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Belo Horizonte
CONHECIMENTO JURÍDICO
2018
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.
Conselho Editorial
Adilson Abreu Dallari Egon Bockmann Moreira Marcia Carla Pereira Ribeiro
Alécia Paolucci Nogueira Bicalho Emerson Gabardo Márcio Cammarosano
Alexandre Coutinho Pagliarini Fabrício Motta Marcos Ehrhardt Jr.
André Ramos Tavares Fernando Rossi Maria Sylvia Zanella Di Pietro
Carlos Ayres Britto Flávio Henrique Unes Pereira Ney José de Freitas
Carlos Mário da Silva Velloso Floriano de Azevedo Marques Neto Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho
Cármen Lúcia Antunes Rocha Gustavo Justino de Oliveira Paulo Modesto
Cesar Augusto Guimarães Pereira Inês Virgínia Prado Soares Romeu Felipe Bacellar Filho
Clovis Beznos Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Sérgio Guerra
Cristiana Fortini Juarez Freitas Walber de Moura Agra
Dinorá Adelaide Musetti Grotti Luciano Ferraz
Diogo de Figueiredo Moreira Neto Lúcio Delfino
CONHECIMENTO JURÍDICO
D597 Direito Constitucional Eleitoral / Luiz Fux, Luiz Fernando Casagrande Pereira, Walber de
Moura Agra (Coord.); Luiz Eduardo Peccinin (Org.). – Belo Horizonte : Fórum, 2018.
575 p.
Tratado de Direito Eleitoral
V. 1
CDD 341.28
CDU 342.8
Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 575 p. (Tratado de
Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
PARTE I
DIREITO CONSTITUCIONAL ELEITORAL
CAPÍTULO 1
UM OLHAR HERMENÊUTICO SOBRE O DIREITO ELEITORAL
LENIO LUIZ STRECK........................................................................................................................... 17
1.1 Introdução.................................................................................................................................... 17
1.2 O (Novo) CPC e o direito eleitoral: sobre a necessidade de pensar o direito como
um todo..........................................................................................................................................18
1.3 Sobre o problema do ativismo no direito eleitoral: ou de quando o direito não
é mais a “régua”.......................................................................................................................... 22
1.4 Da “teoria” para a “prática”: ou de como não há nada tão prático como uma teoria ...... 24
1.5 Considerações finais................................................................................................................... 27
Referências................................................................................................................................... 28
CAPÍTULO 2
INTERCONEXÕES DO DIREITO ELEITORAL COM O DIREITO CONSTITUCIONAL
EMILIANE ALENCASTRO.................................................................................................................. 29
2.1 Introdução.................................................................................................................................... 29
2.2 A força da supremacia constitucional e dos demais instrumentos de defesa da
hierarquia normativa.................................................................................................................. 29
2.3 A construção do direito eleitoral pátrio à luz da história das constituições do Brasil.... 33
2.4 O tratamento do direito eleitoral sob a égide da Constituição de 1988.............................. 40
2.5 Conclusão..................................................................................................................................... 44
Referências................................................................................................................................... 44
CAPÍTULO 3
DIÁLOGOS EM TORNO DE UM CONCEITO INDETERMINADO?
AS INELEGIBILIDADES, O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O CONGRESSO
NACIONAL
MIGUEL GUALANO DE GODOY, EDUARDO BORGES ESPÍNOLA ARAÚJO.................... 49
3.1 Introdução.................................................................................................................................... 49
3.2 A natureza jurídica das inelegibilidades................................................................................. 51
CAPÍTULO 4
CONSTITUCIONALISMO E SOBERANIA POPULAR: FUNDAMENTOS DO
DIREITO ELEITORAL DEMOCRÁTICO
BRUNO GALINDO................................................................................................................................ 67
4.1 Introdução: as relações entre direito eleitoral e democracia................................................ 68
4.2 O antagonismo democracia x ditadura em Karl Popper....................................................... 69
4.3 Os graus de autoritarismo e de democracia nos regimes políticos segundo
Szmolka Vida............................................................................................................................... 70
4.4 Constitucionalismo em regimes autoritários e democráticos: comparações
possíveis........................................................................................................................................ 77
4.5 Constitucionalismo e conformação do processo político segundo Karl Loewenstein.... 78
4.6 Fundamentos de um direito eleitoral democrático................................................................ 81
4.7 Conclusão: por um direito eleitoral a serviço da soberania popular.................................. 89
Referências................................................................................................................................... 90
CAPÍTULO 5
REVISITANDO O DIREITO ELEITORAL: DIREITOS FUNDAMENTAIS,
DEMOCRACIA E O NOVO CONSTITUCIONALISMO
LUIZ FUX, CARLOS EDUARDO FRAZÃO...................................................................................... 93
5.1 Considerações iniciais ............................................................................................................... 93
5.2 O marco teórico: o novo direito constitucional ..................................................................... 94
5.3 A releitura do direito eleitoral à luz da axiologia constitucional........................................ 96
5.3.1 Levando a liberdade de expressão a sério............................................................................... 96
5.3.2 A deferência à soberania popular sem olvidar dos cânones de moralidade da
Lei da Ficha Limpa.....................................................................................................................101
5.3.3 Proporcionalidade e razoabilidade ........................................................................................104
5.4 Conclusões..................................................................................................................................108
PARTE II
ABRANGÊNCIA DOS DIREITOS POLÍTICOS
CAPÍTULO 1
A DEMOCRACIA E A RESTRIÇÃO AOS DIREITOS POLÍTICOS
NÉVITON GUEDES............................................................................................................................. 111
1.1 As eleições e a democracia........................................................................................................111
1.2 O poder de limitar a cidadania também encontra limites...................................................115
CAPÍTULO 3
O SACRIFÍCIO DOS DIREITOS POLÍTICOS ATRAVÉS DA PENA DE
INELEGIBILIDADE
VÂNIA SICILIANO AIETA................................................................................................................ 141
3.1 Apresentação...............................................................................................................................141
3.2 O asseguramento constitucional dos direitos políticos.......................................................143
3.3 A necessária distinção entre ativismo judicial e judicialização da política......................149
3.4 O sacrifício dos direitos políticos através da pena de inelegibilidade..............................151
3.5 Conclusões................................................................................................................................. 154
Referências..................................................................................................................................160
CAPÍTULO 4
DIREITOS POLÍTICOS DAS PESSOAS JURÍDICAS?
ADRIANO SANT’ANA PEDRA........................................................................................................ 165
4.1 Introdução...................................................................................................................................165
4.2 Povo e cidadania.........................................................................................................................165
4.3 Participação de pessoas físicas e jurídicas nas decisões da polis........................................168
Referências..................................................................................................................................173
CAPÍTULO 5
SUFRÁGIO, VOTO E SISTEMA ELEITORAL NO BRASIL: DESCAMINHOS E
CAMINHOS DA INCLUSÃO POLÍTICA
FILOMENO MORAES......................................................................................................................... 175
5.1 Introdução ..................................................................................................................................175
5.2 Sufrágio, voto e sistema eleitoral no constitucionalismo brasileiro.................................. 177
5.2.1 A Constituição de 1824............................................................................................................. 177
5.2.2 A Constituinte de 1890/1891 e a Constituição de 1891..........................................................179
5.2.3 A Constituinte de 1933/1934 e a Constituição de 1934.........................................................181
5.2.4 A Constituinte e a Constituição de 1946.................................................................................182
5.2.5 O Congresso Constituinte e a Constituição de 1988.............................................................183
5.3 Algumas considerações sobre o processo eleitoral brasileiro.............................................185
5.4 O “eterno retorno” da reforma política e o sistema eleitoral..............................................187
5.5 Considerações finais..................................................................................................................188
Referências ..............................................................................................................................................189
CAPÍTULO 7
O VOTO NULO E SEUS EFEITOS: UM ENSAIO SOBRE A (FALTA DE) LUCIDEZ DA
JURISPRUDÊNCIA DO TSE
JOÃO ANDRADE NETO.................................................................................................................... 209
7.1 Introdução.................................................................................................................................. 209
7.2 Os votos originariamente nulos...............................................................................................212
7.2.1 Votos originariamente nulos por erro do eleitor...................................................................214
7.2.2 Votos originariamente nulos por vontade do eleitor............................................................215
7.2.3 O direito de votar nulo como um direito fundamental.......................................................218
7.3 O sistema de invalidades eleitorais e de defesa da autenticidade das eleições................219
7.3.1 Votos anulados........................................................................................................................... 220
7.3.2 Votos nulificados....................................................................................................................... 221
7.4 Invalidade e renovação das eleições....................................................................................... 221
7.5 A jurisprudência atual do TSE................................................................................................ 224
7.6 A separação entre duas categorias de votos nulos: um caso de mutação legal............... 226
7.6.1 A evolução da jurisprudência do TSE.................................................................................... 227
7.6.2 O problema do RMS nº 23.234 e do §7º do art. 77 da CRFB/88........................................... 230
7.7 Conclusão: afinal, votar nulo pode anular uma eleição?.................................................... 233
Referências................................................................................................................................. 234
CAPÍTULO 8
DE ONDE VIEMOS, QUEM SOMOS, PARA ONDE VAMOS? UM BREVE RELATO
ACERCA DO PERCURSO DA CIDADÃ BRASILEIRA, DESDE O ACESSO AO VOTO
ATÉ SEU STATUS QUO NO CENÁRIO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO
CARLA PINHEIRO, GINA POMPEU.............................................................................................. 239
8.1 Introdução.................................................................................................................................. 239
8.2 De onde veio e como nasceu e se materializou a luta pela paridade de acesso
ao poder político entre homens e mulheres?........................................................................ 240
8.3 Quem somos: a incursão da cidadã brasileira no cenário da política nacional.............. 243
8.4 Entre onde estamos e para onde vamos: as conquistas e perspectivas da mulher
na política brasileira.................................................................................................................. 244
8.5 Conclusão................................................................................................................................... 247
CAPÍTULO 1
JUSTIÇA ELEITORAL BRASILEIRA: HISTÓRICO, FUNÇÕES E POSSÍVEIS
PROPOSTAS DO DIREITO COMPARADO PARA A REVITALIZAÇÃO
DO MODELO DE ORGANISMO ELEITORAL
WALDIR FRANCO FÉLIX JÚNIOR.................................................................................................. 251
1.1 Considerações iniciais: a Justiça Eleitoral como manifestação mais direta do
ativismo judicial brasileiro?..................................................................................................... 251
1.2 Justiça Eleitoral brasileira: razões da atual estruturação e exemplos de inovação
no ordenamento jurídico.......................................................................................................... 252
1.3 Organismos eleitorais e propostas para uma atuação judicial contida............................ 258
1.4 Conclusões..................................................................................................................................262
Referências................................................................................................................................. 263
CAPÍTULO 2
NORMATIZAÇÃO DAS ELEIÇÕES: A JUSTIÇA ELEITORAL DETÉM FUNÇÕES
LEGISLATIVAS?
ELAINE HARZHEIM MACEDO....................................................................................................... 265
2.1 Introdução.................................................................................................................................. 265
2.2 As tradicionais e as nem tão tradicionais funções da Justiça Eleitoral .............................267
2.3 As novas funções do Poder Judiciário versus Justiça Eleitoral........................................... 272
2.4 Juízo legislativo e o grau de discricionariedade nas respostas dadas pela lei
ao processo eleitoral ou a opção de não legislar................................................................... 275
2.5 Considerações finais................................................................................................................. 280
Referências................................................................................................................................. 281
CAPÍTULO 3
DIREITO JUDICIAL E JUSTIÇA ELEITORAL: A JUDICIALIZAÇÃO DAS ELEIÇÕES
NO BRASIL
EDUARDO MEIRA ZAULI................................................................................................................ 283
Referências................................................................................................................................. 302
CAPÍTULO 4
A FORMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA ELEITORAL: NECESSIDADE DE REFLEXÃO
E COERÊNCIA
ADRIANA SOARES ALCÂNTARA................................................................................................. 305
4.1 Introdução.................................................................................................................................. 305
4.2 As fontes do direito eleitoral................................................................................................... 306
4.3 A subsidiariedade no direito eleitoral................................................................................... 309
4.4 A jurisprudência como fonte de direito eleitoral..................................................................310
CAPÍTULO 5
PODER REGULAMENTAR E TSE: FONTE DO DIREITO ELEITORAL
INCONSTITUCIONAL E EXERCÍCIO ABUSIVO DESSE PODER NORMANTE
RUY SAMUEL ESPÍNDOLA.............................................................................................................. 323
Referências................................................................................................................................. 334
PARTE IV
PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO DIREITO ELEITORAL
CAPÍTULO 1
O PERCURSO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS
BRUNO MENESES LORENZETTO.................................................................................................. 339
1.1 Introdução.................................................................................................................................. 339
1.2 Norma como gênero e o problema da sanção....................................................................... 340
1.3 Regra(s) e princípios.................................................................................................................. 344
1.4 Considerações finais................................................................................................................. 351
Referências................................................................................................................................. 353
CAPÍTULO 2
IGUALITARISMO ELEITORAL: POR UMA FORÇA DE EFEITO ÓTIMA AO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NAS COMPETIÇÕES
ELEITORAIS
MARCELO ROSENO DE OLIVEIRA............................................................................................... 355
2.1 Introdução.................................................................................................................................. 355
2.2 Os direitos políticos prestacionais na ordem jurídica brasileira....................................... 357
2.2.1 O financiamento público das atividades político-partidárias........................................... 357
2.2.2 O acesso gratuito ao rádio e à TV........................................................................................... 360
2.3 O valor equitativo das liberdades políticas............................................................................361
2.4 A compensação das desigualdades no campo das disputas eleitorais............................. 366
2.5 Conclusão................................................................................................................................... 375
Referências..................................................................................................................................376
CAPÍTULO 3
O PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO DIREITO ELEITORAL
ALINE OSORIO.................................................................................................................................... 377
3.1 Introdução.................................................................................................................................. 377
3.2 Um novo marco teórico para a liberdade de expressão...................................................... 379
3.2.1 Por que a liberdade de expressão deve ser tão protegida?................................................. 379
CAPÍTULO 4
A PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA COMO VETOR DA (I)MORALIDADE NA
POLÍTICA: DE PRINCÍPIO À REGRA, NO ABISMO QUE SEPARA O DEVER SER
DO SER
JULIANA RODRIGUES FREITAS, PAULO VICTOR AZEVEDO CARVALHO..................... 403
4.1 Reflexões introdutórias............................................................................................................. 403
4.2 De uma perspectiva teórica..................................................................................................... 404
4.3 ...para o abismo que separa o dever ser do ser........................................................................ 408
4.4 Reflexões conclusivas.................................................................................................................413
Referências..................................................................................................................................414
CAPÍTULO 5
MANDATO, AUTONOMIA PARTIDÁRIA E REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA
FERNANDO GUSTAVO KNOERR.................................................................................................. 415
CAPÍTULO 6
A CRIAÇÃO DO DIREITO PELA JUSTIÇA ELEITORAL E O PRINCÍPIO DA
ANUALIDADE
ANDERSON SANT’ANA PEDRA.................................................................................................... 431
6.1 Introdução.................................................................................................................................. 431
6.2 Segurança jurídica como finalidade do Estado.................................................................... 433
6.2.1 A incerteza no direito............................................................................................................... 434
6.3 Princípio da anualidade eleitoral............................................................................................ 434
6.3.1 Conceito, importância e objetivo............................................................................................ 434
6.3.2 Espécie de direito fundamental.............................................................................................. 436
6.3.3 Força normativa da Constituição............................................................................................ 437
6.3.4 Extensão da expressão “processo eleitoral”.......................................................................... 438
6.3.5 Validade, vigência e eficácia da norma processual eleitoral.............................................. 440
6.4 Criação do direito pela Justiça Eleitoral................................................................................ 441
6.4.1 Considerações iniciais.............................................................................................................. 441
6.4.2 Função interpretativa da Justiça Eleitoral............................................................................. 443
6.4.3 Estado constitucional e função legislativa............................................................................ 444
6.4.4 Função normativa da Justiça Eleitoral................................................................................... 445
CAPÍTULO 7
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA NA SEARA ELEITORAL
PEDRO HENRIQUE GALLOTTI KENICKE, ANA CAROLINA DE CAMARGO CLÈVE.... 453
7.1 O princípio da legalidade e a matéria eleitoral .................................................................... 454
7.2 Sobre o poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral............................................. 456
7.3 Reconhecimento jurisprudencial do poder regulamentar................................................. 460
7.4 Audiências públicas efetivas no poder regulamentar e o respeito ao princípio
da legalidade.............................................................................................................................. 462
7.5 Conclusões................................................................................................................................. 463
Referências................................................................................................................................. 464
PARTE V
SISTEMAS ELEITORAIS E REFORMA POLÍTICA
CAPÍTULO 1
MAIS EXÓTICOS QUE JABUTICABAS? OS SISTEMAS ELEITORAIS BRASILEIROS
HELGA DO NASCIMENTO DE ALMEIDA, LARISSA PEIXOTO GOMES .......................... 469
1.1 Introdução: o que significa estudar o sistema eleitoral brasileiro?................................... 469
1.2 Sistemas eleitorais e seus desdobramentos........................................................................... 470
1.3 Debatendo sistemas eleitorais: pensar em múltiplos encaixes.......................................... 472
1.4 1891-1932: o período em que quase ninguém votava............................................................474
1.4.1 Principais características...........................................................................................................474
1.5 1932-1945: entre o fascismo getulista e a representação proporcional.............................. 479
1.5.1 Principais características.......................................................................................................... 479
1.6 1945-1965: a curta esperança democrática............................................................................. 482
1.6.1 Principais características.......................................................................................................... 482
1.7 1965-2017: ditadura, reabertura e reformas........................................................................... 486
1.7.1 Principais características.......................................................................................................... 486
1.8 Conclusão: a jabuticaba eleitoral brasileira........................................................................... 490
Referências................................................................................................................................. 493
CAPÍTULO 2
DESAFIOS DO SISTEMA REPRESENTATIVO BRASILEIRO: SOBRE QUANDO
A NORMATIVIDADE DOS IDEÓLOGOS E OS INTERESSES DOS AGENTES
POLÍTICOS SE UNEM PARA PRODUZIR RESULTADOS OPOSTOS ÀS DEMANDAS
DO PÚBLICO
EMERSON URIZZI CERVI................................................................................................................. 497
2.1 Introdução.................................................................................................................................. 497
CAPÍTULO 3
UMA ANÁLISE ECONÔMICA DA LEGISLAÇÃO REFERENTE AO
FINANCIAMENTO DA POLÍTICA NO BRASIL: REFORMAS E EFEITOS
ANA CLAUDIA SANTANO.............................................................................................................. 515
3.1 A análise econômica do direito e o pensamento político....................................................515
3.2 A trajetória histórica da legislação sobre o financiamento da política brasileira –
a distância entre o mundo do ser e o do dever-ser...............................................................519
3.3 O conturbado estado da arte do sistema de financiamento da política no Brasil........... 522
3.4 A análise econômica do sistema de financiamento político no Brasil.............................. 525
3.4.1 O limite de gastos constante na Lei nº 13.165/15....................................................................526
3.4.2 As fontes de arrecadação de recursos e a restrição das doações de pessoas
jurídicas.......................................................................................................................................531
3.4.3 Os mecanismos de controle de entrada e de saída de recursos......................................... 535
3.5 Considerações finais: expectativa e pessimismo.................................................................. 537
Referências................................................................................................................................. 538
CAPÍTULO 4
CANDIDATAS DE FACHADA: A VIOLÊNCIA POLÍTICA DECORRENTE DA
FRAUDE ELEITORAL E DO ABUSO DE PODER E AS RESPOSTAS JURÍDICAS
PARA EFETIVAÇÃO DOS GRUPOS MINORITARIAMENTE REPRESENTADOS
GEÓRGIA FERREIRA MARTINS NUNES, LORENA DE ARAÚJO COSTA SOARES........ 543
4.1 Introdução.................................................................................................................................. 543
4.2 As candidaturas de fachada em violação à cota feminina: violência política contra
as mulheres na fraude eleitoral e no abuso de poder.......................................................... 546
4.2.1 Do cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (AIME): a incidência
da fraude eleitoral..................................................................................................................... 551
4.2.2 Do cabimento da ação de investigação judicial eleitoral para o combate da
violência política contra as candidatas sob a ótica do abuso de poder............................ 556
4.3 Das consequências advindas da violação do art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97:
presença de candidatura de fachada punível com a cassação do registro/diploma/
mandato de todos os candidatos beneficiados pela fraude/abuso de poder.................... 559
4.4 A Justiça Eleitoral no combate às candidaturas femininas de fachada: análise
dos recentes julgados relativos ao pleito municipal de 2016 e a expectativa para as
eleições 2018............................................................................................................................... 562
4.5 Conclusão................................................................................................................................... 567
Referências................................................................................................................................. 568
1.1 Introdução
Há algum tempo cunhei o termo “filosofia no direito” para diferenciar a nossa
abordagem da tradicional filosofia do direito. Podemos começar fazendo o mesmo,
entendendo porque a hermenêutica no direito eleitoral é distinta da hermenêutica do
direito eleitoral.
A filosofia no direito se constitui como uma abordagem que procura desvelar
como os paradigmas filosóficos se apresentam como standards de racionalidade para a
compreensão do fenômeno jurídico. Isto é, a filosofia deixa de ser um ornamento para um
discurso pretensamente rigoroso e passa a ser a sua própria condição de possibilidade.
Quando falamos de hermenêutica nos espaços de formação jurídica ou da prática
judiciária o que inicialmente se apresenta no imaginário é a ideia de uma técnica
específica de interpretação de textos/eventos. Nesta linha de raciocínio, a hermenêutica
do direito eleitoral seria esta metodologia aplicada a este ramo. Contudo, o que proponho
transcende este espectro prático, apesar de dele não abdicar. A ideia da hermenêutica
no direito eleitoral é uma proposta de compreender os limites e as possibilidades que
este possui, bem como propor caminhos constitucionalmente adequados. Eis a tarefa
da crítica hermenêutica do direito (CHD) que tenho desenvolvido. Eis o nosso lugar de
fala, ou melhor, o ponto sobre o qual olhamos o direito eleitoral.
Neste breve ensaio o olhar estará voltado para três importantes aspectos do direito
eleitoral. O primeiro diz respeito à legislação, mais especificamente as incongruências
da LC nº 64 com o Novo CPC. O segundo será uma análise do fenômeno do ativismo
judicial a partir de um imaginário (também) compartilhado por aqueles que atuam
na área eleitoral. O terceiro, e último, terá como enfoque a decisão judicial. Faremos
um sucinto estudo de caso da ADI nº 4.650 que tratou do modelo de financiamento
de campanhas eleitorais. Espero despertar olhares outros, que assim como os nossos
almejam um direito eleitoral constitucionalmente legítimo.
O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos
indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda
que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de
lisura eleitoral.
Informo de antemão que sei que o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional
o referido dispositivo (ADI nº 1.082) e que a Lei nº 64 é de natureza complementar. Ora,
existem dispositivos de LC que são materialmente de lei ordinária. Caso contrário,
todos os dispositivos sobre prova do CPP e do CPC deveriam ser provenientes de LC.
O art. 23 é algo estranho posto na legislação eleitoral. Afinal, qual a razão de a prova
em matéria eleitoral ser mais “flexível” e menos exigente em termos garantísticos do
que as demais áreas?
Ainda sobre a questão (in)constitucional, o Ministro Marco Aurélio, relator da
ADI nº 1.082 (regras que permitem produção de provas por juiz eleitoral são válidas),
asseverou:
1
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 1.082. Rel. Min. Marco Aurélio. p. 3-4. Disponível em: <http://redir.stf.
jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7065151>. Acesso em: 10 nov. 2017.
Por outro lado, o “interesse público de lisura eleitoral” tudo justifica? Quem dirá
o que interessa ao público? Vejam a fragilidade normativa de um dispositivo desse tipo.
Substitua-se ele por “o juiz decidirá conforme a sua consciência e da forma que melhor
atenda ao interesse público de lisura eleitoral”, e não haverá nenhuma diferença relevante
da situação atual. Se o juiz está autorizado a decidir com base em indícios e presunções,
e se é ele mesmo quem decide como e quando deve fazê-lo, estamos simplesmente
dependentes não de uma estrutura e, sim, de um olhar individual.
Aliás, ainda que se admitisse que esse art. 23 da LC nº 64 fosse constitucional – pois
entendo o contrário – o Novo CPC deveria ter revogado a LC nº 64 nestes dispositivos, que
são materialmente objeto de lei ordinária. Afinal, a Constituição, no §9º do art. 14 exige
lei complementar em matéria de inelegibilidade e não em matéria processual, in verbis:
2
Nesse sentido, os trabalhos de Suzy Koury (As repercussões do novo Código de Processo Civil no direito do
trabalho: avanço ou retrocesso. Revista TST, v. 78, n. 3, jul./set. 2012) e Carlos Henrique Bezerra Leite (Curso
de direito processual do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 100), os quais, embora escritos para o direito do
trabalho, servem para compreender a problemática do direito eleitoral.
3
CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao Código de Processo Civil.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
apreciação dos fatos públicos e notórios com o art. 371? Fazendo uma concessão à velha
metodologia – já sem uso e despicienda para a hermenêutica – mas para argumentar e
auxiliar na retirada de dúvidas, fica nítido que houve intenção na retirada da palavra
“livre”, aliás, não somente do art. 371.
Portanto, das duas uma: ou se aplica o CPC como uma forma de trazer garantias
efetivas aos contendores no processo eleitoral (com respeito pleno aos ditames consti
tucionais) ou não se aplica. Mas, neste caso, também não se pode aplicar “as partes
boas”, por assim dizer, como o poder de o relator (art. 932) resolver monocraticamente
os recursos. Ou a aplicação é em um todo coerente e íntegro (art. 926, CPC) ou não se
poderá fazê-lo ad hoc.
Não podemos olvidar que o art. 371 do CPC-2015 ocupa hoje o lugar outrora
preenchido pelo art. 131 do CPC revogado, que assim dispunha: “O juiz apreciará
livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que
não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na decisão, os motivos que lhe formaram
o convencimento”. Como se pode observar, o termo livremente foi suprimido do sistema
de direito processual positivo, razão pela qual não existe mais espaço para a chamada
“livre apreciação da prova”: é preciso que no plano dogmático sejam desenvolvidos
critérios racionais de valoração probatória objetivamente controláveis pelas partes, sob
pena de haver razões de decidir pairando dentro da consciência indevassável do juiz.
Na verdade, a proibição do chamado “livre convencimento motivado” é daquelas
garantias processuais que decorreriam de uma interpretação constitucional, embora
só agora apareçam explicitadas no sistema processual civil positivo vigente. Exemplos
crassos são (1) a vedação da decisão-surpresa (CPC, art. 10) (extraível do art. 5º, LIV e
LV, da CF) e (2) a necessidade de ampla fundamentação (CPC, art. 489, §1º) (retirável
do art. 93, X, da CF).
Poder-se-ia argumentar que o art. 23 da LC nº 64/1990 traz uma regra especial
anterior e o art. 371 do CPC/2015, uma regra geral posterior; nesse caso, não haveria
revogação: lex posteriori generalis non derogat priori especiali. No entanto, não se pode
olvidar a regra do art. 15 do CPC atual: “Na ausência de normas que regulem processos
eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão apli
cadas supletiva e subsidiariamente”. Note-se que a aplicação do CPC/2015 ao processo
eleitoral se faz de modo tanto subsidiário (i.e., em caso de lacunas da lei processual eleitoral)
quanto supletivo (i.e., de forma complementar). Portanto, o juiz eleitoral não está isento
de explicitar em sua decisão a criteriologia racional com base na qual valorou as provas
e de, com isso, permitir que as partes impugnem objetivamente a valoração realizada.
É bem verdade que o TSE editou a Resolução nº 23.478/2016, que “estabelece
diretrizes gerais para a aplicação da Lei nº 13.105 de 2015 – Novo Código de Processo
Civil – no âmbito da Justiça Eleitoral”. Nela está prescrito no parágrafo único ao art. 2º
que “a aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo
e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja
compatibilidade sistêmica” (d. n.). Contudo, abstraindo-se a (i)legitimidade da ressalva, não
se divisa qualquer particularidade que torne o âmbito processual eleitoral “quimicamente
dependente” do chamado “princípio do livre convencimento motivado”.
Ademais, poder-se-ia também argumentar que a regra do art. 23 da LC nº 64/1990
é hierarquicamente superior à regra do art. 371 do CPC/2015, razão por que também
não haveria revogação: lex inferiori non derogat legi superiori. No entanto, nada impede a
4
BORGES, José Souto Maior. Eficácia e hierarquia da lei complementar. Revista de Direito Público, São Paulo,
n. 25, p. 93-103, 1973. p. 98. No mesmo sentido: ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituição. São Paulo:
RT, 1971. p. 35-36. Esse entendimento, aliás, já fora consagrado no STF desde o julgamento da ADC nº 1-DF, cujos
autos foram relatados pelo Ministro Moreira Alves.
5
LEITÃO, Matheus; MOTTA, Severino. Procurador eleitoral promete não “tolher” debate político. Folha de S.
Paulo, Brasília, 12 out. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/133486-procurador-
eleitoral-promete-nao-tolher-debate-politico.shtml?loggedpaywall>.
que teria sido muito dura na apreciação do direito eleitoral. Ele defendeu uma forma
diferente de atuação ao Ministério Público Eleitoral. Criticou o fato de a Dra. Cureau
“passar a régua” e processar todo mundo (parece-me ser esse o sentido de “passar a
régua”). Minha pergunta, de pronto, é: quem tolhe o debate (ou não tolhe o debate) é o
agente ou os pressupostos que estão fixados na lei?
Eis um bom exemplo de como o direito não deve ser. Aliás, importante esclarecer
que não tomei partido por nenhum dos procuradores, a análise aqui feita trata apenas
do que há de simbólico no ocorrido. O que quero dizer é que o direito eleitoral, como
qualquer ramo do direito, não pode depender da posição pessoal dos seus manejadores-
intérpretes-aplicadores.
Se, por exemplo, em uma decisão sobre o aborto – suponhamos que o STF esteja
decidindo a descriminalização –, ficarmos esperando a posição pessoal (ou subjetividade
pessoal) do ministro do STF, estamos (ou estaremos) mal. Imagino a discussão: “ele é
católico; ele não é; ele é agnóstico; ele é liberal; ele é conservador...” e assim por diante.
Assim foi no caso dos embargos infringentes. Não preciso tomar posição para um lado
ou outro para dizer que o país não pode ficar refém, em suspense, acerca de como o
ministro X ou Y vai decidir. Sua posição pessoal em nada (deveria) importa(r). Como
bem diz Dworkin, não me importa o que pensam os juízes. Não nos importa para que
time torcem, suas preferências sexuais etc. Decidir não é o mesmo que escolher. Decidir
é um ato de responsabilidade política. Devemos insistir nisso.
Por consequência, isso também se aplica ao Ministério Público. Quer dizer que o
direito eleitoral brasileiro depende da régua do encarregado de aplicar a lei? Teremos que,
dependendo do lado em que estivermos, torcer para que um “durão” ou um “não durão”
seja guindado ao cargo? Quer dizer que o destino do direito eleitoral pode depender da
posição (subjetividade) dos detentores do poder? Isso vale para o STF, para o STJ etc.
Tomar decisões no campo jurídico é ter responsabilidade política. Não é simples
mente escolher um lado ou outro. A razão prática do juiz ou do membro do MP deve
ser suspensa. Se assim não for, não deveriam assumir cargos.
A decisão jurídica, em especial a judicial, é um ato de responsabilidade política.
O que quero dizer com isso? Que o magistrado, ao proferir sua decisão, deve estar
comprometido com os fundamentos do Estado Constitucional, que tem como seu núcleo a
democracia. Portanto, proferir uma decisão judicial não implica resgatar antigos dilemas
(já superados), como o de buscar a vontade da lei, a vontade do legislador ou tampouco
apelar para um suposto “poder discricionário”.
A decisão judicial deve, ao contrário de tudo isso, ser construída de acordo com a
legalidade (constitucional). É o que chamo de respostas constitucionalmente adequadas
(ou corretas), somente obtidas através do filtro de uma Teoria da Decisão Judicial, que
eu proponho e descrevo nos meus Verdade e consenso e Jurisdição constitucional e decisão
jurídica.
Do contrário o que temos é o ativismo. Mas o que é ativismo? É uma corrupção
funcional entre os poderes. Alguns ativismos até podem produzir resultados produtivos,
mas não necessariamente isso significa que o ativismo seja bom. O que precisa ficar claro
é que discutir sobre o ativismo implica debater os limites da atuação do Judiciário (e do
Ministério Público), que, ao extrapolar suas funções, pode agir para o bem ou para o mal.
Antoine Garapon diz que o ativismo começa quando, entre várias soluções possíveis, a
escolha do juiz é dependente do desejo de acelerar a mudança social ou, pelo contrário,
de travá-la. A questão que se coloca é: de que lado a gente está? Eis a questão...
O problema é justamente este: acharemos “bom” quando o ativismo produzir
decisões contrárias a todos os avanços do direito? É preciso lembrar que o ativismo
judicial tem relação com o kelseniano conceito de que interpretação é um ato de vontade
(claro, isso no plano do que Kelsen entendia como decisão jurídica). E atos de vontade
não têm controle. E onde não há controle, não há democracia. Simples, pois.
Quando um juiz decide, ele deve perguntar: o que a legalidade constitucional (Elías
Díaz) diz sobre esta questão? Vejamos: um problema jurídico deve ser respondido por
argumentos jurídicos. Direito não é moral. Moral não corrige o direito. Nada importa
sobre a personalidade do juiz. Ao direito não importam as inclinações do magistrado,
porque temos uma Constituição e códigos para responder às questões jurídicas (desde
logo, remeto o leitor para as três últimas linhas deste texto). É isso o que se chama de
direito democraticamente construído: um direito que dispensa opiniões e convicções
pessoais. Se a democracia depender de opiniões pessoais, teremos que rezar para termos
“homens bons” conduzindo o direito. E, como diz o psicanalista Agostinho Ramalho
Marques Neto, “Deus me livre da bondade dos bons”.
No caso do Ministério Público é a mesma coisa. Quando o MP acusa, esta acusação
deve estar fundamentada na legislação produzida democraticamente. Este é o ponto: a
fundamentação jurídica (seja ela judicial ou acusatória) deve ser um exercício rigoroso
de legalidade e, por conseguinte, de constitucionalidade, o que não está presente na
personalidade do juiz ou promotor. O Ministério Público deve(ria) ser uma magistratura:
já na denúncia deve haver um ato de decisão e não de mera escolha.
Uma “régua” não é uma régua em si; assim como uma coisa não é em si e nem
uma lei é “em si”. O texto não é a coisa. No texto não está a lei. Mas nem a lei é aquilo
que o intérprete-manejador diz o que ela é. Em termos de régua, se é com ela que
medimos o alcance da lei, o seu tamanho não pode depender do manejador. Nem a lei
tem o tamanho em si, como se nela já estivesse contida a sua régua, nem o manejador
usa a régua que quer, fazendo com que esta – a lei – passe a ter o tamanho da régua do
manejador. Caso contrário, teremos que torcer para que tenhamos manejadores com
“boas escolhas de réguas”.
Como cidadãos precisamos saber, por exemplo, se o fato de o Bolsa Família ter
beneficiado 2.168 políticos é crime ou não. E se determinada manifestação em inau
guração de obra é ou não campanha antecipada. E que saibamos todos de antemão o
que se pode e o que não se pode fazer na campanha eleitoral. E não queremos que isso
dependa do tamanho da régua que irá medir o alcance da lei. É por isso que decidir não
é o mesmo que escolher!
coisas, uma teoria. Entretanto, no direito isto ainda soa estranho. Após uma leitura
filosófica ou doutrinária sempre aparece alguém e pergunta: “mas e na prática?”. Para
tentar responder a esta indagação, vamos ver como esta questão do ativismo judicial
se manifestou dentro de um caso concreto na seara constitucional/eleitoral, na ADI nº
4.650-DF que tratou do financiamento de campanhas eleitorais.
No Informativo nº 7326 do STF temos um importante registro da atuação do relator
desta ADI, o Ministro Luiz Fux, que: “julgou inconstitucional o modelo brasileiro de
financiamento de campanhas eleitorais por pessoas naturais baseado na renda, porque
dificilmente haveria concorrência equilibrada entre os participantes nesse processo
político”. Na sequência, acrescentou:
Ademais, ainda:
6
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo, n. 732. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/infor
mativo/documento/informativo732.htm>. Acesso em: 9 out. 2017.
Algo parece claro, o STF não pode dizer qual é “único” sistema que garanta a
igualdade (se público, privado ou misto), mas quais pontos do sistema já vigente, seja
ele público, privado ou misto, não garantem a igualdade política. O problema é como
o STF se vê, por um lado, como “legislador positivo” (concorrente ou subsidiário), já
definindo qual sistema de financiamento garante a igualdade (o público, por exemplo)
ou, mais especificamente para o caso da ADI nº 4.650, como o STF compreende o tal
instituto do “apelo ao legislador” (predefinindo não apenas os prazos – 24 meses – para
o legislativo legislar, mas predefinindo parâmetros dentro dos quais o legislador deve
legislar), enfim, o modo com que o STF aplica a discutível Lei nº 9.868/1999. O interessante
é que o tal “apelo” nem foi discutido até o momento.
Numa democracia constitucional, são os próprios cidadãos, mediante seus
representantes políticos ou diretamente, que têm o direito de definir o que consideram
relevante do ponto de vista da igualdade e da desigualdade, sobre o pano de fundo de
uma história política de aprendizado constitucional vivido com a experiência da violação
da igualdade, que não deve admitir retrocessos, embora eles possam acontecer. Se o
sistema deve ser só público ou não, e mesmo assim qual deve ser esse sistema público,
isso deve ser decidido “politicamente”, obviamente dentro de parâmetros constitucionais
que levem coerentemente os direitos políticos a sério, pelo Poder Legislativo, mediante
um necessário debate público mais amplo.
Referências
ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971.
BORGES, José Souto Maior. Eficácia e hierarquia da lei complementar. Revista de Direito Público, São Paulo,
n. 25, p. 93-103, 1973.
CUNHA, Leonardo Carneiro da; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao Código de Processo Civil.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
KOURY, Suzy. As repercussões do novo Código de Processo Civil no direito do trabalho: avanço ou retrocesso.
Revista TST, v. 78, n. 3, jul./set. 2012.
LEITÃO, Matheus; MOTTA, Severino. Procurador eleitoral promete não “tolher” debate político. Folha de
S. Paulo, Brasília, 12 out. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/133486-procurador-
eleitoral-promete-nao-tolher-debate-politico.shtml?loggedpaywall>.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2011.
STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: quarenta temas fundamentais de teoria do direito à luz da
crítica hermenêutica do direito. Belo horizonte: Casa do Direito, 2016.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 1.082. Rel. Min. Marco Aurélio. Disponível em: <http://redir.stf.jus.
br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7065151>. Acesso em: 10 nov. 2017.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo, n. 732. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/
informativo/documento/informativo732.htm>. Acesso em: 9 out. 2017.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
STRECK, Lenio Luiz. Um olhar hermenêutico sobre o direito eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito
Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 17-28. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.)
ISBN 978-85-450-0496-7.
EMILIANE ALENCASTRO
2.1 Introdução
O reconhecimento da superioridade normativa da Constituição, para além de
impor a limitação e a vinculação de todos os poderes estatais, permitiu a irradiação de seu
conteúdo por todo o ordenamento jurídico. “The Constitution must ever remain supreme.
All must bow to the mandate of this law”.1 Isso implica que não há poder constituído
ou seara jurídica válida que não possua interconexão com o direito constitucional.
Com o direito eleitoral não seria diferente. Tratando-se de ciência dirigida ao
estudo de normas e procedimentos que permitem a escolha dos titulares dos mandatos
eletivos, abrangendo regras, princípios e todas as ações e garantias destinadas ao
exercício do sufrágio popular, a autonomia do direito eleitoral não o absolve do dever
de ser construído e interpretado à luz da Constituição.
Para conhecer a dimensão da interconexão do direito eleitoral com o direito cons
titucional, fez-se uma análise retrospectiva da formatação do direito eleitoral ao longo da
história das Constituições do Brasil, passando a um exame mais acurado do tratamento
dispendido pela Constituição vigente.
1
“A Constituição deve sempre ser suprema. Todos devem se curvar ao mandato desta lei” (tradução nossa de
CRUZ, Isagani A. Philippine political law. Quezon City: Central Law Book Publishing, 1991. p. 11).
2
No mesmo sentido, Raul Machado Horta em “A ideia de Constituição despontou no mundo antigo, preocupando
Aristóteles em sua Política, penetrou a idade média com a Magna Charta e ganhou conteúdo mais nítido e
preciso na elaboração doutrinária do conceito de Lex Fundamentalis, nos séculos XVII e XVIII” (HORTA, Raul
Machado. Direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 119).
3
BALAGUER CALLEJÓN, Francisco. Fuentes del derecho: principios del ordenamiento constitucional. 1. ed.
Madrid: Tecnos, 1991. p. 16.
4
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1970. p. 174.
5
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
6
SCHMITT, Carl. Sobre los tres modos de pensar la ciencia jurídica. Tradução de Montserrat Herrero. Madrid: Tecnos,
1996. p. 27.
7
“Se cogen esos factores reales de poder, se extienden en una hoja de papel, se les da expresión escrita, y a partir
de este momento, incorporados a un papel, ya no son simples factores reales de poder, sino que se han erigido
en derecho, en instituciones jurídicas, y quien atente contra ellos atenta contra la ley y es castigado” (LASSALLE,
Ferdinand. Qué es una Constitución. Buenos Aires: Siglo Veinte Uno, 1969. p. 10).
8
“No espírito unânime dos povos, uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de
mais imóvel que uma lei comum” (LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. São Paulo: Malheiros, 1995.
p. 24).
9
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional. Construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: safE,
1999. p. 104.
10
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 98.
11
O poder constituinte, como manifestação da soberania, concebe a teoria do poder constituinte. Esta, por sua
vez, consubstancia o discurso sobre o poder, sendo o mito fundador e legitimador da ordem constitucional
(BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: para uma crítica do constitucionalismo. São Paulo: Quartier
Latin, 2008. p. 29). “La soberanía consiste em el supremo poder de expedir y derogar las leyes” (HELLER,
Hermann. La soberanía: contribución a la teoria del derecho estatal y del derecho internacional. México: Fondo de
Cultura Económica, 1995. p. 127).
12
Em Hauriou, a Constituição é suprema porque goza de soberania estatal (HAURIOU, Maurice. Principes de droit
public. 12. ed. Paris: Librairie Recueil Sirey, 1916. p. 678).
13
Cite-se, ainda, que em André Vicente Pires Rosa, a Constituição, como positivação jurídica da pretensão do
Poder Constituinte, autoproclama-se norma suprema, sendo, portanto, a justificativa primogênita do status
da Constituição (ROSA, André Vicente Pires. Las omisiones legislativas y su control constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006. p. 65) Em Enterría, por sua vez, a supremacia constitucional deriva do caráter normativo da
Constituição e de seu conteúdo supremo (GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Hermenêutica e supremacia
constitucional: el principio de la interpretación conforme la constitución de todo el ordenamento. In: CLÈVE,
Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (Org.). Doutrinas essenciais – Direito constitucional: teoria geral da
Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 829. v. I). Em Georgakilas, a supremacia encontraria
fundamento na natureza de suas normas, haja vista tratarem da real estrutura da organização do poder político
(GEORGAKILAS, Ritinha Alzira Stevenson. A Constituição e sua supremacia. In: FERRAZ JÚNIOR, Tércio
Sampaio; DINIZ, Maria Helena; GEORGAKILAS, Ritinha Alzira Stevenson. Constituição de 1988: legitimidade,
vigência, eficácia, supremacia. São Paulo: Atlas, 1989. p. 101).
14
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Hermenêutica e supremacia constitucional: el principio de la interpretación
conforme la constitución de todo el ordenamento. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (Org.).
Doutrinas essenciais – Direito constitucional: teoria geral da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
p. 829. v. I.
15
Pelo fato de a Lei Maior constituir a ordem fundamental jurídica da coletividade, ela estabelece os princípios
diretivos que forjam a unidade política, regula os procedimentos de superação de conflitos no interior da
sociedade e os procedimentos de formação da unidade política. Desses predicativos advém a força normativa da
Constituição, que permite a prerrogativa de que as normas constitucionais sejam obedecidas e cumpridas pelos
entes estatais e pela sociedade em geral (HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da
Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 37).
16
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1997. p. 826;
1074.
17
DANTAS, Ivo. Novo direito constitucional comparado. Curitiba: Juruá, 2010. p. 166.
18
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional
transformadora. 7. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 111.
19
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 101.
20
HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 125.
21
SIEYÈS, Emmanuel Joseph. Observaciones sobre el informe del comité de constitución acerca de la nueva organización
de Francia. Introdução, estudo preliminar e compilação de David Pantoja Morán. Fondo de Cultura Económica:
México, 1993. p. 157.
22
BRYCE, James. Constituciones flexibles y constituciones rigidas. 2. ed. Madrid: Institutos de Estudios Políticos, 1962.
p. 25.
23
As constituições rígidas são atuais, haja vista o fato de seguirem o modelo de constitucionalização desenvolvido
após o término da Segunda Guerra Mundial. A Constituição britânica é singularidade que, aparentemente,
não se repetirá. As Constituições da Nova Zelândia e Israel também são modelos excepcionais, ligados a um
contexto político e social experimentado pelos respectivos Estados (LIPJHART, Arend. Modelos de democracia:
desempenho e padrões de governo em 36 países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 248).
24
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 37.
25
Em André Ramos Tavares, a supremacia constitucional é que decorre da rigidez atribuída à Constituição.
Comente-se que, acaso tal posicionamento consubstanciasse uma superação dialética, configurada pela negação
do caráter primogênito da supremacia constitucional, a Constituição, por sua rigidez, ainda tida como norma
normarum, teria conservado seu fundamento de estabilização jurídica, essência que seria síntese fomentadora de
eventual tese (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 63).
26
CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003. p. 49.
27
Ressalte-se que as consequências desse fenômeno à ciência jurídica, tais como a ampliação da jurisdição
constitucional e dos mecanismos de interpretação específicos, não merecem deleite neste trabalho, uma vez que
o distanciam de seu objeto.
28
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 31.
29
RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 4.
30
Neste trabalho, toma-se a primeira Constituição do Brasil como aquela outorgada em 1824, ao alvedrio daqueles
que defendem a lei orgânica elaborada em Pernambuco em 1817 como primeiro texto constitucional brasileiro.
Dito isto, rememore-se que, antes que fosse elaborada a primeira Carta Magna
brasileira, as eleições eram orientadas pela legislação portuguesa, o Livro das
Ordenações.31 O processo eleitoral envolvia agentes estatais diversos, mas sem indepen
dência em relação ao governo instituído. O primeiro pleito eleitoral ocorreu em 1532,
no período colonial, com o intuito de que fossem escolhidos os membros da câmara
municipal da Vila de São Vicente/SP. Nesse momento, a qualidade de “homem bom”
era uma espécie de condição de elegibilidade.32
Em 1821, o Brasil experimentou a primeira eleição geral. D. João VI convocou
os brasileiros para a escolha dos representantes que comporiam as “Cortes Gerais de
Lisboa”.33 Pela primeira vez houve uma votação para cargos gerais, cuja função seria
elaborar as estruturas normativas essenciais da metrópole portuguesa. Até então as
eleições se restringiam à escolha dos membros do Legislativo local, ou seja, das câmaras
municipais.
Com a outorga da Constituição de 1824, denominada de “Constituição Política
do Império do Brazil”, instituiu-se uma monarquia, cabendo ao Poder Moderador a
coordenação dos poderes, tendo sido estabelecida a forma unitária de Estado. Possuindo
um sistema de governo sui generis, o primeiro texto constitucional brasileiro tinha o
escopo de organizar a estrutura política e administrativa do país diante da recente
proclamação da independência. A Constituição, após invocar a Santíssima Trindade,
dividia o poder em quatro órgãos – Legislativo, Moderador, Executivo e Judiciário –,
instituindo um Estado em que o imperador acumulava o poder Moderador e a Chefia
do Executivo, conduzido pelo modelo de separação de poder preconizado por Benjamin
Constant.34
Assegurou-se que ocorreriam eleições para a composição do Legislativo – a
Assembleia Geral –, de modo que as nomeações dos deputados e senadores e dos
membros dos conselhos gerais das províncias seriam feitas por meio de eleições
indiretas.35 Por sua vez, o Poder Judiciário, ao menos em nível teórico, era independente,
formado por juízes e por jurados, sendo facultado ao Poder Moderador suspender os
magistrados de sua função.36 Nesse contexto, a sua atuação se dava de forma tímida,
limitando-se à disciplina do alistamento e expedição do título de eleitor.
31
Importante consignar que os processos eleitorais no Brasil começaram bem antes da independência. Quando
os colonizadores chegaram, à medida que foram encontrando metais preciosos e outras especiarias de valor
elevado, utilizavam-se de “eleições” para escolha daqueles que iriam ser os tutores ou guardas-mores regentes
do Tesouro do Rei (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p 395).
32
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo: Globo, 2001.
p. 214.
33
PRADO JR., Caio. Evolução política do Brasil: Colônia e Império. São Paulo: Brasiliense, 1999.
34
“Si la somme totale du pouvoir est illimitée, les pouvoirs divisés n’ont qu’à former une coalition, et le despotisme
est sans remède. Ce qui nous importe, ce n’est pas que nos droits ne puissent être violés par tel pouvoir, sans
l’approbation de tel autre, mais que cette violation soit interdite à tous les pouvoirs” (CONSTANT, Benjamin.
Écrits politiques. Gallimard: Marcel Gauche, 1997. p. 317; 320).
35
“Art. 90. As nomeações dos Deputados, e Senadores para a Assembléa Geral, e dos Membros dos Conselhos
Geraes das Provincias, serão feitas por Eleições indirectas, elegendo a massa dos Cidadãos activos em Assembléas
Parochiaes os Eleitores de Provincia, e estes os Representantes da Nação, e Provincia”.
36
AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 64.
No art. 179,37 a Constituição ainda contava com um rol de direitos civis e políticos
de baixa eficácia38 que, apesar de ter servido de inspiração para Cartas futuras, mantinha
a escravidão e trazia a hipótese de suspensão do exercício dos direitos políticos por
incapacidade física ou moral, por exemplo (art. 8º, I).
Estabelecido um sistema de eleições indiretas, havia previsão do direito ao voto.
Nas eleições primárias, destinadas à escolha daqueles que votariam nos deputados e
senadores, o voto era censitário, por influência da legislação portuguesa, restrito aos
homens livres, aos maiores de vinte e cinco anos e que possuíssem renda anual de mais de
100 mil réis. Por sua vez, para votar na eleição dos deputados e senadores, fora instituída
espécie de condição de elegibilidade com base na renda anual, tendo que ser superior a
200 mil réis e, para ser candidato, superior a 400 mil réis, além de ser brasileiro e católico.
Ainda sob a égide da Constituição de 1824, foi editado o Dec. nº 3.029/81, a Lei
Saraiva, que introduziu no sistema eleitoral brasileiro o voto direto nas eleições, inclusive
nas eleições dos senadores, deputados à Assembleia Geral, membros das Assembleias
Legislativas provinciais, vereadores e juízes de paz, rompendo a tradição de eleições
indiretas.39 Também determinou que o alistamento fosse de competência da magistratura,
criou o título de eleitor e tratou da cédula do voto.40
A Constituição de 1891, que inaugurou a forma de governo republicana no Brasil,
irrompendo com a divisão tripartite de poder, adotou o modelo de separação de poderes
sugerido por Montesquieu.41 Além de prever a garantia constitucional do remédio cons
titucional do habeas corpus e a laicidade do Estado, a Constituição de 1981 reafirmou
o fim da escravidão e fora construída com preceitos racionais, declarando que “Todos
são iguaes perante a lei” e que “A Republica não admitte privilegio de nascimento,
desconhece foros de nobreza, e extingue as ordens honorificas existentes e todas as suas
prerogativas e regalias, bem como os titulos nobiliarchicos e de conselho” (art. 72, §2º).
Com o advento da Primeira República, depois da queda da monarquia, introduziu-
se uma nova roupagem ao sistema eleitoral brasileiro. A Constituição, além de recep
cionar a Lei Saraiva, reiterou o voto direto,42 não secreto,43 também para o Executivo.44
37
“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade,
a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. [...]”.
38
Tal qual elucida Luís Roberto Barroso, uma das grandes marcas do constitucionalismo imperial é o abismo entre
a abstração normativa e a realidade social e institucional (BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a
efetividade de suas normas. Limites e possibilidades da Constituição brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
p. 12).
39
A Lei Saraiva, promulgada em 1881, foi a provisão mais importante, haja vista que estabelecia o voto direto
e atribuía à magistratura importantes funções (FERREIRA, Luiz Pinto. Código Eleitoral comentado. São Paulo:
Saraiva, 1990. p. 21).
40
“Art. 15. [...] §19. O voto será escripto em papel branco ou anilado, não devendo ser transparente, nem ter
marca, signal ou numeração. A cedula será fechada de todos os lados, tendo rotulo conforme a eleição a que se
proceder”.
41
“Art. 15. São orgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciario, harmonicos e
independentes entre si”.
42
Apesar de ter sido estabelecido o voto direto, é de conhecimento público que a primeira eleição da República foi
feita por meio de voto indireto, elegendo o Presidente Marechal Deodoro da Fonseca.
43
Sobre a questão do voto censitário, importante que nesse momento foram considerados “eleitores”, detendo
capacidade eleitoral ativa, todos os brasileiros, do sexo masculino, que estavam em gozo de seus direitos civis e
políticos, desde que maiores de 21 anos.
44
Suscite-se que, já em 1890, o Regulamento Alvim, materializado no Decreto nº 511, instituiu o voto direto, mas
não foi eficiente em sanar o problema das fraudes. As mesas eleitorais eram nomeadas pelos presidentes das
Câmaras Municipais, cenário que, diante do número de vícios que fomentava, exigia regulamentação em sentido
diverso (FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2001.
p. 226).
45
FIGUEIREDO, Vítor Fonseca. O papel da comissão verificadora de poderes da Câmara Federal para a
articulação do Estado brasileiro durante a Primeira República. In: ENCONTRO REGIONAL (ANPUH-MG),
XVIII, 2012. Anais... Mariana, 2012. Disponível em: <http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/
anais/24/1340624650_ARQUIVO_TEXTOCOMPLETOANAISANPUH-VITORFONSECAFIGUEIREDO.pdf>.
Acesso em: 27 fev. 2018.
46
Expressão utilizada na obra em conjunto de SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO,
Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 229.
47
SILVA, Zélia Lopes da. A República dos anos 30. A sedução do moderno: novos atores em cena: industriais e
trabalhadores na Constituinte de 1933-1934. Londrina: Ed. UEL, 1999.
48
VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de direito eleitoral. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2016. p. 33.
49
“Art. 5º É instituida a Justiça Eleitoral, com funções contenciosas e administrativas. Parágrafo único. São orgãos
da Justiça Eleitoral: 1º) um Tribunal Superior, na Capital da República; 2º) um Tribunal Regional, na Capital de
cada Estado, no Distrito Federal, e na séde do Governo do Território do Acre; 3º) juizes eleitorais nas comarcas,
distritos ou termos judiciários. Art. 6º Aos magistrados eleitorais são asseguradas as garantias da magistratura
federal. Art. 7º Salvo motivo justificado perante o Tribunal Superior, a exoneração de seus membros ou a de
membros dos Tribunais Regionais sómente póde ser solicitada dois anos depois de efetivo exercicio. Art. 8º Ao
cidadão, que tenha servido efetivamente dois anos nos tribunais eleitorais, é licito recusar nova nomeação”.
50
SILVA, Estevão; SILVA, Thiago. Eleições no Brasil antes da democracia: o Código Eleitoral de 1932 e os pleitos de
1933 e 1934. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 23, n. 566, dez. 2015. p. 75.
competências da Justiça Eleitoral. Até a sua criação, várias formas de sanar as fraudes
ao sistema democrático haviam sido frustradas.51
A República Velha terminou de ser enterrada com a Constituição de 1934, tendo sido
a primeira Constituição a instituir o voto feminino.52 Sob a égide do constitucionalismo
social no Brasil, também se inauguraram o mandado de segurança e a ação popular como
garantias constitucionais. A Lex Mater em comento decorria de um projeto constitucional
progressista no que tange aos direitos sociais e à ordem econômica, mas que nunca pôde
ser vivenciado, haja vista o golpe desferido pelo próprio líder revolucionário. Esclarece
Paulo Bonavides e Paes de Andrade que, apesar do “brilhantismo jurídico”, não havia
um projeto político-econômico no país, instabilidade que prejudicou sobremaneira a
permanência da nova ordem constitucional.53
No curto período de vigência da Constituição de 1934, é importante suscitar
que fora recepcionado o Código Eleitoral supramencionado, o que foi essencial para o
funcionamento e a aferição da máquina democrático-representativa.54 Para Pontes de
Miranda, o significado sociológico apropriado da Revolução de 1930 e da Constituição de
1934 foi o de unificar o processo e o direito eleitoral material, direcionando a legislação
às mãos do Poder Legislativo e a aplicação às da Justiça Eleitoral.55
A estruturação dos órgãos da Justiça brasileira começa a ser disciplinada em
nível constitucional a partir do texto constitucional de 1934, que incluiu a Justiça
Eleitoral como órgão do Poder Judiciário,56 com o intuito de garantir a efetiva prática
do sistema representativo.57 Tal inovação foi importante tendo em vista que a Justiça
Eleitoral passou a ostentar nível constitucional, estando caracterizada pela supremacia
e supralegalidade. A Constituição de 1934 também revogou a representação classista,
ou seja, o sufrágio profissional.
Em 1935 foi elaborado um novo Código Eleitoral, substituindo o anterior de 1932.
Tal modificação ocorreu para que houvesse uma adaptação com a nova realidade consti
tucional e também em razão de críticas realizadas pela própria magistratura eleitoral.58
Fora estabelecida a atuação do Ministério Público no processo eleitoral, tendo sido
51
“As eleições, mais do que expressar as preferências dos eleitores, serviram para legitimar o controle do governo
pelas elites políticas estaduais. A fraude era generalizada, ocorrendo em todas as fases do processo eleitoral
(alistamento dos eleitores, votação, apuração dos votos e reconhecimento dos eleitores)” (NICOLAU, Jairo
Marconi. História do voto no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 34).
52
“Art. 108. São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei.
Parágrafo único - Não se podem alistar eleitores: a) os que não saibam ler e escrever; b) as praças-de-pré, salvo os
sargentos, do Exército e da Armada e das forças auxiliares do Exército, bem como os alunos das escolas militares
de ensino superior e os aspirantes a oficial; c) os mendigos; d) os que estiverem, temporária ou definitivamente,
privados dos direitos políticos”.
53
BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Brasília: OAB, 2002. p. 326.
54
FARIA, Antônio Bento de. Repertório da Constituição Nacional: Lei de Segurança Nacional. Rio de Janeiro:
F. Briguiet, 1935. p. 151.
55
MIRANDA, Francisco C. Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1967. t. IV; Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara, 1937.
t. II.
56
FARIA, Antônio Bento de. Repertório da Constituição Nacional: Lei de Segurança Nacional. Rio de Janeiro:
F. Briguiet, 1935. p. 151.
57
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Justiça Eleitoral e representação democrática. In: ROCHA, Cármen Lúcia
Antunes. Direito eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 387.
58
VALE, Teresa Cristina de Souza Cardoso. Pré-História e História da Justiça Eleitoral. In: SIMPÓSIO NACIONAL
DE HISTÓRIA – ANPUH, XXVI, 2011. Anais... São Paulo, 2011. p. 35.
59
“Art. 16 da Constituição de 1937. Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes
matérias: [...] XXIII - matéria eleitoral da União, dos Estados e dos Municípios; [...]”.
60
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de direito
constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 193.
61
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. São Paulo: Edipro, 2006. p. 36.
62
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção
do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 263.
63
Trata-se do Código Eleitoral mais duradouro da história brasileira. Depois do de 1932, em 1935, por meio da Lei
nº 48, fora estabelecido o segundo CE. Dez anos depois, fora aprovado o terceiro, por meio do Dec.-Lei nº 7.586.
O quarto resultou da Lei nº 1.164 de 1950, seguido pelo atual Código Eleitoral.
64
MIRANDA, Francisco C. Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 2. ed. Rio de Janeiro: Henrique Cahen,
1973. p. 423. t. I.
65
A Constituição de 1967 deve ser tida como outorgada, ainda que com o “beneplácito” do Legislativo (BARROSO,
Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo
modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 36-37).
66
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 87.
67
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de direito
constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 203.
68
“Pouca gente duvida da legitimidade do processo eleitoral brasileiro” (NICOLAU, Jairo Marconi. História do voto
no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 8).
69
O Código Eleitoral foi recepcionado como lei material complementar na parte que disciplina a organização e
a competência da Justiça Eleitoral, sendo lei ordinária no remanescente (STF, Plenário. MS nº 26.604. Rel. Min.
Cármen Lúcia, j. 4.10.2007. DJe, 3 out. 2008).
70
As normas jurídicas comportam inúmeras classificações. No entanto, o objeto deste trabalho desmerece maior
debruçamento.
71
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 255-295.
72
“Regras são aplicadas de modo tudo ou nada. Se os fatos que a regra determinar ocorrerem, então ou a regra é
válida, situação em que a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não, caso em que não contribuirá em nada
para a decisão” (DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1997. p. 24).
73
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 87-88.
74
“O principal traço distintivo entre regras e princípios, segundo a teoria dos princípios, é a estrutura dos direitos
que essas normas garantem. No caso das regras, garantem-se direitos (ou impõem-se deveres) definitivos,
ao passo que, no caso dos princípios, são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie” (SILVA,
Luís Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais.
Mimeografado. 2005. p. 51).
75
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 33.
76
“Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras
também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma
que vise a aboli-las” (STF. RE nº 633.703. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23.3.2011. DJe, 18 nov. 2011; RE nº 631.102
ED. Rel. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, j. 14.12.2011).
77
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1997. p. 26.
78
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1997. p. 27.
79
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 86.
80
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 86-87.
81
HABERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Madrid: Tecnos, 2000.
82
DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995. p. 59.
83
Para Palazzo, o prestígio dos valores constitucionais não se deve à condição de formalmente superiores, mas do
fato de que os princípios constitucionais são valores nos quais o homem reconhece a si mesmo, ainda que condi
cionados à mutabilidade da história. São valores fundamentais e progressivos, constitucionais no sentido de que
com eles os povos trabalham a construção do futuro (razão da vocação para projeção internacional) (PALAZZO,
Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989. p. 2).
84
CAPPELLETTI, Mauro. O controle de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2. ed. Tradução de Aroldo
Plínio Gonçalves. Porto Alegre: safE, 1992. p. 40.
85
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de direito
constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 61-63.
86
“Every legal system is built upon principles tha reflect its fundamental conceptions and its basic values”
(DOLINGER, Jacob. Evolution of principles for resolving conflicts in the field of contracts and torts. Recueil des
Cours, v. 283, 2000. p. 229).
87
“A leitura moral propõe que todos nós – juízes, advogados, cidadãos – interpretemos e apliquemos estas
cláusulas abstratas (da Constituição) na compreensão de que elas invocam princípios de decência política e
de justiça” (DWORKIN, Ronald. Freedom’s law: the moral reading of the American Constitution. Cambridge:
Harvard University Press, 1996. p. 2).
88
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 205.
89
Para o autor, a presença de princípios constitucionais fundamentais e de princípios gerais (setoriais) significa
a existência de hierarquia (interna) na própria Constituição que funcionará, de modo decisivo, no instante de
apreciar-se a constitucionalidade, seja a norma infra ou inserida na própria Constituição, sobretudo pelo Poder
de Reforma. Assim, admite-se a existência de normas constitucionais inconstitucionais.
90
DANTAS, Ivo. Constituição e processo: direito processual constitucional. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2015. p. 459.
O sistema eleitoral, como espécie de sistema jurídico, deve ser dinâmico, aberto
mediante uma estrutura dialógica traduzida na disponibilidade e “capacidade de apren
dizagem” das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem
dispostas às concepções cambiantes de “verdade” e da “justiça”.91
Não há consonância na doutrina acerca de quais são os princípios específicos
do direito eleitoral. José Jairo Gomes elenca como princípios fundamentais de direito
eleitoral a democracia, a democracia representativa, o Estado Democrático de Direito,
a soberania popular, os princípios republicano e federativo, o sufrágio universal, a
legitimidade, a moralidade, a probidade e a igualdade, mencionando a existência de
outros princípios.92
Para Roberto Moreira de Almeida, os princípios específicos do direito eleitoral
são o princípio da anualidade ou da anterioridade da lei eleitoral, da celeridade, da
periodicidade da investidura das funções eleitorais, da lisura das eleições ou da isonomia
de oportunidades e o princípio da responsabilidade solidária entre candidatos e partidos
políticos.93 Para Frederico Franco Alvim, as espécies seriam o princípio da lisura ou
da legitimidade das eleições, o da competitividade das eleições, da autenticidade do
resultado, da legalidade, da proteção do processo eleitoral, do máximo aproveitamento
do voto, da máxima extensão do direito de voto, da anualidade ou da anterioridade da
lei eleitoral e o da igualdade do voto.94
A CF faz menção ao pluralismo político e à cidadania, tendo posto tais preceitos
como fundamento da República Federativa Brasileira (art. 1º, V e II); à autenticidade do
voto (direto, secreto, universal e periódico), explicitamente eleita como cláusula pétrea
no art. (60, §4º, II), todos eles integrando aquilo que Raul Machado Horta denomina
“normas centrais na Constituição Federal”.95 A Lex Mater também trata do princípio da
anualidade eleitoral e da normalidade das eleições, trazendo também os princípios da
probidade, moralidade e legitimidade, havendo ainda uma gama de princípios implícitos.
O fato é que a Constituição Federal, em seu art. 1º, constitui a República Federativa
do Brasil em um Estado Democrático de Direito e sua vivência institui a predisposição
de um ordenamento jurídico que goze de legitimidade democrática. Para além da
adequação à lei, exige-se conformação com a vontade popular e com os fins propostos
pelos cidadãos.96 A Constituição emerge como garantia do direito de todos, até mesmo
diante da vontade popular, a fim de assegurar a convivência entre interesses diversos
em uma sociedade heterogênea.97
Como os princípios são a espécie normativa que permite maior abertura dialógica
entre o texto normativo e a realidade fática, possibilitam uma sintonia fina com as
demandas do Estado Democrático de Direito, assumindo relevância ímpar para dirimir
eventuais antinomias e garantir maior eficácia do ordenamento jurídico. Dessa ratio,
91
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1123.
92
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
93
ALMEIRA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
94
ALVIM, Frederico Franco. Curso de direito eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
95
HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
96
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 157.
97
FERRAJOLI, Luigi. Pasado y futuro del Estado de Derecho. Tradução de Pilar Allegue. In: CARBONELL, Miguel
(Ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003. p. 13-29.
emerge que a violação a um princípio é mais grave do que a ofensa a uma regra positiva,
uma vez que atinge todo o sistema em que se insere o ordenamento.98
2.5 Conclusão
A relação do direito eleitoral com o direito constitucional é tão pujante que as
matérias se confundem. Sem a Constituição, não existe direito eleitoral; e sem as regras
do processo democrático, a Constituição tende a perder sua legitimidade.
Enquanto a Constituição concebe a validade do direito eleitoral, por meio de uma
estrutura principiológica e de regras que gozam de status constitucional, densificando
sua força normativa – pois de outro modo ele ficaria cambiante, ao talante das variáveis
da política brasileira – o direito eleitoral, por sua vez, contribui à perpetuação do Estado.
A regularidade das eleições permite que o Estado se perpetue com as adequações exigidas
pela sociedade complexa que está em constante mudança.
A legítima conversão da vontade popular em mandato político permite que seja
vivenciada a força ativa da Lex Mater, impedindo a experiência do arquiteto introvertido
do pensamento, que de tão acanhado mora por detrás da lua confiscada pelos técnicos
extrovertidos,99 revitalizando, assim, a soberania da fonte que a produziu. Em suma, a
democracia brasileira não pode subsistir sem esses dois pilares.
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BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: para uma crítica do constitucionalismo. São Paulo: Quartier
Latin, 2008.
98
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 29.
99
Frase que se adequa a qualquer trabalho que defenda a atividade pensante como meio de atingir o conhecimento
(ADORNO, Theodor W. Dialética negativa. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Zahar, 2009).
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
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v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
3.1 Introdução
A decisão do Supremo Tribunal Federal que, no bojo do Recurso Extraordinário
nº 929.670/SP, determinou a aplicação retroativa do prazo de inelegibilidade de 8 anos
reacendeu o debate sobre a Lei Complementar nº 135/2010 (a Lei da Ficha Limpa).
Ao final do julgamento do recurso, o Plenário adotou tese de repercussão geral após
rejeitar a modulação dos efeitos da decisão, mantendo a aplicação da norma para
candidaturas registradas já para as eleições de 2018.
A tese de repercussão geral foi fixada nos seguintes termos:
Longe de ser discussão com fins meramente teóricos, a palavra final sobre qual
a natureza jurídica do instituto impacta a dinâmica da eleição – mais, a dinâmica da
relação entre os poderes.
Explorar divergências teóricas e suas implicações práticas será o objetivo do
presente trabalho. Para tanto, serão identificadas as diferentes posições doutrinárias
sobre a natureza jurídica das inelegibilidades para, após, explorar as interpretações que
o Poder Judiciário já atribuiu a essa categoria. Considerada a importância da discussão
ao processo eleitoral, serão expostas e avaliadas de maneira crítica as possibilidades de
atuação e resposta do Poder Legislativo à controvérsia.
1
AGRA, Walber de Moura. Temas polêmicos de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 19.
2
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 181.
3
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 223.
4
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 28.
5
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 179.
6
MARCHETTI, Vitor. Competição eleitoral e controle das candidaturas: uma análise das decisões do TSE.
Cadernos ADENAUER, São Paulo, v. 15. p. 96.
7
SOARES, Gláucio Ary Dillon. As políticas de cassações. Dados, Rio de Janeiro, n. 21, 1979. p. 70.
8
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 9. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 231.
da liberdade do voto dirigido para aqueles que têm condições de representação dentro
dos princípios acolhidos como valores da sociedade”.
O sentido ético por detrás do instituto exige que suas hipóteses sejam criadas e
aplicadas com vistas à realização da soberania popular, não de um moralismo amorfo.
A eticidade por detrás do instituto ficou ainda mais clara com a revisão constitucional
feita em obediência ao art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, quando
o constituinte alterou a redação do art. 14, §9º, da Constituição a fim de acrescer aos
objetivos da inelegibilidade, até então voltada à proteção da normalidade e legitimidade
dos pleitos contra influência do poder econômico e abuso do exercício de função, cargo
ou emprego na Administração Pública, a salvaguarda da probidade administrativa e
da moralidade para o exercício do mandato.9
Na democracia, a inelegibilidade possui três fundamentos éticos: a manutenção e
o funcionamento do regime democrático, para garantir a moralidade e a neutralidade em
face do poder econômico e político, a defesa do princípio da isonomia, para garantir que
todos os cidadãos tenham igual chance na disputa política, e a salvaguarda do princípio
republicano, para garantir que todos os cidadãos possam ocupar cargos públicos e evitar
que determinados grupos políticos ou familiares perpetuem-se no poder.10
A tradição do direito constitucional brasileiro era a de restringir as hipóteses de
inelegibilidade apenas às hipóteses previstas constitucionalmente, não admitindo outras
que não as previstas nos textos constitucionais – assim foi nas Constituições de 1891,
de 1934 e de 1946.11 Já no governo militar, primeiro mediante a Emenda Constitucional
nº 14/65 e depois pela Constituição de 1967, foi permitida a instituição de novas hipóteses
via legislação infraconstitucional. A Constituição de 1988, em igual sentido, estipula em
seu art. 14, §9º, que “a lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e
os prazos para sua cessação [...]”.
Por representarem uma limitação inequívoca ao princípio da soberania popular,
as hipóteses de inelegibilidade devem ser instituídas diretamente no texto constitucional
ou em lei de natureza complementar. A Constituição de 1988, particularmente nos §§4º,
5º, 6º e 7º do seu art. 14, estabelece algumas hipóteses de inelegibilidade. A primeira
é a inelegibilidade dos inalistáveis, que são os estrangeiros e brasileiros em período
de serviço militar obrigatório, e dos analfabetos. A segunda é a inelegibilidade por
motivos funcionais. Os chefes do Poder Executivo, seus sucessores e substitutos no
mandato só poderão ser reeleitos para um único período subsequente. A última hipótese
constitucional é a inelegibilidade reflexa, a abarcar os indivíduos que possuem vínculos
pessoais com o chefe do Poder Executivo, como cônjuge, companheiro e parente.
Em atendimento ao art. 14, §9º, da Constituição de 1988 e revogando a Lei Com
plementar nº 5/1970, o legislador ordinário promulgou a Lei Complementar nº 64/1990 a
fim de viabilizar o controle de candidaturas a partir de critérios infraconstitucionais da
probidade administrativa, moralidade pública, normalidade e legitimidade dos pleitos.
Nos incisos e parágrafos dos arts. 1º e 2º da Lei Complementar nº 64/1990, estão previstas
as hipóteses de inelegibilidade e seus respectivos prazos de duração.
9
ARCURI, Daniela Maraccolo. É a inelegibilidade condição, sanção ou causa? Ballot, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, jan./
abr. 2016. p. 190.
10
AGRA, Walber de Moura. Temas polêmicos de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 151.
11
MARINHO, Josephat. Inelegibilidades no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 2, n. 6,
jun. 1965. p. 6.
12
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 9. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 230
13
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 195.
14
ZÍLIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 189.
15
Será mapeada a discussão sobre o regime jurídico com amparo na leitura de Luiz Fux e Carlos Eduardo Frazão.
Há outras leituras possíveis, a exemplo de Daniela Maraccolo Arcuri, para quem a inelegibilidade é enquadrada
ora como condição, causa ou sanção. Cf. ARCURI, Daniela Maraccolo. É a inelegibilidade condição, sanção ou
causa? Ballot, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, jan./abr. 2016.
16
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 199.
17
COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. 10. ed. rev., ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
p. 184.
18
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 180-
181.
19
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 187.
20
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 196.
21
AGRA, Walber de Moura. Temas polêmicos de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 162.
22
ROMERO-PÉREZ, Jorge Enrique. El principio de seguridad juridica en el derecho administrative. In: VALIM,
Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Tratado sobre o princípio da
segurança jurídica no direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
23
Cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Justiça Eleitoral contramajoritária e soberania popular: a democrática vontade
das urnas e a autocrática vontade judicial que a nulifica. Revista Jurídica da Universidade do Sul de Santa Catarina,
ano 3, n. 7, jul./dez. 2013.
24
SALES, José Edvaldo Pereira. Conceitos jurídicos indeterminados no direito eleitoral: em busca de referenciais
(compromissos) hermenêuticos. Revista de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 4, n. 6, p. 98-104, jan./jun.
2012.
25
FERREIRA, Jorge. O golpe faz 50 anos. In: ALONSO, Angela; DOLHNIKOFF, Miriam (Org.). 1964 – Do golpe à
democracia. São Paulo: Hedra, 2015. p. 49.
26
“Art. 132. Não podem alistar-se eleitores: [...]. Parágrafo único. Não podem alistar-se eleitores as praças de pré,
salvo os aspirantes a oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de
ensino superior”.
da já revogada Lei Orgânica dos Partidos Políticos, em artigo clássico de José Carlos
Moreira Alves.27 Em suma, seriam os pressupostos de elegibilidade os requisitos aos
quais o cidadão deve atender para que possa disputar os pleitos, ao passo que as causas
de inelegibilidade seriam os impedimentos que, se não afastados pelo indivíduo que
atende aos pressupostos de elegibilidade, impedem sua participação na eleição ou
fundamentam a impugnação do mandato – se eleito.
Entretanto, fez-se indispensável reafirmar a distinção em virtude de o legislador
por vezes empregar “inelegibilidade” em seu sentido amplo, abarcando ali a ideia de
“elegibilidade”.28 Assim está, por exemplo, no caput do art. 2º da Lei Complementar
nº 64/1990, que fixa a competência da Justiça Eleitoral para “conhecer e decidir as
arguições de inelegibilidade”, e no art. 15, que prevê a negativa ou o cancelamento
de registro quando “transitada em julgada ou publicada decisão proferida por órgão
colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato”.
O Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre a questão quando do julgamento
das ações diretas de inconstitucionalidade nºs 1.057-MC/BA e nº 1.063-MC/DF, ambas
da relatoria do Ministro Celso de Mello. Ao apreciar dispositivos legais que dispunham,
respectivamente, sobre eleição indireta para governador e vice-governador no caso de
dupla vacância no último biênio do mandato e sobre o processo eleitoral de 1994, o
ministro relator destrinçou novamente a distinção entre as causas de inelegibilidade,
cuja previsão está no art. 14, §§4º a 7º, da Constituição e na Lei Complementar nº 64/1990,
e os pressupostos de elegibilidade, que estão arrolados no art. 14, §3º, da Constituição
da República.
Especificamente nesse ponto, o acórdão da ADI nº 1.063-MC/DF consignou:
27
ALVES, José Carlos Moreira. Pressupostos de elegibilidade e inelegibilidades. Estudos Eleitorais, Brasília, v. 11,
n. 2, maio/ago. 2016.
28
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 196.
29
ALVES, José Carlos Moreira. Pressupostos de elegibilidade e inelegibilidades. Estudos Eleitorais, Brasília, v. 11,
n. 2, maio/ago. 2016.
30
Não é autoaplicável o §9º do art. 14 da Constituição, com a redação da emenda constitucional de Revisão
nº 4/1994.
31
Sobre o processo legislativo que levou à promulgação da LC nº 135 e as inovações trazidas ao regime jurídico-
eleitoral das inelegibilidades, cf. SALGADO, Eneida Desiree; ARAÚJO, Eduardo Borges. Do Legislativo ao
Judiciário: a Lei Complementar nº 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), a busca pela moralização da vida pública e
os direitos fundamentais. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 13, n. 54,
out./dez. 2013. p. 124-131.
32
MARCHETTI, Vitor. O “Supremo Tribunal Eleitoral”: a relação entre STF e TSE na governança eleitoral
brasileira. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, ano 5, n. 20, out./dez. 2011. p. 170.
acórdão do Tribunal Superior Eleitoral para afastar a incidência da Lei da Ficha Limpa
ao pleito ocorrido no ano de sua promulgação, em atenção ao art. 16 da Constituição
de 1988: “Toda limitação legal ao direito de sufrágio passivo, isto é, qualquer restrição
legal à elegibilidade do cidadão constitui uma limitação da igualdade de oportunidades
na competição eleitoral”.
O Supremo Tribunal Federal, no RE nº 633.703/MG, evoluiu no entendimento
adotado por ocasião do RE nº 129.392/DF. Quando da promulgação da Lei Complementar
nº 64/1990, foi questionada a compatibilidade de seu art. 27, que determinava a entrada
em vigor da lei “na data da sua publicação” frente ao princípio da anterioridade
eleitoral. Contudo, o entendimento prevalecente foi o de que “cuidando-se de diploma
exigido pelo art. 14, §9º, da Carta Magna, para complementar o regime constitucional
de inelegibilidades, à sua vigência imediata não se pode opor o art. 16 da mesma
Constituição”.
No bojo das ADCs nºs 29 e 30 e da ADI nº 4.578, julgadas conjuntamente em
fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal consolidou seu posicionamento sobre a
natureza jurídica da inelegibilidade, ao tempo em que também consolidou divergências
internas em torno da aplicação retroativa de suas hipóteses –33 que assim permaneceram
até o julgamento do RE nº 929.670/DF, em outubro de 2017.
Relator das três ações, o Ministro Luiz Fux pontuou que as inelegibilidades nada
mais seriam do que a “imposição de um novo requisito negativo para que o cidadão possa
candidatar-se a cargo eletivo, que não se confunde com agravamento de pena ou com
bis in idem”. Em igual sentido, o Ministro Ricardo Lewandowski “rememorou inexistir
retroatividade, porquanto não se cuida de sanção, porém de condição de elegibilidade”.
Ao lado dos ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski, compuseram a frágil
maioria os ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ayres Britto, para
quem as causas poderiam incidir retrospectivamente. Saíram vencidos os ministros
Celso de Mello, Marco Aurélio, Cezar Peluso e Dias Toffoli.
O acórdão, no tocante à natureza das inelegibilidades, assim dispôs:
33
SALGADO, Eneida Desiree; ARAÚJO, Eduardo Borges. Do Legislativo ao Judiciário: a Lei Complementar
nº 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), a busca pela moralização da vida pública e os direitos fundamentais. A&C –
Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 13, n. 54, out./dez. 2013. p. 142.
34
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 189.
35
Cf. HECKMANN, Bernardo Henrique de Mendonça. A aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa sob a atual
jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e uma projeção do possível posicionamento do Supremo Tribunal
Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Revista do Tribunal Regional Eleitoral de
Pernambuco, Recife, v. 10, n. 1, dez. 2009. p. 13-16.
36
Trata-se do conceito de “governança eleitoral”, cujas atividades ocorrem no nível de formulação das regras,
aplicação das regras e adjudicação das regras. Cf. MOZAFFAR, Shaheen; SCHEDLER, Andreas. The comparative
study of electoral governance – Introduction. International Political Science Review, n. 23, 2002.
37
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. Dados – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, 2008. p. 884.
38
Embora o acórdão não tenha sido publicado, o voto do Ministro Luiz Fux foi disponibilizado no sítio eletrônico
do Supremo Tribunal Federal.
Com isso não se está a franquear que o legislador estaria apto a estabelecer, a seu talante,
sanções em franca inobservância das garantias constitucionais. Somente se admite esse
alargamento dos prazos de inelegibilidade porquanto se parte da premissa de que não se
está diante de sanções ou penalidades. A inelegibilidade consubstancia requisito negativo de
adequação do indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral.
39
“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à
eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
Parece-nos inaceitável, por exemplo, que a extensão dos prazos de inelegibilidade, sejam os
já encerrados ou aqueles ainda em curso, e já objeto de sentenças judiciais, possa conviver em
paz com os postulados do estado de direito. Esses casos configuram, de modo inequívoco,
salvo artifícios populistas e meramente retóricos, um claro exemplo de retroatividade de
lei nova para conferir efeitos mais gravosos a fatos já consumados.
40
Cf. WALDRON, Jeremy. Law and disagreement. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 227-231.
41
GODOY, Miguel Gualano. Devolver a Constituição ao povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais.
Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 88-113. Vide também: BATEUP, Christine. The dialogic promise: assessing the
normative potential of theories of constitutional dialogue. Brooklyn Law Review, New York, v. 71, 2006. p. 1.109.
42
GODOY, Miguel Gualano. Devolver a Constituição ao povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais.
Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 149-162.
43
MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 187.
44
MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 187.
45
GODOY, Miguel Gualano. Devolver a Constituição ao povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais.
Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 88-113. Vide também: MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais,
separação de poderes e deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 171.
46
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 5.
47
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 5.
48
FRAZÃO, Carlos Eduardo. A PEC do financiamento empresarial de campanhas eleitorais no divã: a
constitucionalidade material à luz da teoria dos diálogos institucionais. Revista Brasileira de Direito Eleitoral, Belo
Horizonte, v. 7, n. 12, jan./jun. 2015. p. 50.
49
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 5.
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50
GODOY, Miguel Gualano. Devolver a Constituição ao povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais.
Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 165-166.
51
GODOY, Miguel Gualano. Devolver a Constituição ao povo: crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais.
Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 165-166. Vide também: MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais,
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BRUNO GALINDO
a) Democracia não é somente governo da maioria (esta pode governar de maneira tirânica),
mas aquele regime em que os governantes podem ser dispensados pelos governados sem
derramamento de sangue (possibilidade real de mudança pacífica e institucional);
b) Regimes políticos são variações das democracias (sociedades abertas) e das tiranias
(sociedades fechadas);
c) Única mudança legal previamente excluída é aquela que possa abalar profundamente
ou abolir a democracia;
d) Proteção às minorias como regra geral (há exceções como os violadores da lei e os
ativistas antidemocráticos);
e) Destruição da democracia implica destruição dos demais direitos (apesar de possíveis
e temporárias vantagens econômicas e sociais);
f) Apresentação de precioso campo de batalha para a realização de reformas sociais sem
violência. (POPPER, 2001, p. 129-133)
Falta, contudo, em sua teoria política, contornos mais claros acerca dos diferentes graus
de democracia e de autoritarismo existente na diversidade de experiências políticas,
tentativa esta que parece especialmente mais explorada no trabalho de Szmolka Vida,
debatido adiante.
(continua)
Dimensões
Democracia plena Autoritarismo fechado
analíticas
1
Expressão de origem norte-americana que designa a prática de métodos controversos de definição de distritos
eleitorais com a finalidade de, através disso, obter vantagens políticas para o próprio partido ou coalizão em
detrimento dos demais. A referência principal diz respeito à eleição pelo voto distrital majoritário na qual a
prática do gerrymandering pode ser decisiva no pleito (BBC NEWS, 2004).
(continua)
Dimensões
Democracia plena Autoritarismo fechado
analíticas
2
“El control del territorio por el Estado define a las democracias plenas pero no a los autoritarismos cerrados
puesto que también en estos últimos se produce normalmente el control territorial por el poder. Esto mismo
ocurre con la capacidad de dar respuesta a las demandas básicas de los ciudadanos, que puede ser llevado a cabo
por el régimen autoritario” (SZMOLKA VIDA, 2010, p. 124).
(conclusão)
Dimensões
Democracia plena Autoritarismo fechado
analíticas
3
“En relación con la libertad religiosa consideramos que se trata de una libertad indispensable para definir un
régimen como democrático, sin embargo, creemos que los regímenes autoritarios pueden permitir su ejercicio,
por lo que no resulta una condición definitoria en esta categoría” (SZMOLKA VIDA, 2010, p. 123-124).
Szmolka Vida estipula esses polos opostos para precisar os regimes políticos
híbridos, propondo uma gradação a partir de pontos quantitativos que caracterizariam um
regime como mais próximo à democracia ou ao autoritarismo, servindo principalmente
à compreensão do hibridismo político do qual fala. Essa gradação, exposta no quadro
a seguir, será útil para fazermos uma aproximação das dimensões simbólicas e fáticas
do constitucionalismo no regime autoritário, compreendendo melhor as contribuições
de Loewenstein e Neves que adiante discutiremos.
Neste quadro, a autora estabelece uma pontuação maior aos caracteres mais
próximos à democracia plena e menor aos mais aproximados ao autoritarismo fechado,
operacionalizando mais precisamente a caracterização dos regimes políticos (SZMOLKA
VIDA, 2010, p. 126-129).
(continua)
Dimensões Variáveis Pontuações
analíticas
(continua)
Dimensões Variáveis Pontuações
analíticas
Exercício do direito 4. Não existem exclusões no direito ao voto dos adultos, seja em relação ao
ao voto sexo, raça, grupo étnico, propriedade, educação etc.
3. Podem existir demandas da sociedade de diminuição da idade para exercer
o direito ao voto ou se produzirem algumas irregularidades administrativas
na elaboração dos censos eleitorais.
2. Existe algum grupo social excluído do exercício do direito ao voto.
1. Não se realizam eleições pluralistas ou não estão previstos mecanismos
de representação legitimados pela cidadania.
(continua)
Dimensões Variáveis Pontuações
analíticas
Agentes que 3. Ausência de agentes que decidem em nome do Estado não sujeitos à
decidem emnome responsabilidade política.
do Estado 2. Em que pese a existência de um governo surgido direta o indiretamente
não sujeitos à através das urnas, agentes não sujeitos à responsabilidade política
responsabilidade influenciam a tomada de decisões: potências estrangeiras, exército,
política serviços de segurança, elites econômicas, grupos religiosos, grupos étnicos
(determinadas tribos, p. ex.).
1. A tomada de decisões é feita por agentes não legitimados e não sujeitos à
responsabilidade política no marco de sistemas políticos não pluralistas.
(conclusão)
Dimensões Variáveis Pontuações
analíticas
Proteção legal e 4. Ampla proteção legal e judicial dos cidadãos contra os abusos cometidos
judicial contra os pelo Estado ou terceiros.
abusos cometidos 3. Reconhecimento do império da lei, ainda que como princípio não
pelo Estado ou necessariamente efetivo.
terceiros 2. Referência apenas formal ao império da lei, ineficácia deste princípio
pela insegurança jurídica dos cidadãos no marco de sistemas políticos
pluralistas.
1. Abusos contínuos cometidos pelo Estado ou terceiros sem que exista
proteção legal ou judicial no marco de sistemas políticos não pluralistas.
1
O célebre professor da Universidade de Freiburg e também juiz do Tribunal Constitucional Federal
(Bundesverfassungsgericht) alemão explica seu conceito de vontade da constituição nesses termos: “Mas, a força
normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição
jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individuelle
Beschaffenheit der Gegenwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas.
A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição
de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos
e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem.
Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na
consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não
só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Essa vontade
de Constituição origina-se de três vertentes diversas. Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de
uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside,
igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos
(e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação). Assenta-se também na consciência
de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso
da vontade humana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade. Essa vontade tem
conseqüência porque a vida do Estado, tal como a vida humana, não está abandonada à ação surda de forças
aparentemente inelutáveis. Ao contrário, todos nós estamos permanentemente convocados a dar conformação
à vida do Estado, assumindo e resolvendo as tarefas por ele colocadas. Não perceber esse aspecto da vida do
Estado representaria um perigoso empobrecimento de nosso pensamento. Não abarcaríamos a totalidade desse
fenômeno e sua integral e singular natureza. Essa natureza apresenta-se não apenas como problema decorrente
dessas circunstâncias inelutáveis, mas também como problema de determinado ordenamento, isto é, como um
problema normativo” (HESSE, 1991, p. 19-20).
2
Aqui cabe um esclarecimento: Loewenstein utiliza expressamente o termo “constituição semântica”. Todavia,
Marcelo Neves tece crítica ao adjetivo usado pelo professor alemão, considerando que o uso do termo em sua
classificação destoa bastante do seu significado habitual. Daí Neves propor o adjetivo instrumentalista para
caracterizar essas constituições, partindo da ideia de que elas sejam meros instrumentos dos detentores do
poder. Não sendo objetivo deste trabalho entrar em tal debate, utilizo indistintamente as duas expressões. Mais
detalhes, cf. Neves (2007, p. 109).
com as pontuações mais altas nas dimensões analíticas preconizadas por Szmolka Vida.
Os primeiros – em verdade, apenas um – a partir do debate sobre a imparcialidade dos
julgadores, em torno da Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 194.358 (julgamento
da chapa presidencial Dilma Rousseff/Michel Temer no TSE); os últimos, as cassações de
diploma dos mandatos dos governadores Cássio Cunha Lima (Paraíba) e Jackson Lago
(Maranhão) em 2009, envolvendo a possibilidade de substituição da vontade popular
soberana pela decisão de uma Corte Eleitoral.3
A questão da imparcialidade dos julgadores é uma temática historicamente
presente no debate constitucional e processual, mas tem se acentuado nos últimos
tempos, talvez em razão da excessiva exposição midiática de juízes, desembargadores e
ministros de cortes superiores, face a fenômenos como o ativismo judicial, a judicialização
da política e mesmo a politização do Judiciário, com um protagonismo institucional
provavelmente inédito no Brasil.
Inúmeras variáveis podem comprometer a imparcialidade do julgador, daí a
existência de regramento processual específico em relação a situações de impedimento
e suspeição, como no Código de Processo Civil/2015, arts. 144 a 148. Para além disso, a
preocupação com aspectos que possam comprometer a imparcialidade do magistrado
ganha novos contornos diante de situações não expressamente previstas na legislação
processual, mas que não são aceitáveis em um exame mais acurado de comportamentos
comprometedores por parte do julgador que possam vir a macular não apenas a decisão
em si, mas a imagem social de isenção e equidistância das partes que deve ter uma corte
judicial e seus membros.4
No caso escolhido, a questão da imparcialidade do julgador ganhou uma conside
rável visibilidade dado o comportamento controverso do Ministro Gilmar Mendes,
então presidente do TSE.
Como destaquei em outra oportunidade, a história da Ação de Investigação
Judicial Eleitoral nº 194.358 é razoavelmente conhecida. Consiste na junção de várias ações
eleitorais de iniciativa do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e da Coligação
Muda Brasil, que alegavam fundamentalmente a ocorrência de abuso de poder econô
mico e político por parte dos vencedores do pleito de 2014. A então Ministra Relatora,
Maria Thereza de Assis Moura, em fevereiro de 2015, chegou a negar seguimento à
3
É verdade que há questões que escapam ao direito eleitoral, como exemplo, o mecanismo do impeachment como
forma de responsabilização do governante. Recentemente passamos por um processo dessa natureza em relação
à Ex-Presidente Dilma Rousseff, processo profundamente controverso e cujas acentuadas críticas vão desde
a inexistência de justa causa para a condenação (ausência de crime de responsabilidade) até a deturpação da
soberania popular expressa nas urnas através de uma manobra parlamentar que termina por se assemelhar
ao voto de desconfiança parlamentarista em um sistema que não o concebe, ocasionando um impedimento
presidencial à revelia da Constituição, posição com a qual comungo (GALINDO, 2016; GALINDO, 2017b).
4
É relevante notar que em países com Estados Democráticos de Direito mais consolidados que o nosso, a
preocupação com a própria “aparência de imparcialidade” é levada profundamente a sério a ponto de ter sido
fundamento para o afastamento de magistrados das mais altas cortes em casos relevantes. Destaquem-se os casos
do Juiz Pablo Pérez Tremps, no Tribunal Constitucional da Espanha (Sentencia ATC 26/2007), cuja recusación foi
aceita pela Corte em razão de Pérez Tremps ter elaborado parecer jurídico sobre a mesma questão a pedido do
Instituto de Estudos Autônomos do Governo da Catalunha, e o do Lord Hoffman, no então Comitê de Apelação
da Câmara dos Lordes britânica (o equivalente à Suprema Corte do Reino Unido até a década passada), quando
foi considerado pelos seus pares impedido de participar do julgamento do pedido de extradição do ex-ditador
chileno Augusto Pinochet, em 1999, diante dos vínculos que a sua (do Lord Hoffmann) esposa possuía com a
Anistia Internacional, que demonstrara interesse no caso (CARVALHO, 2017, p. 259 e ss.; ROBERTSON, 2000,
p. 25-31; GRANT, 2000, p. 41 e ss.; CATLEY; CLAYDON, 2000, p. 63 e ss.).
