~cio,Abel:itdoe Ockh:irn

De acordo com a seg unda versão 136, uma única e mesma


coisa seria singular, considerada em seu ser efetivo (esse suum in
effectu), e universal , considera da em seu ser no intelecto (esse
suum in intellectu) .
Essa opin ião é refutada por Ockham, em virtude de que a
universalidade provém de uma atividade intelectual extr ínseca à
coisa. Segundo Michon 137, a ação do intelecto, como, por exemp lo,
o ato de conhecer, pode fornecer um conhecimento de certas pro-
priedades das coisas. Mas , tal ato não vale do mesmo modo para a
univer salidad e e para a singu larid ade, pois para essa s vale o princí-
pio da determinação intrín seca. Isso quer dizer que uma coisa não
pode ser sing ular ou universal senão por si mesma e não em virtude
de um fator externo. A atividade de conhecer do intelecto não torna
uma coisa universal. Se a cons idera ção do intelecto fosse sufici ente
para produzir o universal, então toda a coisa poderia tornar-se uni -
versal, e Sócrates , por exemp lo, seria um universal, o que é absur-
do. Escreve Ockham:

"Contra o seg und o mod o afirmado argumento assim: quan -


do algo denomina precisamente um outro por algo extrínse-
co, a todo pode conv ir aqu ilo ext rínseco, e aqui lo denomi-
nado proporcionalmente a ele poderia convir. Portanto , se
aquela coisa que é realm ente sing ular e universal segundo
seu ser no intelecto, o que não é possível senão pela inte-
lecção, então qualquer co isa que pode inteiramente ser in-
teligida pode ser universal do mesmo modo e, ass im , Só-
crates pod e ser universal e comum a Platão segundo seu ser
no intelecto. Similarmente , a essênc ia divina , seg und o seu
ser no intelec to, poderia ser universal, ainda que segundo
seu ser efetivo seja singu lar íssima; o que é tudo absur-
do"_ 13s

136
L. Selll .. Y11, 227, 9-13. Conforme A lféri (op. cit.. p. 55), essa opinião rep orta a
Durando de São Porei ano (t J 334 ).
137
MJCHO , op. cit., p. 416.
138
"Contra secundum modum ponendi arguo sic: quando a liquid praecise deno-
minat aliud propter aliquid extrinsec urn, cu icurnque pote st convenire illud ex-
trinsecum et illud denominan s ei proporti onalit er poterit convenire. Jgitur si ilia
res quae realiter es t singularis est univer sa lis secun dum es e suum in intellectu ,

- 125
Coleçãor::;1o~ofi:i 135
A terceira versão é sustentada, segundo diz o próprio
Ockham, por Henrique de Harclay e atribui as propriedades da sin-
gularidade e da universalidade à mesma coisa segundo seja conhe-
cida confusa ou distintam ente. O universal consiste num conceito
confuso. Diz o Venerabilis Inceptor:

"( ...) a mesma coisa sob um conceito é universal e sob um


outro conceito é singular. Desse modo é dito que toda a coi-
sa colocada fora da alma é por si mesma sing ular ; e essa
coisa singular tem uma aptidão natural para mover o inte-
lecto para concebê-la confusamente e para concebê-la dis-
tintamente. E chamo conceito confuso aquele conceito pelo
qual o intelecto não distingue esta coisa de outra e, assim,
Sócrates move o intelecto a co nceber que ele é homem e,
por tal conceito, não distingue o intelecto nem discerne Só-
crates de Platão" 139 •

Assim temos que toda a coisa real é por si mesma singular .


Mas ela pode determinar o intelecto a formar dois tipos de concei-
tos:
i) um conceito distinto pelo qual o intelecto distingue
"esta coisa" de tudo aquilo que ela não é; e
ii) um conceito confuso que não permite discernir "esta
coisa" de toda a outra.

quod non est poss ibile nisi propter intellectionem, igitur quaelibet res quae po-
test intelligi consimiliter potest esse universal is eodem modo. et ita Sortes polest
esse uni versalis et communis Platoni secundum esse suum in intellectu . Simili-
ter , essentia divina secundum suum esse in intellectu poterit esse universalis,
quamvis ipsa secund um suum esse reale in effect u sit singularíssima; quae om-
nia sunt absurda"'. L. Sem., VII , 24 1, 2- 13.
139
"( ... ) eadem res sub uno conceptu est universalis et sub alio conceptu est sin-
gularis. Hoc modo dico quod omnis res posita extra animam eo ipso est singula -
ris; et haec res singu laris est apta nata movere intellectum ad concipiendum ip-
sam confu e et ad concipiendum ipsam distincte. Et voco conceptum co nfusum
illum conceptum quo intellectus non distinguir hanc rem ab alia ; et sic Sortes
movet intellectum ad concipiendum ipsum esse homi nem, et per illum concep-
tum non distinguit intellectus nec distincte cognoscit Sortem a Platone". L.
Se111.,vn, 227. 15 - 228, 11.

136 Coleção l=ilo~ofia


- 125
O ptoblerna dos univetsais: a pmpectiva de lsoécio, Abelatdo e Ockharn

A idéia de inten sificar a exclusiva existência da coisa sin-


gular se aproxima de uma das posiç ões prediletas de Ockham. En-
tretanto , querer explicar a univer salidade pelo recurso extrínseco
de um conhecimento confuso faz com que, aos olhos de Ockham,
essa opinião se apresente na mesma linh a que as anteriores. O fato
de que uma coisa seja concebida confusame nte segue sendo algo
exte rior. Essa versão atribui as propriedades da singularidade e da
universalidade, não ao ato mesmo do intelecto, mas à coisa exter ior
que causa esse ato. Assim , ela é singular, se causa um conceito
sing ular e, ca o contrário, se causa um conceito universal. Mas,
conforme Michon 140, estamos aqui diante de uma flagrante contra-
dição com a afir mação de que as coisas fora da alma são sempre
singulares. Ora, aceitar essa opinião equiva le a identificar dois in-
divíduos distintos (Pedro e Manuel) , que, concebidos sob um
mesmo conceito , são con hecidos indi stin tame nte.
O argumento levantado por Ockham, para refutar essa ver-
são, é expre so deste modo:

"Pelo mesmo é manife to que o terceiro modo é simples-


mente fal o e ininteligível, pois afirma que a mesma coisa
concebida confusamente é universal, porque, se uma coisa
concebida confusamente é universal, pergunto: qual é essa
coisa? Seja a . Logo a concebida confusamente é universal
e, por conseqüência, a concebida confusamente é comum a
b. Logo isto é a predicação cio superior do inferior: b é a
concebido confusamente; e, a im, Sócrates é Platão conce-
bido confusamente, e Deus é a criatura confusamente con-
cebida"141.

140
MI CHON, op. cir., p. 4 17.
141
"Per idem patet quod tertiu s mod us est simpli ci ter falsus et non intelli gi bilis ,
qui ponit quod ea dern res confuse concepta es t univer salis . quia si res confuse
co ncepta est univ ersal is, quaero: quae est ilia res? Et sita. lgi tur a confuse con-
cep tum est univer sale, et per conseq uens a confuse conceptum est commune ip si
b. lgitur hae c es t praedi ca tio superiori s de inferiori: b e t a confuse conceptum:
et ita Sortes es t Plato confu e co ncep tus, et Deu es t creatura co nfu se concepta".
L. Senr., VII, 241, 2 1 - 242, 6.

Coleçãol=ilosofia- 125 137


PedtoLeiteJuniot

O resultado ao qual chega Ockham em sua análise des sa


versão é substanciaJmente o mesmo a que havia chegado, quando
do exame da opinião que sustent a a universalização pela conside-
ração do intelecto. Quer dizer, Pedro pode ser uni versal e comum a
Manuel , seg undo seu ser no intel ecto, do mesmo modo que Deus ,
tal como está no intelecto, poderia ser univer sal, ainda que seu ser
real seja singu lar. Conforme Ockh am, todas as opiniões são absur-
das .
A rej eição completa e radical, por part e de Ockham , da
existência do univer sal fora da alma (seja de que modo for) , e, con-
seqüentem ente , sua afirmação vigorosa de que na realidade existe
apenas o sing ular (o indivíduo), que é individu al por si mesmo ,
pode ser expressa pela segu inte passagem:

"Por isso digo que nenhum a co isa [ex istente] fora da alma ,
nem por si, nem por algo acresce ntado , real o u de razão ,
nem como queira que se a co nsidere ou se a pense, é uni-
versa l; de modo que é tão gra nde a imp oss ibilid ade de que
uma co isa [existente] fora da alma sej a de qualquer man e ira
universal - senão por institui ção voluntária, como, por
exe mpl o, esta palavra "home m", qu e é uma palavra singu-
lar, é uni versal - qu anto é impo ssíve l que o hom em por
qualquer conside ração ou co nform e qualquer ser seja um
asno " 142 .

