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Edição do autor
2016
3
Agradecimentos
Deus me agraciou com uma primorosa ancestralidade, o que facilitou todo esse
processo, pois meus pais praticamente viveram em função da criação e sustento
de mim e do meu irmão.
No mais, devo dizer que para mim foi fácil pensar, estudar, pesquisar e falar de
fraternidade, pois após passar por privações e sérios problemas pessoais, sempre
foi no outro que encontrei o conforto e forte alicerce.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7
CONCLUSÃO.......................................................................................................... 107
O modo de produção hodierno, que teve como germe os burgos nos entornos
dos grandes feudos medievais, traz incrustado um individualismo associado à
primeira dimensão de direitos fundamentais lema fortemente levantado na
Revolução Francesa. A classe burguesa, ao romper com o antigo regime, precisava
de liberdade para o seu crescimento dentro da sociedade. Sem dúvida que - de um
corpo jurídico decorrente da revolução de 1789 formado por liberdade, igualdade e
fraternidade – os direitos relacionados à liberdade se mostram muito mais protegidos
e sedimentados. Grandes juristas se debruçam sobre a busca de novas dimensões
de direitos humanos, além da segunda e da terceira, todavia, cabe indagar, antes de
avançar a outras dimensões, sobre a construção e evolução da segunda e terceira.
Isto posto, uma vez que os direitos estão na Constituição - além do que o
cenário jurídico atual aufere uma normatividade aos dispositivos constitucionais -
seria essa uma responsabilidade unicamente do Estado? A incompletude na
consecução dos fins propostos pelo princípio, seja ontologicamente como ideal
constitucional, seja como princípio positivado operante, se dá em face da ausência
da atuação do protagonismo dos cidadãos dentro do Estado democrático.
A palavra fraternidade é oriunda do latim e quer dizer: irmão. Tal dimensão traz
uma sinestesia abstrata, um tanto intangível e inalcançável. Essa esfera vem
encontrando um novo alcance após o início da década de 90, no século XX. A
globalização, que surge exatamente nesse período, facilitou o intercâmbio de
informações entre as pessoas, o que proporcionou nas últimas décadas uma
proliferação de ONGs atuando em âmbito internacional. Esse cenário foi turbinado
pelas redes sociais que movimentam os usuários da rede em torno de vários temas,
dentre os quais humanitários.
Assim, pontifica Tocqueville (1982, p. 144) que as ideias que pairavam nas
mentes dos filósofos franceses se encorparam e desceram às multidões,
“inflamando a imaginação das mulheres e dos camponeses [...] tomando a
consistência e o calor de uma paixão política”. O cenário era propício, pois a França
enfrentava uma crise de déficit nos cofres públicos, atribuída aos gastos
extravagantes da corte, em especial da Rainha, no Palácio de Versalhes, o
envolvimento da França com a Guerra da independência americana, desmoderados
impostos. Além disso, as circunstâncias climáticas eram adversas, prejudicando as
plantações, incorrendo no aumento do preço do trigo, que acarretou o aumento do
preço do pão, base da alimentação dos integrantes do Terceiro Estado. A
12
Diante desse contexto, o Rei Luís XVI, no final de 1788, convocou uma
Assembleia Nacional com as três ordens, quais sejam, a nobreza, o clero e os
comuns. Hobsbawn (1996, p. 124) sustenta que, dentre as três classes, a nobreza
cairia junto com o trono, uma vez que ela “tem para o rei e principalmente seus
agentes uma atitude mais ativa e uma linguagem mais livre que o terceiro estado
que, em breve, derrubará a realeza”.
O clero se dividia em alto e baixo clero, o primeiro com bispos quase sempre
vindos da nobreza, e os últimos de origem mais modesta. No que diz respeito ao
clero, o autor supracitado aduz:
“Parece-me que a nação reunida não pode receber ordem.” (MICHELET, 2003,
p. 129), disse o Rei Luís XVI, após constatar certa dificuldade em governar com a
Assembleia instaurada. Assim, após sua declaração, o rei determinou a separação
das ordens. É interessante esse choque de realidades: uma que está por vir, e outra
que está na iminência de ser superposta, esse momento da assembleia geral, da
troca de ideias, da dificuldade de conciliação dessa nova ideologia com privilégios
que sufocaram a liberdade, a igualdade e a fraternidade por tanto tempo. O povo,
agora, está em um período iluminado, portanto não aquiescerá à pressões vindas da
corte, pois já possui maior consciência do seu valor diante do Estado.
“Na França, na véspera do dia em que a revolução vai explodir, não se tem
ainda nenhuma ideia precisa sobre o que ela vai fazer.” (HOBSBAWN, 1982, p. 52).
A primeira atitude de grande afronta ao rei foi o Terceiro Estado considerar-se como
Assembleia Nacional. Nomeiam-se Os Estados Gerais como Assembleia Nacional
inviolável, com membros invioláveis, formados com o escopo de elaborar uma
Constituição para a França. (CARLYLE, 1961, p.145; 150-151).
pois, embora estivesse havendo uma forte atuação do Terceiro Estado para o
desenrolar da Revolução, foi meditada por filósofos, alguns deles liberais, como
John Locke. A condução pela classe burguesa e o privilégio pela implementação dos
direitos relacionados à liberdade concedem à Revolução Francesa um caráter
extremamente burguês, que ficou bem marcado em sua primeira declaração.
[...] Foi a França que fez suas revoluções e a elas deve suas ideias, a ponto
de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem-se tornado o emblema
de praticamente todas as nações emergentes, e as políticas europeias (ou
mesmo mundiais), entre 1789 e 1917, foram em grande parte lutas a favor e
contra os princípios de 1789, ou ainda os mais incendiários princípios de
1793. (HOBSBAWN, 1996, p. 7).
Monet vai trabalhar toda a base iluminista que dará origens às ideias que
servirão de sustentáculo ao movimento revolucionário, como discussões sobre as
leis naturais, trazendo fundamentos desde Hugo Grócio e Samuel von Pufendorf,
naturalistas.
