Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
ISBN 978-85-397-0829-1
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo,
especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a
memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer
sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua
editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena
de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de
19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
1- INTRODUÇÃO
Alan Arrieira Azambuja
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Laerson Hoff
SISTEMAS DE MEDIDAS
Medida pode ser definida como a descrição de algo em termos de valores
numéricos. É a determinação de magnitude de alguma propriedade. Propriedades são as
características e atributos de algo. Quando podem ser medidas, são ditas quantitativas;
e, quando isso não for possível, são denominadas de qualitativas.
O sistema métrico foi especificamente formulado para ser utilizado com notação
decimal. Esse sistema consiste de uma unidade primária para cada propriedade
quantitativa e um conjunto de prefixos. Cada prefixo indica um fator pelo qual a
unidade primária deve ser multiplicada para produzir maiores ou menores unidades de
uma propriedade. O fator de um prefixo geralmente é exponencial usando como base o
número 10. Por exemplo, 1 kg é igual a 103 gramas (1.000 g), 1 mL é igual a 10-3 litros
(1/1.000 L) e 1mL é igual a 10-6 litros (1/1.000.000 L). Cada prefixo recebe uma
nomenclatura específica, como micro, pico e nano. A Tabela 1.1 demonstra os
diferentes prefixos com suas denominações e fatores correspondentes.
Tabela 1.1 Prefixos e seus fatores.
Tempo Segundo s
Volume Metro cúbico ou litro m³ ou L
DILUIÇÕES
As diluições são métodos laboratoriais nos quais uma quantidade de uma substância
(o solvente) é adicionada a outra (o soluto) para reduzir a concentração do soluto. O
uso da palavra diluição pode ser muitas vezes confuso, mas entende-se no sentido de
que uma parte de um material seja diluída num número total de partes da solução final.
A diluição é uma expressão de concentração, e não de volume. Indica a quantidade
relativa de substâncias em uma solução.
As variações da terminologia podem ser variadas, e uma mesma instrução de
laboratório pode ser expressa das seguintes formas: diluir 1 em 10 ou diluição de 1
para 10 ou diluir 1/10. Todas devem significar a mesma coisa, ou seja, o volume de
concentrado (soluto) no volume total da solução final. Na frase de instruções de
preparo de diluições, o menor número corresponde ao número de partes da substância
que está sendo diluída; o maior número refere-se ao número total de partes da solução
final.
Considere a seguinte questão: faça uma diluição um para dez (1/10 ou 1:10) de
plasma humano em soro fisiológico. Para fazer dez mililitros da solução diluída,
utilizamos um mililitro de plasma e adicionamos nove mililitros de soro fisiológico.
Assim, a concentração de plasma é reduzida à décima parte na solução. O objetivo
dessa diluição, assim, é tornar aquela quantidade de soluto na décima parte de toda
solução (1/10).
SOLUÇÕES
Soluções são misturas de substâncias. A maioria das soluções pode ser composta de
duas partes ou fases: a fase dispersa e a fase dispersante. A fase dispersa é a substância
que é dissolvida, frequentemente chamada de soluto. A fase dispersante é a parte que
dissolve a outra, também chamada de solvente.
Trabalhando-se com soluções é imprescindível medirmos as quantidades relativas
de substâncias em solução. Isso se refere à concentração, que é a quantidade de uma
substância em solução. A concentração pode ser medida por uma das três maneiras
básicas: massa por unidade de massa, massa por unidade de volume e volume por
unidade de volume. A maneira mais precisa das três é massa por unidade de massa
(m/m), pois a massa de uma dada quantidade não varia com a temperatura ou pressão
como varia por volume. Massa por unidade de massa é quase sempre usada para
medida de sólidos em material sólido.
Uma concentração em massa por unidade de volume (m/v) é provavelmente o valor
mais comum encontrado nos laboratórios clínicos. Nesse método um número de
unidades de massa ou peso é relacionado a um dado número de volume de solução.
Esse sistema é mais frequentemente usado quando o soluto é um sólido e o solvente é
líquido. O volume de uma quantidade particular de material vai variar com a
temperatura e, no caso de gases, com a pressão. O grau de variação é usualmente
insuficiente para provocar variações significativas nos resultados do teste, a não ser
que variações extremas de temperaturas estejam envolvidas.
O último dos três métodos de medida de concentração é volume por unidade de
volume (v/v). Esse método, que é o menos preciso dos três, é quase sempre usado
quando o soluto e o solvente são líquidos.
A unidade de concentração do Sistema Internacional é o quilomol por metro cúbico
(kmol.m-3), mas seu equivalente mol.l-1 (mol por litro) é o mais usado na prática diária
laboratorial.
Entre os diversos meios de expressar concentrações, os mais usados são
apresentados a seguir.
NORMALIDADE E EQUIVALENTES
Os eletrólitos se combinam entre si em proporção à sua valência iônica e não em
proporção a seu peso. Quimicamente o padrão de referência é a carga elétrica (+) de um
peso atômico de hidrogênio (1 g). Um equivalente de um íon é a quantidade que pode
ser substituída ou combinada com um grama de hidrogênio; equivalendo quimicamente
a um grama de hidrogênio. Em outras palavras, um equivalente de uma substância é o
peso atômico dividido pela valência iônica e fornece um índice quantitativo das
propriedades de combinação de todas as espécies iônicas. Esse é o método Normal (N)
de expressar concentração, por estabelecer uma norma para comparação de soluções
que reagem entre si, como ácidos, álcalis, oxidantes e redutores.
Tenhamos o exemplo do NaCl, em que o Na apresenta uma carga positiva (+) e o Cl
uma negativa (-). Um mol de NaCl apresenta um equivalente de Na e um equivalente de
Cl. Os íons que não apresentam cargas elétricas unitárias, como o cálcio e o magnésio
(Ca++, Mg++), possuem um maior poder de combinação. Portanto, um mol de um íon
divalente fornece dois equivalentes.
Exemplo: Para termos uma molécula de cloreto de cálcio necessitamos de dois íons
de cloro para neutralizar um de cálcio.
Ca++ + 2 Cl - = CaCl2
2- MEMBRANA CELULAR
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Karine Lucielle Grehs Meller
Laerson Hoff
Débora Sartori Giaretta
CARACTERÍSTICAS GERAIS
A espessura da membrana pode variar entre 60 a 100 Å aproximadamente,
dependendo do tipo de célula. Em alguns casos, as membranas biológicas chegam a
constituir 80% do total da massa celular desidratada. Isso é possível visto que a célula
é constituída por um sistema de membranas que compreende não só a membrana
celular, mas também as membranas de organelas ou aquelas que servem de
compartimento para substâncias, como as enzimas e materiais fagocitados. Temos,
portanto, uma grande variedade de membranas envolvendo as mais diversas estruturas,
como, por exemplo: mitocôndrias, cloroplastos, núcleo, retículo endoplasmático (liso e
rugoso), golgi, lisossomas, peroxissomas e outros.
De uma maneira geral, a membrana plasmática é constituída por lipídios e
proteínas. Por esse motivo ela é dita uma membrana lipoproteica. Apresenta
característica anfipática, ou seja, apresenta solubilidade em água e em solventes
orgânicos, porém com maior característica lipossolúvel. As proteínas da membrana são
mediadoras de diversas reações como a de sinalização via hormônios e transporte de
substâncias, ao passo que os lipídios permitem a criação de um meio intracelular ideal
(diferente do meio extracelular) para as reações bioquímicas no interior de cada célula.
Nota-se, ainda, que a relação entre lipídios e proteínas existentes em cada tipo de
membrana varia consideravelmente, propiciando diferentes propriedades às diferentes
células. Na Tabela 2.1 mostramos duas membranas celulares com grandes diferenças
nas concentrações de lipídios e proteínas.
Tabela 2.1 Percentual de proteínas e de lipídios nas
membranas da mitocôndria e bainha de mielina.
