CANÁRIO, Rui . A escola como construção histórica .In: O que é a escola ? Um olhar
sociológico. Porto: Editora Porto, 2005. Capítulo 5:.pp.59-88.
1. Crise ou mutação?
Os debates recentes sobre escola (últimos trinta anos): pano de fundo: generalizado e
difuso sentimento de insatisfação, ao qual as múltiplas mudanças (reformas) não tem
conseguido dar uma resposta pertinente;
“Sentimento de mal estar”- Diagnóstico realizado ao final dos anos sessenta –
existência de uma “crise mundial da educação” – deve ser entendida como “crise da
escola”;
2. Os paradoxos da escola:
RESPOSTA 2: Uma outra forma de analisar a escola e tentar entender suas mutações
corresponde a adotar uma perspectiva diacrônica que permite identificar três períodos
distintos:
1.O período da “escola das certezas”: marca o período forte da instituição, tendo como
referência o designado “Estado- educador”;
o Em oposição a visões naturalizadas que encaram a escola atual como uma
espécie de realidade intemporal, a construção da escola como “objeto sociológico”
supõe que a sua emergência seja historicamente situada.
o representando a escola, não apenas uma invenção histórica, mas uma invenção
recente que corresponde a uma revolução nos modos de socialização, ou seja, a
uma forma diferente de fabricar o social.(Queiroz, 1995,p.6)
o A construção histórica da escola moderna supõe:
por uma lado: a invenção da infância;
por outro lado: a emergência de uma relação social inédita:
a relação pedagógica, exercida num lugar e num tempo distintos
das outras atividades sociais, submetidos a regras de natureza
impessoal e que definem a especificidade do modo de
socialização escolar.
o O nascimento histórico, a consolidação e o desenvolvimento dos modernos
sistemas escolares situam-se num contexto que é indissociável da dupla revolução
(liberal e industrial) que marcou o final do século XVIII.
o uma nova ordem política: a escola moderna significou subtrair à Igreja a tutela
sobre o ensino, a partir de um sistema nacional de escolas, apoiado num corpo de
funcionários libertos das tutelas locais:
o Uma nova ordem social: do ponto de vista social. A escola participa na
construção de um novo tipo de laço social: construído em torno da relação salarial,
contribuindo para acelerar o declínio do rural tradicional, a transferência da
população para as zonas urbanas industriais, proletarizando-as.
o Uma nova ordem econômica: do ponto de vista econômico a escola participa
historicamente na construção de uma sociedade industrial.
A construção histórica da escola e a sua exterioridade relativamente
ao mundo social conduziram ao aparecimento de uma nova categoria
social: o aluno.
Uma coerência dupla da escola num “tempo de certezas”
Em termos externos: a escola é consonante e está funcionalmente
adaptada a uma nova ordem política, social e econômica;
Em termos internos: a conflitualidade é reduzida ao mínimo e há harmonia
entre escola e seus públicos.
Durante esse período a escola goza de uma forte legitimidade social, na
medida em que é socialmente percebida como “justa”, apesar de funcionar
num registro claramente elitista (Dubet e Martuccelli);
A Hegemonia da Forma escolar:
o A invenção histórica dos sistemas escolares modernos corresponde a instituir e
tornar hegemônica uma outra forma de aprender, a partir da criação de uma
relação pedagógica entre um professor e um aluno , relação essa que tende:
Por um lado: a autonomizar-se das restantes relações sociais;
Por outro lado: a tornar-se hegemônica, relativamente a outras
modalidades de pensar e organizar as aprendizagens.
o Baseando-se nos princípios de:
Revelação: o mestre que sabe ensina ao aluno ignorante;
Cumulatividade: aprende-se acumulando informações;
O trabalho escolar: entre o prazer e o enfado:
o Os alunos:
Por aquilo que fazem: comportamentos inadequados e qualificados de
“indisciplina;
Por aquilo que não fazem: realização correta e diligente das tarefas
escolares que lhes são pedidas;
o Tendem a ser, cada vez mais, encarados pelos professores como o problema
principal da escola.
o A verificação recorrente de que os alunos “trabalham pouco” é, do ponto de vista
dos professores, compreensivelmente preocupante:
A aprendizagem corresponde, necessariamente, a um trabalho realizado
por quem aprende e os professores, cuja missão é ensinar, confrontam-se
com a impossibilidade de ensinar a quem não quer aprender (ou seja,
realizar um determinado trabalho);
o Em síntese: o que está em causa, na organização escolar, é substituir o critério de
“obrigação” pelo critério da “necessidade”, o “constrangimento pela
espontaneidade”, a incompatibilidade pelo entendimento, o enfado pelo prazer”.