5
Sobre a crítica processual, fundamental a leitura de Streck e Costa (2017).
6
Cf. Schreiber (2016; 2017); Franco (2016); Uribe (2017); Sadi (2017); Temer... (2017); Dias e Uribe (2017).
7
Cf. Mota (2017) e Garcia (2017).
8
“Segundo análise de Luciana Gross Cunha os principais problemas do Judiciário na percepção da população
são: o tempo de resolução dos conflitos, o alto custo do acesso, a desonestidade e a parcialidade da instituição
e sua deficiente capacidade para resolver os conflitos, nessa ordem. Sobre estes pontos, o último relatório do
Índice de Confiança na Justiça Brasileira, publicado pela FGV em setembro de 2015, com dados de 2014, mostra
que 70% do universo dos entrevistados não confia no sistema de justiça. Comparativamente, entre 11 instituições
pesquisadas, o Judiciário foi o 8º colocado, à frente apenas dos partidos políticos, do Congresso e do governo.
O estudo mostra ainda que quanto menor a renda menor é a confiança no funcionamento da justiça, registrando
que o acesso é maior quanto maior o grau de instrução e rendimento. A gradual queda de confiança no Poder
Judiciário também pode ser observada no indicador divulgado pela Latinobarómetro. Na pesquisa realizada em
2015 em que foram ouvidas 1250 pessoas, apenas 1% delas avaliaram a atuação da justiça como muito boa; 28%
como boa; 42% como ruim e 17% muito ruim, o pior resultado da série desde 2006” (CARVALHO, 2017, p. 333).
9
TSE. RO nº 317341920076000000/PB 212912007. Rel. Min. Marco Aurélio Mello. DJe, 19 maio 2009.
10
TSE. RCED nº 671/MA. Rel. Min. Eros Grau. DJe, 3 mar. 2009.
11
STF. ADI nº 4.298. Rel. Min. Cezar Peluso. DJe, 27 nov. 2009; STF. ADI nº 3.549. Rel. Min. Cármen Lúcia. DJe,
30 out. 2007.
12
“Art. 77. [...]. §2º Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a
maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos”.
Não custa lembrar que mesmo as mais ferrenhas ditaduras tiveram e têm processos
eleitorais, plebiscitos e referendos que, no entanto, servem basicamente para legitimar
o poder estabelecido como aparentemente democrático, enquanto a prática política é
essencialmente autoritária. E é a isso que o direito eleitoral não deve servir, devendo
preservar sua associação com o princípio democrático, sendo instrumento de consagração
da soberania popular no campo da disputa eleitoral.
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Técnicas (ABNT):
LUIZ FUX
1
No mesmo sentido, FRAZÃO, Carlos Eduardo. Por um direito eleitoral constitucional. In: CARVALHO NETO,
Tarcísio Vieira de; FRAZÃO, Carlos Eduardo; NAGIME, Rafael. Direito eleitoral contemporâneo: estudos em
homenagem ao Ministro Luiz Fux. No prelo.
entre essa novel axiologia e o direito eleitoral, e a necessidade de ampla revisão de seus
fundamentos teóricos e normativos. O item 5.3 é dedicado aos pilares do novo direito
eleitoral constitucionalizado. Erigimos três vetores: a liberdade de expressão, a soberania
popular e a proporcionalidade/razoabilidade. No item 5.4, as conclusões.
2
SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: SARMENTO, Daniel
(Org.). Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 113-146. Sobre o tema,
cf. CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003.
3
BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
como limite jurídico à atuação dos poderes instituídos, cujas disposições seriam dotadas
de imperatividade, força cogente e caráter vinculante.4
Em segundo lugar, e paralelamente a esse fenômeno, houve a expansão e o forta
lecimento da judicial review, notadamente após a derrocada dos regimes nazifascistas.
De fato, as barbáries perpetradas durante o estado de exceção na Itália e, sobretudo, na
Alemanha evidenciaram que o legislador também pode ser cúmplice das atrocidades
cometidas sob a égide de um Estado de Direito meramente formal. Não por outra razão,
viu-se necessária a criação de mecanismos mais eficazes de tutela de direitos funda
mentais, alteando-se a dignidade da pessoa humana a epicentro axiológico da nova
ordem jurídica pós-Segunda Guerra. Precisamente por isso, confiou-se a Tribunais e
Cortes Constitucionais a tarefa de fiscalizar a conformidade, formal e material, de leis
e atos normativos com as Leis Fundamentais. Transmuda-se, assim, o paradigma do
primado da lei para o da supremacia da Constituição.
Em terceiro lugar, a cultura jurídica também passou por profundas transforma
ções, mediante a valorização dos princípios constitucionais. De simples comandos de
integração de lacunas, os princípios passam a ser compreendidos como espécies de
normas jurídicas, tal como as regras, podendo ser invocados, direta e imediatamente,
para o deslinde das controvérsias jurídicas. Eis o efeito dessa mudança: o significativo
aumento do espaço de atuação do intérprete/aplicador, que se viu obrigado a operar
com as disposições constitucionais, dotadas de supremacia formal e material, muitas
delas caracterizadas de elevada vagueza e abstração semântica.
Justamente pela elevada carga axiológica dos princípios, sua aplicação teve outro
efeito prático no mundo jurídico: propiciara a reaproximação entre o Direito e a moral.
Esse retorno do Direito aos valores – conhecido como virada kantiana – teve sua origem
com a derrocada dos regimes totalitários após a Segunda Guerra, já mencionada anterior
mente, e com a reflexão crítica por parte dos juristas acerca das atrocidades perpetradas
pelo regime nazista.5
Por fim, esse reconhecimento do caráter normativo dos princípios repercutiu na
própria metodologia do Direito. Deveras, a aplicação mecanicista, ínsita à Escola da
Exegese francesa, cede terreno para métodos mais fluidos, mais abertos e menos ortodoxos
no equacionamento das questões jurídicas (e.g., a tópica, a ponderação de interesses). Para
bem ou para o mal, esse novo arranjo franqueia ao Poder Judiciário, em geral, e aos juízes,
em particular, amplas possibilidades decisórias, tornando-os poderosos players dentro
das dinâmicas interinstitucionais nas democracias constitucionais contemporâneas, na
medida em que operacionalizar normas vagas e abstratas confere maior plasticidade e
dinamismo ao ordenamento jurídico, de sorte a atender à evolução de uma sociedade
plural e a acomodar interesses variados dos seus muitos atores.
É nesse quadro que emerge a necessidade de uma constitucionalização do direito,
em sua dupla faceta: de um lado, o fenômeno se dá mediante a incorporação, nos textos
4
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: S.A.
Fabris, 1991.
5
Sobre a reaproximação do Direito com o mundo dos valores confira-se NINO, Carlos Santiago. Etica y derechos
humanos. 2. ed. Buenos Aires: Astrea, 1989, p. 3 e ss.; BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos
do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: ______ (Org.).
A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 1-49.
6
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: contribuindo para uma dogmática jurídica emancipatória. Porto
Alegre: S.A. Fabris, 1999.
7
Este tópico é inspirado em palestra proferida pelo Ministro Luiz Fux no âmbito de debate realizado no Centro de
Estudos Constitucional do UniCeub, ocorrido em 23.10.2014, cujo paper fora distribuído a todos os participantes.
8
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social.
Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 237 e ss.
9
KOATZ, Rafael Lorenzo-Fernandes. As liberdades de expressão e de imprensa na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal. In.: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Direitos fundamentais no Supremo
Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 385.
10
FARIAS, Edilsom Pereira de. Liberdade de expressão e comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004, p. 63, 74.
inato direito de expor livremente suas ideias e de ouvir tão somente as informações e
ideias que quiserem. Cuida-se, verdadeiramente, de reconhecer a liberdade de expressão
como a própria expressão do homem, enquanto “dotado de direitos naturais ínsitos à
existência humana”.11 Nesta faceta, a liberdade de expressão se afigura como exteriori
zação do princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana e garantia do próprio
desenvolvimento da personalidade do indivíduo. Não por outra razão, Thomas Scanlon
afirma que a proteção da liberdade de expressão se justifica precipuamente na circuns
tância de que a realização individual depende da interação de experiências e concepções
entre os membros de dada comunidade política.12
Em estrita sintonia com uma concepção libertária dos direitos (i.e., que visualiza
os indivíduos como agentes morais autônomos), o viés substantivo parte do pressuposto
de que os indivíduos são suficientemente capazes de filtrar as informações e ideias
e formar um juízo de valor livre e independente, de modo a definir suas próprias
escolhas.13 Justamente por isso, os adeptos dessa perspectiva repudiam qualquer forma
de censura no conteúdo veiculado, máxime porque incompatível com a autonomia de
cada cidadão e porque fomentaria o (pernicioso) controle do Estado sobre o discurso
público.14 Ao Estado e seus órgãos e agentes seria defeso estabelecer a agenda que será
debatida na esfera pública e, menos ainda, valorar as opiniões individuais. Ao revés, se
fosse franqueada aos agentes estatais tal faculdade, tolher-se-ia a livre manifestação de
teses contrárias àquelas defendidas pelo Governo.
Outra perspectiva igualmente relevante nesta temática é aquela defendida
pela teoria democrática (ou instrumental,15 ou objetiva16), cujo precursor foi Alexander
Meiklejohn. Para ele, o discurso público somente seria protegido contra regulações aptas
a comprometer a higidez das instituições democráticas.17 Todavia, indigitada proteção
ancorar-se-ia no fato de a liberdade de expressão ser um instrumento para a salvaguarda
de outros valores albergados constitucionalmente, e não um direito moral em si consi
derado. Nesse viés, a liberdade de expressão deveria promover outras liberdades
(e.g., política ou religiosa) ou a própria democracia. Como se percebe, também aqui
a liberdade de expressão goza de elevada proeminência, reclamando, bem por isso,
e igualmente, tutela reforçada do Estado. Sem embargo, adverte Meiklejohn, o papel
assumido pelo Estado seria o de moderador neutro do debate público, de maneira a
atuar, nas sempre precisas palavras de Gustavo Binenbojm, como “curador de qualidade
11
CALAZANS, Paulo Murillo. A liberdade de expressão como expressão da liberdade. In: VIEIRA, José Ribas
(Org.). Temas de constitucionalismo e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 82.
12
SCANLON, Thomas. A Theory of Freedom of Expression. In: DWORKIN, Ronald (Ed.). The Philosophy of Law.
Oxford: Oxford Univesity Press, 1977, p. 153 e ss.
13
DWORKIN, Ronald. Why Speech Must Be Free? In: ______. Freedom’s Law: The Moral Reading of the American
Constitution. Cambridge: Harvard Univesity Press, 1996, p. 200.
14
POST, Robert. Constitutional Domains. Cambridge: Harvard University Press, 1995, p. 268-331.
15
KOATZ, Rafael Lorenzo-Fernandes. As liberdades de expressão e de imprensa na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Direitos fundamentais no Supremo
Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 385.
16
FARIAS, Edilsom Pereira de. Liberdade de expressão e comunicação: teoria e proteção constitucional. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004, p. 63, 74.
17
É conhecida a frase cunhada por Alexander Meiklejohn, ilustrativa da perspectiva instrumental: “o essencial
não é que todos falem, mas que o que merece ser dito seja dito” (MEIKLEJOHN, Alexander. Political Freedom:
The Constitutional Powers of the People. New York: Harper, 1960, p. 25-28).
do debate público”.18 Daí a razão pela qual “[a proteção da liberdade de expressão se
explica] não porque ele é uma forma de auto-expressão, mas porque ele é essencial à
autodeterminação coletiva”.19
Dita teoria se alinha à existência de um livre “mercado de ideias”, tal como sus
tentado por Oliver Wendell Holmes, no voto dissidente proferido em Abrams v. United
States, julgado pela Suprema Corte norte-americana em 1919.20 Nesse ambiente, o auto
governo ínsito ao ideário democrático demandaria a intensa rede de troca de infor
mações e embate de teses e ideias, em que os cidadãos poderiam veicular as diferentes
cosmovisões, de maneira a reciprocamente influenciarem-se.
A terceira corrente também outorga à liberdade de expressão um papel instru
mental. Sucede que, nesta faceta, a liberdade de expressão não desempenharia o papel
de promoção de outras liberdades ou da democracia, mas se prestaria à identificação
da verdade. Ela foi desenvolvida pelo filósofo do pensamento utilitarista inglês John
Stuart Mill (1806-1873), reputado como pai do liberalismo moderno. Em seu ensaio sobre
A liberdade,21 de 1859, Stuart Mill defendeu que o governo não pode restringir a liberdade
de expressão, mesmo que essa seja a vontade da opinião pública.
O que justifica a proteção da liberdade de expressão, nessa vertente, é o fato de
ela produzir, ao menos idealmente, bons resultados para a sociedade, máxime porque
existem consideráveis chances de se atingir a verdade, bem como de se amainar a veicu
lação de informações inverídicas ou inidôneas.
Além de consubstanciarem direito moral, aludidas liberdades também se justifi
cam no fato de serem um instrumento para a salvaguarda de outros valores e liberdades
jusfundamentais, como a liberdade religiosa, a política e a própria estabilidade das
instituições democráticas. Neste pormenor, sem que haja liberdade de expressão e
de informação e sem que seja franqueada ampla possibilidade de debate de todos os
assuntos relevantes para a formação da opinião pública, não se há de cogitar de verda
deira democracia. Não por outra razão, Robert Dahl defende que a caracterização de
uma sociedade verdadeiramente democrática não exige apenas eleições livres, justas
e frequentes, cidadania inclusiva e autonomia para as associações, como os partidos
políticos, mas também e, sobretudo, respeito à liberdade de expressão e de fontes de
informação diversificadas.22
Do ponto de vista prático, conquanto inexista hierarquia formal entre normas
constitucionais, é possível advogar que tais cânones jusfundamentais atuam como verda
deiros vetores interpretativos no deslinde de casos difíceis (hard cases), por se situarem
18
BINENBOJM, Gustavo. Pluralismo e democracia deliberativa: as liberdades de expressão e de imprensa nos
Estados Unidos e no Brasil. Revista da EMERJ, v. 6, nº 23, 2003, p. 364.
19
FISS, Owen M. A ironia da liberdade de expressão: estado, regulação e diversidade na esfera pública. Tradução
de Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 30. No mesmo
sentido, SUNSTEIN, Cass R. Democracy and the Problem of Free Speech. New York: Free Press, 1995; MICHELMAN,
Frank. Relações entre democracia e liberdade de expressão: discussão de alguns argumentos. In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). Direitos fundamentais, informática e comunicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 49
e ss.
20
250 U.S. 616 (1919).
21
O livro constitui um dos marcos teóricos mais importantes de justificação da liberdade de expressão. No original,
On Liberty. O título do livro também é frequentemente traduzido para o português como Da liberdade ou Sobre a
liberdade.
22
DAHL, Robert. Sobre a democracia. Brasília: Editora UnB, 2001, p. 99 e ss.
23
BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão versus direitos da personalidade: colisão de direitos
fundamentais e critérios de ponderação. In: ______. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
t. III, p. 105-106.
24
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
25
OSÓRIO, Aline. Liberdade de expressão e direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 79.
26
BINENBOJM, Gustavo. Pluralismo e democracia deliberativa: as liberdades de expressão e de imprensa nos
Estados Unidos e no Brasil. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003.
27
TSE, REspe nº 5124, rel. Min. Luiz Fux.
28
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003,
p. 2292.
29
POST, Robert; SIEGEL, Reva. Roe Rage: Democratic Constitutionalism and Backlash. Disponível em: <www.
papers.ssrn.com/abstract=990968>. Acesso em: 30 mar. 2018.
30
A doutrina eleitoral trata os indigitados princípios de forma apartada. Ver GOMES, José Jairo. Direito eleitoral.
11. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 57-58. A nosso ver, inexiste diferença substancial no conteúdo jurídico entre os
princípios da moralidade, da probidade e da ética no âmbito eleitoral, razão por que serão tratados no mesmo
tópico.
31
Em sede doutrinária, averbamos que “subjacente a este posicionamento reside a premissa segundo a qual a
Justiça Eleitoral, após o resultado das urnas, não pode se arvorar como o 3º turno dos pleitos, substituindo a
preferência do eleitorado, titular que é da soberania, por escolhas pessoais, sem que se constatem violações
contundentes e incontestes ao ordenamento eleitoral” (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas
do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 116).
32
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2011, p. 116. Extraem-se doutrinariamente outros fundamentos: cláusula do devido processo legal substantivo
(BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995); cláusula do
Estado de Direito (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2016; e
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003,
p. 266-273); cláusula de abertura aos direitos fundamentais, ex vi do art. 5º, §2º, da CRFB/88 (DIMOULIS, Dimitri;
MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 193).
33
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros,
2011, p. 178-182.
34
ALEXY, Robert. On Balancing and Subsumption: a Structural Comparison. Ratio Juris, Oxford, v. 16, nº 14, Dec.
2003, p. 436. Tradução livre do original.
35
O leading case, em que se reconheceu a dimensão de proteção deficiente, ocorreu em 1974, quando o Tribunal
Constitucional Federal alemão reconheceu a inconstitucionalidade de lei que legalizara o aborto nos primeiros
três meses de gestação (BVerfGE 39, 1). Para o Tribunal, o legislador alemão, ao legalizar o aborto, não salvaguar
dou suficientemente a vida do feto, de ordem que poderia, nas palavras da Corte, dar azo à obrigação de crimi
nalização da conduta atentatória ao direito à vida, se os outros instrumentos não se revelassem suficientes para
a sua tutela. Aludido precedente foi superado em 1993, na decisão conhecida como Aborto II (BVerfGE 88, 3).
36
SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de
trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 481.
37
SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a
proibição do excesso e de insuficiência. Revista da AJURIS, Porto Alegre, ano 32, n. 98, 2005.
38
Lei das Eleições. “Art. 11. (...)
(...)
§ 10. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização
do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro
que afastem a inelegibilidade”.
39
Diversos juristas de elevada estirpe não traçam a diferenciação. Ver BARROSO, Luís Barroso. Curso de direito
constitucional contemporâneo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 340; BARROS, Suzana de Toledo. O princípio
da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília
Jurídica, 2003, p. 67-72. As jurisprudências do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral também
sustentam a equivalência entre os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Cf., neste sentido, por
exemplo, STF – MC-ADI nº 1.753, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ 12.06.1998.
40
Cf. TRIBE, Laurence. American Constitutional Law. Foundation Press, 1978, p. 553-586 e 1.302-1.435.
41
QUIROGA LAVIÉ, Humberto. Curso de derecho constitucional. Buenos Aires: Depalma, 1985, p. 41 e ss.
42
SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de
trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 485.
que ensejam a desaprovação das contas apuradas pelas Cortes Regionais se verificam
em patamares diminutos.
Ilustrativamente, no AgR-AI 54.039,43 aduzi que, conquanto estivesse em conso
nância com a razoabilidade interna, porquanto “exist[isse] vínculo lógico entre os motivos
determinantes do decisum [hostilizado] (i.e., ausência de comprovação da origem dos
recursos próprios aplicados), a própria medida (i.e., a desaprovação das contas) e a
finalidade por ela almejada (i.e., coibir o abuso de poder econômico e manter a lisura
e o equilíbrio do processo eleitoral)”, a desaprovação das contas pela Corte Regional
fluminense por doação estimável em dinheiro de R$ 300,00 desafiaria a razoabilidade
externa, de vez que não se afigura consentânea com a axiologia constitucional e com o
Estado Democrático de Direito, que, dentre outros princípios, tem na boa-fé objetiva
um dos pilares centrais, e o recorrente, ao prestar as contas, efetivamente não pretendeu
ludibriar a fiscalização da Justiça Eleitoral.
Na mesma toada, tenho asseverado que, em feitos atinentes à análise de contas, a
incidência dos princípios da razoabilidade reclama uma dupla avaliação: (i) exiguidade,
em termos nominais e absolutos, dos valores que ensejaram a irregularidade; e (ii) exiguidade,
em termos percentuais, dos valores cotejados com o montante arrecadado e despendido
nas campanhas. Tomando como base referidos parâmetros, já consignei que, “[ante]
as falhas apontadas na prestação de contas pela unidade técnica, a não comprovação
de despesas e a aplicação inadequada de recursos do Fundo Partidário, além de serem
meramente formais, alcançaram apenas 1,02% daqueles recursos – no montante de
R$ 84.198,82 (oitenta e quatro mil, cento e noventa e oito reais e oitenta e dois centavos)”.44
Outra categorização do princípio da razoabilidade é encontrada na obra de
Humberto Ávila, Teoria dos princípios. Para Ávila, indigitado princípio seria desmembrado
em: (i) razoabilidade como equidade; (ii) razoabilidade como congruência; e (iii) razoa
bilidade como equivalência. Como equidade, exigiria a adaptabilidade dos comandos
gerais às peculiaridades do caso concreto, sempre que se verificar sua extrapolação
da normalidade de suas hipóteses de incidência, de forma a produzir uma incidência
injusta da disposição. Como congruência, impõe a existência de relação harmônica entre
as normas e as suas condições externas de aplicação, de maneira que o legislador não
se lastreie em premissa fática inexistente ou desafie a “natureza das coisas”. Por fim,
como equivalência, reclama-se a indispensável proporção entre a medida adotada e o
critério que a dimensiona.45
Na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, já utilizei a formulação teórica
de Ávila, notadamente a acepção de razoabilidade como equivalência, para determinar
a aprovação de contas de candidatos, haja vista a desproporção entre a medida adotada
(i.e., desaprovação das contas) e o critério que a dimensionava (i.e., aplicação de 7% de
recursos repassados pela agremiação decorrentes de fontes vedadas).46
Em conclusão, o princípio da razoabilidade, em sua acepção de equivalência, impõe a
análise econômica das irregularidades contábeis, coadjuvada pelo elemento subjetivo do
loso, e, bem por isso, desautoriza a conclusão a que chegou o aresto recorrido, na medida
em que se verifica a desproporção entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.
43
TSE – AgR-AI 54.039, rel. Min. Luiz Fux, DJe 30.09.2015.
44
TSE – PC 96960, rel. Min. Luiz Fux, DJe 30.09.2015.
45
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, p. 153-162.
46
TSE – REspe 86348, rel. Min. Luiz Fux, DJe 15.03.2016.
5.4 Conclusões
Com este breve ensaio, pretendemos lançar algumas luzes a respeito da necessi
dade de reinterpretar os institutos e categorias eleitorais à luz da axiologia constitucional,
e ainda extremamente estranhas no âmbito eleitoral, e que podem fornecer valiosas
contribuições no equacionamento das questões jurídicas que se apresentam.
A nosso sentir, o direito eleitoral precisa urgentemente apostar na liberdade,
sem receios ou temores injustificados, de sorte a abandonar o que intitulamos de direito
eleitoral do inimigo ou da proibição. A legislação eleitoral, ainda nos dias atuais, desconfia
da liberdade e empresta excessivo peso à igualdade de chances. É chegada a hora de
inverter esse paradigma. A liberdade ostenta uma posição preferencial na ordem jurídica,
em geral, e na seara eleitoral, em particular, apresentando-se como filtro hermenêutico
por meio do qual a legislação infraconstitucional deve ser interpretada. E, diante de um
panorama de redução das campanhas eleitorais, potencializar o alcance das liberdades,
em especial a de expressão, pode reequilibrar a competição eleitoral, abrandando a
assimetria existente entre os players e maximizando as chances de renovação política.
Além disso, o intérprete deve buscar soluções que acomodem, sempre que possí
vel, os postulados da soberania popular e da moralidade. Acreditamos que um bom
standard é aquele que, durante a fase de registro de candidaturas, assegura maior peso
relativo à moralidade, ante o que preconiza o art. 14, §9º, da Lei Fundamental, segundo
o qual as inelegibilidades devem levar em consideração a vida pregressa do candidato.
Ultrapassado o obstáculo da Lei das Inelegibilidades, o mandamento nuclear que passa
a presidir o equacionamento das controvérsias deve ser a soberania popular: expungir
um candidato ficha limpa da titularidade do mandato requer um ônus argumentativo
mais elevado daqueles que impugnam o mandato, mediante a comprovação de ilícitos
eivados de extrema gravidade e aptos a comprometer, sobremodo, a legitimidade e a
normalidade das eleições.
Por fim, reputamos que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade têm
espaço central no deslinde das controvérsias eleitorais e na releitura de seus institutos.
Os filtros da proporcionalidade e da razoabilidade, cada qual aplicado à luz de suas ca
racterísticas internas, evita a incidência de sanções demasiado gravosas e inidôneas, as
quais poderiam ensejar indesejada e perniciosa ingerência na escolha legítima das urnas
ou mesmo impedir candidaturas legítimas. Ademais, cientes de que todos os arranjos
normativos em âmbito político-eleitoral são subótimos, referidas disposições permitem
conclusões mais justas e equânimes para celeumas complexas, de modo a conferir maior
plasticidade ao ordenamento eleitoral.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Revisitando o direito eleitoral: direitos fundamentais, democracia
e o novo constitucionalismo. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de
Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum,
2018. p. 93-108. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
A DEMOCRACIA E A RESTRIÇÃO
AOS DIREITOS POLÍTICOS
NÉVITON GUEDES
1
O presente capítulo baseia-se, essencialmente, em ideias por mim divulgadas na Revista Consultor Jurídico, na
coluna Constituição e Poder, do dia 17.9.2012.
2
DAHL, Robert. Sobre a democracia. Brasília: UnB, 2009. p. 47 ss.
escolha possível. Essa desconfiança, por óbvio, não se pode manifestar abertamente
por autoridades públicas, porquanto absolutamente contrária aos desígnios da nossa
democrática Constituição de 1988. Mas, fora dos acontecimentos oficiais, escuta-se aqui
e ali que uma intervenção judicial nas eleições é benéfica para o Brasil, pois o eleitor
não sabe votar.
Aliás, a desconfiança com o eleitor comum sequer é nova e se insere numa
vetusta tradição em que se busca contrapor as supostas misérias da democracia, na qual
prepondera o cidadão comum, às supostas qualidades da aristocracia (que pode ser o
partido único dos países socialistas, ou, no caso brasileiro, como muitos acreditam, o
Poder Judiciário, ou o Ministério Público), aristocracia sempre tida por bem informada,
detentora da verdade e de qualidades extraordinárias. O problema é que os fatos, sempre
teimosos, não se revelam assim como planejado.
Norberto Bobbio, na sua Teoria das formas de governo,3 refere a discussão relatada
por Heródoto, na sua História (Livro III, §§80-82), entre três persas – Otanes, Megabises e
Dario, o que pode ter sido a origem da discussão sobre a tipologia das melhores formas
em que os homens poderiam ser governados. Segundo o grande mestre italiano, o
episódio teria ocorrido na segunda metade do século VI antes de Cristo, mas o narrador,
Heródoto, escreve no século seguinte.
Do que aqui me interessa é o registro, já então, de uma longa tradição de descon
fiança em relação à capacidade do povo de escolher livremente seus governantes, pois
suspeito que boa parte da legislação, que confere a juízes, promotores e advogados
o poder de intervir no resultado do processo eleitoral, muito se deve a essa antiga
tradição de uma inaceitável suspeita em relação à capacidade do eleitor de, livremente,
formar a sua vontade no processo eleitoral. No Brasil, por exemplo, afirma-se hoje com
excessiva confiança que se deve organizar e acrescer o poder de intervenção judicial nas
eleições para que, paradoxalmente, o eleitor possa decidir de forma livre. Obviamente,
quando se incrementa em excesso essa intervenção, nem é o eleitor quem decide nem
muito menos de forma livre. Mas voltando à narrativa de Heródoto, já ali se registra,
na opinião de Megabises, a suspeita com relação à capacidade do regime democrático
em encontrar os mais qualificados para o governo, ao mesmo tempo em que se deposita
uma quase infinita fé em confiar nossos destinos a alguma espécie de aristocracia, em
que os melhores fossem chamados a governar (cito):
Megabises: “A massa inepta é obtusa e prepotente; nisto nada se lhe compara. De nenhuma
forma se deve tolerar que, para escapar da prepotência de um tirano, se caía sob a da plebe
desatinada. Tudo o que faz, o tirano faz conscientemente; mas o povo não tem sequer a
possibilidade de saber o que faz. Como poderia sabê-lo, se nunca aprendeu nada de bom e
de útil, se não conhece nada disso, mas arrasta indistintamente tudo o que encontra no seu
caminho? Que os que querem mal aos persas adotem o partido democrático; quanto a nós,
entregaríamos o poder a um grupo de homens escolhidos dentre os melhores – e estaríamos
entre eles. É natural que as melhores decisões sejam tomadas pelos que são melhores”.4
3
BOBBIO, Norberto. Teoria das formas de governo. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Ed. Universidade de Brasília,
1998.
4
BOBBIO, Norberto. Teoria das formas de governo. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Ed. Universidade de Brasília,
1998.
5
PREUΒ, Ulrich. Die Bedeutung kognitiver und moralischer Lernfähigkeit für Demokratie. In: OFFE, Claus (Ed.).
Demokratisierung der Demokratie. Frankfurt: Campus Verlag, 2003. p. 259 e ss.
6
PREUΒ, Ulrich. Die Bedeutung kognitiver und moralischer Lernfähigkeit für Demokratie. In: OFFE, Claus (Ed.).
Demokratisierung der Demokratie. Frankfurt: Campus Verlag, 2003. p. 260
Que monumento de pequenez humana é essa ideia do rei filósofo! Que Contraste entre ela e a
simplicidade e humanidade de Sócrates, que advertia o estadista contra o perigo de deixar-se deslum
brar por seu próprio poder, excelência e sabedoria, e que tentava ensinar-lhe o que mais importa: o
fato de sermos, todos, frágeis seres humanos! E como se desce, desse mundo de ironia e razão
e veracidade, ao reinado do sábio de Platão, cujos poderes mágicos o elevam muito acima
dos homens comuns, embora não tão alto que dispense o uso de mentiras ou despreze
o triste mercado de cada curandeiro, a venda de feitiços, de encantamentos criadores de
raça, em troca de poder sobre seus concidadãos.
7
POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. Tradução de Milton Amado. Belo Horizonte; São Paulo: Itatiaia;
Edusp, 1987. p. 173.
8
O presente capítulo baseia-se, essencialmente, em ideias por mim divulgadas na Revista Consultor Jurídico, na
coluna Constituição e Poder, do dia 16.4.2013.
já foram fatores que limitaram o exercício pleno da cidadania. No século XIX, o grande
jurista do Império, Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente, certamente colhido pelo
contexto em que vivia, não teve pejo de declarar legítimas as limitações ao exercício do
sufrágio pelo que acreditava ser um conjunto de “incapacidades resultantes do sexo,
da menoridade, da demência, da falta de luzes e da ausência das habilitações, que
convertessem o voto em um perigo social”.9
Contudo, já vão longe os tempos em que o negro, a mulher, ou o pobre não podiam
exercer seus direitos políticos. Contemporaneamente, sufrágio geral, ou princípio da
universalidade, ou da generalidade, em matéria eleitoral, quer significar, em primeiro
lugar, que o simples fato de o indivíduo pertencer ao povo de um Estado já lhe confere o
direito de votar e ser votado, de eleger e ser eleito. Com eleições gerais, ou universais,
quer-se dizer, pois, que o direito de votar compete a todos os cidadãos, excluindo-se, de
regra,10 aqueles que não detenham a cidadania do país em que as eleições se verificam.11
Por outro lado, não se pode esquecer de que a capacidade, ou o direito fundamental,
de um cidadão de ser candidato para cargos políticos mescla-se, certamente, com o direito
de todos os eleitores de escolher determinadas pessoas para ocupar determinado cargo
público.12 Em outras palavras, o princípio da universalidade protege tanto eleitor como
o candidato, vinculando uma realidade a outra.
Assim, o lado mais visível do princípio da universalidade impõe a conclusão de
que, ao limitar o direito dos cidadãos de votarem, direta ou indiretamente, obstaculiza-
se também o direito daquele que pretende lançar-se como candidato. Entretanto, e esse
é o lado menos notado do princípio da universalidade, todas as vezes que se impede
alguém de se candidatar, estamos, sem dúvida, cerceando o cidadão no exercício legítimo
de seu voto. A equação é de fácil entendimento: (a) se, de um lado, num universo mais
restrito de eleitores, muito provavelmente, diverso será o resultado daqueles que serão
eleitos; (b) de outro, ao restringir o universo dos candidatos, com toda certeza, também
se reduzem as possibilidades abertas aos eleitores.
Da mesma forma que, no passado, uma legislação muito restrita quanto ao círculo
de eleitores (excluindo mulheres, pobres e analfabetos) comprometia o resultado quanto
ao universo de candidatos com reais possibilidades de êxito eleitoral, atualmente, ao
reduzir, significativamente, o universo de candidatos, o sistema eleitoral brasileiro
compromete o âmbito de proteção dos direitos do próprio eleitor. Em síntese, quem
cria inelegibilidades, além de limitar candidaturas, goste ou não, atinge também o voto
do eleitor.
Nada obstante, sustentados num forte apelo midiático contra a política, não são
poucos os que festejam qualquer espécie de inovação legislativa tendente a restringir o
número de candidatos.
Como não se pode restringir o direito político de ser candidato sem comprometer o
direito político de votar, aqueles que tomam a sério o direito fundamental de participação
política do cidadão, facilmente, compreenderão que, ainda que uma ou outra restrição
9
BUENO, José Antônio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. In: BUENO, José
Antônio Pimenta; KUGELMAS, Eduardo (Org.). Marquês de São Vicente. São Paulo: Editora 34, 2002. p. 265.
10
Atentar, no Brasil, à especial condição dos portugueses, conforme o art. 12, §1º.
11
DEGENHART, Christoph. Staatsrecht I: Staatsorganisationsrecht. Alemanha: C. F. Müller, 2017. p. 10.
12
NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Principles of constitutional law. St. Paul: West Group, 2004. p. 1019.
13
PIEROTH, Bodo von; SCHLINK, Bernhard. Grundrechte: Staatsrecht II. 16. ed. Heidelberg: Müller, 2000. p. 110.
14
STERN, Klaus. Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland (Band I). Munich: C.H. Beck, 1984. p. 303-304.
15
Tudo cf. NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Principles of constitutional law. St. Paul: West Group, 2004.
p. 988-989.
moradores das faixas limítrofes os seus poderes de polícia sanitária e de licença para
negócios.16
Em resumo, segundo o direito norte-americano ou alemão, o que o princípio
da universalidade do sufrágio impede é a existência de exclusões ilegítimas do cidadão
do processo eleitoral. Nesse sentido, mais uma vez a universalidade do sufrágio, ao
apresentar-se como caso especial do princípio da igualdade no âmbito das eleições,17 proíbe
o legislador, para além das próprias restrições constitucionais, de excluir das eleições
grupos determinados de cidadãos por motivação política, religiosa, econômica, profissional
ou social, assim como exige que todos possam, o máximo possível, exercer os seus direitos
políticos em igualdade de condições.
A ideia de que, à luz do princípio da universalidade do voto, o legislador ordinário
não pode impor exclusões ilegítimas poderia parecer despicienda no Brasil, ao argumento
de que aqui as únicas exclusões são aquelas já fixadas constitucionalmente. Contudo,
ao contrário do que tendemos a acreditar, a própria Constituição abre a porta para que,
direta, ou indiretamente, o legislador possa impor restrições ao universo dos que possam
votar ou ser votados, quando, por exemplo, estabelece os casos de perda e suspensão
de direitos políticos, arrolando situações que, na sua maioria, dependem da disciplina
do legislador ordinário.18
Além disso, no seu art. 14, §9º, a Constituição veiculou autêntica reserva de lei
qualificada, autorizando o legislador complementar a estabelecer outras possibilidades
de restrição ao sufrágio passivo, na forma de:
16
Ver Holt Civic Club v. Tuscaloosa, 439 U.S. 60, cf. NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Principles of
constitutional law. St. Paul: West Group, 2004. p. 1007.
17
JARASS, Hans; PIEROTH, Bodo. Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Kommentar. München: Beck,
2000. p. 657.
18
“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento
da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal
transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou
prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §4º”.
serão decididas não nas ruas e pelos eleitores, mas em Tribunais e por juízes e operadores
do direito. Se isso, realmente, como sustentam os defensores da Lei Complementar nº
135, faz bem à democracia, acredito que não demoraremos a descobrir.
O direito eleitoral ordinário registra outros casos de restrição ao sufrágio, seja na
sua forma ativa, seja na sua forma passiva. O art. 71 do Código Eleitoral, por exemplo,
arrola várias situações em que o cidadão perderá a condição de eleitor com o cancela
mento de seu alistamento eleitoral, entre as quais estão a infração às regras relativas ao
domicílio eleitoral, suspensão ou perda dos direitos políticos, a pluralidade de inscrição
(alistamento eleitoral) ou deixar o eleitor de votar em três eleições consecutivas.19 Logi
camente, à exceção dos casos de perda ou suspensão dos direitos políticos (porque casos
de restrições impostas pelo próprio texto constitucional, no seu art. 15), todos esses
motivos de exclusão da condição de eleitor, como autênticas restrições ao princípio
da universalidade do sufrágio, só se justificam se forem considerados compatíveis,
constitucionalmente, entre outros princípios, com o princípio da proporcionalidade e
com a proteção do conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
Assim, atenta à restrição ao voto imposta pela exclusão de alistamento eleitoral
a quem, por exemplo, deixe de votar em três eleições consecutivas, a jurisprudência do
TSE tem considerado superada a infração do eleitor que tenha justificado o seu voto
(art. 7º, do Código Eleitoral). Além disso, conforme lembra José Jairo Gomes, o Tribunal
Superior Eleitoral fixou em resolução não estar sujeito à sanção do cancelamento da
inscrição como eleitor o portador de doença ou deficiência que torne impossível ou
extremamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais.20
Em resumo qualquer restrição ao sufrágio, seja no que diga respeito à capacidade
política ativa, seja no que respeite à capacidade política passiva, deve submeter-se ao
que a teoria constitucional, contemporaneamente, designa como “limites dos limites”,
entre os quais sobressaem o princípio da proporcionalidade e a garantia do conteúdo
essencial do direito fundamental. No caso do sufrágio, tenho séria e honesta dúvida se
a legislação do chamado “ficha-limpismo” no Brasil alcançou respeitar esses limites.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
GUEDES, Néviton. A democracia e a restrição aos direitos políticos. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito
Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 111-119. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.)
ISBN 978-85-450-0496-7.
19
“Art. 71. São causas de cancelamento: I - a infração dos artigos 5º e 42; II - a suspensão ou perda dos direitos
políticos; III - a pluralidade de inscrição; IV - o falecimento do eleitor; V - deixar de votar em 3 (três) eleições
consecutivas. (Redação dada pela Lei nº 7.663, de 27.5.1988) §1º A ocorrência de qualquer das causas enumeradas
neste artigo acarretará a exclusão do eleitor, que poderá ser promovida ex officio, a requerimento de delegado de
partido ou de qualquer eleitor”.
20
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 125.
1
BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análise da constituição do império. Rio de Janeiro: Nova Edição, 1985.
p. 458 apud SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 345.
2
BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análise da constituição do império. Rio de Janeiro: Nova Edição, 1985.
p. 459 apud MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 207.
3
“Cidadão era o filho de cidadão, nascido livre e maior de 18 anos, aprovado após período de treinamento religioso
e militar, sob a direção de três membros de sua tribo” (AMARAL JUNIOR, Luciano. Regime constitucional dos
direitos políticos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 40).
4
“Entre os órgãos políticos, o principal era o Conselho dos Quinhentos, dirigido por uma cúpula colegiada.
Ao Conselho dos Quinhentos, entre outras atribuições, competia convocar e preparar a ordem do dia das
excepcionalmente, pelo voto.5 Naquele modelo observa-se que havia um sistema no qual
apenas poucas e determinadas pessoas influenciavam a vida pública. De modo similar,
na Roma Antiga o exercício dos direitos políticos era privativo dos cidadãos – neste caso
os que fossem livres, romanos, desvinculados do pátrio poder e maiores de 25 anos.6
Na Idade Contemporânea, Hariou, em Derecho constitucional e instituciones políticas,
citado por Luciano Amaral Junior,7 apontou quatro grandes ciclos. O primeiro iniciado
no final do século XVIII, com a independência norte-americana e a Revolução Francesa
de 1789. Os demais ciclos surgiram com as Revoluções Francesas de 1830 e 1846, em
seguida, a Primeira Guerra Mundial e, em sequência, a Segunda Guerra Mundial, por
meio do processo de descolonização.
Nos Estados Unidos, a Suprema Corte americana em diversas ocasiões se mani
festou no sentido de que os direitos políticos são direitos fundamentais protegidos
sob a equal protection clause.8 Em Wesberry v. Sanders,9 registrou-se que em um país livre
nenhum direito é mais relevante do que ter voz na eleição daqueles que irão elaborar as
leis sob as quais os cidadãos irão viver, resultando daí que outros direitos, incluídos os
mais básicos, serão ilusórios se o direito de participar das eleições não for assegurado.10
Nos dias atuais os direitos políticos são resguardados no direito internacional
pelo art. 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos,11 pelos arts. 3º e 25 do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos12 (Decreto nº 592/92) e pela Carta de Direitos
Fundamentais da União Europeia.13
Assembleias, julgar os magistrados e conhecer preliminarmente qualquer assunto a ser tratado pelos cidadãos.
Havia, ainda, as diversas magistraturas. Entre elas, a Tesouraria, o Comissariado para os Contratos Públicos,
a Recebedoria Geral e Auditoria, todas investidas de competências próprias. Desta forma, os Comissários da
Cidade poderiam coibir a construção de edifícios ou barreiras que obstruíssem as vias públicas os Comissários
dos Mercados controlavam os artigos colocados à vendas os Distribuidores apresentavam os feitos mensais,
isto é, os decorrentes ou do não-pagamento de juros por força de operação de mútuo ou de assinatos ou de
questões relativas aos escravos” (AMARAL JUNIOR, Luciano. Regime constitucional dos direitos políticos no Brasil.
São Paulo: Saraiva, 1980. p. 40-41).
5
AMARAL JUNIOR, Luciano. Regime constitucional dos direitos políticos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 1980.
6
AMARAL JUNIOR, Luciano. Regime constitucional dos direitos políticos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 1980.
7
AMARAL JUNIOR, Luciano. Regime constitucional dos direitos políticos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 1980.
8
Cf. Kramer v. Union Free School Dist, 395, U.S. 621, 626 (1969); Harper v. Virginia St. Bd. of Elections, 383 U.S 663,
666 (1966); Reynolds v. Sims, 377 U.S. 533, 555 (1964).
9
Wesberry v. Sandres, 376 U.S 1, 17 (1964).
10
“No right is more precious in a free country than that of having a voice in the election of those who make the
laws under which, as good citizen, we must live. Other rights, even the most basic, are illusory if the right to vote
is undermined”.
11
“Artigo XXI 1. Todo o ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por
intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço
público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em
eleições periódicas legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a
liberdade de voto”.
12
“Artigo 3. Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade
no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no presente Pacto. Artigo 25. Todo cidadão terá o
direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2º e sem restrições
infundadas: 1. de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes
livremente escolhidos; 2. de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal
e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores; 3. de Ter acesso, em
condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país”.
13
“Artigo 12. Liberdade de reunião e de associação – 1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião pacífica
e à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios políticos, sindical e cívico, o que
implica o direito de, com outrem, fundarem sindicatos e de neles se filiarem para a defesa dos seus interesses. 2.
Os partidos políticos ao nível da União contribuem para a expressão da vontade política dos cidadãos da União.
Artigo 39 – Direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu. 1. Todos os cidadãos da
União gozam do direito de eleger e de ser eleitos para o Parlamento Europeu no Estado-Membro de residência,
nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. 2. Membros do Parlamento Europeu são eleitos por
sufrágio universal direto, livre e secreto. Artigo 40 – Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais –
Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de ser eleitos nas eleições municipais do Estado-
Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado”.
14
Constituição de 1824, art. 14.
15
Constituição de 1824, art. 41.
16
Constituição de 1824, art. 90.
17
No caso do limite de idade imposto para o voto, de 21 anos, abria-se exceção aos que fossem casados, bem como
para militares e bacharéis formados. Constituição de 1824, art. 32, I.
18
Constituição de 1824, art. 92.
19
Constituição de 1891, art. 28, §1º.
20
As exceções foram estabelecidas no §1º do art. 70 e abrangiam mendigos, analfabetos, as praças de pré e os
religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades sujeitas a voto de obediência.
21
Estipulado no primeiro Código Eleitoral do Brasil, em 1932, em seu art. 57.
22
Quanto à atribuição da nacionalidade, foram considerados brasileiros, nos termos do art. 106 os nascidos no
Brasil, ainda que de pai estrangeiro, os filhos de brasileiros ou brasileiras, nascidos em país estrangeiro, estando
os seus pais a serviço e que ao atingirem a maturidade optarem pela nacionalidade brasileira.
23
AMARAL JUNIOR, Luciano. Regime constitucional dos direitos políticos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 65.
24
Art. 117 da Constituição de 1937.
a) eleitores são os brasileiros alistados e maiores de dezoito anos de idade; b) não são
alistáveis os analfabetos, os que não sabem se exprimir na língua nacional, os privados de
direitos políticos e os militares que não ostentem ao menos a graduação; c) o sufrágio é
obrigatório e universal; d) o voto é direto e secreto, salvo as exceções previstas (eleição de
Presidente e Vice-Presidente); e) o princípio da representação proporcional dos partidos é
assegurado expressamente f) são elencadas as diversas hipóteses de perda e suspensão de
direitos políticos g) editam-se as regras determinantes de inelegibilidade para a Presidência
da República, Senado Federal, Câmara dos Deputados, Chefias dos Executivos locais e
seus órgãos legislativos.25
O exercício e o gozo dos direitos políticos perfazem uma das facetas mais importantes dos
direitos fundamentais do cidadão. Remontam a uma conquista histórica, resultante de
séculos de batalha, e que se traduz, em suma, na possibilidade de o indivíduo influir no
destino do Estado e opinar, em uma conjuntura coletiva, na fixação dos fins e das regras
aplicáveis à sua comunidade, histórica e espacialmente contextualizada.
25
AMARAL JUNIOR, Luciano. Regime constitucional dos direitos políticos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 66-67.
26
STF, Plenário. ADC nºs 29 e 30. Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.2.2012. DJe, 29 jun. 2012.
27
STF, Plenário. ADI nº 4.578/SC. Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.2.2012. DJe, 29 jun. 2012.
28
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 345.
29
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual
para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. §1º O alistamento
eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II - facultativos para: a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. §2º Não podem alistar-se
como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos. §3º São condições
de elegibilidade, na forma da lei: I - a nacionalidade brasileira; II - o pleno exercício dos direitos políticos; III - o
alistamento eleitoral; IV - o domicílio eleitoral na circunscrição; V - a filiação partidária VI - a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; b) trinta anos para Governador e
Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual
ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; d) dezoito anos para Vereador. §4º São inelegíveis os inalistáveis
e os analfabetos. §5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e
quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período
subsequente. §6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do
Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito. §7º São
inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo
grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal,
de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de
mandato eletivo e candidato à reeleição. §8º O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições: I - se
contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; II - se contar mais de dez anos de serviço,
será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a
inatividade. §9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim
de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa
do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso
do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. §10. O mandato eletivo poderá
ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com
provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. §11. A ação de impugnação de mandato tramitará
em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé. Art. 15.
É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento
da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal
transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou
prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §4º”.
30
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 346.
31
“Não se pode confundir cidadania com nacionalidade. Ser cidadão é ter direitos políticos. Ter nacionalidade
significa ser brasileiro, nato ou naturalizado (CF, art. 12). A nacionalidade é pressuposto da cidadania. Porém,
nem todo nacional é cidadão, porque nem todos têm direitos políticos, como se viu” (ZAVASCKI, Teori Albino.
Direito políticos. Perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Informação Legislativa, v. 31, n. 123, jul./set.
1994. p. 178).
32
O saudoso Professor Teori Albino Zavascki faz a seguinte observação “Para certos cargos eletivos a elegibilidade
está condicionada ao limite mínimo de idade 35 anos para Presidente, Vice-Presidente e Senador; 30 para
Governador, Vice-Governador; 21 para deputado, Prefeito e Vice-Prefeito (CF, art. 14, §3º, VI). Assim, sob este
aspecto, antes de atingir 35 anos de idade, ninguém, a rigor, pode se dizer na plenitude dos direitos políticos”
(ZAVASCKI, Teori Albino. Direito políticos. Perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Informação
Legislativa, v. 31, n. 123, jul./set. 1994).
33
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 260
apud ZAVASCKI, Teori Albino. Direito políticos. Perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Informação
Legislativa, v. 31, n. 123, jul./set. 1994
34
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 381.
Não é por outra razão, que a doutrina e a jurisprudência alemãs, ao cuidarem de restrições
a direitos fundamentais, emprestam especial relevo às chamadas restrições a restrições,
ou limites dos limites (Schranken-Schranken), que estão sempre a restringir a ação dos
poderes públicos, destaca-se, de um lado, a necessidade de proteger o núcleo ou conteúdo
essencial do direito (Wessengehalt) e, de outro, a obrigação de observar o princípio da
proporcionalidade.35
é a mais radical das medidas contra o regime democrático, porque suprime precisamente
as três barreiras legais que se erguem contra o poder de polícia do Estado, os direitos do
cidadão, protegidos pela Constituição e pelas leis, as liberdades públicas e as prerrogativas
individuais, decorrentes do status do indivíduo, na sociedade, fixados em leis.38
35
GUEDES, Néviton. Capítulo IV – Dos direitos políticos. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários
à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 673.
36
Conforme explicitado linhas acima, a vedação expressa na Constituição de 1988 foi um contraponto ao sistema
implantado em 1964 e ao Ato Institucional nº 5, de 1968, que possibilitou a cassação dos direitos políticos por dez
anos, para silenciar a oposição.
37
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
p. 1115. v. II.
38
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
p. 1115/1116. v. II.
39
GUEDES, Néviton. Capítulo IV – Dos direitos políticos. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários
à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p 684.
Temos, portanto, que o que a Constituição veda, com muita propriedade, é o ato
de força, de autoridade, muitas vezes de cunho essencialmente político; o conhecido e
preocupante faço porque quero, que não respeita o efetivo processo legal nem a garantia
de defesa concreta, constantemente utilizado em regimes ditatoriais.
Aliás, a proibição explícita de cassação dos direitos políticos é, sem dúvida,
uma justa e prudente reação ao período do governo militar, embora pareça evidente
que em caso de qualquer ruptura do regime democrático, pouco valerão as garantias
e os direitos antes assegurados. Todavia, é importante a vedação constitucional para
impedir que o governante de plantão, ainda que devidamente eleito e empossado sob
o juramento de cumprir a Constituição e as leis do país, resolva perseguir desafetos ou
tentar facilitar o caminho de correligionários, atitudes que, embora reprováveis, vez por
outra costumam aparecer.
A Constituição admite hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos,
que, ao contrário da cassação, não são definitivas, podendo, em princípio, ser revertidas.
A perda decorre da supressão dos pressupostos de sua aquisição. Assim, é
plenamente possível que seus pressupostos sejam restabelecidos. José Afonso da
Silva, citado por Néviton Guedes,40 lembra que a Lei nº 818/49, ao regular a perda da
nacionalidade, também prevê hipótese de sua reaquisição. Cretella Júnior é claro ao expor
que “não se perde o que não se tem; perde-se aquilo que se tinha a posse ou a detenção”.
Prossegue complementando que “‘perda’ é idéia ligada à idéia de definitividade, embora
nem sempre o seja, pois, pode-se recuperar o que se perde”.41 De modo a afastar a
impressão de definitividade do ato que declara a perda de direitos políticos, basta ter
presente, em relação às situações que decorrem de sentença transitada em julgado, a
possibilidade de a decisão que levou à perda desses direitos ser modificada por ação
rescisória ou anulada por vício de forma.
Portanto, é possível dizer que a grande diferença entre hipóteses de perda e de
suspensão de direitos é a previsão de prazo certo para o restabelecimento desses direitos.
Enquanto nas situações de perda não há fixação de determinado espaço de tempo ao final
do qual os direitos políticos serão automaticamente restabelecidos, nos de suspensão
esse tempo é previamente determinado. Tanto os casos de perda quanto os de suspensão
dos direitos políticos estão taxativamente relacionados no art. 15 da Constituição, tendo
em vista a utilização do advérbio só antes do rol das hipóteses indicadas.
A primeira das hipóteses previstas no referido artigo diz respeito ao cancelamento
de naturalização por sentença transitada em julgado.42 Essa é, evidentemente, uma
situação de perda, ainda que o ato que cancela a naturalização possa vir a ser anulado
a partir da iniciativa do legítimo interessado. Os casos em que se admite a perda da
nacionalidade são os indicados no §4º, I, do art. 12 da Constituição do Brasil, que começa
justamente pelo cancelamento por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao
interesse nacional.
A referência à necessidade de sentença judicial para configuração da perda
traz implícita a necessidade de observância do devido processo legal, com a efetiva
40
GUEDES, Néviton. Capítulo IV – Dos direitos políticos. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários
à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 685.
41
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
p. 1117. v. II.
42
Constituição da República de 1988, art. 15, §1º.
43
Impõe a curatela: (i) àqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento
para os atos da vida civil; (ii) àqueles que, por outra causa duradora, não puderem exprimir a sua vontade;
(iii) aos deficientes mentais, aos ébrios habituais e aos viciados em tóxicos; (iv) aos excepcionais sem completo
desenvolvimento mental; e, por fim, (v) aos pródigos.
44
STF, Plenário. ADF nº 144. Rel. Min. Celso de Mello, j. 6.8.2008. DJe, 26 fev. 2010.
45
GUEDES, Néviton. Capítulo IV – Dos direitos políticos. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários
à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 687.
46
“CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
(CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO
GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão
penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário,
não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da
Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado” (STF, Plenário. HC nº 126.292/SP. Rel. Min. Teori Zavascki,
j. 2.9.2016. DJe, 7 fev. 2017).
Esse contencioso parlamentar seria de pomposa inutilidade, com todas as vênias, se toda
condenação criminal – fosse ela pelo crime de sono, de adultério ou de lesões corporais por
imperícia – devesse levar à suspensão de direitos políticos e, consequentemente, à perda do
mandato parlamentar, eis que dificilmente se conceberia um sistema constitucional onde
o mandatário político pudesse continuar a sê-lo, embora despido de direitos políticos.50
47
Constituição da República de 1988, art. 14, §9º.
48
TSE. Acórdão nº 4.598, j. 3.6.2004. DJ, 13 ago. 2004. RJTSE, v. 15-3, p. 228.
49
STF, Plenário. RE nº 179.502/SP. Rel. Min. Moreira Alves, j. 31.5.1995. DJ, 8 set. 1995: “EMENTA. Condição de
elegibilidade. Cassação de diploma de candidato eleito vereador, porque fora ele condenado, com trânsito em
julgado, por crime eleitoral contra a honra, estando em curso a suspensão condicional da pena. Interpretação do
artigo 15, III, da Constituição Federal. Em face do disposto no artigo 15, III, da Constituição Federal, a suspensão
dos direitos políticos se dá, ainda quando, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em jul
gado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena. Recurso extraordinário conhecido e provido”.
50
STF, Plenário. RE nº 179.502/SP. Rel. Min. Moreira Alves, j. 31.5.1995. DJ, 8 set. 1995, voto do Ministro Sepúlveda
Pertence.
51
STF, Primeira Turma. RE nº 577.012/MG. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. DJe, 25 mar. 2011.
de preceito extremamente rigoroso, porque não distingue crimes dolosos dos culposos,
nem condenações a penas privativas de liberdade e de condenações a simples penas
pecuniárias, que também não distingue crimes de maior ou menos potencial ofensivo
ou danoso, sendo que a condenação por contravenção, que também é crime, acarreta, do
mesmo modo, o efeito constitucional.54
Sem faltar ao respeito devido à nossa Corte Suprema, o tema deve ser revisitado,
como, aliás, já anunciava o Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do Recurso
Extraordinário nº 418.876,55 no qual as circunstâncias concretas do caso, todavia, não
permitiram. E nessa revisão será importante ter presente que a interpretação de norma
constitucional não pode ser feita em tiras, conforme a conhecida lição do Ministro
Eros Grau, e que a solução deve se pautar pelos princípios da razoabilidade e propor
cionalidade, como bem se vê da doutrina dos professores Gilmar Mendes e Paulo Gonet
Branco:
Utilizado, de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de direitos – muito embora
possa aplicar-se, também, para dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou
benefícios – o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, em essência, consubstancia
uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, equidade,
bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores
52
ZAVASCKI, Teori Albino. Direito políticos. Perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Informação
Legislativa, v. 31, n. 123, jul./set. 1994.
53
ZAVASCKI, Teori Albino. Direito políticos. Perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Informação
Legislativa, v. 31, n. 123, jul./set. 1994. p. 180.
54
ZAVASCKI, Teori Albino. Direito políticos. Perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Informação
Legislativa, v. 31, n. 123, jul./set. 1994. p .180.
55
“Recurso extraordinário: prequestionamento e embargos de declaração. A oposição de embargos declaratórios
visando à solução de matéria antes suscitada basta ao prequestionamento, ainda quando o Tribunal a quo persista
na omissão a respeito. II. Lei penal no tempo: incidência da norma intermediária mais favorável. Dada a garantia
constitucional de retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu, é consensual na doutrina que prevalece a
norma mais favorável, que tenha tido vigência entre a data do fato e a da sentença: o contrário implicaria
retroação da lei nova, mais severa, de modo a afastar a incidência da lei intermediária, cuja prevalência, sobre
a do tempo do fato, o princípio da retroatividade in melius já determinara. III. Suspensão de direitos políticos
pela condenação criminal transitada em julgado (CF, art. 15, III): interpretação radical do preceito dada pelo STF
(RE 179502), a cuja revisão as circunstâncias do caso não animam (condenação por homicídio qualificado a pena
a ser cumprida em regime inicial fechado). IV. Suspensão de direitos políticos pela condenação criminal: direito
intertemporal. À incidência da regra do art. 15, III, da Constituição, sobre os condenados na sua vigência, não
cabe opor a circunstância de ser o fato criminoso anterior à promulgação dela a fim de invocar a garantia da
irretroatividade da lei penal mais severa: cuidando-se de norma originária da Constituição, obviamente não lhe
são oponíveis as limitações materiais que nela se impuseram ao poder de reforma constitucional. Da suspensão
de direitos políticos - efeito da condenação criminal transitada em julgado - ressalvada a hipótese excepcional do
art. 55, §2º, da Constituição - resulta por si mesma a perda do mandato eletivo ou do cargo do agente político”
(STF. RE nº 718.876/MT. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 30.3.2004. DJe, 4 jun. 2004).
Frente aos princípios indicados na transcrição acima não nos parece razoável nem
proporcional que a aplicação do art. 15, III, da Constituição seja automática e ampla.
Isto é, que decorra da prática de todo e qualquer crime, desde que presente a necessária
sentença condenatória com trânsito em julgado e efeitos vigentes, inclusive se ainda no
período da suspensão condicional da sanção.
Pelo atual entendimento do Supremo, crimes com menor potencial ofensivo
e sem maiores consequências, como o de desacato, podem levar automaticamente à
suspensão dos direitos políticos.57 Ou seja, até um simples acidente de trânsito, causado
por imperícia ou desatenção, com base na atual jurisprudência, pode retirar, ainda que
temporariamente, os direitos políticos do responsável, impedindo-o de participar, direta
ou indiretamente, da definição ou execução das políticas públicas.
No julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 531.807/MG58 no TSE, o em.
Ministro Gilmar Mendes fez as seguintes e lúcidas observações:
56
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 113-114.
57
Tal como observado pelo primeiro autor por ocasião do julgamento do TSE. RESP nº 19.633/SP. DJ, 9 ago. 2002,
p. 205: “Ementa: Recurso contra diplomação - Candidato que estava, à época do registro, com os direitos
políticos suspensos - Condenação por desacato - Pena de multa - Sentença criminal com trânsito em julgado -
Auto-aplicabilidade do art. 15, III, da Constituição Federal - Recurso não conhecido”.
58
TSE. RESPE nº 531807/MG. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJe, 3 jun. 2015.
que explicitou o em. Ministro Dias Toffoli, em voto proferido por ocasião do julgamento
no Recurso Especial Eleitoral nº 126-02.2012 (TSE):59
Posiciono-me, a respeito do tema, a favor da tese de que a transação penal não tem natureza
condenatória e não gera trânsito em julgado material, pois considero, que, embora haja, o
cumprimento de medidas restritivas de direito ou o pagamento de multa, não há verificação
ou mesmo assunção de culpa pela parte transacionante.
Isso porque o instituto da transação penal foi inserido no ordenamento jurídico penal
pátrio em razão da vertente despenalizadora da Lei nº 9.099/95, que tem por objetivo
a deliberada intenção do Estado de evitar não só a instauração do processo penal, mas
também a própria imposição da pena privativa de liberdade, quando se tratar de infração
penal revestida de menor potencial ofensivo.
59
TSE. RESPE nº 126-02.2012.6.10.0080/MA.
60
“Art. 5º [...] VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa fixada em lei”.
No seu art. 20, essa Lei estabelece expressamente que a suspensão dos direitos políticos
dependerá do trânsito em julgado da sentença condenatória. Confirmando os termos
expressos da Lei, aliás, a jurisprudência do TSE tem se firmado no sentido de que a
suspensão dos direitos políticos decorrente de ato de improbidade administrativa, por não
ter natureza penal, deve resultar de ação civil e depende de decisão expressa e motivada
por parte do juízo competente para que possa ser aplicada pela Justiça Eleitoral. Assim,
cuidando-se dos atos de improbidade referidos na Lei 8.429/92, a que faz menção o art.
15, V, combinado com o art. 37, §4º, da Constituição, não basta que o juízo competente
tenha condenado o indivíduo por ato de improbidade para que contra ele se possa impor a
suspensão dos direitos políticos, tendo o órgão jurisdicional que fazer expressa e específica
remissão à sanção de suspensão dos direitos políticos para que, após o trânsito em julgado
da decisão condenatória, o cidadão de fato tenha os seus direitos políticos suspensos.63
A propósito, cabe lembrar que as sanções referidas no citado §4º do art. 37 não são
necessariamente cumulativas. Assim, o juiz, considerando a relevância e as consequências
dos fatos apurados, pode aplicar todas ou apenas algumas delas. Nesse sentido explicitou
61
Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública,
a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e graduação previstas em lei, sem prejuízo da
ação penal cabível.
62
Lei Complementar nº 64, de 1990, art. 1, inc. I, letra “l”.
63
GUEDES, Néviton. Capítulo IV – Dos direitos políticos. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários
à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 688.
o em. Ministro Luiz Fux na ementa de acórdão proferido no Superior Tribunal de Justiça
no Recurso Especial nº 980.706/RS:64
8. As sanções do art. 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/92, não são necessariamente
cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; em consonância com os princípios
da razoabilidade e da proporcionalidade, que, evidentemente, perpassa pela adequação,
necessidade e proporcionalidade estrito senso, aliás, como deixa entrever o parágrafo único
do referido dispositivo, a fim de que a reprimenda a ser aplicada ao agente ímprobo seja
suficiente à repressão e à prevenção da improbidade.
Há, ainda, outro aspecto de restrição de direito político passivo por ato relacionado
com improbidade que merece ser destacado neste estudo, que é o previsto no art. 1º,
inc. I, letra “i”, da Lei Complementar nº 64, de 1990 que estipula:
A situação descrita na indicada letra “i” pode perdurar por tempo indeterminado,
pois, para tanto, é suficiente a mera existência de processo de liquidação, judicial ou
extrajudicial, que, na maior parte das vezes, se prolonga por muitos e muitos anos. Por
se tratar de lei complementar, os seus parâmetros devem estar dentro da autorização
concedida pelo legislador constituinte. Em outras palavras, deve respeitar os limites
estabelecidos no art. 14, §9º, da Constituição da República, entre eles a explicitação do
prazo de fixação da cessação da inelegibilidade. Assim, considerando que a hipótese da
referida letra “i” está relacionada à improbidade (motivo de suspensão e não de perda
de direitos políticos) a indefinição do momento em que se dará o restabelecimento
automático de todos os direitos políticos implica a inconstitucionalidade do que consta
na lei complementar.
Concluindo este apanhado de ideias e reafirmando o grande cuidado que se há de
ter quando se interpretam normas que restringem direitos políticos, que estão entre os
direitos fundamentais garantidos pela Constituição da República, necessária a lembrança
do Recurso Especial Eleitoral nº 21.273.65 Naqueles autos se discutia se a suspensão
dos direitos políticos de determinado prefeito após eleição interferiria no exercício dos
direitos políticos do vice-prefeito com ele eleito. O Tribunal Superior Eleitoral, após
boas discussões e oportunos pedidos de vista, concluiu:
por se tratar de questão de natureza pessoal, a suspensão dos direitos políticos do titular
do Executivo Municipal não macula a legitimidade da eleição, sendo válida a votação por
quanto a perda de condição de elegibilidade ocorreu após a realização da eleição, momento
em que a chapa estava completa.
64
STJ, Primeira Turma. REsp nº 980.706/RS. Rel. Min. Luiz Fux. DJe, 23 fev. 2011.
65
TSE. RESPE nº 21.273, Nuporanga – SP. DJe, 27 maio 2004.
não guarda sintonia com os arts. 5º, IV, VI e VII, e 220 da Carta da República, que garantem
ao indivíduo a livre expressão de pensamento e a liberdade de consciência, ainda que o
exercício de tais garantias sofra limitações em razão de outras, também resguardadas pela
Constituição Federal.
Do voto do nobre relator, o Ministro Dias Toffoli, merece destaque essa signifi
cativa passagem:
Com efeito, o mencionado dispositivo [art. 337, do Código Eleitoral] descreve como crime
a participação do cidadão que estiver com os direitos políticos suspensos em atividades
partidárias, inclusive comícios e atos de propaganda, comportamentos que dizem respeito
à liberdade individual, e não à prática de atos que se inserem no âmbito dos direitos
políticos, propriamente ditos.
Frise-se que a aludida norma não prevê como crime a filiação do cidadão nos quadros
da agremiação, o que consistiria, em tese, o exercício de um direito político albergado
constitucionalmente, que poderia sofrer restrição diante de um bem jurídico maior.
Mas, ao contrário, priva o cidadão de manifestar-se quanto às suas crenças e convicções
políticas, o que implica, a meu ver, restrição à liberdade de manifestação do pensamento
e de consciência.
Em suma, pode-se dizer que os direitos políticos são garantias basilares de uma
democracia constitucional. Ao decorrer da história se observa uma ampliação do acesso
dos direitos políticos diante não apenas da abrangência da definição de cidadão, mas
também do reconhecimento da necessidade de manifestação popular para o amadu
recimento e fortalecimento da democracia.
Um sistema representativo deve não só garantir a todos, em suas plenas faculdades
mentais, a escolha de seus representantes, mas também garantir acesso àqueles que
buscam representar seus pares. Apenas situações especiais, devidamente definidas pelo
constituinte e pela legislação complementar, por força desta mesma Constituição, e que
não devem ser interpretadas com amplidão, podem restringir a participação do cidadão
no debate democrático e na vida pública, seja atuando como eleitor ou como candidato,
para colaborar, questionar ou tentar participar, direta ou indiretamente, das atividades
políticas de definição de caminhos e da gerência da coisa pública.
Referências
AMARAL JUNIOR, Luciano. Regime constitucional dos direitos políticos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 1980.
CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
66
TSE. RESPE nº 36.173, Cajamar – SP. Rel. Min. Dias Toffoli, Acórdão nº 361-73.2012.626.0354. DJe, 30 set. 2015.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1989. v. II.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007.
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
ZAVASCKI, Teori Albino. Direito políticos. Perda, suspensão e controle jurisdicional. Revista de Informação
Legislativa, v. 31, n. 123, jul./set. 1994.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
SILVA, Fernando Neves da; SILVA, Cristina Maria Gama Neves. Direitos políticos e suas restrições. In:
FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz
Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 121-139. (Tratado de
Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
3.1 Apresentação
O presente trabalho tem por objetivo mostrar que, mesmo em pleno século XXI,
existe a tentativa de implementar uma “sociedade punitiva”, fruto de um projeto político
transnacional, que recorre à legislação coercitiva e às táticas policialescas para dispersar
ou reprimir toda e qualquer forma de oposição ao poder das corporações, reprimindo o
dissenso político, através do sacrifício de direitos políticos, assegurados na Constituição
da República, com fins de solidificar o projeto neoliberal.
Nesse sentido, traçamos relações entre a realidade hodierna de criminalização
dos políticos, representantes do povo, eleitos pelo voto popular, com importantes con
tribuições trazidas por autores que percebem nos efeitos do punitivismo neoliberal
imperante um progressivo desamparo nos direitos fundamentais, notadamente observado
nas constantes e assustadoras flexibilizações dos direitos constitucionais, como no caso da
supressão dos direitos políticos, que são subespécie dos direitos humanos, além do esvaziamento
dos direitos fundamentais assecuratórios da proteção dos cidadãos na processualística penal.
Os efeitos do punitivismo neoliberal sobre a legislação eleitoral, valendo-se de
alicerces teóricos preocupantes, são hoje bastante evidentes. A expansão reinante da
criminalização dos políticos apresenta-se, na maior parte das vezes, de forma velada,
como se não estivéssemos tratando verdadeiramente de problemática penal, mas tão
somente de “condições de elegibilidade”, como se a inelegibilidade não fosse uma pena,
mas sim um “prêmio”.
O cerne da motivação do presente trabalho está no papel ascendente de uma
política penal, inclusive no universo eleitoral, voltada para a prisão, punição e extirpação
de direitos constitucionais através de flexibilizações interpretativas advindas do fenômeno
da pré-compreensão do intérprete, para nos reportarmos aos ensinamentos de superlativa
1
HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Madrid: Centro, 1998.
2
SANTOS, Boaventura Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. Lisboa: Cortez, 1998.
3
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
4
JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo. Madrid: Thomson-Civitas, 2003.
Los derechos políticos están intimamente vinculados a la estrutura misma del regimen
político, porque son derechos de participación. Non significan, como los derechos
individuales, uma esfera de autonomía o un limite de la acción del poder público, ni, como
los derechos sociales, uma demanda que ha de ser satisfecha por el Estado. Son como los
derechos públicos, con los que a veces tienen uma línea de separación casi inapreciable,
derechos de participación. Pero con un objeto distinto del que corresponde a las liberdades
o los derechos públicos, aunque estén intimamente relacionados con ellos. Las libertades
o derechos públicos suponen una participación que repercute directamente sobre las
corrientes de opinión; contribuyen a formar la opinión u son “libertades” que expresan
el pluralismo de crencias y opiniones. Los derechos políticos significan una participación
directa en las decisiones del poder político u se les configurar como una “libertad”, en
cuanto representan una capacidad de elección sobre la organización misma del poder, las
personas que han de ejercerlo o las decisiones misma del poder, las personas que han de
ejercerlo o las decisiones mismas que este adopta.5
5
ROBERT, Cinthia; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Teoria do Estado, democracia e poder local. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2000. p. 79.
6
ROBERT, Cinthia; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Teoria do Estado, democracia e poder local. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2000. p. 80.
7
ROBERT, Cinthia; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Teoria do Estado, democracia e poder local. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2000. p. 81.
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
8
WOLKMER, Antônio Carlos. Direito e democracia. Direito, Estado e sociedade, Rio de Janeiro, n. 5, p. 1-8, ago./dez.
1994. p. 1.
9
André Franco Montoro, em “Liberdade, participação, comunidade”, comunicação apresentada no II Congresso
Brasileiro de Filosofia Jurídica e Social, promovido pelo Instituto Brasileiro de Filosofia, realizado na USP, de 1 a
5.9.1986, p. 6-7 apud WOLKMER, Antônio Carlos. Direito e democracia. Direito, Estado e sociedade, Rio de Janeiro,
n. 5, p. 1-8, ago./dez. 1994. p. 3.
10
WOLKMER, Antônio Carlos. Direito e democracia. Direito, Estado e sociedade, Rio de Janeiro, n. 5, p. 1-8, ago./dez.
1994.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
11
Tal perspectiva possui sua geratriz no constitucionalismo ibérico, notadamente nas Cartas portuguesa, de 1976
e espanhola, de 1978, ambas influenciadas pela Lei Fundamental de Bonn, que transformou demandas, outrora
existentes exclusivamente no universo da doutrina, em direitos fundamentais.
12
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 101.
13
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 102. Adrian Sgarbi adverte que, malgrado os “ares
corriqueiros”, o instituto da petição, previsto na Constituição da República italiana, art. 50, tem utilização quase
nula.
14
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 104.
15
Adrian Sgarbi, ao dissertar acerca das origens do plebiscito, ensina in verbis: “Em Roma, durante o período da
República, se chamava plebiscitum a decisão soberana da plebe aprovada em assembléia (= concilium plebis),
decorrente da proposta inicial de um tribuno sobre uma medida que, graças a Lex Valeria Horatia de Plebiscitis
(± 449 a.C.), somente obrigaria os plebeus, constituindo uma das modalidades das Leges Rogatae. Sendo
certo que, após a Lex Hortencia de Plebiscitis (± 286 a.C.), foi também estendida aos patrícios, tornando-se de
manifestação obrigatória para todos” (SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999).
16
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 108.
17
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles; GARCIA, Maria (Org.). Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991. p. 475.
18
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 111.
19
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles; GARCIA, Maria (Org.). Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991. p. 475.
20
Meirelles Teixeira explica que o referendo obrigatório ocorre quando a manifestação do corpo eleitoral constitui
elemento imprescindível na elaboração e validade das leis. Por outro lado, se for facultativo tem o caráter de uma
mera faculdade de que podem lançar mão o próprio corpo legislativo, o Executivo, uma parte do eleitorado ou
os estados federados nos países de regime federativo (TEIXEIRA, José Horácio Meirelles; GARCIA, Maria (Org.).
Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991).
21
Nesse caso, denomina-se referendo pré-legislativo ou pós-legislativo.
22
Será um referendo político quando tiver caráter consultivo, ou seja, quando não obrigar o Legislativo nem o
Executivo, tendo exclusivamente a missão democrática de saber a opinião dos eleitores, com a finalidade de
harmonizar os poderes constituídos com a opinião pública. Quando for um referendo jurídico, participará de
fato da formação da lei, ao aprová-la ou rejeitá-la. Nesse caso, assevera Meirelles Teixeira, constitui-se como um
genuíno veto popular (TEIXEIRA, José Horácio Meirelles; GARCIA, Maria (Org.). Curso de direito constitucional.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991).
23
O referendo constituinte apresenta-se como uma forma, mais democrática, de emenda ou revisão constitucional,
submetendo à aprovação popular as modificações constitucionais.
24
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 113.
diretrizes da matéria para ser atribuída forma e conteúdo, desde que sejam respeitadas
as regras do processo de feitura das leis. Assim, faculta-se aos eleitores a possibilidade
de se iniciar uma proposta legislativa tendente à adoção de norma constitucional ou
infraconstitucional.25
A iniciativa popular é um processo eleitoral através do qual certos percentuais
do eleitorado podem propor a iniciativa de mudanças constitucionais ou legislativas
mediante a assinatura de petições formais que sejam autorizadas pelo Poder Legislativo
ou por todo o eleitorado. Segundo a Constituição de 1988 é a atribuição de competência
legislativa ao povo eleitor para o início do processo de formação da lei, seja no plano
federal (art. 61, II, §2º), ou no plano estadual (art. 27, §4º).
O veto popular, por sua vez, possibilita aos cidadãos, por uma votação de norma
que ainda não esteja em vigor, obstarem seu ingresso no ordenamento jurídico, por
força de rejeição eleitoral expressa.26
Por fim, a opção popular, nos dizeres de Adrian Sgarbi, significa “a pronúncia
do povo sobre uma questão da administração ou do legislativo com a finalidade de se
determinar a escolha entre duas ou mais medidas a serem tomadas”.27
Os instrumentos da democracia semidireta apresentam vantagens como a concre
tização efetiva do princípio da identidade entre o demos e o kratos, a correção dos erros e
omissões dos corpos legislativos de representação, a diminuição da corrupção moral dos
representantes ligados a interesses divorciados dos representados e um maior combate
ao imobilismo das assembleias. Ao revés, pode ocorrer um aumento no grau de instabi
lidade política já que o povo pode revogar, em um espaço de tempo mais breve, suas
próprias decisões. Além disso, pode-se apontar o aumento da falsa propaganda e da
demagogia, da manipulação das massas e até mesmo maiores dispêndios acarretados
pelas frequentes consultas populares.28
A democracia semidireta também se apresenta como um instrumento concre
tizador dos movimentos sociais. Dalmo de Abreu Dallari, ao analisar o tema, sugere
um rol de modalidades de participação no âmbito dos poderes constituídos. Em se
tratando de mecanismos de participação popular, no âmbito do Poder Legislativo, o
autor apresenta seis diretrizes com fins de assegurar uma democracia de base, a saber:
o poder de “iniciativa legislativa” da comunidade com a consequente vinculação para
os representantes (as propostas legislativas da população não devem ser mera sugestão,
pois serão obrigatoriamente discutidas e aprovadas pela assembleia ou parlamento); a
prática do “plebiscito” enquanto consulta de caráter geral sobre assuntos fundamentais;
o exercício do referendum para a aceitação ou rejeição de medidas legislativas; o
pronunciamento da comunidade através do “veto popular” sobre determinado projeto
de lei; a convocação de “audiências públicas”, com a inscrição prévia da população, para
deliberar sobre futuros projetos e o ato de renovação do mandato e a reconfirmação tanto
do representante político quanto do servidor público comunitário.29
25
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 117.
26
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 118.
27
SGARBI, Adrian. O referendo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 119.
28
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles; GARCIA, Maria (Org.). Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991. p. 481.
29
WOLKMER, Antônio Carlos. Direito e democracia. Direito, Estado e sociedade, Rio de Janeiro, n. 5, p. 1-8, ago./dez.
1994. p. 5.
30
WOLKMER, Antônio Carlos. Direito e democracia. Direito, Estado e sociedade, Rio de Janeiro, n. 5, p. 1-8, ago./dez.
1994. p. 5.
31
Essa tese defende o controle externo do Judiciário, pela sociedade, no que tange aos atos judiciários de natureza
exclusivamente administrativa.
32
São considerados os atos propriamente ditos quando a função jurisdicional se desenvolve em um universo de con
flito de interesses a serem resolvidos. Ao revés, se a atividade se realiza num processo em que inexiste conflito de
interesses, por não haver pretensão, denomina-se ato jurisdicional impropriamente dito. Portanto, quando inexiste
controvérsia, o processo é contencioso e, quando inexiste litígio, o processo é chamado de voluntário ou gracioso.
33
Clássica pergunta ressaltada pelo Professor Celso Lafer ao tratar da matéria, fazendo referência à obra DELMAS-
MARTY, Mireille. La refondation des pouvoirs. Paris: Seuil, 2007, em especial p. 38; 41-43; 67.
34
BOBBIO, Norberto. Formalismo juridico e formalismo ético. In: BOBBIO, Norberto; RUIZ MIGUEL, Alfonso
(Org.). Contribución a la teoria de derecho. Valencia: Fernando Torres, 1980. p. 105-117.
35
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sergio
Antônio Fabris, 1999. p. 113.
36
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles; GARCIA, Maria (Org.). Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991. p. 266.
37
Maria Garcia, lições de classe.
38
PÉREZ LUÑO, Antonio E. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitución. 5. ed. Madrid: Tecnos, 1995. p. 264.
39
Espinosa retoma o conceito republicano de que todo poder vem do povo (ESPINOSA, Baruch. Tratado teológico-
político. São Paulo: Martins Fontes, 2008).
40
GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria política do direito: a expansão política do
direito. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 7, nota 1 sobre estudos de Marilena
Chauí, notável estudiosa brasileira sobre Espinosa.
41
Espinosa considera que a expressão multitudo é a condição natural dos humanos determinada pelos conflitos das
paixões (medo, esperança, amor, ódio, ambição, inveja, ciúme, cólera, desejo de fama e de glória, generosidade,
compaixão), não sendo um sujeito coletivo homogêneo desejoso de liberdade, mas heterogêneo e sobretudo
passional (ESPINOSA, Baruch. Tratado teológico-político. São Paulo: Martins Fontes, 2008).
ciúme, cólera, desejo de fama e de glória, generosidade, compaixão), não sendo um sujeito
coletivo homogêneo desejoso de liberdade, mas heterogêneo e sobretudo passional.
Ensina-nos Espinosa, em seu Tratado teológico-político,42 que a multitudo pode ser
um animal feroz e perigoso a ser tratado com prudência e muita precaução. Nesse sentido,
vale ressaltar, no esteio do magistério acadêmico de Marilena Chauí, notável filósofa e
estudiosa maior do pensador no Brasil, que Espinosa presenciou o assassinato, em praça
pública, de dois governantes republicanos, massacrados nas ruas pela multidão agressiva e
estimulada pela mídia de época, que eram os pregadores calvinistas então defensores da
monarquia.43
A passagem supracitada é deveras significativa para que não se idealize romanti
camente a multitudo, pois, elogiando o pensador florentino, Espinosa destaca a assertiva
maquiavélica de que:
toda sociedade está dividida entre o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do
povo de não ser oprimido nem comandado e que esse desejo, por ser puramente negativo
(não ser oprimido, não ser comandado), precisa assumir uma positividade que o realize,
ou seja, uma política republicana e democrática.44
42
ESPINOSA, Baruch. Tratado teológico-político. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
43
GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria política do direito: a expansão política do
direito. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 7, nota 1. Marilena Chauí, citada nessa
nota, ressalta que Espinosa escreveu um cartaz que ia levar às ruas e que dizia ultimi barbarorum, “os últimos
bárbaros”, mas foi impedido por amigos que clamaram por sua segurança diante do perigo.
44
ESPINOSA, Baruch. Tratado teológico-político. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
45
BATISTA, Nilo. Merci, Loïc. In: BATISTA, Vera Malaguti (Org.). Loïc Wacquant e a questão penal no capitalismo
neoliberal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012.
46
HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Madrid: Centro, 1998.
Nesse sentido, vale aduzir o brilhante excerto do eminente Professor Nilo Batista,
em seu artigo Merci Loïc,47 ao comentar o problema:
3.5 Conclusões
A afirmação democrática e do Estado de Direito diante da conjuntura de crise
que hoje vivenciamos se revela como um dos assuntos mais importantes para o direito
constitucional contemporâneo brasileiro, especialmente em se tratando de nosso pobre
país, em que as instituições políticas pagaram e ainda pagam um preço inestimável pelos
47
BATISTA, Nilo. Merci, Loïc. In: BATISTA, Vera Malaguti (Org.). Loïc Wacquant e a questão penal no capitalismo
neoliberal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012.
48
Importante lembrar que a Lei Complementar nº 135/2010 que alterou o Estatuto das Inelegibilidades, a Lei
Complementar nº 64/1990, instituiu 8 (oito) anos de inelegibilidade aos apenados, o que podemos considerar, na
maior parte dos casos, como uma morte na política.
49
Sobre o assunto, oportuna é a lembrança do excerto do artigo de Nilo Batista, Merci, Loïc, ao asseverar:
“O sistema penal do capitalismo industrial ostentava cruel simplicidade: a fábrica, a penitenciária (invariavelmente
lesselegibility) e o exército de reserva, tudo sob o controle da criminalização da greve e da vadiagem. Simples,
silencioso e lucrativo” (BATISTA, Nilo. Merci, Loïc. In: BATISTA, Vera Malaguti (Org.). Loïc Wacquant e a questão
penal no capitalismo neoliberal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. Grifo nosso).
50
BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio, p. 3. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/
batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2018.
51
BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio, p. 6. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/
batista-nilo-midia-sistema-penal.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2018.
anos ditatoriais que nos condenaram, além de outras tantas coisas piores, à fragilidade
dos partidos políticos e dos sistemas eleitorais.
Crise não é motivo para violação do Estado de Direito. Não é motivo para desres
peito à Constituição da República. Crise não pode em hipótese alguma dar ensejo a uma
conjuntura quiçá aproximada de um estado de exceção.
Existem crises econômicas. Existem crises políticas. Contudo, o que não pode
acontecer é a transformação de uma crise política em crise institucional, colocando em
xeque a legitimidade das instituições da República.
Toda nação está sujeita ao que Maquiavel chamava de “a roda da fortuna”, pois
ora a sorte nos abraça e ora o revés político e econômico se faz presente em nossas vidas.
Assim é a política. Mas a marca consagradora da virtú maquiavélica é a
competência ou não de um político desenvolver uma estratégia eficaz de governo que
possa sobrestar as dificuldades impostas pela imprevisibilidade da história.
Desse modo, o “player político”, consagrado pela virtú, enfrenta as vicissitudes da
fortuna, e constrói uma estratégia para controlá-la e alcançar os seus objetivos.
Considerando a conjuntura atual e, pelo menos aprioristicamente, o compromisso
democrático, o agir político para o domínio das circunstâncias adversas, não se pode deixar
de ter, como eixo civilizatório, a manutenção do Estado de Direito e o respeito à Constituição,
sob pena de retroagirmos à barbárie digna da tipologia dos estados de exceção.
Não se toma o poder com um crime ou uma conspiração sem sujar o trono de
sangue. Essa é uma lição extraída da obra MacBeth, de Shakespeare, que não devemos
esquecer.
MacBeth é muito incômodo, porque ele revela o caráter da maldade humana,
aquela maldade oculta que de repente surge de uma ambição desenfreada de poder. É
o que vemos hoje no Brasil. A marca da maldade oculta.
Para quem o Brasil vive um momento perigoso de crescimento acelerado de
medidas próprias de um estado de exceção, que estão sendo praticadas cotidianamente,
e, o que é mais grave, naturalizadas, vulgarizadas, vale a lembrança desse excerto da
obra de Shakespeare, quando Lady MacBeth dizia, no ato V, cena I: “Aqui ainda há odor
de sangue. Nem todo perfume da Arábia deixaria essa mão cheirosa”.
Observa-se que nossa democracia vai assim se esfacelando e se transformando
em uma maquiagem, que confere a aparência de um Estado Democrático, mas ao invés
de ampliar e efetivar direitos vem suprimindo-os paulatinamente.
E o estado de exceção ocorre quando determinadas leis ou dispositivos legais
fundamentais são suspensos, no sentido de não serem mais aplicados. Isso quer dizer que
alguém, com poder institucionalizado, põe o direito que acha adequado para cada caso.
O soberano passa a ser aquele que decide sobre o estado de exceção, dizia Carl Schmitt.
Quando se suspende ou não se cumpre uma norma, notadamente uma norma
constitucional, e essa suspensão ou inércia na aplicabilidade não tem correção porque
quem tem que corrigir simplesmente não o faz ou convalida a suspensão, é porque o
horizonte começa a apontar para a exceção, ou seja, para o ovo da serpente.
E, nesse momento, os constitucionalistas precisam redobrar a atenção. E,
em especial, serem os agentes vigilantes na tarefa de reafirmarem o compromisso
democrático.
Juristas não podem virar torcedores cuja arquibancada predileta são as redes
sociais ou os julgamentos televisionados. Ainda que seja do seu próprio time. E essa
talvez seja a mais árdua das tarefas.
Kant nos ensinou que nossa razão também contém pressupostos importantes
para o modo como percebemos o mundo à nossa volta. Se você coloca óculos com lentes
vermelhas ou azuis, tudo ficará vermelho ou azul, pois as lentes dos óculos determinam
o modo como você percebe a realidade.
Os óculos das ideologias, assim como as premissas em nossa razão, levam a
nossa visão para as brumas das paixões. Mas nós precisamos amar o direito acima das
paixões. Mas, para isso, precisamos relembrar a velha lição socrática do “Conhece-te a
ti mesmo” e vencermos a nós mesmos.
Nesse sentido, vale parafrasear a lição do grande professor italiano Umberto
Eco, que asseverou, como crítico ácido do papel das novas tecnologias no processo de
disseminação da informação, “que as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”,
que antes falavam suas asneiras nos “botequins da vida” sem causar dano à coletividade.
Estamos à mercê da moral das ruas. O direito virou uma torcida de leigos.
O direito se transformou em disputa de qual moral pessoal valerá mais. E não devemos
esquecer que a voz do povo colocou Cristo na cruz.
Por isso, precisamos combater os julgamentos com escopo midiático, o que foi
intensificado com o televisionamento das sessões de julgamento dos tribunais superiores,
gerando os comentaristas leigos de ocasião. Face a essa conjuntura, defender a estrita
legalidade virou um ato revolucionário.
Então, por absoluta ignorância das regras do jogo democrático, a multitudo,
conceito-chave do pensamento político de Espinosa (o filósofo prefere não usar o termo
povo), define o sujeito político que é portador da soberania, perfazendo-se, no caso
brasileiro, na parcela da população advinda do lumpesinato, ou na classe média baixa
com sua tradicional postura conservadora e de ascensão social e em outros tantos por
compromisso ideológico revelado ou contido com posturas autoritárias, que considerará
o “bom juiz” justamente aquele que desconsiderar os direitos fundamentais assegurados
pela Constituição do país, pois tais direitos atrapalhariam o caráter messiânico do
“salvador da pátria”.
O mito do “bom juiz” vai sendo paulatinamente construído nas mentalidades tal
como se fosse um grande herói, de modo que, quando o momento demandado se fizer
“necessário”, o grande herói poderá desconsiderar direitos fundamentais assegurados
constitucionalmente, pois eles serão considerados, pela mass media, tão somente óbices
indesejáveis à luta do magistrado pela “moralização do país”.
Estaremos, enfim, em um perigoso estado de exceção quando as situações ora
apresentadas não causarem mais a necessária indignação na comunidade jurídica;
quando a parcela majoritária da comunidade jurídica justificar e naturalizar tal compor
tamento pelo argumento de que “os fins justificam os meios”. Nesse momento, estaremos
em uma rota de perigo institucional.
Observa-se, ainda, com atenta preocupação a odiosa criminalização da política. Não
podemos conduzir nossas atuações jurídicas motivados por manifestações midiáticas
alicerçadas pelos sentimentos de comoção popular e pela necessidade de dar satisfação
aos anseios de uma sociedade controlada pelos ditames dos meios de comunicação,
com o objetivo de expurgar da vida pública aquelas pessoas tidas como indesejáveis e
indignas do mandato popular, malgrado sejam elas, independentemente de juízos de
valor, representantes eleitos pela vontade popular.
52
SANTOS, Boaventura Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. Lisboa: Cortez, 1998.
Vivemos uma crise ética sem precedentes. E embora o direito não possa ficar
escravizado à moral, devemos tratar da crise ética, compreender essa mazela, para que
possamos buscar a superação por outros caminhos, certamente educacionais e culturais.
Entre as causas que alicerçam o nascimento da crise ética na condução dos
comportamentos públicos, encontra-se a desintegração das formas ordenadas da vida,
pois a ciência política nos ensina que a sociedade se forma e posteriormente ela mesma se
deprava, se desagrega e por fim desaparece se freios normativos não forem sedimentados
nas instituições como um todo.
A crise ética encontra seu berço natural na corrupção. E o eidos, a essência da
corrupção, se alicerça em três pilares. Em primeiro lugar, nas proposições ou juízos
de valor, pois existem certos padrões de lealdade, moral e virtude cívica que são
imprescindíveis para a manutenção de uma ordem política justa, equitativa e estável.
Ao contrário, podemos dizer que os atributos cardeais de um estado corrupto residem
no hedonismo exacerbado, no niilismo, no individualismo e no egoísmo social.
Num segundo plano, está a trilogia da desigualdade, na qual a busca pela riqueza,
pelo poder e pelo status desintegra o básico substancial dos políticos, gerando a perda da
lealdade civil básica, pois estes sacrificam-na em troca de galgar posições e de mantê-las.
Por fim, atenta-se à mudança da qualidade moral de vida do cidadão, somada à
desigualdade, gerando a deflagração das facções e dos grupos de interesses, conhecidos
como lobbies que, ao contrário de outros países, em nossa terra não são regulamentados
e fiscalizados como qualquer outra atividade, o que gera guetos em um submundo
invisível ao controle da sociedade civil organizada.
Precisamos de melhores pessoas. Precisamos voltar a ter pessoas extraordinárias,
para parafrasearmos Eric Hobsbawm, em obra que recebe este título, já que sabemos
todos que, na maioria dos casos, são os personagens “comuns” da história que, através
de atuações coletivas, desempenham papéis importantes na resistência dos povos, ainda
que por vezes ocultos pela história oficial.
Na luta política, mesmo na democrática, e aqui consideraremos, em respeito a
todos nós, a luta democrática que não recorre à violência, os homens serenos costumam
não ter como participar, pois os dois animais símbolos do homem político, e vamos para
isso recordar o capítulo XVIII do Príncipe de Maquiavel, são o leão e a raposa. Ensinava
Maquiavel, ao príncipe, a coragem do leão e a astúcia da raposa.
A política é a arte de domesticar feras. Em Dante, era Orfeu que domesticava as
feras. Mas esse dom de domesticar feras só consegue ser desenvolvido, ainda que na
política, quando também recorremos a um outro príncipe da literatura política.
Em A educação do príncipe cristão, de Erasmo de Rotterdam, as virtudes mais
elevadas do príncipe ideal são a clemência, a gentileza, a equidade, a civilidade, a
benignidade, a prudência, a integridade, a sobriedade, a temperança, a vigilância, a
beneficência e a honestidade. Essas são as virtudes de profunda esperança e fé em um
mundo melhor.
Devemos ser vozes corajosas na defesa do Estado de Direito, do devido processo
legal, pois nos dias de hoje um virtuoso acusador, com medo de virar culpado por
omissão, transforma até os advogados, defensores do acusado também em vilões.