5.4 Parte resolutiva

A parte resoluti va de nosso estudo visa apresentar a pro-


posta de Ockh am ao pr oblema dos universais. Dito de outro modo ;
pretendemos mostrar o que é o universal, segundo o ele.

142
"Ideo aliter dico ad qu aestionem qu od nulla res ex tra anim am, nec per se nec
per aliquid addit um, rea le vel rationis, nec qualitercumque co nsidere rur vel in-
telligatur, es t universalis; ita quo d tant a es t imp oss ibilita s qu od aliqua res ex tra
animam sit quocumque modo univer sa l is - nisi forte per institutionem vo lunta-
riam. quomodo ista vox ' homo·, qua e est vox singularis, es t univer sa lis - quant a
imp ossibi litas est qu od hom o per quamcumque co nsideratio nem vel sec undum
quodcumque esse sit asi nu s". L Sent .. VI!. 248 , 23 - 249, 6 .

138 Coleçãof:ilosofia- 125


O problernados universais:a perspectivade Bo~cio,Abelardo e Ockharn

Para Ockham , de acordo com o princípio da singularidade


do real , toda a realidade extra mental é imediata e essenc ialm ente
sing ular (individual). Fica exc luíd a, nesse se ntido, toda e qualquer
pos ibilidade de existência do universal extra animam. Rejeitada a
possibilidade do univer ai fora da alma, Ockham vai localizá-lo in
anima. Fixar o universal na alma é determiná-lo como um ser de
razão ou, mais precisamente , como um conceito. As im, o univer-
sal é, em princípio, um co11ceptus.
A determinaç ão do universal enquanto conceito na alma
requer de Ockharn a reso lução de uma dupla tarefa. Por um lado, é
preciso exp licar qual é a natureza desse conceito na alma, isto é, de
que modo existe in anima. Por outro lado, Ockharn deve dar conta
da relação entre esse conceito na alma e a realidade. Isso qu er di-
zer: num mundo constituído apenas de indivíduos, corno é pos ível
o uso de conceitos universais , visto que na realidade extrarnenta1
não há algo universal que lhes co rrespondam.
143
Uma hipótese plau ível de inve stigação, que poderá ser
confirmada ou refutada , é a seg uint e: se o Venerabi/is lnceptor
consegue dar conta des as duas tarefas, principalmente da segunda,
então parece possível afirmar que o problema dos uni versais, em
Ockham, muda de enfoque . Em outras palavras, a questão acerca
dos universais é deslocada da di cu são sobre seu estatuto ontoló-
gico extra animam (que para Ockham não há) e se inclina em dire-
ção à possibilidade da universalização dos conceitos que utilizamos
na linguagem.
Após ter recusado toda a exi tência do univer sa l fora da
alma , Ockham deve definir seu modo de ex istência na alm a, ou
seja, examinar a natureza do conceito universal.
14
Conforme Boehner .. , o pensamento de Ockharn a respeito
da natureza do s universai s oscilou entre diversas soluções, quer di-
143
Essa hipótese resulta de um diálogo que travamo com o Prof. Dr. Francisco
José Fortuny Bonet por ocasião do Congresso de Fil osofia Medieval Vl Latin o-
americano. realizado de 12 a 15 de outubro de 1999, em Santo Antônio de Pá-
dua, Buenos Aire s. Argentina. Conforme o prof. Fortuny Bonet. em Ockham
não há o problema dos uni versais propriamente dito, mas a que tão que o Ve11e-
rabilis l11ceplordeve re oi ver é o da uni ver ali zação.
144
BOEHNER. op. ci1.. p. 156-74 .

Coleção f::ilosofi
a - 125 139
PedroLeiteJunior

zer, ao longo de suas obras ora atribuiu uma maior ênfase a uma
determinad a solução, ora a outra. Boehner, no artigo citado, apre-
senta um estudo da seqüê ncia cronológica dos textos de Ockham
que visam mostrar as alternâncias das soluções propo stas. Tendo
como ponto de refer ência tal estudo , descrevemo s, no que se seg ue,
em linhas gerais, as oscilações do pensa mento de Ockham na busca
da solução mais "provável" acerca da natura universa lis.
145
Na Quaestio VIU no Lib er Sententiarum , Ockham apre-
senta cinco op iniões, muitas das quais considerou simple smente
falsas , ainda que preferisse qualqu er uma dela s às recus adas nas
questõe s precedente s. São preferidas em virtude de localizarem o
univer sal in an ima . Entre essas opiniões considera três como as
mais prov áveis: "Qualq uer dessas três opiniões consid ero pro vá-
vel, mas deixo ao juí zo dos demais decid ir qual é a mais verdad ei-
ra" 146_
Uma questão que de imediato pode ser formulada é a se-
guinte: quais são essa s três opiniões?
Segundo Ockham , há bem dois modos de o universal exis-
tir (esse) na alma, que são definido s pelos adjetivos obj etivo e
. · 147.
SU b'}eltVO
A primeira opinião prováv el, chamada teoria do fictum 148
afirma que o univer sal (conceptu s) tem um ser objet ivo (esse ob -
jectivum) na alma e é uma certa ficção (fictum). 149 Segundo escla-
rece Adam s 150, os conceitos não têm uma existência real, mas têm

145
L. Senl., Vlll, 266-292.
146
"Qu am libet istarum trium opini onum reputo prob abilem, sed quae earum sit
verior relinquo iudi c io aliorum '·. L. Selll., Vfll, 29 l , 16-17.
147
Parece pertinente fazermos um breve esclarec iment o so bre o se ntid o dado por
Ockham as exp ressões "o bjeLivo" e "s ubje tivo". Um se r é di to obj eto do conhe-
c iment o, isto é, para nós . Objetivo tem em Ockham o se ntido que atualmente é
denominado subjet ivo~Po r out ro lado , um ser é dito subjetivo, quand o se refer e
à ex istência rea l (o sujeito da co isa) fora de nós. Por exe mpl o, urna qualid ade
poss ui um ser subjeti vo na subs tância na qual inere. mas tem um ser objetivo
enqu anto é co nhe cida por nossa mente. A grosso mod o, Ockham inverte os se n-
tido s se compara do s ao modo co mo os utili zam os atual eme nte.
148
BOEHNER . op.cit. p. 169.
149
L. Sent., VIII, 27 1, 14-272.2.
150
ADAMS. op. cit., p. 75.

140 Coleçãol=ilo~ofia
- 125
O ptoblemados univetsais:a petspectivade lsoécio, Abelatdoe Ockham

um modo de existência não-real como objeto do pen sa mento. Os


univer sa is enquanto objetos pensados são ficta, ou seja, imagens da
mente. Diz Ockham "(. .. ) que a ficção é chamada seme lhança ou
imagem ou pintura da coisa(. .. ) é verdadeiramente objeto,( isto é,
para nós) conhecido p elo intelecto " 151•
O exemplo utilizado por Ockham, para expressar sua idéia ,
pode ser expresso do seguinte modo: um arquiteto, vendo um a casa
na realidade, imag ina em sua mente uma casa semelhante . Depois
produz uma casa na realidade igual à da sua mente , porém numeri-
camente distinta da primeira. Essa ficç ão da mente, pela visão de
alguma coi a na realidade, seria um modelo (unwn exemplar) . Es-
creve Ockham:

"Ass im, pois. co mo a casa imag inada, se aquele que a ima-


gina, possuísse uma força produtiva real , é um modelo para
o artesão, assim aquela ficção se ria um modelo com res-
peito ao qu e imag ina. E a isso se pod e chamar de univ ersa l,
porque é um mod e lo e visa indiferentem ente todos os sin-
gulares fora da alma e, por essa se melhança no ser objetivo,
pode supor pelas coisas [isto é, pode estar no lugar das coi-
sas] fora da alma que têm exis tência inteiramente se me-
lhante fora do intelecto " 152 .

Ockham observa que, se essa teoria do fictum (dos objetos


pensados no er objetivo) não agradar, pode ser dito que o conceito
é uma certa qualidade existente subjetivamente na mente . Entre-
tanto , essa qualidade da alma pode ser identificada com a intelec-
ção ou distinta dela. Temos aq ui a fonte de duas outras opiniões.