TIPO DE ESTRUTURA % DE LIPÍDIOS % DE PROTEÍNAS
Membrana interna mitocondrial 20 - 25 75 - 80
Bainha de mielina (membrana que reveste o axônio) 75 25
GLICOLIPÍDIOS
Esses lipídios são assim denominados porque contêm moléculas de carboidratos. O
exemplo mais simples é o cerebrosídio, porque ele possui somente um resíduo de “ose”
(glicose ou galactose). Os gangliosídios (glicolipídio mais complexo) podem ter até
sete resíduos de “oses” e, quando se acumulam no organismo devido a problemas
genéticos, causam uma doença denominada Tay-Sachs (mais frequente na comunidade
judaica). A concentração desse tipo de lipídio na membrana é baixa (Figura 2.2).
FOSFOLIPÍDIOS
Esses são os lipídios predominantes nas membranas celulares, que se diferenciam
por possuírem, em uma de suas extremidades, um radical polar, que é o fosfato (PO4-
3). Na outra extremidade, apresentam duas cadeias de ácidos graxos, como os demais
lipídios.
Os fosfolipídios derivados do glicerol, que é um álcool de três carbonos, são
denominados fosfoglicerídeos ou também glicerofosfolipídios. Esses são mais
numerosos do que os esfingolipídios, que são derivados da esfingosina (um álcool mais
complexo). Veja a Figura 2.3.
COLESTEROL
O colesterol é um lipídio neutro, já que não possui nenhum radical livre, como o
grupo fosfato (PO4-3) dos fosfolipídios. É composto por um álcool e pode estar ligado
a um éster (colesterol esterificado). Ele está presente apenas em membranas de seres
eucarióticos, variando muito sua concentração de célula para célula. No homem, possui
inúmeras funções, entre elas, formação da bile e precursor de hormônios esteroides. As
células mais ricas em colesterol são as hemácias, as células hepáticas e as células
nervosas mielinizadas.
Esses três grupos de lipídios anteriormente citados estão presentes em todas as
membranas plasmáticas (o colesterol, somente em seres eucarióticos). Suas taxas
variam consideravelmente de célula para célula (Tabela 2.2). Esses valores vão
depender da função da célula em questão. Cada tipo de lipídio apresenta uma função
diferente, e isso vai se refletir na sua concentração na membrana de uma determinada
célula (Tabela 2.2).
Tabela 2.2 Diferentes composições de membranas.
Razão Molar de Colesterol /
Tipo de Membrana Razão Lipídio / Proteína Principais Fosfolipídios
Fosfolipídio
Figura 2.4 Composição lipídica das membranas de hemácias de diferentes mamíferos (C = colesterol,
PE = fosfatidiletanolamina, PC = fosfatidilcolina, SP = esfingomielina).
ÁCIDOS GRAXOS
Um ácido graxo é um composto que possui uma longa cadeia de hidrocarbonetos
(carbono e hidrogênio) e, em uma de suas extremidades, apresenta um grupo carboxila
(COOH), ou seja, possui uma porção hidrófila ou também chamada polar. Essa porção
polar varia, em sua constituição, de acordo com o tipo de ácido graxo.
Os ácidos graxos são apolares, não possuem ligações livres e são, portanto,
hidrófobos (não têm afinidade com a água). Cada molécula de ácido graxo pode ter
conformações diferentes, tais como estado rígido, estado ordenado e estado fluido
(desordenado), conforme a temperatura. A figura que segue apresenta uma
esquematização desses três estados (Figura 2.5).
Figura 2.5 Desenho esquemático, mostrando os estados de agregação das cadeias de ácido graxo.
Figura 2.6 Representação da experiência realizada por cientistas para comprovar a estrutura
da bicamada lipídica.
PROTEÍNAS
As proteínas são as principais mediadoras de grande parte das reações que ocorrem
ao nível da membrana. São elas as responsáveis pelos processos de transporte,
comunicação e transdução de energia.
Assim como os lipídios, existe uma variação enorme de tipos de proteínas, e elas
não estão distribuídas de maneira uniforme em todas as membranas. A maioria das
células possui uma porcentagem de aproximadamente 40% de proteínas e 60% de
lipídios. Mas esses valores não são constantes. A bainha de mielina, por exemplo, tem
apenas 18% de proteína, ao passo que a membrana interna da mitocôndria tem 75% de
proteína em sua constituição. Geralmente, quanto maior a atividade metabólica de uma
célula, maior o teor de proteína em sua membrana.
As proteínas estruturais ou fixas não têm subdivisões, mas podem ser encontradas
em várias posições na membrana plasmática (Figura 2.8).
Figura 2.8 Desenho esquemático mostrando a localização de proteínas estruturais.
GLICOPROTEÍNAS
As glicoproteínas constituem um tipo especial de proteína fixa. Elas se destacam
por apresentarem restos glicídicos em sua superfície livre (externa), como mostra a
Figura 2.9.
K+ 10-11,5
Cl- 10-9
Glicose 10-8,5
Triptofano 10-7
ureia/glicerol 10-6
Indola 10-3,5
Água 10-2,5
Fonte: Adaptado de Stryer (1988).
Referências
Bennet V. The Membrana skeleton of human erytrocytes and its implications for more complex cells. Annu Ver
Biochem. 1985; 54:273.
Berne RM, Levy MN. Fisiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
Cotran RS, Kumar V, Robbins SL. Robbins, pathologic basis of disease. 5. ed. Philadelphia: WB Sauders Company,
1994.
Frumento A. Biofísica. Buenos Aires: Editora Intermédica SAICI, 1973.
Giménez C. Composition and structure of the neuronal membrane: molecular basis of its physiology and pathology. Rev
Neurol. 1998; 26:232-9
Lacaz-Vieira F, Malnic G. Biofísica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981.
Moffett D, Moffet S, Schauf C. Human Physiology. 2. ed. Missouri: Mosby, 1993.
Montgomery R, Conway TW, Spector AA. Bioquímica, uma abordagem dirigida por casos. 5. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1994.
Stryer L. Bioquímica. 3. ed.. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
Urazaev Akh. The sodium-potassium-chloride cotransport of the cell membrane. Usp Fiziol Nauk. 1998;29: 12-28.
3- TRANSPORTE ATRAVÉS
DA MEMBRANA CELULAR
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Karine Lucielle Grehs Meller
Laerson Hoff
Débora Sartori Giaretta
TRANSPORTE PASSIVO
O transporte passivo, um transporte extremamente importante, é, por definição, um
transporte que não gasta energia, ou seja, ATP celular. Em vez disso, é a própria
energia cinética das partículas que permite esse tipo de transporte que mantém um
equilíbrio ideal das células com o meio extracelular.
DIFUSÃO
Nada na vida é estático. Todas as partículas estão em constante movimento, devido
à energia cinética que elas possuem. Quanto maior a energia cinética, mais rápido é o
movimento. Este só cessa ao ser atingida a temperatura de zero grau Kelvin (o zero
absoluto).
É importante rever esses conceitos para o entendimento de como ocorre o
movimento da matéria através de uma membrana. Suponha que exista um compartimento
cheio de água dividido em dois por uma membrana semipermeável, como mostra a
Figura 3.1. No lado A, será colocado uma solução de ureia; e, no lado B, uma solução
de glicose. Essa membrana permite tanto a passagem da ureia como a passagem das
moléculas de glicose. As partículas dos dois compartimentos, dotadas de energia
cinética, adquirem uma movimentação aleatória, chocando-se com as paredes do
recipiente, entre si e com a membrana. Ao colidirem com a membrana, as moléculas
atravessam-na. Esse movimento é chamado de difusão.
Figura 3.1 Desenho mostrando o movimento das partículas de duas soluções diferentes.
Figura 3.2 Ilustração dos três tipos de direção do fluxo em uma difusão simples.
Para que ocorra uma difusão, não é necessária a presença de uma membrana. É fácil
perceber isso ao prepararmos uma solução de água com tinta, conforme mostra a Figura
3.3. Inicialmente, a gota de tinta está bem individualizada. Com o tempo, essa gota vai
se espalhando até chegar a um ponto em que a água se encontra totalmente colorida.
Isso também é difusão, só que, nesse caso, na ausência de uma membrana (Figura 3.3).