Infelizmente, em toda classe profissional, ainda existem os que conclamam a
execração pública dos culpados, inclusive dos chamados “bodes expiatórios”, pois tais
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v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
4.1 Introdução
Os direitos políticos constituem o poder que os cidadãos têm de participar direta
ou indiretamente das decisões do seu Estado.1 Os direitos políticos são direitos públicos
subjetivos que investem o indivíduo no status civitatis, constituídos de instrumentos que
visam disciplinar as formas de atuação da soberania popular, permitindo o exercício da
liberdade de participação nos negócios políticos do Estado.
Este ensaio propõe-se a analisar a questão das pessoas jurídicas de direito privado
como titulares de direitos políticos. Segundo o Código Civil brasileiro (art. 44), são pessoas
jurídicas de direito privado: as associações, as sociedades, as fundações, as organizações
religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada.
Assim, a partir da abordagem das diversas perspectivas dos direitos políticos, será
analisada a titularidade em causa.
1
PEDRA, Adriano Sant’Ana; PEDRA, Anderson Sant’Ana. A inelegibilidade como consequência da rejeição de
contas. In: COELHO, Marcus Vinícius Furtado; AGRA, Walber de Moura (Org.). Direito eleitoral e democracia:
desafios e perspectivas. Brasília: OAB, 2010.
2
PEDRA, Adriano Sant’Ana. Legitimidade ativa na ação popular: uma crítica ao conceito reducionista de cidadão.
In: MESSA, Ana Flávia; FRANCISCO, José Carlos (Coord.). Ação popular. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 411-426.
3
PEDRA, Adriano Sant’Ana. A Constituição viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2005. p. 38.
4
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 54-55. t. II.
5
BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 49.
6
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002.
p. 75.
7
PEDRA, Adriano Sant’Ana. A Constituição viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2005. p. 39.
8
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 56.
9
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 57.
10
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 61.
11
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 67.
12
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 72.
13
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 73.
14
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 77.
os direitos políticos (ou de participação política) são direitos de cidadania, ou seja, direitos
dos indivíduos enquanto cidadãos, enquanto membros da “república”, que o mesmo é
dizer, da coletividade politicamente organizada e são simultaneamente parte integrante
e garantia do princípio democrático, constitucionalmente garantido.18
André Ramos Tavares19 leciona que “os direitos políticos perfazem o conjunto
de regras destinadas a regulamentar o exercício da soberania popular”, constituindo
“o conjunto de normas que disciplinam a intervenção, direta ou indireta, no poder”.
15
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 79-80.
16
O próprio Friedrich Müller exemplifica: “assim e.g. o direito eleitoral municipal para (determinados grupos
de) estrangeiros, ainda que eles não devam receber nenhum direito eleitoral para o Legislativo” (MÜLLER,
Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed. São Paulo:
Max Limonad, 2000. p. 113).
17
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 2. ed.
São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 111.
18
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada. Coimbra:
Coimbra, 2007. p. 664. v. I.
19
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 718.
Participação direta e ativa dos cidadãos é na Constituição, antes de mais, a eleição (arts. 10º,
nº 1, e 49º). E são também: a participação em associações e partidos políticos (art. 51º, nº 1),
o direito de representação (art. 52º, nº 1), a ação popular (art. 52º, nº 3), a apresentação de
candidaturas para Presidente da República (art. 127, nº 1) e para assembleias de freguesia
(art. 246º, nº 2), a participação na administração da justiça (art. 210º), a participação nos
plenários de cidadãos eleitores nas freguesias de população diminuta (art. 246º, nº 3); não
outras formas à margens destas ou contra estas.
20
BUENO, Jose Antônio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Nova
Edição, 1958. p. 459.
21
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 2007. p. 100-109. t. VII.
22
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 161. t. II.
23
PEDRA, Adriano Sant’Ana. Reforma política: compromissos e desafios da democracia brasileira. In: PEDRA,
Adriano Sant’Ana. Arquivos de direito público: as transformações do Estado brasileiro e as novas perspectivas para
o direito público. São Paulo: Método, 2007. p. 33.
24
STF. ADI nº 244/RJ. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ, 31 out. 2002. p. 19.
25
PEDRA, Adriano Sant’Ana. Democracia participativa no município. In: SOUSA, Horácio Augusto Mendes de;
FRAGA, Henrique Rocha. Direito municipal contemporâneo: novas tendências. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 56.
26
PEDRA, Adriano Sant’Ana. Cidadão: mais do que eleitor. A Gazeta, Vitória, 2 jul. 2006.
27
PEDRA, Adriano Sant’Ana. Democracia participativa no município. In: SOUSA, Horácio Augusto Mendes de;
FRAGA, Henrique Rocha. Direito municipal contemporâneo: novas tendências. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 57.
que haja incidido em abuso de autoridade. Tal possibilidade está contemplada na Lei
nº 4.898/1965, que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade
administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. Para tanto, o interessado
procederá mediante petição “dirigida à autoridade superior que tiver competência legal
para aplicar, à autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção” ou “dirigida ao
órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra
a autoridade culpada” (art. 2º).
Como se vê, inúmeras são as possibilidades de o cidadão participar ativamente
das decisões da polis. Restringir a participação política àqueles que são alistados
eleitoralmente é restringir – em alguns casos – desproporcionalmente um direito
fundamental.
No Brasil, o texto constitucional exclui do alistamento eleitoral os conscritos – que
se encontram engajados para prestação de serviço militar obrigatório – e os estrangeiros.
Entretanto, quanto a estes, convém consignar que há o direito dos portugueses
equiparados de exercerem direitos próprios de brasileiros (art. 12, §1º, CF), salvo aqueles
exclusivos de brasileiro nato. Todavia, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins28 também
anotam a possibilidade de os estrangeiros atuarem em partidos políticos:
Também neste contexto, Antonio Ibáñez Macías anota que a maioria dos imigrantes
estrangeiros residentes na Espanha carece dos direitos de sufrágio ativo e passivo nas
eleições, mas gozam de outros direitos políticos para sua integração social e política.
Acrescenta ainda o autor espanhol que estes direitos podem ser considerados
políticos porque constituem, em maior ou menor grau, formas de participação na vida
social e política e, portanto, de influência na formação da vontade estatal.
No Brasil, alguns direitos políticos conseguem sobreviver a uma interpretação
restritiva porque o texto constitucional ressalva expressamente a possibilidade do
seu exercício por todas as pessoas. É o caso do direito de petição, que é “um instituto
polivalente de participação política, de amplo espectro subjetivo, pois se estende a toda
28
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: RT, 2007. p. 95.
29
IBÁÑES MACÍAS, Antonio. El derecho de sufragio de los extranjeros. Madri: Dykinson, 2009. p. 91.
30
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 107.
31
PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales. 8. ed. Madri: Tecnos, 2004. p. 182.
32
“O constituinte oportunizou a todos o exercício do direito de petição, portanto, aqui devem ser entendidos pessoa
física, inclusive menor, jurídica, sindicatos, associações, grupos e coletividades. Abrangem-se brasileiros natos,
naturalizados, estrangeiros residentes ou temporários, enfim, qualquer pessoa. [...] O Ministério Público, a nosso
entender, goza de titularidade para a interposição do direito de petição, sendo alcançado pela interpretação do
signo ‘todos’” (BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito de petição: garantia constitucional. São Paulo: Método, 2004.
p. 125).
33
Segundo José Afonso da Silva, o direito de petição “não pode ser formulado pelas forças militares, como tais, o
que não impede reconhecer aos membros das Forças Armadas ou das polícias militares o direito individual de
petição, desde que sejam observadas as regras de hierarquia e disciplina” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.p. 442).
34
Deve-se ter especial cuidado quando for o caso de privação (suspensão ou perda) de direitos políticos (art. 15,
CF). Como foi visto aqui, o rol dos direitos políticos é muito grande, e não se pode falar apressadamente que as
hipóteses de privação de direitos políticos alcançariam todos eles, pois o texto constitucional prescreve a perda
ou suspensão “de” direitos políticos e não “dos” direitos políticos.
35
Vale mencionar ainda que a ação popular está prevista no art. 5º do texto constitucional, sob o capítulo “dos
direitos e deveres individuais e coletivos”, e não no art. 14, sob o capítulo “dos direitos políticos”, embora
também o seja.
30
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 107.
31
PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales. 8. ed. Madri: Tecnos, 2004. p. 182.
32
“O constituinte oportunizou a todos o exercício do direito de petição, portanto, aqui devem ser entendidos pessoa
física, inclusive menor, jurídica, sindicatos, associações, grupos e coletividades. Abrangem-se brasileiros natos,
naturalizados, estrangeiros residentes ou temporários, enfim, qualquer pessoa. [...] O Ministério Público, a nosso
entender, goza de titularidade para a interposição do direito de petição, sendo alcançado pela interpretação do
signo ‘todos’” (BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito de petição: garantia constitucional. São Paulo: Método, 2004.
p. 125).
33
Segundo José Afonso da Silva, o direito de petição “não pode ser formulado pelas forças militares, como tais, o
que não impede reconhecer aos membros das Forças Armadas ou das polícias militares o direito individual de
petição, desde que sejam observadas as regras de hierarquia e disciplina” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.p. 442).
34
Deve-se ter especial cuidado quando for o caso de privação (suspensão ou perda) de direitos políticos (art. 15,
CF). Como foi visto aqui, o rol dos direitos políticos é muito grande, e não se pode falar apressadamente que as
hipóteses de privação de direitos políticos alcançariam todos eles, pois o texto constitucional prescreve a perda
ou suspensão “de” direitos políticos e não “dos” direitos políticos.
35
Vale mencionar ainda que a ação popular está prevista no art. 5º do texto constitucional, sob o capítulo “dos
direitos e deveres individuais e coletivos”, e não no art. 14, sob o capítulo “dos direitos políticos”, embora
também o seja.
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ISBN 978-85-450-0496-7.
FILOMENO MORAES
5.1 Introdução
A Constituição Federal de 1988 contempla a possibilidade de realização, conjunta,
da democracia representativa com a democracia participativa ou direta, ao estabelecer
que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”. Assim, a produção de decisões políticas
advindas da atuação de representantes eleitos (vereadores, prefeitos, deputados
estaduais, governadores, deputados federais, senadores e presidente da República)
ou diretamente dos eleitores, abre a perspectiva de um modelo misto, de democracia
semidireta (MORAES, 2011; 2012). Neste passo, a Constituição Federal estabelece que
“a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto,
com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo;
III - iniciativa popular” (art. 14).
Como afirma Manuel Rodrigues Ferreira (2005, p. 15), “o direito do voto não foi
outorgado ao povo brasileiro ou por este conquistado à força ou imposto”. Na verdade,
“a tradição democrática do direito ao voto, de escolher governantes (locais), está de tal
maneira entranhada na nossa vida política, que remonta à fundação das primeiras vilas
e cidades brasileiras, logo após o Descobrimento”. Todavia, marchas e contramarchas,
avanços e recuos marcam o itinerário da cidadania eleitoral no Brasil.
(3) a partir das suas instituições levam-se a cabo tentativas sistemáticas de “despolitizar”
o tratamento de questões sociais, submetendo-se àquilo que se qualifica como critérios
neutros e objetivos de racionalidade técnica; (4) seu regime, não formalizado, porém
claramente vigente, implica o fechamento dos canais democráticos de acesso e, junto
com eles, dos critérios de representação popular ou de classe, ficando o acesso limitado
aos ocupantes da cúpula das grandes organizações, especialmente as Forças Armadas
e as grandes empresas privadas ou públicas.
Só foi com a debilitação do governo militar e a busca de parâmetros democráticos,
nas décadas de 70 e 80, que o país conquistou a cidadania política e a institucionalização
de uma democracia eleitoral. Coroada com a promulgação da CF/88, a recuperação ou
inauguração de franquias eleitorais transmutou o processo político em algo bastante
distinto do restante da história do país, sensivelmente marcada pela restrição à cidadania
eleitoral e por diversos fatores que não incentivavam a sua manifestação. É um longo
caminho que vai rotten system do Império e da República Velha à previsão constitucional
do “voto direto, secreto, universal e periódico” como cláusula pétrea.
1
Na recuperação da trajetória do sufrágio, voto e sistema eleitoral no Brasil devem ser consultados, entre outros,
Ferreira (2005), Braga (1990), Souza (1979), Nicolau (2004; 2012), Moraes e Silveira (2012), Porto (2004), Limongi
(2014; 2015) e Lynch (2014).
2017). Um dos mais finos analistas do processo eleitoral do seu tempo, dedicado à
política teórica e prática, José de Alencar (1868, p. 4-5), como ele próprio referia, havia
“apalpado os defeitos” das eleições, no seu terreno, no seu processo, nas atas levadas
à tarefa de verificação dos poderes, eleições, constatando que o “vício maior” das
eleições brasileiras estava na “qualificação defeituosa adotada pela legislação vigente”.
As revisões anuais, as juntas irresponsáveis, a dificuldade dos recursos, a confusão de
extensas listas e o poder discricionário das mesas paroquiais sobre o reconhecimento da
identidade do qualificado tornavam o direito de sufrágio incerto e precário e levavam à
extorsão da soberania popular. Assim, a permanência da qualificação e o melhoramento
de seu processo constituíam “o prólogo da reforma eleitoral”, a base sólida sobre que
posteriormente se levantasse qualquer sistema tendente a aperfeiçoar a representação
nacional. Em suma, a reforma era exigência da “dignidade nacional, enxovalhada nas
farsas eleitorais; a verdade do sistema prostituído pela fraude; o pundonor dos cidadãos
que sentavam no parlamento sem a consciência de sua legitimidade”.
A década de 70 e os inícios dos anos 80 do século XIX assistiram à movimentação
relevante pela reforma do sistema eleitoral, com a abolição das eleições indiretas.
O Gabinete Sinimbu tentou aprová-la na Câmara dos Deputados e, para tranquilizar os
grandes proprietários rurais, propôs a eliminação do voto dos analfabetos e a elevação
do censo, isto é, da renda mínima anual exigida para a inscrição nas listas eleitorais. Na
ocasião, questionando a “aristocracia eleitoral” e a “soberania de gramáticos” que se
pretendia implantar, o deputado José Bonifácio, o Moço (SILVA, 1979, p. 78), reverberava
a proposição legislativa, observando que “pelo recenseamento de 1872 o número dos
que sabem ler e escrever é apenas 1.013.055” resultando “dezenove partes da população
sem parte no governo do Império, senhoreadas pelo resto”.
O “projeto, injusto, violento, impolítico e cheio de perigos” acarretou a queda
do Gabinete Sinimbu, designando-se primeiro-ministro o Conselheiro José Antonio
Saraiva, que, por fim, logrou a aprovação do Decreto nº 3.029, de 9.1.1881 (Lei Saraiva).
Estabeleceu-se, então, que a escolha de senadores, deputados para a Assembleia Geral
e os membros das assembleias legislativas das províncias, assim como a eleição de
qualquer outra autoridade seriam procedidas do sistema de votação direta. Todavia,
com a contrapartida da vedação ao voto do analfabeto e o aumento do piso do censo.
Desde que se sai [...] do terreno puramente abstrato e da contemplação da forma, começam
a surgir as lacunas, as imperfeições e incoerências do sistema. Não tendo por fim regular
fatos da vida pública do povo e do país, atender às suas necessidades positivas, faltou ao
legislador o critério prático, próprio de um trabalho legislativo assentado sobre o terreno
da observação e da experiência, único que pode dar às leis uma feição inteligível, porque
reflete as formas da vida real democrática. (TORRES, 1982, p. 80)
Por seu turno, Oliveira Vianna (1927) também acentuou a disjunção entre o “país
legal” e o “país real”, como a base do seu diagnóstico do caráter utopicamente liberal
das instituições jurídico-políticas levadas a termo com a Constituição de 1891, em
contraste com o caráter clânico-oligárquico das instituições sociais. A seu ver, os “bons
rapazes, que se haviam adestrado em atirar pedras no governo, colhidos de surpresa
para a grave missão de estadistas, tiveram que improvisar às pressas um programa de
construção” (VIANNA, 1927, p. 23-24), com exagerada “crença no poder das fórmulas
escritas”. Assim, “os republicanos da Constituinte construíram um regímen político
baseado no pressuposto da opinião pública organizada, arregimentada e militante”,
de “uma opinião que não existia, e ainda não existe entre nós” (VIANNA, 1927, p. 43).
Para uns – positivistas e castilhistas – um mecanismo que requer substância, para além de
formalismos jurídicos e constitucionais; para outros – Alberto Torres e Oliveira Vianna –,
uma farsa, interditada por fatalismos atávicos e sociológicos; ainda para outros – Ruy
Barbosa, por exemplo, um imperativo para implantar a verdade do regime de 1891; para
gente, enfim como o bravo gaúcho proto-democrata brasileiro Joaquim Francisco Assis
Brasil [...] –, uma forma de organização da opinião nacional, vital à democratização do país.
2
Uma das pedras angulares da República Velha, a verificação de poderes pela Câmara dos Deputados foi
mecanismo instituído durante o governo de Campos Sales, favorecendo o poder das oligarquias contra as
tentativas de oposição e organizando “uma maioria arregimentada e resoluta”, no dizer de Campos Sales. De fato,
a verificação de poderes, como bem observou Assis Brasil, “substituiu-se à eleição. E que reconhecimentos! As
crônicas autênticas da época, as próprias atas dos corpos legislativos exibem casos de se fazer um representante
da nação por simples emenda, mandando trocar um nome por outro. E não simplesmente isso, mas um nome
que aparecia virtualmente sem votos por outro que os ostentava nos papéis eleitorais. A única atenuante era –
não se tratar verdadeiramente de averiguar quem era mais votado, porque ninguém a era: as eleições figuravam
na consciência pública como simples fantasmagoria” (BRASIL, 1990, p. 140).
“que é eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma
deste Código”.3
Para as eleições para a Câmara dos Deputados e as Assembleias Legislativas,
passava-se a obedecer ao sistema de representação proporcional,4 ultrapassando-se um
debate recorrente desde a época do Império entre majoritaristas e proporcionalistas.
Incluiu-se também no Código Eleitoral a representação classista, fruto das pressões
tenentistas, por meio do Clube 3 de Outubro.
O significado do Código Eleitoral, no que se refere ao processo de reconstitucio
nalização, foi enfatizado por Getúlio Vargas em discurso na sessão solene de abertura da
Assembleia Nacional Constituinte, ao afirmar que a reforma eleitoral foi compromisso
de candidato e “imposição inadiável ao assumir a chefia do governo revolucionário”
atestando-o “o Código Eleitoral, já qualificado ‘carta de alforria do povo brasileiro’, e o
pleito de 3 de maio, do qual se disse, unanimemente, ser a eleição mais livre e honesta
realizada, até hoje, no Brasil” (BRASIL, [s.d.]).
As conquistas do Código Eleitoral de 1932 foram, no geral, absorvidas pela
Constituição de 1934. Porém, o país logo entrou em estado de sítio e, em 1937, com a
inauguração do Estado Novo, a CF/34 foi sepultada, outorgando-se outra Constituição,
em que a representatividade do poder e o princípio democrático foram severamente
comprometidos.
3
O art. 4º do Código Eleitoral estabelecia: “Não podem alistar-se eleitores: a) os mendigos; b) os analfabetos;
c) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior. [...]”. Por sua vez, a qualificação
fazia-se ex officio ou por iniciativa do cidadão. Qualificavam-se ex officio: “a) os magistrados, os militares de terra
e mar, os funcionários públicos efetivos; b) os professores de estabelecimentos de ensino oficiais ou fiscalizados
pelo Governo; c) as pessoas que exerçam, com diploma científico, profissão liberal; c) os comerciantes com firma
registrada e os sócios de firma comercial registrada: e) os reservistas de 1ª categoria do Exército e da Armada,
licenciados nos anos anteriores” (art. 37).
4
“Art. 38. [...] §2º Na eleição do Presidente da República, dos Governadores dos Estados, dos membros do Conselho
Federal, ou para o preenchimento de vagas nas Câmaras Legislativas, prevalecerá o princípio majoritário”.
[...] Ora, se o Legislativo Federal é constituído, em sua maioria, por latifundiários, grandes
industriais, comerciantes e banqueiros, ou por seus representantes, como pretender possa
votar as reformas que contrariam os interesses dessa maioria conservadora?5
5
Ainda segundo Corbisier (1968, p. 168), a reforma eleitoral, entendida como democratização do processo de
constituição do poder, todavia, não bastava. Fazia-se necessário, também, “democratizar os partidos políticos,
fazendo-os funcionar de baixo para cima, das bases para as cúpulas”, pelo que uma lei orgânica dos partidos
deveria complementar a reforma eleitoral.
6
A Emenda Constitucional nº 97, de 4.10.2017, vedou as coligações partidárias nas eleições proporcionais e
estabeleceu cláusula de desempenho, a partir de 2020, para as eleições dos deputados federais.
7
O atual presidente da República é a voz mais loquaz em favor do tal “distritão” nas eleições proporcionais.
Em artigo em O Estado de São Paulo, arrolou razões jurídicas e políticas a justificarem a adoção do mecanismo
(TEMER, 2015, p. 2). Para tanto, extrai da Constituição Federal uma especiosa principiologia de decisão
majoritária, a envolver as eleições para o Legislativo e o Executivo, e as decisões judiciárias, que se dão por
maioria. E salienta que, como ponto fora da curva, “a única exceção à determinação de que a maioria é que fala
em nome do povo [...] é o critério de proporcionalidade obtido no quociente de votos”. Ademais, assevera que
“entre os valores constitucionais, vontade majoritária e partido político, deve prevalecer o primeiro”, quando
condena o voto proporcional e propõe o “distritão”.
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(Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
FUNDAMENTOS DA DEMOCRACIA
E O VOTO FACULTATIVO
6.1 Introdução1
Novamente se verifica a discussão sobre a necessidade das reformas políticas e do
sistema eleitoral no Brasil. Entre as diversas questões postas – remodelação dos partidos
políticos, discussão sobre as coligações, controle dos gastos dos partidos, voto distrital,
necessidade de se elaborar um código moderno e que dê mais segurança aos processos
eleitorais – temos a renovação do debate sobre a substituição do sistema de votação
obrigatória pela facultativa. No tocante a este ponto, há que se avaliar, não somente sob
o ponto de vista prático ou decorrente do puro “achismo”, o que muitas universidades
norte-americanas denominam argumentos fuzzy, ou seja, ocos, sem consistência científica,
se a mudança pretendida por boa parte da população no país pelo sistema do voto
facultativo retratará ou não os principais fundamentos da democracia que é a tradução
livre da vontade do povo na escolha de seus dirigentes ou legisladores.
Não há dúvida de que no Brasil de hoje, em função do que disposto no art. 14,
§1º, incs. I e II da Constituição Federal, adotou-se um sistema misto, pois o alistamento
eleitoral e o voto são: “I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II - facultativos
para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores
de dezoito anos”. Entretanto, a maioria dos brasileiros e com capacidade eleitoral se
encontra obrigada a votar, mesmo contra a sua vontade, e daí nos perguntamos se esta
opção política efetivada pela Constituição deve ou não prevalecer.
1
Este artigo é resultado da atualização e revisão de artigo originariamente publicado em obra coletiva: VARGAS,
Marco Antônio Martin; KIM, Richard Pae. Voto facultativo e os fundamentos da democracia: diálogos sobre
a noção de cidadania. MORAES, Alexandre de; KIM, Richard Pae (Coord.). Cidadania. São Paulo: Atlas, 2013.
p. 152-164.
2
SILVA, José Afonso da. Democracia participativa. Cadernos de Soluções Constitucionais, São Paulo, v. 2, p. 183-214,
2006. p. 183.
3
FERREIRA, Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno. São Paulo: Saraiva, 1971. p. 64.
4
DANTAS, Ana Florinda. Voto facultativo e cidadania. Revista do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, Maceió,
v. 1, n. 1, p. 13-26, 2007. p. 15.
5
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 25.
6
CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004. p. 79.
7
CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004. p. 80.
8
FERREIRA, Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 195.
9
MARSHAL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 37.
10
SMANIO, Gianpaolo Poggio. A conceituação da cidadania brasileira e a Constituição Federal de 1988. In:
MORAES, Alexandre de (Coord.). Os 20 Anos da Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Atlas,
2009. p. 337.
11
QUINTANA, Juan Blasco; SILVA, Benedicto (Coord.). Dicionário de ciências social. Rio de Janeiro: FGV, 1986.
p. 177.
12
SVARLIEN, Oscar; SILVA, Benedicto (Coord.). Dicionário de ciências social. Rio de Janeiro: FGV, 1986. p. 177.
13
SMANIO, Gianpaolo Poggio. A conceituação da cidadania brasileira e a Constituição Federal de 1988. In:
MORAES, Alexandre de (Coord.). Os 20 Anos da Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Atlas,
2009. p. 343.
14
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jurídico brasileiro. Diálogos e Debates – Revista Trimestral da Escola Paulista da Magistratura, ano 9, n. 4, ed. 36,
p. 22-28. p. 24.
15
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 120.
16
Veja que o art. 14, caput, da CF estabelece que a soberania popular “será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos” e no seu §3º, a Constituição prevê que “são condições de
elegibilidade, na forma da lei: I – a nacionalidade brasileira; II – o pleno exercício dos direitos políticos; III – o
alistamento eleitoral; IV – o domicílio eleitoral na circunscrição; V – a filiação partidária. VI – a idade mínima
[...]”.
17
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. São Paulo: Atlas, 2016. p. 50.
18
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 36. v. 1.
profissões, sendo que esta modalidade restritiva vigorou na história de nosso país até a
sua extirpação pela Emenda Constitucional nº 25/1985. Hoje, ao contrário, o analfabeto
tem garantido o seu direito de votar, ainda que o seu exercício seja facultativo, como
prevê o art. 14, §1º, inc. II, letra “a” da Constituição Federal. No sufrágio masculino
podia-se votar a totalidade dos homens que cumprissem com os requisitos legais e em
vários países se passou diretamente do sufrágio censitário ao universal, sem esta situação
de permeio. Entretanto, em alguns países como na Grécia (1822), França (1848), Suíça
(1848), Espanha (1891), Noruega (1897), Império Austro-Húngaro (1907), Suécia (1911),
Países Baixos (1917), Bélgica (1919), Reino Unido (1918) e Itália (1919), chegou a vigorar
esta forma restritiva de sufrágio durante décadas.19
O sufrágio igual, fundado no princípio da isonomia, significa que todos possuem
o mesmo poder político no processo eleitoral, razão pela qual se aplica a expressão
inglesa: one man, one vote.
Por sua vez, no sufrágio desigual, admite-se a “superioridade de determinados
votantes, pessoas qualificadas a quem se confere maior número de votos”, que se
espelha nos “princípios elitistas, oligárquicos e aristocráticos, de prevalência de classes
ou grupos sociais”,20 e que hoje não faz mais sentido, como ocorre nos casos de: voto
familiar, em que o pai de família acaba por deter o número de votos equivalentes aos de
seus filhos; voto plural, em que o indivíduo passa a votar mais de uma vez na mesma
eleição, desde que o faça na mesma circunscrição eleitoral; e, do voto múltiplo, em que
o eleitor pode votar mais de uma vez na mesma eleição, em diversas zonas eleitorais
de comarcas diferentes.
Podemos inferir, portanto, que a relação entre sufrágio e voto se encontra
intimamente ligada, na medida em que o voto representa o seu exercício. E é evidente
que a forma como esse direito deve ser exercido traça os limites efetivos do próprio
direito e o qualifica.
19
As datas se referem ao ano em que se iniciou este critério em cada país.
20
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 292. v. 1.
Veja-se que, portanto, o eleitor terá a sua inscrição cancelada e perderá a sua
condição como cidadão-eleitor, caso não restem cumpridos os requisitos mencionados.
Portanto, excluiu-se do eleitor, com esta sistemática, o direito dele de protestar pela sua
omissão perante as urnas, obrigando-o a um comparecimento sem maior sentido, como
já sabemos, os votos nulos e em branco não são computados para qualquer candidato,
partido ou coligação.
A legislação atual, como se verifica, transforma o cidadão que não concorda em
participar do sistema de escolha política em cidadão de segunda categoria, pois aquele
que não votar e deixar de justificar no prazo legal poderá ter contra si aplicadas oito
espécies de penalidades, a depender do caso concreto, a saber: a condenação ao paga
mento de multa; a proibição de se inscrever em concurso público ou de tomar posse
em cargo público; proibição de tirar passaporte ou carteira de identidade; proibição de
receber remuneração de órgãos e entidades estatais; proibição de participar de licitação
pública; impedimento de obter empréstimo de entidades financeiras estatais; proibição
de renovar matrícula de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo e, ainda, de praticar
qualquer ato para qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda. Ou seja,
transforma esse eleitor em um verdadeiro “fora da lei”.
Afirmar-se que este direito público subjetivo deve ser também um dever cívico
e que, por isso, seria obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70 anos, nos
termos do art. 14, §1º, da Constituição Federal, nos parece negar o próprio sentido de
democracia, não se podendo olvidar a colocação de Hannah Arendt (em sua clássica
obra A mentira na política) no sentido de que o sufrágio universal na democracia não
pode ser obtido pela obediência, mas o seu princípio deve ser compreendido como
funcionalidade de políticas públicas.
Ferreira Pinto chegou a sustentar que o sufrágio seria também um dever ao
afirmar que “é uma função da soberania popular na democracia representativa e na
democracia mista como um instrumento deste, e tal função social justifica a legitima a
sua imposição como um dever, posto que o cidadão tem o dever de manifestar a sua
vontade na democracia”,21 sugerindo que a massa popular não estaria preparada para
o voto facultativo.
Entretanto, hoje não há como se certificar a imaturidade do povo a exigir este tipo
de tutela estatal e tampouco há que se afirmar serem reduzidas as chances dos eleitores
de votarem em candidatos sérios e honestos. Decorridos quase oitenta e cinco anos de
voto obrigatório, mais especificamente, desde 1932, quando o governo provisório de
Getúlio Vargas o implantou por intermédio do primeiro Código Eleitoral brasileiro
(Decreto nº 21.076/32), não podemos chegar à conclusão de que foram escolhidos os
melhores candidatos, os mais honestos e capazes.
Nesse diapasão, Monica Herman Salem Caggiano22 bem demonstra a desneces
sidade de tutela do Estado na opção do eleitorado brasileiro com relação ao exercício
do voto, quando faz uma análise do eleitor nas eleições gerais de 2010:
21
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 295. v. 1.
22
CAGGIANO, Monica Herman Salem. O cidadão-eleitor, jogador com veto no processo eleitoral democrático.
Aspectos polêmicos e peculiares do cenário brasileiro. Eleições gerais 2010. In: LEAL, Victor Nunes.
A contemporaneidade do pensamento. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 26.
Merece reparo, ainda, o índice baixo de abstenção, de cerca de 18%, fator que insistem em
atribuir à obrigatoriedade do voto entre nós (consoante previsto no §1º do art. 14, CF). A
verdade é que a justificativa – quanto à ausência na votação – importa num procedimento
extremamente simples e as multas são irrisórias – isto quando não há anistia quanto às
sanções eleitorais – o que, na prática do cotidiano, conforma o nosso voto como facultativo.
Mais até, configurou a consulta eletiva de 2010 um megaespetáculo eleitoral, envolvendo
136,4 milhões de eleitores, um número 7,8% maior do que registrado no último pleito geral
de 2006, 26 Estados-membros da federação e mais o Distrito Federal, a seleção de Presidente,
Vice-Presidente, de 513 deputados federais, 54 senadores (2/3 do Senado), Governadores,
Vice-Governadores e deputados estaduais para as Assembléias Legislativas de cada um
dos Estados, sendo que só no de São Paulo 94. A taxa de abstenção, portanto, deve ser
considerada insignificante, confirmando a vocação eleitoral da cidadania brasileira.
23
SOARES, Paulo Henrique. Vantagens e desvantagens do voto obrigatório e do voto facultativo. Textos para
discussão, Brasília, n. 6, abr. 2004.
Em primeiro lugar, o voto no Brasil, há muito é facultativo: de 47 para cá, tivemos 20 projetos
de anistia; de 92 para cá, todas as eleições foram anistiadas. Nenhum de nós conhece alguém
que tenha sido punido ou recebido pena por ter deixado de votar.
Vivemos, na verdade, uma ficção: estamos nos enganando, pensando que o voto tem que
ser obrigatório. Acho que a obrigação do cidadão é ser eleitor – ter o título eleitoral é uma
obrigação, um documento; entretanto, o ato de votar é um direito de cidadania que a
pessoa exerce, e no seu exercício, na sua participação de cidadania, isso vai se ampliando.
Os países nos quais existe o voto obrigatório são aqueles onde mais vezes as constituições
foram rasgadas e mais vezes entramos na escuridão do arbítrio.
Então, essa questão do voto obrigatório, da obrigação de a pessoa participar, não serviu,
para promover a educação, ampliar a questão da democracia. A meu ver, o voto facultativo
amplia essa questão da democracia, serve para a educação do cidadão e faz com que as
pessoas compareçam, votem.
No Brasil, em Minas Gerais, por exemplo, há uma abstenção muito elevada, pessoas que não
comparecem e não exercem o direito democrático de poder escolher, de poder participar.
Temos também um número bastante elevado de votos em branco e votos nulos.
Talvez essa proposta de voto facultativo, há alguns anos, não tivesse sentido, mas com o
avanço da democracia brasileira, que tem sido demonstrada ao longo dos últimos tempos,
em todos os episódios – o impeachment do Presidente da República, em que houve uma
discussão, sem tanques nas ruas; uma discussão democrática, a participação na CPI do
Orçamento; agora, essa questão dos precatórios –, está havendo um amadurecimento
democrático muito grande na escolha nas eleições, na maneira de comportar-se e de julgar
por parte da população, vendo o que é certo e o que é errado, e, às vezes, bem à frente da
elite, pelo sentimento que tem das coisas.
Essa questão do voto facultativo, do direito do cidadão exercer, é bastante positiva. Mesmo
as pesquisas de opinião demonstram que praticamente 70% da população, no Brasil todo,
quer o voto facultativo. Isso é um avanço, é uma maneira de garantirmos o direito do
cidadão e acabar com a história daquele paternalismo, não de ser obrigado; se for obrigado, o
cidadão não vai. Há também outras coisas que não tem servido para avançar na democracia.
Na verdade, o nosso povo, a nossa gente, gosta de participar do processo político por esse
Brasil afora e participa dos comícios, das reuniões. Acho que se poderia dar um avanço
profundo nessa questão do voto facultativo.24
24
SENADO. Relatório nº 1 de 1998 da Comissão Temporária Interna para Estudos da Reforma Político-Partidária.
Diário do Senado Federal, p. 18393-18394, 11 dez. 1998.
Lira (PMDB/PB), Senador Reguffe (sem partido/DF), Senador Roberto Muniz (PP/BA),
Senador Romário (PSB/RJ), Senadora Simone Tebet (PMDB/MS), Senador Waldemir
Moka (PMDB/MS), Senador Wilder Morais (PP/GO) e outros. Imaginou-se que diante da
maciça adesão dos membros dessa Casa, o processo legislativo teria melhor condução do
que nas outras oportunidades. Entretanto, preocupa-nos o fato de que, ao menos até a
data do fechamento deste artigo,25 decorrido mais de 1 (um) ano do protocolo da proposta,
ainda não tenha sido designado um relator para a proposta de emenda constitucional.
Portanto, por ora, continuamos fora do sistema já adotado pela maioria dos
países. A título ilustrativo, eis o resultado do estudo realizado pela Central Intelligence
Agency – CIA, dos EUA, sobre a obrigatoriedade ou não do voto em 232 países, extraído
de levantamento feito pela Câmara dos Deputados:26
Dos 232 países do planeta, reconhecido pela CIA: 205 adotam VOTO FACULTATIVO (todos
do G8: EUA, Canadá, UK etc.); 24 adotam VOTO OBRIGATÓRIO (13 na América Latina:
Argentina, Brasil etc.); 1 adota sistema misto (facultativo, obrigatório apenas p/ presidente):
Áustria; 2 países não adotam eleições. Este fato (que demonstra que praticamente todos os
países desenvolvidos adotam voto facultativo) são um dos mais irrefutáveis argumentos a
favor da abolição do voto obrigatório e instituição do voto facultativo no Brasil e noutros
países do planeta.
A seguir, tradução livre da tabela da CIA:
1) VOTO FACULTATIVO = 205 países (praticamente todos os desenvolvidos do planeta,
todos do G8): EUA, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Japão, Rússia (G-8),
Israel, Finlândia, Espanha, Portugal, Suécia, Suíça, Irlanda, Dinamarca, Noruega, Países
Baixos (foi obrigatório entre 1917-1967), Mônaco, Polônia, Vaticano (Santa Sé), Coréia, Hong
Kong, Nova Zelândia, Romênia, Hungria, Croácia, Turquia, Tunísia, Índia, Cuba, África do
Sul, China (eleições só em vilas, iniciadas em 1978), Ilhas Caimã, Afeganistão, Irã, Iraque,
Arábia Saudita (monarquia), Venezuela (foi obrigatório até 1999), etc.
2) VOTO OBRIGATÓRIO (compulsory vote) = 24 países27 (sendo 13 na América Latina):
Argentina, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Chile, Congo (Rep. Democrática do Congo),
Costa Rica, Equador, Egito, Grécia, Honduras, Líbano, Líbia, Luxemburgo, México, Nauru,
Panamá, Paraguai, Peru, Rep. Dominicana, Singapura, Uruguai, e Tailândia.
3) VOTO MISTO (obrigatório para presidente, e facultativo para demais cargos): 1 país
(Áustria).
4) SEM ELEIÇÕES (none) = 2 países: Emirados Árabes Unidos e Saara Ocidental [...]
Entende-se que o voto é uma faculdade da pessoa, resultado de sua livre escolha e de sua
vontade. E, ato volitivo, para ser amplo e irrestrito, não há que ser obrigatório, visto que
a vontade é uma questão de consciência.
Não nos parece que devamos continuar a sustentar que embora o nosso país, hoje
entre as sete maiores economias do mundo, ainda se encontre habitado por cidadãos que
25
Fechamento ocorrido em 20.11.2017.
26
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda à Constituição nº__ , de 2012. Disponível em: <http://www.
camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=978583&filename=Tramitacao-PEC+159/2012>.
Acesso em: 1 out. 2012. Dados confirmados no sítio do The World Fact Book da Central Intelligence Agency
(CIA) (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Fact Book. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/
publications/the-world-factbook/fields/2123.html>. Acesso em: 20 nov. 2017).
27
Esses dados foram colhidos em 2012. Posteriormente, o Chile e a Líbia acabaram por adotar o sistema do voto
facultativo e, portanto, temos apenas 22 (vinte e dois) países que ainda mantêm a obrigatoriedade do voto em
todo o mundo.
não saibam participar politicamente das decisões do país de forma livre e que devam
ser obrigados a comparecer aos pleitos eleitorais. Aliás, definitivamente não se trata de
simples ônus político, uma vez que existe penalidade, sanção, para os casos de omissão
no cumprimento desta obrigação, como mencionamos nesse trabalho.
Não se olvida o fato de que nos países em que é adotado o voto facultativo, a
abstenção é maior do que naqueles em que o voto é obrigatório. Entretanto, embora
a média de abstenções para o primeiro grupo seja de 34,3% dos eleitores, o segundo
grupo não fica muito atrás, pois a média é de 25,8%, conforme levantamento do Idea
(International Institute for Democracy and Electoral Assistance) em 2016. Considerando que
nas eleições gerais de 2014 no Brasil, só a abstenção no primeiro turno foi de 19,4% e
que o absenteísmo brasileiro está abaixo da média dos últimos anos, que é de 25,8%,
podemos concluir por esses dados que o eleitor brasileiro é consciente e tem amplas
condições de participar da vida política no país, sem que seja sancionado por não exercer
o seu direito a voto.
Aliás, não nos parece correta a tese de que a desistência voluntária do exercício
do titular de um direito fundamental possa resultar na aplicação de uma penalidade a
este, seja com o estabelecimento de multa, ou mesmo de restrições ao pleno exercício
da cidadania, como o impedimento para a obtenção de documentos que viabilizem
a participação em concurso público ou mesmo para a obtenção de passaporte. Aliás,
tamanha é a irrazoabilidade dessas sanções que têm elas sido alvo de constantes ataques
institucionais e jurídicos, resultando muitas vezes em anistias que são concedidas com
o objetivo de minimizar os efeitos deletérios das penalidades.
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28
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
VARGAS, Marco Antônio Martin; KIM, Richard Pae. Fundamentos da democracia e o voto facultativo.
In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 193-207. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
7.1 Introdução
A epígrafe acima foi retirada da obra Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago,
que também inspira o título deste trabalho. A trama de Saramago se desenvolve a
partir de um evento específico: em um país imaginário, a imensa maioria do eleitorado
comparece às urnas, no dia da eleição, para votar em branco. No livro, a consequência
imediata de tal fato é a renovação da votação, com resultados ainda mais surpreendentes.
O número de votos válidos se reduz, e a onda branca se agrava, enquanto o governo e
as autoridades especulam sobre as possíveis causas daquele “corte de energia cívica”.
O pasmo inicial é rapidamente substituído por uma crise política. As condições da vida
democrática se degeneram e as instituições involuem para o autoritarismo.1 Embora se
trate de uma obra ficcional, o livro lança uma interessante premissa, bastante pertinente
ao contexto brasileiro atual. Desde pelo menos os anos 2000, movimentos pelo voto
nulo têm-se propagado pelo Brasil, particularmente nas redes sociais, defendendo que
mais da metade do eleitorado anule o próprio voto, com vistas a invalidar a votação
1
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a lucidez. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
2
O tema já foi amplamente explorado por: SILVA, Adriana Campos; SANTOS, Polianna Pereira dos; BARCELOS,
Júlia Rocha. Democracy and Information: The null vote and its misconception in Brazil. Revista Direitos
Fundamentais & Democracia, v. 22, n. 1, p. 257-277, 2017; SANTOS, Polianna Pereira dos. Voto e qualidade da
democracia: as distorções do sistema proporcional brasileiro. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017.
3
CAMPANHA do TSE nas redes sociais vai desmistificar mitos eleitorais. TSE, 16 jun. 2017. Disponível em:
<http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Junho/campanha-do-tse-nas-redes-sociais-vai-desmistificar-
mitos-eleitorais>. Acesso em: 6 nov. 2017. Outro artigo publicado na Revista Eletrônica da EJE, no site do TSE,
alerta: “É importante que o eleitor tenha consciência de que, votando nulo, não obterá nenhum efeito diferente
da desconsideração de seu voto” (SANTOS, Polianna Pereira dos. Voto nulo e novas eleições. Revista Eletrônica
EJE, v. 3, n. 4, 2013. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/institucional/escola-judiciaria-eleitoral/revistas-da-
eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-4-ano-3/voto-nulo-e-novas-eleicoes>. Acesso em: 6 maio 2017).
4
ANDRADE NETO, João. Mutações legais no direito eleitoral: repercussões no sistema das invalidades eleitorais
e na renovação das eleições. Resenha Eleitoral, v. 21, n. 2, 2017.
5
JELLINEK, Georg. Reforma y Mutación de la Constitución. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991.
p. 7. Ver também BULOS, Uadi Lamêgo. Da reforma à mutação constitucional. Revista de Informação Legislativa,
v. 33, n. 129, p. 25-43, 1996; PEDRA, Adriano Sant’Ana. Teoria da mutação constitucional: limites e possibilidades
das mudanças informais da constituição a partir da teoria da concretização. Tese (Doutorado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2009; PEDRON, Flávio Quinaud. Mutação
constitucional na crise do positivismo jurídico: história e crítica do conceito no marco da teoria do direito como
integridade. Belo Horizonte: Arraes, 2012.
6
ANDRADE NETO, João. Controle e judicialização das eleições: a legitimidade de juízes e tribunais eleitorais para
decidirem “questões políticas”. In: MORAES, Filomeno; SALGADO, Eneida Desiree; AIETA, Vânia Siciliano
(Org.). Justiça eleitoral, controle das eleições e soberania popular. Curitiba: Íthala, 2016. p. 277-315.
7
BULOS, Uadi Lamêgo. Da reforma à mutação constitucional. Revista de Informação Legislativa, v. 33, n. 129, p. 25-
43, 1996. p. 6.
8
ANDRADE NETO, João. Mutações legais no direito eleitoral: repercussões no sistema das invalidades eleitorais
e na renovação das eleições. Resenha Eleitoral, v. 21, n. 2, 2017.
9
JORGE, Flávio Cheim. A ação eleitoral como tutela dos direitos coletivos e a aplicação subsidiária do
microssitema processual coletivo e do Código de Processo Civil. In: TAVARES, André Ramos; AGRA, Walber
de Moura; LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Org.). O direito eleitoral e o Novo Código de Processo Civil. Belo
Horizonte: Fórum, 2016. p. 75–78.
10
Art. 77, §2º de BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Grifo nosso.
11
Art. 77, §3º de BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Grifo nosso.
12
Art. 28, caput: “A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos, realizar-
se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno,
se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de
janeiro do ano subseqüente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77” (BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.
htm>).
13
Art. 32, §2º: “A eleição do Governador e do Vice-Governador, observadas as regras do art. 77, e dos Deputados
Distritais coincidirá com a dos Governadores e Deputados Estaduais, para mandato de igual duração” (BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm>).
14
Art. 29, II: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez
dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: [...] II - eleição
do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato
dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77, no caso de Municípios com mais de duzentos mil
eleitores” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>).
15
Art. 3º: “Será considerado eleito Prefeito o candidato que obtiver a maioria dos votos, não computados os em
branco e os nulos” (BRASIL. Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Diário
Oficial, p. 21.801, 20 set. 1995).
16
COSTA, Tito. A propósito de votos em branco e votos nulos em eleições proporcionais e majoritárias. Estudos
Eleitorais, v. 1, n. 2, p. 131-137, 1997. p. 132. Cf. ALBUQUERQUE, Xavier de. Inconstitucionalidade do cômputo
dos votos em branco nas eleições proporcionais. Estudos Eleitorais, v. 1, n. 2, p. 79-93, 1997; e BONAVIDES, Paulo.
A Constituição e a invalidade do voto em branco. Estudos Eleitorais, v. 1, n. 2, p. 105-129, 1997, que, antes da
entrada em vigor da Lei nº 9.504/97, questionavam a constitucionalidade do art. 106 do CE em face dos arts. 45 e
77, §2º, da CRFB/88.
17
SANTOS, Polianna Pereira dos. Voto e qualidade da democracia: as distorções do sistema proporcional brasileiro.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 79-80.
LE, em 1997, os votos brancos deixaram de ser considerados para fins de apuração. O
art. 107 da Lei 9.504/97 revogou expressamente o art. 106 do Código Eleitoral. Em lugar
deste, o art. 5º da LE dispõe que, “Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos
apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias”.18
Desse modo, em ambos os sistemas proporcional e majoritário, nem os votos brancos
nem os originariamente nulos são válidos e, por isso, não se somam aos apurados – nem
para determinação dos candidatos eleitos, nem para cálculo do quociente eleitoral.
O Código Eleitoral prevê, no caput e nos incisos do art. 175,19 hipóteses de nulidade
dos votos por problemas nas cédulas e, nos §§1º e 2º do mesmo artigo, nulidades dos
votos individualmente considerados.20 Trata-se de invalidades decorrentes de vícios na
expressão da vontade do eleitor ou nos meios ou instrumentos físicos envolvidos no ato de
votar.21 Nesses casos, a manifestação do eleitor não se aperfeiçoa: ou era incompreensível
e não podia ser conhecida, como quando a cédula não era adequadamente marcada;
ou não era confiável, porque se materializou por meio questionável ou duvidoso. Essas
nulidades fazem com que os votos por elas contaminados não produzam nenhum efeito
jurídico. A nulidade dos votos assim comprometidos é anunciada já no momento da
apuração: os votos nulos não são apurados.22
Perceba-se que se fala aqui dos votos originalmente nulos, natimortos ou “estéreis”,
que não geram os efeitos jurídicos que ordinariamente se espera deles: serem computados
e somados aos demais, válidos, a fim de determinar os candidatos eleitos ou o número de
cadeiras ocupadas por cada partido ou coligação.23 A nulidade originária do voto é aquela
que ocorre “por ocasião do comparecimento do eleitor às urnas no dia da votação”.24
18
Art. 5º de BRASIL. Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial,
p. 21.801, 20 set. 1995.
19
“Art. 175. Serão nulas as cédulas: I - que não corresponderem ao modelo oficial; II - que não estiverem devidamente
autenticadas; III - que contiverem expressões, frases ou sinais que possam identificar o voto” (BRASIL. Lei
n. 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Diário Oficial, 19 jul. 1965).
20
“§1º Serão nulos os votos, em cada eleição majoritária: I - quando forem assinalados os nomes de dois ou mais
candidatos para o mesmo cargo; II - quando a assinalação estiver colocada fora do quadrilátero próprio, desde
que torne duvidosa a manifestação da vontade do eleitor. §2º Serão nulos os votos, em cada eleição pelo sistema
proporcional: I - quando o candidato não fôr indicado, através do nome ou do número, com clareza suficiente
para distinguí-lo de outro candidato ao mesmo cargo, mas de outro partido, e o eleitor não indicar a legenda;
II - se o eleitor escrever o nome de mais de um candidato ao mesmo cargo, pertencentes a partidos diversos,
ou, indicando apenas os números, o fizer também de candidatos de partidos diferentes; III - se o eleitor, não
manifestando preferência por candidato, ou o fazendo de modo que não se possa identificar o de sua preferência,
escrever duas ou mais legendas diferentes no espaço relativo à mesma eleição” (BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de
julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Diário Oficial, 19 jul. 1965).
21
De acordo com Fávila Ribeiro, no art. 175 do CE, “[...] figuram as nulidades referentes a vícios sobre os sufrágios
individualmente considerados”. Mas isso só é parcialmente verdadeiro, como se demonstra adiante, ao tratar do
§3º desse artigo (RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 397).
22
“Art. 174. As cédulas oficiais, à medida em que forem sendo abertas, serão examinadas e lidas em voz alta por
um dos componentes da Junta. §1º Após fazer a declaração dos votos em branco e antes de ser anunciado o
seguinte, será aposto na cédula, no lugar correspondente à indicação do voto, um carimbo com a expressão
‘em branco’, além da rubrica do presidente da turma. §2º O mesmo processo será adaptado para o voto nulo”
(BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Diário Oficial, 19 jul. 1965).
23
PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto. Brasília; São Paulo: Universidade de Brasília (UnB); Imprensa Oficial
do Estado, 2000. p. 454-455. Cf. GOMES, José Jairo. Invalidade no direito eleitoral: nulidade e anulabilidade de
votos. Revista Brasileira de Direito Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 63-104, 2009. p. 73, defendendo que, a rigor, não se trata de
votos nulos, mas inexistentes.
24
DIAS, Renata Lívia Arruda de Bessa. Os votos brancos e nulos no estado democrático de direito. Revista Estudos
Eleitorais, v. 8, n. 1, p. 27-54, 2013. p. 31.
25
HILL, Lisa; YOUNG, Sally. Protest or error? Informal voting and compulsory voting. Australian Journal of
Political Science, v. 42, n. 3, p. 515-521, 2007; MCALLISTER, Ian; MAKKAI, Toni. Institutions, society or protest?
Explaining invalid votes in Australian elections. Electoral Studies, v. 12, n. 1, p. 23-40, 1993; POWER, Timothy J.;
GARAND, James C. Determinants of invalid voting in Latin America. Electoral Studies, v. 26, n. 2, p. 432-444,
2007; UGGLA, Fredrik. Incompetence, alienation, or calculation?: Explaining levels of invalid ballots and extra-
parliamentary votes. Comparative Political Studies, v. 41, n. 8, p. 1141-1164, 2008.
26
ARBACHE, Guilherme; FREIRE, Danilo; RODRIGUES, Pietro. Invalid votes, political efficacy and lack of
preferences in Brazilian elections. IPSA Online Paper Room. Disponível em: <http://paperroom.ipsa.org/papers/
view/36099>. Acesso em: 6 maio 2017; MOISÉS, José Álvaro. Desafios da maioridade das eleições democráticas.
Em Debate, v. 1, p. 1-35, 2010.
27
DIAS, Renata Lívia Arruda de Bessa. Os votos brancos e nulos no estado democrático de direito. Revista Estudos
Eleitorais, v. 8, n. 1, p. 27-54, 2013. p. 37.
28
POWER, Timothy J.; ROBERTS, J. Timmons. Compulsory voting, invalid ballots, and abstention in Brazil.
Political Research Quarterly, v. 48, n. 4, p. 795, 1995.
29
NICOLAU, Jairo. Participação eleitoral no Brasil: evidências sobre o caso brasileiro. A questão social no novo
milênio, Coimbra, 2004. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/JairoNicolau.pdf>. Acesso em: 6
maio 2017.
30
NICOLAU, Jairo. Participação eleitoral no Brasil: evidências sobre o caso brasileiro. A questão social no novo
milênio, Coimbra, 2004. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/JairoNicolau.pdf>. Acesso em: 6
maio 2017.
31
MYATT, David P. A theory of protest voting. The Economic Journal, v. 127, n. 603, p. 1527-1567, 2017.
32
Ver, por ex., BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral 31696 - PE, de 28 maio 2013. Rel.
Min. Henrique Neves da Silva. Diário de Justiça Eletrônico, p. 166, 1º ago. 2013. p. 166.
33
CODATO, Adriano. Comportamento político e formas de protesto eleitoral: o voto nulo no Brasil e no Paraná.
Paraná Eleitoral, v. 62, p. 67-70, 2006. Cf. RAMOS, Paola Novaes. Alheamento eleitoral: reflexões sobre o
significado de votos em branco, votos nulos e abstenções na teoria política contemporânea. Mediações, v. 14, n.
1, p. 170-199, 2009. p. 178, contrapondo “A decisão por não escolher um candidato nas eleições”, o que a autora
denomina “alheamento eleitoral”, ao alheamento político.
34
Para uma concepção de política que abrange a competição político-partidária, mas não se confunde com esta,
ver ANDRADE NETO, João. Controle e judicialização das eleições: a legitimidade de juízes e tribunais eleitorais
para decidirem “questões políticas”. In: MORAES, Filomeno; SALGADO, Eneida Desiree; AIETA, Vânia
Siciliano (Org.). Justiça eleitoral, controle das eleições e soberania popular. Curitiba: Íthala, 2016. p. 289 ss.; ANDRADE
NETO, João. O positivismo jurídico e a legitimidade dos juízos eleitorais: a insuficiência da resposta juspositivista à
questão da judicialização da política. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), Belo Horizonte, 2010. Cap. 5.
35
Tal é a concepção que subjaz, por exemplo, a AMARAL, Roberto. Apontamentos para a reforma política: a
democracia representativa está morta; viva a democracia participativa. Revista de Informação Legislativa, v. 38,
n. 151, p. 29-65, 2001. p. 37, que afirma: “O conceito de democracia – qualquer – é incompatível com o absenteísmo,
pois a regra que a legitima é o governo produto da vontade da maioria, expressa no processo eleitoral”.
36
SANTOS, Eurico A. Gonzales Cursino dos. Da obrigatoriedade do voto. Revista de Informação Legislativa, v. 41,
n. 161, p. 101-105, 2004. p. 101.
37
Malberg trata da função desempenhada pelo eleitor que vota em CARRÉ DE MALBERG, Raymond. Teoría
general del Estado. México: Fondo de Cultura Económica, 2013. Cap. 3, §3º. Sobre a classificação de Hauriou,
Duguit e Carré de Malberg como representantes de uma teoria funcionalista do sufrágio, ver NOGUEIRA
ALCALÁ, Humberto. Regímenes políticos contemporáneos. 2. ed. Santiago: Jurídica de Chile, 1993. p. 87-88. Para
uma crítica do que denomina teorias jurídica e institucionalista da representação, ver URBINATI, Nadia. O
que torna a representação democrática? Lua Nova – Revista de Cultura e Política, n. 67, p. 191-228, 2006. p. 200-
201, observando que essa visão supõe “[...] que a identidade jurídica do eleitor/autorizador é vazia, abstrata e
anônima, sua funcão consistindo em ‘nomear’ políticos profissionais que tomem decisões às quais os eleitores se
submetem voluntariamente”. Para a autora, sob tal prisma, “a representação perde todo o seu caráter político e é
identificada com o ato de instituição da função de um orgão; a separação entre o cargo e o agente ou a formação
do Estado no sentido weberiano qualifica esta concepção como uma teoria do funcionalismo”.
38
Veja-se, por exemplo, MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. atual. até a EC 64/2010. São
Paulo: Malheiros, 2010; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros,
2008.
39
O projeto político instituído pela CRFB/88 é, portanto, simultaneamente coletivo e individual, nos termos
definidos por MANIN, Bernard. Legitimidade e deliberação política. In: WERLE, Denilson Luís; MELO, Rúrion
Soares (Org.). Democracia deliberativa. São Paulo: Esfera Pública, 2007. p. 31.
40
WALZER, Michael. Deliberação, e o que mais? In: WERLE, Denilson Luís; MELO, Rúrion Soares (Org.).
Democracia deliberativa. São Paulo: Esfera Pública, 2007. p. 306. Cf. ALMOND, Gabriel A.; VERBA, Sidney. The
civic culture: political attitudes and democracy in five nations. New ed. Newbury Park, Calif: Sage Publications,
1989. p. 14, para quem a orientação política dos indivíduos é composta não apenas por elementos cognitivos e
avaliativos, mas também afetivos.
de votantes que definirão o resultado do pleito, tanto por protesto quanto por apatia
ou indiferença.41
Desse modo, os debates doutrinários sobre a natureza do sufrágio, se direito ou
função, expostos com clareza por Bonavides,42 resolvem-se na CRFB/88 em favor do
sufrágio como direito. Conquanto o voto seja formalmente obrigatório e por meio dele
se expresse a soberania popular a ser convertida em vontade estatal, ele é, antes de tudo,
um direito individual. Disso decorre a liberdade do cidadão para decidir inclusive acerca
de seu próprio grau de engajamento ou participação na comunidade política. Conforme
adverte Walzer,43 o direito de cada um de participar da deliberação pública não cria um
dever jurídico de participação qualificada nem autoriza a desqualificação das escolhas
daqueles que optam por não se engajarem mais ativamente no debate político-partidário:
[...] o corpo de cidadãos não é uma comissão de pesquisa, deliberando, por exemplo, sobre o
candidato mais qualificado para o Senado ou para a Presidência. [...] certamente precisamos
de eleitores que considerem cuidadosamente as evidências disponíveis e reflitam longa e
duramente sobre os argumentos dos candidatos e partidos em disputa. Mas eles não têm
por que se desqualificar a si mesmos se, devido aos seus interesses atuais ou compromissos
prévios, não podem ou não querem dar atenção a cada um dos competidores. Nem
estão impedidos de escolherem, por razões não deliberativas, as questões sobre as quais
centralizam suas considerações e reflexões.44
Tal conclusão se aplica sem ressalvas à decisão quanto a anular o voto ou não.
A CRFB/88 não elege as razões pelas quais eleitor deve se orientar ao decidir por votar
em um partido ou candidato ou por anular o voto, de modo que toda e qualquer razão
deve ser admitida. Isso traz sérias dificuldades à ideia de que o voto originalmente nulo
por vontade do eleitor é necessariamente um “voto de protesto” em sentido forte, isto
é, um caso de objeção de consciência ou mesmo de desobediência civil.45 Pois, embora
o voto originariamente nulo por vontade do eleitor seja político, ele não é – ao menos
não necessariamente – politicamente engajado. O eleitor pode anular o voto por ser
essa a expressão sincera de uma convicção política, garantida pelo direito à objeção de
consciência previsto no inc. VIII do art. 5º da CRFB/88.46 Mas pode igualmente anular seu
voto por, por exemplo, não se sentir suficientemente informado para decidir acerca do
melhor partido ou candidato, delegando a outros essa decisão, sem, com isso, pretender
colocar em questão o arranjo político-eleitoral vigente ou expressar uma convicção
41
Ver Paola Novaes Ramos, para mais sobre o voto nulo como manifestação do alheamento eleitoral (RAMOS,
Paola Novaes. Alheamento eleitoral: reflexões sobre o significado de votos em branco, votos nulos e abstenções
na teoria política contemporânea. Mediações, v. 14, n. 1, p. 170-199, 2009).
42
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. Cap. 16.
43
WALZER, Michael. Deliberação, e o que mais? In: WERLE, Denilson Luís; MELO, Rúrion Soares (Org.).
Democracia deliberativa. São Paulo: Esfera Pública, 2007.
44
WALZER, Michael. Deliberação, e o que mais? In: WERLE, Denilson Luís; MELO, Rúrion Soares (Org.).
Democracia deliberativa. São Paulo: Esfera Pública, 2007. p. 305-306.
45
CARNEIRO, Renato César. Os votos brancos e nulos como atos de desobediência civil. Revista de Julgados, n. 8,
2004.
46
Art. 5º, VIII: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei [...]” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>).
47
Conforme explica Michael Walzer, o conceito de consciência proveio da ideia de “[...] um tribunal interior de
julgamento moral, dado a nós por Deus”. Hodiernamente, porém, há dois modos de concebê-la sem vinculá-
la a seu sentido religioso original, e ambos exigem um grau de convicção ou comprometimento. Em primeiro
lugar, “Podemos descrever a consciência como ‘um código moral meramente pessoal’ [...]”, se supormos
“[...] que qualquer ‘crença sincera’ pode ser chamada de religiosa se ‘preencher o mesmo lugar’ na vida do
indivíduo que a crença em deus”. É essa a concepção de consciência predominante no direito estadunidense
relativo ao recrutamento militar, por exemplo. Contudo, não é necessário exigir da consciência tal grau de
intensidade, transformá-la em um substituto da fé religiosa, ou reduzi-la a uma opção individualista. Ela pode
ser alternativamente “[...] descrita como um conhecimento moral que compartilhamos, não com Deus, mas com
outras pessoas – nossos concidadãos ou nossos camaradas em um movimento, partido ou seita”. Assim, “[...] a
objeção conscienciosa, em sua [segunda] forma não religiosa, é o resultado do pluralismo político [...]” (WALZER,
Michael. Das obrigações políticas: ensaios sobre desobediência, guerra e cidadania. Tradução de Helena Maria
Camacho Martins Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 106; 113-114; 116). É essa a concepção de consciência
implícita no texto constitucional brasileiro: a de um conjunto de razões religiosas, políticas ou filosóficas.
O inc. VIII do art. 5º da CRFB/88, que garante a escusa de consciência, fala tanto em “crença religiosa” quanto em
“convicção filosófica ou política” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>). E não poderia ser diferente, já que, como
adverte Walzer, “O esforço para se fazer uma distinção entre ‘estar comprometido com uma doutrina política’
e ‘estar comprometido com uma doutrina moral (religiosa)’ é inteiramente sem sentido e fútil, a menos que a
política seja definida de forma tão limitada que ninguém terá probabilidade de ser um opositor contencioso
por amor a ela” (WALZER, Michael. Das obrigações políticas: ensaios sobre desobediência, guerra e cidadania.
Tradução de Helena Maria Camacho Martins Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 116).
48
Art. 5º, IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato [...]” (BRASIL. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm>).
49
NICOLAU, Jairo. Participação eleitoral no Brasil: evidências sobre o caso brasileiro. A questão social no novo
milênio, Coimbra, 2004. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/JairoNicolau.pdf>. Acesso em:
6 maio 2017.
50
PASQUINO, Gianfranco. Abstencionismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco
(Org.). Dicionário de política. 11. ed. Tradução de Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira et al.
Brasília: Universidade de Brasília (UnB), 1998, v. I. p. 7.
algum(ns) entre os partidos e candidatos em disputa, sem, com isso, violar-lhe o direito
fundamental de abster-se de escolher,51 seja em razão de convicções políticas sinceras,
seja por apatia ou indiferença. Um Estado Democrático de Direito que institua a
obrigatoriedade do voto, como é o caso do Brasil, tem de necessariamente admitir que
o cidadão decida não sufragar nenhum dos partidos ou candidatos que disputam a
eleição, sob pena de converter-se em um Estado tirânico ou totalitário.
51
No mesmo sentido, FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. O voto: direito ou dever? Revista de Direito
Constitucional e Internacional, v. 48, p. 91-101, 2004: “quando se fala que o voto é obrigatório, nos moldes previstos
pelo sistema constitucional brasileiro, se está a fazer referência à obrigatoriedade formal, ou seja, àquela que não
está afeta ao conteúdo do voto”.
52
“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger
a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato,
e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de
função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>).
53
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 36.
54
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 33.
55
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 41-48.
56
RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 395. Advirta-se, porém, que, a despeito
da tentativa de agrupar os arts. 165, 175 e 219 a 223 do CE em um sistema, as inconsistências decorrentes de sua
interpretação conjunta são patentes.
57
BRAMRAITER, Juliana. Os reais efeitos do voto nulo na atualidade e seu reflexo para o regime da democracia
representativa no Brasil. Revista Estudos Legislativos, v. 7, n. 7, p. 61-93, 2013. p. 65-69.
58
“Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o
art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei. [...] 237. A interferência
do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão
coibidos e punidos” (BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Diário Oficial, 19 jul.
1965).
59
Observe-se que é um erro considerar que as demais invalidades eleitorais decorrem de atos lícitos e reservar a
expressão “ilícitos eleitorais” apenas aos ilícitos eleitorais típicos, como exemplo, o abuso de poder, as condutas
vedadas ou a captação ilícita de sufrágio. Nas palavras de Marcos Bernardes de Mello, a invalidade é em si uma
sanção e atos inválidos são, portanto, ilícitos: “se a contrariedade a direito constitui elemento cerne da ilicitude e
é, também, o fundamento da invalidade dos atos jurídicos, não é possível extrair-se outra conclusão senão a de
que o ato jurídico inválido integra o gênero fato jurídico ilícito lato sensu” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria
do fato jurídico: plano da validade. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p.51).
60
ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 68.
Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais,
do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais,
61
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Gen, Atlas, 2016. p. 845.
julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do
prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.62
62
BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Diário Oficial, 19 jul. 1965. Grifos nossos.
63
GOMES, José Jairo. Invalidade no direito eleitoral: nulidade e anulabilidade de votos. Revista Brasileira de Direito
Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 63-104, 2009. p. 72.
64
ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 76.
65
ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 73.
66
O conceito de efeitos jurídicos extrínsecos, em oposição aos intrínsecos, é essencial a vários subsistemas eleitorais.
Sobre sua importância para o subsistema das inelegibilidades, ver GRESTA, Roberta Maia et al. Por que a Lei
da Ficha Limpa incide sobre situações jurídicas constituídas antes de sua vigência: duas objeções superadas. In:
SOARES, Igor Alves Noberto et al. (Org.). Coletânea de artigos jurídicos NAP 2011. Curitiba: CRV, 2012. p. 207.
67
“1. Não há possibilidade de ajuizamento de representação a fim de postular a nulidade de pleito majoritário e
convocação de novas eleições, tendo em vista a falta de fundamento legal que ampare a postulação por intermédio
do meio processual preconizado. 2. A manifestação do juízo eleitoral, no que concerne ao requerimento de
nova eleição, consubstancia-se pronunciamento que se exaure em matéria afeta à atividade administrativa da
Justiça Eleitoral, daí porque não cabe recurso, mas faculta-se à parte interessada jurisdicionalizar a questão
por intermédio das vias cabíveis” (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Especial Eleitoral
26.097 - SP, de 12 jun. 2007. Rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos. Diário de Justiça, p. 185, 24 ago. 2007. p. 185).
Como ocorre com o caput do art. 224 do CE, implícita no §3º está a ideia de que a
própria eleição para cargo majoritário é inválida e tem de ser renovada na circunscrição
se os votos ou a votação obtidos pelo candidato eleito são inválidos. Trata-se, igualmente,
de um efeito extrínseco que necessariamente decorre de um fato jurídico. Aqui, porém, o
fato jurídico tomado como gerador da invalidade é a própria decisão da Justiça Eleitoral
que indefere o registro, desconstitui o diploma ou cassa o registro, o diploma ou o
mandato, o que torna irrelevante se, confrontada com os números totais da eleição para
o cargo na circunscrição, a invalidade compromete mais ou menos da metade dos votos.
A possibilidade de conciliação do caput com o §3º do art. 224 do CE já foi objeto
de consideração do TSE na Resolução nº 23.456/201568 e no julgamento dos Embargos
de Declaração no Recurso Especial Eleitoral (ED REspe) nº 139-25, de 2016.69 Nos dois
casos, o TSE firmou o entendimento de que a incompatibilidade entre as regras é apenas
aparente. Cada uma delas se refere a hipóteses diversas: “a regra do §3º se aplica quando
o candidato mais votado [nas eleições majoritárias], independentemente do percentual
de votos obtidos, tem o seu registro negado ou o seu diploma ou mandato cassado”,
enquanto “o caput se aplica quando a soma dos votos nulos dados a candidatos que não
obteriam o primeiro lugar [nas eleições majoritárias ou proporcionais] ultrapassa 50%
dos votos dados a todos os candidatos (registrados ou não)”.70
O §3º, que é norma mais restrita, só incide, portanto, sobre os casos de cassação ou
indeferimento do registro de candidatos eleitos pelo sistema majoritário. Mesmo nesse
universo, há considerável dúvida acerca de sua aplicação a senadores71 e presidentes
da república.72 Consensual é apenas sua incidência sobre governadores e prefeitos
de municípios com mais de 200.000 eleitores.73 Em todo caso, se não se está diante de
uma decisão da Justiça Eleitoral acerca de candidatos eleitos pelo sistema majoritário –
isto é, se se trata de vereadores e deputados, eleitos pelo sistema proporcional, ou de
candidatos a prefeito e governador que não foram eleitos, mas ficaram em segundo ou
terceiro lugar, por exemplo –, a norma a aplicar é o caput do art. 224 do CE. Neste caso,
conquanto a votação obtida pelos candidatos cassados ou não registrados seja toda ela
68
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 23.456, de 15 dez. 2015. Dispõe sobre os atos preparatórios
para as eleições de 2016. Diário de Justiça, 24 dez. 2015.
69
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral 139-25/RS, de 27 nov.
2016. Rel. Min. Henrique Neves da Silva. Publicado na sessão de 28 nov. 2016.
70
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral 139-25/RS, de 27 nov.
2016. Rel. Min. Henrique Neves da Silva. Publicado na sessão de 28 nov. 2016.
71
A suposta inconstitucionalidade da aplicação do §3º do art. 224 do CE às hipóteses de indeferimento de registro,
cassação de diploma e perda do mandato de senador, é objeto das ADIs nºs 5.525 (BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.525/DF, de 13 maio 2016. Rel. Min. Roberto Barroso. Requerente:
Procuradoria Geral da República.), e 5.619 (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade
5.619/DF, de 31 out. 2016. Rel. Min. Roberto Barroso. Requerente: Partido Social Democrático (PSDB)).
72
Ver, por exemplo, os recentes artigos; BERNARDELLI, Paula. Justiça Eleitoral está imprevisível no caso da
cassação da chapa Dilma-Temer. Justificando, 21 mar. 2017. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.
br/2017/03/21/justica-eleitoral-esta-imprevisivel-no-caso-da-cassacao-da-chapa-dilma-temer/>. Acesso em: 6
maio 2017; GRESTA, Roberta Maia. Ações contra Dilma e Temer e o cenário político eleitoral. Jota, 29 abr. 2016.
Disponível em: <https://jota.info/colunas/e-leitor/e-leitor-o-que-acoes-contra-dilma-e-temer-podem-reservar-ao-
cenario-politico-29042016>. Acesso em: 6 maio 2017.
73
A suposta inconstitucionalidade da aplicação do §3º às hipóteses de indeferimento de registro, cassação de
diploma e perda de mandato de prefeito de municípios com 200.000 eleitores ou menos é objeto da ADI nº 5.619,
na qual a PGR se manifestou pela improcedência desse pedido (ou seja, pela constitucionalidade da aplicação)
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.619/DF, de 31 out. 2016. Rel. Min.
Roberto Barroso. Requerente: Partido Social Democrático (PSDB)).
74
NEISSER, Fernando. A ação de ressarcimento de danos causados à União no caso da anulação de eleições
pela Justiça Eleitoral. In: AGRA, Walber de Moura; PEREIRA, Luiz Fernando; TAVARES, André Ramos (Org.).
O direito eleitoral e o Novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 452-453.
75
Essas hipóteses foram detalhadamente analisadas em: ANDRADE NETO, João. Mutações legais no direito
eleitoral: repercussões no sistema das invalidades eleitorais e na renovação das eleições. Resenha Eleitoral, v. 21,
n. 2, 2017.
76
Neste grupo, também se inserem as hipóteses do art. 220 do CE, que prevê casos de nulidade da votação
decorrentes do desrespeito a formalidades que a lei considera essenciais.
77
Está-se, aqui, diante de outro caso recente de mutação legal no direito eleitoral. Até algumas décadas atrás,
a doutrina reservava a expressão “eleições suplementares” exclusivamente para a renovação das eleições
Isso significa que, de acordo com a atual jurisprudência do TSE, no Direito Eleitoral
vigente, só há duas hipóteses de invalidade que podem levar à renovação das eleições
por aplicação do art. 224 do CE:
c) A anulação da votação obtida por candidatos beneficiados por fraude, cor
rupção, abuso de poder, conduta vedada, captação ilícita de sufrágio, ou
captação e gastos de recursos ilícitos e condenados pela Justiça Eleitoral em
uma ação eleitoral típica (AIJE, AIME e representação cujo rito segue o art. 22
da LC nº 64/90), nos termos do art. 222 c/c o art. 237 do CE. Esses artigos visam
garantir a autenticidade eleitoral em sentido substantivo. O objetivo principal
dessas normas é recompor a legitimidade das eleições que tenha sido compro
metida por algum ilícito eleitoral típico.
d) A nulificação dos votos dados a candidatos cujo registro for: indeferido após
as eleições ou o fechamento das urnas eletrônicas, nos casos de improcedência
do RCand ou procedência da AIRC; ou desconstituído, no caso de provimento
do RCED. Essas ações são genericamente chamadas de ações de arguição de
inelegibilidade e a nulidade dos votos delas decorrente está prevista no §3º do
art. 175 do CE.
Esse entendimento do TSE é amplamente respaldado pela doutrina contempo
rânea.78 Ele carrega duas consequências importantes. Em primeiro lugar, a invalidade
e a renovação das eleições dela decorrente serão necessariamente provocadas por uma
decisão judicial proferida por um juiz ou tribunal eleitoral no exercício da jurisdição,
em ações nas quais os eleitores não integram o polo ativo.79 E, em segundo lugar, a
incidência do art. 224 do CE será sempre efeito anexo de uma decisão judicial que não
tem por objeto a arguição de nulidade ou anulabilidade e que, portanto, prescinde tanto
de um pedido nesse sentido quanto da provocação da parte interessada.80
decorrentes da invalidação de seções eleitorais específicas, prevista no art. 187 do CE. Ver, por exemplo,
RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 319; 388. Tal entendimento era confirmado
pela jurisprudência do TSE, segundo a qual, “Verificado que os votos anulados da seção eleitoral podem alterar
a representação partidária na Câmara Municipal, deve o TRE marcar a realização de eleição suplementar para
renovação da votação [...]” (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão 10.854 no Recurso Especial Eleitoral
8.404 - PR, de 17 ago. 1989. Rel. Min. Romildo Bueno de Souza. Diário de Justiça, 13 out. 1989). Ainda hoje, o
uso da expressão “eleições suplementares” para indicar exclusivamente as eleições convocadas nos termos do
art. 187 do CE, isto é, em razão da invalidação de seções eleitorais específicas, é respaldado por autores como
REIS, Márlon Jacinto. O Novo 3º do art. 224 do Código Eleitoral e a posse do segundo colocado. Eleições &
Cidadania, v. 4, n. 4, p. 343-364, 2012. p. 354-355, e ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre:
Verbo Jurídico, 2016. p. 73. No entanto, tal sentido restrito foi abandonado pelo TSE, que passou a se valer da
expressão “eleições suplementares” para tratar indistintamente da renovação das eleições em razão da anulação
de seções específicas ou da invalidação das eleições como um todo. Ver, por exemplo, BRASIL. Tribunal Superior
Eleitoral. Acórdão no Mandado de Segurança 147.854 - SC, de 20 mar. 2012. Rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro
de Oliveira. Diário de Justiça Eletrônico, t. 96, 23 maio 2012.
78
Ver, por ex., GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Gen, Atlas, 2016. p. 844-
845; NEISSER, Fernando. A ação de ressarcimento de danos causados à União no caso da anulação de eleições
pela Justiça Eleitoral. In: AGRA, Walber de Moura; PEREIRA, Luiz Fernando; TAVARES, André Ramos (Org.).
O direito eleitoral e o Novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 437.
79
REIS, Márlon Jacinto. O Novo 3º do art. 224 do Código Eleitoral e a posse do segundo colocado. Eleições &
Cidadania, v. 4, n. 4, p. 343-364, 2012. p. 353.
80
Este é outro importante ponto em relação ao qual se operou uma mutação legal. O Código Eleitoral ainda prevê
meios autônomos para a decretação da invalidade de atos eleitorais – as arguições de invalidade. Todavia, com
o tempo, os meios próprios foram silenciosamente deixados de lado pela doutrina e pela jurisprudência no
tratamento do sistema de invalidações previsto no Código Eleitoral. Isso ocorre, não coincidentemente, à medida
que as ações eleitorais específicas (AIME, AIJE e representações do art. 22 da LC nº 64/90), destinadas a apurar
os ilícitos eleitorais típicos (conduta vedada, abuso de poder, captação de sufrágio etc.), ganharam importância,
e a cassação de candidatos eleitos passou a ocupar posição de relevo no horizonte de atribuições e competências
da Justiça Eleitoral.
81
REIS, Márlon Jacinto. O Novo 3º do art. 224 do Código Eleitoral e a posse do segundo colocado. Eleições &
Cidadania, v. 4, n. 4, p. 343-364, 2012. p. 355.
82
RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 412. Assim também a jurisprudência da
época: BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão 5.361 no Recurso Especial Eleitoral 4.005 - AL, de 5 abr.
1973. Rel. Min. Márcio Ribeiro. Boletim Eleitoral, v. 263, t. 1.
83
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral 25.585, de 5 dez. 2006.
Rel. Min. Antônio Cezar Peluso, Diário de Justiça, 27 fev. 2007.
que estes “votos dados a candidatos cujos registros encontravam-se sub judice, tendo
sido confirmados como nulos, não se somam, para fins de novas eleições (art. 224, CE),
aos votos nulos decorrentes de manifestação apolítica [sic] do eleitor”.84
Noutras palavras, conquanto os votos obtidos por candidato não registrado ou
inelegível sejam nulos, e quanto a isso haja consenso na doutrina e na jurisprudência,
eles são considerados para fins da aplicação do art. 224 do CE – diferentemente do que
ocorre com os votos nulos por manifesta vontade do eleitor ou erro na votação. Somente
os votos nulificados podem levar à renovação das eleições, nos termos do art. 224 do CE:
Para fins do art. 224 do Código Eleitoral, a validade da votação – ou o número de votos
válidos – na eleição majoritária não é aferida sobre o total de votos apurados, mas leva
em consideração tão somente o percentual de votos dados aos candidatos desse pleito,
excluindo-se, portanto, os votos nulos e os brancos, por expressa disposição do art. 77,
§2º, da Constituição Federal.85
A absoluta maioria dos juristas está de acordo com a jurisprudência do TSE. Citam-
se, por exemplo, Neisser,86 Gomes,87 Santos88 e Silva et al.89 Apesar da quase inexistência
de dissenso, a interpretação do TSE é questionável, particularmente em razão da pouca
amplitude dada pelo tribunal ao termo “nulidade” do caput do art. 224 do CE – que
dele exclui os votos originariamente nulos por erro ou vontade do eleitor. Uma objeção
que se pode formular à jurisprudência do TSE é a de que: para fins de aplicação do art.
224 do CE, não existe um embasamento jurídico razoável para a diferenciação entre
votos originariamente nulos por erro ou vontade do eleitor, de um lado, e votos nulos e
anuláveis por decisão da Justiça Eleitoral, de outro, pois o artigo fala indistintamente em
“nulidade”, e, se a norma não distingue, não é dado ao intérprete o fazer. Aqui importa
compreender, primeiro, como a jurisprudência do TSE evoluiu até chegar a este ponto
e, depois, por que o atual entendimento do tribunal é juridicamente frágil e se sustenta
em premissas questionáveis.
84
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução Normativa 22.992, de 19 dez. 2008. Processo Administrativo
20.159 - PI. Rel. Min. Eliana Calmon. Diário de Justiça Eletrônico, t. 178, 18 set. 2009.
85
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental em Ação Cautelar 3.260 - MG, de 4 jun. 2009. Rel. Min.
Arnaldo Versiani Leite Soares. Diário de Justiça Eletrônico, 4 ago. 2009.
86
NEISSER, Fernando. A ação de ressarcimento de danos causados à União no caso da anulação de eleições
pela Justiça Eleitoral. In: AGRA, Walber de Moura; PEREIRA, Luiz Fernando; TAVARES, André Ramos (Org.).
O direito eleitoral e o Novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 433.
87
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Gen, Atlas, 2016. p. 586.
88
SANTOS, Polianna Pereira dos. Voto e qualidade da democracia: as distorções do sistema proporcional brasileiro.
Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 84-87.
89
SILVA, Adriana Campos; SANTOS, Polianna Pereira dos; BARCELOS, Júlia Rocha. Democracy and Information:
The null vote and its misconception in Brazil. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 22, n. 1, p. 257-277,
2017. p. 269-270.
[...] os votos nulos propriamente ditos, também denominados como apolíticos, não se somam
aos votos dados aos candidatos com registro indeferido para verificação do total de votos
válidos. Assim, a aferição da validade da votação para aplicação da regra do art. 224 do
Código Eleitoral é realizada em face do universo dos votos dados efetivamente a candidatos.90
o TSE sustentava que tanto as hipóteses de nulidade previstas no art. 175 do Código
Eleitoral – pertinentes às cédulas e aos votos – quanto as dos arts. 220, 221 e 222 do diploma –
nulidade e anulabilidade da votação – ensejavam a realização de nova eleição em caso de
atingida mais da metade dos votos.
Como os candidatos do PDS, que concorreram sob amparo da liminar, não lograram
registro, seus votos devem ser considerados nulos, de acordo com a regra do art. 175,
§3º. [...] Houve, portanto, 3.806 votos nulos, isto é, 3.581 dos candidatos não registrados do PDS,
mais 225 de votos nulos propriamente ditos; por outro lado, os votos válidos foram 2.852 do
candidato do PMDB acrescidos dos 366 em branco – que são obviamente votos válidos –
ou sejam, 3.218. Ora, se a nulidade atingiu a 3.806 e só 3.218 permaneceram válidos, é claro que
90
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral 31696 - PE, de 28 maio 2013. Rel. Min. Henrique
Neves da Silva. Diário de Justiça Eletrônico, p. 166, 1º ago. 2013. Grifos nossos.
91
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão 5.361 no Recurso Especial Eleitoral 4.005 - AL, de 5 abr. 1973. Rel.
Min. Márcio Ribeiro. Boletim Eleitoral, v. 263, t. 1.
92
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo de Instrumento 4.069 - SP, de 27 set. 1973. Rel. Min. Carlos Eduardo
de Barros Barreto. Boletim Eleitoral, v. 268, t. 1.
93
BRAMRAITER, Juliana. Os reais efeitos do voto nulo na atualidade e seu reflexo para o regime da democracia
representativa no Brasil. Revista Estudos Legislativos, v. 7, n. 7, p. 61-93, 2013. p. 77.
94
BRAMRAITER, Juliana. Os reais efeitos do voto nulo na atualidade e seu reflexo para o regime da democracia
representativa no Brasil. Revista Estudos Legislativos, v. 7, n. 7, p. 61-93, 2013. p. 75-76.
mais da metade dos votos apurados foi de votos nulos (a metade de 7.024 seria 3.512, número
evidentemente inferior a 3.806).
É de indiscutível aplicação ao caso a norma do citado art. 224, pelo que este Tribunal, o quanto
antes, deve determinar a renovação do pleito municipal [...].95
Votos nulos não se confundem com votos anuláveis. Estes são reconhecidos a priori como
válidos, mas dados a candidato que praticou captação ilícita ou abuso do poder político e
econômico durante o processo eleitoral.
A jurisprudência deste Tribunal consagrou como válidos, mas suscetíveis de anulação posterior,
decorrente da aplicação do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, os votos obtidos por candidato infrator, por
refletirem uma vontade orientada à escolha de um mandatário político. Não se somam a estes, para
fins de novas eleições, os votos nulos decorrentes de manifestação apolítica do eleitor, no momento
do escrutínio, seja ela deliberada ou decorrente de erro. [...]
Anulados menos de 50% dos votos válidos, impõe-se a posse do candidato segundo
colocado, e não a aplicação do comando posto no art. 224 do Código Eleitoral.98
Observe-se, porém, que o TSE tratava, então, de diferenciar os efeitos dos votos
nulos dos anuláveis, sem se manifestar sobre a existência, ou não, de diferentes cate
gorias de nulidade. Portanto, a despeito do que afirma Bramraiter,99 o marco inicial da
nova jurisprudência não deve ser fixado no julgamento do REspe nº 25.937, em 2006.
Embora, desde 1999, já se encontrem manifestações isoladas de ministros no sentido de
distinguir os efeitos dos votos nulificados em decorrência do indeferimento do registro
de candidatura, daquela originária, decorrente de erro ou vontade do eleitor, a pesquisa
na base de dados do TSE na internet revela que, na verdade, somente em 2008, ao
responder à Consulta nº 22.992, o Tribunal formulou com clareza o novo entendimento:
95
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Mandado de Segurança 601 - MG, de 17 maio 1983. Rel. Min. José Maria de
Souza Andrade. Diário de Justiça, 26 jun. 1983. Grifos nossos.
96
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral 10989 - MT, de 10 dez. 1992. Rel. Min. José Paulo
Sepúlveda Pertence. Diário de Justiça, 13 maio 1993.
97
BRAMRAITER, Juliana. Os reais efeitos do voto nulo na atualidade e seu reflexo para o regime da democracia
representativa no Brasil. Revista Estudos Legislativos, v. 7, n. 7, p. 61-93, 2013. p. 79.
98
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral 25937 - BA, de 17 ago. 2008. Rel. Min. José
Augusto Delgado. Diário de Justiça, p. 120, 1 nov. 2006. p. 120.
99
BRAMRAITER, Juliana. Os reais efeitos do voto nulo na atualidade e seu reflexo para o regime da democracia
representativa no Brasil. Revista Estudos Legislativos, v. 7, n. 7, p. 61-93, 2013.
“Os votos dados a candidatos cujos registros encontravam-se sub judice, tendo sido
confirmados como nulos, não se somam, para fins de novas eleições (art. 224, CE), aos
votos nulos decorrentes de manifestação apolítica do eleitor”.100 Mais uma vez, está-se
diante de um caso de mutação legal, em que as premissas da interpretação anterior
foram tacitamente abandonadas, sem serem enfrentadas. Tal mudança foi alegadamente
desencadeada pelo julgamento do Recurso em Mandado de Segurança nº 23.234,
pelo STF, em 1998.101 Como se demonstrará a seguir, porém, esta decisão não oferece
fundamento jurídico para a conclusão que o TSE dela extrai.
100
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução Normativa 22.992, de 19 dez. 2008. Processo Administrativo
20.159 - PI. Rel. Min. Eliana Calmon. Diário de Justiça Eletrônico, t. 178, 18 set. 2009.
101
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança 23234, de 2 out. 1998. Rel. Min.
Sepúlveda Pertence. Diário de Justiça, 20 nov. 1998.
102
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança 23234, de 2 out. 1998. Rel. Min.
Sepúlveda Pertence. Diário de Justiça, 20 nov. 1998.
103
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança 23234, de 2 out. 1998. Rel. Min.
Sepúlveda Pertence. Diário de Justiça, 20 nov. 1998.
104
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Mandado de Segurança 2624 - AM, de 5 maio 1998. Rel. Min. Eduardo
Andrade Ribeiro de Oliveira. Diário de Justiça, p. 71, 29 jun. 1998.
Perceba-se, porém, que o RMS nº 23.234, de 1998, não oferece o precedente que o
TSE pensa dele extrair. A controvérsia levada ao STF naquele caso, em sede de controle
difuso de constitucionalidade, se circunscrevia à recepção (ou não) do art. 224 do CE
pela Constituição, diante da possível incompatibilidade daquele artigo com o §2º do
art. 77 da CRFB/88. O STF não tratava ali da suposta existência de duas categorias de
votos nulos, cada uma com efeitos jurídicos próprios – ao menos, não diretamente. Na
realidade, uma análise mais cuidadosa da ratio decidendi do RMS nº 23.234 revela implícito
na decisão do STF o exato oposto do que concluiu o TSE.
O caso que deu azo à discussão, o MS nº 2.624, decidido pelo TSE em 1998, tratava
da renovação das eleições municipais em Tabatinga (AM), em razão do indeferimento
do registro do candidato eleito. Os votos por ele obtidos, nulificados pela decisão do
TRE-AM que lhe indeferiu a candidatura, foram somados aos demais votos nulos e
nulificados naquela circunscrição, obtendo-se, assim, invalidade que comprometia
mais da metade dos votos, a justificar a renovação do pleito. Por isso, o relator, Ministro
Sepúlveda Pertence, consignou:
Os precedentes do Tribunal [do TSE] são no sentido de que, à incidência do art. 224 do
Código Eleitoral, não importa a causa da nulidade dos votos [...].
Não creio, data vênia, que a lei eleitoral dê fundamento à distinção pretendida entre votos
nulos – porque dados a candidatos que sequer solicitaram registro – e supostos votos
inexistentes, porque sufragaram o nome de quem teve negado o registro da sua candi
datura.105
Como se vê, o voto de relatoria confirma a jurisprudência anterior do TSE, que
tratava indistintamente as nulidades originária e superveniente, sem atribuir efeitos
diversos a cada uma delas. Não é razoável, portanto, remeter à decisão do STF no RMS
nº 23.234 a distinção entre as consequências jurídicas dos votos nulificados e origi
nariamente nulos.
A verdade é que o §2º do art. 77 da CRFB/88 não é a norma adequada para embasar
tal distinção. Ao contrário, ele fornece um poderoso argumento contrário à diferenciação.
A Constituição afirma inequivocamente que votos nulos não são computados para a
definição dos candidatos eleitos, sem, porém, diferenciar entre nulidades originárias por
erro ou vontade do eleitor, de um lado, das decorrentes de decisões da Justiça Eleitoral,
de outro. Partindo-se da máxima de que “onde a norma não distingue, não é dado ao
intérprete fazê-lo”,106 os efeitos jurídicos das duas categorias de nulidade deveriam ser
os mesmos, fossem eles ditados pela CRFB/88 ou pelo Código Eleitoral.
No primeiro caso, a partir da premissa da superioridade da CRFB/88 em relação
à legislação ordinária, ter-se-ia que o §2º do art. 77 da CRFB/88 exclui as duas categorias
de votos nulos tanto do momento da apuração quanto do da averiguação da validade
ou não da eleição. Ou seja, ambas as espécies de nulidade (originária e superveniente)
produziriam votos verdadeiramente estéreis, sem nenhum efeito jurídico, como são os
votos em branco, diga-se. Não seria o caso, portanto, de incluir os votos originariamente
nulos, por erro ou vontade do eleitor, na hipótese de incidência do art. 224 do CE, mas,
105
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança 23234, de 2 out. 1998. Rel. Min.
Sepúlveda Pertence. Diário de Justiça, 20 nov. 1998.
106
ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 76.
sim, de excluir dela os votos nulificados por decisões da Justiça Eleitoral proferidas em
RCEDs e processos de registro de candidatura (§3º do art. 175 do CE). Nessa linha de
argumento, em interpretação conforme a Constituição, o art. 224 do CE só seria aplicável
aos casos de anulação de votos pela Justiça Eleitoral em decorrência da procedência de
AIJEs, AIMEs e representações eleitorais específicas. Ora, mas uma vez que o §2º do
art. 77 da CRFB/88 não diferencia entre as duas categorias de nulidade, é de se indagar
se ele não deveria incidir sobre ambas. Votos nulos, quaisquer que fossem as causas
de nulidade, seriam desconsiderados para a determinação dos candidatos eleitos, e a
renovação das eleições prevista no caput do art. 224 do CE decorreria exclusivamente
da anulação de mais da metade dos votos válidos.
Por um lado, essa interpretação daria alguma unidade lógica ao art. 175 do CE.
A concluir que nenhuma espécie de voto nulo deve ser considerada para fins de
determinar se as eleições são válidas ou não, os efeitos jurídicos da nulidade do §3º
passam a ser os mesmos que os da nulidade do caput, dos incisos e dos §§1º e 2º desse
artigo. Lembremos que estes dispositivos tratam de causas originárias de nulidade do
voto do eleitor, que, por erro ou vontade deliberada, assinalava na cédula de votação
o nome de dois ou mais candidatos para o mesmo cargo, ou levantava dúvidas sobre o
conteúdo da própria manifestação da vontade, ao assinalar fora do quadrilátero próprio,
por exemplo. Os votos contaminados por essa nulidade já não produzem nenhum efeito
jurídico. Eles não são considerados nem na apuração nem para fins de determinar se
a eleição como um todo foi válida. Idêntico destino teriam os votos nulificados por
previsão do §3º do art. 175 do CE.
Por outro lado, porém, essa leitura propõe que o art. 224 se submeta a uma
interpretação conforme a Constituição para compatibilizá-lo com o §2º do art. 77 da
CRFB/88, o que, necessariamente, pressupõe a existência de um conflito entre as duas
normas. No entanto, essa possibilidade foi afastada pelo STF no julgamento do RMS
nº 23.234, quando se afirmou que o conflito entre as duas normas é apenas aparente,
uma vez que cada uma delas rege uma situação diversa.107 Essa primeira leitura deve
ser, portanto, abandonada.