151
"( ..• ) quod fictum vocatur si militudo vel ima go ve l pictura rei (. .. ) ve re es t obi-
ec tum cognitum ab imellec tu". L. Se111 .. VI[!. 279 , 6-9.
152
"Ita e nim sic ut domus ficta , si fingens haberet v inut em productivam realem,
est exemplar ipsi artifici, ita illud fic1um esse ! exe mplar res pectu sic fingentis.
Et illud pote st voc ari univ ersa le, quia est exemp lar et indiffer enter respicien s
omn ia ingulari a extra, et propter istam similitLidinem in esse ob iectiv o potest
supponere pro rebus extra quae hab ent consimile esse ex tra intellectum." L.
Se111 ., VIII, 272,J 1-17.

Coleção Íilosofia - 125 141


PedtoLeiteJuniot

A teoria da qualitas mentis 153 sustenta que o universal é


alguma qualidade existente subjetivamente (esse subjectivum) na
alma e se distingue do ato do intelecto, sendo posterior a ele. Os
conceitos na mente são como os acidentes em sua substância.
Por fim, uma outra opinião 154 afirma que essa qualidade se-
ria a intelecção mesma (ipsamet intellectio) que é denominada por
Adams 155 como teoria do ato mental. Essa teoria identifica o uni-
versal com o próprio ato de conhecer.
Mas, qualquer via que se escolha, entre essas duas teorias
do esse subjectivum, a universalidade do conceito se explica do
mesmo modo . Diz Ockham:

"( ...) o conceito e todo o universal é uma qualidade exis-


tente subjetivamente na alma, que por sua natureza é como
um sinal de uma coisa fora da alma, assim como a palavra é
um sinal das coisas pela instituição voluntária" 156 .

Como a palavra, o conceito é um sinal. Todavia, em vez de


ser um sinal artificial, isto é, instituído, o conceito é um sinal natu-
ral. Todas as propriedades que as palavras possuem por convenção ,
os conceitos possuem por natureza . Escreve Ockham:

"( ...) há algumas qualidades existentes subjetivamente na


mente, as quais por sua natureza lhes competem, tal como
as características competem as palavras por instituição vo-
luntária" 157.

Da mesma maneira que a palavra, o conceito é por essência


singular, mas de significação universal, desde que entre como atri-

153
L. Sent. , VIII, 291, 10-12.
154
L. Sent., Vl!I, 291, 7-9.
155
ADAMS. op.cit., p.75.
156
"( ... ) conceptus et quodlibet universal e est aliqua qualitas exsistens subiective
in mente , quae ex natura sua ita est signum rei extra sicut vox est signum rei ad
llacit~m instituentis ." L. Sent., VIII. _289,13-_ 15. . . .
1
· ( ... ) 1ta sunt quaedam qualitates exs1stentes 111mente sb1ect1ve, qu1bus ex natura
competunt taJia qualia competunt vocibus per voluntariam institutionem." L.
Sem., V/li, 290, 1-3.

142 Coleçãol='ilo~ofia
- 125
O pwblern:idos univetsais::i petspectiv:ide Boiício, Abel:itdo e Ockh:irn

buto em várias proposições: "(. ..) [o conceito] é universal pela


predicação , não por si, mas pelas coisas que significa 158". O con-
ceito é um sinal (signo) que esc larece sua natureza, na co mparação
com a palavra.
A conclusão no liber Sentemiarwn 159 afirma que nenhum
univer sal, salvo que seja universal por instituiçã o voluntá ria, é algo
existente de qualquer modo fora da alma. O uni versal é predicável
de muito s por sua natureza e existente na mente , quer seja ubjeti-
vamente, quer seja objetivamente.
De acordo com Boehner 160 a obra Expositi o in librum Pe-
rihermenias Aristotelis 161, marca um período de transição no des-
envolvimento do pensamento de Ockharn a respeito da natureza
dos uni versais. esse texto, ele já deixa explicitada sua preferência
pela teoria do ato mental (o que se confirmará em obras posterio-
res) . Vejamos então como o próprio Ockham expõe essa teori a:

"Outra poderia ser a opinião, seg undo a qual a paixão da


alma 162 é o próprio ato do intelecto. E porque essa opinião
me parece ser a mais provável de tod as as que es tabelecem
estarem su bjetiva e realment e na alma essas paixões da
alma, como erdadeiras qual idades dela , exporei primeiro o
modo que me parece mais provável acerca dessa opinião
( ... ). Digo, pois , que quem quer man ter essa opinião pode
supor que o intelecto, apreendendo uma coisa sing ular, pro-
duz em si mesmo um conhecime nto dessa coisa singu lar,
ape nas, co nhecime nto que se cha ma paixão da alma, capaz
por sua nature za de representar a coisa singular. Portanto ,
assim como, por convenção, a palavra 'Sóc rates ' representa
158
'·( ... ) est univer sa lis per praedica tion em 11011 pro se sed pro reb us qua s signifi -
ca i." L. Sem .. Vl/l, 290. l4 - 15.
159
L. Se11t., VIII, 291. 18-292,2.
160
BOEHNER. op. cit., p. 171-173.
161
GUILHERME DE OCKHAM. Expositio i11Libru111Periher111 e11ias Aristotelis.
Prooe111ium . ln : Opera Philosophia li . Ed. Gambatese et S. Brow n. Cura Insti-
tuti Franci sca ni. Universitatis S. Bonaventura e, St. Bonaventure , N.Y., 1978 . As
re rerências de sa obra terão a seg uinte co nfiguração: Exp. Peri., página e linha.
162
É importante observarmo s que Ockham utili za determinada ex pressões como
sinônimas. São e las: conceito , afecções da alma, paixõ es da alma. inten ções da
alma e intelecto .

Coleção r::ilosofi:i
- 125 143
PedtoLeiteJuniot

a coisa que significa de modo que , ao se ouvi r a frase ' Só-


crates corre' não se concebe que a palavra 'Sócrates', que
se ouvi u, corre, mas sim a corrida da própria co isa sign ifi-
cada por ela, também, quem visse ou inteligisse ser afirma-
da alguma coisa dessa intelecção de alguma co isa singular
não conceberia que a própria inte lecção é deste ou daquele
modo, mas pensaria que a própria coisa a que o con heci-
mento se refere é assim. Logo , como a pa lavra convencio-
nal representa a própr ia coisa, também a intelecção, por sua
natureza, sem conve nção alguma, significa a coisa a que se
refere. Mas, além dessa intelecção da coisa singu lar, o in-
telecto forma em si outras intelecções , que não pertencem
mais a esta coisa que àquela. Assim como a palavra ' ho-
mem' não significa mais Sócrates que Platão e, portanto,
sua suposição não é mais de um deles do que o outro, o
mesmo se diria de tal intelecção que por ela não se inteligi-
ria mais Sócrates do que Platão ou qualquer outro homem .
Coisa igual se deveria dizer de qualquer outra intelecção ,
pela qual não se inteligi sse mais este anima l que outros, e
assim por diant e. Em suma, pois, as próprias intelecções da
alma são chamadas paixões da alma e representam por sua
natureza as próprias coisas exte riores ou outras co isas na
alma, como as palavra s representam as coisas por conven-
ção" 16J_

163
"Alia posset esse opinio, quod passio an imae est ipse actus intelligendi. Et quia
ista opinio videtur mihi probabilior de omnib us opinionibus q uae ponunt istas
passiones esse subi ec tive et realiter in anima tamquam veras qualitates ips ius,
ideo circa istam op inion em primo ponam modum ponendi probabiliorem ( ... ).
Dico igitur quod qui vult ten ere praedictam opi nion em potes! supponere quod
intellectus apprehendens rem sing ularern elicit unam cognitionem in se quae est
tantum istius singula ri s, et vocatur passio anima , potens ex natura sua supponere
pro ilia re singulari. Ita quod sicu t ex instituti one haec vox ' Sortes' sup ponit pro
ilia re qu am sig nificat - ita quod audiens istam vocem 'Sortes currit', 11011 con-
cipit ex ea quod haec vox 'Sortes'quam audit currit, sed quod res significata per
iliam vocem currit, ita qui videret vel intelli ge ret aliquid affirmari de ilia intel-
lectione singulari s rei, 11011 conciperet iliam intellectionem esse talem vel talem ,
sed conciperet ipsam rem cuiu s es t, esse talem vel talem . Ita quod sicut vox ex
institutione supp onit pro ilia re. ita ipsa intellec tio ex natura sua sine omni ins-
titutione suppo nit pro re cuius est. Sed praeter istam intellectionem isti us rei
singularis formal sibi intell ectus alias intellectiones quae 11011 magis sunt istius
rei quam alte riu s, sicut haec vox ' horno ' non magis significar Sortem quam Pia-