Segundo Monet (2006, p. 155): Leur conclusion explicite est que les hommes
ont des droits, des dignités qui s’opposent à l’idée d’un gouvernement despotique.2 O
historiador Alphonse Aulard (1910, p.91) defende a existência de valores
republicanistas pré-revolucionários na França: “Perhaps the republican frame of
mind has always existed in France, in one form or another, since the beginning of the
Renaissance.” 3
Ainda segundo o autor, “this is why in 1972, when circumstances made the
Republic necessary, there was a sufficient number of thinking men prepared to
accept, and to force on others, a form of government of which they had already
adopted the principles.4”
Surge o gérmen da liberdade, algo que vai eclodir agora, mas que já vem
sendo pensado por vários historiadores, como, por exemplo, Montesquieu, quando
fala que o governo monárquico deve se submeter às leis fundamentais, no capítulo 4
do seu “Do Espírito das Leis”. Surge, também, o gérmen da igualdade: não há
classe melhor que a outra; o que existe é uma organização de poderes. “Os poderes
intermediários, subordinados e dependentes, constituem a natureza do governo
monárquico, isto é, daquele onde um só governa com leis fundamentais.” (1979, p.
11)
2
A conclusão explícita é a de que os homens têm direitos, dignidades que se opõem à ideia de um governo
despótico.
3
Talvez, o modo de pensar republicado tenha sempre existido na France, de uma forma ou de outra, desde o
início da Renascença.
4
É por isso que, em 1972, quando as circunstâncias fizeram a República necessária, houve um número
suficiente de homens racionais preparados para aceitá-la, e para forçar sobre os demais, uma forma de
governa da qual eles já haviam adotado os princípios.
20
ARTIGO 2º
A língua da República é o francês.
O emblema nacional é a bandeira tricolor: azul, branco, vermelho.
O hino nacional é a ‘Marselhesa’.
O lema da República é: ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’.
O seu princípio é: governo do povo, pelo povo e para o povo. (Grifo nosso).
Essa tríade na Revolução de 1789 não foi proclamada como lema oficial da
República ou imposto como mote pátrio, como fez o governo provisório de 1848.
Naquela primeira Revolução, a de 1789, tudo isso está apenas em formação.
Corroborando com esse entendimento, Aulard (1910, p. 7), traz à tona um juramento
cívico, em 22 de dezembro de 1789, o compromisso de fidelidade “À nação, a lei e o
Rei.”, em suas palavras:
qu’on inscrivit en tête d’actes publics ou privés, ces mots: La Nation, la Loi,
5
le Roi, qui formèrent comme une devise patriotique .
Ainsi la loi du 25 août 1792, qui ordonnait de frapper des pièces de cinq
sous et de trois sous en bronze, disait : «Les unes et les autres représentent
d’un côté le buste de la Liberté, sous les traits d’une femme aux cheveux
épars, ayant à côté d’elle une pique surmontée d’un bonnet. La légende
7
renfermera ces mots : Égalité,Liberté.» (AULARD, 1910, p.7-8).
5
O juramento cívico promulgado pela lei de 22 de dezembro de 1789 continha um compromisso de fidelidade
"à nação, à lei e ao Rei", que muitas vezes estava contido nos atos públicos ou privados nessas palavras: "A
Nação, a Lei, o Rei", formando um lema patriótico.
6
Um novo juramento cívico foi promulgado pelo decreto de 14 de Agosto de 1792, que continha: Eu juro ser
fiel à Nação e manter a liberdade e a igualdade, ou morrer defendendo-as.
7
Assim, a lei de 25 de Agosto de 1792, que ordenou emitir as moedas de cinco e de três pesos em bronze,
dizia: "As moedas representam de um lado o busto da Liberdade, sob a forma de uma mulher com o cabelo
desgrenhado acompanhada de um pique encimado por uma boina. Na legenda continha ainda estas palavras:
Igualdade, liberdade.
23
Essa fraternidade, que já circulava desde 1790, era a fraternidade que criava
uma ideia de vínculo entre os cidadãos. “Devemos a Camille Desmoulins o primeiro
testemunho sobre o aparecimento da fraternidade ao lado dos outros dois princípios
da trilogia, por ocasião da Festa da Federação, em 14 de julho de 1790”. (BAGGIO,
2008, p. 27). A Festa da Federação comemorava o aniversário da Tomada da
Bastilha, que tinha ocorrido em 14 de julho de 1790: "Nesse dia de aniversário da
Tomada da Bastilha, a grande fraternidade revolucionária e o juramento à nação
consolidaram a nova França como nação homogênea." (BLUCHE, 2009, p. 53).
8
“A liberdade. Eu vi essa deusa altiva, Com a igualdade espalhando todos os bens, Murten para baixo em trajes
guerreiro, Mãos manchadas com o sangue de orgulho austríaco e Carlos, o Temerário. [...]. Nós não vemos o
ponto aqui grandeza insultuoso Vestindo o ombro para o lado Uma fita que a vaidade Em sua brilhante tecido
mão Nem insolente fortuna Empurrando com orgulho A oração humilde e tremor A pobreza triste. Estamos
desprezar o trabalho necessário: Os estados são iguais, e os homens são irmãos”.
24
Slavoj Zizek (2008, p. 8), filósofo marxista, entende que esses princípios,
a exemplo do que aconteceu na Inglaterra, poderiam ter sido conquistados na
França de forma mais efetiva e pacífica, não sendo, portanto, necessária uma
revolução.
A realidade estava muito mais próxima das vontades da alta burguesia. Para
essa classe, a Revolução já poderia acabar em 1791, com a Declaração Universal
dos Direitos do Homem e do Cidadão, que consagrava a igualdade jurídica e a
liberdade econômica sem intervenção do rei. No entanto, a insatisfação do povo era
muito grande, e a Revolução se estenderá para muito além de 1791. O terceiro
Estado, que envolvia a camada mais pobre, queria muito mais, e até as mulheres
dessa classe social mais baixa terão participação durante a Revolução de forma
extremamente sanguinária.
A construção do lema se deu de forma gradual, pois surgiu como ideia, depois
enfrentou uma realidade extremamente adversa. A liberdade lutou contra o antigo
regime; a igualdade enfrentou diferenças agudas de classe, e a fraternidade é
desafiada até hoje pelo rompimento dos laços de solidariedade e de um liame de
valores cívicos entre os cidadãos que compõem uma sociedade.
Entende-se que o término da Revolução Francesa não põe fim a esse lema e
ao seu ofício em servir como elemento norteador. É possível fazer essa constatação
analisando as Leis Fundamentais das democracias que se sucedem à Revolução de
1789, todas marcadas por princípios relacionados à tríade francesa.
Artigo 2
[Direitos de liberdade]
(1) Todos têm o direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade,
desde que não violem os direitos de outros e não
atentem contra a ordem constitucional ou a lei moral.
[...]
Artigo 3
[Igualdade perante a lei]
(1) Todas as pessoas são iguais perante a lei.