Uma segunda leitura, alternativa, seria a que exclui as duas categorias de votos
nulos da apuração – cumprindo, assim, o que determina o §2º do art. 77 da CRFB/88 –,
mas considera ambas para fins de determinar se a eleição é válida ou inválida. Essa é
a correta ratio decidendi do RMS nº 23.234. No acórdão, o STF negou a existência de um
conflito real entre as normas legal e constitucional, sem, no entanto, questionar o fato
de que, no caso que havia dado azo à discussão sobre a recepção do art. 224 do CE pela
CRFB/88, o próprio TSE havia somado todas as categorias de votos inválidos – isto é,
os votos originariamente nulos, os votos anulados e os votos nulificados – para decidir
que aquela eleição municipal deveria ser renovada em razão do comprometimento de
mais da metade dos votos pela invalidade.108 Essa não é, porém, a conclusão que se
extrai da atual jurisprudência do TSE. Dela não se consegue extrair nem uma justificativa
jurídica para diferenciar os efeitos das duas categorias de voto nulo entre si, para fins
107
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança 23234, de 2 out. 1998. Rel. Min.
Sepúlveda Pertence. Diário de Justiça, 20 nov. 1998.
108
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança 23234, de 2 out. 1998. Rel. Min.
Sepúlveda Pertence. Diário de Justiça, 20 nov. 1998.
de aplicação do art. 224 do CE, nem uma leitura que seja ao mesmo tempo adequada
e coerente e que garanta a integridade do sistema de invalidades eleitorais e de defesa da
autenticidade das eleições.
invalidade. Ao julgar o RMS, porém, o STF não questionou tal cálculo, limitando-se a
declarar que o caput do art. 224 do CE fora recepcionado pela Constituição.
Para além da imprecisão do fundamento jurídico para a distinção entre os efeitos
das duas categorias de votos nulos, essa construção jurisprudencial se revela frágil tanto
histórica quanto teoricamente. Primeiramente, trata-se de um entendimento muito
recente e contrário à jurisprudência anterior, consolidada desde a década de 1970,
segundo a qual eleições eram invalidadas e renovadas em razão do alto percentual de
votos inválidos, consideradas, na soma, todas as espécies de invalidade, sem distinção.
Somente em 2008, ao responder à Consulta nº 22.992, o TSE viria a formular com
clareza o novo entendimento. Em segundo lugar, conquanto a jurisprudência atual seja
amplamente respaldada pela doutrina, é difícil apontar para ela um fundamento legal
específico. Afinal, embora o §2º do art. 77 da CRFB/88 exclua os votos nulos do momento
da apuração, ele nada diz sobre o momento da aferição da validade da eleição. Já o art. 224
do CE, que o faz, trata indistintamente da nulidade como causa da renovação do pleito.
Desse modo, a aplicar a máxima de que ao intérprete não é dado diferenciar onde a lei
não o faz, não há justificativa jurídica para afirmar que “votar nulo não anula eleição”.
E, no entanto, essa conclusão foi abraçada com tal intensidade pela Justiça Eleitoral,
que sucessivas campanhas de esclarecimento ao eleitorado têm sido promovidas, com o
intuito de alertar para o que se considera um óbvio “equívoco”: a ideia de que os eleitores
podem provocar a invalidação da eleição simplesmente por votarem nulo, caso a nulidade
ultrapasse mais da metade dos votos da circunscrição. Não é de conhecimento da opinião
pública, porém, que tal ideia que hoje se considera um “mito” tem origem na própria
jurisprudência do TSE, dominante até menos de uma década atrás, e que a jurisprudência
que a sucedeu carece de fundamentação jurídica mais substancial. O atual entendimento
do TSE resulta de uma mutação legal silenciosamente operada e está longe de expressar
a única interpretação possível do direito eleitoral vigente. Era de se esperar, portanto,
que o tribunal enfrentasse e eventualmente superasse as objeções a essa interpretação,
em vez de as reputar, de plano, absurdas. Para citar novamente Saramago, de cuja obra
se extraiu a epígrafe que abre este artigo, “há que ter o máximo de cuidado com aquilo
que se julga saber, porque por detrás se encontra escondida uma cadeia interminável
de incógnitas, a última das quais, provavelmente, não terá solução”.109
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(Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
CARLA PINHEIRO
GINA POMPEU
Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um
governo, ou uma revolução, alguns dizem que assim é que a natureza
compôs as suas espécies.
(Machado de Assis)
8.1 Introdução
O título do presente texto, De onde viemos, quem somos, para onde vamos?, é tomado
de empréstimo do pintor francês Paul Gaugin, de uma pintura sua que data de 1897,
época em que o artista viveu e expressou em sua arte a influência das cores intensas
e da forma de ser e de viver dos habitantes, mais especificamente das mulheres, da
Polinésia Francesa.
Também a história da participação feminina no cenário político do mundo e do
Brasil é marcada pela intensidade de uma luta que se espraia a partir de todo o mundo
ocidental, mas que ganha as nossas cores e o nosso jeito de ser, mais precisamente um
jeito de ser nordestino, já que as primeiras cidadãs brasileiras deixaram sua marca na
história com referência potiguar. Este é um nome indígena que designa aqueles e aquelas
nascidas no Rio Grande do Norte, assim como vahines, de Gaugin, é o nome dado às
mulheres na Polinésia Francesa.
Não cabe no presente contexto apontar toda a longa luta histórica da mulher
pelo acesso à voz e ao voto. E isso, não porque esse discurso seja dispensável, muito
pelo contrário! Para compreender o presente é imprescindível compreender como ele
se construiu, através de sua história, muitas vezes contraditória, com os seus discursos
de liberdade, igualdade, fraternidade – entre seres humanos em geral e entre homens
e mulheres em especial – que são atravessados muitas vezes por acontecimentos
incoerentes e arbitrários. Importante, no entanto, apontar alguns eventos e momentos
históricos que marcaram parte da caminhada da mulher rumo à paridade de gêneros no
acesso a cargos políticos e ao exercício do poder na construção do cotidiano brasileiro.
O direito à igualdade é direito humano por excelência. A igualdade também está
umbilicalmente ligada aos direitos políticos, como elemento central da democracia.
Assim, ao se falar acerca da igualdade de acesso ao universo político entre homens e
mulheres, aborda-se um direito político ao mesmo tempo que como categoria de um
direito humano. Retorna-se, dessa forma, ao questionamento que nomeia a obra de Paul
Gaugin: “De onde viemos, quem somos, para onde vamos?”. Viemos para ser iguais,
sem discriminação de qualquer natureza, como reza a nossa Constituição Federal, somos
cidadãos e cidadãs em plena luta, pela paridade material no acesso às decisões relativas
ao nosso presente e ao nosso futuro, na busca de um lugar melhor para as presentes e
futuras gerações.
1
RUSSELL, 2017.
mulheres em Atena. Esta venceu por um voto. Poseidon ficou irado pelo fato de haver
perdido e atacou a cidade com ondas gigantescas. Para apaziguar o deus, as mulheres
de Atenas aceitaram três severos castigos: a partir de então elas perderiam o direito de
voto, nenhum de seus filhos teria o nome da mãe e ninguém as chamaria de atenienses.
No que diz respeito à história propriamente dita, mais especificamente à história
moderna da luta das mulheres por seus direitos, tem-se uma referência importante no
final do século XVIII. Em 1789, foi publicada a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão. Ocorre que os termos homem e cidadão foram levados em consideração
em sentido etimológico, estrito, ou seja, somente os seres humanos do sexo masculino
tinham direitos civis e políticos.
Em repulsa à exclusão da mulher do exercício de seus direitos civis e políticos,
dois anos depois, em 1891, a escritora Olympe de Gouges publicou a Declaração dos
Direitos da Mulher e da Cidadã. Um ano depois, Mary Wollstonecraft publicou um
livro intitulado Reivindicações dos direitos da mulher. No livro, defendia-se uma educação
para as meninas, futuras mulheres, em que elas pudessem realizar todo o seu potencial
como seres humanos.
Nesse sentido, cumpre lembrar que no ano passado e no ano em curso, 2018,
a autora Chimamanda Ngozi Adichie, nigeriana, torna-se um best-seller no mundo
ocidental, com pequenos livros intitulados Para educar crianças feministas,2 Sejamos todos
feministas,3 entre outros, com histórias e mensagens aparentemente simplistas sobre a
necessidade de um ideologia e de uma postura de igualdade entre homens e mulheres
que venha já do berço e que faça parte do cotidiano, tantos anos depois de Olympe e
de Wollstonecraft.
No século XIX, época em que viveram essas duas impetuosas mulheres, as moças
das classes mais abastadas aprendiam pouca coisa além de ler, escrever, costurar,
desenhar e cantar, e as mulheres eram consideradas bens de seus pais e maridos e
fornecedoras de herdeiros. Deviam total obediência e submissão primeiro ao pai e depois
ao marido. No final do século XX e início do século XXI muitas meninas continuam sendo
educadas a partir de papéis cristalizados, refutados pelas feministas de dois séculos
atrás, como bem descreve Chimamanda Ngozi Adichie, em seus livros.
Na seara social e jurídica, o Código de Napoleão, outorgado por Napoleão
Bonaparte em 1804, influenciou muitos países europeus, assim como países da América
Latina, entre eles o Brasil. Nele, eram enfatizados os direitos dos maridos e pais em
detrimento dos direitos das esposas e mães, que nem sequer eram referenciadas como
sujeitos de direitos na letra da Lei Civil.
Como consequência da exclusão feminina da esfera pública da sociedade, as
mulheres foram impedidas de exercer profissões, de cursar ensino superior e de votar
ou exercer cargos políticos. Em 1869 foi fundada a National Woman Suffrage Association,
por Susan Anthony e Stanton. A razão que deu origem à criação da Associação Nacional
das Mulheres Sufragistas foi a indignação frente à Décima Quinta Emenda à Constituição
norte-americana. Isso porque havia a menção no sentido de que “o direito de voto dos
cidadãos dos Estados Unidos não poderá ser negado ou cerceado por motivo de raça,
cor ou de prévia condição de servidão”, mas não havia qualquer menção a gênero.
2
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Para educar crianças feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
3
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
4
BEAUVOIR, Simone. Le deuxieme sexe. Paris: Galimard, 1949.
5
FRIEDAN, Betty. Mística feminina. Petrópolis: Vozes, 1971.
Muito embora as mulheres tenham conquistado vitórias como com o Equal Pay Act
de 1970, no Reino Unido, até hoje os salários médios das mulheres no mundo ocidental
não alcançaram paridade com os dos homens.
Em 1972 o Congresso norte-americano aprova a Emenda dos Direitos Iguais, que
nunca foi ratificada. Em 1973, no julgamento do caso Roe versus Wade, a Suprema Corte
legaliza o aborto nos Estados Unidos. Em 1975, o Sex Discrimination Act cria a Comissão
de Oportunidades Iguais no Reino Unido e Margaret Thatcher torna-se a primeira mulher
a liderar um grande partido político na Inglaterra.
penalidades aos partidos políticos que não obedecerem à percentagem mínima de gênero
é uma das causas do baixo incentivo dos partidos políticos em inserirem mulheres na cota
exigida por lei. O entendimento é no sentido de que as vagas que não são preenchidas
pelas mulheres não são significativamente importantes para os partidos.
Também se argumenta que existem mecanismos de boicote aos instrumentos
que visam diminuir as desigualdades de representatividade de gênero. Isso porque,
quando da aprovação da política de cotas, o número de candidatos que um partido ou
coligação poderia oferecer ao eleitorado foi aumentado para 150% do número de vagas
nas casas legislativas. Dessa forma se, por exemplo, determinado estado tem 50 cadeiras
de deputados, cada partido ou coligação pode ter 75 nomes para uma chapa de candidato.
O número de candidatos aumentou na mesma proporção do número de vagas abertas
para serem preenchidas por candidatas mulheres. Assim, os homens não abriram mão
de 30% de suas vagas, mas as vagas das mulheres se tornaram vagas excedentes.
O Brasil é um dos poucos países do mundo que lança muito mais candidatos
do que vagas em disputa. Pensa-se que, com menos candidatos, os votos obtidos pelas
mulheres tornar-se-iam mais significativos, o que estimularia as direções partidárias a
buscar candidatas efetivamente competitivas e não somente candidatas “fantoches”,
para cumprir um requisito legal formal sem a preocupação com uma efetiva resposta
material de mulheres eleitas.
Também a “campanha nominal”, na qual a figura do candidato se destaca na
campanha, é um ponto contra a inserção da mulher como candidata forte. Quem se
candidata, no Brasil, deve ter uma estrutura partidária e financeira substancial. Deve
ter acesso amplo aos meios de comunicação, precisa, enfim, ter o que se chama de
“uma base política forte”. O que envolve interesses além daqueles realmente coerentes
com uma plataforma de propostas políticas que tenham uma correspondência com as
necessidades da população.
Não há que se falar, enfim, em um “vazio feminino na política”. Como se as
mulheres não tivessem interesse em representar a si mesmas. O que ocorre é o reflexo
do monopólio masculino sobre a atividade política institucional que está sedimentada
no imaginário e na prática popular.
Pensa-se que a estrutura dos partidos políticos seja a maior responsável pela baixa
representação feminina, pois a sua estrutura é quem determina o acesso a recursos e a
tempo de propaganda eleitoral gratuita, os candidatos que serão apoiados por políticos,
entre outros. Partindo-se desse entendimento houve uma reforma eleitoral que aprovou
a reserva de, no mínimo 5%, por cento do fundo partidário para a criação e manutenção
de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres e impôs o
aumento de 2,5% para quando o partido não cumprir o percentual mínimo exigido.
Também destinou 10% do tempo da propaganda eleitoral gratuita dos partidos para a
divulgação da importância da participação feminina no poder político.
Tais medidas foram implementadas nas eleições de 2010, mas é preciso mais
tempo para que o eleitorado aponte por meio do voto que compreende a importância
da participação feminina no poder, assim como para que as rígidas estruturas político-
partidárias passem a promover a efetiva participação das mulheres nas campanhas
eleitorais.
A questão familiar ainda é uma das principais amarras sociais que impede a efetiva
participação da mulher na política. Como os afazeres e responsabilidades domésticas
ainda continuam a cargo dela, ela dispõe de menos tempo para as atividades político-
partidárias. O grau de desigualdade na divisão sexual do trabalho combinado com a
dupla jornada de trabalho impacta diretamente o engajamento da mulher comum na
vida política.
8.5 Conclusão
O tema desenvolvido abordou a origem do questionamento acerca da desigualdade
de gênero, relativamente aos titulares da tomada das decisões que regem o cotidiano
da sociedade brasileira. Abordou os discursos imaginários, por meio da mitologia, e
os fatos históricos concretos que construíram o acesso da mulher ao voto no mundo
ocidental e no Brasil.
Enfrentou também o status quo da situação de desigualdade de acesso ao poder
político vivenciado no Brasil do século XXI, mostrando que o problema continua sendo
tangenciado por mecanismos de pouca eficácia, que não proporcionam o objetivo que
se quer: alcançar a igualdade entre homens e mulheres no cotidiano das decisões sobre
como, quando e por que esta ou aquela decisão será tomada, em vez daquela outra.
Apontou o processo paulatino, as tentativas de mitigar a baixa representatividade
da mulher no cenário nacional porque, na verdade, as normas que se propõem a diminuir
as diferenças somente tangenciam o problema central e mitigam alguns sintomas sem
tocar no cerne da doença social: é necessário que o Estado e os cidadãos se unam em
prol de uma divisão democrática de papéis entre homens e mulheres, especialmente no
âmbito privado. Se as preocupações e tarefas domésticas forem um assunto que ocupe
igualmente a vida de homens e mulheres, assim como a vida no trabalho “extra lar” o é,
a doença começará a ser tratada e a igualdade de acesso às decisões que dizem respeito
a todos poderá ser efetivamente um assunto de todos.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
PINHEIRO, Carla; POMPEU, Gina. De onde viemos, quem somos, para onde vamos? Um breve relato
acerca do percurso da cidadã brasileira, desde o acesso ao voto até seu status quo no cenário jurídico
contemporâneo. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 239-247.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
1
TURIZO, Jorge M.; CABALLERO, Roberto P. Activismo judicial y su efecto difuminador en la división y
equilibrio de poderes. Justicia, Barranquilla, n. 27, p. 30-41, jun. 2015. p. 31.
que a sua função excede aquela judiciária, e passa a ser realmente um instrumento de
organização do regime democrático.2
Como se verá nos tópicos que seguem, é irrefutável que a própria Constituição
e o Código Eleitoral conferiram à Justiça Eleitoral um locus fundamental e funções que
geralmente fogem ao escopo do Poder Judiciário, a exemplo de suas competências
normativa, administrativa ou consultiva; e também é certo que ela desempenha um
papel paralelo de conscientização dos eleitorais, notadamente por meio das Escolas
Judiciárias Eleitorais.
O reconhecimento da constitucionalidade dessa atuação diferenciada, porém,
não pode se transmutar em uma carta branca para uma atuação desmedida e livre de
controles.3 Ao contrário, é necessário reconhecer que, mais do que uma missão ou uma
atribuição constitucional conferida a constituinte originário, a Justiça Eleitoral vem se
colocando no cenário da política brasileira em detrimento dos – e em menosprezo aos –
demais atores políticos com espaço constitucional reconhecido, a exemplo de partidos
políticos, candidatos e dos próprios eleitores.4
Contudo, deve-se relembrar sempre que democracia é participação e controle,
condicionada por circunstâncias sociais.5 E se é certo que a mera participação sem
controle não é capaz de garantir as características do regime democrático, é ainda muito
mais certo que o simples controle de nada adianta sem os processos de participação.
Logo, tendo-se em mente que a democracia não pode ser reduzida a um mero
princípio constitucional,6 é necessário compreender todos os fatores reais que a con
formam atualmente. E nisso tem papel fundamental o entendimento dos porquês da
atuação da Justiça Eleitoral atualmente e ao longo do tempo.
2
COSTA, Tailaine Cristina. Justiça Eleitoral e sua competência normativa. Paraná Eleitoral, v. 2, p. 99-114, 2013.
p. 105.
3
Veja-se, nesse ponto, a importância da distinção feita pelo agora Ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de
que judicialização e ativismo judicial são conceitos próximos, mas que, em razão de suas causas imediatas,
distinguem-se. Assim, a judicialização decorrente do constitucionalismo brasileiro, ao passo que o ativismo é
uma escolha consciente de interpretar o texto constitucional (BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo
judicial e legitimidade democrática. Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, Madrid, n. 13, p. 17-32.
p. 21-22).
4
A título de exemplo, veja-se, respectivamente, a) a criação de regra de perda do mandato por infidelidade
partidária ou os avanços (pois qualquer discussão é um avanço nessa seara) acerca da possibilidade de
candidaturas avulsas; b) as manifestações de alguns ministros contra a possiblidade de certos candidatos
concorrerem eleitoralmente, mesmo a partir da invocação de regras eleitorais inexistentes; ou c) as inúmeras
tutelas ao voto e à formação da vontade eleitoral por meio de uma maior liberdade de propaganda político-
partidária, todas essas constatações da tutela paternalista realizada pela Justiça Eleitoral.
5
SALGADO, Eneida D. Tijolo por tijolo em um desenho (quase) lógico: vinte anos do projeto democrático brasileiro.
237 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2005. p. 15.
6
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova, São Paulo, n. 61, p. 5-24, 2004. p. 23.
7
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos futuros.
Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 12.
8
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos futuros.
Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 12.
9
Mais especificamente, a verificação eleitoral por meio do legislativo remonta ao período de tempo entre a
primeira Constituição brasileira, de 1824, em seu art. 21, até a Constituição republicana de 1891, que a previa no
art. 18 (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 76).
10
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 75-76.
11
JORGE, Flávio Cheim; ABELHA, Marcelo Rodrigues; LIBERATO, Ludgero. Curso de direito eleitoral. Salvador:
JusPodivm, 2016. 197.
12
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos futuros.
Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 13.
Para além disso, não se podia realmente tratar da existência de pleitos justos
e democráticos nesse momento da história constitucional brasileira também pela
inegável presença do fenômeno do “coronelismo”, que representava o desmedido
poder manifestado por coronéis, isto é, grandes proprietários rurais que, em razão
dessa condição social-hierárquica, ocupavam-se de recrutar indivíduos para combater
as insurreições e levantes que viessem a ocorrer, na arregimentação de um “curral”
eleitoral. Nessa sociedade ruralizada, sem acesso à informação e aos espaços de poder,
os coronéis se tornavam responsáveis pela definição de quais seriam os candidatos a
receber votos dos eleitores, os quais, moral ou mesmo fisicamente, eram coagidos quando
da efetivação de seus votos.13
Logo, sendo fruto inerente do momento histórico de sua criação, a inspiração
inegável da Justiça Eleitoral está nas bandeiras da crítica à oligarquia instalada na
Primeira República e da total desconfiança do modelo de processo eleitoral gerenciado
não só pelo coronelismo desse período,14 mas também pelo histórico de fraudes que
acompanhou a formação da disputa eleitoral brasileira.
Com o advento do Decreto nº 21.076/1932, tanto a esfera contenciosa, quanto
aquela da própria administração e organização das eleições passa para a competência da
Justiça Eleitoral, constituindo-se esse diploma normativo no primeiro Código Eleitoral
brasileiro, o que se verifica principalmente pela previsão explícita de questões como
alistamento, elegibilidade, apuração de votos e mesmos sistemas eleitorais.15
O modelo de governança eleitoral adotado já em 1932 demonstra duas
características nítidas: primeiramente, o estabelecimento de um rol de garantias não
comumente verificáveis em organismos de outros países; por segundo, o fato de que essa
decisão política consciente por esse modelo tem se refletido em todo texto constitucional
até o presente momento.16
Em 1934, enfim, inicia-se a trajetória de percalços da constitucionalização da Jus
tiça Eleitoral, com a sua inserção como órgão do Poder Judiciário (art. 63, “d”) e dotada
de competências específicas no trato das eleições federais, estaduais e municipais.17
O reconhecimento constitucional de sua importância, todavia, não foi o suficiente para
resistir às vicissitudes antidemocráticas que marcaram a história do país.
Assim, veio a Constituição de 1937 e seu ideário de início das práticas populistas,
não só com a tentativa getuliana de manter as reformas trabalhistas implantadas pelo
regime constitucional anterior, sob pena de perder o apoio popular que legitimava –
ao menos formalmente – o governo,18 mas também com a extinção da Justiça Eleitoral –
bem como dos partidos políticos –, ante a inaptidão manifestada pela sua natureza
democrática para conviver com um texto constitucional de viés marcadamente
13
JORGE, Flávio Cheim; ABELHA, Marcelo Rodrigues; LIBERATO, Ludgero. Curso de direito eleitoral. Salvador:
JusPodivm, 2016. p. 197-198.
14
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 880.
15
COSTA, Tailaine Cristina. Justiça Eleitoral e sua competência normativa. Paraná Eleitoral, v. 2, p. 99-114, 2013.
p. 101.
16
BARRETO, Álvaro Augusto de Borba. A Justiça Eleitoral brasileira: modelo de governança eleitoral. Paraná
Eleitoral, v. 4, n. 2, p. 189-216, 2015. p. 200.
17
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 76.
18
SILVA, João Carlos Jarochinski. Análise histórica das Constituições brasileiras. Ponto e Vírgula, n. 10, p. 217-244,
2011. p. 229.
autoritário. Esse período indubitavelmente ditatorial somente fora suplantado – e com ele
reestabelecida a jurisdição eleitoral – com a edição da Lei Agamenon e, posteriormente,
com a promulgação da Constituição de 1946.
Posteriormente, na Constituição de 1967, e durante todo o regime militar, os
direitos políticos, e a democracia de forma geral, foram ofuscados pelo autoritarismo que
marcou as decisões tomadas pelos sucessivos chefes de Estado. Apesar de tudo isso, a
Justiça Eleitoral se manteve como instituição, ainda que com reduzidas funções.19 Embora
mantida, a Justiça Eleitoral atuava de forma meramente secundária e performática
durante o regime militar, haja vista as sucessivas alterações constitucionais e nas
disposições eleitorais levadas a cabo de forma ditatorial.20 Como bem aponta Daniel
Oliveira Carvalho, em minucioso estudo sobre os 80 anos da Justiça Eleitoral:
É forçoso concluir que a Justiça Eleitoral, durante a ditadura militar, teve o papel de admi
nistrar as eleições, porém, tal função foi afetada pelo olhar severo e sorrateiro de uma
ditadura que tinha o poder de regulamentar e administrar os pontos principais, cabendo
ao Poder Judiciário a função jurisdicional e consultiva, já que a regulamentar encontrava-
se praticamente extinta e a administrativa era muito mitigada.21
19
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 77.
20
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos futuros.
Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 14.
21
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos futuros.
Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 15.
22
CARVALHO, Alexandre Douglas Z. de. Montesquieu e a releitura da separação de poderes no Estado
contemporâneo: elementos para uma abordagem crítica. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, n. 42,
p. 1-19, abr./jun. 2015. p. 15.
23
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos futuros.
Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 16.
de seus pedidos,24 tal como sói ocorrer com toda a sistemática processual, aplicada
subsidiariamente aos pleitos eleitorais.25
Em segundo lugar se encontra a função administrativa, que trata da preparação,
administração e organização das eleições; é nela que estão, por exemplo, as questões
relativas a alistamento, transferência de domicílio, cadastros eleitorais, atos preparatórios
à votação e, depois, a sua contabilização, e, ainda, a própria proclamação dos resultados
obtidos nos pleitos.26
Por terceiro, a função normativa, presente desde a primeira estruturação de
um Código Eleitoral,27 e que se liga à edição de atos normativos que visam à correta e
adequada execução das leis eleitorais, sobretudo manifestada pela criação de Resoluções
pelo TSE – as quais, embora não sejam leis, possuem inegavelmente força de lei –,28
em atenção à prerrogativa prevista no art. 1º, parágrafo único, e art. 23, IX, ambos do
Código Eleitoral, ou mesmo no art. 61 da Lei dos Partidos ou art. 105 da Lei Eleitoral.29
Em tese, voltam-se elas à consolidação da interpretação conferida pela Justiça Eleitoral
à dispersa legislação, garantindo-se – novamente, repita-se, “em tese” – maiores níveis
de segurança, certeza e transparência à interpretação jurídica.
Por derradeiro, mas não menos importante, a função consultiva, através da qual
tanto o TSE quanto os Tribunais Regionais Eleitorais se ocupam de formular respostas
às indagações eleitorais – desvinculadas do pleito – elaboradas pelo rol de legitimados
dos arts. 23, XII e 30, VIII do Código Eleitoral.30 Nas consultas eleitorais, diferentemente
do que ocorre no contencioso eleitoral (ressalvadas, por evidente, a ação direita de
inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade), dispensa-se a
apresentação de partes legítimas e de um litígio a ser resolvido, pois se trata tão somente
de apresentar uma resposta a um possível caso hipotético que poderia ser debatido pela
jurisdição eleitoral.31
Em que pese os resultados proferidos não vinculem a atuação posterior das cortes
– seja aquela que proferiu sua opinião ou mesmo outras que se sujeitem ao entendimento
daquela –, certo é que, na prática, as respostas frequentemente guiam a interpretação
em casos concretos.
Especificamente quanto a esta última função, a despeito de toda sua fundamen
talidade aos processos eleitorais, é certo que, por vezes, a Justiça Eleitoral extrapola
de suas funções ao editar atos normativos que surpreendem aos atores do processo
24
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 81.
25
Essa mesma regra, aliás, demanda a presença das condições geralmente ínsitas ao processo civil, tais como:
interesse, possibilidade jurídica do pedido e legitimação; ou mesmo os denominados pressupostos processuais,
como a jurisdição, a capacidade de postular em juízo, a competência do magistrado e a citação válida (GOMES,
José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 81).
26
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos futuros.
Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 16.
27
BARRETO, Álvaro Augusto de Borba. A Justiça Eleitoral brasileira: modelo de governança eleitoral. Paraná
Eleitoral, v. 4, n. 2, p. 189-216, 2015. p. 207.
28
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 83.
29
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos futuros.
Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 16.
30
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos futuros.
Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 16.
31
BARRETO, Álvaro Augusto de Borba. A Justiça Eleitoral brasileira: modelo de governança eleitoral. Paraná
Eleitoral, v. 4, n. 2, p. 189-216, 2015. p. 210.
32
COSTA, Tailaine Cristina. Justiça Eleitoral e sua competência normativa. Paraná Eleitoral, v. 2, p. 99-114, 2013.
p. 107.
33
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 889.
34
COSTA, Tailaine Cristina. Justiça Eleitoral e sua competência normativa. Paraná Eleitoral, v. 2, p. 99-114, 2013. 104.
35
COSTA, Tailaine Cristina. Justiça Eleitoral e sua competência normativa. Paraná Eleitoral, v. 2, p. 99-114, 2013.
p. 104.
36
OLIVEIRA, Daniel Carvalho. 80 anos de Justiça Eleitoral: perspectivas históricas e desafios democráticos
futuros. Paraná Eleitoral, v. 1, n. 1, p. 11-23. p. 16-17. Explicitamente, Oliveira aduz que “faz-se imperativo
compreender que o fenômeno da judicialização da política é decorrente do necessário e importante processo de
amadurecimento do regime democrático e do exercício da cidadania na sociedade como um todo”.
37
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Anuario Iberoamericano de
Justicia Constitucional, Madrid, n. 13, p. 17-32. p. 19.
38
TURIZO, Jorge M.; CABALLERO, Roberto P. Activismo judicial y su efecto difuminador en la división y
equilibrio de poderes. Justicia, Barranquilla, n. 27, p. 30-41, jun. 2015. p. 33.
39
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Anuario Iberoamericano de
Justicia Constitucional, Madrid, n. 13, p. 17-32. p. 26.
lhes confere tal prerrogativa. Assim, a grande preocupação é com a influência sofrida
pelo Judiciário de outros ramos do poder, o que poderia conduzir a decisões cujos
fundamentos sejam tendenciosos e argumentativamente débeis.40
Posto de forma clara, Tailaine Costa aponta:
Dessa forma, resta impossível não reconhecer o TSE como uma corte altamente
ativista, haja vista as recentes posições adotadas em julgamentos e, em especial, em
manifestações realizadas em ambientes outros que não as suas sessões. E, certamente,
esse ativismo desenfreado é responsável por boa parte do atual descrédito de que goza
o Poder Judiciário brasileiro e que, de algum modo, já passa a afetar com uma força
recrudescente a jurisdição eleitoral.
Em vista dessas razões, pretende-se no tópico sucessivo expor – sem nenhuma
pretensão de completude ou de proposição definitiva – que: a) o modelo de governança
eleitoral adotado no Brasil não é uma imposição lógica, mas sim decorrente de uma
resposta específica a alguns questionamentos básicos que todo organismo eleitoral deve
responder; b) os modelos internacionais, sobretudo os latino-americanos, têm muito a
oferecer à evolução das instituições que cuidam do processo eleitoral brasileiro.
40
TURIZO, Jorge M.; CABALLERO, Roberto P. Activismo judicial y su efecto difuminador en la división y
equilibrio de poderes. Justicia, Barranquilla, n. 27, p. 30-41, jun. 2015. p. 38.
41
COSTA, Tailaine Cristina. Justiça Eleitoral e sua competência normativa. Paraná Eleitoral, v. 2, p. 99-114, 2013.
p. 110.
42
Em específico, a concentração de todas as funções relacionadas às eleições – organização e contencioso – com
a adoção da regra de interseção somente é utilizada no Brasil (MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o
modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893,
2008. p. 878).
43
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 867.
44
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 870.
45
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 870-871.
será dotado de uma suposta neutralidade exatamente por poder exercer seu mister a
despeito de quaisquer influências partidárias; esse modelo, adotado na Austrália, no
Canadá, na Índia e na Coreia do Sul, não implica que o membro não tenha vínculos
com instituições da sociedade civil ou mesmo com universidades, mas só que não seja
ligado a nenhum partido. Por fim, no quarto modelo (denominado misto), há membros
provenientes de escolhas partidárias tanto quanto membros independentes, sendo
adotado, por exemplo, na Bulgária, no Equador, na Rússia e no Uruguai.46
A partir dos dois critérios expostos, veja-se como o panorama da América Latina
é extremamente variado. Primeiramente, destaque-se que somente a Argentina adota o
modelo misto, enquanto os demais países são independentes e nenhum deles optou pelo
modelo governamental. Em verdade, a maior parte deles optou também por escolher
membros com um perfil especializado, sendo exceções somente a Colômbia e Honduras,
que adotam o partidário, e Uruguai, Equador e El Salvador, que adota o combinado.47
No modelo independente e partidário adotado na Colômbia e em Honduras, os membros
do OE são escolhidos levando-se em consideração o tamanho das bancadas parlamentares
de cada partido político.48
O modelo de dupla independência, com um OE que se ocupa das funções de
rule application, e outro que trata da rule adjudication, é seguido por três países latino-
americanos: Chile, Peru e México.49 Em especial, merece destaque o modelo mexicano,
haja vista ser, provavelmente, o país cujo sistema eleitoral mais se assemelha ao brasileiro,
seja positivamente ou negativamente.
Nesse sentido, o sistema mexicano é um dos mais complexos e interessantes que
existem, pois há uma convivência de uma corte eleitoral com um órgão de administração
das eleições. A corte representa uma divisão especializada do Poder Judiciário, com sete
membros indicados pela Suprema Corte e selecionados por meio do Senado Federal. Já a
administração das eleições compete ao Instituto Federal Eleitoral (IFE), composto de nove
membros, todos eleitos pela Câmara dos Deputados, mas sem vínculos partidários; esses
membros, que se tornam responsáveis pelos procedimentos eleitorais, são acompanhados
de outros, partidários e com assento no IFE, mas sem direito a voto.50
Alguns modelos de justiça eleitoral, a exemplo do mexicano, demonstram como
é possível conviver com a defesa de uma democracia material pela intervenção forte e
pelo ativismo da jurisdição eleitoral.51
No Peru, da mesma sorte que no México, onde há também um sistema muito
específico, a divisão da organização eleitoral se dá entre o Juizado Nacional de Eleições
(JNE), responsável não só pelo contencioso e pela resposta a consultas acerca da
46
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 871-872.
47
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 874.
48
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 875.
49
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 876.
50
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 876.
51
EZQUIAGA GANUZAS, Francisco Javier. Justicia, justicia electoral y democracia. Vniversitas, Bogotá, n. 112,
p. 9-33, jul./dic. 2006. p. 26.
52
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 878.
53
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 877.
54
MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008. p. 880.
55
BARRETO, Álvaro Augusto de Borba. A Justiça Eleitoral brasileira: modelo de governança eleitoral. Paraná
Eleitoral, v. 4, n. 2, p. 189-216, 2015. p. 204.
56
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, v. 4, n. 2, p. 441-464, jul./dez. 2008. p. 443.
57
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Anuario Iberoamericano de
Justicia Constitucional, Madrid, n. 13, p. 17-32. p. 30.
1.4 Conclusões
Tal como ocorrera em 1983 na Espanha, com o movimento dos “Juízes para a
democracia” (Jueces para la democracia), a América Latina vive atualmente um período
de reflexão acerca do papel desempenhado pelos juízes, principalmente, mas também
pela Justiça Eleitoral nos processos e transições democráticos, sob duas vertentes:
primeiramente, pela impossibilidade de se reconhecer um sistema como democrático
sem que nele se faça presente uma justiça verdadeiramente democrática; segundo, pelo
reconhecimento de que o Judiciário – e os juízes, em especial – são capazes de assumir
uma função de garantia de uma sociedade democrática.59
Essa opção por um modelo de forte atuação judicial, contudo, choca-se com opções
constituintes por uma sociedade mais democrática e que deveria ser capaz de tomar
um leque maior de escolhas pela via legislativa ordinária. Por isso, deve-se reconhecer,
tal como o fazia o atual Ministro Luís Roberto Barroso, que, em que pese sempre seja
facultado ao Judiciário atuar, a sua escolha criteriosa pela autocontenção, ou seja, pelo
não exercício de seu poder, é absolutamente louvável.60 Isso porque quando um juiz
interfere em uma esfera de atuação de outro poder, percebe-se uma ingerência que torna
turvos os limites que separam as funções estatais, provocando-se um efeito difuminador
(ou desvanecedor).61 E nada é mais prejudicial que a ruptura do sistema democrático
pelas suas próprias estruturas, por seus próprios poderes constituídos.
58
SANTOLAYA, Pablo. A administração eleitoral espanhola. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional,
Belo Horizonte, ano 12, n. 48, p. 41-64, abr./jun. 2012. p. 42.
59
EZQUIAGA GANUZAS, Francisco Javier. Justicia, justicia electoral y democracia. Vniversitas, Bogotá, n. 112,
p. 9-33, jul./dic. 2006. p. 11.
60
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Anuario Iberoamericano de
Justicia Constitucional, Madrid, n. 13, p. 17-32. p. 30.
61
TURIZO, Jorge M.; CABALLERO, Roberto P. Activismo judicial y su efecto difuminador en la división y
equilibrio de poderes. Justicia, Barranquilla, n. 27, p. 30-41, jun. 2015. p. 34.
Referências
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
FÉLIX JÚNIOR, Waldir Franco. Justiça Eleitoral brasileira: histórico, funções e possíveis propostas do
direito comparado para a revitalização do modelo de organismo eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz
Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito
Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 251-263. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.)
ISBN 978-85-450-0496-7.
2.1 Introdução
O presente trabalho parte de uma indagação objetiva e até certo ponto simples,
mas nem por isso deixa de revelar uma profunda inconsistência do nosso sistema de
divisão de poderes e, consequentemente, da distribuição de funções especialmente
quando se está a falar do processo eleitoral: a Justiça Eleitoral detém funções legislativas?
Não é de hoje a preocupação nutrida pelo tema,1 cuja importância só fez recru
descer, porquanto os tempos difíceis que a democracia brasileira vivencia cada vez mais
põem em cheque as instituições e os poderes de Estado, com subsequentes escândalos de
corrupção, instauração de processos rumorosos e que se tornam objeto da grande mídia
nacional e estrangeira, como o “Mensalão”, “Lava Jato” e outros tantos; o processo de
impeachment da primeira presidente mulher eleita no país; processos criminais e prisão ou
ameaça de prisão daqueles que até então estavam na condução do país nos mais elevados
cargos republicanos; o uso e por vezes abuso da garantia constitucional da imunidade
parlamentar, com possível desvirtuamento de sua maior finalidade que é a tutela da
república e da democracia, não comportando favorecimentos pessoais; o frequente risco
a que os direitos fundamentais políticos estão sujeitos por excessos dos que detêm o
poder público, são apenas alguns dos inúmeros exemplos de fatos e ocorrências sociais,
políticas e culturais que alimentam a evolução do conflito político-eleitoral.
Mas por que a relevância do tema exposto neste estudo e, em certa medida,
seu reenfrentamento? Sem abdicar das respostas pretéritas – aferir a legitimidade do
poder outorgado bem como as escolhas de tal outorga e ser ou não o Poder Legislativo
1
Nesse diapasão, produção conjunta com o então jovem talento, hoje advogado renomado, Rafael Morgental
Soares, sob o título A criação do direito pela Justiça Eleitoral: um estudo sobre o seu poder normativo (MACEDO;
FREITAS, 2015).
o único senhor das normas eleitorais (MACEDO; SOARES, 2015, p. 47-48) – agrega-se
o debate, cada vez mais contemporâneo, da crescente intervenção judicial nos conflitos
eleitorais, ganhando novos espaços inclusive fora do período eleitoral e o novo modelo
de processo, produzindo igualmente um novo modelo de jurisdição, instituído pelo
Código de Processo Civil de 2015.
Explica-se. Tradicionalmente, a sazonalidade das atividades da Justiça Eleitoral
considerando a periodicidade das eleições, que há cerca de trinta anos vêm acontecendo
bianualmente com regularidade, dirigia o foco das atenções para o direito eleitoral
exclusivamente no período eleitoral stricto sensu.2 Não é mais assim. Seja pelo turbilhão
de eventos políticos, eleitorais ou com reflexos sobre as eleições, pelas mudanças na
legislação ampliando a atividade eleitoral dos partidos e seus pré-candidatos antes
mesmo das convenções, regulamentando a chamada pré-campanha (Lei nº 13.165/2015,
que introduziu o art. 36-A na Lei nº 9.504/1997), pela cada vez mais frequente criação de
novos partidos políticos e eventual migração de mandatários de cargos eletivos, pela
constante judicialização da política, a exemplo do recente episódio da provocação de
candidaturas avulsas, que levou ao STF reconhecer, em sede de recurso extraordinário,
a repercussão geral na questão constitucional, embora ainda não tenha ocorrido o
julgamento do mérito,3 o fato é que a intervenção do Tribunal Superior Eleitoral – e não
só ele – no âmbito regulamentador ou normativo das eleições tende e de fato aumenta
frente a este cenário tumultuado a exemplo do que ocorreu no apagar das luzes do
ano de 2017, quando o TSE aprovou nada mais que 10 (dez) resoluções tratando das
eleições de 2018,4 quando, ao fim e ao cabo, apenas duas leis no curso de 2017 foram
aprovadas com reflexos para as eleições gerais de 2018 (leis nºs 13.487 e 13.488) além de
uma emenda constitucional (EC nº 97), da qual alguns de seus dispositivos sequer serão
por ora aplicados, porquanto prevista sua incidência para eleições futuras.
Só por tais motivos o pensar e repensar o tema representa questão de ordem
para os estudiosos do direito eleitoral, na medida em que é nesta seara que os direitos
fundamentais políticos e a própria democracia serão discutidos e tutelados, sempre
presente a significativa mobilidade do poder regulador que envolve as eleições, com
reflexos diretos na atividade jurisdicional, que tanto se dá na seara legislativa com
reformas eleitorais como nas resoluções expedidas pelo tribunal eleitoral, afirmando-se
subsequentes novas orientações ainda que por vezes para velhos problemas. No Brasil
é possível afirmar que cada eleição passa a se revestir de uma forma jurídica senão
distinta da anterior, pelo menos com nuanças diferentes. Ainda que haja fatos novos – a
exemplo, mais recentemente, a utilização das redes sociais nas campanhas preliminares e
2
Período entre as convenções partidárias, registro de candidaturas, campanha eleitoral e realização do pleito, em
apertada síntese.
3
O Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a aplicação de repercussão geral na discussão sobre a
possibilidade de candidatos sem filiação partidária participarem de eleições (TEIXEIRA, 2017).
4
“O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou, na sessão extraordinária administrativa desta
segunda-feira (18) [leia-se, dezembro de 2017], dez resoluções sobre as regras das Eleições Gerais de 2018.
Os temas das resoluções aprovadas são os seguintes: calendário eleitoral das Eleições de 2018; atos preparatórios
para a eleição; auditoria e fiscalização para as eleições; cronograma operacional do cadastro eleitoral para as
eleições; pesquisas eleitorais; escolha e registro de candidatos; propaganda eleitoral, uso e geração do horário
gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral; representações, reclamações e pedidos de direito de resposta;
arrecadação e gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e prestação de contas; e modelos de lacres
de segurança para urnas e envelopes” (TSE..., 2017).
5
Lembrando o disposto no art. 15 do CPC/2015: “na ausência de normas que regulem processos eleitorais,
trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.
6
É preciso compreender que, à época, o próprio conceito de jurisdição ainda estava em ebulição, sem embargo
de pensar-se, em terras brasileiras, a organização dos poderes à luz da tripartição de poderes com origem mais
remota em Aristóteles e mais recente em Montesquieu e no modelo de Estado liberal cunhado pela Revolução
Francesa.
7
“Art. 14. São atribuições do Tribunal Superior: [...] 5) julgar, em última instância, os recursos interpostos das
decisões dos Tribunais Regionais; 6) conceder originariamente habeas-corpus, sempre que proceda de Tribunal
Regional a coação alegada. Já no art. 23, que cuidava das atribuições dos Tribunais Regionais, encontravam-se
as seguintes disposições: 5) decidir, em primeira instancia, os processos eleitorais; 6) processar e julgar os crimes
eleitorais; 7) julgar, em segunda instancia, os recursos interpostos das decisões dos juízes eleitorais”.
8
Curiosamente, mesmo após Constituição de 1988, a partir de legislação infraconstitucional represtinada pela
nova Carta, esta manteve essa proposta original e até ampliou o espectro de funções a serem exercidas por essa
justiça especializada, agregando-lhe funções consultivas.
9
De registrar a equivocidade dos termos – o que é um lugar comum no direito, na medida em que se trata de
ciência hermenêutica, abre discussões infindáveis, o que o presente trabalho não contempla enfrentar. Nesse
caminho, o próprio conceito de norma encontra fundamentos os mais diversos, esclarecendo-se ao leitor,
contudo, que, neste espaço de discussão, será utilizado o conceito de norma a partir de Alf Ross, como sinônimo
de regras jurídicas válidas a impor um agir do modo indicado, correspondendo ao “direito válido” (ROSS, 1994).
E mais adiante:
Eventualmente, seja por incluir sua jurisprudência, seja por inovar em relação ao que o
legislador previu (ou não previu no caso de omissão), o TSE avança e produz atos norma
tivos primários, que visivelmente escapam ao poder regulamentar, configurando autêntico
poder normativo, tema específico deste trabalho. (MACEDO; SOARES, 2015)
Superados esses entraves linguísticos, cumpre avaliar com mais acuidade o poder
regulamentador/normativo da Justiça Eleitoral, do qual se afirmou, sem sombra de
dúvidas, submeter-se a uma tendência de crescimento, de ampliação de sua ocorrência.
A última resolução expedida no ano de 2017, em 18 de dezembro, levou o nú
mero de 23.556 e trata do cronograma operacional do cadastro de eleitores para as
eleições de 2018. Voltada às eleições, é fato, mas de nítido caráter administrativo. Tem-
se notícia de que a resolução que levou o número 1, portanto a primeira pelo menos
depois da reestruturação da Justiça Eleitoral, data de 7.6.1945, dispondo sobre o início
do alistamento eleitoral e sobre a instalação dos Tribunais Regionais Eleitorais. Em 72
(setenta e dois) anos, houve, numa conta aritmética, uma média de 327/328 resoluções/
ano (de acordo com site do TSE). Por certo que muitas, quiçá a maioria, voltadas à própria
administração da instituição, a representar o que Eugênio Raul Zaffaroni expressou
como função de autogoverno, na sua clássica definição das funções do Poder Judiciário
(1995), com nítido caráter administrativo. Tantas outras, qualificando-se por sua natureza
regulamentadora, limitando-se a especificar e pontuar disposições legais que, por vezes,
mostram-se insuficientes para dar a necessária segurança ao processo eleitoral. De sorte
que o volume de atos resolutivos, por si só, não representa preocupação maior.
Contudo, a história das resoluções nos mostra casos típicos de atuação normativa,10
criando a resolução normas primárias e atuando no vazio da legislação, escapando à
mera regulamentação para caracterizarem-se como legiferantes.
Estabelecer, em outro viés, um limite entre a função meramente regulamentadora
e a normativa longe está de ser um trabalho fácil e, até, de consenso entre os intérpretes,
mostrando-se por vezes como uma fronteira fácil de ser rompida.
No mesmo caminho, se, de um lado, a constitucionalização do ato normativo,
quando atua no vazio da lei, de outro, a sua aderência à lei, limitando-se a regulamentá-la
dentro de seus limites, atendem ao plano formal de validade do ato (ALMEIDA NETO,
2014, p. 101-109), não menos relevante é o plano da legitimação do conteúdo de tais
normas editadas pela Justiça Eleitoral, indispensável elemento a ajustar o ato normativo
ao ideal democrático.
As dificuldades, porém, não param por aí. Até por ser conhecido o difícil jogo
político no Congresso Nacional quanto à edição de leis que regem o processo eleitoral,
pelo notório interesse próprio dos legisladores, não há como subtrair do Poder Judiciário,
mais precisamente da Justiça Eleitoral, essa função que por vezes complementa ou
preenche os vazios e as inconsistências provocadas pelo próprio Legislativo. Nítido
campo minado, que cabe à doutrina e ao intérprete eleitoralista apontar os acertos e
desacertos, de modo a obter-se um equilíbrio e um mínimo de segurança jurídica para
o enfrentamento de todos os aspectos que cercam o processo eleitoral.
É neste universo tumultuado que a função normativa da Justiça Eleitoral cruza
seu caminho com o novo Código de Processo Civil, isso porque o estatuto processual
de 2015 vem contribuindo com a redefinição da atividade jurisdicional, instituindo uma
função normativa que lhe era, no mínimo, até então estranha, o que adiante se verá.
10
Apenas para exemplificar, a limitação do número de vereadores, em 2004; no mesmo ano, a quitação eleitoral com
pagamento dos débitos como exigência de elegibilidade; a verticalização das coligações em 2006; a fidelidade
partidária, em 2007; a propaganda eleitoral na internet a partir de 2004 até 2009, quando sobreveio a primeira
legislação sobre o tema; o efeito condenatório nas ações de prestação de contas, em 2014.
11
“Art. 20. A sistemática dos recursos repetitivos prevista nos arts. 1.035 a 1.042 do Novo Código de Processo
Civil não se aplica aos feitos que versem ou possam ter reflexo sobre inelegibilidade, registro de candidatura,
diplomação e resultado ou anulação de eleições”.
Seguindo esta linha, não se pode olvidar que o incidente de resolução de demandas
repetitivas, na forma como concebido pelo Código de 2015, é, ao lado dos instrumentos
constitucionais voltados à estabilização das decisões judiciais sobre determinada
temática, um processo de abstração dos conflitos ao efeito de o Judiciário imprimir,
de forma vinculante e erga omnes, a tese jurídica firmada em tais espaços processuais.
Abstração, vinculação, eficácia erga omnes e preceito normativo são características
próprias do poder normativo.
De sorte que, ao contrário do que possa parecer a partir de algumas discussões
doutrinárias, independentemente do mérito de suas ponderações,12 caminha-se para a
ampliação do poder normativo atribuído aos tribunais, de cujo cenário a Justiça Eleitoral,
como dito alhures, é protagonista e até vanguardista, reforçando-se ainda mais a sua
função normativa.
Dizendo com outras palavras, ao lado da edição de resoluções normativas
(vinculação forte) e das súmulas editadas pelo próprio tribunal eleitoral (vinculação
fraca), a (defendida) adoção de incidentes de resolução de demandas repetitivas,
estabelecendo um diálogo entre as normas do processo civil e o processo judicial eleitoral
que vai além da experiência pretérita, e as eventuais decisões oriundas do Supremo
Tribunal Federal com eficácia de precedentes, forçoso concluir o fortalecimento da função
normativa da Justiça Eleitoral, fenômeno jurídico que se reflete diretamente no âmbito
dos direitos políticos fundamentais e da legitimação da democracia.
Apenas para não deixar in albis, a maior diferença entre a edição de resoluções
e a instauração de um IRDR em matéria eleitoral é que neste, ao contrário daquelas, a
participação dos destinatários na discussão da tese jurídica é respeitada, legitimando
o resultado final. Mas ambos os instrumentos produzem enunciados normativos e
vinculantes, desafiando o dogma da separação de poderes.
12
Por todos, Eneida Desiree Salgado (2015, p. 252), que sentencia, com todas as palavras: “como se afirmou, a
atuação da Justiça Eleitoral na expedição de resoluções é inconstitucional. Sem previsão expressa na Constituição
e em face de uma função atípica, não se pode considerar a possibilidade de elaboração de normas, ainda que
secundárias, pelo Poder Judiciário”.
não se olvida que o princípio da legalidade convive com outras garantias de idêntica
hierarquia. Exemplo maior vem do próprio texto constitucional, quando no mesmo
dispositivo, inc. LXXI, contempla o mandado de injunção, ação constitucional voltada
para garantir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, presente o pressuposto de falta de
norma regulamentadora, ou seja, da mora legislativa a impedir tal exercício. A hipó
tese, que é de exceção, reconhece-se, encontra amparo na própria Constituição, a legi
timar plenamente a intervenção do Judiciário editando solução normativa para o caso
concreto, não servindo de fundamento para o exercício da função normativa exercida
pelos tribunais.
A lei não é plena. A lei pode ser lacunosa, contraditória, obscura, incompleta,
dando margem a interpretações: até aí, nenhuma novidade. O sistema responde com
os princípios de direito, com a analogia, com os costumes. Mas, mais grave, pode não
haver lei, embora haja direitos a serem tutelados, abrindo-se, nesse caso, o sistema em
busca de uma resposta.
Também o processo legislativo se submete às contingências culturais, mas a
legitimação maior de seu produto – a lei – decorre exatamente de sua produção em um
espaço político, em que os legisladores representam – ou devem representar – as diversas
vozes da sociedade, encontrando seu fundamento maior no axioma a vontade popular,
representada especialmente pelo voto, em que maiorias e minorias se digladiam entre
si até que, ao fim e ao cabo, um consenso é formado.
Não há dúvida de que esse modelo, útil para o desenvolvimento do Estado
liberal, sustentado filosoficamente pelo positivismo jurídico, também já se deteriorou,
mostrando-se anacrônico. A crise do positivismo e da consequente crença que na lei se
encontra o direito não é particularidade da história brasileira. Lembrando as lições de
Luis Fernando Barzotto (2007, p. 133), valendo-se inclusive de Norberto Bobbio:
Pode-se dizer que uma as razões do fracasso do projeto positivista tratado neste trabalho,
foi a tentativa de propor um conceito unidimensional do direito, tentando reduzi-lo à
esfera normativa. Já se tornou um patrimônio do pensamento jurídico universal a idéia
de que o direito é um fenômeno complexo, que envolve não somente normas, mas fatos e
valores, e, portanto, não somente a validade, mas também a justiça e a eficácia, ‘concorrem
à formação da noção de direito’ e ‘quem quer compreender a experiência jurídica nos seus
vários aspectos, deve levar em conta que essa é aquela parte da experiência humana cujos
elementos constitutivos são ideais de justiça a realizar, instituições normativas para realiza-
los, ações e reações dos homens, face àqueles ideais e a estas instituições’. A intromissão
de elementos fáticos e valorativos nas construções positivistas mostra, a contrario sensu, a
verdade dessa tese.
13
Toma-se como exemplo a preocupação presente no que diz com as fakes news que poderão influenciar o processo
eleitoral de 2018, objeto não só do discurso de posse do Ministro Luis Fux, mas também da primeira reunião
de seu mandato como presidente daquele tribunal com os presidentes dos tribunais regionais eleitorais, tendo
pontualmente referido “notícias falsas, fake news, derretem candidaturas legítimas. Uma campanha limpa se
faz com a divulgação de virtudes de um candidato sobre o outro, e não com a difusão de atributos negativos
pessoais que atingem irresponsavelmente uma candidatura” (LEI..., 2018).
no tempo, não por função inerente, mas por motivos contingenciais. A tanto se afirma
por força do disposto na Lei nº 9.504/97:
Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo
ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das
previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução,
ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos
políticos. [...]
§3º Serão aplicáveis ao pleito eleitoral imediatamente seguinte apenas as resoluções
publicadas até a data referida no caput.
A redação dada ao art. 105 da Lei das Eleições imprime às resoluções uma função
de regulamentação em tese voltada às especificidades do pleito que se segue, daí porque
sua edição se dar, como limite máximo para sua incidência nas eleições subsequentes,
até um prazo médio de 7 (sete) meses antecedente ao pleito vindouro, tenha ou não
havido modificações legislativas no período. Contudo, sabe-se que não é assim que
funciona, estendendo-se suas disposições a um futuro temporalmente imprevisível,
podendo ou não vir a ser modificada por futura resolução ou ainda por lei que disponha
sobre a mesma matéria. Enquanto isso não ocorre, continuará vigendo e produzindo
seus efeitos.14
De qualquer sorte, o próprio sistema normativo não lhe confere dignidade
legiferante, seja porque limita seu campo de atuação ao dispor que “sem restringir
direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas” na Lei Eleitoral, seja porque, dada
sua esperada função meramente regulamentadora, atribui-lhe o prazo de 7 (sete) meses
de antecipação ao pleito e não o prazo de 1 (um) ano, conforme art. 16 da Constituição,
que atende ao princípio da anualidade imposto às leis eleitorais para que tenham plena
aplicação ao processo eleitoral imediato.
Sua fragilidade está também nos limites de sua vigência enquanto lei específica
não vier, seja para confirmar o seu texto, seja para contrariar seus dispositivos, perdendo
vigência em qualquer uma das duas hipóteses. Sobrevindo a lei, a resolução não mais
se impõe, nem como reforço de fundamentação. Basta para tanto que a lei que a suceda
tenha tratado da matéria por ela regulamentada. É certo que uma lei pode ser revogada
por outra lei, mas os respectivos processos legislativos são absolutamente idênticos,
de igual hierarquia, seguindo os mesmos procedimentos, ao efeito de expressar e/ou
provocar a revogação.
Não é o que acontece com uma resolução, cujo conteúdo normativo se vê afastado
do ordenamento jurídico pela simples edição de norma legal que lhe seja posterior,
dispensado qualquer comando revogatório, tácito ou expresso. A lei se sobrepõe, no caso,
à norma contida pela resolução por si só, independentemente de qualquer advertência
nesse sentido.
Não é por outra razão que, por vezes, entre lei velha e lei nova se instaure o
(aparente) conflito temporal de normas, regido, por sua vez, por princípios e dispositivos
legais. Incidentes tais seriam incompatíveis entre uma resolução e uma lei nova, sempre
prevalecendo esta última.
14
Exemplo disso é a Resolução nº 22.610/2007, que tratou da fidelidade partidária e da titularidade do mandato
obtido nas urnas, só vindo a perder seu objeto quando do advento da Lei nº 13.165, de 29.9.2015.
Mas o fato é que enquanto o Legislativo não ocupar o seu espaço decisional,
prevalecerão, regendo os casos concretos que o processo eleitoral produz, os preceitos
normativos impostos pela resolução. Agrega-se a este fenômeno a circunstância de que,
em princípio, os processos contenciosos que envolvem determinada eleição tendem a
se resolver no interstício temporal desta eleição, com a qualificação da indiscutibilidade
da coisa julgada, de modo que eventual lei posterior – aí pela garantia constitucional
da tutela da segurança jurídica assegurada pelo art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição
republicana – não retroagirá seus efeitos aos processos já julgados, ressalvada, por óbvio,
a hipótese de ação rescisória, de limitada previsão no direito eleitoral.
A maior crítica, porém, ao poder normativo da Justiça Eleitoral a ser considerada
é a concentração no exercício do poder, provocando uma espécie de poder endógeno.
O mesmo colegiado, o pleno do TSE – responsável pela edição da resolução que
pressupõe obviamente tomada de decisões em ambientes e por agentes que não
atendem aos requisitos de representação democrática, mais afeitos aos parlamentos
(SALGADO, 2015, p. 249) –, é o que também julgará os processos – em grau recursal
ou em competência originária – constituídos a partir de conflitos eleitorais frente à
regulamentação produzida, dando a última palavra sobre sua aplicação ou não ao caso
concreto, solidificando-se inclusive essa decisão pela indiscutibilidade da coisa julgada,
constitucionalmente legitimada. De sorte que as funções normativa e jurisdicional se
sobrepõem, exercidas pelos mesmos personagens num círculo autofágico.
Cumpre nesses casos indagar: qual o grau de previsibilidade de que quem editou
a norma contra ela de se posicionar quando chamado a invalidá-la ou pelo menos afastar
sua incidência no caso concreto? Lições do passado nos mostram que a ditadura, seja
ela do Executivo, Legislativo ou do Judiciário, é perniciosa e incompatível com o Estado
Democrático de Direito, lembrando, por todos, Rui Barbosa, que assim se expressou: “a
pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.
A situação se agudiza na medida em que limitados se mostram os caminhos para
o Supremo Tribunal Federal, esgotando-se, no mais das vezes, a decisão no âmbito do
Tribunal Superior Eleitoral, até por conta de que o processo eleitoral deve se esgotar
no âmbito temporal da eleição que lhe deu causa, sob pena de absoluta inefetivi
dade de suas decisões, exigência que o Supremo não encontra aptidão para atender.
A eternização dos feitos que a multiplicação de recursos extraordinários – entre outros
instrumentos processuais – provocaria em casos tais implica trocar seis por meia dúzia,
mostrando outra faceta nefasta do sistema, em prejuízo do exercício democrático dos
direitos políticos.
De um modo ou de outro, ao Supremo Tribunal Federal, nesse retrato de distri
buição de funções judiciais e normativas, deve ficar reservada sua função de controle de
constitucionalidade das leis e, mais precisamente, das resoluções eleitorais, restringindo-
se ao máximo sua atuação jurisdicional via julgamento de casos concretos. Significa dizer
que não cabe ao Supremo a mera função revisional ínsita ao sistema recursal, o que a
abertura dos recursos extraordinários provocaria.
O fato é que o poder normativo só alcançou patamares antes sequer pensados
porque paralelamente se ampliou o poder jurisdicional, criando-se, num primeiro
momento, via processo legislativo, inúmeras ações eleitorais com força de indeferir
ou cassar o registro, o diploma e o mandato do candidato, intervindo diretamente no
resultado das urnas. Sofisticado sistema de tipos infracionais os mais variados e de
15
Esse sistema seria mais compatível com as eleições municipais, nas quais o TSE só é provocado via recurso
especial eleitoral. Já nas eleições gerais, em que o tribunal também atua como órgão revisor da decisão ad quem,
sua adoção seria limitada, para dizer o mínimo.
Referências
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MACEDO, Elaine Harzheim. Normatização das eleições: a Justiça Eleitoral detém funções legislativas?
In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ,
Luiz Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 265-282. (Tratado
de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
1
O fenômeno da judicialização da política envolve tanto a extensão das áreas de atuação do Poder Judiciário, quanto
a adoção de procedimentos de inspiração processual e de parâmetros jurisprudenciais por parte de outros atores
políticos (TATE; VALLINDER, 1995).
Quando se diz – como faz o “Chief Justice” Barwick, para citar apenas exemplo recente –
que a expansão do direito legislativo no estado moderno estendida a muitíssimos domínios
antes ignorados pela lei, acarretou e ainda está acarretando consigo a paralela expansão do
direito judiciário, subentende-se obviamente a negação da clara antítese entre interpretação
judiciária da lei e criatividade dos juízes. Encontra-se implícito, em outras palavras, o
reconhecimento de que na interpretação judiciária do direito legislativo está ínsito certo
grau de criatividade.2
Diversi Paesi europei hanno visto il controllo del diritto passare attraverso varie mani, ossia
quelle del potere giudiziario, legislativo, o delle scuole.Ciò non significa, naturalmente,
che vi furono periodi o Paesi in cui Il diritto venne controllato esclusivamente da uma
sola di queste forze: è sempre esistito um case law, cosi come uma legislazione ed opere
di argomento giuridico. [...] Qui bisognerebbe cercare di scoprire quali forze concrete si
stessero muovendo per la legislazione e la codificazione in ben determinati momenti della
storia, e avendo di mira quali precisi scopi sociali. (VAN CAENEGEM, 1991, p. 61-63)
2
Registre-se que nos marcos do constitucionalismo democrático opera-se uma redefinição das relações entre os
poderes do Estado e tem lugar uma soberania complexa que mescla diferentes formas de representação popular
na qual encontram lugar de destaque as instituições judiciais. Nesse contexto, a hermenêutica constitucional
adequada a uma sociedade aberta é aquela que envolve uma pluralidade de atores que participam da interpretação
constitucional. “No processo de interpretação constitucional estão potencialmente envolvidos todos os órgãos
estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível se estabelecer um elenco
fechado ou fixado com numerus causus de intérpretes da constituição” (HÄBERLE, 1997, p. 13). Assim, em vez
de um viés antidemocrático, o protagonismo do Poder Judiciário representa uma componente fundamental
de um processo de interpretação constitucional que, fundado na tópica, dá origem a um método concretista
de interpretação de uma constituição aberta definida pelos ideais de abertura sistêmica e pluralidade social
(BONAVIDES, 2000).
Aplicada ao Brasil tal tipo de análise, percebe-se que nos marcos do regime
democrático vigente observam-se episódios em que o juiz/Poder Judiciário sobrepõe-se
ao legislador/Poder Legislativo na tomada de decisões voltadas para a regulamentação
dos processos eleitorais, exibindo uma postura proativa característica de uma concepção
particular de ativismo judicial:3 aquela segundo a qual incorre em ativismo judicial o
juiz que, diante da necessidade de interpretar a norma jurídica para poder aplicá-la,
cria direito novo. Nesse sentido é que deve ser entendida, no contexto da jurisdição
constitucional, a afirmação de um dos atuais membros do Supremo Tribunal Federal
de que
[...] o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de inter
pretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em
situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política
e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.
A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do
Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no
espaço de atuação dos outros dois Poderes. (BARROSO, 2009, p. 6)
3
A propósito do caráter polissêmico do conceito de ativismo judicial, veja-se Kmiec (2004).
Today, a charge of “judicial activism” standing alone means little or nothing because the
term has acquired so many distinct and even contradictory meanings. Nevertheless, when
explained carefully, the term can be a starting point for meaningful conversation about the
judicial craft, an opportunity to ask the subsidiary questions that go beyond the superficial.
This Comment is an invitation to do just that. (KMIEC, 2004, p. 1477)
II
Após vencer uma eleição, a maioria legislativa pode visivelmente procurar isolar-se de
novos testes eleitorais – por meio da suspensão de eleições, da restrição da liberdade de
expressão, ou da manipulação das leis eleitorais de modo a afetar o poder das regiões de
eleitores não leais. (ACKERMAN, 2009, p. 99-100)
As eleições são a maneira pela qual a democracia opera. Na terceira onda foram também
uma maneira de enfraquecer e acabar com os regimes autoritários. Foram um veículo da
democratização, bem como sua meta. A democratização foi realizada por governantes
autoritários que, por uma razão ou outra, arriscaram-se a promover eleições, e por grupos
oposicionistas que fizeram pressão em favor das eleições e delas participaram. A lição da
terceira onda é que as eleições não são apenas a vida da democracia; são também a morte
da ditadura. (HUNTINGTON, 1994, p. 174)
Evidentemente que a governança eleitoral não garante boas eleições, isso por causa do
complexo conjunto de variáveis sociais, econômicas e políticas que pode afetar o processo, a
integridade e os resultados de eleições democráticas. Porém, boas eleições são impossíveis
sem uma efetiva governança eleitoral. (MOZAFFAR; SCHEDLER, 2002, p. 6)
legislature, the judiciary, or the head of state. EMBs under the Independent Model may
enjoy varying degrees of financial autonomy and accountability, as well as varying levels of
performance accountability. They are composed of members who are outside the executive
while in EMB office. (IDEA, 2007, p. 7)
III
Apesar das sucessivas reformas, as eleições no Império sempre deixaram muito a desejar.
Para julgá-las em conjunto, basta observar a feição peculiar do nosso parlamentarismo,
com a rotação dos partidos dependendo predominantemente, quando não exclusivamente,
do critério pessoal do Monarca. Na frase de Martinho Campos, “o direito de eleger
representantes da nação”, no reinado de D. Pedro II, era “a melhor e mais pensada atribuição
do poder moderador”. Nabuco de Araújo resumiu essa situação com rara felicidade no
seu repetidíssimo sorites: “O Poder Moderador pode chamar quem quiser para organizar
Ministérios; esta pessoa faz a eleição, porque há de fazê-la; esta eleição faz a maioria”.
(LEAL, 1948, p. 163)
Quanto à prática eleitoral durante a República Velha, Victor Nunes Leal (1948,
p. 167) faz coro à avaliação negativa proferida por Assis Brasil por ocasião de sua
participação na Assembleia Constituinte de 1933, transcrita a seguir:
Não é verdade que, no regime que botamos abaixo com a Revolução, ninguém tinha
a certeza de se poder alistar eleitor. Ninguém. Creio que nem o próprio Presidente da
República. Ele mesmo não tinha certeza, porque, se raramente alguns votaram, havia o
preconceito de que o Presidente da República desprezava essa coisa tão insignificante,
como seja o depositar uma cédula na urna.
E peço perdão a algum que tenha feito exceção. Ninguém, pois, tinha certeza de se fazer
qualificar, como a de votar. Nem demoro esperar resposta, porque já sei que tem de ser o
silêncio. Por quê? Razões seria ocioso as estar dando. Votando, ninguém tinha a certeza de
que lhe fosse contado o voto. Os votos eram manifestados em urnas, mais urnas funerárias
do que representantes da soberania nacional; urnas que eram imediatamente abertas,
quebradas, arrombadas de qualquer forma e os próprios politiqueiros que faziam a eleição
se encarregavam de processá-la a bico de pena, etc. Ponhamos uma reticência… Uma
vez contado o voto, ninguém tinha segurança de que seu eleito havia de ser reconhecido
através de uma apuração feita dentro desta Casa e por ordem, muitas vezes, superior. É
a verdade. (ASSIS BRASIL, 1933)
4
A Justiça Eleitoral foi criada no Brasil em 24.2.1932 pelo Decreto nº 21.076/1932 (1º Código Eleitoral brasileiro).
O texto da Constituição de 1934, em seu art. 63, determinava que os juízes e tribunais eleitorais eram parte do
Poder Judiciário.
5
Durante o Período Colonial registra-se a participação da magistratura (juízes ordinários e juízes de fora) nos
processos eleitorais nas fases de qualificação dos eleitores, apuração dos votos e proclamação dos resultados.
No Império, a participação da magistratura ocorre por meio dos juízes de paz, juízes municipais e juízes de
direito. Já na 1ª República a magistratura se faz presente nos processos eleitorais nas figuras dos juízes estaduais
e federais.
Ainda que não tenha eliminado de vez todo e qualquer desvirtuamento dos
processos eleitorais, a atribuição à Justiça Eleitoral de poderes antes a cargo de outros
atores contribuiu para a melhoria dos índices de confiança nos resultados das eleições.
A despeito dos excessos e defraudações que podem ter ocorrido neste ou naquele lugar,
os depoimentos mais numerosos são favoráveis à experiência das leis eleitorais de 32 e 35.
Bastaria que tivessem vedado o reconhecimento às próprias câmaras para que cessassem as
mais graves acusações pelo falseamento da nossa representação política. (LEAL, 1948, p. 170)
Não é exagero afirmar que a Justiça Eleitoral foi uma das instituições mais relevantes em
termos de providenciar as garantias necessárias para uma transição estável, tanto nas
eleições indiretas de 1985, quanto nas primeiras eleições diretas de 1989, episódio no qual
a instituição foi diretamente responsável pela implementação e o julgamento dos critérios
para o registro de novos partidos políticos e candidatos aos diversos níveis de governo.
(TAYLOR, 2006, p. 147)
Segundo o art. 118 da Constituição de 1988, são órgãos da Justiça Eleitoral o TSE,
os tribunais regionais eleitorais (TREs), os juízes eleitorais e as juntas eleitorais.6 Com
6
Segundo o TSE, a Junta Eleitoral é um órgão colegiado provisório “[...] constituído por dois ou quatro cidadãos
e um juiz de direito, seu presidente, que nomeará quantos escrutinadores e auxiliares forem necessários para
atender à boa marcha dos trabalhos. Os nomes das pessoas indicadas para compor as juntas são publicados
em tempo hábil para que qualquer partido político possa, em petição fundamento, impugnar as indicações.
Compete à junta eleitoral, que deve ser nomeada pelo TRE, sessenta dias antes das eleições, apurar, no prazo
de dez dias, as eleições realizadas nas zonas eleitorais sob a sua jurisdição, expedir os boletins de apuração e
diplomar os eleitos para cargos municipais” (BRASIL, 2010b).
a exceção das juntas eleitorais, todos os demais órgãos da Justiça Eleitoral exibem um
perfil especializado. No padrão institucional brasileiro de governança eleitoral o TSE,
última instância decisória da Justiça Eleitoral no Brasil, é uma instituição independente
e autônoma com relação aos poderes Executivo e Legislativo cujas decisões encontram-
se sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF), o órgão de cúpula do Poder
Judiciário brasileiro.7
O TSE, instituição responsável pela administração dos processos eleitorais no
Brasil, é composto por sete membros: três juízes eleitos entre os membros do STF; dois
juízes eleitos entre os membros do Superior Tribunal de Justiça (STJ); e dois juízes
nomeados pelo presidente da República a partir de uma lista de seis advogados indicados
pelo STF.8 Perante o TSE atua ainda o procurador-geral eleitoral, representante do
Ministério Público Eleitoral.9
Os TREs também são compostos por sete membros: dois desembargadores do
Tribunal de Justiça do estado em cuja capital esteja situado o TRE e dois juízes de direito
estaduais selecionados pelo Tribunal de Justiça; dois juízes escolhidos entre advogados
pelo Tribunal de Justiça e nomeados pelo presidente da República; e um juiz federal
escolhido pelo Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o estado em cuja capital
estiver situado o TRE. Cada TRE é composto ainda por um procurador regional eleitoral,
representante do Ministério Público Eleitoral.
Já os juízes eleitorais (1 por zona eleitoral) são selecionados pelo TRE entre os
juízes estaduais. Todos os juízes de tribunais eleitorais servem por um período mínimo
de dois anos e máximo de dois biênios consecutivos.
Tais regras consagram, formalmente, a participação de dois poderes (Executivo
e Judiciário) no recrutamento dos membros do TSE e dos TREs, alijando o Poder
Legislativo de qualquer participação consagrada constitucionalmente na composição
da Justiça Eleitoral.10
IV
7
Nos termos da Constituição de 1988, “São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que
contrariarem esta Constituição e as denegatórias de ‘habeas-corpus’ ou mandado de segurança” (CR, art. 121,
§3º) (BRASIL, 1988).
8
A independência e autonomia do TSE perante o Poder Executivo não sofrem quaisquer relativizações decorrentes
da prerrogativa presidencial de nomeação de dois de seus membros.
9
Apesar da grande ascendência do STF sobre o TSE, já que três dos ministros do TSE têm origem no STF e
dois deles são nomeados pelo presidente da República a partir de indicações do STF, as relações entre os dois
tribunais está longe de confirmar a tese de que o TSE não passa de um órgão do STF para matérias eleitorais.
Um exemplo de tal avaliação pode ser encontrado na divergência entre os dois tribunais acerca da validade da
Lei Complementar nº 135/10 (Lei da Ficha Limpa) nas eleições gerais de 2010. Enquanto o TSE, por cinco votos a
dois, entendeu que a referida lei seria aplicável àquelas eleições; o STF decidiu por seis votos contra cinco que a
Lei da Ficha Limpa só poderia ser aplicada a partir das eleições de 2012.
10
Cf. Constituição da República, arts. 118 a 121 (BRASIL, 1988).
11
O Código Eleitoral de 1965 foi recepcionado pela Constituição de 1988 como lei de natureza complementar de
maneira a atender ao disposto no art. 121 do texto constitucional: “Lei complementar disporá sobre a organização
e a competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais” (CR, art. 121) (BRASIL, 1988).
12
Na íntegra: “Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior: I - elaborar o seu regimento interno;
II - organizar a sua Secretaria e a Corregedoria Geral, propondo ao Congresso Nacional a criação ou extinção
dos cargos administrativos e a fixação dos respectivos vencimentos, provendo-os na forma da lei; III - conceder
aos seus membros licença e férias assim como afastamento do exercício dos cargos efetivos; IV - aprovar o afas-
tamento do exercício dos cargos efetivos dos juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais; V - propor a criação de
Tribunal Regional na sede de qualquer dos Territórios; VI - propor ao Poder Legislativo o aumento do número
dos juízes de qualquer Tribunal Eleitoral, indicando a forma desse aumento; VII - fixar as datas para as eleições
de Presidente e Vice-Presidente da República, senadores e deputados federais, quando não o tiverem sido por
lei: VIII - aprovar a divisão dos Estados em zonas eleitorais ou a criação de novas zonas; IX - expedir as instruções
que julgar convenientes à execução deste Código; X - fixar a diária do Corregedor Geral, dos Corregedores Re-
gionais e auxiliares em diligência fora da sede; XI - enviar ao Presidente da República a lista tríplice organizada
pelos Tribunais de Justiça nos termos do Art. 25; XII - responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe
forem feitas em tese por autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de partido político; XIII - autorizar
a contagem dos votos pelas mesas receptoras nos Estados em que essa providência for solicitada pelo Tribunal
Regional respectivo; XIV - requisitar a força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões
ou das decisões dos Tribunais Regionais que o solicitarem, e para garantir a votação e a apuração; XV - organizar
e divulgar a Súmula de sua jurisprudência; XVI - requisitar funcionários da União e do Distrito Federal quando
o exigir o acúmulo ocasional do serviço de sua Secretaria; XVII - publicar um boletim eleitoral; XVIII - tomar
quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral” (BRASIL, 1965).
13
Uma instrução consiste em um “Ato normativo editado pelo Tribunal, sob a forma de resolução, para regu
lamentar e orientar a execução da legislação eleitoral e partidária. Designa também a classe do processo em que
tal ato é expedido”. Por resolução entende-se o “Título sob o qual são lavradas as decisões do Tribunal de caráter
administrativo, contencioso-administrativo ou normativo” (BRASIL, [s.d.]).
14
Por mutações constitucionais entende-se “[...] as alterações semânticas dos preceitos da Constituição, em
decorrência de modificações no prisma histórico-social ou fático-axiológico em que se concretiza a sua aplicação
[...]” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 130).
Nestas consultas, é patente o papel político dos juízes eleitorais quando o TSE exerce
uma competência análoga à função de policy review em larga medida desempenhada por
tribunais constitucionais no exercício do controle de constitucionalidade. Tendo em vista
diferenciar tal atividade de produção de normas daquela desempenhada pelos membros
do Poder Legislativo, pode-se qualificar as resoluções do TSE como de caráter quase-
legislativo, assegurando-se aos juízes eleitorais um campo de escolhas significativo.
Aqui, aplicam-se as considerações de Michele Taruffo sobre a atividade judicial:
En esta actividad de interpretación, el juez lleva a cabo una función que es muy creativa
porque no se trata solamente de descifrar lo que la norma dice desde un punto de vista
literal, sino de atribuirle, una y otra vez, significados diferentes y variables en los que se
reflejan valores morales, necesidades sociales, criterios de justicia de los que el juez es
portador al realizar su función. El aspecto creativo de esta función es particularmente
evidente en los casos – que son cada vez más frecuentes – en los que las normas se formula
en términos precisos y rigurosos pero incluyen términos vagos, conceptos indeterminados
o cláusulas generales. De hecho, en estos casos, el legislador delega al juez el poder y la
carga de decidir la policy que el propio legislador no ha querido o no ha podido elegir
al crear la norma. En dichos casos se habla de supletoriedad del legislador por parte
del juez, precisamente para subrayar que el juez debe formular decisiones políticas que
corresponderían al legislador si este hubiera sido capaz de realizar adecuadamente su
función institucional. Tenemos, pues, que son muchos los aspectos por los que el juez que
interpreta el derecho desempeña directamente un papel de decisor político.
[...] En esta operación el juez dispone de un poder discrecional muy amplio. No se trata de
un poder arbitrario porque la decisión debe ser racionalizada y controlable y debe seguir
cânones hermenéuticos y estándares valorativos que el juez debe identificar y enunciar. Sin
embargo, es claro que el campo de elección política (en sentido amplio) de las decisiones
que el juez lleva a cabo es muy amplio y diversificado. (TARUFFO, 2005, p. 27-28)
É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para
eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se
mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a
coligação para o pleito majoritário.
Tal consulta foi respondida negativamente pelo Tribunal por meio da Resolução
nº 21.002/2002:
Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados
a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
I - caráter nacional; [...].
Considerando o teor do art. 108 da Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral), que estabelece que a
eleição dos candidatos a cargos proporcionais é resultado do quociente eleitoral apurado
entre os diversos partidos e coligações envolvidas no certame democrático. Considerando
que é condição constitucional de elegibilidade a filiação partidária, posta para indicar ao
eleitor o vínculo político e ideológico dos candidatos. Considerando ainda que, também
o cálculo das médias, é decorrente do resultado dos votos válidos atribuídos aos partidos
e coligações.
INDAGA-SE:
Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral
proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do
candidato eleito por um partido para outra legenda?
15
Tal decisão do TSE motivou a aprovação da Emenda Constitucional nº 52, de 8.3.2006, alterando o §1º do art. 17
da Constituição que passou a ter a seguinte redação: “§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para
definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de
suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual,
distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.
Respondendo a essa consulta, o TSE, em 27.3.2007, por seis votos a um, formulou
a Resolução nº 22.526 decidindo que as vagas parlamentares obtidas pelo sistema
proporcional (vereadores, deputados estaduais, distritais e federais) pertencem aos
partidos políticos ou às coligações e não aos candidatos eleitos. Desse modo, o partido
político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de
cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.16
O relator da matéria no TSE, Ministro César Asfor Rocha, justificou assim o seu
voto:
É da maior relevância assinalar que os Partidos Políticos têm no Brasil o status de entidade
constitucional (Art. 17 da CF), de forma que se pode falar [...] que as modernas democracias
de certa forma secundarizam, em benefício dos Partidos Políticos, a participação popular
direta. (BRASIL, 2007c)
16
A troca de partido motivada por “justa causa” deve ser comprovada pelo parlamentar e se aplica em quatro
casos: incorporação ou fusão do partido; criação de novo partido; mudança substancial ou desvio reiterado do
programa partidário e grave discriminação pessoal.
[...] a essa função de sujeito processual ativo que é ínsita aos partidos políticos, a Constituição
ajuntou a de intermediário entre o corpo de eleitores de uma dada circunscrição e todo
e qualquer candidato a cargo de representação popular. O partido enquanto necessária
ponte. Elo imprescindível na corrente que vai do eleitor ao eleito. É como está no inciso
V do §3º do art. 14, que torna ‘a filiação partidária’ uma das explícitas “condições de
legibilidade, na forma da lei”.
Ora bem, a essa obrigatoriedade de filiação partidária só pode corresponder à proibição
de candidatura avulsa. Candidatura zumbi, ou exclusivamente pessoal, pois a intercalação
partidária se faz em caráter absoluto ou sem a menor exceção. O que revela a inserção
dos partidos políticos na compostura e no funcionamento do sistema representativo, na
medida em que somente eles é que podem selecionar e emprestar suas legendas para todo
e qualquer candidato a posto político-eletivo.
[...] Ninguém chega ao poder estatal de caráter eletivo-popular sem a formal participação
de uma dada agremiação política. O que traduz a formação de um vínculo necessário entre
os partidos políticos e o nosso regime representativo. (BRASIL, 2007d)
A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se
aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência. (BRASIL, 1988, art. 16)
17
A Lei nº 9.504, de 30.9.1997 (Lei das Eleições) estabelece em seu art. 11 que “Os partidos e coligações solicitarão
à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se
realizarem as eleições” (BRASIL, 1997).
Com base nas concepções de processo eleitoral presentes em obras de dois juristas
citados em seu relatório18 e em um voto proferido pelo Ministro Cezar Peluso na ADI
nº 3.685/DF, o Ministro Relator Hamilton Carvalhido entendeu:
No caso em tela a lei foi publicada antes das convenções partidárias, circunstância que
não afetaria o andamento da eleição vindoura, mantendo-se a segurança jurídica entre os
partidos, candidatos e eleitores.
Diante dessas considerações, se a lei entrar em vigor antes das convenções partidárias, não
há falar em alteração no processo eleitoral. (BRASIL, 2010b)
O que distingue fundamentalmente direito material e direito processual é que este cuida
das relações dos sujeitos processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma
de se proceder aos atos deste – sem nada dizer quanto ao bem da vida que é objeto do
interesse primário das pessoas (o que entra na órbita do direito substancial). (CINTRA;
GRINOVER; DINAMARCO, 2005, p. 42)
O que é certo é que processo eleitoral é expressão que não abarca, por mais amplo que seja
o sentido que se lhe dê, todo o direito eleitoral, mas apenas o conjunto de atos que estão
diretamente ligados às eleições. [...]
A meu ver, e desde que processo eleitoral não se confunde com direito eleitoral, parte que
é dele, deve-se entender aquela expressão não como abrangente de todas as normas que
possam refletir-se direta ou indiretamente na série de atos necessários ao funcionamento
das eleições por meio do sufrágio universal – o que constitui o conteúdo do direito eleitoral
–, mas, sim, das normas instrumentais diretamente ligadas às eleições [...]
Note-se, porém, que são apenas as normas instrumentais relativas às eleições, e não as
normas materiais que a elas de alguma forma se prendam.
Se a Constituição pretendesse chegar a tanto não teria usado da expressão mais restrita
que é “processo eleitoral”. (BRASIL, 2010b)
18
“[...] inicia-se o processo eleitoral com a escolha pelos partidos políticos dos seus pré-candidatos. Deve-se
entender por processo eleitoral os atos que se refletem, ou de alguma forma se projetam no pleito eleitoral,
abrangendo as coligações, convenções, registro de candidatos, propaganda política eleitoral, votação, apuração
e diplomação” (RAMAYANA, 2009. p. 45). “[...] o processo eleitoral desenrola-se em três fases: ‘(1) apresentação
das candidaturas; (2) organização e realização do escrutínio; (3) contencioso eleitoral’. A primeira delas
‘compreende os atos e operações de designação de candidatos em cada partido, do seu registro no órgão da
Justiça Eleitoral competente e da propaganda eleitoral que se destina a tornar conhecidos o pensamento, o
programa e os objetivos dos candidatos’” (SILVA, 2000, p. 381).
diretamente previstos na Constituição, é exigido pelo art. 14, §9º, desta e não configura
alteração do processo eleitoral, vedada pelo art. 16 da mesma Carta”.19
Assim, concluiu o ministro relator Hamilton Carvalhido que “[...] as inovações
trazidas pela Lei Complementar nº 135/2010 têm a natureza de norma eleitoral material
e em nada se identificam com as do processo eleitoral, deixando de incidir, destarte, o
óbice esposado no dispositivo constitucional” (BRASIL, 2010b).
Ao final de seu voto o ministro relator apontou para o que se pode considerar o
aspecto garantidor da Lei Complementar nº 135/2010.
Ao longo das páginas precedentes procurei demonstrar o modo pelo qual o TSE
atuou no sentido de promover alterações nas regras eleitorais brasileiras quando decidiu
pela verticalização das alianças eleitorais; acerca da titularidade dos mandatos eletivos
e da fidelidade partidária; e pela validade da aplicação da Lei da Ficha Limpa para as
eleições de 2010.
19
Consulta nº 11.173 – Resolução nº 16.551 de 31.5.1990. Rel. Min. Luiz Otávio P. E. Albuquerque Gallotti.
Ainda que apenas a decisão relativa à verticalização das alianças eleitorais tenha
suscitado uma reação do Congresso Nacional no sentido da aprovação de uma emenda
constitucional (Emenda nº 52, de 8.3.2006) contrariando a decisão do TSE, aquelas três
iniciativas do Tribunal abordadas anteriormente somadas a outras como a definição
do número de vereadores nos municípios brasileiros (Resolução nº 21.702 de 2.4.2004)
e a redefinição dos critérios de repasse dos recursos do fundo partidário aos partidos
políticos (2007) vêm suscitando discussões acerca da posição institucional da Justiça
Eleitoral no sistema democrático brasileiro.20
Como visto antes, o pano de fundo destas discussões é o modelo de governança
eleitoral adotado no Brasil que atribui à Justiça Eleitoral prerrogativas jurisdicionais
sobre todos os processos eleitorais na democracia brasileira. Exatamente por isso o
espectro de um governo dos juízes tem contribuído para a ocorrência de manifestações
contrárias à manutenção do atual modelo de governança eleitoral.
Tal modelo de governança eleitoral assenta-se no pressuposto de que cabe à
Justiça Eleitoral a defesa da integridade dos processos eleitorais no âmbito de nosso
Estado Democrático de Direito. E a defesa dessa integridade significa, em nossa ordem
constitucional, a defesa da igualdade de chances entre os participantes dos processos
eleitorais.
Em certa medida, algo semelhante à crítica ao poder de revisão judicial vem ocor
rendo com relação à participação da Justiça Eleitoral nos processos eleitorais no Brasil. De
fato, a jurisdição constitucional tem sido objeto de um amplo questionamento acerca de
sua legitimidade em sistemas democráticos desde a “invenção” da revisão judicial pela
Suprema Corte norte-americana no célebre Marbury v. Madison (1803). Desde então,
o estatuto da justiça constitucional nos sistemas democráticos contemporâneos vem
sendo alvo de considerações e julgamentos diversos diante daquilo que Alexander Bickel
(1962) de forma lapidar definiu como “a dificuldade contramajoritária”: no contexto de
sistemas democráticos representativos, por que submeter ao controle judicial decisões
proferidas por representantes populares eleitos? Em se tratando de um modelo de
governança eleitoral no qual a Justiça Eleitoral é responsável tanto pela aplicação das
regras eleitorais quanto pelo julgamento de controvérsias de cunho eleitoral, alguns
críticos perguntam se não estaria a Justiça Eleitoral, através de suas decisões, usurpando
funções de natureza legislativa ao regulamentar os processos eleitorais e julgar com base
em seus próprios regulamentos controvérsias de natureza eleitoral.
Note-se que a questão da legitimidade das instituições judiciais é particularmente
importante em sistemas políticos democráticos nos quais a separação de poderes está
associada à atribuição ao Poder Judiciário de algum poder de revisão de decisões
proferidas em âmbito parlamentar. Na falta de uma legitimação democrática proveniente
da manifestação direta dos cidadãos-eleitores busca-se nas instituições judiciais algo
20
Por meio da Emenda Constitucional nº 58 de 23.9.2009, o Congresso Nacional alterou o inc. IV do art. 29 da
Constituição aumentando o número de vereadores nos municípios brasileiros. Quanto aos recursos do Fundo
Partidário, depois da Resolução nº 22.506 de 6.2.2007, na qual o TSE promoveu uma distribuição mais igualitária
de recursos entre os partidos políticos, foi aprovada a Lei nº 11.459 alterando a Lei Orgânica dos Partidos
(Lei nº 9.096, de 19.9.1995), estabelecendo: “5% (cinco por cento) do total do Fundo Partidário serão destacados
para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior
Eleitoral e 95% (noventa e cinco por cento) do total do Fundo Partidário serão distribuídos a eles na proporção
dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados” (Lei nº 11.459, art. 41-A).
que lhes credenciem como agentes decisórios. Sob essa ótica, o déficit democrático das
instituições judiciais poderia ser compensado pelo caráter fundamentado de suas deci
sões proferidas em um ambiente institucional deliberativo (FEREJOHN; PASQUINO,
2009).
Tal questionamento da legitimidade do controle jurisdicional das eleições no Brasil
permite que se indague a respeito de eventuais condições institucionais da democracia
brasileira que pudessem operar como justificativas para a adoção de um modelo de
governança eleitoral que assegura ao ramo eleitoral do Poder Judiciário a prerrogativa
de até mesmo contrariar decisões majoritárias produzidas em âmbito legislativo.
Sugiro que se proceda de acordo com o proposto por Waldron (2006) em sua
crítica ao judicial review. Fixadas algumas condições indispensáveis ao funcionamento
adequado de um sistema democrático, qualquer violação daquelas condições pode
ensejar uma reflexão acerca da plausibilidade do judicial review. Transposto para o objeto
de análise nesse artigo, o argumento assumiria a seguinte forma: qualquer violação das
condições institucionais indispensáveis à garantia da integridade dos processos eleitorais
poderia, sob certas condições, legitimar o modelo de governança eleitoral adotado na
democracia brasileira.
Segundo Waldron (2006, p. 1360):
We are to imagine a society with (1) democratic institutions in reasonably good working
order, including a representative legislature elected on the basis of universal adult
suffrage; (2) a set of judicial institutions, again in reasonably good order, set up on a
nonrepresentative basis to hear individual lawsuits, settle disputes, and uphold the rule of
law; (3) a commitment on the part of most members of the society and most of its officials
to the idea of individual and minority rights; and (4) persisting, substantial, and good faith
disagreement about rights (i.e., about what the commitment to rights actually amounts
to and what its implications are) among the members of the society who are committed
to the idea of rights.
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4.1 Introdução
A aplicação do direito eleitoral não é tarefa fácil: aqueles que decidem enveredar
por tais caminhos se deparam com uma diversidade de normas que objetivam a cada
pleito disciplinar o maior número de condutas que, potencialmente, atentem contra a
liberdade do voto, a lisura das eleições e o Estado Democrático de Direito.
Essa busca incessante por regulamentação abarca todos os procedimentos que
fazem parte do processo eleitoral: o alistamento de eleitores, as convenções partidárias,
o registro de candidatos, as impugnações às candidaturas, as propagandas eleitorais,
a campanha eleitoral, as prestações de contas, a substituição de candidatos, a eleição,
a diplomação.
As muitas condutas, de irregularidade apurável, mudam a cada pleito e dão ensejo
a outras normas, que exigirão novas interpretações. Sempre haverá novos entendimentos
e julgados, que se sedimentarão ou não; é a constante evolução do direito eleitoral.
O presente trabalho busca fazer uma análise da importância que a jurisprudência
exerce na aplicação do direito eleitoral, sendo uma das suas principais fontes e se
servindo como espelho da Corte Superior Eleitoral e, por que não dizer, dos Tribunais
Regionais Eleitorais, parecendo dar alento à incontestável subjetividade presente na
legislação eleitoral, aos conceitos vagos que clamam por definições ou se adequam ao
caso apreciado e ao caráter provisório que parece dar a feição das normas eleitorais.
Para seguir na pretendida análise, apresenta-se este artigo com um estudo acerca
das fontes do direito eleitoral, sua classificação e a importância da jurisprudência na
construção dos entendimentos jurídicos. Abre-se um tópico para dissertar sobre o caráter
subsidiário na Justiça Eleitoral em que se toma de empréstimo de servidores a normas
numa manutenção de caráter permanentemente provisório, por mais contraditório que
o sentido das palavras possa ter.
É necessário distinguir as fontes diretas, ou seja, as que de per si possuem força suficiente
para gerar a regra jurídica, as quais podem ser denominadas, segundo a doutrina
tradicional, fontes imediatas ou primárias. Ao lado dessas, há as denominadas fontes
mediatas ou secundárias, as que não tem a força das primeiras, mas esclarecem os espíritos
dos aplicadores da lei e servem de precioso substrato para a compreensão e aplicação
global do Direito.
Diz o civilista que nas fontes primárias estariam a lei e os costumes e nas fontes
secundárias estariam a doutrina, a jurisprudência, a analogia, os princípios gerais de
direito e a equidade.
Lopez Zilio (2014, p. 19) resume as fontes do direito eleitoral em doutrina, juris
prudência e leis e enumera estas por grau de importância, como sendo a Constituição,
as leis ordinárias e complementar e as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.