144 Coleçãol=ilo
~ofi:i- 125
O problemado~univet~ai~:a pet~pectivade Bmício, Abelatdo e Ockharn

E, mais adiante, nesse mesmo texto Ockham acrescenta:

"( ...) pode ser dito que por tal inte lecção confusa é que se
inteligem as coisas singulares exterior es; assim como , ter
uma intelecção confusa do homem não é senão possuir um
conhecimento pelo qual não se inteli ge um homem mais
que outro , e contudo por e se conhecimento mais se conhe-
ce ou inteli ge o homem que o burro. I s o não quer di zer se-
não que esse conhecimento, por algum modo de as imila-
ção, mais se assemelha ao homem que ao burro , se bem que
164
não mais a este homem que àquele" •

A teoria do ato mental basicamente sustenta que o univer-


sa l é um conceito confu o na alma formado a partir da similitude
dos indivíduo s fora da alma. O ato da intelecção incide sobre urna
realidade existen te extra a11ima111.E, visto qu e, fora da alm a, não
existem se não os indi víduos, todo o conceito tem os indivíduo s por
obje to. O co nhec imento propiciado pelo co nceito confuso é um co-
nhecimento do parti cu lar, mas é uni versal, porqu e, sendo confuso ,
é igualmente apto a fazer con hec er urna multiplicid ade de indiví-
duos . Sua confu ão é a fonte de sua univer sa lid ade.
165
Conforme Ockham , nessa perspectiva, no sso conheci-
mento er ia um conhecimento infinit o, pois, por exemplo, conce-
bendo o conceito de homem. pensaríamo s todos os hom ens , me smo

tonem; ideo non magis upponit pro Sorte quam pro Platone. lt a esset de tali
intellecti one. quod 11011 magis ea intelli gitur Sortes quam Plato, et sic de omni -
bus alii s hominibu s. lt a etiam e set aliqu a intellect io, qua non magis intelli ge-
retur hoc anim al quam illud animal et sic de ali is. Brevit er igitu r ipsae intell ecti -
ones animae vocantur pas iones animae et supponunt ex natura sua pro ipsis re-
bus extra vel pro ali is rebu in anim a sicut voces ex instituti one." Exp. Peri.,
35 l , 4-352, 32.
potest dici quod tali intellectione conf usa intelliguntur re singular es ex-
l6-l ··( ... )
tra, sicut habere intellectionem homini s confusam non est aliud quam habere
unam cogniti onem qua non magis intelli gitur unus homo quam aliu s, et tamen
quod tali cognition e magis cognoscitur sive intelli gitur homo quam asinus. Et
hoc non est aliud quam quod tali s cogniti o ali quo modo assimil ationis magis as-
similatur hornini quam asino. et non rnagis isti hornini quarn illi." ' Exp. Peri.,
355, 89-95.
160
Exp. Peri .. 355. 96-109.

Coleção~ilo~ofia- 125 145


Pedroleite Juniot

aqueles que não tenhamos jamais visto ou aqueles nos quais jamais
tenhamos pensado e, ainda, todos que existem, que existiram e
mesmo os que não existirão jamais. Para ele não há nisso nenhum
inconveniente, na medida em que podemos, por um mesmo ato,
amar uma infinidade de coisas, como, por exemplo, amar todas as
partes de um contínuo e amá-las todas igualmente. E assim, por
que não podería mos conhecer e conhecer igualmente uma infinida-
de de indivíduos .
Uma objeção, todavia, pode ser levantada. Se o conheci-
mento proporcionado pelo conceito confuso é um conhecimento
confuso do sing ular , não seria retomada a teoria de Henrique de
Harclay , após ter sido declarada falsa e incompreensível?
Em defesa de Ockham, Baudr y 166 afirma que a semelhança
entre as dua s teorias é tão manifesta que por vezes são confundi-
das. Entretanto, a difer ença é profund a, ainda que seja difícil de
percebê-la . Para Harcl ay, o univer sal existe ainda de uma certa
maneira nos indivíduo s, e o conceito é a coisa conhecida. Já em
Ockham o universal não se acha de modo nenhum nos indivíduos.
O conceito é uma similitude das coisas ou, mais precisamente , um
signo.
Seguindo a seqüência cronológica de Boehner , nos escr itos
posteriores, como, por exemplo, Quodlibeta 167 e a Summa Logicae,
Ockham manteve a teoria do ato mental como a mais provável,
rejeitando as outras. Na Summa Logicae afirma que o conceito é o
ato de inteligir, baseando tal afirmação no princípio de parc imonia ,
ou seja, na denominada nava lha de Ockh.am. Escreve ele:

"C umpre dizer que sobre essa quest ão há diversa s opiniões.


Alguns dizem que não é senão uma certa ficção forjada pela
alma. Outro s, que é uma certa qualidade subjetivamente
existente na alma, distinta do ato de inteligir. Outros dizem
que é um ato de inteli gir. E, em favor desses, está aquela

166
BAUDRY. op.cir., p. 283.
167
GUILHERME DE OCKHAM. Quodlibera Septem. ln : Opera Theologica IX.
Ed. Joseph Wey . Cura Instituti Franciscani, Universitatis S. Bonaventurae, St.
Bonaventure, N.Y., 1980. Ockham trata da natureza do universal em Quodlibe-
ta, V, quaestio 13, p. 531-536.

146 - 125
ColeçãoJ:i1o~ofü1
O ptoblernado~ univmais: a pet~pectivade Boécio, Abelatdo e Ockharn

razão de que ' inuti lmente se faz por mais o que se pode fa-
zer por menos'. Tudo o que é salv aguardado , admitindo
algo distin to do ato de inteligir, pode ser sa lvag uard ado sem
tal distinto, porque supor outra [coisa] e signifi car outra
[coisa] pode compe tir tanto ao ato de inte ligir co mo a outro
signo. Não é prec iso , portan to, admitir algo além do ato de
inteligir" 168 .

A primeira tarefa de que Ockh am deveria dar conta , isto é,


exp licar o modo de exis tênc ia do uni versal in anima, parece estar
cumprida. Segund o ele, a op inião mais "pro váve l" é a de que o
univer sa l exista in mente como um conceito co nfuso que se identi-
fica com o própr io ato do inteligir.
Um aspecto importante e interes ante a respeito do trat a-
mento de Ockham acerca da natur eza do univer sa l é o seg uin te: em
nenhum mom ento de seus esc ritos assevera peremptoriamente que
uma determinada solução constitui-se co mo uma resposta defi niti-
va para o problema dos universais. É observáve l em seus textos o
uso de expre ssõe s do tipo: "a mais prov áve l", "há uma outra opini -
ão", "a favor desta", etc. e, aqui, lembramo s a afi rmaç ão de
Vignaux 169, seg und o a qual, se, por um lado, a rec usa do universal
extra animam toca o terre no da evidê ncia, por outro lado , a asseve-
ração do univ ersal in anima não alcança mais do que o âmbito da
probabilid ade. Em outro s termo s, a evidência decide co ntra todo o
modo de ex istência do univer sal extra animam, todavia, não decide
entre os modo s de ex istência do univ ers al in anima. Aind a, con-
forme esse autor , o modo de existência do uni versal in mente, vel
obj ective vel subjective, não é o aspecto mais importante do pen-

168
.. Dicendum quod circa istum aniculum diversae sunt opiniones. Aliqui dicunt
quod non e t nisi quoddam fictum per animam. Alii, quod est quaedarn qualita
subiective exs istens in anima, distincta ab actu intelligendi. Alii dicunt quod est
actus intelligend i. Et pro istis est ratio esta quia ·frustra fit per plura quod potest
fieri per pauciora'. Omnia autem quae salvantur ponendo aliquid distinctum ab
actu intelligendi possunt salvari sine tali distincto, eo quod supponere pro alio et
significare aliud ita potest competere actui intelligendi sicut alio signo. Igitur
praeter actum intelligendi non oportet aliquid aliud ponere". S 11111. Log., I,
12,42,30-43,39.
169
VIGN AUX. No111i11 alis111
e.... l93 l, co l. 736.