[...]
(ALEMANHA. Constituição de Weimar, 1919, online).
Existem correntes no sentido de que o lema foi um slogan que surgiu durante o
período revolucionário sem perspectiva ou necessidade alguma de influência a
posteriori. Todavia, é no mínimo curioso que, apesar da dispensabilidade de
vinculação, liberdade e igualdade tenham encontrado tanto eco, tendo sido galgadas
a categorias políticas, fato este que não se verificou com a fraternidade. Nesse
sentido, aduz Baggio (2008, p. 8-9):
O Clube dos Cordeliers ou Sociedade dos Amigos dos Direitos do Homem era
o que mais se alinhava com o ideal fraterno, conforme retratam Francisco Pizzete
32
Nunes e José Isaac Pilati (2015, p.4) ao fazerem uma distinção entre o Clube dos
Jacobinos e o Clube dos Cordeliers:
De acordo com o que fora aludido, o Clube dos Cordeliers foi superado pelo
Clube dos Jacobinos, e todos seus procedimentos díspares com o lema declamado
pelo próprio líder, Robespierre, em Assembleia Geral, prosperam em desalinho com
a tríade francesa.
No entender dos juristas, esse ocultamento ocorre para afastar cada vez mais
os eleitores dos seus representantes, da coisa pública e da política como um todo.
Para eles: “o coletivo foi diluído entre o público estatal e o privado individual”.
(PIZZETTE; PILATI, 2015, p. 6). O coletivo sai de cena, ficando apenas a atuação
do Estado e a esfera privada. A democracia, para que seja de fato participativa,
necessita da participação dos cidadãos, que esses se interessem pela coisa pública,
brotando assim o sentimento de fraternidade republicana, inspirada em valores
compromissados com a coisa pública, permitindo a existência de um liame que une
a todos esses cidadãos.
comportamentos morais que são exigidos no Estado também são fortemente exigidos
nas religiões, que possuem por escopo o comprometimento com uma sociedade mais
justa. Ora, onde desejos de valores religiosos e do Estado se intercederem deverão
ser repelidos, ainda que esses valores sejam universalmente desejados, como o eram
liberdade, igualdade e fraternidade? Entende-se que não deve ser esse o raciocínio,
pelo contrário, compreende-se que eles devem ser ainda mais desejados.
27. Entre todas as coisas que a sabedoria prepara para a felicidade de toda
vida, o bem maior é a amizade.
28. O mesmo bom julgamento que nos dá a confiança de que não existe
nada terrível eterno ou muito duradouro também nos faz ver que nos
mesmos termos limitados da vida a segurança consegue sua perfeição
sobretudo da amizade.
40. Aqueles que tiveram a capacidade de alcançar a máxima segurança
junto a seus próximos conseguiram por isso viver em comunidade de modo
mais prazeroso, tendo a mais firme confiança e ainda alcançando a mais
plena familiaridade, não choram a partida prematura daquele que morreu
como [se fosse] algo digno de lamentação.
O não estar só, segundo Epicuro, é que traz felicidade. Conforme sentença
número 27 supra transcrita, resta claro para o filósofo que o bem maior para
alcançar a felicidade é a amizade, sendo pressuposto também para a superação de
fases difíceis que se apresentam ao longo da vida.
fraternidade. Trata-se do título “Dos Desejos” nos textos das Sentenças capitais
números 26, 29 e 30:
26. Os desejos que não trazem dor, quando não são satisfeitos, não são
necessários, e é fácil de dissolver-se do impulso em que têm origem,
sobretudo quando não são difíceis de alcançar ou são tais que possam
causar danos.
29. Alguns desejos são naturais e necessários, outros naturais e não
necessários, outros, enfim, nem naturais nem necessários, mas devidos à
vã opinião.
30. Os desejos naturais não-seguidos de dor, quando não são satisfeitos,
ainda que tenham um estímulo intenso, nascem de vã opinião, e não é pena
sua natureza que não se dissolvem, mas pela vanidade própria do opinar
humano. (WEBER, 2015, p.16).
Segundo o autor, os desejos da carne tendem ao infinito, razão por que não
devem ser postos em ação ad infinitum. Surge então a preocupação com a questão
da limitação dos desejos, pois se a todos couber o direito de pôr em exercício seus
desejos sem limites, sem dúvida que os conflitos hão de ser perenes. Dirimi-los é a
razão pela qual se justifica o surgimento do Direito. Contudo, não obstante todas as
conquistas jurídicas, o modelo seguido atualmente vem apenas contornar conflitos
resultantes dos excessos de cada membro da sociedade, quando, na verdade,
deveria ser trabalhado o controle desses excessos em sua raiz, pois só assim é
possível, à luz da filosofia de Epicuro, trabalhar o objetivo maior da Ciência Jurídica
que é a pacificação social.
41
Lúcio Aneu Sêneca (1991, p.70), o mais destacado filósofo estoico, nesse
contexto, contribui com suas regras de bem viver:
A verificação indicada por Sêneca deve ser feita pelo próprio indivíduo através
de uma autoanálise. A leitura de seus escritos, bem como de outros estoicos, deve
42
Sobre a obra do filósofo em questão, Luiz Feracine (2011, p.91) assevera que:
“apesar da dimensão cosmopolita do ser humano, Sêneca realça as consequências
de nosso compromisso em relação aos familiares e amigos para os quais vale a lei
do amor ao próximo”. A lei de amor ao próximo defendida por Sêneca, à medida que
estimula também o atuar em benefício do próximo, realça a sociabilidade entre os
cidadãos daquela comunidade.
A amizade entre irmãos é como a que existe entre camaradas, pois são
iguais e próximos uns dos outros pela idade, e pessoas em geral,
assemelham-se nos sentimentos e no caráter. Essa espécie de amizade é
também semelhante ao governo timocrático, pois nesse tipo de constituição
o ideal é serem os cidadãos iguais e equitativos e, por isso, o governo é
assumido por turnos em base de igualdade; a amizade baseada na
igualdade corresponde à essa constituição.
Aristóteles (2008, p.188), dispondo sobre o governo, faz uma relação entre
justiça e amizade, asseverando que “onde nada aproxima o governante dos
governados não pode existir amizade, visto que não há justiça”. O pensamento do
filósofo encontra vazão em um modelo político grego – A polis - que se identifica
com a concepção filosófica de fraternidade em que: “A unidade social autônoma é a
polis, a cidade, dotada das instituições indispensáveis para proporcionar a seus
membros uma vida feliz”. (CORTINA, 2005, p.38).