Gomes (2015, p. 24-25) classifica as fontes em materiais e formais. Para ele,
Fonte material são os múltiplos fatores que influenciam o legislador em seu trabalho de
criar normas jurídicas. Tais fatores podem compreender diversas tendências psicológicas,
fenômenos e dados presentes no ambiente social, envolvendo pesquisas de ordem histórica,
econômica, religiosa, axiológica, moral, política, psicológica, sociológica, entre outras.
As fontes formais, para o autor, “são os veículos ou meios em que os juízos jurídicos
são fundamentados”. Dividem-se em fontes estatais e não estatais tendo em vista o
meio de onde emanam, conforme advenham de processos legislativos, constitucionais
ou infraconstitucionais, para o primeiro caso ou, no segundo caso, de princípios não
positivados.
Para Gomes (2015, p. 24), “a lei não decorre da atividade impessoal, harmônica e
coerente de um legislador justo e onipresente, como pretendiam os positivistas clássicos,
mas antes, é fruto de uma bem articulada composição de interesses”.
Para Fávila Ribeiro (1996, p. 15), a Constituição Federal é a fonte suprema da qual
promanam a ordem jurídica estatal, a repartição das competências e o tracejo das linhas
fundamentais do sistema eleitoral. A existência de legislação complementar justifica-
se, para o autor, para que o estatuto constitucional não perca o seu caráter sintético e
adquira uma extensão maior do que o necessário. Em suas palavras, “as fontes não se
isolam como elementos de exclusivo vínculo com o Direito Eleitoral, em virtude da
indilacerável unidade da ordem jurídica em que está integrado. Mas não deixa de contar
com elementos próprios que refletem as suas condições peculiares”.
O eleitoralista cearense divide as fontes de direito eleitoral em próprias e
subsidiárias. As primeiras seriam o Código Eleitoral de 15.7.1965 e a Lei Orgânica dos
Partidos Políticos, de 19.9.1995. As fontes subsidiárias seriam os Códigos de Processo
Penal, Civil e de Processo Civil, as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, os estatutos
dos partidos políticos e a jurisprudência.
Acrescentam-se às fontes próprias enumeradas, a Lei Eleitoral (Lei nº 9.504,
de 30.9.1997), a Lei Complementar nº 64, de 18.5.1990 e, ainda, uma variedade de leis
ordinárias que auxiliam na interpretação e aplicação do direito eleitoral.
Não há, pois, unanimidade quanto à classificação das fontes do direito eleitoral,
mas é inconteste que estejam entre elas a Constituição Federal, o Código Eleitoral, as leis
ordinárias e a lei complementar, a jurisprudência e as resoluções do Tribunal Superior
Eleitoral.
As leis ordinárias entram no universo normativo eleitoral com o objetivo de
suprir as falhas de um Código Eleitoral ultrapassado que teima em resistir às agruras do
tempo. Datado de 1965, traz traços de uma ideologia fruto do regime militar e conceitos
que não mais se aplicam. Muitos dos procedimentos ali disciplinados já não existem,
como exemplo, os atinentes à votação que perderam lugar para toda a aparelhagem que
recebe, contabiliza e totaliza os votos.
A Lei nº 9.504 de 30.9.1997 veio com a intenção de ser única, mas já sofreu remendos
de tantas outras, que trouxeram previsões de condutas ilícitas, como a Lei nº 9.840 de
1999 ou ainda delimitaram responsabilidades para os partidos políticos, trazendo regras
inclusive para a participação feminina, como a Lei nº 12.034 de 2006.
Outras normas trouxeram profundas alterações para a realização das propagandas
eleitorais, financiamento e prestação de contas das receitas e despesas de campanhas
eleitorais como a Lei nº 11.300 de 2006. Vieram alterações nos anos de 1999, 2002, 2003,
2006, 2009, 2010, 2013, 2014, 2015 e agora em outubro de 2017, sob o argumento de mais
uma pseudorreforma política, mais duas leis de nº 13.487 e nº 13.488 foram editadas,
alterando as leis nº 9.504/97 e nº 9.096/95 e também o Código Eleitoral. As duas leis
recentes extinguiram a propaganda partidária no rádio e na televisão, suprimindo direitos
já conquistados pelos partidos políticos, alguns processos com decisões transitadas em
julgado para o primeiro semestre de 2018 (ano das próximas eleições gerais) e alteraram
a Lei nº 13.165 de 2015 que se intitulava Minirreforma Eleitoral de 2015.
É a reforma da reforma do ordenamento político eleitoral. Por fim, ainda em
outubro de 2017 surgiu a Emenda Constitucional nº 97 que trouxe alterações impor
tantíssimas no universo eleitoral, tais como a vedação de formação de coligações
1
“Ementa: As Resoluções do TSE, facultadas nos arts. 12, d e t, e 196, do Código, tem forca de lei geral e a ofensa
a sua letra expressa motiva recurso especial, nos termos do art. 167 do Código. Dado provimento ao interposto
contra o registro, por ilegalidade da convenção que escolheu os candidatos, não pode a escolha renovar-se, pois
acarretaria subversão de princípios”.
Como exemplo, cito o art. 65 da Resolução nº 23.464/2015,2 que, em seu caput, avisa que
as prestações de contas referentes aos exercícios anteriores ao ano de 2016 não serão
atingidas em seu mérito pela resolução. Logo em seguida, no §1º do art. 65, se estabelece
que as disposições processuais oriundas da norma em comento serão aplicadas aos
processos que tratem de prestações de contas relativas aos exercícios de 2009 e seguintes.
2
Res. nº 23.464 de 17.12.2015 – regulamenta o disposto no Título III da Lei nº 9.096, de 19.9.1995 – Das Finanças e
Contabilidade dos Partidos.
3
PA nº 87-88.2016.6.00.0000. Rel. Min. Henrique Neves, j. 27.9.2016.
4
A Res. nº 23.478 de 10.5.2016 estabelece diretrizes gerais para a aplicação da Lei nº 13.105, de 16.3.2015 – Novo
Código de Processo Civil –, no âmbito da Justiça Eleitoral.
Não há, pois, como negar que a jurisprudência seja, inclusive, fonte imediata e direta
do direito, mesmo nos sistemas romanísticos. Primeiro porque veicula a interpretação e
aplicação da norma positiva, dando-lhe inteligência e precisando o alcance do direito em
tese; segundo, porque aplica os princípios gerais, a equidade, a analogia, na falta de uma
norma específica e explícita; e, por último, porque tem uma força construtiva e preservativa
da uniformidade dos julgados e da unidade do direito.
5
Acórdão nº 3.119. Rel. Min. Raphael de Barros Monteiro, j. 27.2.2003.
mesma causa de pedir (fundada no mesmo inquérito policial, com as mesmas imputações –
captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico), assim como o mesmo pedido
(aplicação de multa, cassação de diploma que, pelo período decorrido, converteu-se em
cassação de mandato eletivo e decretação de inelegibilidade) é de se reconhecer a figura da
litispendência, nos termos em que disposto no art. 301, §§1º, 2º e 3º do Código de Processo
Civil, não havendo ainda trânsito em julgado da outra demanda.
[...] a importância da AIME, examinada pelo viés material salta aos olhos por ser a única
ação eleitoral que conta com lastro constitucional para retirar um agente político investido
no mandato pelo batismo das urnas, de ordem a mitigar, em consequência, o cânone da
soberania popular.
Coexiste, pois, a AIME no ambiente processual eleitoral com mais outras três
ações, já nominadas: a AIJE, a representação prevista no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 e
o RCED. No caso do Mato Grosso do Sul foram interpostas duas ações por partes dis
tintas (Ministério Público Eleitoral e partido político), em que os pedidos se repetem e
as imputações são as mesmas, extraídas de um mesmo conjunto probatório. O TRE/MS
entendeu ainda pela completa identidade entre os fatos.
Em seu voto, no Recurso Especial Eleitoral nº 3-48, o Ministro Henrique Neves
entendeu que as razões suscitadas pelo recorrente, então afastado do cargo, repetiam
o entendimento firmado pela Corte Superior por vários anos e vários julgados, a saber,
aquele que diz da impossibilidade de litispendência entre as ações eleitorais, ainda
que fundadas nos mesmos fatos, pois tratam-se de ações com causa de pedir próprias
e consequências diversas.
6
REspe nº 11-75.2014.6.20.0033 – Classe 32 – Baraúna/Rio Grande do Norte. Rel. Min. Luiz Fux, j. 25.5.2017.
Trago algumas ementas nesse sentido que têm sido repetidas incontáveis vezes:
O Ministro Henrique Neves afirma que o entendimento que vem sendo repetido
pelo Tribunal Superior Eleitoral fundamenta-se na teoria da tríplice identidade (tria
eadem) positivada no art. 301, §2º do CPC, hoje constante no art. 337, §2º do Novo Código
de Processo Civil.7
Defende, o ministro, que a multiplicidade de ações na Justiça Eleitoral que em
princípio têm o mesmo objetivo prático é tema que merece ser revisitado oportunamente
pela Corte Superior. Refere-se, o senhor ministro, ao julgamento de dois recursos
ordinários veiculados em uma AIME e uma AIJE, em 2014, nos quais não se ventilava a
litispendência, mas foi feita a reunião dos dois processos que foram julgados na mesma
ocasião8 com a análise e afastamento de preliminar de nulidade em razão da conexão.
Era o anúncio da mudança.
O reconhecimento da litispendência impediria, como impediu no caso concreto, a
análise do mérito processual. A decisão seguiu o Código de Processo Civil, que, frise-se,
é utilizado de forma subsidiária ao processo eleitoral, a saber, na falta de regramento
eleitoral. Questiona o ministro relator, entretanto, a necessidade de se procurar a
identidade do pedido, da causa de pedir e das partes, o que, mesmo existente, afastaria,
em razão da jurisprudência consolidada pelo Tribunal Superior Eleitoral, o instituto da
litispendência em matéria eleitoral.
O presente acórdão é por demais esclarecedor e, se não firma de todo um novo
posicionamento, dada a votação não unânime, induz a uma necessária reflexão. Diz o
relator que a teoria da tríplice identidade é insuficiente para a solução de todos pro
blemas alusivos à identificação e à semelhança das ações, como no caso das partes
autoras diferentes ou ainda no caso da existência de partes iguais, causa de pedir
7
“Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: [...] VI - Litispendência; [...]. §1º Verifica-se a
litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. §2º Uma ação é idêntica a outra
quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. §3º Há litispendência quando se repete ação que
está em curso. §4º Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado”.
8
RO nº 9-80.2011.6.14.0000 de Belém-PA. Rel. Min. Henrique Neves da Silva, j. 1.4.2014.
idêntica e pedidos diversos no seu aspecto imediato, mas idênticos quanto ao bem da
vida pretendido.
Ora, as duas premissas são facilmente exemplificáveis pois ocorrem comumente
na Justiça Eleitoral: no primeiro caso, temos o exemplo de dois autores que interpõem
duas ações iguais contra o mesmo candidato. É a coisa mais comum de acontecer.
Motivados pela vitória nas eleições, candidatos e coligações ajuízam ações da mesma
natureza contra seus adversários. O Ministério Público, no exercício de suas funções,
também interpõe uma ação. As imputações se repetem e o Poder Judiciário passa a fazer
parte da campanha, como importante ator, já que suas decisões podem influenciar a
intenção do voto.
No desespero das urnas, pesam na diversidade das interposições a escolha do
advogado, uma testemunha que poderia ser mais convincente e até o tempo que a ação
poderia levar para ser julgada. E aí, neste caso, ressurge aquela questão suscitada lá atrás
acerca da temporariedade dos que aplicam o direito eleitoral. Não tanto no primeiro
grau, por que hoje as ações já se julgam na instância comum com mais celeridade e os
juízes eleitorais, no calor da concorrência, conseguem juntar fatos e extrair conclusões
que, por vezes ultrapassam a força dos autos. Diga-se da mudança, nas composições
dos Tribunais Regionais Eleitorais, e da possibilidade real de um ou vários processos
contra o mesmo candidato, em que se tem a mesma causa de pedir e o mesmo pedido,
serem distribuídos para relatores diferentes.
Ressalta-se a novidade trazida pelo art. 96-B da Lei nº 9.504/97, incluído que foi
pela Lei nº 13.165/2015 e que traz em sua redação que “serão reunidas para julgamento
comum as ações eleitorais propostas por partes diversas sobre o mesmo fato, sendo
competente para apreciá-las o juiz ou relator que tiver recebido a primeira”. Entretanto,
a alteração não resolve a variedade de ações que se prestam, muitas vezes à medição de
forças entre candidatos de um mesmo município, abarrotando a Justiça Eleitoral que
se torna instrumento de campanha, sobretudo dos candidatos mais abastados, que têm
condições financeiras para contratar bancas de advogados famosos e de renome.
Pois entendeu o Ministro Henrique Neves que seria o caso de se fazer o cotejamento
das ações, analisando-se o critério da “relação jurídica base” sem que a identificação dos
três elementos (pedido, causa de pedir e partes) fosse um critério excludente. Citou, no
seu voto, os processualistas Fredie Didier e Luiz Guilherme Marinoni para dizer que,
entre os elementos utilizados para firmar a litispendência, a causa de pedir deveria
prevalecer, pois esta, “entre os elementos da ação, é a que constitui o ponto tangencial
mais direto entre o processo e o direito material”. Seria, pois, a ligação entre os fatos
narrados na demanda e a norma que se pretende ver aplicada.
Marinoni (2015, p. 338), com relação à causa de pedir, afirma que o direito brasileiro
adota a teoria da substanciação segundo a qual interessa a descrição do contexto fático
em que as partes se encontram envolvidas. É entendimento que hoje não mais se diz
unânime e faz com que alguns autores defendam que haja um sopesamento entre as
teorias da substanciação e da individuação no sentido de delimitar a abrangência da
causa de pedir.
Molin Domit (2015, p. 64) defende:
Para a determinação da causa petendi, importam sim os fatos – isso é óbvio e elementar.
Mas importa a sua qualificação jurídica, tanto mais quando esse enquadramento se mostrar
essencial para identificar, de forma precisa, a situação jurídica material para a qual se pede
a tutela no processo, de modo a distingui-la de toda e qualquer outra situação correlata –
sem prejuízo de que haja dedução de mais de uma dessas situações substanciais. É impres
cindível, para isso, levar em conta as peculiaridades da situação jurídica deduzida em juízo.
No recurso especial em análise, são citados alguns julgados nos quais procura
demonstrar, o ministro relator, que os Tribunais vêm, implicitamente, adotando a teoria
da “relação jurídica base”. Reconhece, no caso, a mera reprodução de fatos, uma vez que
em todos os feitos, “conquanto os pedidos imediatos possam ser diferentes – cassação do
registro, cassação do diploma ou cassação do mandato – a consequência jurídica intentada
pela parte é rigorosamente a mesma: impedir que o réu exerça a representação popular”.
Justificar-se-ia, consoante o entendimento do julgador da Corte Superior, a
coexistência de ações, por relevante e necessário, em outra época, a saber, no final do
século passado, quando as ações tinham prazo certo para julgamento. E completa:
[...] de acordo com a atual redação do inciso XIV do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90
o julgamento da ação de investigação judicial eleitoral após a diplomação é capaz de, em
termos práticos, afastar o candidato do exercício do mandato para o qual foi eleito, em
face da cassação do seu diploma.
Portanto, o ajuizamento da ação de impugnação de mandato eletivo para tratar de fatos
que já foram ou já estão sendo examinados em ação de investigação judicial eleitoral
anteriormente ajuizada não é mais essencial para que se chegue ao afastamento do candidato
eleito, como era necessário antes das alterações introduzidas pela LC 135, de 2010.
Interessante destacar que no mesmo dia em que fora julgado o Recurso Especial
Eleitoral nº 3-48.2013.6.12.0036, no qual se reconhecera, por maioria de votos, a litis
pendência entre uma AIME e uma AIJE, outro REspe, o de nº 621-19.2012.6.24.0060
de Santa Catarina, foi apreciado pelo Ministro Gilmar Mendes. Limitou-se o ministro
a repetir que “na linha de jurisprudência deste Tribunal, inexiste litispendência entre
AIME e AIJE”. A afirmativa é seguida pelo termo precedente, que na opinião do Ministro
Gilmar Mendes “já seria suficiente para acolher a preliminar”. Apesar da afirmativa,
avisa o ministro, em seu voto, que tecerá considerações adicionais e passa a examinar
a matéria discutida nos autos.
Entendeu o ministro que embora o Tribunal de Santa Catarina já tivesse se pronun
ciado sobre o programa social que previa a doação da madeira e que não estaria, por isso,
configurado o abuso do poder econômico nem a captação ilícita de sufrágio, não haveria
impedimento para uma nova apreciação da conduta. No caso em exame a investigação
judicial apurava a entrega de uma carga de macadame e a AIME fundava-se em abuso
de poder econômico em razão da entrega de várias cargas da madeira.
Esse passeio entre julgados retrata a necessidade de melhor reflexão na análise
de matérias importantes em vez de apenas repetir de forma automática as ementas ou
os trechos de votos.
O precedente, no entender de Didier (2015, p. 441) “é a decisão judicial tomada
à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para
o julgamento posterior de casos análogos”. A sua existência, portanto, não significa
eternização de um entendimento ou ainda que aquela questão não mereça ser repensada.
Os outros dois recursos especiais eleitorais são da relatoria da Ministra Maria
Thereza de Assis Moura e expõem duas análises interessantes. Ambos se referem ao mes-
mo município pernambucano e às mesmas partes. O primeiro, de nº 5-44.2013.6.17.0144,
traz a extinção de uma AIME sem julgamento de mérito, em razão do reconhecimento da
litispendência entre duas outras ações julgadas pelo Tribunal Regional de Pernambuco.
Este, examinando os embargos interpostos, em outra ocasião, já decidira que “a iden
tidade de partes, a despeito das várias ações em trâmite envolvendo os mesmos fatos
não poderia ser analisada de forma absoluta”. A afirmação se serve como argumento
para afastar a alegação de casuísmo discutida pelos embargantes, em razão de omissão
no enfrentamento da mudança jurisprudencial.
Observa-se assim a importância que a jurisprudência ocupa no universo das
decisões judiciais. A sua construção exige tempo, estudo, cuidado, comparações, respeito
à legislação vigente e coerência.
Os embargos interpostos no TRE de Pernambuco, no caso do REspe nº 5-44,
veiculam a alegação de que aquele Regional deveria ter enfrentado a alteração de
jurisprudência, definindo se os princípios constitucionais da segurança jurídica e ante
rioridade eleitoral alcançavam apenas o legislador ou também a Justiça Eleitoral e
eventuais impulsos de viradas jurisprudenciais súbitas. A argumentação não é de todo
absurda, antes demonstra a irresignação de quem foi surpreendido com uma decisão
diferente de todas as que vinham sendo proferidas antes.
A ministra afirmou em seu voto que a diversidade de partes entre as ações não
impedia o reconhecimento de litispendência. Afastou, in casu, a ofensa aos princípios da
segurança jurídica, da anterioridade eleitoral, do devido processo legal e da isonomia,
bem como da indevida mudança de jurisprudência consolidada após a realização da
eleição. Relatou em seu voto a evolução do entendimento da Corte, com relação à
aceitação de litispendência. Citou o Acórdão nº 31.539/AC,9 no qual o Ministro Gilmar
Mendes ventila a hipótese da “eventual litispendência entre AIJE e RCED”. Em seguida,
9
RCED nº 0000315-39.2011.6.00.0000 – Agravo Regimental em Recurso Contra Expedição de Diploma nº 31539 –
Rio Branco/AC. Acórdão de 25.8.2015. Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes.
citou como precedente, o REspe nº 3-48 do Ministro Henrique Neves, “cuja robustez
merece encômios”.
Concluiu a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, no REspe nº 5-44, que as
causas de pedir da ação veiculada já haviam sido analisadas anteriormente em processos
outros e não havia fatos ou provas inéditas. A litispendência foi reconhecida.
No segundo recurso oriundo de Pernambuco, o de nº 317-43, há uma argumentação
diferente: a de que aquele Tribunal não havia se manifestado em relação à diferença
das causas de pedir constantes em cinco investigações judiciais, sendo que uma delas
trazia a apuração da gravidade dos ilícitos em conjunto, a saber, o chamado “conjunto
da obra”. A litispendência foi afastada em razão da diversidade das causas de pedir.
Ressalta a ministra que os três processos de Pernambuco distribuídos para sua
relatoria trouxeram premissas diferentes nos acórdãos, “uma vez que foram julgados
pelo Regional em momentos diferentes”, assertiva que confirma mais uma vez os
malefícios da provisoriedade tão presente na essência da Justiça Eleitoral. Repare-se que
momentos diferentes traduzem pensamentos diferentes e o que apresenta o presente
trabalho diz menos em relação ao reconhecimento da litispendência e/ou continência
nas ações eleitorais, matéria bem discutida por Pereira (2016) do que sobre a utilização
responsável de jurisprudências pelos aplicadores do direito eleitoral.
4.5 Conclusão
Não se olvida que a uniformidade dos entendimentos e mesmo a sua positivação,
resultante da reiteração nos julgados, deixam transparecer certa previsibilidade durante
determinado período. Nesse interregno o entendimento é absorvido pelos jurisdicionados
e se sabe, em nome da segurança jurídica, qual o posicionamento adotado pelas diversas
instâncias em que tramita o processo eleitoral. É a previsibilidade.
Pergunta-se, todavia, até que ponto essa segurança jurídica traduzida pela previ
sibilidade deve ser preservada no direito eleitoral cujas normas têm por obrigação
acompanhar as mudanças que são sempre impactantes no ambiente eleitoral, no qual
disputas políticas dão o tom do momento.
A importância assumida pela Justiça Eleitoral e pelo Direito Eleitoral passa
pela credibilidade nos julgamentos e pela coerência entre os julgados e sobretudo pela
disposição para mudar o que mesmo sedimentado carece – a partir de um dado momento,
de alteração para que seja eficaz. Ressalta-se, por oportuno, que as alterações advindas de
novos posicionamentos carecem de reflexão, estudo, comparação, para que os julgados
que formarão novos precedentes também tragam em sua repetição a marca da coerência.
O juiz ou o colegiado podem e devem afastar-se da literalidade das leis em razão
da necessidade fundamentada, em respeito aos princípios da economia processual, da
celeridade no processo eleitoral, mas de olho na segurança jurídica que, por sua vez,
amordaça a arbitrariedade.
Wambier (2012, p. 14) fala em criatividade judicial e ativismo judicial e afirma:
A autora, em seguida, chama a atenção para algo que ela denomina “ambientes
de decisão”, os quais ela define como “situações de direito material que serão objetos de
decisões jurisdicionais”. Se os ambientes são rígidos não há lugar para criatividade e aí
ela usa dos direitos tributário e civil para exemplificar, respectivamente, os ambientes
decisionais rígido e frouxo.
Indaga-se se o direito eleitoral seria um ambiente decisional frouxo, no qual a
criatividade tem morada sempre. A riqueza de detalhes que se extraiu da análise de
apenas quatro recursos especiais julgados na Corte Superior acerca de matéria que
vinha sendo repetida há tempos sob o abrigo da jurisprudência pacífica e dominante
dá a resposta.
A cada leitura no texto dos votos proferidos tem-se o aprimoramento da com
preensão acerca do que se discutiu: a litispendência entre ações eleitorais. As conclusões
extraídas são de repetição necessária desde que bem explicadas e comparadas a cada
caso concreto. Assim, deve ser utilizada a jurisprudência, sem que o elemento sorte seja
um diferencial.
Estudar o direito eleitoral, portanto, significa apreender e relativizar conceitos,
exercer a necessária subjetividade exigida pelo Tribunal Superior Eleitoral e, porque
não dizer, utilizar os julgados certos que compõem a jurisprudência certa, lembrando
sempre que existem julgados para todos os gostos.
O respeito aos precedentes é essencial para a uniformização da jurisprudência,
mas é necessário que haja, para a sua utilização, um estudo detalhado entre o paradigma
e o novo caso e, em determinadas hipóteses, o uso de técnicas de superação que podem
significar a evolução do direito aplicado.
Referências
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1988. 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis>. Acesso em: 2 nov. 2017.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Jurisprudência. [s.d.]a. Disponível em: <http://www.tse.jus.br>. Acesso
em 31 out. 2017
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superação do mito da substanciação em prol de uma nova compreensão da demanda no processo civil brasileiro.
In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Coleção Novo CPC – Doutrina selecionada. Salvador: JusPodivm, 2015.
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JARDIM, Torquato. Direito eleitoral positivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1998.
MAGALHAES FILHO, Glauco Barreira. Curso de hermenêutica jurídica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
MANIN, Bernard; PRZEWORSKI, Adam; STOKES, Susan C. Eleições e representação. In: MANIN, Bernard;
PRZEWORSKI, Adam; STOKES, Susan C. Democracy, accountability and representation. Cambridge. Cambridge
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MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado.
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RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
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TAVARES, André Ramos; AGRA, Walber Moura; PEREIRA, Luiz Fernando. O direito eleitoral e o Novo Código
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WAMBIER, Teresa Arruda Alvin et al. (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012.
ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
1
O Código Eleitoral foi instituído pela Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Nos seguintes artigos nele se positivou
o que tem se entendido como poder regulamentar do TSE: “Art. 21. Os Tribunais e juízes inferiores devem dar
imediato cumprimento às decisões, mandados, instruções e outros atos emanados do Tribunal Superior Eleitoral. [...].
Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior, [...] IX - expedir as instruções que julgar convenientes
à execução deste Código; [...] XVIII - tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação
eleitoral”.
Interessante observar que em 29.9.2009 houve alteração legislativa no Código Eleitoral, em que se aludiu,
expressamente, ao exercício deste poder regulamentar pelo TSE: “Art. 233-A. Aos eleitores em trânsito no
território nacional é igualmente assegurado o direito de voto nas eleições para Presidente e Vice-Presidente da
República, em urnas especialmente instaladas nas capitais dos Estados e na forma regulamentada pelo Tribunal
Superior Eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”. O art. 61 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei
nº 9.096/95) referenda a mesma tese: “O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para a fiel execução
desta Lei”.
A corroborar nossa afirmação o escólio de Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da
Silva: “O título genérico ‘Instruções’, regras que explicitam a legislação eleitoral, normalmente editadas
através de Resoluções, com nítido caráter vinculativo e força de regra geral, materializa o poder regulamentar
atribuído ao Tribunal Superior Eleitoral, sendo de grande utilidade, posto que interpreta, não só os dispositivos
do Código Eleitoral, mas também as leis eleitorais esparsas, o que facilita o seu entendimento e aplicabilidade.
[...]. A atividade regulamentar é característica da função administrativa da Justiça Eleitoral, através da qual o
Tribunal Superior Eleitoral expede Instruções, que são atos normativos de caráter abstrato, com a função de
explicitar a lei eleitoral, a exemplo do regulamento expedido pelo Poder Executivo. [...] A função regulamentar
da Justiça Eleitoral apresenta-se através das Instruções Normativas Eleitorais, que são editadas através de
Resoluções. As Instruções Eleitorais são atos normativos editados por força da própria lei eleitoral e decorrem
do poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral. [...] Sendo as Instruções do Tribunal Superior Eleitoral a
materialização do poder regulamentar dessa justiça especializada, assemelhando-se aos Decretos emanados do
Poder Executivo, através do qual o Presidente da República exerce a mesma função de regulamentar as leis, elas
não ‘traduzem emanação da função legislativa, mas verdadeira atividade administrativa de caráter normativo’”
(LACERDA, Paulo J. M.; CARNEIRO, Renato César; SILVA, Valter Félix da. Poder normativo da Justiça Eleitoral.
João Pessoa: Sal da Terra, 2004. p. 37; 49; 55).
Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao
caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta
Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente,
em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos. (Redação dada pela
Lei nº 12.034, de 2009).
Igualmente, Eneida Desirre Salgado: “A elaboração das ‘instruções’ para o fiel cumprimento da legislação
eleitoral pelo Tribunal Superior Eleitoral fundamenta-se em dispositivos infraconstitucionais: no parágrafo
único do artigo 1º e no inciso IX do artigo 23 do Código Eleitoral, no artigo 61 da Lei dos Partidos Políticos (Lei
9.096/95) e no artigo 105 da Lei das Eleições (Lei 9.504/97)” (SALGADO, Eneida Desirre. Princípios constitucionais
estruturantes do direito eleitoral. 345 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2010. p. 302).
2
Vide rol de dispositivos constitucionais que não o trataram, sequer reflexamente, constante dos arts. 118 a 121 da
CF.
3
Constituição da República de 1988: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...]. IV -
sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; [...]”.
4
“Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos,
admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009) [...] §4º
Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento
dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo
Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da
Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos
administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou
fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência
do Tribunal de Contas da União”.
5
Com muita propriedade, sobre esse dispositivo, critica Eneida Desirre Salgado: “Os legisladores se deram
conta dessa interferência indevida e, por meio de uma norma jurídica, estabeleceram, de maneira acaciana e
conceitualmente equivocada, que a competência do Tribunal Superior Eleitoral para editar instruções tem caráter
regulamentar e não pode restringir direitos ou estabelecer sanções não previstas em lei. E foi além: impôs a
participação dos partidos” (SALGADO, Eneida Desirre. Princípios constitucionais estruturantes do direito eleitoral.
345 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010. p. 314. Grifos nossos).
6
Ver Eneida Desirre Salgado “[...] caso se conceba, erroneamente, a competência regulamentar da Justiça Eleitoral
como válida, deve-se reconhecer-se os limites estritos deste poder. A competência regulamentar é uma espécie de
poder normativo, mas vinculada, no ordenamento jurídico brasileiro, à edição de normas secundárias para a
execução direta de uma lei específica. Seu fundamento formal deriva da Constituição e seu alcance não atinge
a regulamentação direta das normas constitucionais – competência, por excelência, do Poder Legislativo”
(SALGADO, Eneida Desirre. Princípios constitucionais estruturantes do direito eleitoral. 345 f. Tese (Doutorado em
Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010. p. 302. Grifos nossos).
7
Os partidos, através de seus representantes, não foram ouvidos sobre o tema, já que há 18 legendas a procurar
a Presidência da Suprema Corte Eleitoral para demover o TSE de levar adiante este excesso normativo, como
noticiado pela grande imprensa, em 15.3.12.
8
Vale destacar, outra vez, as lições de Eneida Desirre Salgado: “a atuação da Justiça Eleitoral na expedição de
resoluções é inconstitucional. Sem previsão expressa na Constituição e em face de uma função atípica, não
se pode considerar a possibilidade de elaboração de normas, ainda que secundárias, pelo Poder Judiciário.
[...] A Justiça Eleitoral não está entre os órgãos competentes para a expedição de atos normativos segundo a
Constituição. Logo, a elaboração de resoluções não tem respaldo constitucional. Não obstante, essa questão
não se coloca, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência. O que se pode admitir é a expedição de instruções,
compreendidas adequadamente – que se destinem apenas à atuação administrativa da Justiça Eleitoral, sem
possibilidade de seus efeitos atingirem os particulares” (SALGADO, Eneida Desirre. Princípios constitucionais
estruturantes do direito eleitoral. 345 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2010. p. 301-302).
9
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Separação de poderes, legalidade administrativa e anuência legislativa para aquisição
de imóvel por doação. Revista Interesse Público, Porto Alegre, n. 34, p. 235-265, 2005.
10
Essas razões extrajurídicas foram sumariadas por Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix
da Silva: “o poder regulamentar do TSE se justificaria, como exceção ao poder regulamentar do presidente,
pois essa autoridade tem interesse político-partidário no resultado eleitoral. [...] Também o ‘bom senso’
e a ‘natureza das coisas’, ‘na prática’, afirmam que o TSE deva continuar a exercer poder regulamentar. [...]
Ainda, tal poder seria ‘inerente e peculiar às tarefas administrativa e judicial da Justiça Eleitoral’ [...]. Razões
históricas e até pragmáticas justificariam a função regulamentar da Justiça Eleitoral [...]. Suprimido esse poder
da justiça eleitoral, o processo eleitoral seria prejudicado, entregue a lerdeza do Legislativo. [...] Ainda como
razão pragmática, se alega que como é próprio ao Executivo regulamentar as leis ordinárias, ao Poder Judiciário
caberia regulamentar as leis eleitorais” (LACERDA, Paulo J. M.; CARNEIRO, Renato César; SILVA, Valter Félix
da. Poder normativo da Justiça Eleitoral. João Pessoa: Sal da Terra, 2004. p. 18; 44-45).
Cabe enfatizar: nenhuma dessas razões, verdadeira e validamente, se ambientam no direito positivo brasileiro; elas não
podem receber o aceite da doutrina especializada ou o referendo de exegeses do Judiciário que estejam fundadas
em razões jurídico-constitucionais positivas; fundadas em reflexão séria e comprometida com os direitos das
pessoas e com os limites dos poderes de estado; fundadas em bases argumentativas jusfundamentais (Robert
Alexy); fundadas sobre a inteligência hodierna do que se convencionou chamar de Estado Democrático de
Direito.
11
Como referenda o tratadista brasileiro do poder regulamentar, tendo em conta a ordem constitucional antecedente
que fora mais complacente, em suas normativas, com atos normativos sem elaboração e debates congressuais
parlamentares, Diógenes Gasparini: “No que diz respeito à competência, só os chefes dos Poderes Executivos,
em nosso sistema, podem editar regulamentos. É, portanto, uma atribuição privativa. [...] O regulamento é
ato privativo e indelegável dos chefes dos Poderes Executivo da União, dos Estados e dos Municípios. Nulo
é o regulamento expedido por outro órgão, agente ou pessoa” (GASPARINI, Diógenes. Poder regulamentar. 2. ed. São
Paulo: RT, 1982. p. 9; 159).
12
Rememoremos exemplo emblemático ocorrido durante a eleição de 2008 – e que nos fez, na qualidade de
advogado, aduzir tema de inconstitucionalidade perante a Justiça Eleitoral. Para os fins deste ensaio readaptamos
os argumentos advocatícios outrora deduzidos em processo judicial: “Inconstitucionalidade material do inciso X,
do artigo 1º, da Resolução-TSE n. 22.623/07 - Violação a regras e a princípios que compõem a disciplina
constitucional da legalidade (artigos 1º, caput, 5º, II, XXXIX, c/c 84, IV, da Constituição da República) – Instituição
de obrigação de registrar informação quanto ao número de registro da empresa responsável pela pesquisa
eleitoral no Conselho Regional de Estatística – Positivação não por lei emanada do Congresso Nacional e sim
por mera resolução expedida pelo TSE – Malferimento do princípio da reserva legal em matéria sancionadora
eleitoral”.
O inc. X não tem previsão no art. 33 da Lei nº 9.504/97. Não está referido em qualquer dispositivo da Lei
nº 9.504/97 ou em qualquer outra lei eleitoral. Tal dispositivo tribunalício é inconstitucional, pois não se assentou
na lei, mas no puro arbítrio normante do TSE. Esse regulamento/resolução, introduziu incabível regra de obrigação
de prestar informações à Justiça Eleitoral, com sanção de multa pecuniária de 50.000 a 100.000 UFIRs, afrontando
o princípio constitucional da legalidade (arts. 1º, 5º, II, c/c 84, IV, CF). Essa crítica se aplica, em todos os seus argumentos,
à previsão novidadeira de que a rejeição de contas em 2010 não poderá ensejar quitação eleitoral a ser dada para a eleição
de 2012. Lembramos, ainda, que impedir registro de candidatura é, em termos teóricos e pragmáticos, gerar
inelegibilidade (ver SOARES, Adriano da Costa. Instituições de direito eleitoral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008. p. 3; 60).
Outro exemplo de atuação inconstitucional do TSE, em matéria regulamentar (ou normativa), é lembrado por
Eneida Desirre Salgado: “O artigo 6º da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) trata da possibilidade das coligações.
A interpretação tomada na eleição de 1998 foi afastada em 2002 por uma consulta ao Tribunal Superior
Eleitoral (consulta 715). A partir dessa nova interpretação, dada em 26 de fevereiro de 2006, as coligações que
se realizaram neste ano tiveram que obedecer à ‘verticalização das coligações’. Essa ‘interpretação’ do Tribunal
Superior Eleitoral foi afastada pela Emenda Constitucional 52, de 08 de março de 2006. Essa decisão legislativa,
que alcançou consenso qualificado nas duas casas, em duas votações, previa sua aplicação nas eleições de 2006.
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, paradoxalmente, declarou inconstitucional esse dispositivo em ação
direta de inconstitucionalidade (3685-8). A emenda teve que esperar o prazo do artigo 16 da Constituição.
A resolução foi aplicada imediatamente. Joel José Cândido sublinha que a menos de quatro meses da realização
das convenções já havia tratativas em curso sobre candidatos e vices, bem como pesquisas de intenção de voto
a respeito de nomes já cogitados. Houve prejuízo do processo eleitoral com a modificação do entendimento
do Tribunal Superior Eleitoral. Mais do que isso. Como aponta Monica Herman Salem Caggiano, a imposição
de verticalização fere a autonomia partidária e é matéria reservada à lei e não ao regulamento” (SALGADO,
Eneida Desirre. Princípios constitucionais estruturantes do direito eleitoral. 345 f. Tese (Doutorado em Direito) –
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010. p. 309).
Tomamos como exemplo, caso antigo, já superado, mais que mostra quão
abusivo tem sido esse poder: o caso da regra instituída por “ato de interpretação”, com
reflexos para aqueles candidatos que tiveram contas rejeitadas nos pleitos municipais
de 2010, e que iriam postular mandatos de vereador ou prefeito nas eleições de 2012.
Falamos da “interpretação normativa” que o TSE “inseriu”, repetindo-se,13 na Resolução
nº 22.715/2008, art. 41, §3º.14
O TSE, nesse caso de normação regulamentar, por 4 votos a 3, agiu como se não
houvesse diferença entre positivação de uma regra, pelo poder constitucionalmente
instituído para produzi-la (o Congresso Nacional), e o ato de interpretação e aplicação
dela pelo poder judicial (Justiça Eleitoral). Agiu como se não houvesse um limite para
o intérprete no ato de interpretar o enunciado linguístico do dispositivo e o produto do
resultado desta interpretação: a norma jurídica válida. No caso, transbordou dos limites
interpretativos do §7º, do art. 11 da Lei Ordinária nº 9.504/97,15 que fala da apresentação
de contas e quitação eleitoral. Assim agindo, este Tribunal Superior, ilegitimamente,
“reescreveu” o dispositivo legal, como se legislador fosse.16 Alterou a normativa
positivada pelo legislador eleitoral, em usurpação de sua competência e em afronta
aos direitos políticos dos cidadãos (tanto dos eleitores, quanto de futuros candidatos).17
13
“Novamente”, pois já debatido no TSE, durante o pleito de 2008, com a introdução formal da criticada regra.
Todavia, repelido pelo próprio Tribunal Superior, por entendê-la desbordante do texto legal. Agora volta à
tona regra/exegese que se entendia sepultada por que incompatível com missão regulamentar... por certo, que ao
reboque de moralismo eleitoral!
14
“Art. 41. A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada em até 8 dias antes da diplomação
(Lei nº 9.504/97, art. 30, §1º). §1º Desaprovadas as contas, o juízo eleitoral remeterá cópia de todo o processo ao
Ministério Público Eleitoral para os fins previstos no art. 22 da Lei Complementar nº 64/90 (Lei nº 9.504/97, art.
22, §4º). [...]. §3º Sem prejuízo do disposto no §1º, a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o
impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu”.
15
“Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove
horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições. [...]. §7º A certidão de quitação eleitoral abrangerá
exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações
da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter
definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral. (Incluído pela Lei
nº 12.034, de 2009)”.
16
E nesse sentido calha a crítica jurídica defluente deste precedente do STF: “Lei 6.683/1979, a chamada ‘lei de
anistia’. [...] princípio democrático e princípio republicano: não violação. [...] No Estado Democrático de Direito, o
Poder Judiciário não está autorizado a alterar, a dar outra redação, diversa da nele contemplada, a texto normativo. Pode, a
partir dele, produzir distintas normas. Mas nem mesmo o STF está autorizado a reescrever leis de anistia. Revisão de lei
de anistia, se mudanças do tempo e da sociedade a impuserem, haverá – ou não – de ser feita pelo Poder Legislativo,
não pelo Poder Judiciário” (STF, Plenário. ADPF nº 153. Rel. Min. Eros Grau, j. 29.4.2010. DJe, 6 ago. 2010. Grifos
nossos).
17
Citando José Delgado, Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva: “o regulamento
eleitoral, quando expedido, deve se submeter às limitações legais que sobre ele, normalmente, recaem, pelo
que não deve, em nenhuma hipótese, alcançar a integridade de qualquer direito ou garantia fundamental do cidadão,
nem diminuir ou aumentar os limites dos direitos subjetivos constituídos pela lei eleitoral” (LACERDA, Paulo J. M.;
CARNEIRO, Renato César; SILVA, Valter Félix da. Poder normativo da Justiça Eleitoral. João Pessoa: Sal da Terra,
2004. p. 85).
Essa também é a opinião da eleitoralista Eneida Desirre Salgado: “De qualquer forma, os regulamentos não
podem, sob pena de inconstitucionalidade, alterar ou substituir leis. Não podem criar direitos ou obrigações.
Não podem restringir nem ultrapassar a lei. E os regulamentos de execução estão essencialmente limitados
pela lei que os fundamenta. Não se podem admitir regulamentos emanados do Poder Judiciário em matéria
eleitoral. Menos ainda a possibilidade de regulamentos autônomos em face do princípio constitucional da estrita
legalidade. [...] A atuação do Tribunal Superior Eleitoral em matéria de resoluções, se admitida (inobstante sua
inconstitucionalidade), deve se subordinar à noção de função regulamentar de maneira estrita: aquela em que
não há espaço para discricionariedade qualquer, mas apenas se deve desdobrar, especificar o que a lei determina
de modo genérico. Dessa forma, as resoluções eleitorais devem se restringir a esclarecer datas, competências e
E isso lhe é vedado pela ordem constitucional vigente.18 Feriu o chamado princípio do
congelamento hierárquico, tão bem explicado por J. J. Gomes Canotilho.19
O entendimento do TSE, no caso da negativa de conferir quitação eleitoral a
quem teve contas rejeitadas na eleição de 2010, fere os princípios da legalidade e o da
separação de poderes, e o princípio da segurança jurídica, corolário dos dois últimos – já
se sabe que 21.000 pessoas serão afetadas, retroativamente, como esclareceu a Ministra
Nancy Andrighi.
O poder que produz a norma não pode aplicá-la, em julgamentos, em casos
concretos. Só o STF pode fazê-lo, no caso de súmulas vinculantes, por autorização consti
tucional expressa.20 O princípio constitucional estruturante da separação de poderes foi
violado,21 assim como o princípio geral da legalidade (que no caso é de reserva quali
ficada, pois reclamaria lei complementar),22 23 no caso da regra da resolução em crítica.
procedimentos para a eleição específica que será disputada, facilitando a compreensão da legislação eleitoral.
Apenas isso. [...] As resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, se afastada sua inconstitucionalidade absoluta,
somente podem ter a natureza jurídica de regulamentos de execução, destinados a facilitar a execução da lei,
precisando o conteúdo dos seus conceitos e determinando os procedimentos a serem tomados pela Justiça
Eleitoral em sua função administrativa. Não inovam a ordem jurídica, não podem operar contra a lei, para
além da lei, são completamente subordinados à lei: ‘Qualquer de suas disposições que contrarie dispositivo
de lei a que o mesmo [o regulamento de execução] se refere, ou de qualquer outra lei, não pode ter aplicação’”.
(SALGADO, Eneida Desirre. Princípios constitucionais estruturantes do direito eleitoral. 345 f. Tese (Doutorado em
Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010. p. 302-303; 305).
18
Cf. Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva: “[...] a função normativa da Justiça Eleitoral
é atividade normativa secundária, porquanto expressa através das Instruções Normativas, que não estão elencadas
como atos normativos primários, previstos no art. 59 da Constituição Federal, não possuindo o poder de inovar a
ordem jurídica. [...] Pinto Ferreira: ‘As Instruções do Tribunal Superior Eleitoral devem concordar com o texto
legal, para que tenham eficácia’. [...] a Corte Eleitoral não pode, por ocasião do exercício dessa competência, puramente
regulamentar, alterar o texto da lei” (LACERDA, Paulo J. M.; CARNEIRO, Renato César; SILVA, Valter Félix da.
Poder normativo da Justiça Eleitoral. João Pessoa: Sal da Terra, 2004. p. 80; 82).
19
Eneida Desirre Salgado, citando Canotilho, explica este princípio: “José Joaquim Gomes Canotilho assim explica
o princípio do congelamento do grau hierárquico: ‘Quando uma matéria tiver sido regulada por acto legislativo,
o grau hierárquico desta regulamentação fica congelado, e só um outro acto legislativo poderá incidir sobre a
mesma matéria, interpretando, alterando, revogando ou integrando a lei anterior’ (CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. cit., p. 780-781)” (SALGADO, Eneida Desirre.
Princípios constitucionais estruturantes do direito eleitoral. 345 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2010. p. 307, nota 1213).
20
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços
dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua
publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento,
na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de
2006). §1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais
haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave
insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. §2º Sem prejuízo do que vier
a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que
podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. §3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar
a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a
procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com
ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.
21
“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
22
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]. II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei; [...].”
23
Sobre esses três princípios (separação de poderes, legalidade administrativa e segurança jurídica) vejam
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa. Anotações em torno
Esse poder regulamentar do TSE deve ser suprimido, por revogação, em reforma
do Código Eleitoral e da legislação eleitoral.
Por outro lado, em termos pragmáticos, a consequência da regra criada por
resolução interpretativa (a que nega quitação eleitoral aos que tiverem as contas
rejeitadas) era, às avessas do direito, criação de nova hipótese de inelegibilidade, me
diante resolução do TSE e não por lei complementar concretizante do §9º do art. 14, da
CF.24 25 Assim, o TSE agredia os direitos fundamentais de candidatura dos cidadãos, pois
criara situação jurídica não prevista em lei complementar, restritiva do status activus.
O fichalimpismo majoritário do TSE é contra constitutione e contra legem.26 E no caso
em comento namora um aspecto do fascismo:27 aquele que desrespeita a democracia
representativa e os direitos fundamentais com alto clamor popular. Se o TSE insistisse
de questões contemporâneas. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3138, fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/
revista/texto/20988>. Acesso em: 3 fev. 2012. E do mesmo autor Separação de poderes, legalidade administrativa
e anuência legislativa para aquisição de imóvel por doação. Revista Interesse Público, Porto Alegre, n. 34, p. 235-
265, 2005.
24
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual
para todos, e, nos termos da lei, mediante: [...] §9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade
e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício
de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a
influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou
indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)”.
25
Essa opinião é também a do maior dos eleitoralista, Adriano da Costa Soares, manifestada em seu afamado
blog: “[...] me impressiona [...] a discussão sobre a inelegibilidade (isso mesmo, chamemos as coisas pelo nome)
cominada pela rejeição de contas, representada pela negativa de certidão de quitação eleitoral, mesmo em
expressa e desabrida ofensa à Lei 9.504/97, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.300/2006, conforme
notícia veiculada no site do Tribunal Superior Eleitoral: ‘Ao apresentar seu voto-vista na sessão desta noite,
a ministra Nancy Andrighi defendeu a exigência não apenas da apresentação das contas, como ocorreu nas
Eleições 2010, mas também da sua aprovação pela Justiça Eleitoral para fins de obter a certidão de quitação
eleitoral. A certidão de quitação eleitoral é documento necessário para obtenção do registro de candidatura, sem
o qual o candidato não pode concorrer. De acordo com a ministra, não se pode considerar quite com a Justiça
Eleitoral o candidato que tiver suas contas reprovadas. [...] ‘O candidato que foi negligente e não observou
os ditames legais não pode ter o mesmo tratamento daquele zeloso que cumpriu com seus deveres. Assim, a
aprovação das contas não pode ter a mesma conseqüência da desaprovação’, disse Nancy Andrighi ao reafirmar
que quem teve contas rejeitadas não está quite com a Justiça Eleitoral. [...] Ela destacou ainda que existem mais
de 21 mil candidatos que tiveram contas reprovadas e que se encaixam nessa situação. [...] Por essas razões, a
ministra sugeriu a inclusão de um dispositivo na resolução para se adequar ao novo entendimento. O dispositivo
a ser incluído já estava previsto na Resolução 22.715/2008 (artigo 41, parágrafo 3º) e prevê que ‘a decisão que
desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral’. [...]’ Já tive
oportunidade de escrever sobre esse tema no blog. O que me espanta, nessa quadra, é que os votos vencedores
da decisão simplesmente, sem pejo, criaram uma espécie de ‘direito achado na rua’. Substituindo as razões do
legislador, sobrepuseram-lhe as razões políticas do julgador, aplicando o ‘eu acho’ judicial, que vale mais do que
a norma positivada. O ‘eu acho judicial’ termina sendo uma abolição da segurança jurídica, de um lado, e um abuso do
poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, de outro lado, que apenas poderia editar resoluções regulamentares nos
limites precisos. [...] Apesar do abuso de poder regulamentar – que às mancheias fica evidenciado nessa decisão do TSE –,
impressiona o apelo à insegurança jurídica que ela suscita” (SOARES, Adriano da Costa. Quitação eleitoral e
hipermoralização do direito: na era do “fichalimpismo”. Blog de Adriano da Costa Soares, 2 mar. 2012. Disponível
em: <http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com.br/search/label/fichalimpismo>. Acesso em: 22 abr. 2012. Grifos
nossos).
26
A expressão foi cunhada por Adriano da Costa Soares em Quitação eleitoral e hipermoralização do direito: na era
do “fichalimpismo”. Blog de Adriano da Costa Soares, 2 mar. 2012. Disponível em: <http://adrianosoaresdacosta.
blogspot.com.br/search/label/fichalimpismo>. Acesso em: 22 abr. 2012.
27
A intertextualidade dessa colocação pressupõe as seguintes leituras: BOBBIO, Norberto. Ensayos sobre el fascismo.
Tradução de Luis Rossi. Buenos Aires: Bernal, Universidad Nacional de Quilmes, 2006; e MANN, Michael.
Fascistas. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2008.
28
No sentido exposto, calha lembrar precedente do STF: “O princípio da reserva de lei atua como expressiva
limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de
suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar
pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de
atuação material da lei em sentido formal. O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado
atua contra legem ou praeter legem, não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza,
até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da
competência extraordinária que lhe confere o art. 49, V, da CF e que lhe permite ‘sustar os atos normativos do
Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar [...]’. Doutrina. Precedentes (RE 318.873‑AgR/SC, Rel.
Min. Celso de Mello, v.g.)” (STF, Plenário. AC nº 1.033‑AgR‑QO, Rel. Min. Celso de Mello, j. 25.5.2006. DJ, 16 jun.
2006. Grifos nossos).
29
Cf. GUERREIRO, Gabriela. Partidos pedem que TSE reveja decisão sobre contas. Midia Jur, 15 mar. 2012.
Disponível em: <http://www.midiajur.com.br/conteudo.php?sid=235&cid=2627>. Acesso em: 22 abr. 2012:
“Partidos pedem que TSE reveja decisão sobre contas – Corte decidiu que rejeição de contas é motivo para não expedição de
quitação eleitoral – Representantes de 18 partidos vão pedir ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que reconsidere
a decisão de proibir, nas eleições municipais deste ano, candidaturas de políticos que tiveram as contas da
campanha eleitoral de 2010 rejeitadas”.
30
Da lição imorredoura do grande Geraldo Ataliba, retiramos o seguinte excerto: “É próprio da lei o criar, extinguir
ou modificar normativamente direitos, de modo inauguralmente inovador. Só o órgão legislativo, no nosso
sistema, tem competência para modificar, no plano normativo, a ordem jurídica. Só os órgãos representativos
podem instaurar ou suprimir direitos ou situações genéricas e abstratas. ‘Onde se estabelecem, alteram ou
extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso de poder regulamentar, invasão de competência legislativa’ (Celso
Antonio Bandeira de Mello...)” (ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
p. 147. Grifos nossos).
31
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] V - sustar os atos normativos do Poder
Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.
32
Sobre o conceito de democracia representativa, ver ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Democracia participativa:
autoconvocação de referendos e plebiscitos pela população. Análise do caso brasileiro. Jus Navigandi, Teresina,
ano 17, n. 3153, fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21124>. Acesso em: 18 fev. 2012.
querendo se adonar de parcela da representação que só cabe aos eleitos pelo voto
popular e com respaldo popular. Não podemos aceitar o elitismo de Platão, com “juízes
filósofos” que dirão ao povo quem deve e como se deve governar. Isso cabe ao povo
escolher e dizer! Esse é o espaço da democracia representativa. O caminho majoritário
escolhido pelo TSE, se tivesse sido mantido, no caso das contas eleitorais rejeitadas em
2010, levar-nos-ia ao atalho da autocracia judiciária.
Essa “guerra” ainda não percebida pelos mandatários políticos tem como alvo o
flanco do mandato político, da representação, do direito de escolha livre e independente,
pelo eleitor, de seus representantes. Nesse processo bélico inconfesso, não tem havido
contenção em se atacar, sem medidas, o direito político fundamental de candidatura, a
outra face da pedra angular da democracia representativa.
Que nunca fique sem resposta institucional legítima, pelos exercentes de mandato
eletivo, ataques deste jaez à liberdade fundamental de candidaturas. O TSE, com aquela
já superada medida inconstitucional majoritária (4 x 3), deu demonstração de agravo à
democracia representativa e aos direitos políticos.
O TSE, com o abusivo exercício de seu poder regulamentar no caso, inaugurou
nova desavença com disposições constitucionais insofismáveis e com a clara letra da
lei eleitoral ordinária.
A era Robespierre na jurisprudência eleitoral brasileira,33 com certeza, aplaude tais
medidas. Todavia, a razão e o direito devem combatê-las dentro das quadras da legalidade
e da constitucionalidade. Moralidade sem legalidade e sem constitucionalidade é puro
arbítrio judicial. No ponto, ataque à democracia e aos direitos políticos fundamentais.
Essa medida do TSE fora fichalimpista. E há no fichalimpismo um processo cres
cente de marginalização dos políticos e de demonização da política representativa.34
Há um processo inconfesso de infantilização do eleitor e de sua capacidade de escolha.
33
A alusão a Robespierre pressupõe a leitura de textos que analisam a intolerância que desencadeou esse singular
personagem da revolução francesa sobre as pessoas que não se alinharam ao seu pensamento político. Remete ao
seu radicalismo moral – como um marco desse evento histórico – que derramou muito sangue, sem devido processo
legal, dos adversários de suas concepções moralistas sobre a composição e funcionamento da sociedade e os
direitos de seus indivíduos. Para tal, servimo-nos de SUZINI, Marie-Laure. Elogio da corrupção: os incorruptíveis
e seus corruptos. Tradução de Procópio Abreu. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2010 e SCHAMA, Simon.
Cidadãos – Uma crônica da Revolução Francesa. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
34
Tivemos a oportunidade de escrever textos críticos sobre o ideário ficha limpa e o moralismo que o sustenta, com
aportes críticos à Lei Complementar nº 135/10 e em defesa dos direitos políticos fundamentais de candidatura e
voto. Concordamos com a crítica de Adriano Soares e entendemos que o termo fichalimpismo é adequado como
expressão de reflexão crítica. Assim, para a eventual consulta do atento leitor: ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. STF,
insegurança jurídica e eleições em 2012: até quando o embate entre moralistas e constitucionalistas em torno da lei
ficha limpa? Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2827, 29 mar. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/
texto/18790>. Acesso em: 2 maio 2011; ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. A Lei Ficha Limpa em revista e os empates no
STF: liberdades políticas em questão e o dilema entre o politicamente correto e o constitucionalmente sustentável.
Revista Interesse Público, Porto Alegre, ano XIII, n. 69, p. 93-108, set./out. 2011; ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Lei
Ficha Limpa estadual e limites constitucionais de sua produção legislativa. Análise da inacessibilidade a cargos
em comissão por condenados por improbidade administrativa sem trânsito em julgado: o caso da lei catarinense.
Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 3, n. 5, jul./dez. 2011; ESPÍNDOLA, Ruy Samuel.
Constituição é seguro critério de julgamento [título original: Moralistas versus Constitucionalistas – o caso
Roriz, no STF]. Revista Consultor Jurídico, 26 set. 2010. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-set-26/
moralidade-constitucional-nao-constitui-direito-fundamental>. Acesso em: 18 fev. 2012.
35
A noção crítica de moralismo eleitoral, mote titular deste ensaio, tem sido desenvolvida pelo eleitoralista Adriano
da Costa Soares. O seu blog está repleto de excertos elucidativos. Seguem exemplos: “Já há algum tempo tenho
chamado a atenção para o que denominei de ‘moralismo eleitoral’, um fenômeno perigoso que tem invadido a
cidadela da jurisprudência eleitoral. [...]. O moralismo eleitoral transforma todos os debates jurídicos eleitorais em
debates morais e – o que é tanto pior! – sempre no compromisso de interditar o mais que possível que os políticos
sejam... políticos. Há sempre um sentimento embutido nessa lógica: entrou na política, bandido é. E, na ânsia
de higienização da política, deseja-se acabar com os políticos, o que nada mais é do que selar o fim da própria
democracia. E, nessa concepção de mundo, esqueceram de um pequeno detalhe: o expurgo a ser feito deveria
ser através do voto, salvo em casos extremos de crimes adrede positivados. Mais, em uma era da entronização
acrítica do ‘fichalimpismo’, o moralismo eleitoral reina absoluto, sem compromisso nenhum com o direito positivo
vigente. É a justiça de mão própria togada, armada do direito achado na rua. [...]”(SOARES, Adriano da Costa.
Quitação eleitoral e hipermoralização do direito: na era do “fichalimpismo”. Blog de Adriano da Costa Soares,
2 mar. 2012. Disponível em: <http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com.br/search/label/fichalimpismo>. Acesso
em: 22 abr. 2012. Grifos nossos).
Os
seguintes e elucidativos trechos de sua doutrina foram retirados de outros posts do mesmo blog: “Trata-se
de uma marcha insana de muitos em defesa do moralismo eleitoral, para a instauração de uma democracia sem
votos, sem eleitor. Uma visão ingênua, casuística, em certo sentido reacionária. É a tentativa de construção de
uma democracia tutelada, ao fim e ao cabo, de uma democracia sem previsibilidade, em que a segurança jurídica
é um mal a ser combatido, em que as garantias individuais não passam de um estorvo pequeno burguês”;
“É isso, afinal, do que se trata: o moralismo eleitoral não respeita a Constituição Federal nem o ordenamento jurídico.
Em nome da ética na política, às favas com os escrúpulos [...]”; “Tenho combatido o que passei a denominar
de moralismo eleitoral, ou seja, a adulteração da interpretação das normas jurídicas eleitorais pela aplicação de
critérios acentuadamente morais, muitas vezes em aberta divergência com o próprio ordenamento jurídico posto.
Em nome de princípios defendidos por determinadas minorias (ou mesmo maiorias, pouco importa) afasta-se
a aplicação de determinada norma jurídica positivada, recriando antidemocraticamente o próprio ordenamento
jurídico, sem observar os meios próprios para tanto. [...]. Esse fenômeno crescente de, a partir de uma leitura
principiológica da Constituição, enfraquecimento da própria positividade das normas infraconstitucionais ao
ponto limite de deixarem elas de ser vinculativas para o aplicador, passou a ser sentido de modo alarmante na
leitura que vem se fazendo de relevantes questões eleitorais [...]”; “[...] moralismo eleitoral parte normalmente
de uma compreensão equivocada da teoria da inelegibilidade, que se põe a serviço de um certo justiçamento
antidemocrático, ainda que movido pelas melhores intenções. Não há dúvidas que é necessário depurarmos as
nossas instituições, porém essa é uma tarefa complexa, que não se esgota em medidas irrefletidas, movidas por
um certo voluntarismo, que de tanto simplificar os problemas apenas cria novos problemas”; “Ora, em uma
democracia, quem deve afastar o mau político é o eleitor pelo voto. O critério de definição? Cabe ao eleitor
definir. Porém, essa minoria não acredita na democracia, não acredita no eleitor: prefere, então, criar critérios
de exclusão previamente. Antidemocraticamente. [...]. Ah, mas o eleitor é analfabeto, dirão alguns. Ah, mas o
eleitor vende o voto, dirão outros. Certo, então proibamos o pobre e o analfabeto de votar. Quem terá coragem
de abertamente defender essa tese absurda? Ninguém, por evidente. Então, fingem defender a democracia,
quando na verdade pretendem é criar, às avessas, uma espécie de sufrágio censitário. O eleitor vai votar, é certo,
mas em uma lista antes já submetida a um processo de higienização ideológica. A isso chamo de moralismo eleitoral, essa
forma fundamentalista de aplicação de uma certa moral ao processo eletivo”; “Mas o hipermoralismo eleitoral não quer saber
o que é juridicamente sustentável ou não; interessa a sua sanha macartista, ainda que a Constituição seja desrespeitada.
Este é o ponto: estamos sempre criando atalhos para sustentar essas normas inconstitucionais, mas com apelo popular,
conferindo, assim, ao ordenamento jurídico um tratamento bizarro, sem pé nem cabeça, alimentando a insegurança jurídica.
É disso que se trata. A mim me parece que não podemos negociar a aplicação adequada da Constituição; devem-
se evitar soluções casuísticas que, ao final, se voltarão contra a própria sociedade”.
36
Vale lembrar Gilberto Amado, que nos dá elementos para a crítica deste moralismo eleitoral: “Convém não
esquecer que em política a idéia de perfeição é uma idéia criminosa que deve ser combatida como um dos
maiores males que podem afligir os povos. O que se deve procurar é um justo equilíbrio, o menor mal entre
os males, pois os homens não encontraram ainda o meio de realizar, na coexistência social, o paraíso terrestre”
(AMADO, Gilberto. Eleição e representação apud SALGADO, Eneida Desirre. Princípios constitucionais estruturantes
do direito eleitoral. 345 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010. p. 313,
nota 1238).
37
Sobre a ideia de democracia e seus profundos vínculos normativo-constitucionais, vide ESPÍNDOLA, Ruy
Samuel. A Constituição como garantia da democracia. O papel dos princípios constitucionais. Jus Navigandi,
Teresina, ano 17, n. 3146, fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21059>. Acesso em: 11 fev.
2012.
38
O que poderia atrair a censura do STF para o exercício de ADI sobre regulamento excessivo à lei:
“CONSTITUCIONAL [...]. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINARES DE [...].
IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE CONCENTRADO DE DECRETO REGULAMENTAR REJEITADAS.
[...]. PARCIAL PROCEDÊNCIA. [...]. III - Rejeição da alegação de impossibilidade de controle concentrado de
decreto regulamentar, posto não se tratar de mero antagonismo entre ato infralegal, de um lado, e lei em sentido
formal, de outro. A controvérsia enfrentada diz respeito ao ato administrativo normativo editado em perfeita
consonância com a lei regulamentada, mas que, assim como ela, supostamente estaria a atentar contra o texto
constitucional” (ADI nº 2.549-DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski). Corroborando essa afirmativa vai a doutrina
de Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva (Poder normativo da Justiça Eleitoral. João
Pessoa: Sal da Terra, 2004. p. 74).
39
Assim, mais uma vez, o ensinamento de Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva:
“As Resoluções dos Tribunais Eleitorais podem ser alvo do controle de constitucionalidade, pois se enquadram
no conceito de ato normativo descrito no art. 102, I, ‘a’, da Constituição Federal. [...]. Sendo assim, compete ao
Supremo Tribunal Federal o controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos federais,
incluindo-se neste rol as resoluções advindas do tribunal Superior Eleitoral, na forma de Instruções Normativas.
Noutro aspecto, cabe a qualquer Juiz ou Tribunal Eleitoral exercer o controle difuso desses atos, via incidente
de inconstitucionalidade [...]” (LACERDA, Paulo J. M.; CARNEIRO, Renato César; SILVA, Valter Félix da. Poder
normativo da Justiça Eleitoral. João Pessoa: Sal da Terra, 2004. p. 71-72).
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AC 1.033‑AgR‑QO. Rel. Min. Celso de Mello, j. 25 maio 2006, Plenário.
DJ, 16 jun. 2006.
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BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta nº 112026. Brasília/DF - Acórdão de 10/06/2010. Rel. Min.
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ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Constituição é seguro critério de julgamento [título original: Moralistas versus
Constitucionalistas – o caso Roriz, no STF]. Revista Consultor Jurídico, 26 set. 2010. Disponível em: <http://
www.conjur.com.br/2010-set-26/moralidade-constitucional-nao-constitui-direito-fundamental>. Acesso em:
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ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Democracia participativa: autoconvocação de referendos e plebiscitos pela
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Poder regulamentar e TSE: fonte do direito eleitoral inconstitucional e exercício
abusivo desse poder normante. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de
Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum,
2018. p. 323-335. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES
DO DIREITO ELEITORAL
1.1 Introdução
As comunidades são organizadas por um conjunto de signos linguísticos que
procuram, com maior ou menor sucesso, indicar quais condutas devem ser adotadas
pelas pessoas. Vive-se, sem dúvida, em meios permeados por alta densidade de obras
linguísticas que mandam, proíbem ou permitem determinados comportamentos. Parcela
expressiva de tais construções é derivada de normas jurídicas, de modo que o direito
acaba por ocupar espaço decisivo e manifesto das experiências normativas dos indi
víduos.1 Isso conduz, inexoravelmente, à busca pelo entendimento de tais inferências,
as quais definem o modo de vida das pessoas em sociedade.
Por isso, refletir a respeito do papel ocupado pelas normas nos ordenamentos
normativos complexos não é uma atividade de pouca relevância. A depender da forma
como é compreendida a composição conceitual, com suas respectivas implicações, de
cada ente normativo, chega-se também a definições da estrutura e função do Estado,
de como as normas devem ser obedecidas pelas pessoas e do modo de funcionamento
da interpretação e aplicação dos direitos.
Uma teoria que defenda uma concepção de direito como apenas um conjunto de
proibições,2 inevitavelmente, recai em problemas a respeito do papel desempenhado
pelo Estado e pelo próprio direito, eis que, mesmo em um modelo de Estado reduzido,
das proibições que venham a ser estabelecidas, inevitavelmente surgirão – ainda que
de forma implícita – permissões para não adotar a conduta proibida. Adverte-se que
1
“Podemos dizer desde já, mesmo em termos ainda genéricos, que o direito constitui uma parte notável, e talvez
também a mais visível, da nossa experiência normativa. E por isso, um dos primeiros resultados do estudo do
direito é o de nos tornar conscientes da importância do ‘normativo’ na nossa existência individual e social”
(BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2005. p. 24).
2
Norberto Bobbio trata tal concepção como problemática (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru:
Edipro, 2005. p. 111).
tais modelos são contrafáticos, pois, até o momento, as pessoas se organizam dispondo
simultaneamente de diferentes ações deonticamente modalizadas e de suas derivações.
Uma vez conhecidas tais implicações iniciais, pode-se seguir o caminho das
conceituações categóricas formadas na teoria da norma jurídica, no caso, o percurso entre
regras e princípios. Assim, a proposta do presente artigo se limita a uma explanação não
exaustiva da relação entre as tais espécies normativas e os reflexos que estas concepções
acabam por gerar na forma de entendimento do fenômeno jurídico em sentido mais
amplo.
3
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora UNB, 1999. p. 30.
4
“Aqui tomaremos o Positivismo Jurídico com o significado da afirmação simples de que não é em sentido algum
uma verdade necessária que as leis reproduzam ou satisfaçam certas exigências da moral, embora de facto o
tenham frequentemente feito” (HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2007. p. 202).
5
TROPER, Michel. A filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 83-84. No mesmo sentido ver: SILVA,
Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de
Estudos Constitucionais, v. 1, 2003. p. 607.
6
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 22.
normativo, ou, ainda, com várias significações possíveis. Segundo, levanta importante
questionamento sobre a própria possibilidade de uma descrição neutra independente da
atividade interpretativa, como anota Humberto Ávila, não há um significado intrínseco
independente de interpretação, nem o significado se incorpora ao conteúdo das palavras,7
como se fosse possível prescindir da dimensão pragmática da atividade linguística, o que
obsta, portanto, a consideração de que a ciência do direito se limita a descrever normas,8
eis que esta congloba, necessariamente, uma atividade interpretativa.
Assim, a discussão a respeito da categoria mais ampla das “normas”, dentro da
qual são observadas as subespécies “regras” e “princípios”, conecta-se com a discussão
a respeito de qual teoria do direito é utilizada para compreender o próprio fenômeno
jurídico. Analisa-se, no caso, o juspositivismo e seus eventuais avanços e limitações,
mesmo porque não há uma posição monolítica por parte dos diferentes autores que
esposam esta teoria sobre a compreensão das normas.
Um mito a respeito do juspositivismo está na sua identificação como doutrina
contrária à moral ou que refuta a possibilidade de a moral ser utilizada como elemento
que leva à criação de normas. Não há qualquer problema, desde o ponto de vista
juspositivista, na correspondência entre valores morais e normas jurídicas. O inverso,
contudo, não é suficiente para que uma norma jurídica venha a deixar de pertencer ao
seu respectivo ordenamento jurídico. Tal assertiva é defendida pelo jusnaturalismo.
A questão é que, para os juspositivistas, a norma independente de sua conformação
com valores morais.9
Logo, a proximidade substantiva que venha a ocorrer entre princípios morais
e jurídicos não é suficiente para conferir natureza moral para estes. Os princípios são
espécies do gênero “norma”, mesmo que venham a assumir um grau mais elevado
de vagueza e generalidade. O fato de serem positivados (escritos) ou não, implícitos
ou explícitos, é fator que também pode ser observado em regras.10 A compreensão da
existência de princípios expressos e não expressos como parte do ordenamento jurídico
é facilitada com o entendimento da dissociação entre texto e norma, princípios não
expressos podem ser o objeto da interpretação, como explica Norberto Bobbio: “[...] são
princípios, ou normas generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca colher,
comparando normas aparentemente diversas entre si, aquilo a que comumente se chama
o espírito do sistema”.11
A inclusão dos princípios como espécie pertencente ao gênero “normas” jurídicas
precisou, não obstante, que certas concepções a respeito das normas fossem aprimoradas.
Da premissa de que todo discurso normativo possui um caráter coercitivo,12 fez-se
7
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 23.
8
“Os positivistas jurídicos acreditam que as proposições de Direito são, na verdade, inteiramente descritivas: são
trechos da história. Uma proposição jurídica, a seu ver, somente é verdadeira caso tenha ocorrido algum evento
de natureza legislativa do tipo citado; caso contrário, não é” (DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio.
São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 218).
9
TROPER, Michel. A filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 95.
10
“A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas.
Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras” (BOBBIO, Norberto. Teoria do
ordenamento jurídico. Brasília: Editora UNB, 1999. p. 158)
11
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora UNB, 1999. p. 159.
12
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2016. p. 64.
necessário um avanço, para reconhecer que nem todas as normas possuem a previsão de
uma sanção. A premissa de que todas as normas jurídicas, para assim serem consideradas,
deveriam prever uma sanção, conseguiria cobrir parcela limitada de um ordenamento
jurídico complexo, como exemplo, determinadas regras do direito penal, contudo, seria
insuficiente para explicar outras espécies normativas.
No entendimento de Hans Kelsen, uma norma para ser interpretada objetivamente
como jurídica tem de estatuir um ato de coação ou estar vinculada com uma norma que o
estabeleça. As normas com previsão de sanção são chamadas “normas independentes”.13
Classificadas como “não autônomas” são as normas que pertencem ao ordenamento
jurídico e estão conectadas com normas que preveem atos coercitivos, mas não estatuem,
elas próprias, qualquer tipo de sanção. Certas normas constitucionais podem ser, a título
de exemplo, observadas como pertencentes a esta definição.14
Como explica Tercio Sampaio Ferraz Jr., Kelsen confunde as relações que são
estabelecidas entre as normas em um sistema com as conexões existentes entre elas,
ao mesmo tempo em que sustenta a limitada concepção de que a sanção confere a
“causalidade genética do direito”,15 ou seja, a condição originária do fenômeno jurídico
se daria pela sanção, posição que o reaproxima da problemática da distinção entre
uma norma jurídica e a ordem de um bandido, pois ambas possuem sanções como
resposta à não adequação da conduta daqueles a quem são endereçados os imperativos.
Ademais, Ferraz Jr. recorda que a recurso último de Kelsen para explicar o fundamento
de validade da ordem jurídica, sua Grundnorm,16 não possui qualquer tipo de sanção,
e também confunde as formas de relação, a sistemática e de conexão,17 deixando uma
lacuna teórica sobre a fonte da validade (e da legitimidade) do direito.
Em outro sentido, deve-se reconhecer que, de fato, há normas que preveem
sanções, porém, tal formulação é incompleta para abranger a complexidade de um orde
namento jurídico. Há ao menos dois problemas em tal concepção de normas. O primeiro
está em tratar todas as outras normas do ordenamento jurídico que não disponham de
13
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 56.
14
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 57. “O esforço de mostrar que as leis que
conferem direitos são ‘realmente’ apenas estipulações condicionais de sanções a serem impostas a uma pessoa
que, em última análise, está sob uma obrigação legal, caracteriza boa parte da obra de Kelsen” (HART, Herbert
L. A. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 66).
15
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2016. p. 64. A mesma confusão pode ser observada aqui: “La norma es jurídica sólo en cuanto
que la actuación en contrario, la antinormatividad, pone en movimiento la coacción, y precisamente una coacción
externa organizada. La norma jurídica es una norma coactivamente equipada. La coacción externa organizada
consiste en el doblegamiento de la voluntad del transgresor por medios externos, aplicados por personas
autorizadas para ello. Por tanto, la norma jurídica se caracteriza por la específica naturaleza de las consecuencias
del comportamiento antinormativo, por la clase de efectos que produce su infracción” (NAWIASKY, Hans. Teoría
general del derecho. Granada: Comares, 2002. p. 10-11).
16
“Como já notamos, a norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é, em face desta,
uma norma superior. [...] Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por
uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não
pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão.
Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm)”
(KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 217).
17
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2016. p. 64.
sanções como “não autônomas” ou imperfeitas,18 de maneira tal que regras que conferem
poder para a formulação de contratos entre particulares se tornam “fragmentos das
verdadeiras leis completas”.19 Além do necessário questionamento, que decorre de tal
exemplo: quais seriam as pessoas que deveriam adotar certas condutas, sob pena de
sanção, nesta hipótese?
O segundo problema está na própria concepção de sanção adotada pela teoria
em discussão. Trata-se, de acordo com Ferraz Jr., de perspectiva liberal do século XIX,
a qual compreendia o direito como o conjunto de comandos que proíbem ou obrigam
determinadas condutas, que apregoava limites nas liberdades apenas nas hipóteses em
que o comportamento de um viesse a limitar a liberdade alheia.20
No que tange à fonte de legitimidade das normas jurídicas, o juspositivismo de
Kelsen e Hart definiram o ordenamento jurídico como um sistema fechado de regras,
que poderia ser compreendido, descrito, de forma independente da moral, com isso,
sublinham Menelick Netto e Guilherme Scotti, as teorias juspositivistas abriram mão de
tradições éticas como suporte para a legitimidade das normas jurídicas e reduziram o
direito a uma história institucional independente de qualquer princípio suprapositivo.21
Nesse aspecto, o fundamento das normas se apresenta como estritamente
procedimental, trata apenas da origem das normas, qual seja, uma norma superior auto
rizativa da criação de normas inferiores, o que leva a formar um sistema normativo
escalonado,22 enquanto a questão atinente ao conteúdo das normas é delegado para
18
Nos termos de John Austin: “Remotely and indirectly, indeed, permissive laws are often or always imperative.
For the parties released from duties are restored to liberties or rights: and duties answering those rights are,
therefore, created or revived. [...] An imperfect law (with the sense wherein the term is used by the Roman
jurists) is a law which wants a sanction, and which, therefore, is not binding. A law declaring that certain acts
are crimes, but annexing no punishment to the commission of acts of the class, is the simples and most obvious
example” (AUSTIN, John. The province of jurisprudence determined. London: John Murray, 1832. p. 23-24).
19
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 45.
20
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2001. p. 118. Veja-se a concepção de Austin: “Taken with the largest signification which can be given to the term
properly, laws are species of commands. But the term is improperly applied to various objects which have nothing
of the imperative character: to objects which are not commands; and which, therefore, are not laws, properly so
called” (AUSTIN, John. The province of jurisprudence determined. London: John Murray, 1832. p. 21). As críticas
a tal teoria foram explanadas por Mikhail Antonov: “Curiously enough, it is the legal positivists such as Hans
Kelsen who by their relentless criticism of the command theories stripped theses theories of scientific value in
the eyes of, at least, many German lawyers. In a series of this pre-war works and especially in the first edition
of his Pure Theory of Law (1934) Kelsen has demonstrated that law is constantly reinterpreted and therefore
reformulated at every stage of its application; and from this standpoint the law-creation is at the same time the
law-application. In this view, the ‘Gesetz ist Gesetz’ principle should be understood as an ideological tool, suited
to the naïve ideals of the Enlightenment and having nothing to do with the machinery of real legal orders”
(ANTONOV, Mikhail. The legal conceptions of Hans Kelsen and Eugen Ehrlich: weighting human rights and
sovereignty. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 20, n. 20, 2016. p. 43).
21
CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a
produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
p. 46.
22
“Para Kelsen, o fundamento de validade da norma se encontra em outra norma: esta é a relação entre supra
e infraordenação. Tem-se, com isso, um sistema hierárquico de normas centralizado pelo Estado. A unidade
do sistema é garantida pela relação entre as normas superiores e inferiores, a qual leva até a norma última, a
norma fundamental: o fundamento supremo da validade do ordenamento jurídico que constitui sua unidade.
A norma fundamental é pressuposta, enquanto a Constituição ocupa o posto mais elevado do sistema normativo”
(LORENZETTO, Bruno Meneses. Os caminhos do constitucionalismo para a democracia. Belo Horizonte: Arraes,
2017. p. 183).
outros âmbitos, como a política e a moral.23 Porém, uma vez que se reconhece a textura
aberta da linguagem,24 a tentativa de regular todas as condutas humanas por meio de
regras abstratas se mostra como um naufrágio inevitável, devendo o sistema jurídico
lidar com a indeterminação em face da necessária atividade decisional.25
23
CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a
produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
p. 47.
24
Austin já afirmava: “Like most of the leading terms in the sciences of jurisprudence and morals, the term law
is extremely ambiguous” (AUSTIN, John. The province of jurisprudence determined. London: John Murray, 1832.
p. 21).
25
CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a
produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
p. 48.
26
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 139.
27
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 141.
28
“O reconhecimento do precedente como um critério de validade jurídica significa diferentes coisas em diferentes
sistemas e no mesmo sistema em períodos diferentes. As descrições da ‘teoria’ inglesa dos precedentes são,
em certos pontos, ainda altamente controvertidas: na verdade, mesmo os termos-chave usado na teoria, ‘ratio
decidendi’, ‘factos materiais’, ‘interpretação’, têm uma penumbra própria da incerteza. Não apresentaremos
nenhuma descrição geral nova, mas tentaremos apenas caracterizar de forma breve, como fizemos no caso da
lei, a área de textura aberta e a atividade judicial criadora dentro dela” (HART, Herbert L. A. O conceito de direito.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 147).
29
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 148. “É a doutrina da
imprecisão e da textura aberta das regras jurídicas, qualidades das regras que resultam do fato de que as regras
são estruturadas e enunciadas em linguagem natural ordinária pelo uso de palavras e frases gerais como ‘veículo’,
‘semáforo’, ‘fabricante’, ‘matar’, ‘intenção’, e assim por diante. Para tais termos, existe um ‘núcleo de certeza’,
isto é, exemplos claros de coisas, pessoas, atos e intenções que, sem dúvida alguma, se encaixam perfeitamente
no sentido do termo em questão. Mas há também uma ‘penumbra de dúvida’, um espectro de periferia ou casos-
limite que não são abrangidos com clareza ou sem ambiguidades pelo termo usado” (MACCORMICK, Neil.
H. L. A. Hart. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 169).
30
“Todas elas assumem a forma: ‘Se algo do tipo X for praticado, for omitido ou suceder, então aplique-se a sanção
do tipo X’” (HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 44).
31
SGARBI, Adrian. Teoria do direito: primeiras lições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 113.
32
Como explicado por Marcos Maliska e Adriana Schier: “O Estado, por certo, existe para a realização daquilo que
está definido na Constituição. A razão de sua existência encontra-se na promoção do bem-estar social. Como
escreve Creveld, o Estado surgiu e se desenvolveu para fazer a guerra. No entanto, essa trajetória se alterou
entre a primeira e a segunda metade do Século XX. O Estado hoje se justifica pela promoção de bem-estar que ele
propicia aos seus cidadãos” (MALISKA, Marcos Augusto; SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Entre o pesado
Estado autárquico e o indiferente Estado mínimo. Reflexões sobre o Estado constitucional cooperativo a partir
de um caso concreto. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 20, n. 20, 2016. p. 165).
33
“Em síntese, muitos são os “núcleos significativos” do vocábulo “norma”; e não é porque eles encontram
convergência na notação gráfica ou palavra ‘norma’ que todos esses núcleos significativos devam ser entendidos
como ‘prescrição’. Fazer isso é o mesmo que dizer que ‘um pedaço de camisa’ (manga da camisa), determinado
‘verbo’ (verbo mangar) e ‘fruta’ (manga rosa) são uma e mesma coisa já que a notação é igual: são, apenas,
‘homônimas’” (SGARBI, Adrian. Teoria do direito: primeiras lições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 119).
34
SGARBI, Adrian. Teoria do direito: primeiras lições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 117.
35
“[...] enquanto regras primárias dizem respeito às acções que os indivíduos devem ou não fazer, essas regras
secundárias respeitam todas às próprias regras primárias. Especificam os modos pelos quais as regras primárias
podem ser determinadas de forma concludente, ou ser criadas, eliminadas e alteradas [...]” (HART, Herbert
L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 104).
36
“As prescrições são, assim, ‘razões para atuar’, pois guiam o comportamento dos indivíduos afirmando o que
deve ser feito. Quando uma norma jurídica estatui o comportamento que é devido com ela pretende-se firmar
uma exclusiva razão para agir do destinatário: o direito age, dessa forma, como um redutor de opções do
indivíduo em suas variadas possibilidades de comportar-se porque sua presença implica comportamentos não-
opcionais com respeito a certo universo de ações possíveis” (SGARBI, Adrian. Teoria do direito: primeiras lições.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 123).
37
“Dessa forma, estabelece-se uma rede de inter-relações entre as várias regras por meio da qual a totalidade pode
ser vista como um único ‘sistema de Direito’. Segue-se, portanto, a corajosa declaração de Hart de ter descoberto
a ‘chave para a ciência do Direito’” (MACCORMICK, Neil. H. L. A. Hart. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 141).
Uma vez que a norma jurídica já não mais pode ser confundida com outras normas
em sentido amplo, a concepção a respeito delas conecta-se com o próprio objetivo do
direito de direcionar condutas humanas, de modo que, sob tal perspectiva, o direito se
torna uma “técnica de racionalização do agir em coletividade”.38 Contudo, esta definição
pode levar a uma redução de complexidade e a problemas na definição do próprio direito,
eis que fugiria de tal caracterização uma série de outros elementos fundamentais dos
ordenamentos jurídicos.
Como se pode perceber, a questão, que suscita paradoxos, está tanto em criar uma
definição de norma que não consiga corresponder adequadamente às espécies existentes
no ordenamento jurídico, porém, de igual modo, em atribuir pouca importância, por
exemplo, a regras que conferem poderes jurídicos39 ou a regras que identificam a validade
do próprio direito, chamadas por Hart de regras de reconhecimento, cujo papel seria
o de estabelecer critérios pelos quais a validade das outras regras do sistema pode ser
apreciada.40
Nesse tópico, parece difícil discordar de Hart em sua identificação de outros
tipos de regras para além daquelas estritamente de cunho sancionador.41 Isso ocorre em
razão da abertura do espectro explicativo que sua teoria fornece para tratar das outras
espécies normativas. De fato, parcela do direito é composta por regras penais, porém,
desconsiderando momentaneamente os princípios que regem este ramo do direito, como
ignorar as regras que dizem respeito à criação, eliminação, modificação e aplicação das
chamadas regras primárias? Pontue-se que a questão não é de equívoco teórico – as
teorias do direito continuam a estabelecer um papel significativo para a coerção racional
a ser realizada pelo Estado e sua função na determinação de condutas humanas –, mas
de insuficiência ou limitação explanatória. Como aplicar uma regra que determina a
aplicação de uma sanção se ela é inconstitucional? Como aplicar uma regra que prevê
uma conduta sendo que pode haver outra que determina conduta inversa (antinomia)?
Como pensar em um conjunto de liberdades asseguradas pelo Estado? Seria possível
garantir direitos fundamentais apenas a partir de regras primárias? Ao que nos parece,
a teoria de Hart possibilita que tais questionamentos tenham uma solução mais acabada
do que suas predecessoras.
Ao avançar na questão das normas secundárias, deve-se reconhecer que estas
destinam-se à organização do funcionamento institucional do ordenamento jurídico,
porém, de modo mediato, acabam por regular condutas humanas.42 Basta pensar no
exemplo das interpretações que os tribunais fazem de determinadas regras ou no
exercício do controle de constitucionalidade.
38
SGARBI, Adrian. Teoria do direito: primeiras lições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 139.
39
“Segundo Hart, o problema do modelo de John Austin (e que vale igualmente para Hobbes-Bentham-Jhering-
Kelsen) está na pouca importância atribuída às normas que conferem poderes jurídicos” (SGARBI, Adrian. Teoria
do direito: primeiras lições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 145).
40
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 117.
41
Cabe a explicação de que Hart, em sua obra, O conceito de direito, fala sobre regras primárias e secundárias e não
adota o gênero “norma”, endossado pelo presente texto. Na continuação do artigo, a posição de Hart sobre a
questão dos princípios será objeto de discussão.
42
“Portanto, nem todas as normas que formam o conjunto normativo jurídico possuem a função linguística
de direcionar condutas. Mas, ainda que não cumpram a função de prescrever condutas, tais normas são
imprescindíveis para o próprio funcionamento da ordem jurídica” (SGARBI, Adrian. Teoria do direito: primeiras
lições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 147).
43
“Hart refutava a opinião de Austin de que a autoridade jurídica era um fato puramente físico de comando e
obediência habituais. Afirmava que os verdadeiros fundamentos do direito encontram-se na aceitação, por parte
da comunidade como um todo, de uma regra-mestra fundamental (que ele chamou de ‘regra de reconhecimento’)
que atribui a pessoas ou grupos específicos a autoridade de criar leis” (DWORKIN, Ronald. O império do direito.
São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 42).
44
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2001. p. 122. “A regra de reconhecimento provê critérios para determinar a validade de outras normas do sistema
jurídico e impõe aos juízes o dever de executar essas normas. Os juízes assumem o ponto de vista interno com
relação à regra de reconhecimento, o que significa que a consideram ‘um padrão comum, público de decisão
judicial correta’. Em conformidade com a visão de Hart da normatividade do Direito, os juízes, portanto,
colocam-se sob a obrigação social de fazer vigorar as normas válidas do sistema. A existência de um sistema
jurídico também requer, dos cidadãos em geral, um nível mínimo de aquiescência às normas válidas, e, embora
os cidadãos possam compartilhar o ponto de vista interno, eles não precisam fazê-lo; na maior parte das vezes,
é suficiente que obedeçam às normas e não importa se o fazem por medo, inércia ou por algum outro motivo”
(PERY, Stephen R. Interpretação e metodologia na teoria jurídica. In: MARMOR, Andrei. Direito e interpretação:
ensaios de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 161-162).
45
CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a produ
tividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 46-47.
46
“Hart é perfeitamente claro ao dizer que, para cada sistema jurídico completamente maduro, há uma ‘regra
fundamental de reconhecimento’ que é ‘fundamental’ neste sentido: não é, em si, validada por qualquer norma
ou regra superior, nem mesmo por uma ‘norma fundamental’ pressuposta juridicamente do tipo contemplado
por Kelsen. Não é, em si, chamada significativamente de ‘válida’ ou ‘inválida’. Sua existência como regra é
constituída simples e unicamente pelo fato de que ‘a partir do ponto de vista interno’ é ‘aceita’ (espontaneamente
aceita), pelo menos pelos juízes e por outras autoridades superiores que exercem poderes dentro do sistema”
(MACCORMICK, Neil. H. L. A. Hart. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 148-149).
47
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 121.
48
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 35.
49
“Os casos difíceis se apresentam, para qualquer juiz, quando sua análise preliminar não fizer prevalecer uma
entre duas ou mais interpretações de uma lei ou de um julgado. Ele então deve fazer uma escolha entre as
interpretações aceitáveis, perguntando-se qual delas apresenta em sua melhor luz, do ponto de vista da
moral política, a estrutura das instituições e decisões da comunidade – suas normas públicas como um todo”
(DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 306).
50
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 36. “Dworkin parte de un caso
al que, de acuerdo con la terminología tradicional, llama ‘difícil’. Tal caso está tipificado por el hecho de que
ninguna disposición proporciona una respuesta clara al mismo, no es posible reconocer la intención de la ley,
y los precedentes judiciales, al igual que otros materiales de interpretación, apuntan en diferentes direcciones
(‘tiran en ambas direcciones’). Como ejemplo, Dworkin utiliza el caso en donde un empleado de X corta por
accidente una línea de electricidad que conduce a una fábrica de Y y, con ello, daña a Y” (AARNIO, Aulis.
Lo racional como razonable: un tratado sobre la justificación jurídica. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1991. p. 213).
51
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 36.
52
“Todos os juízes da mais alta cortes de Nova York concordavam que suas decisões deveriam ser tomadas de
acordo com o direito. Nenhum deles negava que se a lei sucessória, devidamente interpretada, desse a herança
a Elmer, eles deveriam ordenar ao inventariante do espólio que assim procedesse. Nenhum deles dizia que,
naquele caso, a lei deveria ser alterada no interesse da justiça. Divergiam quanto à solução correta do caso,
mas sua divergência – pelo menos assim nos parece com abse na leitura dos pareceres que redigiram – dizia
respeito à verdadeira natureza do direito, àquilo que determina a legislação quando devidamente interpretada”
(DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 21).
53
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 37.
54
“Tanto em Kelsen quanto em Hart, contudo, a saída termina por ser decisionista. A própria Ciência do Direito,
como fica patente na obra revista de Kelsen, pode apenas indicar, mas não assegurar qualquer moldura de
interpretações que vincule as autoridades competentes para decidir – capazes de realizar interpretações autênticas,
pois impositivas –, cujas decisões podem assim ter fundamentos extrajurídicos [...]” (CARVALHO NETTO,
Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a produtividade das tensões
principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 52).
55
TROPER, Michel. A filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 93.
56
CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a
produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
p. 53.
57
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 144-145.
58
“Os primeiros referem à persecução de objetivos e bens coletivos considerados relevantes para o bem-estar de
toda a comunidade, passíveis de transações e compromissos, enquanto os segundos fundamentam decisões
que resguardam direitos de indivíduos ou grupos, possuindo assim um papel de garantia contramajoritária”
(CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a
produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
p. 54-55). Ver: DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 35.
59
“Minha visão é que o Tribunal deve tomar decisões de princípio, não de política – decisões sobre que direitos
as pessoas têm sob nosso sistema constitucional, não decisões sobre como se promove melhor o bem-estar geral
–, e que deve tomar essas decisões elaborando e aplicando a teoria substantiva da representação, extraída do
princípio básico de que o governo deve tratar as pessoas como iguais” (DWORKIN, Ronald. Uma questão de
princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 101).
60
CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a
produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
p. 57. “Mas para o Professor Dworkin, um juiz que assim adentre a área que ele chama de política (policy),
distinta dos princípios que determinam direitos individuais, pisa em terreno proibido, reservado aos legisladores
eleitos” (HART, Herbert L. A. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 158).
de Hart, não restava adequadamente explicado o papel dos princípios, cuja estrutura
indeterminada em abstrato, ainda que determinável nos casos concretos, se faz presente
nos ordenamentos pós-convencionais e demanda construções interpretativas das pessoas,
como no caso dos direitos fundamentais.61
Com isso, Dworkin rejeita expressamente a tese de que a finalidade do direito
seria a de orientar condutas por meio de normas gerais publicizadas, em outro sentido,
a função elementar do direito estaria pautada na atividade de adjudicação orientada
por princípios.62 Assim, o direito deixaria de ser um conjunto fechado de normas,
para assumir a feição de um conjunto aberto de regras e princípios, com uma função
de moralidade em seu cerne, de modo que as razões jurídicas se tornam princípios
obrigatórios destinados precipuamente para magistrados.63
A distinção entre princípio e regras, para Dworkin, é de natureza lógica. Em casos
específicos, tanto os princípios como as regras “apontam para decisões particulares
acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas”,64 mas seriam diferentes no
que tange à natureza da orientação ofertadas.
As regras seriam aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada, como no funcionamento
de regras de um jogo de beisebol. Um batedor que tenha errado três bolas deve ser
eliminado. Não seria possível que um juiz decidisse, com base em uma regra de beisebol,
que um batedor poderia ficar depois de ter errado três bolas. Uma regra pode, por
óbvio, dispor exceções, porém, a maneira correta de enunciar esta deveria considerar
as hipóteses de exceção.65
Os princípios, de outra sorte, “não apresentam consequências jurídicas que se
seguem automaticamente quando as condições são dadas”,66 assim, o princípio que
norteou o caso Riggs v. Palmer, de que ninguém pode ser beneficiado de seus crimes,
não estabelece, antecipadamente, as condições que irão determinar sua aplicação. Pelo
contrário, alerta Dworkin, o princípio enuncia uma razão que é capaz de conduzir
o argumento em determinado sentido, porém, necessita de um caso específico a ser
aplicado.67
61
CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a
produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
p. 59.
62
PERY, Stephen R. Interpretação e metodologia na teoria jurídica. In: MARMOR, Andrei. Direito e interpretação:
ensaios de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 195.
63
PERY, Stephen R. Interpretação e metodologia na teoria jurídica. In: MARMOR, Andrei. Direito e interpretação:
ensaios de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 195.