Coleção l=ilosofia
- 125 147
PedtoLeiteJuniot

sarnento de Ockham. O ponto essencial acerca do universal en-


quanto conceito é seu caráter de signo. Com efeito, a teoria dos
universais de Ockham toma um pap el relevante quando situada
dentro de uma teoria dos sig nos , ou seja, na medida em que assume
uma perspectiva lingüística.
Na busca de resolv er a segunda tarefa, isto é, dar conta do
problema da universalização dos conceitos (sem ter que, para isso ,
admitir a existência de uma natura nos singulares) , Ockham toma
como ponto de partida o fato imediato da universalidade significa-
tiva da palavra. Um exemplo que talvez ilustre a posição adotada é
o seguinte. O termo (nome) universal " homem " é apto a ser predi-
cado de Pedro , de Manuel, de João , etc. Mas tal aptidão não signi-
fica a presença da realidade desse nome em nenhum deles pois,
nem Pedro , nem Manuel , nem João contêm em si algo da realidade
do nome "homem ''. Poder- se- ia dizer que o termo "homem" tem
uma aptidão para ser utiliz ado na designação de todos os indivídu-
os humanos e isso se deve ao seu caráter de signo. Tal termo signi-
fica muitos indivíduos, mas não se realiza em nenhum deles. Diz
Ockham: "( ... ) por isso, não é universal senão pela significação,
porque é signo de muita s [coisas]" 170•
A função característica de um signo é sig nificar. Com
efeito, as noç ões de "signo" e "significar", entre outras, são no-
ções centrais no pensamento de Ockham. Em sua acepção mais
ampla 171, "sig nificar" é enviar do signo à uma realidade diferente
de si e gerar na mente uma intelecç ão dessa segunda realidade.
Dito de outro modo; para que algo signifique , basta que ele remeta
alguém a algo distinto de si mesmo e torne esse algo (em virtude
da função significativa do primeiro) se mostre mais compreensível.
A função significativa de um signo é realizada em dois níveis, a
saber, uma significação representativa e uma significação lingüísti-
ca172. Esses dois nívei s correspondem aos dois sentidos de signo
estabelecidos por Ockh am. Ambos coincidem no caráter geral de

170
'·( ... ) ideo non est universale nisi per significa tionem , quia est signum plu-
rium". Sw11.Log., I, 14, 48, 32-33.
171
Sw11.Log., 1. 33, 96, 27-35.
172 ' .
De ANDRES. op. clt., p. 80-99.

148 Coleçãol=ilo~ofia
- 125
O problemados universais:a perspectivade Boécio,Abelardoe Ockharn

serem geradores de intelecção, ou seja, têm a capacidade de condu-


zir ao conhecimento de outra realidade distinta de si mesmos.
No primeiro modo 173, o da significação repre sentativa , si-
gno significa tudo aquilo que apreendido torna conhecida outra
co isa. Nes sa perspectiva, muitas coisas podem ser sinais e fazer
conhecer algo diver o delas mesmas. O exemplo empregado por
Ockham é o de que um círculo na porta de uma taberna é um signo ,
em virtude de fazer conhecer que há vinho neste estabe lecimento.
Outro exemplo, é o da fumaça que pode ser sinal de que há fogo.
Entretanto, esse tipo de sig nificação pressupõe um conhecimento
prévio da coisa significada. Apreendemos um signo, porém , este só
faz conhecer algo diver so de si, se anteriormente já tivermos um
conhecimento prévio daquilo que o signo significa. Temo s aqui um
modo de ignificação essencia lmente rememorativa e sua natureza
é a de re-presentar a coisa sig nificada . Como lembra Bottin 174 , es-
tamos aqui diante de um conhecimento recordativo, que não con-
duz a um conhecimento novo da característica própria do objeto.
Assim , se não tivermos o con hecimento do fogo e não soubermos
que a ele se segue a fumaça, a fumaça por si só não atua como sinal
do fogo. Is o quer dizer que , se não conhecemos a relação fogo-
fumaça, a mera apreen são da fumaça não nos leva a um conheci-
mento diverso de si mesma (ao fogo), isto é, não cumpre sua fun-
ção significativa de igno.
No egu ndo modo, o da significação lingüística, Ockham
apresenta uma concpção de sig no mais restrita:

"A qui , porém , não falo de signo de um modo tão gera l. Di-
ferentemente, toma-se signo como aqui lo que traz algo à
175
cogn ição e é capaz de supor por isto".

173
S11111.Log. , 1, 1, 8. 53-9 , 59.
174
BOTTlN, Francesco. "Linguaggio mentale e atti di pensiero in Guglielmo di
Ockham ". ín: Veritas. Porto Alegre, v. 45, (2000), 11 . 179, p. 349-36 0.
175
"Sed tam ge11e ralit er 11
011loquo r hic de signo. A lit er accip itur signum pro ill o
quod aliquid facit i11cog11itio11emve11ireet 11atumest pro illo supponer e.. .'' Sum.
Log., 1, 1, 9, 56-61.

ColeçãoJ:ilosofia- 125 149


PedtoLeiteJuniot

Nessa segunda acepção de signo, juntamente com a função


significativa (como geradora de intelecção), é acrescentada uma
característica essencial, que consiste na capacidade suposiciona l do
sinal. Se nos signos representativos a função geradora de intelecção
se limitava à de um conhecime nto rememorativo, nesse novo tipo
de signo tal limitação está suprimida. O sinal é agora caracterizado
pela possibilidade de produzir uma intelecção primária (não mera-
mente recordativa) e, principalmente , por sua função suposicio nal,
ou seja , por e tar orientado a ocupar o lugar da coisa significada
em uma proposição. Ora, é por meio da suposição que um signo se
torna signo lingüístico e coincide com a noção de termo .
Ockham estabelece uma ligação entre signo e termo, tendo
como base a definição aristoté lica de termo. Os raciocínios são
constituídos de proposições e, essas de termos. Sobre os termos diz
Aristóteles: "Designo por termo aquilo em que uma premissa
[proposição} se resolve, isto é, o predicado e o sujeito acerca do
qual ele se afirma, quer o verbo ser lhe esteja junto, q11ero não-
ser esteja separado " 176.
Seguindo o ensinamento de Boécio, Ockham afirma que
existem três tipos de proposições, a saber, a escrita, a falada e a
pensada. Esta última com existência apenas no inte lecto. Do mes-
mo modo, há três espécies de termos:
i) o termo escrito, que existe fora da mente e pode ser
visto materialmente;
ii) o termo falado, que também tem existência fora do
intelecto e pode ser escutado , e
iii) o termo pensado que é o conceito (termo conceit uai),
existente apenas no intelecto.

Diz Ockham:

"O termo concebido é a intenção ou paixão da alma signifi-


cando ou co-significando naturalmente algo, capaz de ser

176
ARISTÓTELES. "Analític os primeiros". ln: Tratado s de Lógica li (Orga-
Introd. , trad . y notas de Mi guel C. Sanmartin . Madri: Gredos . 1995. I, 24b,
11011).
16.

150 ColeçãoJ:iio~ofia
- 125
O ptoblernados univma is: a petspectivade Boécio, Abelatdo B Ockharn

parte da proposição mental e de por ela supor. Assim, estes


termos concebidos e as proposiçõescompo tas por eles são
aquelas palavras mentais que Santo Agostinho, no Livro
XV do tratado Sobre a Trindade, diz não serem de língua
alguma. porque permanecemapenas na mente e não podem
ser proferidas ao exterior, embora as palavras faladas, como
inais subordinados a eles, se pronunciem exteriormen-
te"111_

Após vincular os signos lingüísticos aos termos, Ockham


divide os sinais em dois grupos:
a) signos lingüí ticos naturais (termos mentais ou con-
ceitos), e
b) signos lingüísticos convencionais (termos escritos e
falados).
A própria distinção entre os sinais lingüísticos já aponta
para as diferenças que há entre eles. Segundo Müller 178 , tais dife-
renças dependem basicamente do modo como cada grupo cumpre
sua função significativa 179 .
Os conceitos (termos mentais) significam de modo natural
tudo aquilo que significam, isto é, exprimem diretamente a coisa
significada. Os signos mentais são produzidos naturalmente através
da interação do objeto e do intelecto. Os sinais convencionais si-
gnificam por meio ele uma convenção, ou seja, por uma instituição
voluntária cios homens.
Uma outra diferença relevante entre os termos mentais e
dos tem1os escr itos e falados é aquela estabelecid a pela relação ele
subordin ação entre ambos. Os sinais convencionais são subordin a-
dos aos sinais naturais. As palavra s escr itas e faladas foram inven-

177
"Terminus conceptus est intentio seu passio animae aliquid natural iter signifi-
cans vel con ignificans, nata esse pars propositionis mentalis, et pro eodem nata
supponere. Unde isti termini concepti et propositiones ex eis composi tae sunt
ilia verba quae beatus Augustinus, XV De Trinita te, dicit nullius esse li11 guae.
quia tantum in mente manent er exterius proferri 11011 possunt , quamvis voces
tam quam sig11asubordi11 ata eis pronu11tienturexterius." S 11111. Log., !, l , 7, 19-
25.
178
MÜLLER. op.c it., p. 31.
179
. Log., I. 1.8, 46-52.
S11111