É por isso que o novo Iluminismo, defende Rouanet (1987, p.30), salva a parte
positiva da Ilustração, mas tem a tarefa de reconhecer seus aspectos negativos:
"diagnosticando suas insuficiências e ingenuidades e recolhendo, ao mesmo tempo,
as características estruturais e valores permanentes, que resistiram ao tempo e
podem ainda ser válidos para o presente.”
Jesus de Nazaré, filho de Deus, o qual, após o seu batismo, ficou conhecido
como Jesus Cristo, revela à humanidade princípios fundamentais oriundos da
vontade do Pai. Desta forma, àqueles que se identificam com a sua mensagem
também se tornam filhos do mesmo Pai, irmãos fraternais de Jesus e de todos os
cristãos.
E, falando ele ainda à multidão, eis que estavam fora sua mãe e seus
irmãos, pretendendo falar-lhe.E disse-lhe alguém: Eis que estão ali fora tua
mãe e teus irmãos, que querem falar-te.Ele, porém, respondendo, disse ao
que lhe falara: Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos? E,
estendendo a sua mão para os seus discípulos, disse: Eis aqui minha mãe e
meus irmãos; Porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está
nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe. (Mateus 12:46-50, BIBLIA
online).
Há ainda dois preceitos que vêm a ser a síntese dos dez mandamentos
anteriores de Moisés e que marcam uma nova fase no cristianismo. Estes dois
ensinamentos, que vieram a se tornar a maior lição que Jesus revelou à
humanidade, resumem toda a doutrina Cristã. O primeiro, “Amarás, pois, ao Senhor
47
teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento,
e de todas as tuas forças”; e o segundo, semelhante a esse, “Amarás o teu próximo
como a ti mesmo.” (Marcos 12:30, 31, BIBLIA online, 2016).
Sapere Aude! Palavras de Horário (Epist. XII, 40) citadas por Kant e adotadas
como lema do Iluminismo (ABBAGNANO, 2015, p.1025) para entoar a formulação
acerca do esclarecimento onde o homem deve sair da minoridade, (ABBAGNANO,
2005, p.63-64) oportunidade em que deve agir e servir de acordo com seu próprio
entendimento.
Sobre o assunto, Tosi (2009): “ao contrário da ciência e em sintonia com a arte,
nenhum paradigma pode ser considerado definitivamente superado ou confutado, de
51
tal forma que várias tradições filosóficas convivem num diálogo contínuo e
incessante.” Dessarte, diferentes noções de fraternidade passaram a coexistir na
modernidade, em diferentes áreas, inclusive na política. Uma delas, a que se impôs
durante o século XIX, conforme Antônio Maria Baggio (2008, p.11), foi a concepção
republicana, a qual virá a conviver com outras interpretações do termo. Ainda sobre
as controvérsias quanto à politização do termo fraternidade, existe o argumento de
que a influência cristã impediria a adequação da fraternidade como conceito político.
Esse raciocínio, a rigor, deveria servir de obstáculo também à liberdade e à
igualdade, pois os três princípios são herdados da evolução dos Direitos Humanos,
os quais, afirma Giuseppe Tosi (2009), são conceitos modernos, mas com raízes
antigas e que “somente na Modernidade adquirem seu significado próprio e distinto
do antigo”. O autor dispõe ainda que a cultura atual, embora laicizada, é encorpada
por conceitos religiosos secularizados:
Ressalte-se que, desde 1789, a igualdade dos seres humanos, assim como a
liberdade, é reafirmada e reforçada no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos
do Homem e do Cidadão. Desta forma, as últimas barreiras que inviabilizavam, em
perspectiva teórica, uma fraternidade universal, desmoronam. As revoluções
francesa e americana se inspiraram, em grande medida, segundo Pablo Sanchez
León (s.d., p.37), na cidadania antiga. Esta inspira modelos políticos até os dias
atuais, como a fraternidade política defendida por Ropelato (2008).
codificadas (SBARBERI, 2015, p.7-8), o que é interessante, pois a razão segue uma
terceira via que, muito embora não tenha sido expressamente associada à
fraternidade, vem sendo usualmente atrelada à esta.
Adela Cortina aduz que a solidariedade, bem como a liberdade, não pode ser
imposta (2005, p.65). Ora, se a solidariedade não pode ser imposta, que dirá a
fraternidade. De modo que, para resgatar a fraternidade, assim como para recuperar
a antiga cidadania, faz-se necessário uma relação sistemática entre o princípio da
fraternidade e a cidadania, a qual é considerada um “conceito mediador porque
integra exigências de justiça e, ao mesmo tempo, faz referência aos que são
membros da comunidade, une a racionalidade da justiça com o calor do sentimento
de pertença”. (CORTINA, 2005, p.28).
Apesar dessa divisão que os autores costumam fazer entre meio da vida,
espaço comunicativo, espaço para realização da felicidade, dentre outras
terminologias, que dividem as emoções das normas positivas do Estado, cabe
destacar que, na ótica Habermas: “não é o soberano quem deve representar a
vontade do povo, mas o povo exercer sua soberania comunicativamente, no âmbito
de procedimentos aceitos por ele”. (CORTINA, 2015, p.134).
A teoria da ação comunicativa, apesar de possuir uma relação mais forte com a
concepção política de fraternidade, é citada por Eduardo Veronese (2015, p.75) em
sua conceituação jurídica do princípio. Para o autor, os estudos de Jünger
Habermas “contribuem para a reformulação das concepções de esfera pública, o
que atinge diretamente o método de interpretação e de formulação do mais público
dos direitos, que é o constitucional”.
O Direito, pelo caráter transformador que possui, não pode mais transferir
apenas para a seara política a responsabilidade por construir uma cultura cidadã
que dê vida aos dispositivos, os quais se não pela ação humana são apenas letras
mortas. Cabe a seara jurídica também o fomento dessa cultura de cidadania. O fato
de o espaço público ser um espaço para discussão e interação, não inviabiliza o
contributo do Direito, que deve agir tendo em vista o propósito de pacificação social.
A visão de atuar de forma fraternal, por vezes, figura-se utópica pela inexatidão
de alguns juízos, tais como: introduzir a fraternidade é extinguir os conflitos e
61
De forma que o conflito, seja no ser humano interiormente, seja entre seres
humanos, é algo perene. João Cândido Portinari9 retrata de forma fiel a dicotomia
humana no painel Guerra e Paz, as expressões cotidianas das lutas vivenciadas
pelos seres humanos, muitas delas em seu próprio interior; e no painel Paz, Portinari
aborda justamente a convivência solidária entre as pessoas, como meio de
pacificação.