64
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 39.
65
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 40.
66
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 40. “A perspectiva decisionista
a que chega o positivismo em face da reconhecida indeterminação das regras é rechaçada assim pelo caráter
normativo dos princípios jurídicos que, embora muito gerais e abstratos, exigem do intérprete densificação, com
especial atenção à história institucional e à sistematicidade do conjunto de princípios reciprocamente vinculados
do Direito” (CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do
direito: a produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum,
2011. p. 60).
67
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 41. É bastante ilustrativa a
exposição que Dworkin faz do posicionamento do Juiz Earl no caso Elmer: “O juiz Earl não se apoiou apenas
em seu princípio sobre a intenção do legislador; sua teoria da legislação continha outro princípio relevante. Ele
afirmava que na interpretação das leis a partir dos textos não se deveria ignorar o contexto histórico, mas levar-se
em conta os antecedentes daquilo que denominava de princípios gerais do direito: ou seja, que os juízes deveriam
interpretar uma lei de modo a poderem ajustá-la o máximo possível aos princípios de justiça pressupostos em
outras partes do direito. Ele apresentou duas razões. Primeiro, é a razoável admitir que os legisladores têm uma
intenção genérica e difusa de respeitar os princípios tradicionais da justiça, a menos que indiquem claramente o
contrário. Segundo, tendo em vista que uma lei faz parte de um sistema compreensivo mais vasto, o direito como
um todo, deve ser interpretada de modo a conferir, em princípio, maior coerência a esse sistema” (DWORKIN,
Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 24-25).
68
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-
Americana de Estudos Constitucionais, v. 1, 2003. p. 610.
69
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 43.
70
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 43.
71
Uma coisa é a formação de uma antinomia, outra, distinta, é a regra prever expressamente situações em que sua
aplicação não ocorre.
a positivação do princípio para que ele venha a ser reconhecido como cogente no
ordenamento jurídico. Esta foi a conclusão de Dworkin a partir de sua interpretação do
caso Riggs vs. Palmer, uma importante contribuição a partir da qual foi possível explicitar
certos limites teóricos do juspositivismo.72
O debate, como restou observado, se coloca a respeito da extensão do poder
discricionário que pode vir a ser conferido para os juízes na interpretação dos casos
difíceis. Não há mais espaço, por isso, para os argumentos no sentido de que os juízes
nunca exerceram qualquer papel significativo no momento da aplicação do direito.
Basta considerar que não é possível tolher por completo as autoridades responsáveis
pela aplicação do direito de sua função hermenêutica com fulcro nas construções
normativas advindas do legislativo. Estas, inevitavelmente, serão objeto de interpretação
no momento de sua definição como norma.
A abertura que os chamados “princípios gerais do direito” conferiam para
solucionar lacunas no ordenamento foi objeto de radical transformação. Estas categorias
eram vias de escape em tempos em que o legislador buscava, sob a égide da vontade
de completude, dar resposta para todos os problemas que viessem a surgir no plano
normativo. Pois bem, os “princípios gerais” deixaram de ocupar o papel subalterno
no ordenamento para assumir a posição de categorias normativas norteadoras que
não podem mais ser afastadas no momento da construção das razões jurídicas. Posto
o lugar destacado que as constituições passaram a conferir para os princípios, não se
fala mais em “princípios gerais do direito”, mas, sim, em princípios constitucionais e
na constitucionalização de todos os ramos do direito.
No plano dos princípios é possível a classificação, de um lado, dos princípios
explícitos, ou seja, aqueles que foram formulados de maneira expressa em dado texto
normativo,73 e princípios implícitos, carentes de positivação, em outros termos, sem
disposição expressa em textos normativos.74 Conhecida a distinção entre texto e norma,
os princípios implícitos são resultado da interpretação de argumentos constantes
em enunciados legislativos do ordenamento jurídico, em normas constitucionais ou
infraconstitucionais, de modo que, mesmo que não possuam uma disposição específica,
faz-se possível a remissão a textos explícitos que lhe conferem suporte semântico.75
72
Hart formulou respostas para as críticas de Dworkin, ver em especial o pós-escrito do livro O conceito de
direito: “Durante muito tempo, a mais conhecida das críticas de Dworkin a este livro foi a de que ele apresenta,
erradamente, o direito como consistindo apenas em regras de ‘tudo-ou-nada’, e ignora uma espécie diferente
de padrão jurídico, a saber os princípios jurídicos, que desempenham um papel importante e distintivo no
raciocínio jurídico e no julgamento. [...] Concordo, neste momento, que constitui um defeito deste livro a
circunstância de os princípios apenas serem abordados de passagem. [...] Não vejo razões nem para aceitar este
contraste nítido entre princípios jurídicos e regras jurídicas, nem o ponto de vista de que, se uma regra válida
for aplicável a um caso dado, deve, diferentemente de um princípio, determinar sempre o resultado do caso. [...]
Por isso, uma regra que seja superada, em concorrência com uma rega mais importante num caso dado, pode, tal
como um princípio, sobreviver, para determinar o resultado em outros casos, em que seja julgada como sendo
mais importante do que outra regra concorrente” (HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2007. p. 321-324).
73
GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 191.
74
“Os princípios não expressos são fruto de integração do direito à obra dos operadores do direito. Esses princípios
são deduzidos pelos intérpretes, ora de normas singulares, ora de conjuntos mais ou menos amplos de normas,
ora do ordenamento jurídico no seu conjunto” (GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. p. 193).
75
SGARBI, Adrian. Teoria do direito: primeiras lições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 233. Nos termos de
Hart, Dworkin: “A exemplo de Pound, ele rejeita a ideia de que o sistema jurídico consista apenas de suas
Referências
AARNIO, Aulis. Lo racional como razonable: un tratado sobre la justificación jurídica. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1991.
ANTONOV, Mikhail. The legal conceptions of Hans Kelsen and Eugen Ehrlich: weighting human rights and
sovereignty. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 20, n. 20, 2016.
AUSTIN, John. The province of jurisprudence determined. London: John Murray, 1832.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros,
2004.
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2005.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora UNB, 1999.
CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a
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regras de autoridade explícita e enfatiza a importância de princípios implícitos não formulados; e, a exemplo
de Llewellyn, ele rejeita a ideia, que atribui à teoria do direito positivista, de que o juiz deva, quando as regras
explícitas se mostrarem indeterminadas, deixar de lado os livros jurídicos e começar a legislar segunda sua
moralidade pessoal ou sua concepção de bem social e de justiça” (HART, Herbert L. A. Ensaios sobre teoria do
direito e filosofia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 154).
76
“Num certo sentido, é óbvio que também os princípios são normas, ou seja, enunciados do discurso prescritivo,
dirigidos a orientação do comportamento (em algumas circunstâncias, a tese contrária foi sustentada com o
único objetivo de negar que certos princípios expressos tivessem valor vinculante para os órgãos de aplicação).
Todavia, os princípios constituem, no gênero das normas jurídicas, uma espécie particular cujos traços
característicos não é fácil individualizar com precisão: não é absolutamente claro, em outras palavras, quais
propriedades deva ter uma norma para merecer o nome de ‘princípio’” (GUASTINI, Riccardo. Das fontes às
normas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 186).
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ISBN 978-85-450-0496-7.
2.1 Introdução
Um dos eixos em que opera a governança eleitoral, assim entendida como o
conjunto de atividades que criam e mantêm a estrutura institucional em que se desen
volvem as eleições, é o da definição das “regras do jogo” (rule making). De fato, o
estabelecimento de um marco regulatório é rigorosamente necessário para impor limites
à atuação dos competidores, buscando garantir que as disputas ocorram num campo
de jogo nivelado, no qual prevaleça o equilíbrio, desencorajando abusos e transgressões
que possam comprometer a própria legitimidade das eleições, cumprindo-se, assim, um
dos principais escopos da ratio essendi do direito eleitoral.
A só existência de normas, porém, não é garantia de equidade na disputa, uma
vez que se reclamará a sua efetiva aplicação no campo da administração eleitoral (rule
application), sem embargo da possibilidade de manejo da via contenciosa para sancionar
os desvios (rule adjudication), constituindo-se, então, a partir desses três campos, a electoral
governance.
No Brasil, para além da peculiaridade de duas dessas tarefas estarem concentradas
nas mãos da Justiça Eleitoral – face à cumulação de atribuições para administrar o pleito
e exercer o contencioso –, chegando, com certa frequência, a exercer mesmo as três (ainda
quando sua competência normativa se circunscreve à feição meramente regulamentar),
parece forçoso reconhecer uma outra característica do nosso modelo de governança:
ao mesmo tempo em que as regras do jogo são pródigas quanto à tipificação de ilícitos
(tanto assim que é difícil identificar algum fato comprometedor da lisura das eleições
que já não esteja assim valorado e apto a desencadear punições e, no limite, a própria
invalidação das disputas), acabam por acomodar, elas próprias, diversas situações de
tratamento desigual entre os contendores, institucionalizando o desequilíbrio.
estabelece que somente farão jus às verbas do Fundo as agremiações que “obtiverem,
nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% (um e meio por cento) dos
votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas”; ou “tiverem
elegido pelo menos nove Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das
unidades da Federação”.1
O aporte de recursos públicos no Fundo Partidário, como se vê, representa
inegavelmente uma manifestação de direitos políticos de caráter prestacional, envolvendo
uma ação estatal positiva no sentido de resguardar que as agremiações, em seu papel
mediador entre o povo e o Estado, possam desempenhar regularmente suas atribuições.
Na percepção de Guedes (2013, p. 1677), além de assegurar transparência aos recursos
recebidos, o direito ao Fundo Partidário – ao possibilitar que cada organização financie
suas próprias atividades, sem precisar depender de doações de pessoas jurídicas privadas
ou de pessoas físicas – diminui a pressão política sobre as agremiações e possibilita a
promoção do debate democrático de ideias.
Cabe destacar que os recursos do Fundo Partidário têm destinação vinculada e
devem ser empregados na manutenção da atividade partidária e nas disputas eleitorais.
Não se trata, portanto, de subvenção voltada especificamente para custear a participação
em eleições. Além disso, alguns critérios legais têm procurado direcionar gastos para o
atingimento de objetivos especiais, de interesse coletivo, como é o caso da previsão de
percentual a ser destinado a estimular a participação política feminina.
Além do Fundo Partidário, uma nova modalidade de financiamento público foi
instituída, desta feita destinada, exclusivamente, a custear as despesas dos partidos
durante as campanhas eleitorais, e será utilizada pela primeira vez nas eleições de 2018.
Trata-se do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), disciplinado pelas
leis nºs 13.487 e 13.488, ambas de 6.10.2017.
De acordo com a previsão legal, o FEFC será constituído a partir de dotações
orçamentárias da União em ano eleitoral, cujo valor será fixado pelo Tribunal Superior
Eleitoral, com base em parâmetros definidos em lei,2 além de 30% (trinta por cento) dos
recursos destinados às emendas de bancada de execução obrigatória no orçamento.
Para 2018, a Lei Orçamentária Anual previu repasses da União na ordem de
R$1,716 bilhão para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. A referida verba,
de acordo com os critérios fixados pela Lei nº 13.488/2017, será rateada do seguinte modo:
1
A cláusula de barreira será elevada gradualmente até as eleições de 2030, alcançando, então, o limite de 3% (três
por cento) ou um mínimo de 15 (quinze) deputados federais, na legislatura que se seguir. Até lá, será de 2% (dois
por cento) ou um mínimo de 11 (onze) deputados, na legislatura posterior às eleições de 2022; e de 2,5% (dois e
meio por cento) ou 13 (treze) deputados federais, na legislatura posterior às eleições de 2026.
2
De acordo com o art. 3º, da Lei nº 13.487/2017, o valor a ser definido pelo TSE “será equivalente à somatória da
compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e televisão receberam pela divulgação da propaganda
partidária efetuada no ano da publicação desta Lei e no ano imediatamente anterior, atualizada monetariamente,
a cada eleição, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), da Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir”.
II - 35% (trinta e cinco por cento), divididos entre os partidos que tenham pelo menos um
representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles
obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;
III - 48% (quarenta e oito por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número
de representantes na Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;
IV - 15% (quinze por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de
representantes no Senado Federal, consideradas as legendas dos titulares.
Embora se trate de acesso gratuito ao rádio e à TV, ele tem essa natureza apenas
para os partidos, na medida em que não estão jungidos a realizar desembolsos para
veicular os programas. Já as emissoras têm direito a compensações fiscais em razão do
que deixam de arrecadar com a comercialização de espaço publicitário por força da
apresentação da propaganda eleitoral, conforme expressa previsão do art. 99, da LE:
Art. 99. As emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência
do horário gratuito previsto nesta Lei.
3
A participação nos debates, a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.488/2017 (que alterou o art. 46, da LE),
somente está assegurada a candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional, de, no mínimo,
cinco parlamentares.
[...] political parties are to be made independent from private economic interests by
allotting them sufficient tax revenues to play their part in the constitutional scheme. (Their
subventions might, for example, be based by some rule on the number of votes received
in the last several elections, and the like.). (RAWLS, 1971, p. 198)4
4
Tradução livre: “[...] partidos políticos devem ser independentes dos interesses econômicos privados,
assegurando-se a eles recursos suficientes para tomar parte no esquema constitucional. (As subvenções, por
exemplo, podem se basear em alguma norma sobre o número de votos conseguidos em eleições passadas)”.
Para discutir a questão, Rawls apresenta a ideia de que seria possível distinguir
a liberdade e o seu valor, de modo que, ainda que as liberdades sejam as mesmas para
todos (o que dispensaria qualquer compensação), o seu valor não é idêntico, uma vez
que fatores como renda e riqueza poderiam influenciar a consecução de seus fins.
Embora afirme não ser seu propósito indicar a melhor maneira de realizar esse
valor equitativo, recorda que algumas medidas que já estariam sendo tomadas assu
miriam esse viés, envolvendo aspectos como:
(a) Primeiro, isso assegura para cada cidadão o acesso equitativo e praticamente igual ao
uso de recursos públicos concebidos para servir a um propósito político definido, qual
seja, o recurso público especificado pelas regras e procedimentos constitucionais que
governam o processo político e controlam o acesso a posições de autoridade política. Essas
regras e procedimentos têm de constituir um processo equitativo, elaborado, na medida
do possível, para produzir uma legislação justa. As reivindicações válidas de cada cidadão
são mantidas dentro de certos limites padrão pela ideia de um acesso equitativo e igual
ao processo político enquanto recurso público.
(b) Em segundo lugar, esses recursos públicos têm um espaço limitado, por assim dizer.
Sem a garantia do valor equitativo das liberdades políticas, aqueles que dispõem de mais
meios poderiam se juntar e excluir aqueles com menos meios. Presume-se que o princípio
da diferença não seja suficiente para impedir isso. O espaço limitado do fórum político
público permite, digamos, que a utilidade das liberdades políticas esteja muito mais sujeita
à posição social e meios econômicos dos cidadãos que a utilidade de outras liberdades
básicas. É por isso que acrescentamos a exigência do valor equitativo às liberdades políticas.
medidas foram tidas pelo Tribunal como violadoras da 1ª Emenda à Constituição, uma
vez que restringiriam indevidamente a liberdade de expressão, entendimento que foi
fortemente criticado por Rawls.
Rawls passa, então, a alinhar as condições necessárias para que sejam opostas
restrições ao valor equitativo das liberdades políticas sem que tal importe em violar
a liberdade de expressão. Começa, assim, por recordar que liberdades fundamentais
formam uma família, cujos membros têm de se ajustar uns aos outros, e é esse conjunto
que tem prioridade, e não uma única liberdade isolada, “[...] mesmo que, em termos
práticos, uma ou mais das liberdades fundamentais possam ser absolutas em certas
circunstâncias” (RAWLS, 2011, p. 422), de modo que não se deveria, em nome da
preservação da liberdade de expressão, sacrificar a consecução do valor equitativo das
liberdades políticas, como sinalizam os precedentes da Suprema Corte.
Em seguida, passa a examinar a maneira pela qual a expressão política pode ser
regulada com a finalidade de preservar o valor equitativo das liberdades políticas, tendo
em vista medidas como o financiamento público de campanhas, limites de contribuição
etc., apontando que restrições são compatíveis desde que satisfeitas três condições: 1) não
haja restrições ao conteúdo do discurso; 2) não imponham um ônus excessivo aos vários
grupos políticos, afetando-os, portanto, da mesma maneira; e 3) as várias regulações
da expressão política devem ser racionalmente definidas, ou seja, devem se apresentar
como necessárias e as menos restritivas possíveis, de modo que “[...] deixam de ser
razoáveis, uma vez que alternativas consideravelmente menos restritivas e igualmente
efetivas sejam conhecidas e estejam disponíveis” (RAWLS, 2011, p. 424).
Quanto à primeira, Rawls (2011, p. 424) afirma que as regulações não podem
favorecer nenhuma doutrina política em detrimento de outras. Devem se apresentar,
portanto, como “[...] regras de ordem para eleições, e são necessárias para estabelecer
um procedimento político justo, pelo qual o valor equitativo das liberdades políticas
iguais seja mantido”.
A segunda condição é que os arranjos instituídos não devem impor um ônus
excessivo aos vários grupos políticos da sociedade. Rawls reconhece que definir, por
si só, o que seria um ônus excessivo já se apresenta como ponto de controvérsia. De
qualquer modo, acredita que a aferição deve ser feita tendo por base o modo como as
restrições adotadas podem afetar o valor equitativo das liberdades políticas, afirmando
que a proibição de grandes contribuições de pessoas ou empresas privadas a candidatos
políticos, por exemplo, não é um ônus excessivo a pessoas e grupos abastados:
Uma proibição desse tipo pode ser necessária para que cidadãos igualmente talentosos
e motivados em termos políticos tenham uma oportunidade aproximadamente igual
de exercer influências nas políticas governamentais e de chegar a postos de autoridade,
independentemente de sua classe social e econômica. É exatamente essa igualdade que
define o valor equitativo das liberdades políticas. (RAWLS, 2011, p. 424)
individuais; b) feitos pelos candidatos com recursos próprios e; c) totais no curso de uma
campanha: “A Suprema Corte afirmou que a Primeira Emenda não pode tolerar essas
disposições, uma vez que impõem restrições diretas e substanciais à expressão política”.
No caso First National Bank, por 5 a 4, a Corte invalidou uma lei criminal do Estado
de Massachusetts que proibia gastos de bancos e empresas com o objetivo de influenciar
o resultado dos votos em proposições submetidas a referendo, a menos que essas
proposições afetassem materialmente a propriedade, os negócios ou ativos de empresa.
Rawls anota que, ao proferir o julgamento em Buckley, a Corte considera dois
interesses declarados da lei: a) limitar os custos crescentes das campanhas políticas;
e b) equalizar a capacidade relativa dos cidadãos de afetar o resultado das eleições,
sendo que especialmente o último está diretamente relacionado ao valor equitativo das
liberdades políticas.
A Corte, contudo, de acordo com Rawls (2011, p. 427), não consegue reconhecer
a questão essencial, a de que o valor equitativo das liberdades políticas é necessário
para um procedimento político justo, e que é preciso assegurá-lo para “[...] evitar que
aqueles que possuem mais propriedades e riqueza – e maior capacidade de organização,
associada à posse desses recursos – controlem o processo eleitoral em benefício próprio”.
Nenhum dos valores citados pela Corte, segundo Rawls, entre os quais assegurar
a disseminação ampla de informação de fontes diversas e opostas e garantir a troca
irrestrita de ideias, com o objetivo de promover as mudanças políticas e sociais desejadas
pelo povo, envolve a questão fundamental do valor equitativo das liberdades políticas.
Como resultado, Rawls (2011, p. 427) afirma que se impulsiona a visão de que a
democracia é uma espécie de competição regulada entre as classes econômicas e os grupos
de interesses, “[...] na qual é apropriado que os resultados dependam da capacidade
e da disposição de cada um dos participantes de empregar seus recursos financeiros e
habilidades, reconhecidamente muito desiguais, para fazer valer seus desejos”.
Vita (2007, p. 212) destaca que a tentativa de Rawls de defender o valor equitativo
das liberdades políticas seria necessária para evitar que aqueles que dispõem de mais
recursos econômicos e maior capacidade organizacional tenham também uma maior
capacidade de influenciar os resultados políticos, que, desse modo, “[...] passam a
corresponder, em particular, às preferências dos chamados ‘grandes eleitores’”:
Muitas vezes se argumenta que disposições desse tipo não conseguiriam impedir a
influência do poder econômico sobre as decisões políticas. De fato, não. Mas o financiamento
público aos partidos (junto com a propaganda política gratuita nos meios de comunicação
de massa) garante condições minimamente equitativas de expressão e competição políticas
para aqueles que não contam com o apoio dos “grandes eleitores”. Ademais, é preciso
considerar que esse patamar mínimo de equidade política reduziria significativamente o
retorno marginal que os financiadores privados poderiam esperar de cada real empregado
para influenciar os resultados políticos – sem falar no custo adicional que seria imposto
pela ilegalidade. (VITA, 2007, p. 212)
O autor espanhol recorda que Rawls se limita a indicar “algunos de los instru
mentos possibles” para que se assegure a igualdade de oportunidades nas competições
eleitorais, ainda assim ressaltando que os pôr em prática poderia exigir alguns ajustes
entre as liberdades básicas (SÁNCHEZ MUÑOZ, 2007).
Rawls (2003, p. 212) afirma que um dos objetivos desse ajuste, em caso de conflitos
entre liberdades básicas, é “dar a legisladores e partidos políticos independência em
relação a grandes concentrações de poder econômico e social privado numa democracia
de propriedade privada, e em relação ao controle governamental e ao poder burocrático
num regime socialista liberal”.
É evidente que o delineamento do conteúdo atual do princípio da igualdade
de oportunidades nas competições eleitorais rejeita a igualdade sob o ponto de vista
meramente formal, aludindo à necessidade de que a interferência dos organismos
eleitorais procure resguardar um ambiente de igualdade substancial, seja através da
não discriminação, seja mediante ações positivas para desativar fatores irrelevantes
nas competições.
É certo que Sánchez Muñoz, a partir da observação da ordem jurídica espanhola,
rejeita uma igualdade absoluta no trato entre os partidos políticos, a qual eventualmente
5
No original: “Two conceptions of equality of opportunity are prevalent today in Western democracies. The first
says that society should do what it can to “level the playing field” among individuals who compete for positions
or, more generally, that it level the playing field among individuals during their periods of formation, so that
all those with relevant potential will eventually be admissible to pools of candidates competing for positions.
The second conception, which I call the nondiscrimination principle, states that, in the competition for positions
in society, all individuals who possess the attributes relevant for the performance of the duties of the position
in question be included in the pool of eligible candidates, and that an individual’s possible occupancy of the
position be judged only with respect to those relevant atributes”.
ou midiático; além de serem vistas como necessárias as subvenções estatais para nivelar
o campo da disputa, permitindo aos menos dotados dos meios necessários para ocupar
os postos, que possam competir em condições mínimas de equilíbrio.
A segunda concepção é que justifica, com efeito, que subvenções públicas sejam
destinadas a partidos e candidatos para o financiamento de atividades ordinárias das
agremiações, bem como para custear gastos das campanhas eleitorais. Os critérios de
distribuição, contudo, concentram alta capacidade para servir como um fator de forte
desigualação, frustrando-se o propósito inicialmente traçado.
E tal se dá, notadamente, porque a proposta de nivelar o campo de jogo deve
envolver, diante de players que se acham em situações de desequilíbrio, a distribuição
de recursos de modo a permitir aos que se acham em situação de desvantagem (ou aos
mais “desfavorecidos”, como aponta Rawls) a percepção de insumos maiores.
Também a aludir a essa dupla dimensão, Sartori (2007, p. 211) afirma que a igual
dade de oportunidades envolve o igual acesso aos cargos públicos em razão do mérito
(capacidade, virtude e inteligência), o que decorre da inspiração do liberalismo e está
relacionado a condições formais de disputa, abrangendo aspectos procedimentais, mas
não se resume a isso, na medida em que se deve garantir, também, pontos de partida
iguais, ou seja, condições materiais que resguardem a equidade:
Iguales puntos de partida quiere decir: los que toman la salida deben estar en condiciones
iguales. El igual acceso elimina obstáculos; los arranques iguales son puntos de partida que
hay que fabricar. [...] Los puntos de partida iguales se basan en condiciones y circunstancias
materiales. El acceso igual es prohibición de discriminación. Los puntos de partida iguales
en cambio se ayudan (como veremos) de discriminaciones. (SARTORI, 2007)
Neste ponto, cabe estar atento para a advertência de Sánchez Muñoz (2013, p. 169)
no sentido de que se a democracia significa, essencialmente, igualdade no exercício do
poder político, podem ser admitidas limitações às liberdades dos sujeitos que participam
do processo eleitoral para assegurar a posição de todos os cidadãos, seja no momento
de emitir o voto, seja na hora de aspirar a mandatos eletivos:
Siendo la influencia del dinero el principal obstáculo o la principal amenaza para que esa
igualdad sea efectiva, dicha influencia debe ser contrarrestada a través de diferentes medidas
que garanticen lo que los anglosajones han llamado “un campo de juego equilibrado” (a
level playing field) entre los contendientes electorales, impidiendo que aquellos que gocen
de una ventaja fáctica en el plano financiero, la trasladen a la competición electoral.
6
Embora o número de cadeiras a serem ocupadas na Câmara dependa, como é óbvio, do número de votos obtidos,
as regras do sistema proporcional conduzem a uma situação em que não é possível estabelecer uma correlação
exata entre essas duas variáveis, bastando considerar os casos de partidos que não logram ocupar cadeiras no
Parlamento Federal, mesmo tendo obtido votos na respectiva eleição. Além disso, a distribuição das cadeiras
considera, até 2018, a formação de coligações, a qual, todavia, não é utilizada para fins de distribuição do Fundo
Partidário, que toma por base o desempenho individual de cada agremiação no último pleito.
A conclusão a que se chega é que, com a utilização desses critérios, profundamente prote
cionistas, desconsiderou-se o princípio do pluralismo político, que se apresenta como um
dos principais fundamentos constitucionais da República Federativa do Brasil (art. 1º, V), ou
mesmo o princípio da igualdade de oportunidade, apontado anteriormente por Canotilho.
Naturalmente que a legislação deve – e tem a obrigação de – estabelecer critérios propor
cionais para a distribuição dos recursos do fundo partidário e para o acesso dos Partidos ao
rádio e à televisão. Para tanto, estrutura e projeção política de cada agremiação partidária
se apresentam como pressupostos básicos. O que não pode ocorrer é a legislação instituir
mecanismos que na prática não surtam qualquer efeito para as legendas que estão em
processo de consolidação, como é o caso da Lei nº 9.096/95.
Seria, por ex., inconstitucional estabelecer regimes jurídicos diferentes para os diversos
partidos (uns como corporações de direito público, outros como associações privadas) ou
reconhecer papel dirigente a um partido. A liberdade partidária e a igualdade de opor
tunidades no desenvolvimento da actividade política são duas dimensões da liberdade
partidária: proibição de ingerência positiva e de ingerência negativa dos poderes públicos
na fundação, existência ou desenvolvimento dos partidos. Mais difícil é determinar e
delimitar concretamente a igualdade de oportunidades (Chancengleichheit). Por um lado,
os partidos são, de facto, desiguais quanto à inserção política, à implantação eleitoral e
popular, à capacidade de mobilização, à organização e recursos materiais. Por outro lado,
a igualdade de oportunidades reconduz-se, em geral, a uma igualdade jurídica e não a
uma “égalité des conditions”, a uma igualdade equitativa. Os princípios da igualdade e da
liberdade de concorrência partidária pressupõem a ‘abertura’ do processo político através
da “paridade de tratamento”, da “tolerância” e “neutralidade” das entidades públicas e
da “relatividade” dos valores políticos (cfr. art. 116,º/3).
7
A mesma dificuldade para o estabelecimento de critérios de acesso aos direitos políticos (prestacionais), à
luz do princípio da igualdade de oportunidades, é destacada por Sánchez Muñoz (2007, p. 88), formulando
indagações como: “[...] lo que nos plantea el doble problema de la definición de los criterios de acesso a dicho
legislador, de modo que suas opções devem ser compatíveis com os valores extraídos
da Constituição. Sem embargo disso, caso as opções do legislador se revelem contrárias
ao que assegura a ordem constitucional, restará ao Poder Judiciário expungir do sistema
as normas com ele incompatíveis.
Ainda no âmbito da doutrina nacional, cabe pontificar que, mesmo sem fechar
questão quanto à possibilidade de que as desigualdades do modelo atual possam ser
superadas mediante uma distribuição igualitária de cotas do Fundo Partidário, ou
quanto à (in)constitucionalidade do atual critério de distribuição (que considera o nú
mero de votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados – art. 41-A, da Lei
nº 9.096/95), Salgado (2010, p. 213) defende um tratamento equânime, na medida em que:
Já quanto aos critérios para o acesso dos partidos ao rádio e à TV, a autora faz
referência ao antagonismo das posições sustentadas por Bernardo Diniz de Ayala e
Óscar Sánchez Muñoz: aquele a propugnar, quando em exame a ordem constitucional
portuguesa, uma divisão equitativa do tempo de propaganda eleitoral, uma vez que a
representatividade não poderia servir de critério para a eleição seguinte; e este a defender
que a legislação eleitoral não pode tratar de maneira absolutamente igual partidos com
representatividade distinta, sob pena de conceder tratamento privilegiado aos cidadãos
que decidiram por agremiações menores.
Ressalta, no entanto, que, para Sánchez Muñoz, essas cotas de visibilidade não
podem servir para beneficiar os partidos que já contam com cadeiras no Parlamento e
para inviabilizar as agremiações menores (SALGADO, 2010, p. 198).
Balizada por tal dissenso, Salgado sustenta que, no Brasil, a “[...] divisão do
tempo do direito de antena faz parte da esfera de decisão política do legislador”. Anota,
porém, que a liberdade de conformação não é absoluta, uma vez que as diretrizes estão
colocadas e servem de balizas para a verificação da adequação das escolhas legislativas:
A liberdade de expressão exige o meio para a sua realização, com o acesso aos meios de
comunicação e a liberdade de propaganda. O acesso ao direito de antena deve ser o mais
amplo e igualitário possível, para permitir que o direito cumpra suas funções em relação à
democracia e ao Direito: instigar o pluralismo, impor o cumprimento da função pública e
dos órgãos de comunicação social e garantir eleições verdadeiramente democráticas, pois
“[n]ão há voto livre sem opinião esclarecida; não se concebe liberdade de escolha sem consciência
das alternativas”. (SALGADO, 2010, p. 198)
reparto (?qué competidores van a tener derecho a las prestaciones?) y de la definición de los criterios del próprio
reparto (?cuánto le va corresponder a cada uno?). La cuestión es: ?Igualdad de oportunidades significa que
todos los competidores deben acceder al reparto y que los recursos disponibles han de repartirse por igual entre
los distintos competidores? y, de no ser así, ?cuáles han de ser los criterios admisibles para estabelecer uma
diferenciación entre los potenciales beneficiarios?”.
Tal posicionamento merece ser confrontado, ante o fato de que, como visto, o
princípio constitucional da igualdade na disputa, considerado pela própria autora
como estruturante do direito eleitoral na Constituição Federal de 1988, deve funcionar
como um claro limite para a atuação do legislador infraconstitucional, a ponto de que
não possa adotar validamente outra opção que não a de regulamentar a divisão de
modo a destinar parcelas idênticas a todos os competidores, ou, quando não, para que
o tratamento desigual seja levado a efeito numa perspectiva emancipatória, destinando
as maiores “fatias do bolo” aos que se encontram em situação de desvantagem.
Ao propugnar o tratamento igualitário, todavia ressalvando a contingência do
“possível”, Salgado caminha no sentido admitir a viabilidade de que o legislador, em
adotando critérios como a representatividade parlamentar ou o número de votos obtidos
pelos respectivos partidos, fixe balizas que perpetuam o quadro de desigualdade entre
os competidores.
É preciso ir mais fundo, porém. O princípio da igualdade de oportunidades nas
competições eleitorais manifesta-se, na atualidade, essencialmente, em duas vertentes,
quais sejam: a amplitude do acesso à competição; e a igualdade de armas ou de meios
a serem empregados pelos competidores, durante as campanhas eleitorais.
Com efeito, a igualdade de acesso às funções públicas em perspectiva meramente
formal já não é suficiente para assegurar disputas livres e autênticas, que cobram igual
dade de condições materiais, reclamando, portanto, ações estatais para coibir abusos,
mas também para compensar situações de desequilíbrio.
Nessa linha, cumpre ter presente que embora o tratamento equânime a todos os
candidatos e partidos seja considerado, nesta pesquisa, como compatível com a ordem
constitucional, não indica que seja o mais adequado sob a perspectiva de garantir a
“máxima efetividade” da Constituição, princípio da hermenêutica constitucional que, nas
palavras de Coelho (2007, p. 107), “[...] veicula um apelo aos realizadores da Constituição
para que em toda situação hermenêutica, sobretudo em sede de direitos fundamentais,
procurem densificar tais direitos, cujas normas, naturalmente abertas, são predispostas
a interpretações expansivas”.
A força normativa da Constituição, conforme Souza Neto e Sarmento (2014,
p. 442), prescreve que seja preferida a interpretação que lhe confira maior efetividade,
ou que assegure uma “força de efeito ótima” (Hesse):
de uma revisão dos critérios para a criação de partidos políticos, uma vez que podem
ser qualificados, atualmente, como preponderantemente burocráticos.
Em suma, se se pode opor que um tratamento igualitário, como o que ora se
propugna, se mostraria inviável em razão do grande número de partidos atualmente
em funcionamento no Brasil, ou mesmo que tal solução traria, como efeito reflexo, um
estímulo à proliferação de legendas novas e sem apelo popular, é plenamente possível
contra-argumentar no sentido de que as mudanças legislativas necessárias à transição
do atual modelo para uma perspectiva igualitária contemple, de igual, o estabelecimento
de critérios mais rigorosos para a criação de novas legendas.
Não se revela compatível com a ordem constitucional, porém, em razão do
já demonstrado, que se pretenda estabelecer o discrímen com base em critérios não
contemplados pela Constituição e que conflitam com a sua principiologia.
2.5 Conclusão
Propugna-se, por meio desta pesquisa, que a igualdade de oportunidades nas
competições eleitorais é um princípio constitucional no Brasil, incumbindo ao Estado
promover ações negativas e positivas que aniquilem os efeitos de fatores ilegítimos nas
disputas e que compensem as desigualdades, razão pela qual se mostram contrários à
ordem constitucional os critérios que conduzem a uma destinação desigual de prestações
estatais aos competidores, salvo quando tenham o propósito de favorecer aqueles que
estão em situação de desvantagem.
Defende-se, diante do caráter prestacional dos direitos políticos e dos contornos
jurídicos do princípio da igualdade de oportunidades, que a destinação equitativa
das parcelas a serem distribuídas seria uma solução compatível com a Constituição
(igualdade formal), sem embargo de reputar que aquela que estabeleça tratamentos
díspares para favorecer os que estão em situação de desvantagem, de modo a compensar
desigualdades, se apresentaria como a constitucionalmente mais adequada, tendo como
propósito nivelar o campo de jogo, conferindo ao princípio uma força de efeito ótima,
atingindo o limite máximo de sua concretização.
Sustenta-se, ainda, que as normas atualmente em vigor que se distanciam de tal
princípio, destinando as maiores parcelas para partidos que alcançaram melhor resul
tado eleitoral ou que gozam de maior representatividade no Poder Legislativo, violam
a Constituição, sendo tal ofensa sanável pela via da jurisdição constitucional.
Trata-se, em suma, e sob os influxos dos paradigmas da justiça distributiva, de
uma tese igualitária aplicada ao campo das eleições, reconhecida a centralidade do
elemento político-representativo para o acesso democrático aos postos de governo, de
modo a assegurar a igualdade de chances, o que pressupõe, diante do reconhecimento
de que alguns estão em situação de desvantagem, um tratamento desigual, todavia
voltado a beneficiar os menos dotados dos recursos que influenciam decisivamente o
cenário eleitoral.
Referências
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0496-7.
ALINE OSORIO
3.1 Introdução
A liberdade de expressão é um dos mais relevantes – porém mais negligenciados –
princípios do direito eleitoral.1 Não é possível falar em eleições livres ou em democracia
sem um ambiente que permita e favoreça a manifestação e circulação de ideias. Não
por outro motivo, é praticamente unânime na jurisprudência nacional e internacional
que o mais relevante propósito da liberdade de expressão é permitir a discussão de
questões político-eleitorais. O Supremo Tribunal Federal já assentou que “é precisamente
em período eleitoral que a sociedade civil em geral e os eleitores em particular mais
necessitam da liberdade de imprensa”.2 Para a Suprema Corte norte-americana, a
liberdade de expressão tem sua “mais plena e urgente aplicação nas campanhas para
cargos políticos”.3 A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, considera
que “é indispensável que se proteja e garanta o exercício da liberdade de expressão
no debate político que precede as eleições”.4 Já segundo a Corte Europeia de Direitos
Humanos “as eleições livres e a liberdade de expressão, particularmente a liberdade de
debate político, formam juntas o cimento de qualquer sistema democrático”.5
A despeito disso, censura e restrições indevidas às liberdades comunicativas
proliferam-se na legislação, em atos da Administração Pública e, sobretudo, em decisões
1
O presente artigo tem por base a obra Direito eleitoral e liberdade de expressão, de minha autoria, publicado pela
Editora Fórum em 2017.
2
Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4.451-MC-Ref. Rel. Min. Ayres Britto, j. 2.9.2010.
3
Suprema Corte dos EUA, Eu v. San Francisco Democratic Comm, 489 U.S. 214, 223 (1989); e Monitor Patriot Co.
v. Roy, 401 U.S. 265, 272 (1971).
4
Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Ricardo Canese v. Paraguay, j. 31.8.2004.
5
Corte Europeia de Direitos Humanos, Caso Mathieu-Mohin y Clerfayt v. Belgica, j. 2.3.1987.
judiciais. A cada período eleitoral, o Judiciário é inundado por ações judiciais movidas por
políticos para retirar dos meios de comunicação quaisquer críticas, notícias desfavoráveis
e denúncias de corrupção. E parte substancial desses pedidos é deferida. Há diversos
exemplos. Em Palmas (TO), policiais militares armados com fuzis tentaram impedir a
distribuição de revista que trazia uma reportagem prejudicial ao então governador que
disputava a reeleição.6 Em Cáceres (MT), um site jornalístico foi proibido de publicar
quaisquer matérias sobre as eleições no município durante todo o pleito.7 Uma juíza
eleitoral do Rio de Janeiro (RJ) determinou a retirada de vídeos de conhecido canal
de humor, os quais faziam menção jocosa a um candidato ao governo do estado.8
Em Curitiba (PR), um candidato ao governo do estado obteve liminares para proibir a
divulgação dos resultados de pesquisas eleitorais legítimas.9 Apenas em 2014, políticos
ajuizaram mais de 400 ações para abafar notícias negativas para suas imagens.10 E o
próprio Tribunal Superior Eleitoral, descontente com o baixo nível dos debates, proibiu
a utilização do horário gratuito para veicular ofensas ou acusações entre os candidatos,
resultando no banimento de informações verídicas, como denúncias de corrupção.11
De acordo com levantamento feito pela Abraji, nas eleições de 2016, foram deferidos
55% dos pedidos judiciais feitos por políticos para censurar conteúdos.12
As eleições evidenciam, assim, a persistência de uma cultura de desprezo pela
liberdade de expressão, que se manifesta especialmente nos casos em que a livre
circulação de informações e opiniões é mais importante: nas eleições. Seu efeito direto
e imediato é a sonegação de informações fundamentais à participação das pessoas na
vida pública, à escolha dos governantes e à fiscalização da sua atuação, seja porque tais
informações são diretamente censuradas, seja porque a ameaça das condenações judiciais
promove o chamado chilling effect (ou efeito “inibidor” ou “silenciador” do discurso),13
dissuadindo jornalistas a publicarem pelo medo da sanção. Sem surpresa, o Brasil ocupa
a desonrosa 103ª posição entre 180 países no ranking sobre a liberdade de imprensa de
2017,14 e tem sua imprensa classificada apenas como “parcialmente livre”, em razão das
6
MAGRO, Maira. Polícia militar do Tocantins tenta impedir revista Veja de circular. Knight Center for Journalism
in the Americas, 27 set. 2010. Disponível em: <https://knightcenter.utexas.edu/pt-br/blog/policia-militar-do-
tocantins-tenta-impedir-revista-veja-de-circular>. Acesso em: 20 jul. 2015.
7
TRE/MT. AIJE nº 301-94.2012.6.11.006. Rel. Juiz Eleitoral Geraldo Fernandes Fidelis Neto, j. 31.8.2012.
8
TRE/RJ. Protocolo nº 158.287/2014. Coord. Fiscalização da Propaganda Eleitoral Juíza Daniela Barbosa
Assumpção de Souza.
9
MAGRO, Maira. Liminares barram publicação de pesquisas eleitorais no Paraná. Knight Center for Journalism
in the Americas, 26 set. 2010. Disponível em: <https://knightcenter.utexas.edu/pt-br/blog/liminares-barram-
publicacao-de-pesquisas-eleitorais-no-parana>. Acesso em: 20 jul. 2015.
10
AÇÕES contra a imprensa devem aumentar em 2016, dizem especialistas. Ctrl+X – Abraji, 7 abr. 2016. Disponível
em: <http://www.ctrlx.org.br/noticia/acoes-judiciais-contra-a-imprensa-devem-aumentar-em-2016-afirmam-
especialistas>. Acesso em: 11 nov. 2017.
11
TSE. Rp nº 1.658. Rel. Min. Admar Gonzaga, j. 17.10.2015.
12
QUEM tenta esconder informações no Brasil? Ctrl+X – Abraji, 31 out. 2017. Disponível em: <http://www.ctrlx.org.
br/noticia/quem-tenta-esconder-informacoes-no-brasil>. Acesso em: 11 nov. 2017.
13
FARBER, Daniel A. The first amendment. 2. ed. New York: The Foundation Press, 2003. p. 79-102; FISS, Owen M.
A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2005;
SUNSTEIN, Cass R. Democracy and the problem of free speech. New York: The Free Press, 1993.
14
CLASSIFICAÇÃO – Os dados da classificação da liberdade de imprensa 2017. Repórteres sem Fronteiras.
Disponível em: <https://rsf.org/pt/classificacao_dados>. Acesso em: 11 nov. 2017.
15
Conforme dados da organização Freedom House divulgados no relatório Freedom of the Press 2017 (FREEDOM
of the Press 2017. Freedom House. Disponível em: <https://freedomhouse.org/report/freedom-press/2017/brazil>.
Acesso em: 11 nov. 2017).
16
Em outro exemplo, em 2013, o Brasil foi o 3º colocado no ranking divulgado pelo Google relativo às solicitações
de remoção de conteúdos por tribunais e agências governamentais, perdendo apenas para os EUA e a Turquia
(SOLICITAÇÕES governamentais de remoção de conteúdo. Google. Disponível em: <http://www.google.com/
transparencyreport/removals/government/countries/>. Acesso em: 20 jul. 2015).
17
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2016.
18
A liberdade de expressão stricto sensu é o direito de externar e difundir todas as formas de manifestação do
pensamento, incluindo ideias, criações, opiniões, sentimentos. Já a liberdade de informação corresponde ao direito
de transmissão e comunicação de fatos, incluindo o direito de acesso à informação, o direito de informar, e o
direito de ser informado. Por fim, a liberdade de imprensa compreende o direito de todos os meios de comunicação
social (e não só dos meios impressos) de exteriorizarem quaisquer ideias, opiniões e manifestações (no exercício
da liberdade de expressão em sentido estrito), assim como de divulgar e transmitir os fatos e acontecimentos
(no exercício da liberdade de informação). Cf. MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade de expressão.
Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002; BARROSO,
Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação.
Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Privado,
v. 18, p. 105-143, 2004; BINENBOJM, Gustavo. Humor, política e jurisdição constitucional. In: SARMENTO,
Daniel (Ed.). Jurisdição constitucional e política. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 701-728; FARIAS, Edilsom Pereira
de. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 83-89; CHEQUER, Cláudio.
A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima facie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 16.
19
V. SCHAUER, Frederick. Free speech: a philosophical enquiry. Cambridge University Press, 1982. p. 15-72; EUA,
Suprema Corte, voto do Juiz Brandeis no Caso Whitney v. California, 274 U.S. 357 (1927); CARBONELL, Miguel.
La libertad de expresión en materia electoral. México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de la Federación, 2008.
20
MEIKLEJOHN, Alexander. Free speech and its relation to self-government. New York: Harper Brothers Publishers,
1948. p. 10-11.
21
MILTON, John. Aeropagítica: discurso pela liberdade de imprensa ao Parlamento da Inglaterra. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1999; MILL, John Stuart. Sôbre a liberdade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942.
22
Livre tradução de trecho extraído do voto divergente do Juiz Oliver Wendell Holmes, no julgamento do caso
Abrams v. United States (250 US 616, 1919). No original, “the best test of truth is the power of the thought to get
itself accepted in the competition of the market”.
23
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no
sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 239.
24
FISS, Owen M. Free speech and social structure. Iowa Law Review, v. 71, n. p. 1405, 1985; MACHADO, Jónatas
Eduardo Mendes. Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra:
Coimbra Editora, 2002.
25
BAKER, Edwin. Human liberty and freedom of speech. New York: Oxford University Press, 1989.
26
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no
sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 239.
comunidade, tendo como base o pluralismo informativo; de outro, promove uma política
de desconfiança em relação a tentativas do governo de impor uma verdade oficial.27
Em matéria eleitoral, a função de busca da verdade também tem diversas
aplicações.28 O estímulo à criação de um “mercado livre de ideias” permite que os
cidadãos tenham acesso a uma multiplicidade de informações sobre os candidatos e
partidos, suas propostas, trajetória e reputação, favorecendo a ampla discussão pública
em torno das opções eleitorais e possibilitando a tomada de decisão de voto, sem inter
ferências estatais. Além disso, esse fundamento filosófico aponta o perigo de conceder
ao governo a possibilidade de dizer o que é verdade e o que é falso no debate eleitoral,
recomendando que o julgamento dos melhores e piores argumentos seja feito pelos
indivíduos no debate público.
O terceiro fundamento da liberdade de expressão é a dignidade humana. A pos
sibilidade de os indivíduos exprimirem suas ideias e visões de mundo, preferências
e interesses é uma emanação da dignidade.29 Aqui, a liberdade de expressão assume
o caráter de um valor indispensável à realização existencial do homem e ao livre
desenvolvimento da sua personalidade. Expressar-se e ter acesso às mais diversas formas
de expressão é, afinal, essencial à “vida boa”, à escolha das ideias, sentimentos e crenças
que irão inspirar a existência de cada um. Essa perspectiva enfatiza que a expressão
tem um alto valor para a liberdade e para a autonomia individual.30 O fundamento da
dignidade humana implica a necessidade de proteger não apenas o discurso político
em sentido estrito, mas diversos outros tipos de expressões, como a religião, a arte,
a literatura e as ciências. E mais, a partir do reconhecimento da autonomia moral
das pessoas, essa concepção exige a proteção não só dos discursos e ideias neutros,
inofensivos, positivos ou majoritários sobre esses temas, mas, sobretudo, daqueles que
sejam perigosos, ofensivos, negativos ou minoritários.
Em matéria eleitoral, o fundamento substantivo da liberdade de expressão é muito
relevante, na medida em que atesta a autonomia moral dos cidadãos, repelindo arranjos
paternalistas ou autoritários, e revela a necessidade de que lhes seja garantida ampla
possibilidade de se exprimirem livremente, para que possam projetar seus ideais de
vida para o campo político-eleitoral.31 Parece claro que as ideologias políticas e filiações
partidárias podem fazer parte de conceitos de autorrealização individual, de modo que as
pessoas devem poder exercer suas liberdades comunicativas para defender o triunfo de
suas visões e posições político-partidárias, e a derrocada daquelas que lhes sejam opostas.
Além dessas três funções principais da liberdade de expressão, algumas outras
vêm sendo invocadas, como: (iv) a garantia de todos os demais direitos fundamentais,
(v) a preservação do patrimônio cultural e científico da sociedade, e (vi) a desconfiança
histórica nos governos.
27
MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no
sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 239.
28
CARBONELL, Miguel. La libertad de expresión en materia electoral. México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de
la Federación, 2008.
29
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. In: SARMENTO, Daniel. Livres e
iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 242.
30
FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 66.
31
CARBONELL, Miguel. La libertad de expresión en materia electoral. México: Tribunal Electoral del Poder Judicial de
la Federación, 2008. p. 22.
32
No original: “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise
thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and
to petition the Government for a redress of grievances”.
33
EUA, Suprema Corte, Caso Jones v. Opelika, 316 U.S. 584 (1942).
34
No original: “The First Amendment is not confined to safeguarding freedom of speech and freedom of religion
against discriminatory attempts to wipe them out. On the contrary, the Constitution, by virtue of the First and
the Fourteenth Amendments, has put those freedoms in a preferred position” (Caso Jones v. Opelika, 316 U.S.
584, 608 (1942) [opinião dissidente, adotada em, 319 U.S. 103 (1943)]).
35
V. MCKAY, Robert B. The preference for freedom. New York University Law Review, v. 34, p. 1182, 1959; PRITCHETT,
Herman. Preferred freedoms doctrine. In: HALL, Kermit L.; ELY, James W.; GROSSMAN, Joel B. (Ed.). The Oxford
Companion to the Supreme Court of the United States. Oxford: Oxford University Press, 2005; SCHREIBER, Simone.
Liberdade de expressão: justificativa teórica e a doutrina da posição preferencial no ordenamento jurídico. In:
BARROSO, Luís Roberto (Ed.). A reconstrução democrática do direito público no Brasil. São Paulo: Renovar, 2007;
TAVEIRA, Christiano de Oliveira. Democracia e pluralismo na esfera comunicativa: uma proposta de reformulação
do papel do Estado na garantia da liberdade de expressão. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://dominiopublico.mec.gov.br>. Acesso em: 20 jul. 2015.
36
EUA, Suprema Corte, Caso United States v. Carolene Products Co., 304 U.S. 144 (1938).
37
No original: “There may be narrower scope for operation of the presumption of constitutionality when
legislation appears on its face to be within a specific prohibition of the Constitution, such as those of the first ten
amendments, which are deemed equally specific when held to be embraced within the Fourteenth”.
38
Após a criação da expressão pelo Juiz Stone no caso Jones v. Opelika, a doutrina da posição preferencial somente
foi aceita pela maioria da Suprema Corte dos EUA em Murdock v. Pennsylvania (EUA, Suprema Corte, Caso
Murdock v. Pennsylvania, 319 U.S. 105 (1943)).
39
EUA, Suprema Corte, Caso Thomas v. Collins, 323 U.S. 516 (1945).
40
Livre tradução. No original: “2. The task of drawing the line between the freedom of the individual and the
power of the State is more delicate than usual where the presumption supporting legislation is balanced by the
preferred position of the freedoms secured by the First Amendment. 3. Restriction of the liberties guaranteed by
the First Amendment can be justified only by clear and present danger to the public welfare”.
41
Livre tradução. No original: “That priority gives these liberties a sanctity and a sanction not permitting
dubious intrusions [...] For these reasons any attempt to restrict those liberties must be justified by clear public
interest, threatened not doubtfully or remotely, but by clear and present danger. [...]. Only the gravest abuses,
endangering paramount interests, give occasion for permissible limitation. It is therefore in our tradition to
allow the widest room for discussion, the narrowest range for its restriction [...]”.
42
SCHREIBER, Simone. Liberdade de expressão: justificativa teórica e a doutrina da posição preferencial no
ordenamento jurídico. In: BARROSO, Luís Roberto (Ed.). A reconstrução democrática do direito público no Brasil.
São Paulo: Renovar, 2007. p. 236-237.
43
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão.
Marco jurídico interamericano sobre el derecho a la libertad de expresión, 30 dez. 2009.
44
Por todos, veja-se: BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão versus direitos da personalidade. Colisão
de direitos fundamentais e critérios de ponderação. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005. t. III; FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. A honra, a intimidade, a vida
privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2008; SCHREIBER, Simone. Liberdade de expressão: justificativa teórica e a doutrina da posição preferencial no
ordenamento jurídico. In: BARROSO, Luís Roberto (Ed.). A reconstrução democrática do direito público no Brasil.
São Paulo: Renovar, 2007; e CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima
facie (análise crítica e proposta de revisão do padrão jurisprudencial brasileiro). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
45
V. ARE nº 719.618. Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 7.11.2012; Rcl nº 18.687 MC. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j.
27.9.2014; RE nº 685.493. Rel. Min. Marco Aurélio; j. 20.11.2014; Pet. nº 3.486. Rel. Min. Celso de Mello, j. 22.8.2005.
46
STF. ADPF nº 130. Rel. Min. Carlos Britto, j. 30.4.2009.
47
STF. ADPF nº 187. Rel. Min. Celso de Mello, j. 15.6.2011.
48
STF. ADI nº 4.815. Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10.6.2015.
49
Veja-se, a propósito, SARMENTO, Daniel. Liberdades comunicativas e “direito ao esquecimento” na ordem constitucional
brasileira. Parecer. Disponível em: <www.migalhas.com.br/arquivos/2015/2/art20150213-09.pdf>. Acesso em: 20
jul. 2015.
50
CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima facie (análise crítica e
proposta de revisão do padrão jurisprudencial brasileiro). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
51
CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito fundamental preferencial prima facie (análise crítica e
proposta de revisão do padrão jurisprudencial brasileiro). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
52
A respeito, cf. Colômbia, Corte Constitucional, Sentença T-391/07, de 22.5.2007 e outras que serviram de fun-
damento para a sistematização dos parâmetros: C-010 de 2000, C-650 de 2003, SU-1721 de 2000, SU-1723 de
2000, SU-056 de 1995, T-104 de 1996, T-505 de 2000, T-637 de 2001, T-235A de 2002, T-1319 de 2001. O Tribunal
Constitucional colombiano, na Sentença T-391/07, extraiu da posição preferencial da liberdade de expressão
quatro presunções, três ônus e uma exigência de margem de tolerância dos poderes públicos, na avaliação dos
riscos sociais decorrentes do exercício desta liberdade. Em síntese, ela estabelece as presunções de (i) inclusão
prima facie de todas as manifestações no âmbito deste direito; (ii) primazia da liberdade de expressão, em casos
de colisão com outros princípios; (iii) inconstitucionalidade das medidas restritivas desta liberdade; (iv) vedação
à censura.
53
Tais consequências foram reconhecidas no voto proferido pelo Min. Luís Roberto Barroso na ADI nº 4.815 (Rel.
Min. Cármen Lúcia, j. 10.6.2015).
54
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.
55
MARTEL, Letícia de Campos Velho. Hierarquização de direitos fundamentais: a doutrina da posição preferencial
na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana. Revista Sequência, n. 48, jul. 2004. p. 100.
responsabilização civil e (como ultima ratio) até a responsabilização penal – este remédio
criminal deve, em regra, estar proscrito no caso de discursos especialmente protegidos,
como aqueles relativos a temas político-eleitorais e a candidatos, políticos e funcionários
públicos em geral. Apenas em casos extremos, excepcionalíssimos e quase teóricos é
que se poderia cogitar de restrições prévias e censura.
A terceira e última consequência se refere à suspeição de todas as medidas legislativas,
administrativas, judiciais e privadas que limitem a liberdade de expressão. Tal presunção
submete as restrições à liberdade de expressão a um controle mais rigoroso, no qual
se proceda a uma espécie de inversão – ou, no mínimo, mitigação – da presunção de
constitucionalidade das normas restritivas e se atribua um ônus argumentativo espe
cialmente elevado para que se possa justificá-las. Nesse particular, a posição preferencial
permite que o Poder Judiciário adote uma postura mais ativa para proteger o livre fluxo
de ideias e informações, sobretudo quando expressarem pontos de vista minoritários e
críticas ao governo, aos ocupantes de cargos públicos e aos candidatos a esses cargos.
56
Corte IDH, La Colegiación Obligatoria de Periodistas. Opinión Consultiva OC-5/85, j. 13.11.1985.
57
CIDH. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Una agenda hemisférica para la defensa de la libertad de
expresión, 2010. Disponível em: <http://www.oas.org/es/cidh/expresion/docs/cd/sistema_ interamericano_de_
derechos_humanos/index_AHDLE.html>. Acesso em: 20 jul. 2015.
58
Cf. STONE, Adrienne. The comparative constitutional law of freedom of expression. In: SAJÓ, András;
ROSENFELD, Michel (Ed.). The Oxford Handbook of Comparative Constitutional Law. Oxford: Oxford University
Press, 2012.
59
V. BARENDT, Eric. Freedom of speech. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 79.
60
BARENDT, Eric. Freedom of speech. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 155-156.
61
Conselho da Europa, Declaração sobre a Liberdade de Debate Político na Mídia, adotada pelo Conselho de
Ministros, em 12.2.2004.
62
FISS, Owen M. A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera pública. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000; SUNSTEIN, Cass R. Democracy and the problem of free speech. New York: The Free Press, 1993.
A tutela mais robusta dos discursos sobre temas de interesse público e sobre os
agentes estatais, ainda que sejam ofensivos, contenham incorreções e eventualmente
causem danos a alguma reputação, representa uma garantia institucional da democra
cia, encorajando, e não reprimindo, a deliberação. Afinal, os regimes democráticos são
justamente aqueles em que os cidadãos encontram condições para discutir e questionar
as decisões capazes de afetar a sua vida, bem como os agentes que sejam responsáveis
por tomá-las.63
Apesar do reconhecimento desse vasto conteúdo e de sua posição preferencial, a
liberdade de expressão, como qualquer outro direito fundamental, submete-se a limites
que decorrem da necessidade de harmonizá-la, em caso de conflito, com outros valores e
direitos constitucionalmente tutelados. Muito embora o texto da Constituição de 1988 não
traga um elenco de hipóteses de restrição, reconhece-se que a validade constitucional de
qualquer limitação estará condicionada à observância de determinados limites formais e
materiais, denominados pela doutrina de “limites dos limites” e, no direito internacional,
de “teste tripartite”.64 Entre eles, é possível destacar: (i) o respeito ao princípio da reserva
legal, (ii) o princípio da legitimidade, e (iii) a observância do princípio da proporcionalidade.
Em primeiro lugar, as restrições à liberdade de expressão submetem-se à reserva
de lei formal, exigindo-se aprovação pelo Poder Legislativo competente. Diante da
gravidade da decisão de restringir esse direito fundamental, somente os representantes
eleitos poderão tomá-la, em atenção ao princípio democrático.65 Além disso, a restrição
deve estar prevista de forma clara, geral, taxativa e não retroativa na lei, como uma
exigência do Estado de Direito. Normas excessivamente vagas, ambíguas e abertas
prejudicam a segurança jurídica e podem violar a liberdade de expressão, sobretudo
quando conferirem a autoridades uma margem muito larga de atuação discricionária
para impor a censura prévia ou sanções desproporcionais àqueles que se expressam.66
Em segundo lugar, tais restrições devem ter como objetivo a tutela de objetivos
constitucionalmente legítimos. Em outras palavras, devem estar direcionadas a proteger
outros interesses e valores, que, por sua importância na ordem constitucional, possam
vir a justificar a limitação da liberdade de expressão.
Em terceiro lugar, as medidas restritivas devem observar o princípio da proporcio
nalidade em sua tríplice dimensão. Devem ser adequadas ao cumprimento das finalidades
que as fundamentam, o que engloba analisar se os objetivos constitucionais invocados
são realmente protegidos pela medida. Devem ser necessárias à promoção dessas
finalidades, de modo que inexistam outras medidas igualmente idôneas a tais fins que
sejam menos gravosas. Devem, por fim, ser proporcionais em sentido estrito, de modo
que, em um processo ponderativo, verifique-se que tais medidas restritivas produzem
maiores benefícios para os bens jurídicos tutelados em relação aos custos decorrentes
da restrição da liberdade de expressão.
63
V. CIDH. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Una Agenda Hemisférica para la Defensa de la Libertad
de Expresión, 25 fev. 2009.
64
A respeito, cf.: SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia.
São Paulo: Malheiros, 2009; PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006.
65
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
66
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão.
Marco jurídico interamericano sobre el derecho a la libertad de expresión, 30 dez. 2009. p. 23-24.
67
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão.
Marco jurídico interamericano sobre el derecho a la libertad de expresión, 30 dez. 2009.
68
DAHL, Robert A. On political equality. New Haven: Yale University Press, 2006. p. 4.
69
STILL, Jonathan W. Political equality and election systems. Ethics, v. 91, n. 3, p. 375-394, 1991.
70
SÁNCHEZ MUÑOZ, Oscar. La igualdad de oportunidades en las competiciones electorales. Madrid: Centro de
Estudios Políticos y Constitucionales, 2007.
71
RIBEIRO, Fávila. O direito eleitoral e a soberania popular. Themis, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 297-321, 2000.
72
SALGADO, Eneida Desirée. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010,
73
As três espécies são enumeradas por Joel José Cândido (Direito eleitoral brasileiro. 15. ed. São Paulo: Edipro, 2012.
p. 177). Já José Jairo Gomes, além de desenvolver tais espécies de propagada, adiciona a publicidade institucional
como uma quarta espécie de propaganda política (Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 387 e ss.).
da liberdade de expressão. Infelizmente, essa tarefa não cabe no escopo deste artigo.74
No entanto, vale indicar alguns exemplos de limitações ilegítimas à liberdade de ex
pressão no direito eleitoral brasileiro e analisar, em seguida, um desses casos de forma
mais detida: a vedação à propaganda antecipada.
Um primeiro exemplo é a vedação peremptória a quaisquer propagandas ofen
sivas à honra e manifestações capazes de degradar, ridicularizar, caluniar, difamar
ou injuriar candidatos (art. 53, §1º, LE e art. 243, IX, CE). Tal proibição de propaganda
negativa transforma a Justiça Eleitoral em um moderador do conteúdo, do padrão
de civilidade e do tom do debate político-eleitoral, podendo definir, a partir de uma
avaliação subjetiva e casuística, quais críticas – emitidas por candidatos, veículos de
comunicação e cidadãos – são aceitáveis e quais “desbordam dos limites da liberdade
de expressão”, causando danos aos direitos da personalidade dos candidatos. Trata-se,
assim, de uma inconstitucional restrição à liberdade de expressão. Ao contrário do que
dispõem as normas em vigor, a propaganda negativa – mesmo que degrade, ridicularize
ou seja ofensiva à honra de candidato – não pode configurar, por si, uma propaganda
irregular e vedada. De um lado, quanto ao seu conteúdo, a irregularidade da propaganda
negativa somente pode ser reconhecida em casos graves, extremos e excepcionais, em que
esteja em jogo, de fato, um dano injusto e ilegítimo à reputação – jamais o incômodo ou
aborrecimento causado pela crítica. Isso ocorreria, por exemplo, em caso de divulgação
de informações falsas ou de discursos racistas e de ódio com o deliberado intuito de
prejudicar um candidato. De outro lado, quanto ao seu emissor, as críticas emitidas por
candidatos, partidos e veículos de comunicação em geral devem poder ser qualificadas
como propaganda negativa irregular, mas não aquelas emitidas por eleitores, sem
ligação direta com candidatos de fato. Deve-se, portanto, conferir interpretação conforme
a Constituição aos arts. 243, X, 324, 325, 326 do Código Eleitoral, bem como dos arts.
53, §§1º e 2º, e 58 da Lei nº 9.504/1997, impondo-se que a qualificação da propaganda
negativa como irregular pressuponha um processo ponderativo que considere a posição
preferencial da liberdade de expressão e a especial proteção conferida aos discursos
que digam respeito a temas político-eleitorais e a candidatos, políticos e funcionários
públicos em geral.
Um segundo exemplo de norma restritiva à liberdade de expressão é o art. 242
do Código Eleitoral, editado em plena ditadura militar, que dispõe que a propaganda
não deverá “empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião
pública, estados mentais, emocionais ou passionais”. O dispositivo do Código Eleitoral
parece, porém, ignorar que buscar criar estados mentais, emocionais ou passionais é
da própria essência da propaganda. Tentativas de excluir as emoções da política são
impraticáveis. Desse modo, uma interpretação literal do art. 242 levaria à proibição de
toda e qualquer propaganda eleitoral. Assim, este dispositivo deve ser considerado como
não recepcionado pela nova ordem constitucional. Em todos os seus sentidos possíveis,
o art. 242 não é capaz de promover nenhum interesse constitucional relevante: não
protege a igualdade política entre cidadãos, a paridade de armas entre candidatos, a
legitimidade do processo eleitoral ou a liberdade de expressão, servindo, ao contrário,
à censura e ao silenciamento de críticas políticas durante o processo eleitoral.
74
Para releitura mais ampla da legislação eleitoral à luz da liberdade de expressão, confira-se: OSORIO, Aline.
Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
75
LE, art. 36, §3º: “A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e,
quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais)
a R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior”.
76
A minirreforma eleitoral de 2015 alterou a redação do art. 240 do Código Eleitoral, que passou a prever que
“A propaganda de candidatos a cargos eletivos somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição”.
77
ROLLO, Alberto. Princípios de direito eleitoral: pars conditio e segurança jurídica. In: ROLLO, Alberto et al.
Propaganda eleitoral: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 31-43.
78
NEVES FILHO, Carlos. Propaganda eleitoral e o princípio da liberdade da propaganda política. Belo Horizonte: Fórum,
2012. p. 54.
79
Cf. CANDIDATO é multado por propaganda antecipada no Orkut. Revista Consultor Jurídico, 2 jun. 2008.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-jun-02/candidato_multado_propaganda_antecipada_orkut>.
Acesso em: 20 jul. 2015.
80
Sobre o tema, cf. TELLES, Olivia Raposo da Silva. Direito eleitoral comparado: Brasil, Estados Unidos, França. São
Paulo: Saraiva, 2009; LEVY, Richard E. Defining express advocacy for purposes of campaign finance reporting
and disclosure laws. Kansas Journal of Law & Public Policy, v. 8, n. p. 90, 1999.
3.4 Conclusão
O presente artigo buscou lançar um novo olhar para o princípio da liberdade
de expressão no direito eleitoral, a partir da identificação dos seus conteúdos, de sua
interação com os demais princípios em jogo no direito eleitoral e de limitações indevidas
presentes na legislação eleitoral. Ao final da leitura, espero ter conseguido ao menos
demonstrar a importância de se levar a liberdade de expressão a sério no processo
eleitoral e as consequências negativas que advêm de sua excessiva restrição. Fato é que
a democracia pouco ou nada significaria sem a garantia básica das liberdades comuni
cativas, sem a possibilidade de discutir e criticar livremente assuntos de interesse público,
as decisões políticas, o governo e os governantes. É preciso, portanto, apostar no debate
público e na participação ampla da cidadania e dos demais atores no processo eleitoral
como caminho para superar nossa persistente cultura censória e o atual descrédito do
sistema representativo no país.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
OSORIO, Aline. O princípio da liberdade de expressão no direito eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA,
Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito
Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 377-401. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.)
ISBN 978-85-450-0496-7.
1
Acerca da transição paradigmática mencionada cf. Santos (1990).
Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Os princípios são, por conseguinte,
mandamentos de optimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus
variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das
possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. (ALEXY, 2012, p. 90)
Nesse sentido, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie. Da
relevância de um princípio em um determinado caso não decorre que o resultado seja
aquilo que o princípio exige para esse caso. Princípios representam razões que podem
ser afastadas por razões antagônicas. A forma pela qual deve ser determinada a relação
entre razão e a contrarrazão não é algo determinado pelo próprio princípio. Os princípios,
portanto, não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e
das possibilidades fáticas.
A presença da moral sempre se fará sentir na regra de direito, quer seja quando toma a
própria forma desta, ou mesmo quando forneça o colorido da realidade social que haverá
de ser regida pela norma de conduta, permitindo a sua integração e a consecução do tão
sonhado ideal de justiça. Em que pese inexistir uma superposição total entre a regra de
direito e a regra moral, em essência, não há uma diferença de domínio, de natureza e de
fim entre elas; nem pode existir, porque o direito deve realizar a justiça, e a ideia de justo
é uma ideia moral.
Esta intuição não é de todo falsa, pois uma ordem jurídica só pode ser legítima, quando
não contrariar princípios morais. Através dos componentes de legitimidade da validade
jurídica, o direito adquire uma relação com a moral. Entretanto, essa relação não deve
levar-nos a subordinar o direito à moral, no sentido de uma hierarquia de norma. A ideia
de que existe uma hierarquia de leis faz parte do mundo pré-moderno do direito. A moral
autônoma e o direito positivo, que depende de fundamentação, encontram-se numa relação
de complementação recíproca.
2
A previsão do princípio decorre do texto constitucional, desde a previsão originária do constituinte, cuja redação
normativa, hoje com os termos definidos pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, contém o seguinte teor:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência [...]” (CF/88) (grifos nossos).
3
O texto originário da norma contida no art. 14, §9º, trazia a seguinte redação: “Art. 14. [...] §9º Lei complementar
estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e
legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou
emprego na administração direta ou indireta”.
4
Publicada no Diário de Justiça de 28, 29 e 30.10.1996.
5
Decisões que serviram de referências para o Tribunal Superior Eleitoral: Ac.-TSE, de 6.8.1994, no RO nº 12.107;
Ac.-TSE, de 6.8.1994, no RO nº 12.081; Ac.-TSE, de 4.8.1994, no RO nº 12.082.
6
STF, Plenário. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 144. Rel. Min. Celso de Mello,
j. 6.8.2008. Informativo, n. 514.
7
Art. 1º, I, Lei Complementar nº 64/90: “d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente
pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político,
para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem 3 (três) anos
seguintes; e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime
contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro,
pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena;
[...]”.
no mais das vezes, a realidade que se apresenta é a de que o conteúdo das normas
publicadas representa a vontade de um segmento da sociedade, como a de um grupo
político ou econômico, por exemplo, e não a daqueles que compõem o núcleo majoritário
do contexto social, sobre quem incidirão, de fato, as deliberações definidas pelo legislador
como políticas públicas.
Dessa forma, as decisões proferidas pelos juízes constitucionais são, na verdade,
medidas de defesa dos anseios e aspirações públicas, reconhecidos pelo constituinte
originário como legítimos condutores da normatização do texto constitucional, os
quais podem ser desrespeitados durante o exercício das funções políticas – legislativa
e executiva –, quando os representantes populares se aliam em prol da defesa dos inte
resses de determinada casta, preterindo os que deveriam ser objeto de sua defesa: os
interesses sociais.
Critérios, então, devem ser observados para que se evite a partidarização e a seg
mentação nas decisões da justiça constitucional, e parece-nos inegável que, para além
da deferência judicial em relação à produção legislativa (FERRERES COMELLA, 1997,
p. 160), existem limites que devem ser observados no exercício da função judicante,
acompanhando o entendimento de Dworkin (2011, p. 282), que identifica as distintas
naturezas das matérias objeto de apreciação judicial: se sensíveis ou insensíveis à escolha
– interferência – judicial.
No que atine ao objeto da apreciação pelo Supremo Tribunal Federal em sede da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 144, a justiça constitucional
brasileira deparou-se com matéria sensível à sua escolha (DWORKIN, 2011, p. 282),
considerando que o questionamento acerca da (não) recepção de algumas normas
contidas na Lei Complementar nº 64/90 situou-se no âmbito da discussão da presunção
da inocência, como princípio norteador e estruturante do Estado Democrático de Direito
brasileiro, assim concebido desde a Constituição Federal de 1988.
A despeito de ter sido reconhecida como compatível ao texto constitucional pelos
ministros do Supremo Tribunal Federal, a LC nº 64/90 foi substancialmente modificada
pela LC nº 135/2010,8 introduzida no ordenamento jurídico sob o manto do discurso da
moralização da política no nosso país, e num (des)compasso normativo previu vários
casos de inelegibilidades decorrentes de decisões judiciais não transitadas em julgado.
Assim, a lei conhecida como “Ficha Limpa” definiu distintas situações que seriam
alcançadas pela inelegibilidade de 8 (oito) anos em virtude de condenação proferida em
segunda instância, não transitada em julgado.
Sob outra perspectiva: apesar de autorizado pelo constituinte revisional, para
atender ao imperativo de moralizar a política, o legislador infraconstitucional previu
taxativamente em normas-regras situações restritivas dos direitos políticos fundamentais,
transgredindo uma norma-princípio constitucional norteadora do plexo normativo
estruturante do ordenamento jurídico pátrio, que é a presunção da inocência.
Princípio transgredido, sistema fissurado! Situação ideal para a justiça constitu
cional entrar em ação...
8
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 633.703, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o Supremo
Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, afastar a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 da disputa
eleitoral de 2010, a teor do que determina o art. 16 da Constituição Federal, ao prever que: “A lei que alterar o
processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano
da data de sua vigência”.
9
STF, Plenário. Ações declaratórias de constitucionalidade nºs 29 e 30 e Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 4.578. Rel. Min. Luiz Fux, j. conjunto 16.2.2012. DJe, n. 127, 29 jun. 2012.
10
STF, Plenário. Ações declaratórias de constitucionalidade nºs 29 e 30 e Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 4.578. Rel. Min. Luiz Fux, j. conjunto 16.2.2012. DJe, n. 127, 29 jun. 2012. p. 14.
11
Excertos retirados do voto do Ministro Relator Luiz Fux (STF, Plenário. Ações declaratórias de constitucionalidade
nºs 29 e 30 e Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578. Rel. Min. Luiz Fux, j. conjunto 16.2.2012. DJe, n. 127,
29 jun. 2012. p. 7-15).
norma com carga axiológica, numa regra em conflito com as inelegibilidades previstas
nos diplomas infraconstitucionais, fissurando o sistema democrático-constitucional.
Referências
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2015. Coleção Teoria e Direito Público.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
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ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10 nov. 2017.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2016.
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DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
FERRERES COMELLA, Victor. Justicia constitucional y democracia. Madri: Centro de Estudios Politicos y
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ano 39, n. 155, jul./set. 2002.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia – Entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler.
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KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. 1. ed. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2000.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martin Fontes, 2000.
LÓPEZ GUERRA, Luiz. Las sentencias básicas del Tribunal Constitucional. Madri: Centro de Estudios Políticos
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SANTOS, Boaventura Sousa. O Estado e o direito na transição pós-moderna: para um novo senso comum
sobre Poder e Direito. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 30, jun. 1990. Disponível em: <http://www.
boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Estado_Direito_Transicao_Pos-Moderna_RCCS30.PDF>. Acesso
em: 12 nov. 2017.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
FREITAS, Juliana Rodrigues; CARVALHO, Paulo Victor Azevedo. A presunção da inocência como vetor
da (i)moralidade na política: de princípio à regra, no abismo que separa o dever ser do ser. In: FUX, Luiz;
PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo
(Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 403-414. (Tratado de Direito Eleitoral,
v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
Devem ser vistas, por isso, com preocupação as tendências da legislação eleitoral
brasileira em restringir sempre e cada vez mais os meios de propaganda eleitoral,
pois tolhem do eleitorado a condição de bem eleger, favorecendo a continuidade no
mandato daqueles que, por já terem mandato, gozam de mídia natural e, sendo assim
mais presentes na memória popular, alcançam de um modo muito mais fácil um novo
mandato. Favorecem o continuísmo político e dificultam a renovação.
Na mesma cadência em que o interesse público ganha variadas nuances e assume
um grau de complexidade cada vez maior, passa a ter importância a reunião de cidadãos
que comungam dos mesmos objetivos na vida em sociedade e assim se direcionam de
forma absolutamente natural à formação de grupos voltados à defesa e à realização
desses objetivos.
Nasceram assim facções, impulsionadas pelo vigor na defesa do interesse do
grupo de seus integrantes, agindo de forma nem sempre legítima.
Essa partição do interesse coletivo e da própria coletividade recebe com o passar
do tempo traços institucionalizantes. As facções se organizam, ganham estrutura e
disciplina, fazendo surgir os partidos políticos.
Os grupos políticos, é evidente, são manifestações espontâneas da sociedade
civil, e assim devem ser tutelados para que permaneça hígida a participação cidadã na
gestão do Estado.
Há que se evitar a todo custo a tendência sempre presente de fagocitação dos
partidos políticos pelo Estado, pois embora sejam instituições fundamentais às demo
cracias contemporâneas, são próximos mas não devem ser incluídos na estrutura estatal,
pois se forem transformados em engrenagens dessa estrutura perderão a autonomia
que lhes permite de forma aberta a definição de seus propósitos e meios de atuação,
esvaziando a função maior que lhes é reservada no ambiente democrático: o patrocínio
das diferenças.
As diferenças podem ser incômodas, mas são essenciais ao ambiente democrático,
afinal a democracia é o regime de convivência organizada das diferenças.
Chega-se assim diretamente ao cerne das mazelas próprias de todo regime
democrático articulado em partidos políticos, pois a democracia pede a aceitação da
diferença, o respeito à opinião distinta, livremente formada e expressada, devendo
reservar o mesmo espaço a cada postura distinta, para que fique aberta a possibilidade
de confronto dialético capaz de encontrar, não a verdade nem a certeza, mas o consenso,
pois “la maniére dont l’AUTRE est construit exige le recours à quelques fondementes
de l’interdiscursivité”.1
As verdades são muito mais perigosas para a democracia do que as incertezas,
pois esta se torna “impossível se um ator se identifica com a racionalidade universal e
reduz os outros à defesa de sua identidade particular”, como sublinha Alain Tourraine.2
1
ROSSI, Adeloir. “Démocrates” électoralistes et le sommeil du Leviathan: en exercice d’analyse du discours politique.
Curitiba: HD Livros, 1995. p. 28.
2
TOURAINE, Alain. Que es la democracia? Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica de Argentina, 1995. p. 201.
No mesmo sentido segue ainda Kelsen, para quem: “A democracia julga da mesma maneira a vontade política
de cada um, assim como respeita igualmente cada credo político, cada opinião política cuja expressão, aliás, é
a vontade política. Por isso a democracia dá a cada convicção política a mesma possibilidade de exprimir-se
e de buscar conquistar o ânimo dos homens através da livre concorrência. Por isso, o procedimento dialético
adotado pela assembléia popular ou pelo parlamento na criação das normas, procedimento esse que se
A democracia, no que lhe é mais característico, pode ser definida como o exercício
dialético da busca do consenso, sendo claro que “Nenhum homem honesto está auto
rizado a supor que uma diretriz seja melhor do que outra; tudo o que pode dizer é que
acredita que uma é melhor”,3 como afirma Sir Ivor Jennings.
A eliminação das diferenças de propósitos (programas) e o atrofiamento da
possibilidade de disputa democrática, e até mesmo de oposição governamental, eliminam
na raiz o que a democracia tem de mais saudável.
Embora o instituto do mandato tenha se destacado como elemento fulcral da
democracia, sua concepção originada na modernidade não pressupôs a existência de
partidos políticos.
Ao revés, a defesa de interesses de classe, a ser individualmente desempenhada
pelos titulares dos mandatos, longe estava de cumprir o papel reservado ao mandato.
A democracia contraindicava as facções.
Contudo, a democracia representativa não teria condições de evoluir organiza
damente, mormente a partir da universalização do sufrágio, sem contar com os partidos
políticos, que passam a desempenhar a função de intermediação na relação eleitor-eleito.4
Esta então biparte-se na relação eleitor-partido (apresentando ao eleitor o elenco dos
elegíveis e recepcionando a vontade manifestada pelo eleitor) e na relação partido-eleito
(o partido enforma as pretensões dos eleitores, comunicando-as aos eleitos segundo
sua linha de atuação). Os partidos compartimentalizaram – daí o nome “partido” –5 a
vontade da nação, expressando-a pelas vias institucionais perante o Estado.
Como observa Norberto Bobbio, os partidos têm permitido “multiplicar a quan
tidade dos eleitores sem que seja necessário multiplicar proporcionalmente o número
dos eleitos”,5 simplificando o sistema de representação.
Ao simplificá-lo também o alterou, na medida em que perdeu espaço o rígido
policiamento da base eleitoral sobre o titular de um mandato imperativo, pois o controle
sobre o exercício do mandato foi transladado para o partido, ao qual se reconhece
competência punitiva, que é manifestada ao sabor das conveniências da política
intrapartidária, o que faz com que a democracia das massas não mais seja autenticamente
desenvolve através de discursos e réplicas foi oportunamente reconhecido como democrático. O domínio da
maioria, característico da democracia, distingue-se de qualquer outro tipo de domicílio não só porque, segundo
a sua ausência mais íntima, pressupõe por definição uma oposição – a minoria – mas também porque reconhece
politicamente tal oposição e a protege com os direitos e liberdades fundamentais. Mas, quanto mais forte for a
minoria, mais a política da democracia se tornará uma política de compromisso, assim como nada caracteriza
melhor a filosofia relativista do que a sua tendência à conciliação entre dois pontos de vista opostos que tal
filosofia não pode aceitar inteiramente e sem reservas nem negar de modo absoluto. A relatividade do valor,
proclamada por determinada confissão política, a impossibilidade de reivindicar um valor absoluto para um
programa político, para um ideal político – por mais que estejamos dispostos ao sacrifício para nosso triunfo e
pessoalmente convictos dele – obriga imperiosamente a rejeitar o absolutismo político, quer se trate de uma casta
de sacerdotes, de nobres ou de guerreiros, quer se trate de uma classe ou de um grupo privilegiado qualquer.
Todo aquele que, na vontade e na ação políticas, puder invocar uma inspiração divina, uma luz supranatural,
também poderá ter o direito de ficar surdo à voz dos homens e fazer prevalecer a própria vontade como vontade
do bem absoluto, mesmo contra um mundo de adversários incrédulos e cegos. Por esse motivo, a palavra de
ordem de ordem da monarquia cristã por graça divina podia ser ‘autoridade’ mas não ‘maioria’, palavra de
ordem esta que se tornou a meta daqueles que defendem a liberdade intelectual, a ciência liberta das crenças
em dogmas e milagres, fundada na razão humana e na dúvida da crítica, e que, politicamente, defendem a
democracia” (KELSEN, Hans. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 105).
3
JENNINGS, Sir Ivor. A constituição britânica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981. p. 23.
4
AMORTH, Antonio et al. I partiti politici nello stato democratico. Roma: Studim, 1959. p. 5.
5
BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 45.
“a ‘cracia’ (sic) das massas, mas a ‘cracia’ dos grupos mais ou menos organizados em que
a massa, devido à sua natureza informe, se articula, e ao articular-se expressa interesses
particulares”.6
Muito já se tentou, a partir da modernidade, governar sem partidos. O contato
direto dos governantes com a massa através dos meios de comunicação permitiu dis
pensar organismos políticos intermediários; a expressão das opiniões, bem como a
formação do escol, resultaria da vida normal dos organismos corporativos profissionais,
culturais ou morais, assim como da prática da Administração Pública, nomeadamente
da administração local.
O regime sem partidos não excluiria a formação de correntes de opinião e a sua
expressão através do sufrágio, o que ocorreria apenas mediante um corporativismo
integral (apreensível idealmente), no qual seria possível evitar a organização de
associações de âmbito nacional, pelo menos ocasionais, para apoio de candidatos às
funções políticas.
Os partidos políticos surgem na história como consequência natural da frag
mentação de interesses no seio de uma sociedade democrática. Neste corporativismo
democrático encontra-se o gérmen da fenomenologia partidária, de modo que os partidos
“constituem o instrumento principal pelo qual se realiza a democracia”.7
Mas um partido político não se define apenas a partir da reunião de certo número
de indivíduos que comungam do mesmo ideário,8 ou que têm os mesmos objetivos,
conceituando-se principalmente como instrumento de exercício da participação política
da contemporaneidade.9
Demonstra Daniel-Louis Seiler:
6
BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 292-293.
7
CASSESE, Sabino; PEREZ, Rita. Manuale di diritto pubblico. Roma: La Nuova Italia Scientifica, 1995. p. 169.
8
E nessa linha os definem Edmund Burke, como “um conjunto organizado de homens unidos para trabalhar em
comum pelo interesse nacional, conforme o princípio particular com o qual se puseram em acordo” (GANZIN,
Michel. La pensee politique d’Edmund Burke. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1972. p. 67).
No mesmo sentido, Benjamin Constant: “Uma reunião de homens que professam a mesma doutrina política”
(CONSTANT, Benjamin. Mémoires sur les cent jours en forme de lettres. Paris: Chez Béchet Fils Librairie, 1820. p. 82).
9
Seguindo a senda, assim os conceituam Hans Kelsen, para quem “os partidos são formações que agrupam
homens de mesma opinião para lhes garantir uma influência verdadeira sobre a gestão dos negócios políticos”
(KELSEN, Hans. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 146). Conferir também Raymond Aron:
“os partidos políticos são agrupamentos voluntários que pretendem, em nome de uma certa concepção de
interesse comum e de sociedade, assumir, sozinhos ou em coalizão as funções do governo” (ARON, Raymond.
Estudos políticos. 2. ed. Brasília: Edunb, 1985. p. 357).
10
SEILER, op. cit., p. 10.
11
Como assinala Samuel E. Finer, esta é a razão da permanência de um sistema prevalentemente bipartidário,
seja na Inglaterra, seja nos Estados Unidos: “primeiro, como o sistema britânico, o sistema americano é também
bipartidário. Existem ‘terceiros’ partdos, como por exemplo, o partido Liberal Americano e o Partido Socialista
Americano, mas atualmente eles não têm grande importância. E no passado, quando surgiu um terceiro partido
como disputante potencialmente importante, como foi o caso dos populistas em 1892, foi ele rapidamente
absorvido por um ou outro dos partidos tradicionais – os democratas absorveram os populistas em 1896 ao
indicar Bryan pra a presidência, operando uma guinada para a esquerda. A razão da permanência de um padrão
bipartidário é principalmente o resultado de dois fatores, um sociológico e outro relativo à mecânica eleitoral.
Quando ao primeiro, cerca de três quartos dos americanos votam segundo a tradição histórica local no que respeita
às eleições locais, estaduais e para o Congresso (mas não, ultimamente, quanto à presidência da república) essa
tendência é mais marcante nos onze estados do Sul, que formavam a antiga Confederação. Ali, a tradição é ‘vota
como fizeste a guerra’, isto é, no partido Democrata. Outras áreas eleitorais tradicionais, juntamente com hábitos
eleitorais tradicionais, são republicanas empedernidas, por motivos históricos semelhantes” (FINER, Samuel
E. Governo comparado. Brasília: Edunb, 1981. p. 209).
12
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 357.
13
SEILER, op. cit., p. 12.
14
Pais-fundadores, numa tradução forçadamente literal para atender à necessidade de aludir em conjunto os
primeiros grandes teóricos dos partidos políticos.
15
DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 277.
16
SEILER, op. cit., p. 13.
17
DUVERGER, Maurice. Les partis politiques. Paris: Librairie Armand Colin, 1951. p. 30.
de uma síntese de tudo que se pode saber sobre o fenômeno partidário nos anos de 1.950. Se
as informações, de caráter fatual, que ele dá sobre os partidos envelheceram, dois elementos,
em compensação permanecem intangíveis. Um sustenta-se na apresentação de uma teoria
da origem e multiplicação dos partidos, em análise operada através de uma abordagem
institucionalista. Relaciona o fenômeno partidário com a dinâmica das instituições e ainda
fornece material para muitos trabalhos. O outro reside na edificação de uma tipologia dos
partidos baseado na natureza de sua organização.18
[...] tem de reconhecer-se que a ambição de ocupar o poder é uma característica essencial
do político. A prática freqüente de negar isso, e de atribuir a característica aos adversários
como um ferrete, é provavelmente a manifestação de uma tendência secular dos regimes
anteriores à revolução, para reclamar uma legitimidade carismática que é negada aos
concorrentes.20
18
SEILER, op. cit., p. 13.
19
BERL, Emmanuel. La politique et les partis. Paris: Édtions Rieder, 1932. p. 87.
20
MOREIRA, Adriano. Ciência política. Coimbra: Almedina, 1992. p. 171.
21
Este altruísmo e este egoísmo, no sentido em que emprego tais termos, são ricamente explicados pelo texto do
Abade Sieyés, quando assevera: “Assinalemos no coração dos homens três espécies de interesses: 1º) aquele pelo
qual os cidadãos se reúnem: apresenta a medida exata do interesse comum; 2º) aquele pelo qual um indivíduo se
liga somente a alguns outros: é o interesse do corpo; e, finalmente, 3º) aquele em que cada um se isola pensando
unicamente em si: é o interesse pessoal. O interesse pelo qual um homem concorda com todos os seus associados
é evidentemente o objeto da vontade de todo e o da assembléia comum. Ali, a influência do interesse pessoal deve
ser nula. E é isso também o que acontece; sua diversidade é seu verdadeiro remédio. A grande dificuldade vem
do interesse pelo qual um cidadão está ligado somente com alguns outros. Daí se originam projetos perigosos
para a comunidade e se formam os inimigos públicos mais temíveis. A histórica está cheia dessa triste verdade”
(SIEYÉS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa: o que é o terceiro estado. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1997. p. 116). Sendo de se perceber que na primeira hipótese há a enunciação do conteúdo do que foi referido
como egoísmo, e os dois seguintes como altruísmo.
22
JENNINGS, Sir Ivor. A constituição britânica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981. p. 26.
23
STUART-MILL, op. cit., p. 66.
24
MOREIRA, Adriano. Ciência política. Coimbra: Almedina, 1992. p. 172.
25
JENNINGS, Sir Ivor. A constituição britânica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981. p. 60.
outros partidos, assim como muitos políticos autônomos, são, sobretudo, orientados pelo
sentido do poder. Seus propósitos, professados sob a forma de afirmações e de plataformas
políticas, diferem freqüentemente daqueles que na realidade possuem. Pouco importa a
estes partidos que leis e que políticas são aprovadas, desde que sejam eles a implementá-las.
Se um indivíduo politicamente orientado, antes de pensar em ser presidente, tencionasse
ser justo, o seu partido orientado pelo sentido do poder teria de mudar muitos de seus
programas políticos, e até, discretamente, os seus princípios, a fim de poder conseguir a
eleição ou permanecer no poder.26
26
DEUTSCH, Karl. Política e governo. 2. ed. Brasília: Edunb, 1988. p. 88.
27
SEILER, op. cit., p. 37.
28
Inegavelmente, há certa semelhança entre esta função de intermediação com aquela desempenhada pelo
Parlamento, na definição dos corpos intermediários do Barão de Montesquieu.
29
Nesse sentido, Daniel-Louis Seiler é categórico: “nenhuma democracia funciona sem partidos políticos.
Não existe no mundo de hoje nenhuma democracia representativa que não se funde na competição entre os
partidos. A experiência de democracia direta, tal qual a Suíça conhece, não reduziu os partidos que souberam
tirar proveito das ocasiões de mobilização que lhes oferecem os procedimentos referendários. Muitas vocações
partidárias nasceram dos comitês ad hoc constituídos por ocasião de referendos ou iniciativas: na Suíça, a
Aliança dos independentes, os ecologistas ou o partido suíço dos automobilistas encontraram aí suas origens.
Os projetos que concebem modelos de democracias que passariam sem o concurso dos partidos permaneceram,
até o presente, no estágio da utopia. Assim ocorre em todos os planos de sistemas fundados na autogestão ou
nos de democracia conselheiral. Nos locais onde se tentou sua aplicação, a experiência mudou rapidamente,
transformando-se ora num longo pesadelo, a exemplo dos países do leste, ora num episódio delirante como
os de Mackno na Ucrânia de 1.920 ou de Durruti durante a guerra da Espanha. Nos dois casos viu-se o furor
democrático matar a democracia. Em compensação, assim que um partido autoritário começa um movimento
colocadas entre o indivíduo e o poder público, constituem-se no único canal pelo qual
o titular faz a entrega do exercício do poder.30
Nos diretos, o interesse dos indivíduos ou do grupo é diretamente manifestado
pelo partido, este surgido antes mesmo de qualquer institucionalização do grupo.
O grupo é gestado em meio à própria existência do partido.
Já nos indiretos, o indivíduo tem seus interesses imediatamente defendidos pelo
grupo, e o grupo transfere esta tutela aos partidos. O grupo, neste caso, precede em
existência o partido. É indireto o partido, portanto, porque sua função de canalização
de pretensões individuais é antes de tudo intermediada pelo grupo social.
Para Daniel-Louis Seiler “os partidos políticos constituem a condição sine qua non
do funcionamento do regime representativo”,31 são filhos da democracia e do sufrágio
universal.
A democracia representativa, em síntese, é o regime de governo exclusivo dos
partidos políticos. Como decorrência imediata desta conclusão, a procedimentalização
própria da democracia transplanta-se para a estrutura partidária, acrescendo ao conceito
de partido político o traço marcante da institucionalização, pois
Por essa razão, se os representantes do povo não mais podem ser escolhidos
a não ser a partir dos quadros de partidos, impõe-se considerar que há de fato uma
proximidade significativa entre o Estado Democrático e o que se pode nominar Estado
de Partidos, na razão direta de que a inexistência, ou a inefetividade deles, impede
radicalmente a possibilidade de sobrevivência de um modelo de democracia. A demo
cracia representativa moderna tende para uma partitocracia.
De todo modo, se as eleições são um instituto republicano, os partidos políticos
são um fenômeno democrático. No entanto – e é o que sempre exige a democracia real
– da mesma forma que ao cidadão deve ser resguardada a genuína liberdade de escolha
responsável de seus mandatários, também aos partidos políticos deve-se tutelar um
espaço de autonomia para identificação e defesa de seus propósitos.
Trata-se da autonomia partidária, não confundida com soberania, pois se esta é, na
definição clássica de Jean Bodin, o poder que não reconhece superiores, sendo portanto
livre de amarras formais (mas não dos limites impostos por seu contexto histórico), a
autonomia é, por sua vez, um poder sempre limitado.
A Constituição brasileira, nesse particular, é bastante didática ao delimitar a au
tonomia partidária no texto do art. 17 ao poliedro formado pelo respeito à soberania
de democratização, as organizações protopartidárias proliferam. É uma lei que não sofre alguma exceção. Mais
ainda, como uma homenagem que o vício rende à virtude, pelo fato de muitos regimes autoritários esforçarem-
se por manter, até mesmo por organizar, o simulacro do pluripartidarismo” (SEILER, op. cit., p. 29).