Figura 3.3 Desenho mostrando como ocorre a difusão sem uma membrana.
A difusão é um transporte passivo por dois motivos importantes. O primeiro é o fato
de que esse transporte não utiliza energia da célula. O segundo é o fato de que o fluxo
dessas partículas sempre ocorre a favor de um certo tipo de gradiente.
TIPOS DE GRADIENTES
Gradiente de concentração: uma substância sempre tende a ir de um meio onde ela
é mais concentrada (hipertônico) para um meio onde ela é menos concentrada
(hipotônico). Esse tipo de gradiente desencadeia difusões em todas as nossas células.
Gradiente de pressão: tem grande importância no processo da respiração. A
pressão de oxigênio dentro do alvéolo é maior do que a pressão desse gás no sangue
venoso. Isso faz com que o oxigênio saia do alvéolo e penetre nos capilares para ser
levado aos tecidos. De maneira análoga ao gradiente de concentração, o gás sempre vai
de um meio onde a pressão dele é maior para um meio onde a pressão dele é menor
(vide Figura 3.4).
Gradiente elétrico: as células de nosso corpo, do mesmo jeito que nosso sangue,
possuem a mesma quantidade de cátions e ânions. Essa característica se mantém
verdadeira entremeio às grandes quantidades de difusões ocorrendo a cada momento,
pois, a cada vez que um cátion entra na célula (Na+, por exemplo), necessariamente um
outro cátion (K+, por exemplo) sai ou um ânion (Cl-) acompanha a entrada daquele
cátion. Assim, o gradiente elétrico formado durante essas difusões mantém o número
igual de cátions e ânions, influenciando, consequentemente, o transporte de íons.
TIPOS DE DIFUSÃO
Existem várias maneiras para classificarmos os vários tipos de difusões. De uma
maneira geral, podemos ter dois tipos: difusão simples e difusão facilitada.
DIFUSÃO SIMPLES
Na difusão simples, as partículas movimentam-se através de orifícios que se
formam na membrana (poros), por espaços intermoleculares chamados de canais
aquosos, ou pela simples solubilidade na membrana (Figura 3.5).
em que
JS = fluxo de partículas (mg/min);
D = constante de difusibilidade (cm2/s);
A = área da membrana (m2);
dm = diferença energética (concentração) entre os dois pontos do movimento;
dx = distância percorrida.
Isso quer dizer que, quanto maior a distância, mais lentamente ocorre a difusão.
Esse fluxo é unidirecional até atingir um equilíbrio, ou seja, quando todos os pontos da
solução apresentarem a mesma concentração (Figura 3.6).
A velocidade com que ocorre a difusão vai depender de alguns fatores. Como vimos
antes, através da Lei de Fick, quanto maior for a diferença de concentração, maior será
a velocidade do fluxo. A energia cinética das partículas também influencia diretamente
na velocidade. Outro fator importante é a permeabilidade da partícula na membrana
plasmática. Quanto mais apolar for a partícula, maior facilidade apresenta em
atravessar a membrana.
DIFUSÃO FACILITADA
A difusão facilitada difere da simples, porque aquela não prescinde de uma proteína
transportadora de membrana. Na difusão facilitada, do mesmo jeito que na difusão
simples, sempre em que houver um o aumento da diferença de concentração dos solutos
(intra e extracelulares) irá haver um aumento da velocidade do fluxo. Só que agora esse
aumento tem um limite. Quando todas as proteínas transportadoras estiverem
funcionando, dizemos que o sistema está saturado, e a velocidade do fluxo irá parar de
aumentar. Por isso, a velocidade também vai depender do número de proteínas
transportadoras (Figura 3.8).
TRANSPORTE DA GLICOSE
A glicose, como sabemos, é uma molécula imprescindível para a sobrevivência de
muitas células de nosso corpo. Ela é, porém, relativamente grande para que, somente
através da difusão simples, adentre nessas células em níveis suficientes para suprir as
necessidades metabólicas das mesmas. Por isso, existem proteínas que ajudam a
entrada da glicose, fazendo dela um bom exemplo da difusão facilitada. Essas proteínas
transportadoras de membrana são diversas, tendo, cada uma, uma característica que as
distinguem das outras. Vamos, aqui, abordar as principais proteínas para vislumbrar as
relações básicas desse processo e, assim, entender como doenças (por exemplo,
diabetes mellitus) podem alterar essas relações.
Transportadores de glicose (GLUTs): todos os membros pertencentes a essa
família de transportadores, a qual possui diversos representantes (GLUT1 e 2...),
realizam, basicamente, a mesma função de transporte facilitado da glicose para dentro
das células. Cada representante, porém, possui diferenças estruturais que modificam um
pouco essa função básica, especializando a função do transportador de acordo com o
tecido em que se situa. Por exemplo, o GLUT3 – principal transportador de glicose do
sistema nervoso central – possui alta afinidade com a glicose, fazendo com que, mesmo
em uma situação de glicose sanguínea baixa, ela capte glicose avidamente. Isso está
totalmente de acordo com as características metabólicas do tecido nervoso que não
sobrevive sem um acesso ininterrupto de glicose a cada momento.
Diferentemente do tecido nervoso, existem vários tecidos que podem prescindir de
glicose por um tempo relativamente grande. Para esses tecidos, a presença de GLUT3
em suas membranas, além de desnecessária, não seria favorável para nosso corpo como
um todo. Vamos, assim, falar sobre os níveis de glicemia e sua relação com outros
transportadores de glicose e insulina, a saber: o GLUT2 (presente no pâncreas), sua
relação com a produção de insulina (hormônio produzido pelo pâncreas) para depois
entender como a produção desse hormônio repercute no transporte da glicose nos outros
tecidos.
É um conhecimento um tanto difundido e, de certo modo, empírico, que os níveis de
glicose sanguínea (glicemia) oscilam de acordo com nosso status nutricional,
aumentando após uma refeição e diminuindo ao longo de um período de jejum. Já que
essas oscilações existem, é muito fácil inferir que haja mecanismos para se lidar com
essas alterações. Comecemos pensando em uma situação hipotética de hipoglicemia:
com pouca glicose disponível no sangue, a mesma deve ser poupada para os tecidos
que não prescindem de seu uso como alimento (hemácias, neurônios, células do
cristalino). Do contrário, outros tecidos, que não possuem essa “especificidade
metabólica”, depletariam os níveis de glicose, fazendo aqueles tecidos sofrer e até
morrer, enquanto que esses apenas passariam a utilizar outro substrato, como os ácidos
graxos. Entende-se, assim, por que transportadores de alta afinidade à glicose estão
presentes apenas em alguns tecidos, como o nervoso. Numa situação oposta, onde haja
muita glicose (hiperglicemia), não há por que limitar o uso da glicose aos outros
tecidos. Nesses casos, receptores com baixa afinidade com a glicose, ou seja, que só
captam esse açúcar quando houver grandes quantidades do mesmo na circulação,
entram em ação. O fígado, o rim e o pâncreas possuem esses receptores (GLUT2 é um
exemplo deles).
Sabe-se, atualmente, que nem todos os GLUTs, porém, estão a todo momento
exercendo sua função. De fato, o GLUT4, presente nos tecidos adiposo e muscular, só é
colocado na membrana plasmática para realizar sua função no momento em que suas
células recebem um estímulo para que isso ocorra. Esse estímulo é proveniente da ação
da insulina1 (hormônio produzido pelo pâncreas) sobre as células desses dois tecidos.
Diz-se, assim, que o GLUT4 é um transportador sensível à insulina. Esse hormônio,
por sua vez, só é liberado na circulação quando os níveis de glicose aumentam.
Vejamos como isso ocorre: em estados de hiperglicemia, os GLUTs2 das células β
pancreáticas começam a funcionar plenamente captando mais glicose para dentro
dessas células. Com mais glicose, é produzido mais ATP. Esse aumento do ATP
bloqueia canais de K+ na membrana da célula β, impedindo que o potássio saia para o
meio extracelular. Há, assim, um acúmulo de cátions dentro da célula, que a faz
despolarizar e, ao fazê-lo, abre canais de Ca++. Com a entrada do cálcio na célula,
vesículas cheias de insulina se fundem com a membrana, liberando a insulina para a
circulação. Essa insulina atua em todos os tecidos, estimulando a utilização de glicose.