É como se a paz tivesse nascido depois da guerra. Pelo menos para a arte.
Como se as sociedades humanas tivesse nascido em guerra e somente
depois tivesses conquistado a paz. [...]. Dela (a humanidade) Portinari
soube captar um drama que parece se perpetuar, enquanto os desvarios
imperiais seguirem ameaçando impor a força da metralha sobre a vontade
de paz e de convivência solidária. Portinari, aqui de corpo inteiro, revela
toda sua atualidade e sua humanidade, a dos que lutam por um outro
mundo possível. (SADER, 2013, p.40-41, grifo nosso).
9
Cândido Portinari, pintor brasileiro, foi convidado pelo governo brasileiro na década de 50 para pintar obras a
serem entregues a Organização das Nações Unidas. Foram escolhidos como tema a guerra e a paz.
62
10
É o que se constata na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, art. 1º: “Os homens
nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.
63
Direitos Humanos, a qual foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas
em 1948, ou seja, 159 anos depois.
Além disso, vislumbra-se sua atuação junto a uma terceira via, que surge entre
liberais e comunitaristas, associada a esse princípio e com estruturas influenciadas
pelo modelo dialógico habermasiano, principalmente a Teoria da Ação
Comunicativa, que possibilita à fraternidade uma ação em ambas as esferas,
político-jurídico, sobretudo em atuação conjunta com a cidadania.
Narra a história que, após a queda de um avião, três homens ficaram à deriva,
já há alguns dias, em um bote salva vidas, no Pacífico Sul. Entre eles, Edward
Montgomery, que estava a serviço de uma missão de paz da Organização das
Nações Unidas. É dele o pensamento que inicia o filme: “[...] brigaram pelo último
cantil de água, como animais, não como homens. Eu lutei para salvar a minha vida,
assim como eles.”
comportamento ao afirmar que: “À medida que são afligidos por afetos que são
paixões, os homens podem discrepar em natureza e, igualmente, sob a mesma
condição, um único e mesmo homem é volúvel e inconstante”11. Esse raciocínio
encontra-se na proposição nº 33 da servidão humana.
11
Propositio XXXIII. Homines natura discrepare possunt, quatenus affectibus, qui passiones sunt, conflictantur,
et eatenus etiam unus idemque homo varius est inconstans.
12
Propositio XXXIV. Quatenus homines affectibus, qui passiones sunt, conflictantur, possunt invicem esse
contrarii.
71
A narrativa deixa claro que na ilha de Dr. Moreau não houve esforços por parte
dos condutores dos experimentos para a implementação do espírito fraterno, bem
como de seus elementos, tais como, diálogo, interação, cooperação, solidariedade,
alteridade e, principalmente, o fomento ao sentimento de pertença por parte
daqueles humanoides àquela sociedade. Considerando que o objetivo da pesquisa
era caracterizar aquelas criaturas como humanas, faltou à sociedade o elemento
político, de modo que quando os primeiro humanoides retiraram seus chips ficaram
desnorteados e a primeira atitude foi recorrer ao pai.
O que se pode interpretar dessa cena metafórica é que, qualquer elemento que
se coloque como unificador, desde que não haja um trabalho cultural de construção
de uma identidade entre os cidadãos e estre elemento “sacro”, torna a ordem
facilmente passível de ser subvertida pela fragilidades dos vínculos. Durante a
narrativa foi questionada tanto a identidade, pelo não reconhecimento entre pai e
filho, mas também e, principalmente, o diálogo, entre o Dr. Moreau e os
humanoides, que substituía a comunicação pela aplicação da punição através dos
choques.
Na disputa para saber quem viria a ser o novo pai, detentor de todos os
poderes, destruíram-se todos uns aos outros. A união, que não havia sido
incentivada, destruiu a sociedade dos humanoides, pois cada um queria ter o poder
apenas para si, em um modelo individualista que não oportunizava o
estabelecimento de laços. A construção de um elo pode ser inspirada de variadas
formas, conforme as já aludidas. Dr. Moreau falhou em seu projeto, mas, a tentativa
de inspiração em um espírito do pai possuía uma carga axiológica substancial, por
conter valores.
¿De qué sirve hablar aún de democracia en un país que no sería sino un
conjunto de comunidades ligadas entre sí sólo por el mercado y por otros
sistemas de regulación? ¿Y por qué hablar aun en este caso de sistemas
políticos?.
O século XXI para o filósofo Luc Ferry (2012) possui como elemento divino o
próprio homem. Para o autor delineia-se globalmente “A Revolução do Amor”, segundo
o filósofo francês, perfilada por princípios como o da fraternidade, e seus plúrimos
significados. Este século, segundo o autor, possui o “desejo de uma vida livre, que se
liberta das convenções, que rompe com as tradições.” (FERRY, 2012, p.36).
14
“Proposição 18. Deus é causa imanente, e não transitiva, de todas as coisas. Propositio XVIII. Deus est
omnium Rerum causa immanens, non vero transiens”. (SPINOZA, 2007, p. 43). “Proposição 22. Tudo o que se
segue de algum atributo de Deus, enquanto este atributo é modificado por uma modificação tal que, por
meio desse atributo, existe necessariamente e é infinita, deve também existir necessariamente e ser infinito.
Propositio XXII. Quiquid ex aliquo Dei attibuto, quatenus modificatum est tali modificatione, quae et
necessário et infinita per idem existit, sequitur, debet quoque et necessário et infinitum existere.” (SPINOZA,
2007, p. 45-47). “Proposição 23. Todo modo que existe necessariamente e é infinito deve ter
necessariamente se seguido ou da natureza absoluta de um atributo de Deus ou de algum atributo
modificado por uma modificação que existe necessariamente e é infinita. Propositio XXIII. Omnis modus, qui
et necessário et infinitus existit, necessário sequit debuit vele x absoluta natura alicuius attributi Dei vele x
aliquo atributo modificato modificatione, quae et necessário et infinita existit.” (SPINOZA, 2007, p. 43).