30
KELSEN, Hans. A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 139 em diante.
31
SEILER, op. cit., p. 06.
32
MACABU, Adilson Vieira. A formação do poder: os partidos políticos: o eleitorado: a representação. Revista de
Ciência Política, v. 7, n. 3, jul./set. 1973. p. 83.
I - caráter nacional;
II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros
ou de subordinação a estes;
III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
Observados esses limites, agindo portanto dentro da autonomia que lhes é res
guardada, os partidos políticos encontram amplo espaço para definição de sua estrutura
e, principalmente, de seus propósitos programáticos, pois o resgate de sua origem nas
facções encaminha a conclusão de que os partidos políticos surgiram e existem para
tornar reais seus programas.
É certo que a realização do programa partidário apenas se mostra efetiva e viável
quando o partido logra alçar seus integrantes ao exercício do poder.
Surge assim a definição essencial do partido político como agremiação de origem
espontânea na sociedade civil, e por isso de ordem privada, que tem por objetivo eleger
seus filiados como meio de implantar seu programa de governo.
Há que se analisar cum granum salis o objetivo essencial de qualquer partido polí
tico, que é o de eleger seus filiados, pois se esta é a principal forma pela qual o partido
reúne condições de implantar seu programa de governo, este não pode ser seu único
objetivo.
Este elemento teleológico que diferencia os partidos políticos de qualquer outra
associação de direito privado não pode ser priorizado a ponto de fazer com que o partido
apenas tenha função nos períodos eleitorais.
Partindo da classificação que já se tornou usual entre partidos eleitorais e partidos
de estrutura, a suplantação destes por aqueles reduz a função dos partidos políticos a
meras agremiações de candidatos, que se veem premidos a formalizar a filiação partidária
porque devem cumprir um requisito de elegibilidade nos estados em que, com o Brasil,
não se admite candidatura avulsa, mas nem sempre porque são familiarizados com os
propósitos programáticos do partido.
Nesses casos, a alavanca eleitoral que o partido pode fornecer ao candidato para
viabilizar sua eleição tem na escolha da filiação partidária peso muito maior do que o
programa do partido.
As democracias contemporâneas exigem dos partidos políticos a manutenção de
uma estrutura permanente, vocacionada ao cumprimento de uma função muito maior
e mais permanente, impondo-lhes um papel absolutamente relevante na satisfação do
interesse público, sendo-lhes reconhecida a função de mobilizar a sociedade civil (e não
apenas seus filiados) em torno de aspectos relevantes do interesse público, de colaborar
na pesquisa e na educação política (art. 44, IV, V e VI da Lei nº 9.096/95), através de
institutos próprios, mantidos para este fim, e também a legitimação ativa para provocar
o controle direto de constitucionalidade, a exemplo do que ocorre no Brasil em razão
do previsto pelo art. 103, VIII, da Constituição.
Mais recentemente foi atribuída aos partidos políticos até mesmo a função de
patrocinar a igualdade de gêneros, sendo-lhes vedado preencher o número de vagas
de candidatos em número que extrapole o mínimo de 30% (trinta por cento) para cada
sexo, estabelecendo não apenas uma exigência meramente formal, mas buscando a
efetiva participação feminina (ainda em menor escala) nos pleitos eleitorais.
No entanto, de elementos essenciais ao funcionamento eficaz dos modelos
democráticos, a disfunção dos partidos políticos pode colocar em risco a própria
democracia, pois como ocorre com qualquer grupamento humano, os partidos políticos
também são estruturas tendencialmente oligárquicas, inclinados à concentração de poder
nas mãos dos poucos integrantes da cúpula partidária.
Esta tendência de oligarquização partidária é ainda mais acentuada nos sistemas
eleitorais de lista fechada, em que a vontade dos líderes partidários assume papel
determinante no apontamento dos que integrarão a lista de candidatos.
Sendo fundamentais à participação democrática no patrocínio de diferentes
programas e interesses, os partidos políticos devem ser internamente democráticos,
repelindo a condução de seus propósitos de acordo com os desígnios estritamente
pessoais de quem os dirige, mas atentando para a fidelidade ao programa partidário
definido pelo interesse comum dos filiados.
O que coloca, portanto, em risco o modelo democrático não é o maior ou menor
número de partidos políticos, não sendo equivocado cogitar que um número maior
de partidos permite maior representação de interesses cada vez mais específicos e
localizados, garantindo maior diversidade na convivência democrática.
O que instabiliza a democracia, podendo transformar o remédio em veneno, é a
infidelidade partidária, entendida não apenas no raso conceito de que ao mandatário
é vedado desligar-se do partido pelo qual se elegeu, sob pena de perda de mandato.
A mais grave infidelidade partidária é a infidelidade dos filiados ao programa partidário.
Esta infidelidade não guarda uma relação necessária com o número de filiados
do partido. Grandes partidos podem ser fiéis ou infiéis ao seu programa como também
podem sê-lo os pequenos.
Esvazia-se por isso a razão de ser da cláusula de barreira reinstituída pela Emenda
Constitucional nº 97 ao alterar a redação original do art. 17, §3º, da Constituição Federal,
limitando a percepção dos recursos do fundo partidário e o acesso ao tempo gratuito de
propaganda em rádio e televisão aos partidos políticos que, alternativamente
I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação.
dez por cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos
Deputados, distribuídos em dois terços dos Estados, com o mínimo de sete por cento em
cada um deles, bem assim dez por cento de Deputados, em, pelo menos, um terço dos
Estados, e dez por cento de Senadores.
dez por cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos
Deputados, distribuídos em dois terços dos Estados, com o mínimo de sete por cento
em cada um deles, bem assim dez por cento de deputados em pelo menos um terço dos
Estados, e dez por cento de senadores.
Essas marcas foram reduzidas pela Emenda Constitucional nº 1/69, para “cinco por
cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados,
distribuídos em pelo menos sete Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um
deles” (art. 152, VII). A Emenda nº 11, de 1978, as diminuiu para “5% do eleitorado que
haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo
menos, por nove Estados, com mínimo de 3% em cada um deles”.
Em nível infraconstitucional, o Decreto-Lei nº 8.835, de 24.1.1946, art. 5º, com o
Código Eleitoral de 1950 (Lei nº 1.164, de 24.7.1950) – cujo art. 148, em seu parágrafo
único, mandava cancelar o registro de partido que não conseguisse eleger ao menos um
representante para o Congresso Nacional, ou que não obtivesse ao menos 50 mil votos –
e também com a Emenda Constitucional nº 11/85, que vedou representação ao partido
com votação inferior a 5% do eleitorado, distribuído, pelo menos, por nove estados, com
o mínimo de 3% em cada um deles.
Na redação original, a CF de 1988 não previu cláusula de exclusão,33 e tampouco
a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096, de 19.9.1995), que se limitou a gizar
no art. 13 as condições de funcionamento parlamentar do partido.34
33
E nem a admite, segundo dicção do Supremo Tribunal Federal, em decisão assim ementada: “Partidos políticos.
Indicação de candidatos. Pressupostos. Inconstitucionalidade. Exsurgem conflitantes com a Constituição Federal
os preceitos dos parágrafos 1º e 2º do artigo 5º da Lei n. 8713/93, no que vincularam a indicação de candidatos
a presidente e vice-presidente da República, Governador, Vice-Governador e Senador a certo desempenho do
partido no pleito que a antecedeu e, portanto, dados fáticos conhecidos. A Carta de 1988 não repetiu a restrição
contida no artigo 152 da pretérita, reconhecendo, assim, a representação dos diversos segmentos sociais,
inclusive os que se formam dentre as minorias” (STF, Tribunal Pleno. ADIN nº 958-RJ. Rel. Min. Marco Aurélio,
j. 11.5.94. Diário de Justiça da União, 25 ago. 1995, p. 26021, Ementário v. 01797-01, p. 00077).
34
O entendimento esposado pelo STF segue no sentido de afirmar a constitucionalidade deste dispositivo, como
assentado na decisão assim ementada: “Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Suspeição
de Ministro da Corte: descabimento. Partidos políticos. Lei n. 9096, de 19 de novembro de 1995. Argüição de
inconstitucionalidade do art. 13 e das expressões a ele referidas no inciso II do art. 41, no caput dos arts. 48
e 49 e ainda no inciso II do art. 57, todos da Lei n. 9096/95. 1. Manifestação de Ministro desta Corte, de lege
ferenda, acerca de aperfeiçoamento do processo eleitoral, não enseja declaração de suspeição. Descabimento de
sua argüição em sede de controle concentrado. Não conhecimento. 2. O artigo 13 da Lei n. 9.096, de 19 de
novembro de 1995, que exclui do funcionamento parlamentar o partido político que em cada eleição para a
A lei, de modo oblíquo, reduz a representatividade dos deputados eleitos por determinados
partidos, como que cassando não apenas parcela de seus deveres de representação, mas
ainda – o que é mais grave – parcela dos direitos políticos dos cidadãos e das cidadãs
que os elegeram. Para ela, o voto direto a que respeita o art. 14 da Constituição do Brasil
não tem valor igual para todos. Uma lei com sabor de totalitarismo. Bem ao gosto dos
que apoiaram a cassação de mandatos e de registro de partido político; bem ao gosto dos
que, ao tempo da ditadura, contra ela não assumiram nenhum gesto senão o de apontar
com o dedo. Não apenas silenciaram, delataram... Uma lei tão adversa à totalidade que
a Constituição é, tão adversa a esta totalidade que o mesmo partido político pelo qual
poderá ter sido eleito o Chefe do Poder Executivo será, sob a incidência de suas regras,
menos representativo do que os demais partidos no âmbito interno do Parlamento.
Múltipla e desabridamente inconstitucional, essa lei afronta o princípio da igualdade de
chances ou oportunidades, corolário do princípio da igualdade. Pois é evidente que seria
inútil assegurar-se a igualdade de condições na disputa eleitoral se não se assegurasse a
igualdade de condições no exercício de seus mandatos pelos eleitos.35
Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão,
na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
Câmara dos Deputados, não obtenha o apoio de no mínimo cinco por cento dos votos válidos distribuídos
em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles, não
ofende o princípio consagrado no artigo 17, seus incisos e parágrafos, da Constituição Federal. 3. Os parâmetros
traçados pelos dispositivos impugnados constituem-se em mecanismos de proteção para a própria convivência
partidária, não podendo a abstração da igualdade chegar ao ponto do estabelecimento de verdadeira balbúrdia
na realização democrática do processo eleitoral. 4. Os limites legais impostos e definidos nas normas atacadas
não estão no conceito do artigo 13 da Lei nº 9096/95, mas sim no do próprio artigo 17, seus incisos e parágrafos,
da Constituição Federal, sobretudo ao assentar o inciso IV desse artigo, que o funcionamento parlamentar ficará
condicionado ao que disciplinar a lei. 5. A norma contida no artigo 13 da Lei nº 9.096/95 não é atentatória ao
princípio da igualdade; qualquer partido, grande ou pequeno, desde que habilitado perante a Justiça Eleitoral,
pode participar da disputa eleitoral, em igualdade de condições, ressalvados o rateio dos recursos do fundo
partidário e a utilização do horário gratuito de rádio e televisão – o chamado ‘direito de antena’ –, ressalvas
essas que o comando constitucional inscrito no artigo 17, §3º, também reserva à legislação ordinária a sua
regulamentação. 6. Pedido de medida liminar indeferido” (STF, Tribunal Pleno. ADIMC nº 1.354-DF. Rel. Min.
Maurício Corrêa, j. 7.2.96. Diário de Justiça da União, 25 maio 2001, p. 00009, Ementário v. 02032-01, p. 00197).
35
STF. ADI nº 1.351-3/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. Requerente: Partido Comunista do Brasil – PC do B e outros.
Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional.
I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação.
Até 2030, será aplicada a escala segundo a qual nas eleições de 2018 somente terão
direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma
da lei, os partidos políticos que alternativamente
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% (um e meio por
cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação,
com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos nove Deputados Federais distribuídos em pelo menos um
terço das unidades da Federação.
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2% (dois por cento)
dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com
um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos onze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um
terço das unidades da Federação.
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2,5% (dois e meio por
cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação,
com um mínimo de 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos treze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um
terço das unidades da Federação.
Fica a pergunta que não quer calar: o STF manterá a mesma posição já adotada
em casos anteriores, declarando a inconstitucionalidade da cláusula de barreira?
Outro ponto sensível na busca do fino equilíbrio entre autonomia e coerência
partidária surge na busca de harmonizar o comportamento do partido em todo o território
nacional, na busca da plena efetividade do previsto pelo art. 17, I, da CF, quando exige
dos partidos políticos ação em caráter nacional e, desta forma, não lhes impõe a obrigação
de se fazerem presentes em todos os estados e municípios, o que sequer seria razoável
ou financeiramente possível, mas os obriga a atuar em prol do interesse nacional, de
modo a não patrocinar o sectarismo regional.
No intuito de imprimir uniformidade à ação nacional dos partidos políticos,
foi introduzido o instituto da verticalização através da Resolução do TSE nº 20.993/02,
editada a pretexto de interpretar o art. 6º da Lei nº 9.504/97, interessando o disposto
pelo art. 4º, §1º:
Art. 4º É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações
para eleição majoritária, para proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso,
formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional entre os partidos políticos
que integram a coligação para o pleito majoritário.
§1º Os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição
de presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador/a
de Estado ou do Distrito Federal, senador/a, deputado/a federal e deputado/a estadual
ou distrital com partido político que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado
candidato/a à eleição presidencial.
§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna,
organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas
coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária.
Outro instituto que se fazia presente nas cartas do regime militar era a proibição
de coligações, lida nos arts. 149, VIII, da Constituição de 1967, e 152, VII, da Emenda
Constitucional nº 1/69. Retorna agora, de forma parcial, na redação conferida pela EC nº
97/17 ao art. 17, §1º, proibindo a formação de coligações para as eleições proporcionais.
Essas vicissitudes, em idas e vindas entre institutos da ciência política e do direito
eleitoral, adotando ou descartando, por exemplo, a cláusula de barreira, endossando ou
repudiando a formação de coligações, apenas para as eleições proporcionais ou também
nas majoritárias, verticalizando-as ou não, demonstram não apenas a instabilidade do
modelo político brasileiro, experimental e empirista, com a criação de novas regras a
cada nova eleição, mas também a falta de costume democrático e a completa ausência
de consciência sobre a razão e a importância dos partidos políticos e seus programas.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
KNOERR, Fernando Gustavo. Mandato, autonomia partidária e representatividade política. In: FUX,
Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz
Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 415-430. (Tratado de
Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
6.1 Introdução
A partir da concepção da força normativa da Constituição surge o ativismo judicial.
Tal comportamento está associado a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário
na concretização dos valores e fins constitucionais1 interferindo, inclusive, no espaço
de atuação política dos outros dois órgãos constitucionais de soberania2 com legitimidade
democrática ótima – o Legislativo e o Executivo. Atua então o Judiciário como um órgão
que também exerce uma parcela da competência de “criação do direito” com a edição
de enunciados normativos gerando uma tensão entre a esfera política e a esfera jurídica.
Assim, importante analisar se a Justiça Eleitoral,3 ao editar enunciados normativos
que substancialmente “criam o direito”, pois caracterizados com a generalidade e com
a abstração – função normativa, também deveria observar o princípio da anualidade
(anterioridade) eleitoral previsto no art. 16 da Constituição brasileira de 1988 (CRFB).4
1
BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática
da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 245-246. Ativismo judicial é uma expressão
cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema
Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warrem, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período inúmeras
práticas políticas nos Estados Unidos foram alteradas sem qualquer ato do Congresso ou do presidente, mas por
uma jurisprudência progressista em matérias de direitos fundamentais (BARROSO, Luís Roberto. O novo direito
constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil.
Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 244-245).
2
PEDRA, Anderson Sant’Ana. Por uma “separação de poderes” à brasileira: Constituição de 1988 e a teoria
tripartide de Montesquieu – uma conta que não fecha. Revista Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 15, n. 78,
p. 117-141, mar./abr. 2013. Passim.
3
Neste artigo a expressão “Justiça Eleitoral” irá compreender a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do
Supremo Tribunal Federal (STF) no exercício da função normativa, apesar de conhecermos o elenco trazido no art.
118 da CRFB quanto aos órgãos que integram a Justiça Eleitoral.
4
“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando
à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência” (com redação dada pela Emenda Constitucional
nº 4/1993).
5
“Art. 1º Este código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos
precipuamente os de votar e ser votado. Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para
sua fiel execução” (Código Eleitoral – Lei nº 4.737/1965).
6
“Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regula
mentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas
as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados
ou representantes dos partidos políticos” (Lei das Eleições – Lei nº 9.504/1997, com redação dada pela Lei
nº 12.034/2009).
7
“Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior: [...] XII – responder, sobre matéria eleitoral,
às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de partido
político; [...]” (Código Eleitoral – Lei nº 4.737/1965).
8
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços
dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua
publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua
revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei” (CRFB, incluído pela EC nº 45/2004).
9
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...] §2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal” (CRFB, incluído pela EC nº 45/2004).
10
A verticalização surgiu com a Consulta nº 715 do TSE, que originou a Resolução nº 21.002/2002. Posteriormente tal
temática foi tratada pela Emenda Constitucional nº 52/2006 que também gerou discussão quanto à aplicabilidade
para as eleições de 2006.
11
No mesmo sentido: PEDRA, Adriano Sant’Ana. Mutação constitucional: interpretação evolutiva da Constituição
na democracia constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 153-155.
12
A “fidelidade partidária” surgiu com a Consulta TSE nº 1.398/2007 e foi tratada pela Resolução TSE nº 22.610/2007.
Atualmente a matéria está tratada no art. 22-A da Lei nº 9.096/1995 que foi incluído pela Lei nº 13.165/2015. Tal
matéria ainda teve uma norma temporária trazida pela Emenda Constitucional nº 91/2016.
13
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Org.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e
coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 9.
14
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 572.
15
CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. 6. ed. rev. e ampl. Coimbra: Almedina,
2003. p. 145. t. I. Junta-se à segurança as seguintes outras finalidades: justiça e bem-estar (CAETANO, Marcello.
Manual de ciência política e direito constitucional. 6. ed. rev. e ampl. Coimbra: Almedina, 2003. p. 145; 147. t. I).
16
RECASÉNS SICHES, Luis. Tratado general de filosofia del derecho. 3. ed. México: Porrua, 1965. p. 220-221.
17
VIGO, Rodolfo Luis. Los principios jurídicos: perspectiva jurisprudencial. Buenos Aires: Depalma, 2000. p. 59.
18
PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. La segurida juridica. 2. ed. Barcelona: Arie AS, 1994. p. 24.
19
O enunciado normativo contém elasticidade para corresponder às diferentes exigências que variam no tempo, e
pode produzir efeitos mesmo quando se alterarem os fatos e valores em razão dos quais surgiu, pois o enunciado
permanece em evolução, respondendo a novas necessidades, a novos problemas oriundos da mutação dos
tempos, aduzindo significações novas que o seu elaborador não poderia ter pressentido.
Silva acentua que a “ratio legis está precisamente em evitar a alteração da regra do
jogo depois que o processo eleitoral tenha sido desencadeado – o que se dá, em geral,
dentro de um ano antes do pleito”.25
Pelo princípio da anualidade (anterioridade) eleitoral busca-se garantir a preser
vação das regras do jogo eleitoral no entretempo que se entendeu salutar para manter
estável o processo eleitoral, sem surpresas nas regras que possam descalibrar o processo,
20
MELLO, Marco Aurélio. Comentários aos arts. 14 ao 16. In: AGRA, Walber de Moura; BONAVIDES, Paulo;
MIRANDA, Jorge (Coord.) Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2009. p. 508.
21
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 597. v. 2.
22
AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 68.
23
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2002. p. 592.
24
STF, Pleno. ADI nº 3.345/DF. Rel. Min. Celso de Mello, j. 25.8.2005. DJe, 19 ago. 2010. No mesmo sentido: STF,
Pleno. ADI nº 353/DF-MC. Rel. Min. Celso de Mello, j. 5.9.1990. DJ, 12 fev. 1993. p. 1.450.
25
SILVA, José Afonso da. Comentários contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 234.
26
STF, Pleno. RE nº 637.485/RJ. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 1º.8.2012. DJe, 20 maio 2013.
27
PEDRA, Anderson Sant’Ana; PEDRA, Adriano, Sant’Ana. A inelegibilidade como consequência da rejeição
das contas. In: AGRA, Walber de Moura; COÊLHO, Marcus Vinícius. Direito eleitoral e democracia: desafios e
perspectivas. Brasília: OAB/Conselho Federal, 2010. p. 10.
28
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 682.
29
BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do império. Rio de Janeiro: Nova Edição, 1958.
p. 459.
O Min. Celso de Mello em seu voto na ADI nº 3.345/DF consignou que o princípio
da anualidade eleitoral representa verdadeira “garantia individual do cidadão-eleitor”,
assistindo-o com o “necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações
abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral”.30
Já na ADI nº 3.685/DF e no RE nº 633.703/MG, o STF consignou que o princípio da
anualidade eleitoral é fundamento da igualdade e da defesa das minorias, cuja participação
no processo político não deveria ficar submetida ao alvedrio das forças majoritárias.
Entendeu ainda o STF que o princípio da anualidade eleitoral insculpido no art. 16
da CRFB “representa garantia individual do cidadão-eleitor”, trazendo “elementos
que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade
do legislador constituinte derivado”, considerando-o como cláusula pétrea, afinal,
“estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos”.31
Como bem assinala Vale, o “caráter fundamental dessa norma constitucional
[art. 16] para o sistema do direito eleitoral torna-a um princípio vinculante para toda a
atividade estatal, seja legislativa, executiva ou judicial”.32
30
STF, Pleno. ADI nº 3.345/DF. Rel. Min. Celso de Mello, j. 25.8.2005. DJe, 19 ago. 2010.
31
STF, Pleno. ADI nº 3.685/DF. Rel. Min. Ellen Gracie, j. 22.3.2006. DJ, 10 ago. 2009. p. 19; STF, Pleno. RE nº 633.703/
MG. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23.3.2011. DJe, 17 nov. 2011. No mesmo sentido: PEDRA, Adriano Sant’Ana.
Mutação constitucional: interpretação evolutiva da Constituição na democracia constitucional. 3. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 157-158.
32
VALE, André Rufino do. A garantia fundamental da anterioridade eleitoral: algumas reflexões em torno da
interpretação do art. 16 da Constituição. Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 3, n. 4,
p. 11-38, jan./jun. 2011. p. 16.
33
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. 4. ed. Madrid: Civitas,
2006. p. 69-100.
34
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1991.
35
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000.
p. 1115.
36
HÄBERLE, Peter. El Estado constitucional. Tradução de Héctor Fix-Fierro. Buenos Aires: Astrea, 2007. p. 230.
37
MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho de direito constitucional. 2. ed. rev. Tradução de Peter Naumann. São
Paulo: Max Limonad, 2000. p. 87.
38
PEDRA, Anderson Sant’Ana. O controle da proporcionalidade dos atos legislativos: a hermenêutica constitucional
como instrumento. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 182-183.
39
Na ADI nº 354/DF (STF, Pleno. Rel. Min. Octavio Galloti, j. 24.09.1990. DJ, 22 jun. 2001. p. 23), o Supremo entendeu
que a expressão “processo eleitoral” teria um significado “adjetivo”, posteriormente o Supremo entendeu que
a expressão “processo eleitoral” teria uma concepção mais alargada, compreendendo as fase “pré-eleitoral”,
“eleitoral” e “pós-eleitoral” (STF, Pleno. ADI nº 3.345/DF. Rel. Min. Celso de Mello, j. 25.8.2005. DJe, 19 ago. 2010;
STF, Pleno. ADI nº 3.685/DF. Rel. Min. Ellen Gracie, j. 22.3.2006. DJ, 10 ago. 2009. p. 19 e STF, Pleno. ADI nº 3.741/
DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 6.8.2006. DJ, 23 fev. 2007. p. 16).
40
Para uma leitura complementar sobre a delimitação conceitual de “processo eleitoral”, recomenda-se a excelente
abordagem realizada por: JORGE, Flávio Cheim; LIBERATO, Ludgero; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Curso
de direito eleitoral. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 263-268; e também: VALE, André Rufino do. A garantia
fundamental da anterioridade eleitoral: algumas reflexões em torno da interpretação do art. 16 da Constituição.
Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 3, n. 4, p. 11-38, jan./jun. 2011.
Em sentido amplo, significa a complexa relação que se instaura entre candidatos, parti
dos políticos, coligações, Justiça Eleitoral, Ministério Público e cidadãos com vistas à
concretização do sacrossanto direito de sufrágio e escolha dos ocupantes dos cargos
público-eletivos em disputa. O procedimento, aqui, reflete o intricado caminho que se
percorre para a realização das eleições, desde a realização das convenções pelas agremiações
políticas até a diplomação dos eleitos. Em geral, quando se fala em processo eleitoral, é a
este sentido que se quer aludir.46
41
Grande discussão teve a eficácia da Lei Complementar nº 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”) para as eleições
de 2010. Entenderam o TSE (Pleno. RO nº 64.580/PA. Rel. Min. Arnaldo Versiani, 1º.9.2010) e o STF (Pleno.
RE nº 631.102/PA. Rel. Min. Joaquim Barbosa. DJe, 17 jun. 2011) que as hipóteses de inelegibilidade incidem
imediatamente por tratar de direito material e não de “processo eleitoral”. Registra-se que a votação no STF
restou empatada em razão da composição da Corte que estava apenas com 10 ministros (Min. Eros Grau havia
se aposentado) e foi aplicada por analogia o art. 205, parágrafo único do Regimento Interno do STF para manter
a decisão impugnada proferida pelo TSE. Posteriormente o STF entendeu pela “inaplicabilidade das hipóteses
de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto
no art. 16 da Constituição” (STF, Pleno. ADC nº 30/DF e ADI nº 4.578/AC. Rel. Min. Luiz Fux. DJe, 28 jun. 2012
(julgamento conjunto)).
42
Em sentido contrário: na ADI nº 354/DF (STF, Pleno. Rel. Min. Octavio Galloti, j. 24.9.1990. DJ, 22 jun. 2001. p. 23),
decidiu-se que “não infringe o art. 16 da Constituição brasileira de 1988 (texto original) a cláusula de vigência
imediata constante do art. 2º da Lei nº 8.037, de 25 de maio de 1990, que introduziu na legislação eleitoral normas
relativas à apuração de votos”.
43
Cf. nesse sentido: COSTA, Tito. Recursos em matéria eleitoral. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
p. 23-24; RIBEIRO, Fávila. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988. 2. v. p. 273; GOMES, José
Jairo. Direito eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 173; SILVA, José Afonso da. Comentários contextual à
Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 234.
44
PROCESSO eleitoral. In: BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Thesaurus. 6. ed. Brasília: Secretaria de
Documentação e Informação, 2006. p. 196. Cf. no mesmo sentido: AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos
Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 343.
45
JORGE, Flávio Cheim; LIBERATO, Ludgero; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Curso de direito eleitoral. 2. ed.
Salvador: JusPodivm, 2017. p. 45. Para os autores o princípio da anualidade incide sobre o processo eleitoral, mas
não sobre o direito processual civil e penal eleitoral, porque em relação às normas de direito processual, a lei nova
incide de forma imediata (JORGE, Flávio Cheim; LIBERATO, Ludgero; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Curso de
direito eleitoral. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 45).
46
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 172.
47
STF, Pleno. ADI nº 3.741/DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 6.8.2006. DJ, 23 fev. 2007. p. 16.
48
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. 9 tir. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 105.
49
Direito vigente é o enunciado normativo promulgado e publicado de acordo com o procedimento estabelecido pela
ordem jurídica, para entrar em vigor em momento determinado. A vigência é a exigibilidade do comportamento
(modal de conduta) prescrito pela lei.
50
FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 23.
51
Cf. Nesse sentido: MACHADO, Hugo Brito. Vigência e eficácia da lei. Revista dos Tribunais, São Paulo, jul. 1991;
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1018.
52
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 325.
O art. 16 da CRFB não prevê uma hipótese de vacatio legis53 propriamente dita,54
isso porque o dispositivo constitucional prescreve que a lei que disciplinar o processo
eleitoral entrará em vigor imediatamente, apenas não será aplicada à eleição que ocorrer
até um ano da data da sua vigência.
De acordo com o dispositivo constitucional, a lei que alterar o processo eleitoral
entrará em vigor na data da sua publicação, mas não terá eficácia na eleição que vier a
ocorrer até um ano de sua vigência. Tratar-se-á de uma lei vigente, mas não eficaz, sem
aplicabilidade, pois o art. 16 da CRFB exerce uma ação paralisante, um congelamento
sobre a eficácia da norma, projetando no tempo a eficácia de qualquer ato normativo
que inove o processo eleitoral.
53
Anotam Agra e Velloso: “Vacatio legis é o período que vai da publicação até a possibilidade de produção dos
efeitos de determinada lei. Quando houver omissão, no diploma legal, da data para a produção de efeitos, nos
limites do território nacional, o art. 1º, caput, da Lei de Introdução do Código Civil fala em um prazo de 45 dias.
Para a lei eleitoral não existe vacatio legis, entrando em vigor na data em que foi publicada. É o único caso expresso
na Constituição Federal de lei que começa a vigorar imediatamente, na data de sua publicação” (AGRA, Walber
de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Elementos de direito eleitoral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 68).
54
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2002. p. 592.
55
No REspe nº 20.680/PR, de 27.11.2012 o TSE entendeu que a resposta dada em consulta em matéria eleitoral
“não tem natureza jurisdicional”, sendo “ato normativo em tese sem efeitos concretos por se tratar de orientação
sem força executiva com referência a situação jurídica de qualquer pessoa em particular”. No mesmo sentido:
STF, Pleno. RMS nº 21.185/DF. Rel. Min. Moreira Alves, DJ, 22 fev. 1991. p. 1259; TSE, Pleno. AgR-MS nº 3.710/
DF. Rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos. DJ, 16 jun. 2008. p. 27; STF, Pleno. MS nº 26.604/DF. Rel. Min.
Cármen Lúcia. DJe, 2 out. 2008: “3. Resposta do TSE a consulta eleitoral não tem natureza jurisdicional nem efeito
vinculante. [...]”. Em sentido contrário entendendo que as “Resoluções [...] do TSE, em respostas a consultas, [...]
não possuem a natureza de atos normativos, nem caráter vinculativo” (STF, Pleno. ADI nº 1.805/DF MC. Rel.
Min. Néri da Silveira, j. 26.3.1998. DJ, 14 nov. 2003. p. 11).
podem “criar o direito”, inovando na ordem jurídica, mesmo que com o volúvel
argumento de “estar apenas” interpretando normas principiológicas ou conceitos
jurídicos indeterminados já prescritos na lei stricto sensu ou na Constituição.
Não diferente de nenhuma outra matéria, a produção legislativa eleitoral
realizada pelo Congresso Nacional “deixa sempre uma substanciosa margem de
complementariedade afeta ao poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral”,56
que, além de exercer a necessária autolimitação, deve também observar as normas
principiológicas que emanam da Constituição em razão da sua força normativa, inclusive,
o princípio da anualidade eleitoral.
Essa produção legislativa pelo TSE pode ocorrer por meio das resoluções ou
instruções que se classificam como: i) definitivas ou permanentes: quando editam normas
aplicáveis a todas as eleições; e ii) temporárias ou específicas: quando editam normas
aplicáveis a determinada eleição.
A doutrina considera, acertadamente, tais decisões da Justiça Eleitoral como
“atos [que] apresentam força de lei, embora não possam contrariá-la”, classificando-as
como fonte formal estatal do direito eleitoral, as quais todos devem seguir – princípio da
generalidade.57
Juntam-se às regulamentações do TSE as súmulas vinculantes58 e as decisões em
sede de controle de constitucionalidade pelo STF – todas com eficácia erga omnes que
se apresentam, substancialmente, como fonte de direito, estando aí a Justiça Eleitoral
exercendo uma função normativa e não sua tradicional função jurisdicional.
As fontes do direito, para a teoria kelseniana, devem ser identificadas pelas normas
do próprio ordenamento jurídico (as normas sobre produção do direito).
F. Callejón leciona que o essencial na caracterização de uma fonte do direito está
em determinar se o enunciado normativo tem capacidade para gerar eficácia erga omnes,
ou seja, capacidade para alcançar todos os sujeitos de um ordenamento jurídico –59 que
é o caso das decisões da Justiça Eleitoral aqui enteladas.
A eficácia erga omnes é própria das leis e dos atos normativos em geral. Assim, a
generalidade e a abstração constituem apanágio dos enunciados normativos com eficácia
erga omnes.
O direito não mais se identifica exclusivamente com a lei, não se podendo assim
pretender restringir o caráter geral, impessoal e obrigatório apenas à lei.60
Negar a eficácia erga omnes de determinadas decisões da Justiça Eleitoral e seus
efeitos práticos na ordem jurídica sob o argumento de que a contenção eficacial trazida
pelo art. 16 da CRFB se restringiria apenas à “lei” é reduzir o conceito de lei à lei formal,
elaborado pelo Legislativo – isso é inadmissível, pois ofende frontalmente a concepção
da segurança jurídica.
56
RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 12. ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 132.
57
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 18.
58
Súmula Vinculante nº 18: “A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a
inelegibilidade prevista no §7º do artigo 14 da Constituição Federal”.
59
BALAGUER CALLEJÓN, Francisco. Fuentes de derecho: I. Principios del ordenamiento constitucional. Madrid:
Tecnos, 1991. p. 65.
60
PEDRA, Anderson Sant’Ana. A jurisdição constitucional e a criação do direito na atualidade: condições e limites. Belo
Horizonte: Fórum, 2017. p. 138.
61
SCHNEIDER, Hans-Peter. Democracia y Constitución. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 199.
62
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1999. p. 23. Afirma ainda o autor: “O verdadeiro problema, portanto não é o da clara oposição,
na realidade inexistente, entre os conceitos de interpretação e criação do direito. O verdadeiro problema é outro,
ou seja, o do grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais
judiciários” (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999. p. 21).
63
O enunciado normativo corresponde ao conjunto de palavras, de signos linguísticos que, devidamente
concatenados, formam um dispositivo legal ou constitucional. Já a norma corresponde ao comando que se extrai
do(s) enunciado(s) normativo(s). Uma norma pode ser fundamentada em um ou mais enunciados normativos
trazidos pelo ordenamento jurídico, e não deste ou daquele enunciado normativo de forma específica. Nesse
sentido: LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1997. p. 270; GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução de Edison Bini. São Paulo:
Quartier Latin, 2005. p. 24-25.
64
Cf. a respeito: PEDRA, Anderson Sant’Ana. Por uma “separação de poderes” à brasileira: Constituição de 1988 e
a teoria tripartide de Montesquieu – uma conta que não fecha. Revista Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano
15, n. 78, p. 117-141, mar./abr. 2013.
65
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
p. 277-278.
66
PEDRA, Anderson Sant’Ana. A jurisdição constitucional e a criação do direito na atualidade: condições e limites. Belo
Horizonte: Fórum, 2017. p. 83.
67
ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
68
PEDRA, Anderson Sant’Ana. A jurisdição constitucional e a criação do direito na atualidade: condições e limites. Belo
Horizonte: Fórum, 2017. p. 86. Cf. ainda: CAPPELLETTI, Mauro. Repudiando Montesquieu? A expansão e a
legitimidade da “justiça constitucional”. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 99, n. 366, p. 127-150, mar./abr. 2003.
p. 138.
69
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. p. 51; 53. Outros fatores que contribuíram para a crise do parlamento, além da dificuldade
de se precisar a “vontade geral”, foram a “emergência da sociedade técnica” e a “inflação legislativa”. Registra
ainda Clève que ocorre a “descentralização da função legislativa quando o Judiciário, por força de autorização
do parlamento ou de previsão constitucional, elabora normas jurídicas” (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade
legislativa do Poder Executivo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 52-61; 84).
70
MONCADA, Luís S. Cabral de. Ensaio sobre a lei. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 95-96.
71
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 120.
72
MONCADA, Luís S. Cabral de. Contributo para uma teoria da legislação. In: MONCADA, Luís S. Cabral de.
Estudos de direito público. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 251.
73
MONCADA, Luís S. Cabral de. Ensaio sobre a lei. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 83.
74
CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. 6. ed. rev. e ampl. Coimbra: Almedina,
2003. p. 158. t. I.
75
LLORENTE, Francisco Rubio. La forma del poder: estudios sobre la Constitución. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1993. p. 497.
76
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. Tradução de Alexandre Krug, Eduardo Brandão e Maria Ermantina
Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 151.
Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais ema
nados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na
jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais,
com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos)
e partidos políticos.79
77
BITTENCOURT. C. A. Lúcio. A interpretação como parte integrante do processo legislativo. Revista Forense Co-
memorativa – 100 anos, Rio de Janeiro, t. 1, p. 55-68, 2005. p. 61; 67. Continua o autor: “Não se argumente que o
intérprete não cria a lei, porque a sua opinião está presa a um preceito, do qual dimana e a cujo espírito se deve
limitar e circunscrever. A isso objetaremos que também o legislador não cria o direito, mas apenas o fotografa
na realidade social, para colocar-lhe a moldura da lei” (BITTENCOURT. C. A. Lúcio. A interpretação como parte
integrante do processo legislativo. Revista Forense Comemorativa – 100 anos, Rio de Janeiro, t. 1, p. 55-68, 2005. p. 67).
78
O enunciado normativo corresponde ao conjunto de palavras, de signos linguísticos que, devidamente
concatenados, formam um dispositivo legal ou constitucional. Já a norma corresponde ao comando que se extrai
do(s) enunciado(s) normativo(s). Uma norma pode ser fundamentada em um ou mais enunciados normativos
trazidos pelo ordenamento jurídico, e não deste ou daquele enunciado normativo de forma específica. Nesse
sentido: LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1997. p. 270; GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução de Edison Bini. São Paulo:
Quartier Latin, 2005. p. 24-25.
79
STF, Pleno. RE nº 637.485/RJ. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 1º.8.2012. DJe, 20 maio 2013.
80
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 155. t. 5.
81
STF, Pleno. ADI nº 3.685/DF. Rel. Min. Ellen Gracie, j. 22.3.2006. DJ, 10 ago. 2009. p. 19 e STF, Pleno. ADI nº 4.307/
DF. Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 11.4.2013. DJe, 30 set. 2013.
têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos
no pleito eleitoral posterior”.82
Em sede de decisão monocrática, o Min. Celso de Mello consignou que a incidência
da cláusula de anterioridade eleitoral (art. 16 da CRFB) “condiciona, no plano da eficácia
temporal, a própria aplicabilidade e exequibilidade de atos legislativos e de decisões do
poder judiciário cujo conteúdo possa refletir-se sobre o processo eleitoral”.83
Por fim, registra-se que o entendimento de que é possível a edição de normas
gerais e abstratas pela Justiça Eleitoral, sem observância do princípio da anualidade quando
estas retiram seu fundamento de validade diretamente da Constituição brasileira de 1988
ou quando consubstanciam entendimentos já manifestados pelo STF,84 não se mostra
adequado ao princípio da segurança jurídica e desconsidera o princípio da anualidade
como direito político-fundamental e do seu propósito ético-moralizador na qualidade de
princípio da confiança, colocando em risco o próprio regime democrático, afinal, decisões
casuísticas que possam influenciar as eleições podem também advir da Justiça Eleitoral.
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CAPPELLETTI, Mauro. Repudiando Montesquieu? A expansão e a legitimidade da “justiça constitucional”.
Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 99, n. 366, p. 127-150, mar./abr. 2003.
82
STF, Pleno. RE nº 637.485/RJ. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 1º.8.2012. DJe, 20 maio 2013. Registra-se que o caso em
julgamento estava alterando jurisprudência longamente adotada.
83
STF, Decisão Monocrática. ARE nº 768.043/DF. Rel. Min. Celso de Mello, j. 28.11.2016. DJe, 1º dez. 2016.
84
“O Tribunal Superior Eleitoral, expondo-se à eficácia irradiante dos motivos determinantes que fundamentaram
o julgamento plenário do RE 197.917/SP, submeteu-se, na elaboração da Resolução nº 21.702/2004, ao princípio
da força normativa da Constituição, que representa diretriz relevante no processo de interpretação concretizante
do texto constitucional. - O TSE, ao assim proceder, adotou solução, que, legitimada pelo postulado da força
normativa da Constituição, destinava-se a prevenir e a neutralizar situações que poderiam comprometer
a correta composição das Câmaras Municipais brasileiras, considerada a existência, na matéria, de grave
controvérsia jurídica resultante do ajuizamento, pelo Ministério Público, de inúmeras ações civis públicas em
que se questionava a interpretação da cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da Lei
Fundamental da República” (STF, Pleno. ADI nº 3.345/DF. Rel. Min. Celso de Mello, j. 25.8.2005. DJe, 19 ago.
2010).
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Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
O princípio da legalidade estrita deve ser observado – em regra – por todo o Estado
Democrático de Direito, haja vista ser seu pressuposto fundamental. Não há estabilidade
democrática quando se relega o direito posto. Vive-se o império da lei, e não o império
dos homens; não por outra razão, direitos e obrigações devem estar sempre previstos
em lei para que se evitem arbitrariedades, especialmente quando advindas do Estado
ou do grupo político que circunstancialmente detém o poder. O princípio da legalidade,
portanto, situa o agir estatal no âmbito do direito, exigindo que qualquer manifestação
do Estado esteja condicionada à prévia autorização legislativa.1
Na seara eleitoral, assim como em qualquer outro ramo pertinente ao direito
público, deve haver a observância da estrita legalidade para que o Estado – por inter
médio da Justiça Eleitoral – possa atuar e, por vezes, interferir no processo democrático.
O respeito à legalidade torna-se ainda mais relevante quando admitimos que o
regime jurídico de direito eleitoral é intensamente permeado por atos normativos, ou
regulamentares, secundários, que decorrem de lei. Por outro lado, é interessante notar
que quando pensamos no princípio da legalidade sob a perspectiva do cidadão – eleitor
ou candidato – como destinatário da norma eleitoral, a compreensão desse princípio deve
se dar a partir da ampla liberdade; isto é, a liberdade deve ser entendida como premissa
para o enfrentamento do jogo democrático. No campo do direito eleitoral tratamos
sobretudo da liberdade de expressão e seus corolários (liberdade de informação e de
imprensa), tendo em vista que só se atinge a qualidade democrática por intermédio do
debate, da crítica, e da mais abrangente possibilidade de circulação de ideias e propostas.
1
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 100.
2
BUENO, Jose Antonio Pimenta. Direito publicobrazileiro e analyse da Constituição do Imperio. Rio de Janeiro:
Typografia Imp. e Const. De J. Villeneuve & C., 1857. p. 382.
3
No presente trabalho, abordamos a liberdade de expressão em sentido amplo, compreendendo a liberdade de
manifestação do pensamento (liberdade em sentido estrito), de informação e de imprensa (FUX, Luiz; FRAZÃO,
Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 116-117).
4
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 116-
117.
5
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 82.
6
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
7
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 82.
8
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 83.
9
AGRA, Walber de Moura. Manual prático de direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 27.
10
“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à
eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
11
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 83.
12
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas provisórias. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 59.
resoluções (ou “instruções”, como quer o art. 23, IX, do Código Eleitoral)13 do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), é decorrência das deliberações do Parlamento com sentido
de aplicação da lei ao caso concreto, mas pode vir a receber incursões democráticas,
que não sejam contrárias à base legal, a partir do mecanismo das audiências públicas,
como se verá adiante. Diante disso, não se pode afirmar que no âmbito da Justiça
Eleitoral haja verdadeira criação normativa da matéria eleitoral. De acordo com a lição
de Eneida Desiree Salgado, “as normas eleitorais, que estabelecem as regras do jogo da
disputa democrática, não podem ser elaboradas em gabinetes ou salas de sessões. Sua
fundamentação pública e sua construção democrática são essenciais para legitimidade
de suas imposições e restrições”.14
Destarte, tem-se que os regulamentos sempre devem estar adstritos aos limites
da legalidade imposta pelos parlamentares. Esse é o real atendimento ao princípio da
legalidade estrita. E é esse elemento que torna particular a aplicação do princípio no
âmbito eleitoral, haja vista a dinâmica constante e atualizada desse órgão da jurisdição
na garantia da aplicação da lei ao caso concreto.
13
“Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior, [...] IX - expedir as instruções que julgar
convenientes à execução deste Código. E, também, as previsões da Lei das Eleições (Art. 105. Até o dia 5 de março
do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou
estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel
execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos)
e da Lei dos Partidos Políticos (Art. 61. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para a fiel execução
desta Lei)”.
14
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 231. Também
é o que entende Sivanildo de Araújo Dantas em Direito eleitoral: teoria e prática do procedimento das eleições
brasileiras. Curitiba: Juruá, 2009. p. 219. Para José Afonso da Silva, a matéria eleitoral veiculada por lei que altera
o processo eleitoral, no dizer do art. 16, da Constituição, seria: “Os atos desse processo são a apresentação de
candidaturas, seu registro, o sistema de votos (cédulas ou urnas eletrônicas), organização das seções eleitorais,
organização e realização do escrutínio e o contencioso eleitoral. Em síntese, a lei que dispuser sobre essa matéria
está alterando o processo eleitoral” (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 347).
15
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 882-83.
resolução apresentaria natureza de “ato-regra”, isto é, ato normativo que “cria situações
gerais, abstratas e impessoais, modificáveis pela vontade do órgão que a produziu”,
conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Mello.16
Contudo, o próprio Bandeira de Mello insiste em afirmar que quando o art. 5º,
II, da Constituição preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
algo senão em virtude de lei”, está a se falar de “‘lei’, e não de ‘decreto’, ‘regulamento’,
‘portaria’, ‘resolução’ ou quejandos”. Ou seja, a Constituição Federal exige a lei
para que o Poder Público possa impor obrigações aos administrados. É que a Constituição
brasileira, seguindo tradição já antiga, firmada por suas antecedentes republicanas, não
quis tolerar que o Executivo, valendo-se de regulamento, pudesse por si mesmo, interferir
com a liberdade ou a propriedade das pessoas.17
No mesmo sentido, Clèmerson Merlin Clève, Lenio Luiz Streck e Ingo Wolfgang
Sarlet afirmam:
Leis têm caráter geral, porque regulam situações em abstrato; atos regulamentares
(resoluções, decretos, etc.) destinam-se a concreções e individualizações. Uma resolução
não pode estar na mesma hierarquia de uma lei, pela simples razão de que a lei emana do
poder legislativo, essência da democracia representativa, enquanto os atos regulamentares
ficam restritos a matérias com menor amplitude normativa.19
16
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 83.
17
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 338-
339.
18
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969. 2. ed.
São Paulo: RT, 1970. p. 314. t. III.
19
CLÈVE, Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Os limites constitucionais das
resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Revista da ESMECS, v. 12, n. 18, p. 17-26, 2005.
20
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
p. 63.
que não foi reproduzido qualquer desses dispositivos, mas que recepcionou o Código
Eleitoral com força de lei complementar, a preencher o mandamento do art. 121, da
Constituição,21 que, como já referido, permite à Justiça Eleitoral editar atos normativos
em assunto eleitoral, mas sempre subordinados à lei.
Daí que, para Manuel Carlos de Almeida Neto:
21
“Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das
juntas eleitorais”.
22
ALMEIDA NETO, Manoel Carlos. Direito eleitoral regulador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 219-220.
23
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
24
GONÇALVES, Guilherme de Salles; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; STRAPAZZON, Carlos Luiz. Direito
eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 217-218.
25
“[...] Propaganda. Bem de uso comum. [...] 1. Ao impor limites à propaganda eleitoral, o TSE atua no âmbito
de sua competência. Nessa linha, o art. 14 da Resolução/TSE nº 21.610/2004 possui força normativa, autorizada
pelo Código Eleitoral em seu art. 23, incisos IX e XVIII” (EDclREspe nº 25.676. Rel. Min. José Delgado.
Ac. de 24.8.2006).
26
CLÈVE, Ana Carolina de Camargo. Política pública de incentivo à participação feminina na política: a Justiça
Eleitoral como partícipe do processo de inclusão. Revista Ballot, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 82-102, set./dez. 2015.
27
Conforme classificação de Clèmerson Merlin Clève em Notas sobre a Justiça Eleitoral. In: CLÈVE, Clèmerson
Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 208-217; 219.
28
“Designação de juízes auxiliares. Art. 96, §3º, da Lei 9.504/97. Critérios. Definição. Tribunais Regionais Eleitorais.
Autonomia. Embora não haja óbice para a nomeação de juízes federais para atuarem como juízes auxiliares,
(art. 96, §3º, da Lei 9.504/97), o balizamento constitucional e legal sobre os critérios de designação não autoriza
o Tribunal Superior Eleitoral a definir a classe de origem dos ocupantes dessas funções eleitorais, sob pena de
contrariar o princípio da separação de poderes e ferir a autonomia dos Tribunais Regionais Eleitorais” (PA
nº 59.896. Rel. Min. Nancy Andrighi. Ac. de 12.5.2011).
29
GONÇALVES, Guilherme de Salles; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; STRAPAZZON, Carlos Luiz. Direito
eleitoral contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 219. Ver também os escritos de Olivar Coneglian: “Assim
como cabe ao Poder Executivo a regulamentação das leis ordinárias, ao Poder Judiciário cabe, como Poder
Executivo das eleições, regulamentar as leis eleitorais” (CONEGLIAN, Olivar. Radiografia da Lei das Eleições.
Curitiba: Juruá, 1998. p. 39).
30
CLÈVE, Ana Carolina de Camargo. Política pública de incentivo à participação feminina na política: a Justiça
Eleitoral como partícipe do processo de inclusão. Revista Ballot, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 82-102, set./dez. 2015.
31
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 232 e 233. Ver
também: COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Direito eleitoral, direito processual eleitoral e direito penal eleitoral.
4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 77.
32
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 81.
33
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 234.
34
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 236.
35
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 237.
36
JARDIM, Torquato Lorena. Direito eleitoral positivo. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p. 46.
37
LACERDA, Paulo José M.; CARNEIRO, Renato César; SILVA, Valter Félix. O poder normativo da Justiça Eleitoral.
João Pessoa: Sal da Terra, 2004. p. 52.
Também Luiz Fux e Carlos Eduardo Frazão sustentam que o Tribunal Superior
Eleitoral, em sua função regulamentar, é um dos intérpretes legítimos e autênticos da
legislação infraconstitucional à luz da Constituição. Por isso, a Justiça Eleitoral teria o
“privilégio de, observando estes movimentos realizados pelos demais atores [intérpretes
da sociedade], ponderar as diversas razões antes expostas para, ao final proferir sua
decisão”.38
Assim, essencialmente, constata-se que seria impossível a edição de instruções,
via resoluções da Justiça Eleitoral, que regulamentassem matéria não prevista em lei.
Esse é o pressuposto primordial a ser seguido para que o Estado Democrático de Direito
seja operacionalizado nas regras do jogo eleitoral. Mas anote-se a ressalva de que não
é prescindível a regulamentação para atender à dinâmica das eleições e as evoluções
tecnológicas nelas envolvidas.
Enfim, as resoluções, ao veicular instruções, seriam regulamentos de execução
que, em suma, “não podem assumir o papel que a Constituição reservou à lei. São
atos normativos sujeitos à lei e dela dependentes”,39 mas que, ao mesmo tempo, têm
emprestado às leis que regulam o processo eleitoral a maneira de compatibilizar o sistema
normativo40 ao mundo da vida.
38
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 250.
39
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
p. 313.
40
Resolução TSE nº 12.867. Rel. Min. Oscar Corrêa. DJU, 25 mar. 1987. p. 4.885.
41
“[...] A teor do Código Eleitoral (art. 23, IX), o TSE tem competência para baixar instruções regulamentando
normas legais de Direito Eleitoral” (Ac. nº 25.112. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 19.12.2005).
42
“Nas condutas vedadas previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleições imperam os princípios da tipicidade e da
legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (REspe nº 626-30/DF.
Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. DJe, 4 fev. 2016); “Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior
Eleitoral, as regras alusivas às causas de inelegibilidade são de legalidade estrita, sendo vedada a interpretação
extensiva para alcançar situações não contempladas pela norma” (TSE. AgR-RO nº 39.477. Rel. Min. Gilmar
Ferreira Mendes. DJe, 17 ago. 2015). E no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná: “ELEIÇÕES 2016. FILIAÇÃO
PARTIDÁRIA. INCLUSÃO EM LISTA ESPECIAL. INDEFERIMENTO DO PEDIDO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO
PARTIDO POLÍTICO. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. MITIGAÇÃO DA LEGALIDADE ESTRITA. REQUISITOS
DO ART. 19, §2º, DA LEI nº 9.096/1995. SUPERAÇÃO DO VÍCIO FORMAL. DECURSO DA DATA LIMITE
PARA INCLUSÃO DO ELEITOR. PROVIMENTO Nº 9 - CGE. PROCESSAMENTO JÁ OCORRIDO. INCLUSÃO
NA PRÓXIMA LISTA DO PARTIDO. EFEITOS RETROATIVOS À DATA DO PEDIDO, PROTOCOLIZADO
EM 02/06/2016. REGULARIDADE DA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. MATÉRIA AFETA AO REGISTRO DE
CANDIDATURA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] 4. O reconhecimento da validade de filiação
partidária extrapola a matéria a ser conhecida no procedimento de lista especial, devendo ser comprovada por
ocasião do pedido de registro de candidatura, nos termos do art. 11, §1º, inciso III, da Lei nº 9.504/1997” (Recurso
Eleitoral nº 2.560, Acórdão nº 50.846. Rel. Adalberto Jorge Xisto Pereira, 11.8.2016. DJ, 17 ago. 2016).
43
AIETA, Vânia Siciliano. Liberdades públicas e a tentativa de controle do poder legislativo pelo Poder Judiciário.
In: LEITE, George Salomão; LEITE, Glaucio Salomão; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Jurisdição constitucional e
liberdades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 204.
44
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 242-243.
45
CLÈVE, Clèmerson Merlin; CLÈVE, Ana Carolina de Camargo. A evolução da fidelidade partidária na
jurisprudência do STF. Revista Jus Navigandi, ano 20, n. 4492, 19 out. 2015.
46
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Poder regulamentar do TSE na jurisprudência do Supremo. Conjur, 29
out. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-out-29/constituicao-poder-regulamentar-tse-
jurisprudencia-supremo>. Acesso em: jan. 2018.
47
Segundo o Relator Min. Roberto Barroso, “a perda do mandato, em razão de mudança de partido por candidato
eleito pelo sistema proporcional, decorre logicamente da Constituição para que se preserve a soberania popular
e as escolhas feitas pelo eleitor. Essa proposição é a que se extrai daqueles mandados de segurança anteriores
que o Supremo julgou. Em seguida, eu acrescento: a mesma lógica não se aplica aos candidatos eleitos pelo
sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor [...] no sistema
majoritário a ‘regra da fidelidade partidária’ não consiste em medida necessária à preservação da vontade do
eleitor, como ocorre no sistema proporcional, e, portanto, não se trata de corolário natural do princípio da
soberania popular (arts. 1º, parágrafo único e 14, caput, da Constituição)” (STF. ADI nº 5.081. Rel. Min. Roberto
Barroso, j. 27.5.2015. DJe, n. 162, 19 ago 2015).
48
JARDIM, Torquato Lorena. Processo e justiça eleitoral: introdução ao sistema eleitoral brasileiro. Revista de
Informação Legislativa, v. 30, n. 119, p. 25-46, jul./set. 1993. p. 45.
49
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. TSE fecha ciclo de audiências públicas sobre resoluções das Eleições Gerais de
2018. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-2018/audiencias-publicas>.
Acesso em: jan. 2018.
50
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. TSE fecha ciclo de audiências públicas sobre resoluções das Eleições Gerais de
2018. Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-2018/audiencias-publicas Acesso
em: janeiro de 2018.
7.5 Conclusões
O princípio da legalidade estrita na seara eleitoral tanto baliza quanto informa.
É baliza quando exige que toda norma que cria deveres, direitos e prerrogativas seja
veiculada por lei formal. Não há discussão neste ponto: vive-se o Estado de Direito.
Mas esse Estado também é qualificado por ser democrático e, por isso, o princípio
da legalidade também é informador do momento em que a lei é formulada. É o povo,
por meio dos seus representantes parlamentares, quem dirá o fundamento da norma a
ser veiculada por lei. Assim, em condições democráticas normais, toda lei provém da
vontade do povo.
Viu-se que a contradição do poder regulamentar que o Tribunal Superior Eleitoral
detém para com o princípio da legalidade é tão somente aparente. Isso porque não
há contradição, uma vez que toda norma regulamentar, não importando seu nomen
iuris, depende de autorização legislativa para ser válida e eficaz. É o que ocorre com as
resoluções da Justiça Eleitoral.
Assim, a lei é o fundamento e o limite. Às normas regulamentares é impossível
permitir a extrapolação e, por consequência, a criação de direitos e deveres não previstos
em qualquer texto legal. Analogamente, é o que ocorre com os decretos regulamentares
de execução e de organização que o presidente da República edita para a fiel execução
da lei.
Nesse sentido, a Justiça Eleitoral tem grande função de conglobar as discussões
no Estado Democrático, especialmente no contexto das eleições. É ela que balizará, no
caso concreto, a possibilidade ou não de permitir a igualdade de oportunidades para
diferentes candidatos e levará o programa político-partidário a cada eleitor interessado.
Assim, quanto mais porosidade para que a sociedade também participe da confecção
das instruções do poder regulamentar, melhor.
Com as audiências públicas efetivas verifica-se maior aceitação das resoluções
editadas e se dá mais legitimidade para Justiça Eleitoral continuar a regulamentar a
legislação pertinente ao processo eleitoral. Não se perde o balizamento do princípio da
legalidade estrita, porque ele é obrigatoriamente observado, mas se garante a abertura
democrática do órgão jurisdicional por meio dos seus regulamentos.
51
Segundo Luiz Fux e Carlos Eduardo Frazão, “não pode o TSE renunciar à sua condição de instância protetora
dos direitos políticos fundamentais e do regime democrático. Tal como assentei em outra oportunidade, a
própria legitimidade democrática da Constituição e da jurisdição eleitoral depende, em alguma medida de sua
responsividade à opinião popular” (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito eleitoral.
Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 249-250).
Referências
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BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
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perda do cargo eletivo por infidelidade partidária. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 95, dez. 2011. Disponível
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caderno=28>. Acesso em: jan. 2018.
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Acesso em: janeiro de 2018.
Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
KENICKE, Pedro Henrique Gallotti; CLÈVE, Ana Carolina de Camargo. Princípio da legalidade estrita na
seara eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.);
PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 453-465.
(Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
político faz com que a regra funcione de forma diferente. Finalmente, a conversão é a
ressignificação de uma regra e normalmente ocorre nas lacunas e omissões que podem
ser contestadas. A Tabela 1 a seguir simplifica a diferença entre estes tipos e veremos
que todas essas possibilidades ocorrem na transformação do sistema eleitoral brasileiro
em o que é hoje.
Por outro lado, além de manter a atenção nas possibilidades e formulações das
mudanças e transformações do sistema eleitoral, também devemos nos atentar para
suas continuidades. Thelen (2004), ao explicar a modificação das instituições, afirma que
devemos nos manter atentos às criações feitas em conjunturas críticas mesmo no passado
distante, entendendo que certas características atuais podem ter sido moldadas por
decisões tomadas muito antes. Isso não significa que essas características institucionais
não tenham sido modificadas ao longo do tempo ou que funcionam com a intenção
original. Ademais, conjunturas críticas não, necessariamente, destroem velhas instituições
e as substituem com práticas completamente novas. Mais ainda, a criação de hábitos e
tradições facilmente passa uma regra inovadora para algo imutável, pois é impossível
pensar outra forma de fazê-la. Por isso, Thelen (2004, p. 8) chama atenção para o fato
de que o estudo de instituições deve incluir um entendimento de “retornos crescentes”
– a autossustentação do sistema por mecanismos que o reforçam – negociação política
e adaptação institucional. A autora continua, explicando que os processos que criam
uma instituição nem sempre são os processos que a mantêm. Elementos como sequência
temporal, informação disponível e mesmo sorte também têm seu papel na determinação
de porquê “esta” e não “aquela”.
Novas instituições nunca são completamente novas. A tábula rasa é um mito e,
de fato, instituições são criadas, reformadas, desconstruídas e repensadas dentro de
possibilidades limitadas pelo contexto histórico, atores críticos, informação disponível
e inúmeros outros fatores (WEIR, 1992). Mais que isso, mesmo quando novidades
conseguem ser pautadas na agenda, como cotas eleitorais por exemplo, essas regras
devem interagir com o mesmo sistema de regras formais e informais, num processo de
interação em que essas regras dificilmente existem e podem ser explicadas de forma
isolada (MACKAY, 2014).
elas não formaram as redes de apoio necessárias para sobreviver dentro do mundo
político (MURRAY, 2010).1
Também deve-se incluir o componente geográfico, já que em alguns países, par
ticularmente os poucos que ainda fazem uso do sistema distrital majoritário, o debate
sobre gerrymandering é profundo e conflituoso. Distritos precisam ser redesenhados para
garantir seu tamanho populacional. Por exemplo, nos Estados Unidos, os distritos não
conformam com linhas geográficas naturais ou fronteiras históricas, mas são fronteiras
contestadas para garantir o assento para determinado partido ou mesmo determinada
pessoa (PHILLIPS, 1995).
Outro aspecto importante é o multipartidarismo, que aumenta a quantidade de
candidaturas possíveis e abre mais espaço para a presença de minorias. A seleção
de candidaturas feita pelos partidos busca, primariamente, o aumento de cadeiras no
parlamento, não a ascensão política de membros. Narud (2006), Bernauer, Giger e Rosset
(2015) afirmam que, em países com representação proporcional, partidos buscam can
didatos e candidatas que possam representar todo o espectro do eleitorado, de forma que
sua seleção passa por certos crivos: incumbência, conexões locais, afiliação com grupos
de interesse, e background (ocupação prévia, idade, gênero e origem).2
Alguns aspectos principais dentro da grande temática do financiamento eleitoral
são também pontos importantes dentro do sistema eleitoral de um país e que, assim,
devem ser discutidos: o encarecimento de campanhas, a desigualdade financeira na
disputa eleitoral, a influência indevida de atores externos e o abuso de poder econômico,
a vulnerabilidade de candidatos eleitos em relação a seus financiadores e a falta de
transparência nas finanças eleitorais (SOUZA, 2013).
Sobre as realidades problemáticas em relação à sub-representação de algumas
minorias sociais no sistema representativo, muitos países têm feito ajustes através da
aplicação de cotas. O uso de cotas na política institucional pode ser justificado pela
existência de uma relação estreita entre democracia e inclusão, isso porque “a justiça
implica o reconhecimento de diferenças através da participação ativa de membros
desses grupos nos processos políticos decisórios” (SACCHET, 2012). As cotas para
minorias sociais podem variar, podendo ser aplicadas a candidaturas (destinando certa
porcentagem de candidaturas) ou a assentos (determinando que certa quantidade de
assentos da legislatura seja reservada para a minoria política em questão); entre essas
opções, na lista fechada os partidos podem ser obrigados a ordená-la de forma a intercalar
as candidaturas ou o grupo visado pode ser designado ou eleito por distritos ou terem
assentos proporcionais garantidos aos mais votados (NORRIS, 2004; JONES, 2009).
A construção de uma ferramenta de cotas deve levar em conta suas consequências
em potencial, já que cotas ineficientes não passam de estratégias retóricas (JONES, 2009,
p. 65). Sendo que cotas garantidas em lista fechada e diretamente em assentos têm mais
impacto do que cotas que garantem obrigatoriedade na lista eleitoral. Uma questão
1
A exclusão das mulheres da política é feita de maneira informal, com obstáculos sociológicos e políticos, ao
invés de leis formais. Isto resulta em câmaras legislativas majoritariamente masculinas e brancas, indo contra a
probabilidade de resultados aleatórios (PHILLIPS, 2004).
2
Em casos de competição interna, como o brasileiro, partidos preferem quem pode levantar fundos
individualmente (SAMUELS, 2001a; 2001b) Por outro lado, Norris (2004) se preocupa com o fato de as mulheres
não serem selecionadas para posições “ganháveis”, incluindo o posicionamento na lista, quando fechada. Leis
eleitorais variam de estratégias retóricas, por igualdade de oportunidade, até ação positiva.
altamente debatida é sobre qual tipo de cota é mais eficiente, e é importante notar que
isso depende do contexto histórico, tanto do momento em que as cotas estão sendo
criadas e do processo e sequência temporal que desaguaram nesse ponto. Htun (2004)
argumenta que reserva de candidaturas é mais eficiente para grupos sub-representados
que são transversais, como mulheres, e que reserva de assentos é mais adequada para
minorias étnicas, pois são populações com demandas relativamente coincidentes. Por
outro lado, reservas de assentos têm sido usadas em países africanos com sucesso,
e argumentar pela homogeneidade das demandas de grupos étnicos pode ser algo
conflituoso (CRENSHAW, 1989).
Na continuidade deste texto avaliamos os sistemas eleitorais que o Brasil já
vivenciou em todo seu período Pós-Império, demonstrando que mudanças nem sempre
são lineares ou drásticas e que o inovador, muitas vezes, já vem sendo construído há muito
tempo. Muito do que fazemos hoje foi criado no começo do século passado, sob outro
pensamento e outros objetivos. É o nosso objetivo aqui demonstrar a multicausalidade
do sistema eleitoral e sua capacidade de afetar muitos aspectos da nossa vida coletiva.
3
Decreto nº 511, de 23.6.1890 e Decreto nº 1.542 de 31.8.1893.
4
Lei nº 35 de janeiro de 1892.
5
Lei nº 1.269, de 15.11.1904.
6
O povo deve ao coronel; o coronel deve à elite. O contrato social estabelecido através da “relação de compadrio”
constrói um senso formal de liberdade, mas na realidade cria-se um padrão de dominação no qual a tradição
comanda que não haja traição (FAORO, 1975, p. 634). O poder do coronel, de acordo com Faoro, não era,
necessariamente, dependente de sua riqueza econômica. Seu poder era derivado, principalmente, de seu status
social. De acordo com a relação amizade-dominação, a eleição é uma mera formalidade. Mas uma formalidade
necessária para sustentação da imagem republicana, já que a ideologia liberal não se aplicava a todos, pelo
menos “parecia” que sim (CAMPANTE, 2003, p. 175).
Além dessa associação entre os mais ricos e a política local, o voto não “precisava”
ser secreto. Chamado de “voto descoberto”, este permitia que o eleitor levasse consigo
uma cópia da sua cédula, além de votar perante a mesa (conforme o art. 57). O que
podemos subsumir da combinação dessas regras é que qualquer eleitor dependente de
seu patrão e sendo forçado a um voto de cabresto era obrigado a levar essa cédula-cópia
para verificação. Nota-se que ambas cédulas eram assinadas e carimbadas ao mesmo
momento de acordo com a lei. Os eleitores eram chamados em voz alta para votar, sendo
público quem estava presente ou havia faltado ao pleito. Por outro lado, a partir do
Decreto nº 21.425, de 27.11.1905, o voto em descoberto é restrito somente a casos que a
seção do município, por qualquer razão, não esteja em funcionamento e o eleitor tenha
que ir na seção mais próxima, podendo votar após todos os eleitores daquela seção
terem votado (arts. 4 e 18). É extremamente difícil saber até que ponto qualquer uma
dessas regras, incluindo a formação de comissão, foram, de fato, utilizadas. O período
da República Velha é um em que detalhes dessa natureza, além de nebulosos, podem
ser altamente contextuais – pode ser que em alguns lugares as regras fossem aplicadas
à risca, com certas consequências, e, em outros, elas fossem adaptadas à realidade
local, gerando resultados diferentes. Toma-se como fato dado o “voto de cabresto”,
por exemplo, a ampla penetração dessa crença pode indicar que o decreto de 1905 teve
pouco efeito; mas isso não quer dizer que não teve efeito algum.
O Decreto nº 4.226, de 30.12.1920, determinou que o alistamento eleitoral seria
permanente, podendo ser revisado a pedido do eleitor ou por demonstração de que
ele não correspondia às exigências necessárias. Esse parece ser o primeiro passo no
sentido da obrigatoriedade do voto no Brasil, ao criar uma institucionalização e uma
permanência do eleitorado – uma vez eleitor, sempre eleitor. Como será visto à frente, é
em cima disso que as regras vão se acomodando até atingir a obrigatoriedade do voto.8
7
Todas as citações na grafia original.
8
Como curiosidade, incluímos aqui o art. 7 do Decreto nº 21.425, que determina a obrigatoriedade de fotos e
impressões digitais, tiradas no momento do alistamento: “Art. 7. A photograhia e as impressões digitaes do
Art. 58. Para a eleição de Deputados, os Estados da União serão divididos em districtos
eleitoraes de cinco Deputados, equiparando-se aos Estados para tal fim o Districto Federal.
Nessa divisão se attenderá á população dos Estados e do Districto Federal, de modo que
cada districto tenha, quanto possível, população igual, respeitando-se a contiguidade do
territorio e integridade dos municipios.
§1º Os Estados que derem sete Deputados ou menos, constituirão um só districto eleitoral.
§2º Quando o numero de Deputados não fôr perfeitamente divisível por cinco, para a
formação dos districtos, juntar-se-á a fracção, quando de um, ao Districto da capital do
Estado e sendo de dois, ao primeiro e ao segundo districtos, cada um dos quaes elegerá
seis Deputados.
Art. 59. Na eleição geral da Camara, ou quando o numero de vagas a preencher no districto
fôr de ou mais Deputados, o eleitor poderá accumular todos os seus votos ou parte delles
em um só candidato, escrevendo o nome do mesmo candidato tantas vezes quantos forem
os votos que lhe quizer dar.9
alistando que devem constar da carteira de identidade, exigida para o alistamento nos municípios em que houver
Gabinete de Identificação Federal ou Estadoal reconhecido pela União e cujo serviço seja gratuito, só poderão
ser tiradas no próprio Gabinete, incorrendo em responsabilidade criminal, além da multa de quinhentos mil réis
a dois contos de réis, imposta pelo presidente da Junta de Recursos, o chefe ou encarregado desse serviço, que
consentir ou tolerar que sejam ellas tiradas fora da própria repartição”.
9
Lei nº 1.269, de 15.11.1904.
10
A Câmara dos Deputados era composta por 205 deputados até 1893, quando o número de cadeiras passou para
212 (Decreto nº 511, de 23.6.1890 e Decreto nº 1.542 de 31.8.1893).
Amazonas....................................................................................................... 4
Pará................................................................................................................... 7
Maranhão........................................................................................................ 7
Piauhy............................................................................................................... 4
Ceará...............................................................................................................10
Rio Grande do Norte................................................................................... 4
Parahyba.......................................................................................................... 5
Pernambuco................................................................................................17
Alagoas............................................................................................................ 6
Sergipe............................................................................................................. 4
Bahia...............................................................................................................22
Espírito Santo................................................................................................ 4
Rio de Janeiro..............................................................................................17
São Paulo.......................................................................................................22
Paraná.............................................................................................................. 4
Santa Catharina............................................................................................ 4
Rio Grande do Sul......................................................................................16
Minas Geraes...............................................................................................37
Goyaz................................................................................................................ 4
Matto Grosso................................................................................................. 4
Districto Federal.........................................................................................10
Entrar nos detalhes da Primeira República é uma tarefa árdua, pois são poucos
os estudos sobre essa época. Existiam alguns partidos e tentativas de nacionalização
dos partidos republicanos estaduais, mas sem sucesso. Sabe-se, principalmente, dos
Partidos Republicanos paulista e mineiro, que deram a alcunha de “café com leite” ao
período por sua aliança que garantia sempre a presença de um e outro na presidência e
na vice-presidência. À época, estes cargos eram disputados independentemente, e chapas
eram feitas de maneira informal. O sistema distrital é focado na territorialização do voto,
associando o representante ao local que representa. Sendo formulado originalmente no
Reino Unido como uma forma de a aristocracia se manter próxima à monarquia, seu
objetivo era a representação de interesses diretamente conectados ao local e à pessoa
que o representava. Em sua evolução para um sistema por eleição, Edmund Burke, por
exemplo, fica famoso ao afirmar que o representante nunca precisa ir ao seu distrito, e
foi o que fez ao ser representante de Bristol.
Entendendo esse aspecto do sistema que existia na República Velha, podemos
compreender melhor a dinâmica instalada ali. O sufrágio era restrito e altamente vigiado
por coronéis e patrões; os partidos eram agremiações locais que reuniam os interesses
da classe socioeconômica mais alta, mas sem direcionamento ideológico, com as duas
Art. 119. O cidadão alistavel, um ano depois de completar maioridade ou um ano depois
de entrar em vigor este Codigo, deverá apresentar seu titulo de eleitor para poder efetuar
os seguintes Atos:
a) desempenhar o continuar desempenhando funções ou empregos publicos ou profissões
para as quais se exija a nacionalidade brasileira;
b) provar identidade em todos os casos exigidos por lei, decretos ou regulamentos.
11
“O mecanismo da máquina de votar é o seguinte: trata-se de uma caixa de ferro, de formato regular; que possui
cinco dispositivos especiais, onde o eleitor coloca uma chave, no ato de votar, escolhendo, de acordo com a
inspiração partidária correspondente, a chapa que lhe convém. Isto posto, o eleitor faz um movimento na chave,
que é registrado por uma campainha, não havendo possibilidade de fraude, pois que, quando se registra a
operação, os outros dispositivos receptores, destinados a outros partidos, ficam automaticamente protegidos.
Realizado o movimento, o aparelho registra na coluna partidária respectiva o voto do eleito, podendo ser a
máquina colocada em cabine indevassável especial, afim de que o escrutínio seja rigorosamente secreto” (Folha
da Tarde, 9 set. 1937. p. 1 apud MEMORIAL DA JUSTIÇA ELEITORAL GAÚCHA, 2016).
12
Lembrando que a normatização eleitoral do período republicano anterior desta época se restringiu a definir
o escopo de cidadãos alistáveis para votar, se assim quisessem, não imputando obrigação de votar a nenhum
indivíduo, mas apenas descrevendo os indivíduos que poderiam votar se o quisessem e facultativamente.
A Constituição de 1934 determina, no art. 109, que o alistamento e voto são obri
gatórios para homens e para mulheres que exerçam cargo público remunerado e passa
a maioridade para 18 anos, mudança mantida pela Lei nº 48, de 4.5.1935, que adiciona a
obrigatoriedade para quem tiver se alistado. Ou seja, quem se apresentasse como eleitor
ou eleitora assumia para si a responsabilidade obrigatória de votar ou justificar ausência.
O título também passa a ser obrigatório para que homens comprovem sua identidade.
O art. 58 do Código de 32 estabelece o sistema de representação proporcional,
sendo também a primeira vez que a legislação eleitoral fez referência aos partidos polí
ticos. Partidos e grupos de mais de cem eleitores e eleitoras podiam registrar listas de
candidatos e candidatas com uma legenda, assim como era permitida a candidatura
avulsa. O quociente eleitoral (QE) era contabilizado dividindo a quantidade de votos
por cadeiras na circunscrição eleitoral (quota Hare) e o quociente partidário dividindo
o QE pela quantidade de votos recebidos em legenda (desconsiderando, portanto,
avulsos). Tendo em vista o alto valor que a quota Hare gera, o voto era contabilizado em
dois turnos (votados simultaneamente). No primeiro turno, eram eleitas as pessoas que
alcançassem o QE até que acabassem as vagas. Calculava-se, então, o QP, determinando
quantas cadeiras cada partido tinha direito e, se já não tivessem sido preenchidas pelo
QE, observava-se a pessoa mais votada da legenda. Caso o QP tivesse sido satisfeito e
o QE não fosse alcançado por um número suficiente, no segundo turno levava-se em
consideração os votos em legenda e nominais, mas não havia mais proporcionalidade:
a ordem de eleição era definida de forma majoritária pela soma do voto em legenda e
nominal do candidato ou candidata. Essa fórmula também é conhecida como “maiores
sobras”.
A extrema confusão causada por esse sistema foi altamente criticada à época e
modificada em 1935, com a Lei nº 48 de 4 de maio (RICCI; SILVA, 2016, p. 4). O art. 90
explica que a eleição em primeiro turno inclui tanto os candidatos e candidatas que
igualassem ou ultrapassarem o QE (mesma fórmula, incluindo votos brancos como
válidos) e os candidatos e candidatas mais votados nominalmente dentro de uma
legenda que tenha alcançado o QP (mesma fórmula). O segundo turno serviria para
preencher os assentos vagos com os candidatos e candidatas mais votados ainda não
eleitos dos partidos que atingiram o QE. Nota-se que o sistema somente corrige a
confusão feita pelas etapas do processo, continuando extremamente complexo. A pro
porcionalidade não vem acompanhada, necessariamente, de uma complexificação do
processo eleitoral; os cálculos pensados na década de 30 demonstram isso por serem
uma combinação de proporcional com majoritário e por não terem uma visão clara da
origem da proporcionalidade. O método favorecia os mais votados nominalmente e
suas legendas, incentivando a pertença a partidos apesar da liberação para candidaturas
avulsas e por grupos independentes.
É também neste período que os estados passam a ser as circunscrições eleitorais,
mas a consideração na característica proporcional deve ser vista de maneira crítica.
Com o fechamento do parlamento, Getúlio Vargas faz uso do art. 180 da Consti
tuição de 1937, outorgada por ele, para governar por decreto-lei até 1945. Até fevereiro
de 1945, não houve eleições no Brasil, mas é importante notar que o período até 1937
não foi tranquilo ou democrático. Inclusive, a Prefeita Alzira Soriano foi deposta por
não ser getulista.
13
Desde a Assembleia Constituinte que as associações profissionais tinham representação política, com 40 repre
sentantes naquele momento, 20 representantes de empregados e 20 de empregadores.
Foi feita assim a remoção dos aspectos mais autoritários da Constituição de 1937
e estabelecida a regularidade eleitoral a partir de 1946, de quatro em quatro anos. Nesta
norma também é mantida a proporcionalidade e a circunscrição eleitoral nos estados,
“não podendo ser superior a trinta e cinco nem inferior a cinco por Estado, ou pelo Distrito
Federal”. Em conjunto com o Decreto-Lei nº 7.586, de 28.5.1945 (“Lei Agamenon”),
Vargas parece buscar consolidar seu legado no quesito eleitoral. Reorganizaram-se a
Justiça Eleitoral brasileira, os pleitos eleitorais e o alistamento eleitoral dos cidadãos.
Com a reintrodução da Justiça Eleitoral no país houve à época a preocupação de
fazer campanhas de conscientização dos cidadãos em relação ao ato de votar, já que o
Estado Novo havia desconstruído as possibilidades institucionais de participação do
cidadão.
O voto se torna obrigatório para todos os homens e para todas as mulheres que
exerçam função lucrativa (com algumas exclusões da obrigatoriedade, como os inválidos,
os maiores de 65 anos, os brasileiros a serviço do país no estrangeiro, os oficiais das
forças armadas em serviço, os funcionários públicos em licença ou férias fora de seus
domicílios, os magistrados). É inquietante ver que mulheres que exerciam trabalhos
domésticos e não lucrativos eram tratadas como cidadãs apartadas da política e que
suas vontades nestes assuntos eram consideradas menos relevantes que as dos cidadãos
do sexo masculino, afinal de contas não há cláusulas exclusivamente masculinas que
os faculte o voto.
Analfabetos continuaram excluídos do direito ao voto, algo também preocupante,
considerando que esta população impedida de tomar parte em sua cidadania era a que
mais precisava garantir sua representação e voz em meio à elite.
Os quocientes eleitoral e partidário e a distribuição de votos ficaram como antes.
Partidos políticos, que antes podiam ser registrados com apenas 200 assinaturas de
membros do eleitorado, passam a precisar de 10 mil eleitores e eleitoras para registro,
em cinco ou mais estados; partidos estaduais passam a ser proibidos. Se antes os partidos
maiores já eram beneficiados pela quota Hare e pelo quociente partidário, agora essa
barreira é colocada ainda mais alta, com a dificuldade na formação de partidos. Ainda
vemos consequências dessas medidas, com a existência somente de partidos nacionais
no Brasil (países como a Argentina e a Suécia possuem partidos locais e regionais).
14
“[...] Em 2006, finalmente, o STF declarou a inconstitucionalidade da cláusula de barreira” (SOUZA, 2013, p. 5).
15
Em 2015 o Deputado Federal Leonardo Picciani (PMDB – RJ) propôs que dentro do pacote da reforma política
se reintroduzisse a candidatura múltipla. Esta permitiria que candidatos disputassem na mesma eleição até dois
cargos, um majoritário e um proporcional. Então, se o candidato levasse as duas cadeiras ele poderia escolher
qual gostaria de ocupar.
16
“Estabeleceu-se em 2006, entretanto, que caberia também à lei fixar esses limites até o dia 10 de junho de cada
ano eleitoral. Somente se a lei silenciasse sobre os limites é que os partidos deveriam fixá-los. A prática tem sido,
de fato, a lei do silêncio” (SOUZA, 2013, p. 7).
as regras que duraram até 1950, em que mulheres que não exercessem trabalho lucrativo
poderiam escolher não participar do pleito eleitoral. Além disso, se formos mais a fundo
na análise, possivelmente essa regra está vinculada a uma política de desincentivo ao voto
feminino de forma mais ampla. Pensemos bem, em um momento histórico – início da
República até os anos 50 – em que apenas 10% das mulheres faziam parte da população
economicamente ativa do país (PINHEIRO, 2012), isso significava que apenas 10% das
mulheres participariam obrigatoriamente como eleitoras. Sendo que, é bom que se
observe, não havia nenhuma regra associando o voto masculino facultativo ao exercício
de alguma atividade lucrativa, pelo contrário, todos os homens, independentemente de
sua situação laboral, eram obrigados a votar. Enfim, a supressão desta regra do Código
Eleitoral de 1965 é um pequeno avanço no tratamento de mulheres de forma geral como
sujeitas pensantes e com direito à cidadania.
No caminho de uma expansão normativo-democrática, a Constituição de 1988,
apesar de transcrever grande parte do Código Eleitoral de 1965, trouxe, pela primeira
vez, a possibilidade de analfabetos serem eleitores, mas ainda os mantém inelegíveis.
O sufrágio eleitoral para militares também se amplia e se restringe o voto apenas de
conscritos durante o período militar obrigatório. O alistamento eleitoral e o voto conti
nuam obrigatórios aos cidadãos que tem entre 18 e 70 anos, no entanto se adiciona o voto
facultativo a maiores de 16 anos e menores de 18 anos, aumentando assim a população
de eleitores.
A norma eleitoral também mantém que, para se candidatarem, brasileiras e brasi
leiros deveriam estar, obrigatoriamente, registrados em partidos. Contudo a possibi
lidade de candidatura múltipla desaparece.
Atualmente a Constituição de 1988 determina (através da Lei Complementar
nº 78, de 30.12.1993) o número fixo de 513 cadeiras, sendo a divisão que determina o
tamanho das bancadas estaduais ainda feita com a população brasileira de 1998. Chega-
se a 513 cadeiras estabelecendo a proporcionalidade um(a) representante por 370 mil
eleitores(as), porém não há, em nenhuma norma, explicação ou mesmo determinação
formal para esse valor. Para decidir o tamanho das bancadas de cada estado, divide-se
toda a população por 513 e a população de cada estado por esse resultado. Respeita-se
limites mínimo e máximo de oito e 70 representantes – assim quando um estado não
alcança, naturalmente, oito representantes, este número lhe é garantido. Somente São
Paulo teria mais de 70 representantes, sendo o único estado a ter essa quantidade de
deputados e deputadas.
A representação proporcional é mantida e é sempre alvo de debate, mas pouca
perspectiva. De fato, a proporcionalidade pode ser feita em relação a qualquer critério
definido no momento da constituinte. Pode-se fazê-la em referência a quem tem cabelos
curtos e longos; que têm animais domésticos; casa ou apartamento; ou, mais logicamente,
à população de cada estado assim como os votos recebidos pelos partidos, como é o
nosso caso. Assim, o número de cadeiras é definido a partir da população da cidade/
estado e a distribuição delas é proporcional aos votos recebidos pelos partidos.
Em nossa jabuticaba eleitoral se vê que o Brasil é um dos poucos a usar a
representação proporcional com lista aberta e se destaca por ser o maior país a fazê-lo e
pela duração desta combinação, desde 1945 (NICOLAU, 2006, p. 57). Essa combinação
favorece o multipartidarismo que, no nosso caso, é combinado com coligações pré-
eleitorais. A junção dessas várias regras serve para aumentar a proporcionalidade de
estados e partidos representados (LIJPHART, 2012; NICOLAU, 2006, p. 36).
17
“[...] distribuídas em 12 parcelas para os partidos. Tais dotações foram definidas em valor nunca inferior, a
cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária,
multiplicado por R$0,35 (em valores de agosto de 1995). Os valores deflacionados – tendo como base o ano
de 1994 – indicam que, em apenas dois anos, o montante distribuído por meio do FP aumentou em mais de
30 vezes. Em 1994, o fundo não alcançou um milhão de reais. Apenas dois anos mais tarde, no ano de 1996, esse
valor já passava de 20 milhões de reais (valor deflacionado relativo aos quase 50 milhões de reais distribuídos
naquele ano)” (SOUZA, 2013, p. 5).
18
Usa-se indiscriminadamente, aqui, sexo e gênero. Apesar de serem conceitos contestados, já é consenso nas
ciências sociais que estas palavras não são sinônimas, mas devem ser definidas diferencialmente, assim como
A Lei nº 9.504, de 30.9.1997, por sua vez, aumenta a reserva para 30%, com a seguinte
redação (grifos nossos):
§3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou
coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento
para candidaturas de cada sexo.
possuem, entre si, complexas relações de interação que podem ou não serem causais. Nos últimos anos, esse
debate tem sido amplamente sentido na legislação brasileira, com disputas em plenários em todas as esferas
assim como modificações em propostas de lei de forma a usar uma ou outra palavra. Pretende-se, com o uso
único de “sexo” determinar que somente o que é determinado pela medicina ao nascer deve ser considerado pela
lei; no entanto, à época da formulação das cotas eleitorais, esse debate ainda não era tão detalhado entre a classe
política.
necessário proteger a representação dos estados com populações menores. É comum ver
isso tratado como uma “injustiça” com os estados maiores, mas a consequência disso
é que a região Sudeste não é capaz de governar o país sozinha e de acordo com seus
interesses em detrimento das outras regiões do país.
Outra regra eleitoral relevante para a compreensão da dinâmica política brasileira
é a lista aberta. Apesar da sua extrema importância e seu longo histórico de uso no Brasil,
a expressão em si e seu significado são pouco conhecidos. De fato, é tão comum para
a cidadã ou o cidadão brasileiro ir à urna e votar em uma pessoa ao invés de em uma
legenda, que essa mecânica já é tomada como fato dado. Para efeitos de comparação,
pensemos no funcionamento da lista fechada na Argentina. Antes das eleições todos os
partidos apresentam suas listas de candidaturas, com a cota de 30% de candidaturas
femininas. As listas já vêm ordenadas: se determinado partido consegue dez assentos,
as dez primeiras pessoas nessa lista serão eleitas. Como a cada dois nomes masculinos,
obrigatoriamente, deve-se apresentar um nome feminino (ou a cada dois femininos, um
masculino), pelo menos três mulheres deste partido serão eleitas. No caso brasileiro, os
partidos apresentam um grupo de candidaturas, sem ordenação. O eleitorado vota e,
somente após a contagem dos votos, a lista é ordenada. O quociente partidário é aplicado
e descobre-se quantos assentos cada partido irá receber.
Além de decidir a população votante e estabelecer a formação de partidos, o
sistema eleitoral também decide as fronteiras populacionais nas quais essa população
vota e seu voto será contado. Por exemplo, em países unitários, como o Uruguai ou a
Suécia, mesmo o voto proporcional é contabilizado de forma nacional, ou seja, é somente
proporcional à população e não a algum distrito eleitoral. Como o Brasil é um país
federalista, a proporcionalidade de cada cargo segue a população das circunscrições
eleitorais, cidades e estados.
Duas questões ainda afetam diretamente a lista aberta: a magnitude dos distritos
e a quantidade de candidaturas. Como falamos acima, os distritos ou circunscrições
eleitorais, no Brasil, coincidem com as fronteiras geográficas dos estados e dos muni
cípios. Assim, quando falamos de magnitude do distrito no Brasil, no caso de Minas
Gerais, estamos falando de 53 deputados e deputadas federais e 77 deputados e de
putadas estaduais que, no papel, concorrem em todo o estado. Avaliar a eficiência do
tamanho de um distrito é uma questão complexa incorporando, além de fatores políticos
e logísticos, questões culturais e históricas.
É também importante que se entenda que omissões institucionais – no sistema
eleitoral, por exemplo, podem ajudar a perpetuar situações de injustiça social nos
estados. No caso brasileiro chama atenção que ainda hoje não houve a concretização
de cotas garantidoras de assentos para minorias historicamente oprimidas, como
mulheres, negros e indígenas. No caso da representação política de pessoas negras,
a resultante da falta de uma norma eleitoral específica gera resultados desastrosos.
Pessoas negras, que constituem quase 50,7% (2014) da população brasileira (somatório
de pretos e pardos, segundo dados do IBGE), representaram apenas 20% da Câmara dos
Deputados na legislatura iniciada em 2015 (103 deputados) e somente 18,5% (5 sena
dores entre os 27 eleitos) do Senado.19 O mesmo acontece com mulheres, que são 51%
19
Candidatas enfrentam múltiplos obstáculos que não são associados com campanhas masculinas e mesmo as que
atingem maior sucesso não se comparam aos candidatos em termos de volume arrecadado e de gastos por voto
(GOMES, 2012; SPECK; SACCHET, 2012a; 2012b).
da população brasileira, e que mesmo que tenham cotas de 30% garantidas nas listas
abertas eleitorais dos partidos – cotas essas pouco eficazes se comparadas à reserva de
assentos e à cota em lista fechada –, ocuparam apenas 9,9% das cadeiras na Câmara dos
Deputados na legislatura de 2015 e no Senado correspondem a apenas 13,6% do total
de senadores, apresentando resultados de representação feminina piores que de países
tradicionalmente conservadores em relação às mulheres, como a Arábia Saudita.
Enfim, o sufrágio eleitoral no Brasil foi consolidado ao longo do século XX e
baseou-se no princípio da igualdade do voto entre cidadãos. O problema, que resultou
na não incorporação de todas as brasileiras e todos os brasileiros no escopo do direito de
voto logo de início, foi o entendimento de que parte do povo brasileiro não era dotada
de cidadania e, portanto, não deveria ter direitos políticos. E, mesmo quando o sufrágio
teve sua completude com Getúlio Vargas, não havia o entendimento de justiça cidadã
imbuída no princípio, mas o desejo de aumentar o número de votantes com o interesse
em ganho próprio. Somente atualmente o voto obrigatório adquiriu uma perspectiva
de inclusão social e garantia de direito político. O Brasil, sendo um país com dívidas
históricas com vários segmentos populacionais e com uma grande expansão territorial,
precisa garantir que todo o eleitorado tenha acesso ao seu direito de voto. Assim, a
obrigatoriedade do sufrágio existe tanto para a população (que facilmente justifica,
anula ou paga uma multa irrisória) quanto, e principalmente, para o Poder Público,
que é obrigado a fornecer urnas padronizadas, colocadas em todas as seções, mesas
completas, transporte e, inclusive, o horário gratuito de propaganda eleitoral.
Sobre o debate com relação à moralização das formas de financiamento eleitoral,
pode-se afirmar, como observou-se ao longo do texto, que acontece no Brasil desde os
idos de 1945 e concretizou-se em iniciativas para corrigir irregularidades identificadas
no âmbito das finanças eleitorais (SOUZA, 2013). O que se pode dizer é que o sistema
eleitoral brasileiro é, de uma só vez, extremamente aberto e permeável e extremamente
concentrador de poder e dinheiro. Ao permitir milhares de candidaturas e representação
proporcional, a impressão que se tem é que tudo está em fluxo e o sucesso pode ser de
qualquer pessoa. Mas o alto nível de incerteza da competição eleitoral leva investidores
e investidoras, candidatos e candidatas, a buscar essa certeza de outra forma: através
do dinheiro.20
Concluindo, vê-se que nosso sistema eleitoral não surge pronto em 1988, 1997,
2015 ou 2017, mas é formulado ao longo de toda nossa história republicana, sendo ainda
afetado pela exclusão de mulheres e pessoas não brancas da política, pela concentração
de renda, coronelismo e patrimonialismo, assim como fazendo uso de regras formais
adotadas ainda no começo do século XX. Em um momento de instabilidade política,
pensa-se que uma reforma, além de possível e provável, é também salutar, mas a
história nos mostra que nem sempre as reformas vêm para o bem e nem sempre são tão
inovadoras. Enquanto população, o que esperamos é que qualquer reforma, mudança e
releitura de regras políticas e eleitorais seja feita com maturidade e sabedoria, tendo em
20
A forte aproximação de investimento na campanha e quantidade de votos mostra que é necessário ter grandes
volumes de dinheiro para garantir uma campanha (SPECK; SACCHET, 2012b). Por outro lado, dinheiro
não é tudo. Candidaturas de representantes de populações minoritárias, como mulheres e pessoas negras,
precisam gastar muito mais para garantir seu sucesso, dada a falta de características associadas com o perfil
político tradicional. Com menores probabilidades de serem apoiadas pelos partidos, elas precisam arrecadar
completamente sozinhas (GOMES, 2012).
Referências
ÁLVARES, Maria Luiza Miranda. Mulheres brasileiras em tempo de competição eleitoral: seleção de
candidaturas e degraus de acesso aos cargos parlamentares. Dados, v. 51, n. 4, 2008.