Coleção J:iiosofia- 125 151


PedtoLeiteJuniot

tadas pelos homens para designar as coisas das quais os co nceitos


são sinais naturais. Ockham presta o seguinte esclarecimento:

"Primeiram ente, cumpre saber que se chama intenção da


alma algo na alma destinado a significar algo diverso. As-
sim, como foi dito antes, do modo em que o [termo] escrito
é signo secundário com respeito às palavras faladas, por-
que, entre todos os signos convencional mente instituídos, as
palavras faladas têm o primado, assim as palavras faladas
são signos secundá rios daquilo de que as intenções da alma
são signos primários . E, por isso, diz Aristóteles que as pa-
lavras faladas são 'marcas daque las coisas que são paixões
da alma'. Aquilo, porém , existe nte na alma, que é o signo
da coisa, a partir do qual a proposição mental se compõe -
ao modo em que a propo sição voca l se compõe de palavras
faladas -, às vezes chama-se intenção da alma, às vezes
conceito da alma, às vezes paixão da alma, às vezes simi-
litude da coisa , e Boécio , no Comentário ao Periherme-
néias, chama intelecção. Assim, ele pretende que a proposi-
ção mental seja composta de intelecções , não certamente de
intelecções que são realm ente da alma intelectiva , mas de
intelecções que são certos signos da alma significa ndo ou-
tras [coisas] e dos quais a propos ição mental é composta.
Assi m, quando quer que alguém profira uma proposição
falada, antes forma interiormente uma proposição mental,
que não é de idioma algum , tanto que muitos freqüente-
mente formam interiorment e proposições que, em razão de
defe ito do idioma , não sabem expressar. As partes dessas
proposições mentais chamam-se conceitos, intenções , simi-
litudes e intelecções" 180 .

180
"Es t autem primo sciendum quod intentio animae vocatur quiddam in anima ,
natum sig nifi care a liud . Unde, sicut dictum est pr ius, ad modum quo scr iptu ra
est secundarium sign um respect u vocum, quia inter om nia signa ad placitum
instituta voces obt inent principat um , ita voces secundaria signa sunt illorum
quorum intentiones animae sunt signa primaria. Et pro tanto dicit Aristoteles
quod voces sunt 'earum quae sunt in anima pas sionum notae ' . lllud autem
exs istens in anima quod est sign um rei , ex quo propositio mentalis compo nitur
ad modum quo propositio vocal is componitur ex vocibus, aliquando vocat ur in-
tentio animae, aliquando conceptus animae. aliquando passio animae, aliquando
simílitudo rei, et Boethius in commento super Perihermenias vocat intellectum.

152 Coleção í=iiogofia


- 125
O problemados univetsais: a petspectiva de Boécio, Abelatdo e Ockham

A funç ão supo icion al de um signo é, propriam ente dita , a


I8I
que faz dele um signo lingüístico e, portanto , um termo. O signo
e tá inse rido no contexto propo icional, em virtude da própri a no-
ção de "s uposição ". Seg und o Ockh am a supo sição (suppositio) é
uma prop,ied ade qu e convêm aos termos (es crit o, falado e mental )
mas so mente enqu anto estão inse rido s num contexto propo sicio-
nal i s2 _
A noção de "s upos ição" es tá est reitam ente vinc ulada às
noções de "s igno "e de "s ig nificação " na teoria dos signo s de
Ockham. Essa s noç õe apar ece m conjuntamente na seg uinte afir-
mação:

"( ...) por ora, basta considerar que a int enção [conceito] é
algo na alma, que é um signo que significa naturalmente
algo pelo qual pode supor ou que pode ser parte de uma
· - mental" 181· .
propos1çao

O pr oblema dos universais, quand o situ ado no interior da


teoria dos signos desenvolvida por Ockham, resulta na afirmação
do próprio Venerabilís lncept or de que há dois tipo s ou modos de

Unde vult quod propo iti o memalis componi tur ex intell ectibu s; 11011 quid em ex
intell ectibu s qui sunt realit er anim ae intell ecti vae, sed ex intell ectibus qui sunt
quaedam signa in anima signifi cantia al ia ct ex quibus propositi o mentali s co111-
ponitur. Unde quandocumque aliq uis profert proposit ionem vocalem. priu fo r-
mar interiu s unam propositi onem mentalem, quae nulliu s idi omatis est, in tan-
tum quod multi frequenter formant interiu s propositio nes quas tamen propter de-
feclum idiomati s exprim ere ne ciu nl. Parte taliu m propo iti onum 111 entalium
vocantur conceptus. intentione . similitudin es et imell ectus" . S11 111.Log., f,
12,4 1,8-42,28.
181
A respeito da relação entre função suposicional e sinal lingüí ti co indi camos
particul armente o capítul o 2.2. S11pposirio e teoria li11 g 11ística, da obra de BOT -
T IN, Francesco. La scienza deg li occa misri. Rimini: Maggioli , 1982, p. 77-86.
182
Ockham desenvolve a teoria da suposição em S11111. Lag., l. 63-77. Não desen-
volveremos e te tema aqui . pois, trata-se de u111a sunlo co111 plexo e exigiri a um
outro estudo.
183
··e...) ideo pro nunc suffi ciat quod intentio est quidda111in anim a. quod est sig-
num naturalit er signifi cans aliquid pro quo potes! supponere vel quod pote t
esse pars propositi oni s mentali s''. S11111
. Lag., 1, 12,43.40-53.

Coleçãof:ilosofia- 125 153


Pedto LeiteJuniot

se entender o universal 184 . O universal pode ser compreendido en-


quanto um conceito natur al, ou seja, aquilo que é naturalmente si-
gno predicável de muitas coisas, proporcionalmente, corno a fuma-
ça significa naturalmente o fogo, o gemido de um doente significa
a dor, e o riso a alegria interior. Esse tipo de universal é o conceito
da alma , de modo que nenhuma substância ou acidente fora da
alma é um universal. Outra maneira é entender o universal corno
signo convencional (termo escrito ou falado) que encontra sua uni-
versalidade por instituição voluntária, quer dizer, por convenção
significa muitas coisas.
A resposta que Ockharn propôs para a questão dos univer-
sais move-se no âmbito da probabilidade. Parece que o mais im-
portante não é tanto determinar o modo de existência do universal
in anima, quanto seu esforço em recu á-lo como existente extra
animam. Ockham admite a existência do universal na mente en-
quanto ato do intelecto que gera um conceito confuso, a partir da
similitude das próprias coisas singulares. Esse conceito na alma
encontra sua possibilidade de univer salização , na medida em que é
um signo lingüístico e, portanto, um termo.

184
Swn. Log., 1, l4, 49, 53-64.

154 Coleçãor:Hosofía- 125


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim de nosso estudo, não apresentamos uma "conclu-


são" no sentido estrito do termo. A título de "con iderações finais",
preferimos apresentar um balanço do percurso que realizamos até
aqui.
FundamentaJrnente discorremos acerca do problema dos
universais, um tema complexo e que, ainde hoje, inspira muitas re-
flexões. Mantemos a idéia iniciaJ, isto é, que se trata de uma ques-
tão preferencialmente de ordem ontológica , mas que se ramifica e
está subjacente a muitos âmbitos do discurso , residindo aí sua
complexidade.
Não tivemos por objetivo abordar tal problemática em sua
integridade e, nesse sentido , procuramos localizá-la em uma época
histórica determinada. Basicamente destacamos três mome ntos do
desenvolvimento do problema no período medieval. Elegemos
como representantes de cada um de ses momentos, respectiva-
mente, Boécio, Abelardo e, com maior ênfase, Guilherme de
Ockam. Assim, no primeiro e no segundo momento, de caráter
preparatório, expressamos a perspectiva de Boécio e de Abe lardo a
respeito dos universai . No tercerio momento tomamos Ockham
como interlocutor privilegiado e examinamos de modo detaJhado
sua abordagem da que stão.
A escolha de Boécio pode ser ju stificada, tendo em vista
acreditarmos que foi através dele que a controvérsia sobre os uni-
versais ingressou no mundo medieval. A solução proposta por ele
para o problema representa um resgate do pensamento aristotélico.
Examinando a questão de uma perspectiva ontognosiológica , Boé-
cio sustenta que os universais (gêneros e e pécies) são res univer-
sales com fundamento na realidade. Os universais encontram sua
natureza origem e localização na próprias coisas. É a partir do
conhecimento que ternos da semelhança, que há e está situada nas