77
A Rerum Novarum de 1891 escrita pelo Papa João XIII é uma proposição
declarada da igreja contra o liberalismo e o capitalismo, monopolista na Europa,
todavia, a Igreja se posicionava também de forma clara em relação a questão social
e ao socialismo. O levantamento dos problemas à época expostos nos documentos
são muito bem relatados:
Não obstante, em momento que remonta à idade das trevas, a igreja reincide
em se comportar como soberana política ao que consta expressamente na encíclica
Rerum Novarum (2016, online):
É por isto que, Veneráveis Irmãos, o que em outras ocasiões temos feito,
para bem da Igreja e da salvação comum dos homens, em Nossas
Encíclicas sobre a soberania política, a liberdade humana, a constituição
cristã dos Estados.
O Estado é laico. A religião pode servir como inspiração, assim como qualquer
outra fonte de ética, sem vínculos determinantes. Sendo assim, as incursões
ideológicas cristãs não prosperam junto ao modelo político republicano, o que não
atinge o conceito de fraternidade em razão de sua história conceitual. Para
corroborar com este entendimento, além da semântica levantada na história dos
conceitos e a concepção construída no capítulo 2, a qual ainda será utilizada nos
tópicos seguintes desse capítulo, serão transcritas a seguir noções de fraternidade
de dicionários e enciclopédias francesas, espanholas e portuguesas:
[…] On peut done dire que quand la fraternité a fait son apparition, elle avait
été précédée et n'avait point à promulguer une foi absolument nouvelle. Au
fond, quel est le vrai sens de ce mot qui exprime bien cependant un nouvel
ordre d'iées, et qui si longtemps fait partie du programme de la Révolution
française? Cést la traduction de l'idée de charité dans un langage plus
philoshophique, plus abstrait, plus humain; c'est le mot d'une société qui se
sécularise, qui, sans se séparer de la religion comme inspiration, comme
croyance supérieure, prétend se suffire à elle-même, s'organiser en dehors
de l'Église, réaliser, dans sa prope vie et par sa prope autórité, les bienfaits
de la loi chrétienne. […] (BLOCK, 1873, p.1069).
[…] Liasison. amitié mutuelle entre personnes qui, sans aueun lien de
parenté, se traitent comme frères. La fraternité est le lien des âmes. Le
depotisme est un attentat à la Fraternité humaine. (Fén.) Fraternité implique
un sacrifique, un acte de dévouement d'une des parties. Ça Fraternité des
79
peuples, c'est la paix. (E. de Gir.) La Fraternité ne peut s'établir que par la
justice (Proudh). Un jour viendra ou toutes les guerres se dissoudrount dans
la Fraternité. (V. Hugo) […] (LAROUSSE. Pierre. 1870. Grand Dictionnaire
Universel. p.791).
Parentesco entre irmãos. Irmandade. [...] Boa harmonia, paz, concórdia,
união, amizade entre pessoas, sociedades, povos, etc. (GABAO; FEBRE.
Grande enciclopédia portuguesa e brasileira. v. XI. 1935-1960, p.805).
Denis Franco Silva (2005, p.174-175) elenca seis argumentos para justificar a
permuta das definições na conjuntura dos ideais republicanos: [1] A ideia de
fraternidade, que o autor associa constantemente a ideias liberais, estaria ligado a
construção de Estados-nações; [2] Apelos ao caráter sentimental em detrimento do
caráter operacional; [3] O princípio da fraternidade não deve ser desenvolvido em
âmbito público, mas privado, associando tal característica ao surgimento do termo,
relacionado a parentesco (irmão); [4] A solidariedade transcende o jurídico, afirmando-
se na ética e moral; [5] A fraternidade não pode ser compreendida na diversidade,
apenas a solidariedade; [6] Apenas a solidariedade “presume contemporaneidade
entre os agentes” e “perspectiva intergeracional” além de “preocupações sociais e
ambientais também como forma de proteção ao bem estar de gerações futuras”.
Solidariedade possui raiz no latim solidus, o que quer dizer algo consistente,
maciço, sólido. (FOULQUIÉ, 1967). As concepções extraídas de um dicionário
filosófico a caracterizam por:
solidarité ne se manifeste pas seulement de peuple à peuple, elle étend son empire
sur tous les citoyens de chaque pays” (BLOCK, 1857, p.957) ganhou repercussão
em outros países da Europa, como a Alemanha e a Itália, através da unificação e
posteriormente, do nazismo e do facismo.
Art. 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e
pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a
estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores
da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a
consciência da solidariedade humana. (BRASIL, 1934).
individualidade, assim, “o ser humano não existe, mas coexiste com seus
semelhantes”. (SOUZA, 2009, p.122).
Para Ildete Regina Vale da Silva e Paulo de Tarso Brandão (2015, p.177)
“Decidir conforme a Sociedade que se quer construir é construir uma Sociedade
fraterna. Construir uma Sociedade fraterna é fazer valer a Constituição. É
implementá-la!”, seguem, “A fórmula prescrita no texto do preâmbulo da Constituição
Brasileira comunica ao povo brasileiro a destinação do Estado constitucional
instituído, que é, e deve ser assegurada uma Sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos” (SILVA; BRANDÃO, 2015, p.126). A sociedade fraterna se diferencia
das demais pelos em face das seguintes premissas:
Além da justiça social, outros princípios são propostos pela Constituição, além
dos decorrentes da tríade inicial, quais sejam, segurança, pluralidade, solidariedade,
bem estar, desenvolvimento e justiça, consistentes nos objetivos fundamentais da
15
O princípio de diferença atua de sorte a configurar um sistema social em que as desigualdades apenas sejam
admitidas se atuarem em benefício dos menos favorecidos, minorando os efeitos de todas as diferenças a
que as pessoas estão arbitrariamente submetidas. Neste ponto, é possível atingir a admirável associação
levada a efeito por John Rawls entre o princípio da diferença esquadrinhado e o denominado “princípio da
fraternidade”. (TAVARES, 2011, p.187).
90
república, que devem ser “construídos” (Art. 3º, I). A cláusula verbal construir não
especifica o sujeito do verbo, sendo assim, o próprio texto constitucional atribui a
responsabilidade a qualquer indivíduo para consolidar direitos correlatos aos
princípios já positivados de forma cumulativa ao longo da histórica, ao que Paulo
Bonavides (2004) estruturou em gerações de direitos, e deixando esse processo em
aberto para progressão qualitativa.
16
Magna Charta Libertatum, 1215. Declaração de Direitos da Virgínia. Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América. Declaração dos Direitos do Homem de 1789.