Entre esses tecidos estão o adiposo e o muscular, que irão sintetizar e colocar seus
GLUTs4 em suas membranas, o que faz diminuir os níveis glicêmicos.
Observa-se que a quantidade de transportadores relacionados à glicose é bastante
grande e variada. Além dos GLUTs já descritos, existem transportadores no intestino
delgado e nos túbulos renais que atuam realizando um cotransporte com o sódio e,
assim, permitindo que a glicose seja absorvida e reabsorvida respectivamente. Esses
transportadores são chamados de SGLT (sodium-glucose transporters). Em vez de
realizar uma difusão facilitada, esses realizam um transporte ativo secundário.
OSMOSE
Osmose é a difusão da água através da membrana celular. A água é o constituinte
inorgânico mais abundante na matéria viva. Em média, 67% da massa total de um
organismo é composta por água. A quantidade de água em cada tecido varia conforme o
organismo. Num mesmo indivíduo, tecidos de alta atividade metabólica, como o
nervoso, possuem mais água que tecidos de menor atividade, como o ósseo. De acordo
com a idade, também há variação na quantidade de água corporal. Indivíduos jovens
possuem mais água que adultos. Alguns exemplos podem ser vistos ver nas tabelas 3.1
e 3.2.
Tabela 3.1 Variações da água em diferentes órgãos.
Tecido de Homem adulto % de água
Encéfalo 90
Músculos 83
Medula Óssea 40
FENÔMENO OSMÓTICO
Dessa maneira, definimos concentração de uma determinada solução aquosa em
função da quantidade relativa de solutos.
Quando uma solução apresentar uma quantidade maior de solutos em relação a uma
outra solução (por unidade de volume), diremos que a solução 1 é mais concentrada
que a 2. Ao efetivarmos referências comparativas entre duas soluções aquosas, será
atribuída a denominação solução hipertônica à solução mais concentrada e solução
hipotônica a menos concentrada. Se tais soluções comparadas apresentam a mesma
concentração, essas serão soluções isotônicas.
A solução mais hipotônica será a água pura (por água pura entende-se água
destilada em um sistema físico, desprovida de quaisquer sais minerais). Qualquer outra
solução será hipertônica em relação a ela.
A osmose é a passagem de moléculas de água através de uma membrana
semipermeável, sempre no sentido do meio hipotônico, isto é, menos concentrado, para
o meio hipertônico, ou seja, mais concentrado. No meio hipotônico, proporcionalmente,
a quantidade de moléculas de água é maior por unidade de volume, enquanto no meio
hipertônico a quantidade de moléculas de água é menor por unidade de volume.
Lembramos que a membrana plasmática, por sua característica semipermeável, permite
a livre movimentação das moléculas de água, mas não a de determinadas substâncias.
A osmose acontece quando o meio menos concentrado cede água para o meio mais
concentrado, procurando diluí-lo. Observe a Figura 3.9.
Figura 3.9 Montagem de osmômetro. Tem por finalidade demonstrar a osmose através de membranas
semipermeáveis.
Na Figura 3.9, temos um frasco tipo funil revestido na sua abertura inferior por uma
membrana semipermeável (celofane) e preenchido por uma solução de água e açúcar. O
frasco é mergulhado em um recipiente com água pura. O açúcar (ou seja, as moléculas
de glicose) não atravessa a membrana semipermeável, pois o diâmetro de suas
moléculas é maior que o dos poros da membrana. A quantidade de água é maior do lado
de fora do que do lado de dentro do frasco; por osmose, a água entra no frasco e faz o
nível de líquido subir. Podemos também pensar de outra forma: dentro do frasco é
maior a concentração do soluto (glicose), portanto a água passará do meio hipotônico
para o hipertônico.
Esse aparelho recebe o nome de “osmômetro” e tem por finalidade medir a pressão
osmótica de uma solução.
PRESSÃO OSMÓTICA
Quando duas soluções de concentrações diferentes são separadas por uma
membrana semipermeável, o solvente (porém não o soluto) passará para o lado mais
concentrado por osmose. A pressão hidrostática (Ph) externa a ser aplicada para
impedir a passagem de solvente através da membrana deverá ser equivalente à pressão
osmótica. Utilizando o experimento anterior, deduziremos que a pressão osmótica deve
ser igual à hidrostática. Para obter os valores, mede-se a diferença de altura (Dh) da
coluna hídrica, depois de totalmente cessado o fluxo de água para o funil. A Ph é dada
pela fórmula, deduzida a partir da relação de Stevin:
Ph = d. g. h
Em que
d = densidade do líquido, dada em kg/m3, no SI;
g = aceleração da gravidade, dada em m/s2, no SI;
h = altura da coluna líquida, dada em m, no SI.
Podemos ainda equiparar a pressão osmótica (Posm) com a pressão dos gases
perfeitos, proposta por Vant’Hoff. A pressão osmótica será então:
Posm = n . R . T / v
Sendo
n = número de moles;
R = constante de valores 8.3 J . ºK-1 . mol-1 ou 8.3 . 103 j . k -1. kmol-1;
T = temperatura em graus K;
v = volume em litros.
Logo, deduzimos que
d . g . h = n . R . T = Posm
Concluímos, assim, que a membrana citoplasmática de células vivas, à semelhança
da celulose em sistemas físicos, apresenta diferentes permeabilidades em relação aos
diversos tipos de substâncias. A água, como solvente de todos os sistemas biológicos,
apresenta facilidade em atravessar a membrana plasmática. Entretanto, grandes
moléculas, como açúcares, proteínas ou ainda outras substâncias, não possuem
propriedade do trânsito espontâneo através de membranas como apresenta a água.
FLUXO EFETIVO
Em princípio, admita a construção de um sistema constituído por um tubo em forma
de “U”, o qual se apresenta dividido por uma membrana semipermeável (m). Considere
ainda que tal membrana permita o trânsito livre de moléculas de água, porém isso seja
praticamente impermeável a solutos como a sacarose, o açúcar que será utilizado em
nosso sistema físico como exemplo. Entenda que a membrana separa completamente os
dois compartimentos por ela formados (Figura 3.10).
OSMOLARIDADE
Se nós tivermos uma membrana separando as soluções de concentração conhecida, e
sabendo-se que as concentrações dessas duas soluções são iguais, haverá osmose?
Depende se a substância é iônica ou molecular. Entra em jogo o conceito de
osmolaridade.
Se, de um lado da membrana, houver 1 mol de NaCl e, do outro, houver 1 mol de
glicose (C6H12O6), as concentrações serão iguais e de idêntica molaridade, mas a
osmolaridade será diferente. A glicose é substância molecular, portanto, o número de
partículas existentes é igual ao número de moléculas. Sendo o número de Avogrado
6,02 x 1023, este será o número de partículas existentes em um mol (de glicose, por
exemplo). No entanto, o cloreto de sódio em solução dissocia-se nos íons de Na+ e Cl-.
Portanto, em um mol de NaCl, haverá o dobro de partículas do que em um mol de
glicose. Isso porque o NaCl apresenta estrutura iônica e se dissocia em seus
respectivos íons constituintes. Com isso, podemos dizer que duas substâncias com a
mesma molaridade podem ou não possuir a mesma osmolaridade.
O cálculo da osmolaridade é dado pela sua definição: osmolaridade é a molaridade
de uma substância multiplicada pelo número de partículas em que uma molécula ou
agregado iônico pode se dissociar quando em solução aquosa.
Logo, para:
1 molar de glicose, 1 OSMOLAR: 1 M x 1 (1 C6H12O6);
1 molar de NaCl, 2 OSMOLAR: 1 M x 1 (1 Na+ / 1 Cl-);
1 molar de CaCl2, 3 OSMOLAR: 1 M x 3 (1 Ca++ / 2 Cl-).