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2.1 Introdução
Por entender que sistemas políticos são meios para o funcionamento adequado
de democracias nacionais e que todo arranjo institucional é resultado de um conjunto
de interesses que definem o que é o funcionamento adequado de um sistema, o presente
capítulo não pretende fazer um apanhado sobre os diferentes modelos, instituições,
regras e formas de funcionamento dos sistemas políticos nas democracias modernas. Esse
tipo de abordagem já está bem documentado na literatura, tanto no campo do direito
(ZIPPELIUS, 1974; BARRACHO, 1977, SCHWARTZ, 1984; ZILVETI, 2004), passando
desde os tratamentos mais normativos e prescritivos até as descrições de efeitos das
regras. Assim como na ciência política, muitos autores têm se debruçado, seja na descrição
do funcionamento dos sistemas políticos, com suas consequências e resultados; seja na
prescrição normativa de funcionamento esperados de sistemas políticos a partir dos
efeitos esperados de regras e arranjos institucionais (DUVERGER, 1980; LIJPHARD,
1984; ABRANCHES, 1988; PALERMO, 2000; NICOLAU, 2002; COMPARATO, 2007;
LASSANCE, 2012; ARAÚJO, 2016). O desenvolvimento das análises na área gerou
uma especialização, com consequência distinção entre sistemas de governo, sistemas
partidários e sistemas eleitorais, como três dos principais subsistemas que conformam
um sistema político representativo nas democracias modernas (ARRETCHE, 2004;
SOUZA, 2005).
Os sistemas políticos têm a dupla função de organizar os processos de repre
sentação institucional e de conformar demandas, permitindo maior ou menor hetero
geneidade interna no sistema. Em geral, os Estados podem ser organizados como
uma única unidade nacional ou como uma federação de subunidades que, juntas,
conformam uma nação. Os sistemas de governo podem ser parlamentaristas, quando
há forte interdependência entre Legislativo e Executivo; ou presidencialista, quando
existe uma independência maior entre governo e parlamento. No parlamentarismo o
chefe de Estado é distinto do chefe de governo. Este último é escolhido pelo parlamento
e tem sua permanência à frente do Executivo ligada diretamente ao apoio obtido no
parlamento. Assim, sistemas parlamentaristas preveem que os mandatos não têm
duração predefinida, a manutenção deles depende da capacidade de gerir as forças
políticas no parlamento. Já no presidencialismo, chefe do Executivo é o mesmo que o
chefe de Estado, sendo escolhido diretamente pelos eleitores em sistemas democráticos.
Integrantes do parlamento são eleitos de maneira independente do chefe do Executivo.
Com maior independência entre os poderes, os tempos de mandatos são fixados
previamente e apenas em casos raros eles podem ser interrompidos – via processos
de impeachment do chefe do Executivo, do próprio parlamento ou via recall, quando o
processo de destituição passa por uma consulta direta aos eleitores. Existem variações,
com semipresidencialismo ou semiparlamentarismo, que são organizadas a partir da
maior ou menor independência do Executivo em relação ao Legislativo e da capacidade
de influenciar a formação de governos diretamente pelos eleitores (DUVERGER, 1980;
ELGIE, 1999; CHEIBUB, 2007).
Outro subsistema que integra os sistemas representativos é o partidário. Parti
dos políticos são organizações especializadas em fazer a representação política da
sociedade frente ao Estado e em organizar as relações entre elites políticas dentro
das instituições estatais, principalmente. O sistema partidário pode ser mais fechado,
quando dá exclusividade aos partidos políticos como representantes de demandas da
sociedade, ou mais aberto, quando permite que os partidos concorram com outras orga
nizações, como sindicatos, entidades sociais, classistas, na escolha de representantes
para as instituições estatais. Uma forma intermediária é a dos sistemas partidários
que permitem a participação formal de segmentos da sociedade independentes dos
partidos, porém, integrantes das listas apresentadas pelas organizações partidárias em
eleições, por exemplo. Outra característica dos sistemas partidários é se eles permitem a
existência de partidos regionais/locais ou se aceitam apenas o registro de partidos com
abrangência nacional. Sistemas partidários nacionalizados geram maior homogeneidade
na representação e mais poder aos líderes dos partidos, enquanto sistemas que permitem
partidos regionais geram maior capacidade de representação de demandas específicas
no sistema político, o que faz crescer heterogeneidade na representação de interesses
segmentados do público dentro do sistema político formal (SARTORI, 1976; SAMUELS,
1979; ALCÁNTARA, 1985; PANEBIANCO, 1988; KINZO, 1993; MAINWARING;
TORCAL, 2005).
O último dos subsistemas relevantes do sistema político é o eleitoral. Ainda
que existam centenas de variações e particularidades para a adaptação prática, eles
são divididos em dois grandes grupos. Há o sistema eleitoral majoritário, no qual os
candidatos são eleitos por maioria de votos em determinado distrito eleitoral. Pode ser
maioria simples ou maioria absoluta. Nesse caso, partidos indicam o equivalente ao
número de vagas em candidatos por distrito. O resultado é uma concentração em poucos
candidatos e um risco permanente de grandes diferenças entre a vontade do eleitor
expressa em votos e a composição dos legislativos. Outra matriz de sistema eleitoral é
imperador, sucedido por direito familiar, e com poder político concentrado nas mãos
de poucos integrantes da sociedade.
A partir do final do século XVIII, em pequenos países da região norte da Europa,
segmentos populares da sociedade começaram a reivindicar capacidade de intervenção
nas decisões políticas (MARKOFF, 1999). Naquele período acreditava-se que a
transposição do direito a tomar decisões da nobreza para o povo diretamente só seria
viável em pequenos países, dada a complexidade das demandas em países com amplos
territórios. A revolução francesa e, ao mesmo tempo, o federalismo norte-americano
buscaram alternativas para garantir maior capacidade de representação de segmentos
populares. A Constituição norte-americana é a primeira a reconhecer o cidadão comum
como agente promotor do sistema representativo (SCHWARTZ, 1984). A bill of rights
começa com “nós, o povo...”, o que é algo revolucionário se considerarmos que até então
os segmentos populares eram, no máximo, o polo passivo de qualquer organização
política. É no final do século XVIII que o sistema passa a considerar como central o
interesse popular e a essa nova conformação se dá o nome de democracia moderna.
Assim, temos como característica fundante dos sistemas políticos modernos o
interesse popular como o mais relevante. No entanto, em grandes Estados havia uma
dificuldade em colocar esse sistema em funcionamento, pois as demandas do povo não
podiam ser reunidas em um único conjunto de “entradas” no sistema. O passo seguinte
à legitimação das demandas populares como fundantes da política representativa foi
incorporar ao sistema um conjunto de organizações especializadas em promover a
representação de interesses populares junto ao Estado. Essas organizações ganharam o
nome de partidos políticos (MARKOFF, 1999). Assim, nas democracias representativas
modernas, partidos cumprem o papel de representar interesses de segmentos da
sociedade em sistemas de livre competição pelo poder de representação popular. A ideia
de partido só faz sentido se considerada no plural, o que significa que sistema de partido
único é um desvio; e, além disso, os partidos devem integrar um sistema competitivo
para garantir a representação de partes de todas as forças populares dentro do Estado.
Estabelecido o princípio da centralidade das demandas populares e criado o
sistema partidário ligado a sistema eleitoral competitivo, o próximo passo das demo
cracias modernas foi estabelecer instituições que fossem capazes de representar no
Estado as demandas daqueles que não estão no Estado, via representantes partidários
eleitos periodicamente. A principal dessas instituições é o parlamento, local onde
os representantes do povo, escolhidos por algum mecanismo aceito por todos, se
reúnem para defender os interesses de diferentes segmentos populares (DAHL, 2001).
A consequência disso foi a quarta inovação das democracias modernas e que obrigou
os sistemas a se adaptarem institucionalmente a algum tipo de prestação de contas
(accountability). A primeira e em muitos sistemas ainda principal forma de accountability
é a eleitoral (MARKOFF, 1999).
Nos últimos dois séculos a engenharia institucional dos sistemas políticos se viu
obrigada a incorporar algum tipo de prestação de contas dos representantes eleitos
aos representados eleitores, os populares. Antes, o sistema político não se preocupava
em estabelecer canais formais de prestação de contas ao povo. Com a transformação
das eleições em momento-chave para a organização dos atores políticos no sistema, no
século XIX o voto passa a ser secreto. Até então, os cidadãos tinham o dever de tornar
público seu voto, apresentando-se publicamente como apoiadores de determinado
Lei nº 9.096/1995 – Fim de balancetes mensais dos partidos em ano de eleições. Quatro meses antes e dois
– Lei dos Partidos meses depois da campanha.
Políticos – O §5º do art. 32 da lei passa a estabelecer que a desaprovação da prestação de contas
do partido não ensejará sanção alguma que o impeça de participar do pleito eleitoral.
– A redação do art. 37 passa a ser que a desaprovação das contas do partido implicará
exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular,
acrescida de multa de até 20% do valor.
– Além disso, o artigo também estabelece que a multa deverá ser aplicada de forma
proporcional e razoável, pelo período de até doze meses. O pagamento será feito por
desconto nos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário, desde que a prestação
de contas seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, em até cinco anos de sua
apresentação.
votos em relação ao cociente partidário. Isso evita que “puxadores de votos” consigam
eleger vereadores ou deputados com votações próprias muito baixas. Também houve
redução do tempo de propaganda eleitoral e a partir de 2015 as denúncias de abuso do
poder econômico ou compra de votos deixa de contar apenas com provas testemunhais
para condenação. Passa-se a exigir prova material para perda de mandato de quem é
eleito exercendo abuso de poder econômico na campanha. Como se percebe, em geral, os
resultados das reformas promovidas pela elite política em 2015 foram na direção contrária
às demandadas pela opinião pública durante o período de crise política iniciada em 2013.
de relações pouco republicanas entre a elite política e a elite econômica do país, visando
ao atendimento de interesses mútuos. Porém, considerar que em um país continental
como o Brasil é possível fazer representação política sem recursos financeiros é um
equívoco primário, que abre as portas para corrupção e caixa 2 nas atividades políticas.
Assim como considerar que o problema da corrupção no Estado será resolvido com
reformas eleitorais. Não. O problema é administrativo e não eleitoral. Está na capacidade
de desvio de recursos públicos destinados originalmente a políticas ou obras públicas.
A fiscalização desses pagamentos e formas de contratação é a única alternativa para
combate à corrupção organizada no sistema político brasileiro.
A redução da influência de interesses econômicos que distorcem o sistema
representativo só se dará quando a questão do financiamento foi equacionada de fato e
os partidos políticos produzirem quadros para serem candidatos ao invés de buscarem
lideranças sociais externas para garantir a ocupação de cadeiras nos legislativos. Para
tanto, é preciso fortalecer os partidos como instituições especializadas na representação
de demandas da sociedade no Estado e para organizar o debate político nos parlamentos.
Por mais que se desenvolvam as capacidades individuais de vocalização de demandas
na arena política e por mais que as instituições tradicionais sofram concorrência de
novas organizações de representação de demandas sociais, a democracia representativa
baseada em partidos políticos ainda é a forma mais eficaz de promover a paz cívica nos
sistemas políticos do século XXI.
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(Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
1
WEBER, Max. A política como vocação. In: WEBER, Max. Ciência e política, duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1996.
p. 56.
2
Sobre isso, cf. Burnell, que entende que a quantidade de dinheiro utilizado para o financiamento e a sua influência
no resultado das eleições não podem ser sobre-estimadas, pois existem outros elementos que têm influência
decisiva (BURNELL, Peter. Introduction. In: BURNELL, Peter, WARE, Alan (Ed.). Funding democratization.
Manchester: Manchester University Press, 1998. p. 6).
3
MILYO, Jeffrey. The political economics of campaign finance. The Independent Review, v. III, n. 4, p. 537-547, 1999.
p. 541-545.
4
MARTÍN DE LA VEGA, Augusto. Los partidos políticos y la Constitución de 1978. Libertad de creación y
organización de los partidos en la Ley Orgánica 6/2002. Revista Jurídica de Castilla y León, p. 201-228, jan. 2004.
p. 207.
5
Nassmacher considera que o termo “financiamento da política” tem diferentes conotações. Uma que contrasta o
financiamento privado com o público tanto de partidos e eleições, ou o que somente se refere ao financiamento
de partidos e campanhas eleitorais, sem mencionar se é privado ou público. (NASSMACHER, Karl-Heinz.
Comparing party and campaign finance in Western Democracies. In: GUNLICKS, A. B. (Ed.). Campaign and party
finance in North America and Western Europe. Colorado: Westview Press, 1993. p. 238). Por sua vez, Gruenberg sugere
duas definições para o financiamento da política, uma restrita aos recursos arrecadados pelos partidos e candi
datos, para sustentar gastos eleitorais e suas atividades permanentes, e outra mais ampla, que engloba todo e qual
quer recurso usado na política, como os lobbies (GRUENBERG, Christian: El costo de la democracia: poder económico
y partidos políticos. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2007. p. 17). Neste trabalho, será usada a concepção restrita.
6
Weber já manteve posição de que as finanças dos partidos constituem a parte menos clara da sua história, o que
se contrapõe com o fato de que também seja um dos pontos mais importantes (WEBER, Max. Economía y sociedad
I: teoría de la organización social. México: Fondo de Cultura Económica, 1944. p. 303).
7
ALEXANDER, Herbert. E. Introduction. In: ALEXANDER, Herbert. E.; SHIRATORI, R. (Ed.). Comparative political
finance among the democracies. Colorado: Westview Press, 1994. p. 1-2. Contudo, cabe a ressalva de que os estudos
e dados empíricos não comprovam terminantemente a real importância que o dinheiro tem na política, já que
não se pode afirmar que realmente exista uma relação direta e unidirecional. Se o mercado do financiamento
político não funciona bem, a intervenção estatal só deve ser adotada se realmente implica uma melhora, porque
uma reforma na regulação requer custos, e quanto mais detalhada seja a regulação, maiores serão esses custos.
Tais regulações acabam gerando problemas de equidade, afetando principalmente aos partidos pequenos, e são
sempre os partidos maiores os que se encontram em condições de cumprir a lei (GARCÍA VIÑUELA, Enrique.
La regulación del dinero público. Revista Española de Investigaciones Sociológicas – REIS, n. 118, p. 65-95, abr./jun.
2007. p. 76-77).
8
Nassmacher aponta três critérios para a competição entre os partidos, sendo o primeiro a organização, o segundo
o trabalho voluntário, e o terceiro o dinheiro. Todos estão muito ligados porque, para ter uma boa organização,
é necessário haver um trabalho voluntário, sendo que a quantidade de trabalho voluntário dependerá do nível
de integração do partido com a sociedade. Para aumentar e maximizar tudo isso, devem-se organizar meetings,
eventos etc., o que requer dinheiro. O dinheiro é, obviamente, indispensável em quase todas as atividades dos
partidos, desde a seleção dos candidatos e as estruturas permanentes de suas sedes, como para a campanha
eleitoral em si, uma vez que os gastos com os meios de comunicação serão maiores. (NASSMACHER, Karl-
Heinz. Introduction: political parties, funding and democracy. In: AUSTIN, R.; TJERNSTRÖM, M. (Ed.). Funding
of political parties and election campaigns. Stockholm: International Idea, 2003. p. 4).
9
CASTILLO VERA, Pilar del. La financiación de partidos y candidatos en las democracias occidentales. Madrid: CIS
Siglo XXI, 1985. p. 1.
e que pode, por sua vez, ameaçar a estabilidade do sistema.10 O segundo problema é a
dependência econômica dos partidos políticos e candidatos de fontes de financiamento
mais vantajosas, acompanhada pelo encarecimento contínuo das campanhas eleitorais
e a redução de fontes de financiamento e de receitas.
Contudo, apesar de existirem muitos estudos voltados ao tema do financiamento
da política brasileira desde a sua perspectiva jurídica, há pouca comunicação entre tais
análises e outras ciências, ressalvando-se, talvez, as análises vindas desde a ciência
política, o que isola os resultados de outros importantes aspectos e os limita somente
a recomendações de como deveria ser a legislação ou quais mudanças seriam mais
adequadas, dentro da ideologia de quem as profere. Sabe-se que há uma opção ideológica
positivada nas normas jurídicas11 e que é uma tarefa difícil abstrair a sua própria
concepção interna,12 principalmente quando se está interpretando a lei. A norma é fruto
de uma ideologia. O ato de interpretar também é. O intérprete deve captar a ideologia
positivada na norma, embora a distorça com base na sua própria. Daí a necessidade de
uma intermitente autocrítica. Interpretar pressupõe autocrítica contínua.
E neste campo incerto do financiamento, no qual ocorre a junção da política e
do direito, é que surgem outros elementos muito ignorados pelos juristas e que são
oriundos das ciências econômicas. Afinal, o dinheiro é o fator central do financiamento
da política, o que não o torna imune às intervenções estatais necessárias para manter – ou
ao menos tentar controlar – a sua influência sobre a democracia. É a partir disto que se
sugere uma reflexão a partir da análise econômica do direito (AED). O comportamento
dos indivíduos dentro de uma sociedade pode ser entendido como um reflexo da forma
como a legislação vigente é aplicada. As sanções impostas pelo ordenamento jurídico
são ferramentas que podem condicionar o agir das pessoas frente às normas legais.
Se estas sanções não têm efetividade ou não são aplicadas de forma devida, não terão
resultados na vida social, sendo o contrário também verdadeiro, ou seja, sanções efetivas
também são sinônimo de eficiência das normas, com efeito direto no comportamento
dos indivíduos. Este raciocínio é fundamentado na relação dos custos e benefícios, típico
das ciências econômicas.
A análise econômica do direito (AED) faz exatamente esse raciocínio.13 Trata-se
da análise teórica dos efeitos da alteração das sanções previstas na lei e na probabilidade
da sua aplicação. Os modelos do comportamento à margem da norma consideram que
10
Nesse sentido, cf. LANCHESTER, Fulco. Introduzione: il finanziamento della politica tra forma de stato e vincoli
sistemici. In: LANCHESTER, Fulco (A cura di). Finanziamento della politica e corruzione. Milano: Giuffrè, 2000. p.
7-10.
11
Nesse sentido, cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 13. ed. São Paulo: Saraiva,
2001. p. 485.
12
Segundo Gadamer, o intérprete deve estar consciente das suas próprias concepções para, então, compreender as
concepções alheias (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método – II. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis:
Vozes, 2002. p. 75-76). Hesse também destaca a importância da pré-compreensão do intérprete (HESSE, Konrad.
Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 61-62).
13
Devido aos limites deste trabalho, não é possível dissecar detalhadamente a AED, fato que não impede, contudo,
de se fazer um pequeno bosquejo sobre a doutrina clássica. Ronald H. Coase elaborou um trabalho emblemático
sobre o tema, estabelecendo o que se denominou posteriormente de “teorema de Coase”, que dita que, se
os agentes envolvidos com externalidades podem negociar (sem custos de transação) a partir de direitos de
propriedade bem definidos pelo Estado, o farão e, com isso, chegarão a um acordo em que as externalidades
serão internalizadas. Ocorre que a realidade não é isenta de custos, sendo estes geralmente muito altos.
É nesse ponto que o direito atua como um condicionante do comportamento dos agentes econômicos (COASE,
Ronald H. The problem of social costs. The Journal of Law and Economics, v. III, out. 1960. p. 15 e ss. Disponível em:
o indivíduo age com base no raciocínio que realiza dos custos e benefícios esperados,
formando o que a doutrina denomina de princípio da racionalidade.14
Entende-se que a adoção dos pressupostos econômicos ao direito é muito útil, já
que as normas têm como objetivo central a regulação do comportamento humano, sendo
a economia a área de conhecimento que avalia como o ser humano se comporta e toma
as suas decisões em um contexto de recursos escassos, bem como as suas consequências.
Sabe-se da dificuldade do direito em explicar realidades sobre as que realiza um juízo
de valor, da ausência de instrumento para a realização dessa análise, ou mesmo da
inexistência de uma teoria jurídica que explique o comportamento humano. É nessa
lacuna que a análise econômica do direito pode ser uma boa ferramenta para a avaliação
de prováveis consequências da aplicação de uma legislação específica por parte dos
agentes sociais. A análise da forma como estes agentes responderão face à variação de
incentivos é um meio objetivo de se obter um diagnóstico mais concreto, superior a um
que resulte da mera intuição.15
Diante disso, tem-se que o indivíduo é um maximizador de prazer.16 O princípio
da racionalidade dispõe que o indivíduo busca maximizar o seu prazer, a sua utilidade,
a satisfação de seus interesses e desejos, com um custo mínimo. Se há conflito entre o
interesse geral e interesses pessoais, normalmente o indivíduo tende a satisfazer os
seus próprios.17 Nesse sentido, a norma gera custos ou benefícios para o indivíduo, que
podem ou não o persuadir a tomar uma decisão diante de uma situação específica, ou
respeitando o ordenamento vigente, ou infringindo-o.
18
Sobre o tema, há farta literatura. Vide, por todos, SANTANO, Ana Claudia. O financiamento da política – Teoria
geral e experiências do direito comparado. 2. ed. Curitiba: Íthala, 2016.
19
Segundo o art. 70, §1º da Constituição Federal de 1891, não poderiam ser eleitores “1º) os mendigos; 2º) os
analfabetos; 3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior; 4º) os religiosos
de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto
de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade Individual” (BRASIL. Presidência da
República. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 4 dez. 2017).
20
CHACON, Vamireh. História dos partidos brasileiros – Discurso e práxis dos seus programas. 2. ed. Brasília: UnB,
1985. p. 90-95.
21
BACKES, Ana Luiza. Legislação sobre financiamento de partidos e de campanhas eleitorais no Brasil, em
perspectiva histórica. Câmara dos Deputados, 2001. Disponível em: <http://pdba.georgetown.edu/Parties/Brazil/
Leyes/financiamento.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2017.
22
SPECK, Bruno Wilhelm. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento político no
Brasil. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, ano VI, n. 2, p. 123-159, 2005. p. 129. Disponível em: <http://www.kas.
de/wf/doc/9796-1442-5-30.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2017.
23
BACKES, Ana Luiza. Legislação sobre financiamento de partidos e de campanhas eleitorais no Brasil, em
perspectiva histórica. Câmara dos Deputados, 2001. Disponível em: <http://pdba.georgetown.edu/Parties/Brazil/
Leyes/financiamento.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2017.
24
Um dos mais famosos foi o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). Sua influência visando ao
desequilíbrio de forças políticas por meio de recursos econômicos de origem estrangeira foi analisada por
DUTRA, Eloy. IBAD – Sigla da corrupção. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.
25
Art. 56, inc. IV, da Lei nº 4.740/65.
26
Inteiro teor em BRASIL. Câmara dos Deputados. Emenda Constitucional nº 14, de 1965. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1960-1969/emendaconstitucional-14-3-junho-1965-364975-
publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 4 dez. 2017.
27
BACKES, Ana Luiza. Legislação sobre financiamento de partidos e de campanhas eleitorais no Brasil, em
perspectiva histórica. Câmara dos Deputados, 2001. Disponível em: <http://pdba.georgetown.edu/Parties/Brazil/
Leyes/financiamento.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2017.
28
SOUZA, Cíntia Pinheiro Ribeiro de. A evolução da regulação do financiamento de campanhas no Brasil (1945-
2006). Resenha Eleitoral, n. 3, jan./jun. 2013. Disponível em: <https://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/
edicoes/n-3-janjun-2013/integra/2013/06/a-evolucao-da-regulacao-do-financiamento-de-campanha-no-
brasil-1945-2006/indexb7dc.html?no_cache=1&cHash=9e86778cb4f0a1ef62855dfd15e012f4>. Acesso em: 4 dez.
2017.
29
SPECK, Bruno Wilhelm. Reagir a escândalos ou perseguir ideais? A regulação do financiamento político no
Brasil. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, ano VI, n. 2, p. 123-159, 2005. Disponível em: <http://www.kas.de/wf/
doc/9796-1442-5-30.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2017.
30
Inteiro teor do relatório em BRASIL. Congresso Nacional. Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito. Brasília, 1992. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/88802/CPMIPC.
pdf?sequence=4> Acesso em: 4 dez. 2017. Até o próprio relatório, em sua página 321, considera a legislação sobre
financiamento “hipócrita” e responsável pelo fomento ao abuso do poder econômico, clamando ao Congresso
Nacional a aprovação de uma lei mais rígida no que tange ao controle.
à CPI (Lei nº 8.713, de 30.9.1993), de caráter temporário, visava somente à regulação das
eleições de 1994, acolhendo algumas das propostas da CPI, trazendo juntamente vários
novos dispositivos, como mecanismos que possibilitavam uma maior fiscalização dos
gastos e o estabelecimento de penalidades. Uma mudança importante foi a permissão
de doações de empresas, com limites. Passados dois anos, foi aprovada a Lei nº 9.096,
de 19.9.1995, a Lei dos Partidos Políticos, responsável por consolidar uma legislação
permanente para as organizações partidárias a partir das regras que já haviam sido
aplicadas nas eleições de 1993. Já em 1997, publicou-se a Lei nº 9.504/97, Lei das Eleições,
também permanente, mantendo basicamente o já contido na Lei nº 8.713/93.31
Apesar destes importantes avanços, o sistema de financiamento da política fixado
nas leis nºs 9.096/95 e 9.504/97 sofreu muitas críticas, além de constantes intervenções
oriundas das “minirreformas” eleitorais e das resoluções do TSE. De fato, tratava-se de
regras com diversos problemas de aplicabilidade, o que, de certa forma, comprometia
a dinâmica econômica das eleições. No entanto, no afã de combater a corrupção e de
somente reagir a escândalos, a legislação terminou sendo costurada como uma “colcha
de retalhos”, tanto por parte do Poder Legislativo como pelo Poder Judiciário, perdendo,
inclusive, a sua coerência em alguns pontos, bem como permitindo o significativo
aumento da judicialização de suas disposições, já que durante este tempo também se
presenciaram mudanças no modo de se julgar questões eleitorais. A judicialização das
causas eleitorais conferiu um poder desmedido – e muitas vezes muito mal utilizado –
aos juízes eleitorais, produzindo-se resultados pouco democráticos, como a substituição
do legislador ou, em algumas situações, a substituição do eleitor.32
É este cenário que acompanha as últimas radicais modificações no financiamento
da política no Brasil.
31
BACKES, Ana Luiza. Legislação sobre financiamento de partidos e de campanhas eleitorais no Brasil, em
perspectiva histórica. Câmara dos Deputados, 2001. Disponível em: <http://pdba.georgetown.edu/Parties/Brazil/
Leyes/financiamento.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2017.
32
COELHO, Margarete de Castro. Sobre o envolvimento de instituições judiciais em disputas políticas: o papel
da Justiça Eleitoral brasileira. In: SANTANO, Ana Claudia; SALGADO, Eneida Desiree. Direito eleitoral: debates
ibero-americanos. Curitiba: Íthala, 2014. p. 16.
33
São estas: Lei nº 11.300/06; Lei nº 12.034/09; Lei nº 12.891/13; Lei nº 13.165/15; Lei nº 13.487/17 e Lei nº 13.488/17.
34
Como exemplo menciona-se o episódio sobre a verticalização das coligações, com relação à qual, após a
aprovação da Res. nº 21.002/2002 pelo TSE, o Congresso Nacional reagiu e aprovou a Emenda Constitucional
nº 52/2006, que posteriormente foi apreciada pelo STF (ADI nº 3.685. Rel. Ellen Gracie).
35
Votaram pela procedência da ação, ainda que com divergências quanto à sua extensão: Min. Luiz Fux (relator);
Min. Joaquim Barbosa, Min. Luís Roberto Barroso; Min. Dias Toffoli; Min. Ricardo Lewandowski; Min. Marco
Aurélio; Min. Rosa Weber e Min. Cármen Lúcia. Votaram pela improcedência da ação: Min. Teori Zavascki; Min.
Gilmar Mendes e Min. Celso de Mello.
36
Resultante dos PL nº 5.735-F de 2013 e PLC nº 75/2015.
37
Tal emenda aglutinativa (nº 28) foi objeto de uma grande polêmica, já que foi discutida e aprovada, mesmo com
a rejeição pelo Plenário da Emenda Aglutinativa nº 22, que autorizava a doação por pessoas físicas e jurídicas
a partidos e a candidatos. Ocorre que a emenda objeto de controvérsia limitou a autorização das doações de
pessoas jurídicas somente para os partidos, não para os candidatos, algo que, segundo os que defendem o
resultado da votação, mudou o objeto da emenda e permitiu a sua regular votação na mesma sessão legislativa.
Neste sentido, a conduta foi questionada perante o STF por alguns parlamentares (Mandado de Segurança
nº 33.630. Rel. Min. Rosa Weber), amparando-se no disposto no art. 60, §5º da Constituição Federal, que determina
que as matérias constantes de emendas rejeitadas ou havidas por prejudicadas não poderão ser objeto de nova
deliberação na mesma sessão legislativa. Ainda, por ter natureza material distinta, de uma nova proposta de
emenda à Constituição, a emenda não contava com o apoio mínimo de assinaturas necessárias (1/3), o que a
impedia de ser votada, nos termos do art. 60, I, da Constituição. No entanto, a ministra indeferiu a liminar, o
que permitiu a aprovação da emenda em dois turnos, seguindo ao Senado (BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
MS 33630 MC/DF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28
%28MS+33630%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas>. Acesso em: 4 dez. 2017).
38
O texto originário da PEC privilegiou claramente a constitucionalização de um modelo misto de financiamento,
com foco central na permissão das doações de pessoas jurídicas. Segundo o texto aprovado pela Câmara dos
Deputados, o art. 17 da Constituição Federal de 1988 terá nova redação em seu §5º: “Art. 17. [...] §5º É permitido
aos partidos políticos receber doações de recursos financeiros ou bens estimáveis em dinheiro de pessoas físicas
ou jurídicas, devendo a lei estabelecer os limites máximos de arrecadação e gastos de recursos para cada cargo
eletivo”. Contudo, a PEC foi posteriormente “fatiada” pelo Senado (Parecer nº 1.166, de 2015-PLEN), a fim de
constituírem proposições autônomas, o que permitiu a aprovação de somente um artigo de seu texto original,
referente à janela para mudança de partido político (Emenda Constitucional nº 91/2016). As demais disposições
serão objeto de apreciação futura (11.12.2015). Não há previsão para estas votações.
39
No caso do texto final da Lei nº 13.165/15, as negociações geraram 3 versões, sendo as duas primeiras
comprometidas desde o ponto de vista técnico do financiamento (e também de outras matérias, como pode
ser a propaganda eleitoral) e, após a devolução pelo Senado, alterada novamente pela Câmara, uma vez que
as modificações aprovadas pelo Senado não correspondiam aos objetivos dos deputados. O seu envio à sanção
presidencial ocorreu em 10.9.2015, sendo que o julgamento da ADI foi concluído em 17.9.2015, permitindo que a
presidente vetasse os pontos que conflitavam com a declaração de inconstitucionalidade. A lei foi publicada no
Diário Oficial em 29.9.2015, justo em tempo de ser válida para as eleições de 2016, respeitando-se o princípio da
anualidade constante no art. 16 da Constituição Federal.
40
Ressalte-se que o Congresso Nacional manteve o veto para a possibilidade de candidatos ou partidos polí
ticos receberem dinheiro de pessoas jurídicas para campanha eleitoral. Foram 190 votos a favor, 220 contra e 5
abstenções. Eram necessários 257 votos para derrubar o veto.
41
Para isto, sugere-se a leitura de FRAZÃO, Carlos Eduardo. A PEC do financiamento empresarial de campanhas
eleitorais no divã: a constitucionalidade material à luz da teoria dos diálogos institucionais. Revista Brasileira de
Direito Eleitoral – RBDE, ano 7, n. 12, p. 57-69, jan./jun. 2015.
42
Contudo, para acentuar a dificuldade na compreensão do resultado do julgamento, esta é a decisão final
publicada, de procedência parcial: “O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator, julgou
procedente em parte o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos
meses depois,43 já tinham sido proferidas algumas decisões sobre aspectos envolvendo
representações por excesso de doações realizadas por pessoas jurídicas. Embora os Tri
bunais Regionais Eleitorais tendam a barrar decisões de primeiro grau que extinguem
representações44 baseadas no anterior art. 81 da Lei nº 9.504/97,45 revogado pela Lei
nº 13.165/15, a instabilidade do atual sistema de financiamento da política foi evidente
durante este período.
A situação após as eleições de 2016 tornou-se ainda mais complexa. Diante da
escassez de recursos verificada no pleito municipal realizado nesse ano, buscou-se uma
solução já prevista: a adoção de um mecanismo de financiamento público de campanhas
eleitorais, algo inédito no país.46
Dessa forma, as negociações começaram em 2017, culminando na aprovação das
leis nºs 13.487 e 13.488, ambas de 6 de outubro. A dificuldade na costura dessas regras
causou algo inusitado para quem não acompanha a dinâmica do Congresso Nacional, já
que foram enviados à sanção presidencial dois projetos de lei versando sobre o mesmo
objeto, mas que foram compatibilizados por meio de vetos presidenciais. Assim, não
é possível entender uma sem a leitura da outra. Tudo para atender ao princípio da
anualidade, do art. 16 da Constituição Federal.47
legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, vencidos, em menor
extensão, os Ministros Teori Zavascki, Celso de Mello e Gilmar Mendes, que davam interpretação conforme,
nos termos do voto ora reajustado do Ministro Teori Zavascki. O Tribunal rejeitou a modulação dos efeitos da
declaração de inconstitucionalidade por não ter alcançado o número de votos exigido pelo art. 27 da Lei 9.868/99,
e, consequentemente, a decisão aplica-se às eleições de 2016 e seguintes, a partir da Sessão de Julgamento,
independentemente da publicação do acórdão. Com relação às pessoas físicas, as contribuições ficam reguladas
pela lei em vigor. Ausentes, justificadamente, o Ministro Dias Toffoli, participando, na qualidade de Presidente do
Tribunal Superior Eleitoral, do Encontro do Conselho Ministerial dos Estados Membros e Sessão Comemorativa
do 20º Aniversário do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA Internacional),
na Suécia, e o Ministro Roberto Barroso, participando do Global Constitutionalism Seminar na Universidade de
Yale, nos Estados Unidos. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 17.09.2015”.
43
Em 24.2.2016.
44
Como na sentença dos autos 26-90.2015.6.11.0055, de Cuiabá, da 55º Zona Eleitoral/MT.
45
Para mencionar alguns casos, processos nºs 22-31.2015.626.0283 e 55-14.2015.626.0253, do TRE/SP.
46
A movimentação em torno do tema começou com o PL nº 6.368/2016 (de autoria do Dep. Marcus Pestana, PSBD/
MG) e que, desde então, compôs todos os relatórios elaborados pela Comissão Especial para Análise, Estudo e
Formulação de Proposições Relacionadas à Reforma Política (Cepoliti).
47
“Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à
eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
a cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho
de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não
sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de
gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade.
Na prática, esta lei nunca chegou a ser aprovada, cabendo aos próprios partidos
estabelecer tetos de gastos segundo seus critérios.
Com a aprovação da Lei nº 13.165/15, o mecanismo foi alterado para o seguinte:
Art. 5º O limite de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos às eleições para Presi
dente da República, Governador e Prefeito será definido com base nos gastos declarados,
na respectiva circunscrição, na eleição para os mesmos cargos imediatamente anterior à
promulgação desta Lei, observado o seguinte:
I - para o primeiro turno das eleições, o limite será de:
a) 70% (setenta por cento) do maior gasto declarado para o cargo, na circunscrição eleitoral
em que houve apenas um turno;
b) 50% (cinquenta por cento) do maior gasto declarado para o cargo, na circunscrição
eleitoral em que houve dois turnos;
II - para o segundo turno das eleições, onde houver, o limite de gastos será de 30% (trinta
por cento) do valor previsto no inciso I.
Parágrafo único. Nos Municípios de até dez mil eleitores, o limite de gastos será de
R$100.000,00 (cem mil reais) para Prefeito e de R$10.000,00 (dez mil reais) para Vereador,
ou o estabelecido no caput se for maior.
Art. 6º O limite de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos às eleições para Senador,
Deputado Federal, Deputado Estadual, Deputado Distrital e Vereador será de 70% (setenta
por cento) do maior gasto contratado na circunscrição para o respectivo cargo na eleição
imediatamente anterior à publicação desta Lei.
Art. 7º Na definição dos limites mencionados nos arts. 5º e 6º, serão considerados os gastos
realizados pelos candidatos e por partidos e comitês financeiros nas campanhas de cada
um deles.
48
SOLER SÁNCHEZ, M. Campañas Electorales y Democracia en España. Valencia: Universitat Jaime, 2001. p. 223;
BLANCO VALDÉS, Roberto L. La bolsa o la vida – ¿Deben prohibirse las donaciones anónimas a los partidos
políticos?. El País, 18 dez. 2005; SÁNCHEZ MUÑOZ, Óscar. La igualdad de oportunidades en las competiciones
electorales. Madrid: CEPC, 2007. p. 199-200.
requeriam aprimoramentos. No entanto, tudo o que se logrou aprovar ao final consta nas
disposições transitórias constantes na Lei nº 13.488/17, em que se estabelecem limites de
gastos segundo o cargo a que se concorre.49 São valores nominais e que também fixam
o valor máximo de arrecadação por candidato, porém bastante aquém da realidade
até então presente nas campanhas. Após as eleições de 2018, regressa-se à regra acima
exposta.
A matemática constante no mecanismo legal vigente poderá, em um primeiro
momento, controlar o aumento dos gastos, já que parte de números bastante altos para
diminuí-los a cada eleição (no modelo de 2015) e de valores bastante reduzidos em 2018.
Veja-se um exemplo simples simulado aplicando-se a regra da Lei nº 13.165/15: nas
eleições de 2014, a candidata eleita Dilma Rousseff declarou gastos à Justiça Eleitoral
no valor de R$350.575.063,64, que foi o maior gasto declarado.50 Como ocorreram dois
turnos, incidiria a regra constante no art. 5º, I, “b” para o primeiro turno das eleições de
2018, com o limite de gastos fixado em 50% deste valor. Já a partir da regra estabelecida
para as eleições de 2018, os candidatos para a Presidência somente poderão gastar 70
milhões de reais.
Trata-se uma redução importante já de imediato e que poderá fazer com que os
partidos racionalizem suas despesas ou refaçam as suas estratégias para que não incidam
na violação da norma.
No entanto, isto somente se concretizará se a própria norma oferecer vantagens no
seu cumprimento, bem como desvantagens para a sua inobservância. Um dos incentivos
é que, desde o ponto de vista da competição política, todos estejam submetidos à regra
e, assim, todos serão obrigados a reduzir seus gastos e ninguém correrá o risco de se ver
“prejudicado” na corrida eleitoral. Ocorre que a sensação dessa diminuição de despesas
somente será percebida quando os partidos e candidatos visualizem que há uma sanção
sobre a conduta violadora da norma. Neste caso, a Lei nº 9.504/97 dispõe em seu art. 18-B
que “o descumprimento dos limites de gastos fixados para cada campanha acarretará
o pagamento de multa em valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que
ultrapassar o limite estabelecido, sem prejuízo da apuração da ocorrência de abuso do
poder econômico”.
A partir disto, o candidato ou o partido fará um cálculo sobre as vantagens
de se realizar gastos além do limite e as desvantagens de ter que arcar com a sanção
imposta. Se “valer a pena”, o limite será ignorado. Ainda no exemplo acima, sabe-se
49
Limite de gastos para 2018, nos termos dos arts. 5, 6 e 7 da Lei nº 13.488, são: (i) presidente da República –
R$70.000.000,00 (setenta milhões de reais). Segundo turno – 50% do valor; (ii) governador (data de corte 31.5.2017):
estados com até um milhão de eleitores: R$2.800.000,00; com mais de um milhão de eleitores e de até dois
milhões de eleitores: R$4.900.000,00; com mais de dois milhões de eleitores e de até quatro milhões de eleitores:
R$5.600.000,00; com mais de quatro milhões de eleitores e de até dez milhões de eleitores: R$9.100.000,00; com
mais de dez milhões de eleitores e de até vinte milhões de eleitores: R$14.000.000,00; com mais de vinte milhões
de eleitores: R$21.000.000,00. Segundo turno: 50% do valor do primeiro; (iii) senador: estados com até dois
milhões de eleitores: R$2.500.000,00; com mais de dois milhões de eleitores e de até quatro milhões de eleitores:
R$3.000.000,00; com mais de quatro milhões de eleitores e de até dez milhões de eleitores: R$3.500.000,00;
com mais de dez milhões de eleitores e de até vinte milhões de eleitores: R$4.200.000,00; com mais de vinte
milhões de eleitores: R$5.600.000,00; (iv) deputados federais: R$2.500.000,00; (v) deputados estaduais e distritais:
R$1.000.000,00.
50
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Eleitor e eleições. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-
anteriores/eleicoes-2014/prestacao-de-contas-eleicoes-2014/coligacao-com-a-forca-do-povo-dilma>. Acesso em:
4 dez. 2017.
que o território brasileiro é continental e que as despesas decorrentes disto são muito
expressivas. Além disso, com as novas restrições na propaganda eleitoral – para além
das que paulatinamente foram introduzidas na legislação – o modelo de campanhas
está cada vez mais caro, o que contrasta fortemente com a abrupta redução das despesas
impostas pela lei. Diante da obrigação de se fazer conhecido e de ganhar nas urnas, não
parece haver grandes incentivos para se cumprir o limite legal de gastos.
Por outro lado, a sanção imposta de 100% do valor excedido pode não ser tão
dissuasória quanto para fazer com que os agentes cumpram a norma, principalmente
despesas que alcançam a propaganda eleitoral, quando o retorno oferecido pelo excesso
de gastos sob este título pode ser determinante para a vitória, e isto, segundo a lógica do
poder, por si só já é um motivo para se “arriscar”. Pois bem: utilizando-se do exemplo
anteriormente dado, a redução imposta pela lei foi de pouco mais de R$175 milhões,
segundo a regra da Lei nº 13.165/15. Diante disto, pode-se cogitar a hipótese de que os
agentes estão dispostos a pagar sanções até este valor, já que nas eleições anteriores, este
montante estaria integrado aos gastos de todos os modos. Para se alcançar este valor a
título de sanção do art. 18-B, eles deverão exceder em gastos de mais de 87 milhões de
reais, o que, em termos eleitorais, representa muito e poderá ter importantes reflexos no
resultado das urnas. Portanto, não parece ser um mecanismo dissuasório de penalidade.
Obviamente que este raciocínio pode não ser o mesmo em caso de campanhas de menor
tamanho, como para eleições municipais, o que, em termos numéricos, fica ainda menos
dissuasório já que relaciona valores menores. Contudo, o político pensa em como ganhar
nas urnas, e não em como respeitar a lei, se a sanção lhe parecer pequena.
Para que a sanção fosse realmente percebida como uma penalidade grave, uma
fórmula escalonada poderia ser adotada, a exemplo do que ocorreu recentemente na
Espanha, na reforma da legislação eleitoral de 2015 (Lei nº 3/2015, de 30 de março). Há
uma escala de gravidades de conduta sancionáveis, cada uma submetida a um tipo de
punição, sempre de cunho pecuniário. Ou seja, há uma dosimetria que varia sobre o
valor excedido e que se classifica em uma sanção leve, grave ou gravíssima. Os valores
impostos pela violação do limite de gastos são calculados com base no percentual
excedido, mas que tem um teto mínimo objetivo, que não é menor do que 50.000 euros.
O peso do pagamento da sanção deve ser muito maior que qualquer benefício que possa
vir desde o eleitorado.
Porém, outro fator que poderia ser dissuasório é o julgamento popular sobre uma
eventual violação do limite de gastos por parte do candidato. A opinião pública também
deve ser considerada, mesmo que a sanção pecuniária não seja totalmente expressiva.
A condenação moral pode pesar sobre o agente no momento de decidir violar o teto
máximo de despesas.
Para que se possa considerar o peso real da opinião pública sobre a conduta dos
candidatos, deve existir accountability. A publicidade complementa a transparência. A
publicidade se refere ao que é público, conhecido, não mantido em segredo. Já a trans
parência se conecta ao que é límpido, transparente, nítido.51 A transparência se refere
à divulgação das informações que foram tornadas públicas. Porém, não é qualquer
divulgação. A transparência só será atendida se as informações forem transmitidas à
51
MOTTA, Fabrício. Notas sobre publicidade e transparência na Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil. A&C –
Revista de Direito Administrativo e Constitucional, ano 7, n. 30, out./dez. 2007.
sociedade de forma inteligível, acessível, aberta. A informação, neste sentido, deve ser
abrangente, atual, divulgada desde a sua fonte original e sem alterações, bem como
ser de livre acesso por toda e qualquer pessoa que esteja interessada em alguma delas.
Caso existam informações publicadas em linguagem difícil ou a partir de formatos
muito técnicos, desatualizados ou manipulados desde a sua origem, não há como
se falar em transparência, pois não se facilita o controle cidadão do que está sendo
divulgado.52 A transparência possibilita o controle cidadão, que, por sua vez, abre
caminho para a accountability.53 Esta noção traz a possibilidade de prêmios e castigos ao
responsável. Porém, a decisão de quem é o responsável passa pela legitimidade para o
exercício do poder, ou seja, pela questão democrática. É inegável o estreito vínculo que
a accountability tem com a democracia. Quanto mais avançado o estágio democrático,
maior também será o interesse pela realização da accountability. Esta, em seu formato
governamental, acompanha os valores democráticos, como a igualdade, a dignidade
humana, a participação e a representatividade. Para tanto, a percepção da res publica é
fundamental.54
Não parece ser este o caso brasileiro. Para que possa exercer este controle, uma
sociedade precisa alcançar certo nível de organização de seus interesses públicos e
privados, iniciando-se uma sucessão de fatores: (i) o desenvolvimento de uma consciência
popular; (ii) cidadãos que não sejam meros consumidores de serviços públicos; (iii) o
desenvolvimento de um sentimento de comunidade (podendo ser também produzido
capital social55 positivo); (iv) despertando cidadãos ativos que brigam por direitos,
e não por favores; (v) culminando em uma ampla participação cidadã para além do
voto.56 Por outro lado, não há como negar que a cobertura midiática sobre os políticos
em geral aumentou muito nos últimos anos, provocando, notadamente, o incremento
do descrédito na política e o fomento do discurso antipolítico. Neste sentido, o filtro
da mídia também deve ser considerado, já que as informações podem ser parcialmente
transmitidas, favorecendo uma ou outra opção eleitoral. A influência dos meios de
comunicação brasileiros também pode gerar abalos no ambiente social, o que variará
na capacidade da Justiça Eleitoral em coibir a violação das leis eleitorais, que é o que
determinará o sentimento social diante destas ocorrências. Caso a Justiça Eleitoral seja
eficiente na apuração dos fatos e na imposição de sanções, a confiança nas instituições
52
Neste sentido, cf. BLIACHERIENE, Ana Carla; RIBEIRO, Renato Jorge Brown; FUNARI, Marcos Hime. Go
vernança pública, eficiência e transparência na Administração Pública. Fórum de Contratação e Gestão Pública –
FCGP, ano 12, n. 133, jan. 2013.
53
FILGUEIRAS, Fernando. Além da transparência: accountability e política de publicidade. Lua Nova, n. 84, p. 65-
94, 2011. p. 66.
54
CAMPOS, Anna Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?. RAP – Revista de
Administração Pública, v. 24, n. 2, p. 30-50, fev./abr. 1990. p. 34-36.
55
A análise do capital social está muito relacionada com o que se entende por cidadania dentro de uma sociedade.
A cidadania, dentro desta linha, vincula direitos e deveres a todos dentro de uma comunidade civil, em níveis
iguais (MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 76). Assim, os cidadãos
dessa comunidade são mais que meros ativistas, tendo eles espírito público, disposição à colaboração, respeito,
confiança em si e nos outros, não importando as suas diferenças sociais. O capital social, entendido aqui como
normas de reciprocidade e redes de colaboração cívica, é abordado por Putnam, que afirma que a expressão se
traduz nos aspectos da organização social, como confiança, normas e redes que possam fomentar a eficiência da
sociedade na facilitação de ações coordenadas (PUTNAM, Robert. Making democracy work. Princeton: Princeton
University Press, 1994. p. 87-89).
56
CAMPOS, Anna Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?. RAP – Revista de
Administração Pública, v. 24, n. 2, p. 30-50, fev./abr. 1990. p. 36.
57
O’DONNELL, Guillermo. Accountability horizontal e novas poliarquias. Lua Nova, n. 44, p. 27-48, 1998. p. 29-30.
58
RODRIGUES, João Gaspar. Publicidade, transparência e abertura na Administração Pública. RDA – Revista de
Direito Administrativo, v. 266, p. 89-123, maio/ago. 2014. p. 115.
59
Sobre o tema, cf. NEVES FILHO, Carlos. Propaganda eleitoral e o princípio da liberdade política. Belo Horizonte:
Fórum, 2012.
60
ROSE-ACKERMAN, Susan. Political corruption and democratic structures. In: JAIN, A. K. (Ed.). The political
economy of corruption. Nova York: Routledge, 2001. p. 35-40.
sobre isto é o peso da opinião pública, o que, sem embargo, não se tem mostrado um
fator determinante de comportamento dos agentes até o presente momento, mesmo
diante de situações mais graves.61
61
Não se desconhece, contudo, outros problemas que o atual limite de gastos acarreta em sua aplicação, como
distorções entre a proporção de gastos e a população dos municípios, ou mesmo o fato de que, em alguns
municípios, se possa gastar mais nas eleições de 2016 com a aplicação do cálculo do limite de gastos do que foi
gasto nas eleições anteriores. Contudo, estas análises não serão aqui debatidas, por ultrapassar o objetivo de
analisar economicamente o sistema de financiamento vigente.
62
Conjugando-se aqui o contido na Resolução do TSE e na Lei nº 9.504/97.
63
Introduzido na Res. TSE nº 26.406/2014. Sobre o tema, cf. GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 10. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 339-345.
64
Sobre o tema, cf. SANTANO, Ana Claudia. A proibição das pessoas jurídicas em doar recursos econômicos para
as campanhas eleitorais brasileiras: certo ou errado?. In: SANTANO, Ana Claudia; SALGADO, Eneida Desiree.
Direito eleitoral – Debates ibero-americanos. Memórias do V Congresso Ibero-americano de Direito Eleitoral e do
IV Congresso de Ciência Política e Direito Eleitoral do Piauí. Curitiba: Íthala, 2014. p. 363-382.
65
ABRAMO, Claudio Weber. Poder econômico e financiamento eleitoral no Brasil – Parte 1: custo do voto.
Transparência Brasil, jan. 2014. p. 4. Disponível em: <http://www.excelencias.org.br/docs/custo_do_voto.pdf>.
Acesso em: 4 dez. 2017.
66
Em 2010 e 2012, cerca de 92% dos recursos de pessoas físicas correspondiam a doações iguais ou superiores
a R$1.000,00, que são geralmente de empresários que não desejam que as suas empresas apareçam nas listas
de doadores, parentes de candidatos etc. As doações de pequeno valor (menos de R$100,00) representam
tão somente 0,3% do financiamento eleitoral, deixando claro o afastamento do cidadão para com a política.
(ABRAMO, Claudio Weber. Poder econômico e financiamento eleitoral no Brasil – Parte 1: custo do voto.
Transparência Brasil, jan. 2014. p. 4. Disponível em: <http://www.excelencias.org.br/docs/custo_do_voto.pdf>.
Acesso em: 4 dez. 2017).
67
Concorda-se com a opinião expressa por Claudio Weber Abramo em Poder econômico e financiamento eleitoral
no Brasil – Parte 1: custo do voto. Transparência Brasil, jan. 2014. p. 12. Disponível em: <http://www.excelencias.
org.br/docs/custo_do_voto.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2017
68
MIRANDA, Tiago. Dilma sanciona Orçamento de 2015 com aumento do fundo partidário de R$580 mi. Câmara dos
Deputados, 22 abr. 2015. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/486334-
DILMA-SANCIONA-ORCAMENTO-DE-2015-COM-AUMENTO-DO-FUNDO-PARTIDARIO-DE-R$-580-MI.
html>. Acesso em: 4 dez. 2017.
69
GASTOS eleitorais de 2012 superam R$3,5 bilhões. Estadão, 28 nov. 2012. Disponível em: <http://politica.estadao.
com.br/noticias/geral,gastos-eleitorais-de-2012-superam-r-3-5-bilhoes,966339>. Acesso em: 4 dez. 2017.
70
ROSE-ACKERMAN, Susan. Political corruption and democratic structures. In: JAIN, A. K. (Ed.). The political
economy of corruption. Nova York: Routledge, 2001. p. 47-48.
71
Contudo, é importante salientar que pouco se sabe ou é divulgado sobre esses valores, além de haver dificuldades
em saber esse dado antes do ano das eleições.
72
Para maiores detalhes sobre isso, cf. KUFA, Karina; KUFA, Amilton; RAMAYANA, Marcos. Da incoerência e
ilegalidade parcial do fundo de campanha. Estadão, 14 nov. 2017. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/
blogs/fausto-macedo/da-incoerencia-e-ilegalidade-parcial-do-fundo-de-campanha/>. Acesso em: 4 dez. 2017.
Independentemente de outras análises que possam ser feitas com base na igual
dade de oportunidades entre os candidatos e em eventuais distorções no sistema de
partidos que podem ser causadas pela adoção desse modelo preponderantemente público
de campanhas, o fato é que se trata de uma fórmula tão desigual como a aplicada para
o fundo partidário, fazendo com que esses recursos possam sequer chegar a todos os
candidatos.73 Assim, ainda que seja uma fonte de recursos importante, com a grande
dependência das decisões da diretiva executiva nacional, fatalmente haverá muitos
que não poderão contar com o acesso a esses valores. Nesse cenário, a elite partidária
elegerá quem prefere que seja o destinatário dos recursos, pouco ou nada sobrando para
a grande massa de concorrentes.
Já no que se refere às sanções referentes à arrecadação de recursos, há duas
disposições na Lei nº 9.504/97: uma constante no art. 24, §4º, que determina que o partido
ou candidato que receber recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não
identificada deverá proceder à devolução dos valores recebidos ou, não sendo possível
a identificação da fonte, transferi-los para a conta única do Tesouro Nacional; e outra no
art. 25, estabelecendo que o partido que descumprir as normas referentes à arrecadação
e aplicação de recursos perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário
do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso
do poder econômico.
Não há dúvidas sobre o peso das sanções, porque não só atingem o fundo parti
dário – que promete ser a principal fonte de recursos de agora em diante – mas também
submetem os candidatos às penas impostas por abuso do poder econômico, que pode
levar à sua cassação. Na prática, haverá um forte questionamento entre violar a lei em
busca da vitória nas urnas, correndo os riscos inerentes a esta decisão, ou respeitar a
norma, mesmo na iminência de uma derrota ou da realização de uma campanha já fadada
ao insucesso. Esta decisão depende muito de como a Justiça Eleitoral está processando
a sua fiscalização e de como está julgando casos de abuso de poder econômico.
Sabe-se que o número de cassações aumentou muito desde a aprovação da Lei da
Ficha Limpa. Um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), feito
com base em decisões do TSE, revela que, após as eleições de 2012 e passado somente
um ano da posse dos eleitos, em todo o Brasil houve a troca de prefeitos em pelo menos
125 cidades, sendo que a grande maioria, 107, deixou o cargo em razão da cassação de
mandato, motivada por abuso de poder econômico e político.74 No entanto, sabe-se que
prefeitos e vereadores costumam sofrer mais as penalidades legais do que cargos mais
altos, como os de governador ou presidente.75 Há, sabidamente, uma aplicação variada
das normas sobre abuso de poder econômico.
73
Sobre o tema, cf. SANTANO, Ana Claudia. Parecer jurídico – Projeto de Lei 6368/2016, Câmara dos Deputados.
Revista Eletrônica Direito e Política, v. 12, p. 462-481, 2017.
74
Sobre o estudo, PIMENTEL, Carolina (Ed.). Um ano após posse, 107 prefeitos têm mandato cassado. EBC,
10 jan. 14. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2014/01/um-ano-apos-posse-107-prefeitos-
tem-mandato-cassado>. Acesso em: 4 dez. 2017.
75
Isto decorre de muitos fatores. As condições de uma campanha municipal são diametralmente inferiores às de
uma campanha estadual ou federal. Além disto, a própria Justiça Eleitoral, devido a sua estrutura, conta com
juízes que não são especialistas em direito eleitoral, o que prejudica a aplicação desta legislação tão específica.
Por outro lado, é inegável que a atual postura dos juízes eleitorais, mais “proativa” e mais “contundente”
também colabora para este desequilíbrio no julgamento de causas eleitorais.
76
Sobre o tema, cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. O avanço da justiça eleitoral sobre o resultado das urnas. Conjur,
5 nov. 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-nov-05/ruy-samuel-espindola-avanco-justica-
vontade-urnas>. Acesso em: 4 dez. 2017.
77
Modelo extraído de HOROCHOVSKI, Rodrigo Rossi et al. Redes de financiamento eleitoral nas eleições de 2008
no litoral do Paraná. Paraná Eleitoral, v. 3, n. 1, p. 103-131, 2014.
Pois bem. Cada um dos atores que pode receber doações e assumir despesas
no processo eleitoral é obrigado a fazer prestação de contas ao TSE. Esta prestação de
contas possui a forma de uma contabilidade de partida dobrada, zerando a relação
entre receitas e despesas, por um lado, e facilitando a fiscalização do ponto de vista
contábil, por outro. Não há um exame material das prestações de contas, somente
este contábil, confrontado com o cruzamento de dados realizado também pela Receita
Federal (art. 34, §1º, Lei nº 9.096/95).78 Ou seja, as planilhas disponibilizadas pelo TSE
atendem a esta lógica, e uma de suas consequências é que não há um identificador
único que permita capturar um agente em diferentes planilhas de prestação de contas.
Por exemplo: um candidato a vereador que, ao receber recursos de um candidato a
prefeito, declara o recebimento ora usando o CNPJ da candidatura correspondente, ora
o CPF do candidato a prefeito (“doador”, neste caso), o que pode sugerir a existência
de dois doadores distintos quando, na realidade, trata-se de um mesmo agente. Ou,
então, situação semelhante pode ocorrer quando uma candidatura e um candidato,
na qual este, ao declarar receita advinda daquela, cita apenas o nome, frequentemente
genérico, de “Comitê Financeiro Único” da candidatura, omitindo a unidade eleitoral e
o partido. Em termos numéricos: uma doação de R$100.000,00, destinada a um partido,
transferida a um comitê e distribuída entre várias candidaturas, poderá replicar-se nas
diferentes tabelas de receitas, fazendo com que se tenha a impressão de que há um valor
significativamente maior, falseando o cálculo do “custo do voto”, por exemplo. Além
disso, ressalte-se que partidos e candidaturas também podem arcar diretamente com
despesas de candidaturas, parcial ou totalmente. Neste caso, na prestação de contas do
candidato, esta despesa não aparece como doação.79
Por outro lado, e também considerando o elevado número de candidaturas a cada
processo eleitoral,80 reconhece-se que não há condições reais para um exame material da
contabilidade das campanhas e dos partidos por parte da Justiça Eleitoral. A verificação
detalhada e específica de cada nota, cada aquisição e cada gasto efetuado não é factível,
como deveria ser em um mundo ideal, mesmo reconhecendo todo o esforço da Justiça
Eleitoral em realizar uma mudança no paradigma da verificação das prestações de contas.
Assim, nota-se que o sistema de fiscalização das contas, bem como o fato de a
legislação ser razoavelmente pormenorizada, ainda padece de algumas deficiências que
comprometem a sua eficácia, o que pode encorajar candidatos a se arriscar e a praticar
condutas violadoras das regras de financiamento. As lacunas oferecidas pela legislação
que possibilitam a entrada de recursos de fontes vedadas e a verificação meramente
contábil das prestações de contas podem ser um incentivo ao não cumprimento da lei.
Mesmo que de difícil execução, nada impede que grandes doações sejam diluídas em
muitas pessoas físicas, a fim de que entrem nas arcas do partido, ou ainda que sejam
emitidas notas fiscais “frias” justificando serviços ou aquisições inexistentes, para que
tais valores sejam “lavados”. Neste ponto, a dificuldade de se realizar uma fiscalização
à prova de fraudes colide com a capacidade criativa dos agentes em encontrar brechas
78
Para as eleições de 2016, o Tribunal Superior Eleitoral realizou convênio com diversos bancos de dados para o
cruzamento das informações enviadas pelos partidos e candidatos no que tange ao financiamento.
79
HOROCHOVSKI, Rodrigo Rossi et al. Redes de financiamento eleitoral nas eleições de 2008 no litoral do Paraná.
Paraná Eleitoral, v. 3, n. 1, p. 103-131, 2014.
80
Nas eleições de 2014 foram 26.172 candidatos. Nas eleições de 2012 foram 481.785 (de acordo com o site do TSE:
<www.tse.jus.br>).
na legislação, além da disposição que eles possam ter para praticar tais atos, na busca
incessante pela vitória nas urnas. Este, provavelmente, é o maior incentivo que os agentes
têm para não seguir as regras sobre o financiamento: a probabilidade de não serem pegos
pela malha fina da fiscalização.
Neste ponto, o jogo torna-se de “soma-zero”, ou seja, um jogo em que o ganho
de um jogador representa necessariamente a perda para o outro.81 O risco se transforma
em válido para o candidato quando ele não teme as consequências, caso seja descoberto,
ou quando este temor não abala a sua disposição de violar a lei, como pode ocorrer
em situações de sanções brandas. Trata-se de um jogo de probabilidade, de quantos
são descobertos frente à imensidão de quebra das regras. Cabe mencionar que a não
aprovação de contas não acarreta fortes sanções práticas, mas indica que algo impediu
a verificação contábil das informações ou que há elementos irregulares nas contas que
violam a norma. Contudo, é cediço que não há consequências graves para o candidato,
até porque a não aprovação de contas não enseja, diretamente, abuso de poder econômico
nem o impede de obter a quitação eleitoral, podendo apresentar-se como candidato
sem problemas.
Há um outro detalhe importante: nem todos os candidatos possuem conhecimento
técnico necessário para seguir à enredada estrutura de regras referentes à prestação de
contas. Pelo contrário, a maioria dos candidatos sequer possui condições de contratar
um advogado para auxiliá-lo a isso, ainda mais em tempos de escassez de recursos
econômicos. Assim, é possível que o sistema de fiscalização, no afã de exercer um bom
trabalho, termine penalizando aqueles que têm boa-fé e que desejam seguir as regras,
mas que não têm capacidade técnica para isso. Um modelo mais punitivo e menos
dissuasório de fiscalização não o torna mais eficiente. Torna-o mais injusto.
Obviamente que se reconhecem as desvantagens de uma violação das normas
referentes ao financiamento, principalmente no que tange ao seu controle. No entanto,
ainda considerando os avanços dos últimos anos, problemas com financiamento
irregular continuam surgindo, o que poderá se agravar a partir da expressiva restrição
provocada pelas últimas reformas. O pragmatismo político tende a resistir mesmo diante
de punições crescentes, porém insuficientes. Não há claros motivos para se pensar que,
aqui, o pensamento político do “poder pelo poder” não prevalecerá.
No entanto, devem-se aprofundar as pesquisas já com os dados das prestações
de contas das eleições de 2016 e 2018.
81
FIANI, Ronaldo. Teoria dos jogos. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 35.
Referências
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p. 515-541. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
4.1 Introdução
É comum o argumento de que as antigas fraudes na votação estão sendo eliminadas
com a adoção de mecanismos de fiscalização da votação e com o cadastramento biomé
trico. Porém, novas formas de se obter fins ilícitos por meio de processos aparentemente
legítimos ou por meio da prática de atos puramente fraudulentos vinham ganhando cada
vez mais espaço nos últimos pleitos eleitorais, a exemplo da substituição de candidaturas
às vésperas do pleito, para confundir o eleitor – recentemente afastada por alteração
legislativa –1 e do descumprimento das cotas de gêneros, especialmente no que se refere
a candidaturas femininas, em escamoteada violação do art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97.
1
Antiga regulamentação pelo Código Eleitoral no art. 101, §2º, ipsis litteris: “Art. 101. Pode qualquer candidato
requerer, em petição com firma reconhecida, o cancelamento do registro do seu nome. [...] §2º Nas eleições
majoritárias, se o candidato vier a falecer ou renunciar dentro do período de 60 (sessenta) dias mencionados no
parágrafo anterior, o partido poderá substituí-lo; se o registro do novo candidato estiver deferido até 30 (trinta)
dias antes do pleito serão utilizadas as já impressas, computando-se para o novo candidato os votos dados ao
anteriormente registrado. [...]”.
Novo disciplinamento mediante o art. 13, §3º da Lei nº 9.504/97, com redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013,
in verbis: “Art. 13. É facultado ao partido ou coligação substituir candidato que for considerado inelegível,
renunciar ou falecer após o termo final do prazo do registro ou, ainda, tiver seu registro indeferido ou cancelado.
[...] §3º Tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o novo pedido
for apresentado até 20 (vinte) dias antes do pleito, exceto em caso de falecimento de candidato, quando a
substituição poderá ser efetivada após esse prazo”.
2
TSE. REsp nº 78.432/PA, PSS 12.8.2010. No mesmo sentido, o Agravo Regimental nº 846-72.2010.6.14.000,
9.9.2010. Recurso Especial Eleitoral nº 784-32.2010.6.14.0000, Belém/PA, j. 12.8.2010. TRE-RS. Recurso Eleitoral nº
124-28.2012.6.21.0144, Planalto/RS, j. 18.12.2012. Recurso Especial Eleitoral nº 214-98.2012.6.21.0091, Humaitá/RS,
j. 23.5.2013.
3
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Estatísticas do eleitorado: por sexo e faixa etária. Disponível em: <http://
www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/estatisticas/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado-por-sexo-e-
faixa-etaria>. Acesso em: 15 jan. 2018.
4
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. TSE disponibiliza dados sobre filiados a partidos políticos no Brasil. 27 maio 2016.
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Maio/tse-disponibiliza-dados-sobre-filiados-
a-partidos-politicos-no-brasil>. Acesso em: 15 jan. 2018.
5
ONUBR. Brasil fica em 167º lugar em ranking de participação de mulheres no Executivo, alerta ONU. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/brasil-fica-em-167o-lugar-em-ranking-de-participacao-de-mulheres-no-executivo-
alerta-onu/>. Acesso em: 12 nov. 2017.
6
ROCHA, Camilo et al. Mulheres ainda são minoria nos poderes do Brasil. Nexo Jornal, 8 mar. 2016. Disponível
em: <https://www.nexojornal.com.br/especial/2016/03/08/Mulheres-ainda-são-minoria-nos-poderes-do-Brasil>.
Acesso em: 4 jul. 2016.
7
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Eleições 2016: número de prefeitas eleitas em 2016 é menor que 2012. 8 nov.
2016. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Novembro/eleicoes-2016-numero-de-
prefeitas-eleitas-em-2016-e-menor-que-2012>. Acesso em: 4 jul. 2016.
Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Depu
tados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no
total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:
(Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015) [...]
8
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Pedido de impugnação da chapa proporcional. AI 1242820126210144
Planalto/RS 33512013. Rel. Min. José Antônio Dias Toffoli, j. 18.10.2013. DJe, 25 out. 2013. Disponível em:
<https://tse.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/301315052/agravo-de-instrumento-ai-1242820126210144-planalto-
rs-33512013>. Acesso em: 12 nov. 2017.
§3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação
preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para
candidaturas de cada sexo. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
§4º Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se inferior a meio, e igualada
a um, se igual ou superior.9
O tema das cotas de gênero no processo eleitoral sofreu uma evolução legislativa lenta, com
previsão franciscana e de pouca aplicabilidade prática, até o advento da Lei nº 12.034/2009,
quando as cotas foram estabelecidas de forma coercitiva, passando a exigir do intérprete
uma releitura do sistema. Contudo, já passadas duas eleições sob sua vigência, ainda pouco
se logrou evoluir ao efeito de obter um resultado mais efetivo tratamento da igualdade
9
BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.
htm>. Acesso em: 15 dez. 2017. Grifos nossos.
10
MACEDO, Elaine Harzheim. A cota de gênero no processo eleitoral como ação afirmativa na concretização
de direitos fundamentais políticos: tratamento legislativo e jurisdicional. Revista da AJURIS, v. 41, n. 133,
2014. Disponível em: <http://www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS/search/authors/view?firstName
=ELAINE%20HARZHEIM&middleName=&lastName=MACEDO&affiliation=&country=>. Acesso em dez 2017.
frente aos direitos políticos, em especial o direito de ser votado, entre homens e mulheres,
encontrando a norma resistências tanto no âmbito dos partidos políticos como no Judiciário,
quando provocado por eventual descumprimento de sua adoção.
11
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Medidas para aumentar participação da mulher na política. Disponível em:
<http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Novembro/ministra-luciana-lossio-debate-com-instituicoes-
medidas-para-aumentar-participacao-da-mulher-na-politica>. Acesso em: 3 mar. 2018.
Concessa venia, para repisar que tal ilicitude consubstanciada na fraude e/ou do
abuso de poder recebe a denominação de candidata laranja, ou, como preferem as autoras
deste artigo, candidatas de fachada, tendo em vista o significado depreciativo do termo
“laranja”, conforme destacado por José Sérgio Martins Juvêncio:12
Muitas dessas candidatas que contribuíram para aumentar a percentagem de mulheres nas
disputas eleitorais foram consideradas como ocupantes de candidaturas descritas como
“laranjas”. O uso desse termo é depreciativo. Utiliza-se esta terminologia geralmente para
pessoas que ocupam, com ou sem o consentimento prévio, alguma ação desviante, tanto
do ponto de vista moral quanto do legal. Nas eleições de 2010 candidaturas consideradas
“laranjas” ficam conhecidas por infringirem as duas regras.
Não há dúvida que o eleitor é o verdadeiro detentor do poder e somente ele pode – na sua
individualidade protegida pelo sigilo – decidir o destino do seu voto. No entanto, sem
muito esforço, sabe-se que os candidatos buscam conquistar a confiança do eleitor por meio
da divulgação e da fixação da sua imagem, das suas qualidades e das suas ideias. Afinal,
se a candidatura não é anunciada, se não há campanha eleitoral, os eleitores não sabem
que o candidato existe, quais são suas propostas e, por consequência, não votam nele. [...]
Tais valores demonstram que o registro de candidatura não pode ser considerado algo fútil.
Por muito tempo, os brasileiros ansiaram por eleições diretas e pela liberdade de escolher
seus representantes. Ser candidato é poder expressar suas ideias, participar ativamente
da democracia e apresentar-se ao crivo popular. Por outro lado, a candidatura também
atrai responsabilidades. Além da obrigação de representar o seu partido, honrar os votos
confiados pelos eleitores e responder por seus atos, os candidatos devem prestar contas
dos recursos financeiros utilizados nas campanhas eleitorais.13
12
JUVÊNCIO, José Sérgio Martins. As candidaturas consideradas “laranjas” e sua relação com a lei de cotas. Disponível
em: <http://www.sinteseeventos.com.br/ciso/anaisxvciso/resumos/GT06-23.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2016.
13
SILVA, Henrique Neves da. Candidatas de verdade. Jota, 19 ago. 2016. Disponível em: <https://www.jota.info/
opiniao-e-analise/colunas/e-leitor/e-leitor-candidatas-de-verdade-19082016>. Acesso em: 11 nov. 2017.
No que toca ao descumprimento do art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97, acerca do não
preenchimento da cota mínima de 30% (trinta por cento) referente às candidaturas de
mulheres – muitas vezes acontece de as coligações e/ou partidos procederem mediante
atos fraudulentos de percentual branco por renúncia e/ou percentual branco com votos
14
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual
para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. [...] §10. O mandato
eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída
a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. §11. A ação de impugnação de mandato tramitará
em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé” (grifos nossos).
15
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2011. p. 541.
irrisórios –, a AIME consiste na via eleita adequada, pois a apuração da fraude somente
ocorre após a proclamação do resultado, assim se dando durante o processo eleitoral.
A fraude tem por escopo desvirtuar tanto os princípios como as regras do direito,
porquanto a ação, aparentemente, é praticada em consonância com o direito, contudo
a finalidade pretendida o contraria, em virtude de malograr a finalidade e o sentido da
lei através da utilização de meio ardil, astúcia, artifício ou artimanha.
Como os fatos que ensejam a AIME somente são conhecidos após o dia das eleições,
já não se torna mais possível ajuizar ação de impugnação ao registro de candidatura
(AIRC), logo aquela deve ser reconhecida como meio cabível para apurar a fraude ora
esposada, qual seja, a fraude para suprir a exigência da cota. Desse modo, com a votação
pífia ou zerada ou renúncias de candidatas, resta comprovado que as candidatas foram
colocadas apenas para viabilizar o registro dos candidatos do sexo masculino.
Repise-se que há duas correntes acerca da temática da discussão repercutida
em torno da noção de fraude com o fito de manuseio da AIME, uma com aplicação
pela interpretação restritiva (fraude ocorrida no processo de votação) e a outra pelo
posicionamento mais abrangente, isto é, interpretação ampliativa.
Embora a referida questão não seja, ainda, pacífica em doutrinas e jurisprudên
cias, torna-se essencial citar o precedente do Colendo TSE (Agravo de Instrumento
nº 4.661, Rel. Ministro Fernando Neves), estendendo o conceito de fraude para além
da ocasião da votação, podendo tal fraude restar configurada através da utilização de
artifício ou ardil que induza o eleitor a erro, com a intenção de influenciar a vontade
do eleitor durante o voto.
Ação de impugnação de mandato eletivo. Art. 14, §10, da Constituição da República. Candidato.
Vereador. Distribuição. Folhetos. Véspera. Eleição. Notícia. Desistência. Candidato adver
sário. Fraude eleitoral. Configuração. Responsabilidade. Potencialidade. Comprovação.
Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Recurso extraordinário. Interposição. Decisão.
Tribunal Regional Eleitoral. Não-cabimento. Erro grosseiro. Princípio da fungibilidade.
Não-aplicação.
1. O recurso extraordinário somente é cabível contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral,
configurando erro grosseiro a sua interposição em face de acórdão de Corte Regional
Eleitoral, o que torna inaplicável o princípio da fungibilidade. Precedentes.
2. A fraude eleitoral a ser apurada na ação de impugnação de mandato eletivo não se deve restringir
àquela sucedida no exato momento da votação ou da apuração dos votos, podendo-se configurar,
também, por qualquer artifício ou ardil que induza o eleitor a erro, com possibilidade de influenciar
sua vontade no momento do voto, favorecendo candidato ou prejudicando seu adversário.
Agravo de instrumento provido.
Recurso especial conhecido parcialmente, mas improvido.17
16
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Potencialidade lesiva ao resultado do pleito. AI 4661/SP. Rel. Min. Fernando
Neves da Silva. DJe, 6 ago. 2004. Grifos nossos.
17
TSE. Agravo de Instrumento nº 4.661, 15.6.2004. Rel. Min. Fernando Neves. Grifos nossos.
Em síntese, a palavra “corrupção”, tanto quanto o vocábulo “fraude”, ambos estão ali no
parágrafo 10 do art. 14 da Magna Carta sob o deliberado intuito de se fazer de uma acepção
prosaica um lídimo instituto de Direito Constitucional-eleitoral. Não propriamente de
18
REspe nº 1-49. Rel. Min. Henrique Neves. DJe, 21 out. 2015. Grifos nossos.
Na realidade, Neves reconheceu que a AIME deve ser admitida como instrumento
processual de salvaguarda da legitimidade e da normalidade das eleições contra toda
sorte de abuso, corrupção ou fraude, não cabendo impor limitações ao texto constitucional
que não estejam previstas na própria Constituição Federal. Cumpre ressaltar ainda
que conceito de fraude para fins de AIME não encerra, em si, interpretação extensiva,
mas o mero reconhecimento de que, onde o constituinte não distinguiu, não cabe ao
legislador ordinário ou ao intérprete distinguir para efeito de reduzir o alcance do
comando constitucional.
Assim, segundo o eminente jurista supracitado, a interpretação do dispositivo
constitucional deve considerar a existência das demais regras e princípios contidos no
corpo da Constituição, de forma a permitir a harmonização das hipóteses de cabimento da
AIME com os fins lídimos de eleições. Nesse aspecto, as alegações relevantes de fraude à
lei não podem ter a sua análise extirpada do âmbito da impugnação de mandato eletivo.
Para o Ministro Henrique Neves, importante destacar que a hipótese em debate
não contempla mera aferição da observância ou não dos percentuais de gênero das
candidaturas previstas na legislação eleitoral, o que é, em si, matéria a ser aferida no
momento da impugnação ou da análise do demonstrativo de regularidade dos atos
partidários – DRAP, conforme é pacífico na jurisprudência do TSE. O que se narra cuja
veracidade deve ser oportunamente verificada é a existência de candidaturas fictícias
lançadas apenas para atender aos patamares exigidos pela legislação eleitoral.
Assim, por certo não se pode exigir que os temas que envolvam ações ou omissões
praticadas ou incorridas no curso da campanha eleitoral sejam objeto de impugnação ao
pedido de registro de candidatura ou ao DRAP. Por outro lado, não há como impedir que
tais temas sejam levados ao conhecimento e ao julgamento pela Justiça Eleitoral, com a
observância do devido processo legal e das garantias da defesa, sob pena de manifesta
contrariedade ao direito de ação e à inafastabilidade da jurisdição, insculpida no inc.
XXXV do art. 5º da Constituição Federal. Por fim, há que se recordar a lição de Miguel
Reale no sentido de que as normas valem em razão da realidade de que participam,
adquirindo novos sentidos ou significados, mesmo quando mantidas inalteradas em
suas estruturas formais.
Ao fixar a importância do conceito do princípio da força normativa da Constituição
e da necessidade de interpretar, nas palavras de Hesse, o ministro assevera que os fatos
apontados pelos impugnantes não podem ser considerados, a priori, insuficientes para
configurar hipótese de cabimento da AIME.
Ainda com base no julgamento do REspe nº 1-49, em diálogo entre a Ministra
Luciana Lóssio e o Ministro Henrique Neves da Silva, eles destacam a necessidade de
conferir interpretação mais ampla ao conceito de fraude nos processos semelhantes
provenientes do estado do Piauí, pois as condutas reveladas demonstram prática
reiterada nas eleições piauienses, consequentemente haverá impunidade caso não seja
19
REspe nº 28.040. Rel. Min. Ayres Britto. DJe, 11 jul. 2008.
20
ÁVALO, Alexandre et al. O novo direito eleitoral brasileiro: manual de direito eleitoral. 2. ed. rev., atual. e ampl.
Belo Horizonte: Fórum, 2014.
Diante desta exposição, nota-se que a referida Egrégia Corte entendeu pelo
acolhimento parcial da preliminar de inadequação da via eleita, no que toca ao aspecto
da fraude, pois esta é tratada no âmbito da AIME, com base nas fundamentações jurídicas
alhures, enquanto julgou pelo não acolhimento dessa preliminar referente ao caso de
abuso do poder, posto que se enquadra no cabimento da ação de investigação judicial
eleitoral.
Ora, há que se destacar, quanto a essa interpretação, que o próprio Colendo
TSE já reformou esse posicionamento, ao julgá-lo precedente de José de Freitas/PI, em
sede de REspe nº 243-42, conforme decisão prolatada em 16.8.2016, como se observa na
ementa a seguir:
21
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. Não cumprimento da exigência de cotas por sexo. Recurso
Eleitoral na AIJE nº 24342. Rel. Dr. Francisco Hélio Camelo Ferreira, j. 11.11.2013. DJe, 19 nov. 2013. Grifos nossos.
4. É possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político
efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico – tanto no
momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da
regra prevista no art. 10, §3º, da Lei das Eleições – ou se há o lançamento de candidaturas apenas
para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o
efetivo desenvolvimento das candidaturas.
5. Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e
estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é
necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos
políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam
efetivas e não traduzam mero estado de aparências.
Recurso especial parcialmente provido.22
Observa-se que neste julgado destaca-se que a AIJE tem aplicabilidade para tutelar
o bem da normalidade das eleições, devendo ser considerado não somente na ocasião do
registro, mas como no curso das campanhas eleitorais também, no que toca ao efetivo
cumprimento da norma constante no art. 10, §3º da Lei das Eleições, tudo isso para que
não sejam realizadas as candidaturas de forma a fraudar o real sentido da lei, ou seja,
preencher a cota mínima de 30% (trinta por cento) de candidatura feminina sem atender
à verdadeira finalidade do que vaticina a norma.
Com base nos ensinamentos do Ministro Henrique Neves da Silva, que apresentou
o seu entendimento no artigo intitulado Candidatas de verdade, no espaço e-Leitor do
site Jota,23 não basta que a regra do percentual seja obedecida formalmente, necessitando
ser observada de forma material durante as eleições. O autor também entendeu, acerca
do cabimento da apuração do ilícito através da AIJE:
A Justiça Eleitoral voltou a afirmar que lançar mulheres como candidatas apenas para
preencher o percentual mínimo exigido pela legislação eleitoral pode ser considerado ilícito
grave. Em julgamento concluído na última terça-feira (REspe nº 243-42), o TSE decidiu
que, além da possibilidade de se verificar se o percentual de candidatura foi formalmente
atendido no momento do registro das candidaturas, é também possível investigar se a
regra é materialmente respeitada no curso das eleições, por meio da ação de investigação
judicial eleitoral, com consequências para o partido político e todos os seus candidatos.
22
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Percentuais de gênero. Recurso Especial Eleitoral na AIJE nº 24342. Rel.
Min. Henrique Neves da Silva. DJe, 16 ago. 2016. Grifos nossos.
23
SILVA, Henrique Neves da. Candidatas de verdade. Jota, 19 ago. 2016. Disponível em: <https://www.jota.info/
opiniao-e-analise/colunas/e-leitor/e-leitor-candidatas-de-verdade-19082016>. Acesso em: 11 nov. 2017.
24
SALGADO, Eneida Desiree; FARIAS, Marina Cardoso; SANTOS, Rayssa Porto. A falácia das cotas de gênero
ante a ausência de recursos para as campanhas de mulheres. Jota, 14 out. 2016. Disponível em: <https://www.
Há várias hipóteses para explicar essa disparidade entre o número de candidatas e o número
de eleitas, assim como a baixa expressividade eleitoral das mulheres. Pode ser a pouca
permeabilidade dos partidos às mulheres, pode ser uma cultura machista e misógina que
acha que lugar de mulher na política é apenas no cargo de primeira dama, de preferência
com uma roupa e um penteado que deixem claro sua posição subalterna, talvez seja a
imagem que as mulheres têm de si mesmas. Talvez. Nossa aposta aqui será outra: a falta
de acesso a recursos financeiros e à propaganda eleitoral neutraliza a previsão de cotas de
candidatura e a exigência de participação das mulheres nas instituições políticas.
jota.info/opiniao-e-analise/colunas/e-leitor/e-leitor-falacia-das-cotas-de-genero-ante-ausencia-de-recursos-para-
campanhas-de-mulheres-14102016>. Acesso em: 11 nov. 2016.
25
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Registro de candidaturas. Recurso Especial Eleitoral nº 2939. Rel. Min.
Arnaldo Versiani Leite Soares, j. 6.11.2012. DJe, 6 nov. 2012. Grifos nossos.
Essa substituição não pode ser concretizada através da ocupação da vaga por
outro sexo, bem como, na impossibilidade de substituição por outra candidata, a ação
que deve ser adotada pelo partido político ou pela coligação reside na diminuição de
candidatos homens, com o escopo de adequar os respectivos percentuais, em consonância
aos termos do julgamento supracitado do REspe nº 2.939 pelo Tribunal Superior Eleitoral,
sob pena de recair no “percentual branco por renúncia” já devidamente conceituado.
Ocorre que há situações de formalização das renúncias pelas candidatas depois
do prazo permitido para substituição das candidaturas, de forma a alegar-se que o
partido não poderia ser penalizado, conforme é o entendimento desta jurisprudência:
26
Ac. de 12.8.2010 no REspe nº 78432. Rel. Min. Arnaldo Versiani. Grifos nossos.
No entanto, são esses casos que exigem maior atenção, pois, muitas vezes, tal
prática de renunciar à candidatura feminina após o prazo da substituição visa exatamente
burlar o preenchimento da cota mínima de 30% (trinta por cento), diante de um prévio
acordo/consentimento da candidata com o partido ou a coligação para que essa exerça
a renúncia da candidatura, assim tornando-se relevante o ajuizamento da ação para
apurar o referido ilícito.
Em sede de AIJE, esta tem por objeto, id est, consequência do pedido a declaração
de inelegibilidade durante 8 (oito) anos, com base no art. 22, XIV, da Lei Complementar
nº 64/90, em virtude da comprovação do abuso de poder. Já a AIME visa ao reconhecimento
da fraude, para desconstituir os mandatos dos impugnados, de modo a retirar a
eficácia dos diplomas concedidos aos eleitos e suplentes, devendo ser feito o recálculo
do quociente eleitoral, a fim de diplomar e empossar a quem possui direito; e após a
confirmação da fraude eleitoral, a determinação da cassação dos diplomas, aplicação
de multa no valor máximo em virtude da gravidade do ilícito, e a inelegibilidade pelo
prazo de 8 (oito) anos.
Ademais, a aplicabilidade da cassação e retirada da eficácia dos diplomas conce
didos aos eleitos e suplentes deve-se ao fato de que todos obtiveram benefícios com
o ilícito da prática de candidaturas de fachada e também o consentimento de tal ato,
porquanto o partido político possui autonomia para escolher os seus candidatos, princi
palmente, por determinar quem receberá maior ênfase ou apoio na propaganda eleitoral.
Ressalta-se ainda que os partidos políticos são responsáveis por realizar o lançamento
das candidaturas. Por consequência, incabível a alegação de que os candidatos não
conhecem os demais, uma vez que têm a intenção de saber a força de outrem diante da
população, em virtude do meio competitivo.
Portanto, a efetiva incidência das sanções, quando apuradas e comprovadas as
ações realizadas através de fraude e/ou abuso de poder, restando na configuração da
chamada candidatura laranja, viabiliza o desestímulo de práticas tanto futuras, que
reiterem na conduta ilícita, como a serem exercidas por outros(as) candidatos(as) e
partidos políticos.
27
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Percentuais legais por sexo. Recurso Especial Eleitoral nº 21498. Rel. Min.
Henrique Neves da Silva, j. 23.5.2013. DJe, 24 jun. 2013.
manifesta intenção de “criar” provas para esconder a fraude cometida, a qual restou
guerreada judicialmente.
Nesse diapasão, urge destacar as consequências advindas com a presença
dessa irregularidade no resultado das eleições, em razão de existirem mulheres que
efetivamente concorreram, e balancear duas possibilidades de soluções para resolver o
impasse, quais sejam, anular por completo as participações das coligações violadoras
da norma eleitoral, de forma a declarar nulos todos os votos recebidos pelos candidatos
das respectivas coligações, ou fazer incidir o percentual com base na quantidade de
candidatas que realmente concorreram aos cargos de vereador, através da diminuição
da quantidade de candidatos masculinos e mantendo aqueles como eleitos com o maior
número de votos.
O julgamento prolatado na Zona Eleitoral de Valença/PI se arrimou na decisão
proferida pelo Colendo TSE quanto à aplicabilidade do atendimento da cota mínima
por cada sexo mediante a contabilização com fulcro no número de candidaturas verda
deiramente lançadas. Em suma, a eminente juíza eleitoral em sua judiciosa decisão
manifestou pelas cassações dos registros de candidatura de todos os candidatos cons
tantes nos demonstrativos de regularidade dos atos partidários das coligações que exce
deram a efetiva quota de gênero e em seguida declarou nulos os votos por eles recebidos.
Por consequência, declarou ainda a inelegibilidade destes candidatos para as eleições
que ocorrerão nos 8 (oito) anos subsequentes, contados a partir da eleição de 2016.
A priori, vale destacar que, na análise do cabimento da AIJE para julgar demandas
que versam sobre fraude quanto ao percentual da cota de gênero estabelecida no art. 10,
§3º da Lei nº 9.504/97, o plenário do Colendo TRE/PI, além de reiterar os fundamentos da
sentença no que tange ao sentido de que o abuso de poder deve ser entendido de forma
ampla, incluindo até mesmo as condutas fraudulentas e em desrespeito à legislação
eleitoral, asseverou com maestria que a admissão desta medida processual é consentâneo
ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, o qual está plasmado no art. 5º, inc. XXXV
da Constituição Federal de 1988,28 que vaticina que “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Sobre as consequências da ilicitude, os membros da Corte Regional Eleitoral, no
Acórdão nº 19.392,29 enfatizou que não basta se ater à quantidade de votos obtidos por
cada uma das candidatas, mas principalmente a outros fatores, como a averiguação da
prestação de contas, a realização de campanha e as situações em que foram mostradas
as referidas candidaturas, consoante se depreende da ementa do julgado adiante:
28
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
29
Diário de Justiça Eletrônico do TRE/PI, n. 176, 27 set. 2017.
30
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. Burla ao instituto das cotas de gênero. Recurso Eleitoral na AIJE
nº 19392. Rel. Dr. Astrogildo Mendes de Assunção Filho, j. 12.9.2017. DJe, 27 set. 2017.
31
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Atividade feminina na política. Agravo Regimental no Recurso Especial
Eleitoral nº 15826. Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, j. 20.10.2016. DJe, 12 dez. 2016.
32
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Lançamento de candidatura fictícia para atendimento do
percentual fixado para a cota de gênero. Recurso Eleitoral na AIJE nº 40989. Rel. Dr. Marcus Elidius, j. 21.11.2017.
DJe, 27 nov. 2017.
4.5 Conclusão
É consabido, indiscutivelmente, que a representatividade feminina na política
brasileira tem sido sempre assaz tímida, devido a diversos aspectos, mormente o cultural,
que advém dos frutos da sociedade machista. Posto isto, torna-se notório que após as
lutas sociais enfrentadas pelas mulheres para conquistar a tão sonhada igualdade de
gênero, a fim de conquistar espaços na sociedade, sobretudo na vida pública, a repre
sentatividade feminina na política continua a passos lentos. Contudo, não se pode esque
cer a importância consubstanciada nas ações afirmativas, tal qual a que reside, verbi gratia,
no campo da obrigatoriedade de percentual mínimo de candidaturas por um dos sexos
aos cargos proporcionais, retratada no dispositivo legal já exaustivamente relatado.
Importante ressaltar que, muitas vezes, a fraude em tela não é perceptível de
imediato quando da ocorrência do processo legal para o deferimento ou indeferimento
do registro dos candidatos, por isso a tão polêmica questão se resvala no âmbito da
Justiça Eleitoral, seja mediante as proposituras da AIJE e AIME, na ocasião do início dos
atos de campanha, id est, que vêm à tona as provas relacionadas às figuras fictícias das
candidatas cujos nomes estão inseridos nos denominados DRAPs.
Cabe salientar que seria incoerente se a Justiça Eleitoral apresentasse a argumen
tação da observância do caráter meramente formal, a ponto de se omitir no enfrentamento
para o combate desta situação alhures que viola e macula o resultado do pleito, uma
vez que se espera a normalidade e a legitimidade do pleito, consequentemente do seu
resultado nas urnas.
Impende registrar que não é pertinente a inexistência da prestação jurídica efetiva
no período correspondente entre a apreciação do DRAP e a propositura da AIME, já
que esta tem como elemento fático a presença de mandato a ser impugnado, caso seja
33
DJe, n. 121, 7 jul. 2017.
Referências
ÁVALO, Alexandre et al. O novo direito eleitoral brasileiro: manual de direito eleitoral. 2. ed. rev., atual. e ampl.
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BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Lançamento de candidatura fictícia para atendimento
do percentual fixado para a cota de gênero. Recurso Eleitoral na AIJE nº 40989. Rel. Dr. Marcus Elidius, j.
21.11.2017. DJe, 27 nov. 2017.
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. Burla ao instituto das cotas de gênero. Recurso Eleitoral na AIJE
nº 19392. Rel. Dr. Astrogildo Mendes de Assunção Filho, j. 12.9.2017. DJe, 27 set. 2017.
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. Não cumprimento da exigência de cotas por sexo. Recurso
Eleitoral na AIJE nº 24342. Rel. Dr. Francisco Hélio Camelo Ferreira, j. 11.11.2013. DJe, 19 nov. 2013.
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Eleitoral nº 15826. Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, j. 20.10.2016. DJe, 12 dez. 2016.
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT):
NUNES, Geórgia Ferreira Martins; SOARES, Lorena de Araújo Costa. Candidatas de fachada: a violência
política decorrente da fraude eleitoral e do abuso de poder e as respostas jurídicas para efetivação dos
grupos minoritariamente representados. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA,
Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direito Constitucional Eleitoral. Belo Horizonte:
Fórum, 2018. p. 543-570. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
Aline Osorio
Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2015). Mestre (LL.M.)
pela Harvard Law School (2018). Autora do livro Liberdade de expressão e direito eleitoral e de diversos
artigos publicados no Brasil e no exterior. Professora de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral
do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.
Bruno Galindo
Professor Associado da Faculdade de Direito do Recife/Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Doutor em Direito pela UFPE/ Universidade de Coimbra-Portugal (PDEE). Conselheiro
Estadual da OAB/PE.
Carla Pinheiro
Doutora em Direito. Psicóloga pela PUC-SP. Professora Pesquisadora do Grupo CELA/REPJAL
(Centro de Estudos Jurídicos, Econômicos, Sociais e Ambientais da América Latina) do PPGD
Unifor.
Emiliane Alencastro
Advogada. Cursando Introdução à Filosofia do Direito em Harvard. Graduada em Direito pela
Faculdade ASCES/PE (2015).
Filomeno Moraes
Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional – Mestrado e
Doutorado da Universidade de Fortaleza. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo.
Livre Docente em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará. Mestre em Ciência Política
pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Líder do Grupo de Pesquisa “Estado,
Política e Constituição” (CNPq/Unifor). E-mails: filomenomoraes@uol.com.br; filomeno@unifor.br
Gina Pompeu
Doutora em Direito pela UFPE. Coordenadora dos Cursos de Mestrado e Doutorado do PPGD
Unifor. Professora Pesquisadora do Grupo CELA/REPJAL do PPGD Unifor.
Luiz Fux
Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. Professor Catedrático de
Processo Civil (UERJ). Doutor em Direito Processual Civil (UERJ). Membro da Academia Brasileira
de Letras Jurídicas. Membro da Academia Brasileira de Filosofia. Presidente da Comissão de
Juristas do Novo Código de Processo Civil.
Néviton Guedes
Desembargador Federal do TRF da 1ª Região. Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.
Professor no Uniceub.