91
A edificação de uma nova ordem social perpassa as boas razões, exige ainda,
como afirma Luís Alberto Warat (2005, p.165) “la desconstrucción del orden de
razónes que legitimaron el actual estado de cosas, que hoy resulta urgente hacer
estalar em mil pedazos”. A grande preocupação do autor é com o comodismo e o
lugar comum, ao que faz a seguinte indagação: quantas revoluções foram
devoradas por seus próprios lugares comuns? Dentre elas, a revolução francesa,
que em sequência foi substituída por um período ditatorial, o oposto do lema inicial.
com esse ciclo vicioso de marasmo intelectual e despertar para a construção de uma
nova ordem social.
[...] para que se possa ter um ensino transformador, é necessário que ele
(ensino jurídico) deixe de ser um aparelho ideológico do Estado – mera
instância reprodutora – e se transforme em uma instância orgânica de
construção de um novo imaginário social criativo e comprometido com
valores da maioria da população. Sua vinculação maior deve ser com a
sociedade e não com os interesses dos grupos que detêm o poder do
Estado. (SOUZA, 2014, p.24).
discriminados, a democracia plena de todos que dispunha Warat (2005, p.170). Qual
o primeiro passo? Enxergar o outro e, através do fomento ao diálogo e
ressignificação dos conflitos, respeitando as diferenças. É possível e já está sendo
feito, nos pontos seguintes serão explorados casos que se enquadram na teoria
estudada.
Essas três diretrizes oportunizam uma atuação horizontal entre Estado, por
meio de qualquer instituição que o represente, e o cidadão que está a dialogar com
o Estado, que passa a se sentir parte, não necessariamente vinculado a nenhum
tipo de ideologia, como: “porque eu sou brasileiro”, o que exclui as outras nações, ou
“porque eu sou judeu”, o que exclui as outras religiões, mas porque posso ajudar e
compartilhar do que sei e sou, assim todos se beneficiam.
94
Neste azo, a Defensoria Pública do Estado do Ceará tornou público todo o seu
orçamento, em um modelo de orçamento participativo orientado pelas novas
diretrizes de governo aberto:
Há, portanto uma maior interação entre intérpretes da norma o que permite ao
tribunal “decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas implicações ou
repercussões”. (MENDES, 2012, p.1263). As audiências públicas, sendo bem
aproveitadas pela população, geram grandes benefícios a própria população como
relata o ministro Gilmar Mendes no caso da ADI nº 3.510/DF17 em que se discutia
sobre pesquisa relacionada às células-tronco embrionária, destaca que na:
17
BRASIL. STF, Pleno, ADI nº 3.510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, julg. 29.5.2008.
96
18
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-
em-numeros/2013-01-04-19-13-21> . Acesso em: 11 set. 2016.
97
a) Legislação
99
b) Carta da Terra
A Carta da Terra teve como berço o Brasil, todavia foi elaborada durante anos
de debates com outros países de forma interdisciplinar, com encontros para debates
entre líderes de comissões, órgãos oficiais ou organizações não governamentais.
Seu histórico se inicia em 1987, quando a Comissão Mundial das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento fez um chamado para que se criasse uma
nova carta estabelecendo princípios fundamentais para o desenvolvimento
sustentável. Em 1992 o Brasil sediou a Cúpula da Terra e a redação da Carta da
Terra fez parte das pautas, todavia, foi um assunto não concluído. O documento só
ficou pronto em 2000.
Gadotti (2007), ao tratar sobre os avanços da Carta da Terra, mostra que esta
tem influenciado precipuamente a atuação de ONGs na capacitação de novos
líderes, gestores educacionais, jovens e empresários. Algumas empresas também
pautam sua atuação por meio da Carta da Terra, como a Natura e a Phillips do
Brasil, que financiou um grupo da empresa com residência em Mauá (SP), os quais
desenvolveram:
Esse Documento foi elaborado pelo Fórum Global das Organizações Não
Governamentais, que, segundo informações da Secretaria de Meio Ambiente do
Paraná, ocorreu em paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizado no Rio de Janeiro em 1992. “Nesse evento
foram ratificados 32 tratados, dentre eles o Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, documento que constitui
marco referencial da Educação Ambiental – EA.” (PARANÁ, 2016, online).
Para começar uma nova cultura, o tratado traz por base a educação, e em sua
introdução aduz: “consideramos que a preparação para as mudanças necessárias
depende da compreensão coletiva da natureza sistêmica das crises que ameaçam o
futuro do planeta.” (PARANÁ, 2016, online). Apesar de ser um tratado aplicável ao
meio ambiente, seu conteúdo pode ser aproveitável por outros âmbitos jurídicos,
uma vez que existe em boa parte da redação orientações em variadas esferas de
atuação.
102
Artigo 3
p) a participação cidadã, por meio de mecanismos de interação e diálogo
entre a UNASUL e os diversos atores sociais na formulação de políticas de
integração sul-americana;
Artigo 18
Participação Cidadã
Será promovida a participação plena da cidadania no processo de
integração e união sul-americanas, por meio do diálogo e da interação
ampla, democrática, transparente, pluralista, diversa e independente com os
diversos atores sociais, estabelecendo canais efetivos de informação,
consulta e seguimento nas diferentes instâncias da UNASUL.
Os Estados Membros e os órgãos da UNASUL gerarão mecanismos e
espaços inovadores que incentivem a discussão dos diferentes temas,
garantindo que as propostas que tenham sido apresentadas pela cidadania
recebam adequada consideração e resposta. (Decreto 7667. Brasil.
Presidência da República.)
Desta forma, é possível garantir, conforme Buss e Ferreira (2011, p. 3), "a
melhoria crescente do bem-estar de suas populações e a segurança de seus
territórios" de modo que, dentro desse contexto,
Um dos direitos que foi melhor fruído e beneficiado com esse tratado até o
presente momento foi o direito à saúde. Este fato se deve em função de
antecedentes de integração em saúde sul-americana preexistentes e que vão
resultar em uma Agenda Sul-Americana de Saúde (BUSS; FERREIRA, 2011, p.6) e
um plano quinquenal com temas centrais voltados para:
públicas e forte atuação das Organizações não governamentais, que mostram uma
harmonia entre Estado e sociedade civil.
Para tanto, também entendia, que a estrutura legal oriunda dos contratos
sociais não são prescindíveis, ao contrário, nas palavras do jurista: “A máxima salus
publica, suprema civitatis lex est permanece em sua validez imutável e em sua
autoridade; mas o bem público que deve ser atendido acima de tudo.” (KANT, 2003,
p.297). Assim, ao se atuar coletivamente ou por meios alternativos ao Direito, não se
exclui ou invalida esta esfera, uma vez que foi o povo que, de forma soberana,
constituiu as leis que regem o Estado. Trata-se apenas de acrescentar novas formas
106
que vêm a legitimar ainda mais, por via difusa, a democracia na sociedade pluralista
pós moderna.