Não nos importa qual seria a molaridade de uma célula, mas, sim, qual a sua
osmolaridade, resultado das molaridades das substâncias intracelulares e do número de
partículas em que se dividem essas substâncias. A célula é 0,3 osmolar ou 300
miliosmolar. Uma solução que também seja 0,3 osmolar é denominada solução
fisiológica. Por exemplo, para obter-se uma solução fisiológica de NaCl, precisamos
de 0,15 M, pois 0,15 x 2 = 0,30 osmolar. Sabendo-se que, para obter uma solução
fisiológica (0,3 osmolar), precisamos da solução 0,15 molar desse sal, pergunta-se:
quantos gramas de sal (X) serão necessários para produzir 1 litro de solução
fisiológica?
Teremos:
M=N/V
Sendo
M = molaridade;
N = número de moles;
V = volume em litros.
Os pesos moleculares do sódio e do cloro são respectivamente 23 g e 35 g, portanto
o peso da solução de NaCl é 58 g.
58 g —— 1.000 mL —— 1 M
X g —— 1.000 mL —— 0,15 M
X = 8,7 g
São necessários, portanto, 8,7 g, aproximadamente 9 g de NaCl para obter 1 litro de
solução fisiológica desse sal. Equivale dizer que o soro fisiológico é solução de NaCl
de concentração 9 g/L ou 0,9%.
DIÁLISE
O termo diálise vem do grego e significa “passar através”. Ela consiste em realizar
a filtração do sangue, permitindo se retirarem os catabólitos celulares. Esse processo é
feito através de membranas semipermeáveis, chamadas de dialisadoras. O processo de
diálise com as membranas dialisadoras tenta imitar, da melhor maneira possível, a
filtração glomerular normal, nos pacientes com insuficiência renal aguda e crônica, bem
como naqueles com intoxicações exógenas ou endógenas.
As membranas dialisadoras podem ser naturais ou artificiais. A membrana
dialisadora natural mais utilizada para diálise é a membrana peritoneal, a qual reveste a
superfície interna da cavidade abdominal, delimitando com ela um espaço, que será
utilizado para a diálise peritoneal. As membranas artificiais são obtidas da celulose
(celofane e ceprofane) ou das polissulfonas (poliacrilonitrila, metilmetacrilato e
amicon).
Hemodiálise é a modalidade de diálise que se processa num circuito extracorpóreo
devidamente construído e instalado no “rim artificial”. O circuito extracorpóreo é
constituído por uma linha arterial e outra venosa de material plástico, entre as quais se
interpõem um hemodialisador. Através de uma via de acesso vascular (fístula
arteriovenosa, shunt etc.), é obtido um fluxo de sangue do paciente, que, por várias
horas, continuamente perfunde um hemodialisador e dele retorna ao paciente pela linha
venosa. O hemodialisador é um artefato plástico que contém a membrana dialisadora
artificial. A membrana dialisadora, pela face interna, delimita um espaço que será
perfundido pelo sangue do paciente e, pela face externa, um espaço que será ocupado
pelo dialisato ou “banho” de diálise (solução de sais e glicose com composição e
concentração semelhante à do volume extracelular normal).
Diálise peritoneal é a modalidade que utiliza o dialisador peritoneal, isto é, a
cavidade abdominal com seu revestimento pela membrana peritoneal, visceral e
parietal. O acesso é feito por catéteres especiais, através do qual se infunde um volume
de solução dialisadora peritoneal, com a qual se processarão as trocas.
EQUILÍBRIO DE GIBBS-DONNAN
É uma variação do transporte passivo, que ocorre normalmente no organismo.
O citoplasma de uma célula contém proteínas, fosfatos e outras moléculas, que não
atravessam a membrana plasmática, e outros íons, como os de sódio, potássio e cloro,
que podem fazê-lo. O equilíbrio de Gibbs-Donnan define como se dá o equilíbrio entre
essa mistura de íons permeáveis e impermeáveis à membrana.
Não só a diferença de concentração, mas também a diferença de potencial elétrico,
determina a direção em que determinado íon irá se difundir. Se os dois fatores
apontarem para lados contrários da membrana, por exemplo, o sentido do movimento
final do íon vai depender de qual efeito é maior: se o da diferença de concentração ou o
da diferença de potencial elétrico. Comparando as duas tendências (de concentração e
elétrica), é possível prever a direção final do movimento do íon, prevalecendo o que
for mais forte.
Potencial Eletroquímico é o valor que permite dizer com quanto contribui a
concentração iônica e com quanto contribui o potencial elétrico, relativamente um ao
outro, para determinar a direção final do movimento de um íon. O fluxo iônico ocorrerá
de onde o seu potencial eletroquímico é mais alto para onde ele é mais baixo.
Com o objetivo de facilitar o entendimento, o Equilíbrio de Gibbs-Donnan será
esquematizado em oito momentos, sendo cada um o sequenciamento do outro.
Considere: Pr = proteína; Cl- = íon cloro; Na+ = íon sódio; M = membrana.
Momento I: o gradiente de concentração de sódio é o mesmo nos dois lados da
membrana, de modo que só pode ocorrer difusão de cloro ou de proteína. Como as
proteínas geralmente não atravessam membranas, ocorre movimento de cloro a partir
do gradiente de concentração.
Momento VI: aqui o íon sódio sofre a influência de dois gradientes: um elétrico, que
o levaria para a esquerda, e outro de concentração, que o levaria para a direita. Como o
gradiente de concentração é muito pequeno, prevalece o gradiente elétrico.
Momento VII: nesse momento teremos o equilíbrio: o sódio é levado para a direita
pelo gradiente de concentração; isso cria um gradiente elétrico, positivo, à direita, que
faz com que um íon cloro atravesse a membrana a fim de restabelecer a neutralidade.
Essa situação se repete sucessivamente, já que o sistema adquiriu equilíbrio dinâmico.
Pode-se prever quanto de determinado íon irá se mover através da membrana por
meio da seguinte fórmula:
Em que:
[ x ] é a quantidade do íon que se terá movido quando o sistema estiver em
equilíbrio dinâmico;
a é a concentração inicial do íon do lado A da membrana;
b é a concentração inicial do íon do lado B da membrana.
Usando os valores expostos anteriormente para o íon sódio, teríamos:
De acordo com o valor encontrado, no momento VII teriam passado 3,3 íons de
sódio para o lado A da membrana (totalizando mais ou menos 13,3 íons de Na+),
enquanto o lado B teria um déficit de 3,3 íons de sódio, ficando então com
aproximadamente 6,7 íons.
EDEMA
As proteínas presentes normalmente no sangue somente saem dos vasos em grau
limitado, agindo então de maneira a atrair água do meio intersticial para o espaço
vascular, já que este, pela presença das proteínas, se torna mais concentrado. Essa
força produzida pela hiperconcentração das proteínas plasmáticas é uma pressão
osmótica, também chamada pressão coloidosmótica ou pressão oncótica do plasma.
Segundo essa tendência, os líquidos dirigir-se-iam continuamente para dentro dos
vasos. No entanto, isso não ocorre, porque a pressão oncótica do plasma é
contrabalançada pela propulsão de sangue do coração, que, por sua vez, impele água
para fora dos vasos, no sentido do interstício. Esse balanceamento entre as pressões
contribui para a regulação das trocas líquidas entre o plasma e o líquido intersticial.
Denomina-se edema o acúmulo de água no meio intersticial, podendo essa situação
ocorrer por motivos que desregulem o equilíbrio entre a pressão coloidosmótica e a
pressão que o sangue exerce sobre o vaso quando é propulsionado pelo coração. Por
exemplo, uma pessoa que sofre de hipertensão arterial poderá apresentar edema,
porque, sendo a pressão arterial (aquela que o sangue exerce sobre a parede do vaso)
maior do que o normal, essa não será suficientemente contrabalançada pela pressão
oncótica do plasma, ou seja, a água tenderá a se acumular no interstício, caracterizando
o edema.
Figura 3.13 A. Equilíbrio de pressões entre o vaso e meio intersticial; B. Edema secundário às
alterações de pressão osmótica.
