Dedicatéria
Dori
que é sensivel d angiistia dos ces;
ao José Craveirinha
expressito verdadeira da poesia de Mocambique
aLads Beads Hone
Nos Matamos O Cao-Tinhoso!
O Cao-Tinhoso tinha uns olhos azuis...
0 Cao-Tinhoso tinha uns olhos azuis que ndo tinham brilho nenhum,
‘mas que eram enormes ¢ estavam sempre cheios de lagrimas, que Ihe
escorriam pelo focinho. Metiam medo aqueles olhos, assim tao grandes, a
olhar como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer dizer.
Eu via todos 0s dias 0 Cio-Tinhoso a andar pela sombra do muro em
volta do patio da Escola, ir para o canto das camas de poeira das galinhas
do Senhor Professor. As galinhas nem fugiam, porque cle nao se metia com
elas, sempre a andar devagar, procura de uma cama de poeira que no
ivesse ocupada
Cao-Tinhoso passava 0 tempo todo a dormir, mas as vezes andava, e
entiio eu gostava de o ver, com os ossos todos mostrados no corpo magro,
de pele velha, cheia de pelos brancos, cicatrizes ¢ muitas feridas. Eu nunca
via 0 Cao-Tinhoso a correr e nem sei mesmo se ele era capaz disso, porque
andava todo a tremer, mesmo sem haver frio, fazendo balango com a
cabeca, como os bois e dando uns passos tao malucos que parecia uma
carroga velha,
Houve um dia que ele ficou o tempo todo no portio da Escola a ver os
outros ces a brincar no capim do outro lado da estrada, a correr, a correr,
ea cheirar debaixo do rabo uns nos outros. Nesse dia 0 Cao-Tinhoso tremia
‘mais do que nunca, mas foi a tinica vez. que 0 vi com a cabega levantada, 0
rabo direito e longe das pernas e as orelhas espetadas de curiosidade.
s outros c&es as vezes deixavam de brincar e ficavam a olhar para 0
Cao-Tinhoso. Depois zangavam-se ¢ punham-se a ladrar, mas como ele 10
Gissesse nada e s6 ficasse para ali a olhar, viravam-Ihe as costas e voltavam.
2 cheirar debaixo do rabo uns nos outros ¢ a correr
Duma dessas vezes, 0 CAo-Tinhoso comegou a chiar com a boca fechada
23