Sobre a natureza das leis dentro da metafísica da moral, Kant (2006, p.50) às
distingue quanto a sua natureza em: leis de legalidade, quando cumpridas por
coação e leis de moralidade, quando cumpridas por dever. Na proposição Kantiana
há sempre um agir segundo leis, pois o raciocínio do autor se voltava à liberdade. Se
a conduta não era regida pela lei legal, deveria ser regida por uma conduta moral
pautada por uma norma universal. Surge então o conceito de imperativo categórico,
em que a ação do indivíduo, que se atreveu a saber, encontra alinho na
autocoerção.
Imperativo Categórico: Age somente, segundo uma máxima tal, que possas
querer ao mesmo tempo que se torne lei universal.
Imperativo Universal: Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-
se, por tua vontade, lei universal da natureza.
Imperativo Prático: Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto
em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao
mesmo tempo e nunca apenas como um meio. (GOLDIM, 2016, online).
Estado e da sociedade, por vezes até excessiva, para com os assuntos religiosos,
conforme ficou demonstrado na forma com que a revolução tratou o clero.
Não há que se negar a história dos conceitos, bem como não se nega que essa
história está aberta à evolução e interpretação da própria sociedade. A revolução
francesa recebe a fama de uma revolução irreligiosa, completamente dissonante de
conceitos religiosos. Nesse contexto, não haveria como se conceber que os
construtores da divisa republicana viessem optar justamente por uma concepção
tipicamente vinculada à igreja para ecoar na história como atrelada ao movimento.
Hodiernamente, a fraternidade é pacificamente reconhecida como um princípio
cosmopolita pelo seu caráter político, precipuamente por características como
alteridade e relacionalidade.
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111
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WEBER, Hingo. Antídoto. Curso sobre a filosofia moral de Epicuro. Porto Alegre:
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WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da política. 11. ed. São Paulo: Ática,
2006. v 2.
ANEXO A
Data de Elaboração:
PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO 09/05/16
Número: 001 Versão: Final Páginas: 1 a 6 Data de Revisão: 15/05/16
Área Emitente: Assessoria de Relacionamento
Título: Orçamento Participativo da Defensoria Pública do Ceará
Institucional
Elaborador: Michele Camelo (Assessora de Relacionamento Aprovador: Comissão do I Orçamento
Institucional) e Lissa Aguiar Participativo da Defensoria Pública do CE
1. INTRODUÇÃO
Este Procedimento Operacional Padrão - POP foi elaborado por Michele Cândido
Camelo, Assessora de Relacionamento Institucional e Lissa Aguiar Andrade, advogada,
aprovado pela Comissão do I Orçamento Participativo da Defensoria Pública do Estado
do Ceará.
OBJETIVO DO POP
2.11. Criar endereço eletrônico para o Orçamento Participativo e disponibilizar aba no site da
Defensoria especifica para as documentações e informações relativas ao projeto;
2.12. Capacitar os colaboradores a aplicar a consulta, incluindo o Alô Defensoria;
2.13. Compilação pela COE das propostas encaminhadas através da consulta pública, no
período de, no mínimo, 15 dias e transformação em propostas a serem deliberadas nas
Audiências Públicas, em parceria com grupos técnicos especializados (UFC, UECE, etc);
2.15. Articulação junto aos defensores locais acerca da data, horário e local de realização das
audiências públicas em seus municípios;
2.16. Agendamento das Audiências com o intervalo de, no mínimo, 15 dias, entre os eventos;
2.18. Licitar uma produtora de áudio e vídeo para registro das audiências;
3.1. Publicação de Edital que convoca as Audiências Públicas e fixa o calendário dos
eventos, determinando o município sede e os outros municípios que abrangerão cada
Audiência, conforme Código de Divisão e Organização do Estado do Ceará (anexo 01).
4.13. Início das falas de acordo com as inscrições efetuadas no início do evento e conforme
o tempo estipulado em edital convocatório;
4.14. Encerramento da Audiência;
7. RETORNO À SOCIEDADE:
7.1. Preparativos para o retorno à sociedade:
7.1.1. Agendamento de novas reuniões nos municípios sede para
apresentação dos resultados;
7.1.2. Compilação e comparativo das demandas solicitadas pela sociedade
e dos pedidos atendido pelo legislativo;
Foto 03. Folder da segunda audiência pública, a ser realizada no município sede de
Quixadá.
128
ANEXO B
DESENVOLVIMENTO
DO PROJETO
• Assistência Jurídica (metodologia de execução)
Caracteriza-se como sendo a atividade de consulta por parte
do usuário do serviço público, através da Defensoria Publica
móvel, para se informar sobre direitos dos quais porventura
seja titular, ou os quais tenha o dever de cumprir, além da
possibilidade de agendar uma mediação de conflitos, ou,
ingressar, já naquele momento, com a demanda judicial
pertinente.
Constitui, ainda, a análise do caso concreto submetido ao crivo do
Defensor, a fim de que adote as providências cabíveis ou tome as
135
PARCELA
POPULACIONAL
FAVORECIDA (PÚBLICO • Escola Públicas estaduais e municipais, inicialmente
ALVO)
sediadas em Fortaleza.
• 02 Defensores Públicos, sendo um para educação
em direitos e um para assistência jurídica;
PRODUTO atendimento;
• Desenvolvimento de
palestras e debates nas escolas públicas estaduais e
municipais, que terão a temática escolhida conforme
EFICIÊNCIA análise das dificuldades da região a ser atendida ou
através de pedidos da própria população envolvida;
• Atendimento e
aconselhamento nas áreas jurídica e social com
137
VALOR DO PROJETO
ANEXO C
aspectos.
FOCO
PARCELA
POPULACIONAL
FAVORECIDA • Escola Públicas estaduais e municipais, inicialmente sediadas
(PÚBLICO ALVO)
em Fortaleza.
• 02 Defensores Públicos, sendo um para educação em
direitos e um para assistência jurídica;
• Desenvolvimento de palestras e
debates nas escolas públicas estaduais e municipais, que terão
a temática escolhida conforme análise das dificuldades da
região a ser atendida ou através de pedidos da própria
população envolvida;
EFICIÊNCIA
• Atendimento e aconselhamento
nas áreas jurídica e social com protocolos predefinidos no
sentido de realizar uma intervenção qualificada em cada área de
assistência.
VALOR DO PROJETO