TRANSPORTE ATIVO
O transporte ativo não pode ser definido apenas como o transporte que vai contra os
gradientes de potencial eletroquímico. Deve ser considerado também o fato de que esse
é um transporte que depende de energia metabólica, direta ou indiretamente.
Consideremos dois tipos de transporte ativo: o primário, que usa diretamente a
energia proveniente do ATP ou de qualquer outra fonte de energia metabólica (como
exemplo, a bomba de sódio e potássio); e o secundário, que usa a diferença de
concentração de uma substância movimentada por transporte ativo primário para
modificar a proteína carreadora e assim promover um segundo gradiente de
concentração para outra substância.
Transporte Ativo Primário: transporte ativo primário é aquele que utiliza
diretamente a energia obtida a partir da hidrólise do ATP.
Bomba de Sódio e Potássio: vamos analisar a composição iônica de sódio e
potássio de uma célula qualquer, considerando o meio extracelular, o íon mais
concentrado seria o sódio. Já no meio intracelular, a maior concentração seria a do íon
potássio. Pelo princípio da difusão, essas concentrações iônicas tenderiam a se igualar,
mas não o fazem, porque um mecanismo ativo denominado ATPase, transportador de
sódio e potássio (bomba de sódio e potássio), as mantêm nos níveis fisiológicos.
Esse exemplo de mecanismo ativo primário é mediado por uma enzima chamada
Na/K-ATPase, que tem capacidade de transportar até três íons de sódio para fora e
dois de potássio para dentro da célula para cada ATP desdobrado.
Na/K-ATPase: a Na/K-ATPase é uma enzima macromolecular que consiste de duas
subunidades alfa e duas subunidades beta. Foi sugerida, também, a presença de duas
subunidades gama, menores, cuja função não teria sido bem definida (Figura 3.14).
Três íons de sódio penetram na membrana celular, por difusão, onde então a
conformação E1 é capaz de capturá-los, fosforilando um ATP. Em presença de Mg, E1
altera sua conformação para E2, perdendo afinidade com os íons de sódio e liberando-
os no meio extracelular. No momento em que dois íons de potássio adentram a
membrana, E2 liga-se a eles. Em presença de água, a conformação E2 é alterada
novamente para E1, que, por não possuir afinidade com o potássio, libera-o no meio
intracelular.
RELAÇÃO BOMBA N
O cálcio, nas células cardíacas, exerce controle sobre a força de contração do
coração (quanto maior a concentração de cálcio no interior das células cardíacas,
maior a força de contração e vice-versa). É sabido que, nesse órgão, existe um
antiporter de Na+/Ca++ funcionando concomitantemente à bomba de sódio e potássio.
Foi citado anteriormente que o funcionamento da bomba depende do íon de Mg.
Ora, se por uma razão qualquer esse íon estiver ausente ou diminuído e,
consequentemente, a bomba não estiver exercendo plenamente a sua função, a
concentração de sódio no interior da célula aumentará. Diante dessa situação, o
antiporter de Na+/Ca++ também será prejudicado, já que uma hiperconcentração de Na
intracelular (pela falha funcional da bomba) acarretaria um aumento de cálcio
intracelular por impedir a função do antiporter (Figura 3.17).
Como é sabido, o acúmulo de Ca++ aumenta a força de contração do coração,
provocando, ao mesmo tempo, vasoconstrição e, diante dessa situação, teríamos, como
efeito final, uma hipertensão arterial. Teorias recentes defendem que o problema da
hipertensão poderia ser solucionado pela administração de Mg++ ao indivíduo, o que
regularizaria a bomba, normalizando por consequência o antiporter e trazendo de volta
ao usual as concentrações iônicas.
N
Sabe-se que existem substâncias capazes de inibir a atividade da Na/K-ATPase,
substâncias essas chamadas de glicosídeos cardíacos. Esses inibidores da bomba de Na
e K são derivados de extratos de plantas dos gêneros Digitalis (por exemplo, a
digoxina), Strophanthus (oubaína) e Acocanthera. Esses compostos são os mais
potentes agentes inotrópicos conhecidos, que aumentam a força de contração do
coração, acreditando-se que os seus efeitos cardíacos sejam exercidos através da
inibição da ATPase transportadora de Na e K.
Historicamente, sabe-se que extratos dessas plantas têm sido utilizados com
objetivo terapêutico há talvez 3.000 anos, incluindo preparações contendo glicosídeos
cardíacos usadas pelos antigos egípcios.
O único receptor conhecido para os glicosídeos cardíacos é a subunidade alfa da
Na/K-ATPase. Recentemente, foi proposto um modelo, segundo o qual o glicosídeo
seria envolvido pelo sítio receptor da subunidade alfa da Na/K-ATPase, possibilitando
a interação entre o glicosídeo e a enzima. Essa interação é muito específica e leva a
uma inibição seletiva da atividade da Na/K-ATPase (Figura 3.18).
DIABETES MELLITUS
A Diabetes mellitus (DM) representa o distúrbio endócrino mais comum e de
incidência crescente, atingindo aproximadamente 5% da população mundial. Ela se
caracteriza, basicamente, pelo aumento da glicose sanguínea, ou seja, pela
hiperglicemia.
Baseado em sua fisiopatologia, a DM é dividida em dois grandes grupos: o tipo 1 e
o tipo 2. O tipo 1, ou também chamado insulinodependente, decorre da secreção
insuficiente de insulina pelas células b do pâncreas. A Diabetes mellitus de tipo 2, ou
não insulinodependente, representa o grupo de doença com defeito a nível de receptor
de insulina por parte da membrana das células – o que chamamos de resistência à
insulina. Independentemente do tipo de DM, observamos que há um defeito endócrino,
que impede nosso corpo de reconhecer a disponibilidade de substratos energéticos
advindos da alimentação, sendo isso decorrente da ausência do efeito da insulina, seja
devido a uma hipossecreção da mesma ou à resistência à sua ação. Vislumbra-se, desse
modo, que nosso corpo, por não conseguir reconhecer o estado alimentado, mantém-se
em estado metabólico de jejum, no qual ele utiliza em grande quantidade os substratos
energéticos do tecido adiposo e muscular (ácidos graxos e proteínas), gerando graves
consequências. Somado a isso, todo carboidrato ingerido pelo paciente gera uma
elevação da glicemia, sem que haja uma resposta adequada de nosso organismo (vide
ação da insulina e relação com o GLUT4).
Com esse entendimento básico do processo da doença, podemos agora nos ater aos
principais sintomas dessa doença, os quatro “P” da diabetes: Perda de peso, Polifagia
(aumento da ingestão de comida), Poliúria e Polidipsia.
Perda de peso: ocorre devido ao consumo de nossas reservas energéticas, como já
foi explicitado anteriormente.
Polifagia: por estarmos nesse estado catabólico (de uso de reservas energéticas),
somado à falta da ação insulínica em nosso cérebro que atua modulando a
fome/saciedade, é consumida muita comida, sem, no entanto, engordar.
Poliúria: em nossos rins, ocorre a filtração do sangue. Nesse processo grande parte
dos solutos do sangue é coletada pelos túbulos renais e depois é seletivamente
excretada do corpo ou reabsorvida de volta para o sangue. É claro que substâncias
nobres, como a glicose e aminoácidos, serão reabsorvidas. Para que a reabsorção da
glicose ocorra, existem aqueles receptores SGLT, que, através do gradiente gerado
pelo transporte ativo primário do sódio, arrastam a glicose para dentro das células por
meio de um cotransporte de sódio/glicose. O número desses receptores, porém, é
limitado, fazendo com que só se consiga reabsorver toda a glicose filtrada caso a
glicemia não ultrapasse um certo limite, que é aproximadamente 250 mg/dL. Quando
esse valor é ultrapassado, parte da glicose se mantém nos túbulos, aumentando a
osmolaridade e, subsequentemente, arrastando água para dentro dos mesmos. Isso gera
um aumento da produção de urina, ou seja, poliúria.