ColeçãoÍílosofia - 125 155


PedtoLeiteJuniot

coisas fora da alma, que formamos mentalmente, pela abstração, as


noções de gênero e espécie. Respondendo as questões clássicas de
Porfírio, Boécio afirma que os universais subsistem nas coisas sen-
síveis, mas são pensados fora delas , enqua nto concepções do espí-
rito . A solução boeciana tinha a pretenção de ter resolvido o pro-
blema.
Em Abelardo identificamos uma reação vigorosa e consis-
tente contra a existência de uma res universal extra animam. Abor-
dando a questão de uma perspectiva semâ ntica, ele rejeita as teo-
rias que atribuiam a universalidade às coisas, e afirma que univer-
salidade cabe somente às palavras . Assim, universal é a palavra
(vox) ou, mais precisamente a palavra significativa (vox significati-
va, nomen, sermo). Abelardo distingue duas funções semânticas
próprias das palavras , a sabe r: uma função significa tiva, na qual a
palavra fixa uma intelecção na mente, e, uma função referencial,
segundo a qual uma palavra refere uma coisa extramenta l. A difi-
culdade que Abe lardo enfre nta é a segu inte : como um nome uni-
versa l cumpre essas duas funções? A resposta , em síntese, é de que
os nomes universais significam pela denominação , isto é, referem
coisas verdadeiramente existe ntes, mas não coisas universais; eles
signijficam as mesmas coisas designadas pelos nomes singu lare s,
mas numa intelecção específica: isolada, nua e pura.
O problema dos universais da perspectiva ock hamista as-
sume um contorno fundamentalmente lingüístico. A recusa radical
do universal extra animam traz no seu seio a afirmação da singula-
ridade do real. Suas críticas , contra qualquer possibilidade de um
universal (fora da alma) como con stituinte do sing ular, estão re-
pletas da defesa intransigente do indivíduo como única realidade
extramenta l existente.
Expurgado do domínio ontológico, o universal é localizado
na mente. Todavia , o modo da existência do universal in. anima não
parece ser a questão central para Ockham. O Venerabilis Inceptor
não apresenta uma proposta para o problema dos universais que se
constitua como uma solução definitiva , no sentido de dar por re-
solvida a questão. Considera como resposta "mais provável" que o
universal seja sum conceito confuso o qual se identifica com o ato

156 Coleção ~ilosofia- 125


O problemados univetsais:a petspectivade Boécio,Abelatdoe Ockharn

de inteli gir. Esse conceito é gera do a partir da similitude das coisas


exter iore . A sim podemo dizer que Pedro e Manuel assemelham-
se mais um com o outro do que Pedro e um gato . O conce ito "ho-
mem" , então, co nvém a Pedro e a Manuel, e não ão gato.
Mas, não importa que o univ ersa l, enq uanto conceito,
exista in mente qu er subjet ivamente, quer objetivamente, acaba
endo uma questão secundária, poi o que importa é que ele é sig-
no.
Através do desenvolvimento da teor ia do s signos e avali-
ando o problem .a dos universais sob esta perspectiva, Ock ham tor-
na-o uma que tão de linguage m. O conceito basicamente é um si-
nal lingüístico e, port anto, um termo da linguagem .
Para finalizar , cabe anotar que as idéias de Ockham caíram
por muito tempo no esquec iment o. Entretanto, seu pensamento
passou a despe rtar a atenção de muito s pensadores contemporâ-
1
neos • O estudo de sua semântica que contém noções como signo,
termo, significação e uposição, entre outras, o aproximam de pro-
blemas filosóficos atuais no âmbit o da lógica , da emânt ica e da
filosofia da linguagem. As sim, acreditamos que muita s idéias de
Ockham , se revistas cuidadosa mente , pod e m, de certo modo , con-
tribuir na discussões filosóficas contemporâ neas.

1
A respeito de bibli ografia atual sobre o pensamento de Ockham. ver, SPADE,
Paul V . (ed.). Tire Cambridge Co111pa11io11to Ockham. Cambridge: Cambrid ge
University. 2000. Essa obra colllém inúmeros arti gos que tratam do pensamento
de Guilherme de Ockham. lnf elizmeme, não ti vemos aces o a tal texto ante do
término desta dissertação, o que muito teria contribuído para nosso estudo.

Coleçãol=ilosofia- 125 157


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Fé e razüo 110pe11Sa
mem o medieval
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O arg11111emo
omológ ico de S. Anselmo
3- SOUZA. Draiton G .
O ateísmo antropológico de Ludwig Feuerbac/1
4- WOLLMANN , Sérgio
O conceito de liberdade 110 Leviaui de Hobbes
5- PAVLANI, Jayme
Escrita e li11g 11
age111e111Plauio
6- CIRNE -UMA , Car los R. V.
Sobre a contradiçüo
7- BIRCK , Bruno Odélio
O sagrado e111R11do/f O110
8- OLIVEIRA, Manfredo Araújo de
Sobre a J1111da111e11taç<io
9- PEREIRA , Juli o Cesar R.
Episte111
ologia e Liberalismo
10- DE BONl. Luí s A.
Bibliografia sobre fi losofia 111edieval
11- ZILLES, Urbano
O racional e o místico e111Wit1ge11stei11
12- ZITKOSKI. Jaime José
O 111
étodofe 110111
e11ológico de Husserl
13- OLIVA , Alberto
Co11heci111e
1110 e liberdade
14- CALDAS , Sérgio
A teoria da história e111Ortega y Gasset a partir da raz<iohistórica
l 5- PlZZI, Jovino
Ética do Discurso: a racionalidade ético-co1111mi
catim
16- FLJC KlNGER , Han s-Georg / Wolfga ng Neu cr
A teoria de auto -orga11i
7.aç<io:as rafzes da i111e
17,retaçüo constrntivista do conheci-
mento
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A111orx Conheci111e11
to. l111
er-relação ético-co11ceiwal e111Max Schele r
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age11111111dae o Pe11sa111
e11to fa/c111
te: sobre a Filosofia da Li11g11age111
em Mau -
rice Merlea11-Po11t
y

Coleçiío Íilo~ofia - 125 163


Pedtoleite Juniot

20- PELIZZOLI , Marce lo Luiz


A relação ao Otllro e111H11sserl e Levi11as
21-. ZILLES, Urbano
Teoria do Co11heci111e
11to
22 - SARO!, Sérgio Augus to
"Diálogo·· e Dialética em Plateia
23 - DE BONI , Luis A.
wgica e Linguagem na Idade Média
24 - PAJM , Antonio
Problemática do C11l111rali
s111
0
25 - LUFf , Eduardo
Para 11111a
crítica i111emaao sis1ema de Hegel
26 - TIBUR I, Mareia
Crí1ica da razüo e 111
ímesis 110 pe11sa111e11to
de Theodor W. Adorno
27 - GRfNGS, Dom Dadeus
O ho111
e111dia111edo universo
28 - NEUSER, Wolf gang
A i11.fi11itud
e do 111undo
29 - RIBErRO, Eduardo Ely Mendes
/11dividualis111
0 e verdade e111Descanes
30 - BOMBASSARO . Luiz Carlos
Ciência e mudança conceituai
31 - ZILL ES. Urbano
Gabriel Marcel e o existe11cialis1110
32- VÁRJOS
Funda111e11talismo
33 - SOUZA, José Antonio de C. R. de
O Reino e o sacerdócio
34 - P ERE IRA, Júlio César R.
Popper. As aventuras da racio11alidade
35 - ULLMAN , Reinholdo Aloysio
Epicuro - o filósofo da alegria
36 - PRESTES . Nadja Hermano
Educação e racionalidade. Conexões e possibilidades de 11111a
razão co111
1111i
cativa 11a
Escola
37 - ROHDE , Geraldo Mario
Epistemologia ambienta l: 11111
a abordagem fil osófico-cie 11tíjica sobre a efet11açcio hu-
mana alopoiética
38 - DE BONI , Luiz Alberto (Org.)
Idade Média: Ética e Política
39 - PAULO. Mar garida Nichele
lndagaçlio sobre a imortalidade da alma em Platão