Polidipsia: é o aumento da ingestão de líquidos. É o simples reflexo da maior perda
de líquidos decorrente da hiperglicemia. O aumento da micção leva ao aumento da
ingestão de líquidos.
Todos esses sintomas, como já sabemos, são decorrentes da “falta” da insulina. Nos
dois grandes grupos da Diabetes mellitus, essa mesma “falta” se procede de maneiras
diferentes, levando a manifestações clínicas diferentes em termos de apresentação. Na
DM1, há uma morte gradual das células β pancreáticas, levando a uma diminuição da
produção de insulina gradualmente, até um ponto onde não haja a secreção suficiente
desse hormônio para a realização das suas funções fisiológicas. Assim, o aparecimento
dos sintomas se apresenta de forma aguda e normalmente mais severa, sendo os
pacientes normalmente jovens e não obesos.
Na DM2, devido a um erro a nível de receptor, a quantidade de insulina secretada
começa a se tornar insuficiente para a realização das suas funções fisiológicas. Quando
isso começa a ocorrer, há, como consequência, um pequeno aumento da glicemia e,
portanto, ocorre todo aquele processo nas células β pancreáticas, levando à maior
secreção de insulina e, assim, à normalização do estado funcional de nosso corpo. A
resistência à insulina, que ocorre devido a obesidade, fatores imunológicos e outros,
vai, porém, aumentando e, com isso, aumenta também a secreção de insulina. Esse ciclo
se perpetua até que se esgote a capacidade de secreção de insulina por partes das
células β, levando ao aparecimento gradual dos sintomas (em concordância com o
aumento da resistência à insulina). Os pacientes com DM2 são, em sua grande maioria,
adultos, obesos, havendo ainda uma forte relação hereditária.
É de extrema importância atinar ao fato de que esses dois grandes grupos da DM
são, de fato, dois grandes extremos de uma doença heterogênea, no qual um se relaciona
à perda de células β e o outro à resistência ao efeito da insulina, levando ao
aparecimento dessa doença. Nada impede que um paciente diabético obeso com grande
resistência insulínica, por alguma razão, como o excesso de glicose sanguínea, lesione
ao longo dos anos as células β, piorando o seu quadro clínico.
O tratamento da Diabetes mellitus fundamenta-se, em especial, sobre rígido
controle dietético e a mudança dos hábitos de vida. A partir dessa estratégia, a
terapêutica específica para cada tipo será diferente. O tratamento da Diabetes mellitus
de tipo 1 exige sempre a administração de insulina. A maioria das preparações de
insulina existente no comércio é obtida através da extração de tecido pancreático
bovino ou suíno. A insulina humana pode ser produzida através das técnicas de
recombinação de DNA ou pela modificação química da insulina suína. O tratamento da
Diabetes mellitus de tipo 2 é mais complexo, e tanto a insulina como os
hipoglicemiantes orais são empregados.
Referências
Bennett JC, Plum F Cecil. Tratado de Medicina Interna. 20ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Best and Taylor. Physiological basis of medical practice. 12th edition. Baltimore: Willians and Wilkins, 1990.
Braunwald, E, ed. Heart disease: A textbook of cardiovascular medicine. 4th edition. Philadelphia: WB Saunders, 1992.
Fais S, Luciani F, Logozzi M, Parlato S, Lozupone F. Linkage between cell membrane proteins and actin-based
cytoskeleton: the cytoskeletal-driven cellular functions. Histol Histopathol. 2000; 15:539-49.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
Haas M. Properties and diversity of Na-K-Cl cotransportes. Annu Ver Physiol 1989; 51:443.
Hardman JG, Limbird, LE, Molinoff P B et al. Goodman and Gilman’s. The pharmacological basis of therapheutics. th9
edition. International edition: Mc Graw-Hill, 1996.
Kleinfeld AM. Lipid phase fatty acid flip-flop, is it fast enough for cellular transport? J Membr Biol. 2000; 175:79-86.
Le Borgne R, Hoflack B. Protein transport from the secretory to the endocytic pathway in mammalian cells. Biochim
Biophys Acta. 1998; 1404: 195-209.
Montgomery R, Conway TW, Spector AA. Bioquímica, uma abordagem dirigida por casos. 5ª edição. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994.
Petersen OH. Potassium channels and fluid secretion. New Physiol Sci. 1986; 1:92.
Rose, AM and Valdes, RJ. Understanding the sodium pump and its relevance to disease. Clinical Chemistry. 40/9,
1674-1685. 1994.
Stryer L. Bioquímica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
Urazaev AK. The soidum-potassium-chloride cotransport of the cell membrane. Usp Fiziol Nauk. 1998; 29:12-38.
1
A insulina exerce efeito em grande parte dos nossos tecidos. Esse efeito varia de acordo com a quantidade, tempo de
exposição ao hormônio, tipo de tecido e outros.
4- POTENCIAL DE MEMBRANA
Alan Arrieira Azambuja
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Lucas Luã Machado Pereira
Débora Sartori Giaretta
Figura 4.1 Demonstração das diferenças de cargas entre o meio interno e o meio externo da célula em
repouso.
Figura 4.2 O íon hidratado de sódio é maior do que o de potássio, uma diferença de 1 A de diâmetro,
tendo mais dificuldade de passagem pelos poros da membrana celular por difusão. A bomba de sódio e
potássio cria o gradiente que provoca a saída de potássio, gerando o potencial de repouso da célula.
Como já vimos, o potássio é o íon que mais facilmente atravessa a membrana, sendo
o principal responsável pelo potencial de repouso da célula. Podemos confirmar isso
através de uma equação chamada Equação de Nernst. Essa equação nos permite
descobrir qual a diferença elétrica necessária para manter constante a diferença de
concentração de um íon entre o meio interno e o externo, em outras palavras, qual seria
a diferença de potencial resultante da diferença de concentração interna/externa de um
íon se a membrana fosse permeável somente a esse íon. Aplicando a equação ao íon de
potássio teríamos:
Sendo
E = potencial de repouso da célula;
K+ interno = 150 mEq/L;
K+ externo = 4,0 mEq/L.
O valor de -61 é RT/F x 2,303, em que
R = 8,315 J.K-1.mol-1 (constante dos gases perfeitos);
T = 37º C = 310,15 K;
F = 96485 C.mol-1 (constante de Faraday).
Obteríamos E = -96 mV, ou seja, se a diferença de potencial (Potencial de
Membrana) dependesse apenas das concentrações intra e extracelulares do íon de
potássio, essa seria de -96 mV, um valor muito próximo dos -90 mV mencionados
inicialmente.
Referências
Alberts et al. Molecular Biology of the Cell. Garland Publishing; 4th Bk&Cdr edition, 2002.
Best and Taylor. Physiological basis of medical practice. 12nd edition. Baltimore: Williams and Wilkins, 1990.
Burnes JE, Kaelber DC, Taccardi B, Lux RL, Ershler P R, Rudy Y. A field-compatible method for interpolating
biopotentials. Ann Biomed En. 1998; 26:37-47.
Frumento A. Biofísica. Buenos Aires: Editora Intermédica SAICI, 1973.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 11ª edição. Rio de Janeiro:Elsevier, 2006.
He B. Bioeletricity of living tissue [editorial]. IEE Eng Med Biol Mag. 1998; 17:117.
Hillie B. Gating in sodium channels of nerve. Annu Ver Physiol. 1976; 38:139.
Katzung BG, Trevor AJ. Pharmacology. 4th edition. International edition. Apleton and Lange, 1995.
Lacaz-Vieira F, Malnic G. Biofísica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981.
Moffett D, Moffett S, Schauf C. Human Physiology. 2nd edition. Missouri: Mosby, 1993.
5- POTENCIAL DE AÇÃO
Alan Arrieira Azambuja
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Lucas Luã Machado Pereira
Débora Sartori Giaretta
Figura 5.1 Potencial de ação em uma célula nervosa e suas fases: 1. Repouso; 2. Despolarização; 3.
Repolarização;
4. Ação da Bomba de Na+/K+.
Repolarização: Atingido o valor de potencial interno igual a +45 mV, os canais que
permitiam a entrada do sódio fecham-se, e canais de potássio abrem-se (Figura 5.3).