164 Coleção i:-ilo


sofia- 125
O pwblerna dos univetsais:a petspectivade lsoécio,Abelatdo e Ockharn

40 - STElN , Ernild o
Aproximações sob re hermen êwi ca
41 - HUSSERL. Edmu nd e ZlLLES , Urba no
A crise da /111111a11id
ade européia e a filosofia
42 - CEZAR , Cesar Ribas
O co11!tecimento abstra ti vo em Du11s Esco to
43 - NEDEL. José
Maq11iavel - concepç áo a111ropo lóg ica e ética
44 - PAVIA ! , Jayme
Estética Mínima - Notas sobre arte e literatura
45 - ULLMANN. Rein holdo A.
O Estoi cism o roma110. Sê11eca. Epicteto e Mar co Au rélio
46 - FfNG ER. ln grid
Metáfora e sig11ificaçáo
47 - FREIBERGER, Mário J.
Açõo e tempo na Bhagavad-Giw
48 - ClR NE-LfMA. Car los R. V.
Dialé tica para principia11tes
49 - JES US, Luciano Marque de
A questã o de Deus 11aFilosofia de Desca rtes
50 - SOUZA, Ricardo Timm de
Tota lidade & Desagr egaçcio
5 1 - OLIVEIRA , Manfredo Araújo de
Tópicos sob re dialética
52 - VIEIRA, Lui z Vicente
A demo craci a em Rousseau
53 - MARTINES. Paulo Ricardo
O A rg um ento IÍnico do Pro slog io11de A11selmo de Cantuária
54 - ROHD EN. Lui z
O poder da linguage m. A arte retórica de Aristóteles
55 - OUVA, Alberto
Ciência e ideologia: Flor esran Fernand es e a .fonuaçiio das ciências sociais 110Bra sil
56 - DE BONI , Lui s Alberto (Trad.)
Gui lherme de Ockham
57 - STEIN, Ernildo
A caminho de uma .fu11da111entaçrio
meta.física
58 - SOUZA. José An tônio & BARBOSA, João Mora is
O Reino de Deus e o rei110 dos ho111
e11s
59 - SANTOS, Antonio Raimundo dos
Repe 11sa11do a filosofia: pr ólogo do co mentário de Gui//1er111
e Ock ham às se111
e11ças.
questão/ª

Coleção Íilosofia - 125 165


PedwLeiteJuniot

60 - STEfN , Ernildo
A namn ese: a fil osofia e o retorno do reprimid o
61 - Zll.LES , Urbano
O Proble111a do conh eci111
en10 de Deus
62 - OLIV EIRA , Avelino da Rosa
Marx e a lib erdad e
63 - MACI EL, Sonia Maria
C01p o invisível: 11111
a nova leitu ra na fi losofi a de Merlea u-Ponty
64 - FLECK, Fernando Pio de Almeida
O pr oblema dos f utur os contingentes
65 - ZANOTTI , Gabrie l
Epistemolog ia da eco nomia
66 - FABRI , Marce lo
Desencantand o a ontolog ia: subjetividade e sentido ético e111Lev inas
67 - SILVA , Marco ni Oliveira da
O mund o dos f aros e a estrutura da linguagem: a notícia j omalí stica na p erspec tiva de
Wi11ge 11stei11
68 - KURY , Marin o (Trad . e notas)
Cato Mai or se u De Senectude. Carão o velho 011diálogo sobre a velhi ce
69 - ROHDEN , Cleide Cristina Sca riatelli
ge111do sag rad o e o mun do mo derno à 111
A ca111ufla ~ do pe nsam ento de Mi rcea Eliad e
70 - KAMMER , Marcos
A din âmica do Lra/Jalho abstrat o 11a socie dad e mode rna : 111naleitura a pa rtir da s bar -
bas de Marx
71 - FEUPPI. Maria Cristina Poli
O espírito como heran ça: as origens do sujeito conte111p
ora11eo na obra de Hege l
72 - ALMEIDA , Claudio de
Russe ll 011the f ou11da tions ofl og ic
73 - CARVALHO , Jo sé Maurício de
O homem e a fil osofia: p equ enas meditações sobre exis tência e e11/t11
ra
74 - NEDEL , Jo sé
Ética, dir eito e ju stiça
75 - HOLANDA, Francisco Uribam Xav ier de
Do liberali smo ao neoliberali smo
76 - PA VIANI. Jayme
Formas do dizer: qu estões de método, conhecimento e ling 11
age 111
77 - MOURA , D. Odil ão (Trad .)
Os princípi os da fil osofi a de São Tomás de Aquin o
78 - DE BONI , Lui s Alberto
Ética e ge nética
79 - BRUGNERA , Nedilso Lauro
A escravidã o em A ristóteles

166 Coleçãof:ilo~ofia- 125


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162 ColeçãoJ:ifosofia
- 125
O problemado~univer~ai~: de Boécio,Abelardo e Ockharn
a per~pectiva

80 - SANGALLI. !dalgo José


O fim ,í/rimo do homem
81 - SPINELLI . Migue l
Filósofos pré-socráricos: primeiros mesrres da filosofia e da ciência grega
82 - SOUZA, Ricardo Timm de
O tempo e a máq11inado temp o
83 - CINTRA . Benedito Eliseu Leite
Paulo Freire emre o grego e o semira
84 - BORGES , Maria de Lourdes Alves
História e Mewfísica em Hege l: sobre a noçã o de espírito do mund o
85 - CARVALHO, José Maurício de
Filosofia da Cultura: De/jim Santos e o pensamento contemporân eo
86- ISKA DAR . Jamil lbrahim
Avicena: a origem e o retom o
87 - WEBER , Thadeu
Ética e filos ofia política: Hegel e o for111alis1110
ka111iano
88 - ABR AMOVIC H, Léia Schacher
Ludwig Wiugenstein e a teoria da literat11ra
89 - SANTOS , Bento Silva
A imorralidade da alma 110Fédo11de Plauio
90 - VERZA, Tadeu Mazzol a
A do11trinados atrib11tosdivin os 11
0 Guia dos Perp lexos de Maimônid es
91 - COSTA. Marcos Roberto Nunes
Santo Agostinho: 11111gênio i111elect1wla serviço dafé
92 - SOUZA . Ricardo Timm de
Sujeito, ética e história: lel'inas, o 1rau111ati
s1110infi11ito e a crítica da filosofia oc i-
dental
93 - HERMANN . Nadja
Validade em educaç<io: i11111iç
ões e problemas na recepção de Habermas
94 - OLIV . Alberto
Ciência e sociedade: do consenso à revol11ç<10
95 - ODARI, Paulo César
A emerg ência do i11dividualis1110
modemo no pensamento de John Locke
96 - GUERIZOLI. Rodrigo
A metafísi ca no tractatus de primo princip io de Duns Escuto
97 - TOMAZELI. Luiz Carlos
Emre o estado liberal e a democracia direw: a busca de 11111no vo contrat o soc ial
98 - TEIXEIRA. Antônio M. R.
O topos ético da psicanálise
99 - COSTA. Alexandre
Thánatos: da possibilidade de 11111conceiro de morte a partir do lógos hemclítico

Coleção l=ilo~ofia
- 125 L67
PedtoLeiteJuniot

100 - OLIVEIRA , ythamar Fernand es de


Tracrat11s ethico-politicus.
101 - MA C HADO. Jorge Antônio Torres
Filosofia e Psicanálise: 11111
diálogo
102- GUERREIRO , Marie A. L.
Ceticismo 011senso co11111111
>
103 - NA VIA, Ricardo
Verdade, racionalidade e relmi vis1110
e111H. P11t11m11
104 - RAUBER , Jaime José
O problema da 1111i,•ersali~ação
em ética
105 - ANDRADE, Abra hão Costa
Ricoeur e afor111açüodo sujeito
106- CENCI , Angclo V. (Org.)
Temas sobre Kant
107 - TER R EEGE , Jan Gerard Joseph (Trad. e lmrod.)
O livro das causas. Liber de causis
108 - NEDEL, José
A teoria ético-política de John Rmt'/s
109 - OLIVEIRA, eiva Afon so
Rousseau e Rawls: contrato em duas vias
110 - DE BO 1. Luis Alberto
Filosofia Medieval
111 - ULLMA NN, Rei nho ldo Aloys io
A Universidade Medieval
112 - DE BONl. Lui s Alberto
A Ciência e a orgcmizaçdo dos saberes na Idade Média
113- VALLS, Alvaro
Entre Sócrates e Cristo
114 - ST EIN. Ernildo
Diferença e Metafísica
115 - NAPOLI , Ricardo Bins di
Ética e compreenscio do 011tro
116-ATT IE FILHO. Miguel
Os sentidos internos de lbn Sina
117 - ALMEIDA. Custó dio Luís Silva de; FLICK ! GER. Hans-Georg; ROHDEN , L.
Her111enêuticafilosófica:nas trilhas de Hans-Georg Gada111er
118- PAVJA 1, Jayme
Globalização e h11111anis1110
Latino
119 - RU EDELL, Alofsio
Da representaçdo ao se111id
o
120- SOUZA . Ricardo Timrn de
Sentido e Alteridade

168 ~
EDIPUCRS
Coleçãof:"ilo
~ofia - 125

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