Ocorre, portanto, um enorme fluxo de potássio para o meio extracelular, que possui
agora dois gradientes que o expulsam, o elétrico e o de concentração, fazendo com que
o potencial de membrana volte ao seu valor de repouso -90 mV rapidamente. A curva
desloca-se então em direção à linha de base.
Figura 5.3 Repolarização da membrana celular.
Figura 5.4 Mecanismo de ação de Na+/K+/ATPase. 1. Difusão de Na+. 2. Difusão de K+. 3. Ação de
Na+/K+/ATPase, chamada eletrogênica, pois cria um déficit de íons positivos no interior da membrana
celular (bombeia três íons de Na+ para o exterior em troca de dois íons de K+ para o interior).
A razão para tal é o não fechamento de todos os canais lentos de potássio, o que
implica um aumento da negatividade interna da célula. A origem do Pós-Potencial
Hiperpolarizante ainda não está inteiramente clara, porém pode estar relacionada aos
processos metabólicos associados à recuperação da atividade neural. De qualquer
modo, ao longo de sua duração, as fibras estão menos excitáveis.
Figura 5.6 Despolarização da célula cardíaca e suas fases: 1. Repouso; 2. Despolarização; 3. Início da
Repolarização; 4. Platô;
5. Repolarização; 6. Ação da Bomba de Na+/K+/ATPase.
ACOMODAÇÃO DA CÉLULA
Quando uma célula nervosa ou muscular é despolarizada de forma muito lenta
(vários microssegundos), o limiar da célula pode ser ultrapassado sem que ocorra o
potencial de ação. Nessa despolarização lenta, os canais de sódio abertos são
inativados por voltagem, já que o aumento do potencial de membrana provoca a
abertura das comportas de ativação e também o início do fechamento das de inativação
(de Na). Assim o tempo, vários microssegundos, provoca o fechamento das comportas
de inativação, antes que o limiar seja atingido. Além disso, o número de canais abertos
não é suficiente para deflagar o potencial de ação. Portanto, há aumento do limiar dos
tecidos (-50 mV, -40 mV) durante despolarizações de intensidade de corrente muito
lenta. Além disso, os canais de potássio abrem-se em resposta ao aumento do potencial
de membrana, fazendo com que haja uma “repolarização” da membrana (antes mesmo
da despolarização), tornando-a ainda mais refratária à despolarização (Figura 5.8).
O mínimo estímulo, capaz de excitar uma fibra nervosa (estímulo limiar), dá origem
a um impulso que não é diferente do provocado por outro mais forte. O impulso gerado
por um estímulo limiar é conduzido tão rapidamente quanto o provocado por um mais
forte, e ambos são iguais em amplitude quando analisados em relação à corrente de
ação gerada ou à resposta mecânica do músculo que a fibra enerva. Considerando-se
que as condições são adequadas por toda a membrana, o potencial propagado em uma
fibra não varia nem com a duração, tampouco com a intensidade do estímulo.
PERÍODO REFRATÁRIO
Para que ocorra um segundo ciclo (potencial de membrana + despolarização +
repolarização), é necessário que o primeiro tenha voltado ao seu estado inicial, ou seja,
ao potencial de membrana. Então, um novo potencial de ação não pode ser produzido,
independentemente de quão intenso possa ser, sem que tenha terminado a repolarização
do primeiro estímulo. Tal intervalo de tempo é denominado Período Refratário
Absoluto. A célula é refratária porque uma fração considerável de seus canais de sódio
está inativada por voltagem e não pode reabrir até a membrana se repolarizar.
Classificamos de Período Refratário Relativo o momento em que a fibra encontra-se
pronta para uma nova despolarização, apesar de o valor de potencial de repouso não ter
sido totalmente recuperado. A excitabilidade de um nervo após um impulso diminui
gradualmente com o tempo, e a intensidade que seria necessária para excitá-lo torna-se
progressivamente maior.
ANESTÉSICOS LOCAIS
Anestesia local é o resultado do bloqueio da transmissão sensitiva de uma área do
corpo. Anestésicos locais são drogas que impedem e bloqueiam a geração e condução
nervosa, quando aplicados diretamente no tecido nervoso. O local de ação desses
anestésicos é a membrana celular. Atuam bloqueando a condução através da redução ou
impedimento do aumento da permeabilidade da membrana aos íons de sódio,
suspendendo, assim, o desenvolvimento dos potenciais de ação; de fato, eles bloqueiam
os canais de sódio voltagem-dependentes conforme a Figura 5.9. Os anestésicos locais
também reduzem a permeabilidade do nervo, em repouso, ao potássio, assim como aos
íons de sódio. Como as alterações na permeabilidade ao potássio requerem
concentrações maiores de anestésicos locais, o bloqueio da condução não é
acompanhado por qualquer alteração significativa do potencial de repouso (Figura 5.9).
Figura 5.9 Esquema do bloqueio realizado pelos anestésicos locais sobre os canais de sódio (AL –
anestésico local).
A B
A condução saltatória é vantajosa por ser muito rápida, pois o mecanismo de salto
por longos trechos aumenta gradualmente a velocidade de transmissão neural (quanto
maior o internódulo, a espessura do axônio e da mielina, mais rápida é a condução).
Além disso, por ser mielinizado, o axônio evita perdas de energia e, a bomba de
Na+/K+/ATPase é mais eficiente.
Referências
Alberts et al. Molecular Biology of the Cell. Garland Publishing; 4th Bk&Cdr edition, 2002.
Berne RM, Levy MN. Fisiologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
Braunwald, E, ed. Heart disease: A textbook of cardiovascular medicine. 4th edition. Philadelphia: WB Saunders,
1992.
Brennett JC, Plum F. Cecil. Tratado de Medicina Interna. 20ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Burnes JE, Kaelber DC, Taccardi B, Lux RL, Ershler P R, Rudy Y. A field-compatible method for interpolating
biopotentials. Ann Biomed Eng. 1998; 26:37-47.
DQweer P. Voltage dependence of the Na-K pumb. Annu Ver Physiol. 1988: 50-225.
Frumento A. Biofísica. Buenos Aires: Editora Intermédica SAICI, 1973.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 11ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
Hardman JG, Limbird, LE, Molinoff P Bet al. Goodman and Gilman’s. The pharmacological basis of therapeutics. 9th
edition. International edition: Mc Graw-Hill, 1996.
He B. Bioeletricity of living tissue [editorial}. IEE Eng Med Biol Mag. 1998; 17:117.
Hille B. Gating in sodium channels of nerve. Annu Ver Physiol. 1976; 38:139.
Kasamaki Y, Guo AC, Shuba LM, Ogura T, McDonald TF. Sodium-pump potentials and currents in guinea-pig
ventricular muscles and myocytes. Can Journ Physiol Pharmacol. 1999;77:339-49.
Katzung BG, Trevor AJ. Pharmacology. 4th edition. International edition. Apleton and Lange, 1995.
Krueger BK. Toward an understanding of structure and function of ion channels. FASEB J. 1989; 3:1906.
Lawrence WW. Cururgia, diagnostic e tratamento. 9ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Racay P, Matejovicová M, Drgová A, Dobrota D, Kaplán P, Lehotský J, Mésesová V. The effect of ischemia and
ischemia-reperfusion on ion transport systems. Bratisl Lek Listy. 1998;99:386-94.
Robinson DG, Hinz G, Holstein SE. The molecular characterization of transport vesicles. Plant Mol Biol. 1998; 38:49-
76.
Shen KZ, Johnson SW. Sodium pump evokes high density pump currents in rat midbrain dopamine neurons. J Physiol.
1998; 512:449-57.
Tierney L, McPhee SJ, Papadakis MA. Current medical diagnosis and treatment. International edition. Apleton and
Lange, 2000.
6- TRANSMISSÃO SINÁPTICA
Fernanda Bordignon Nunes
Alan Arrieira Azambuja
Valentina Metsavaht Cará
Laerson Hoff
SINAPSES ELÉTRICAS
São sinapses muito pouco comuns nos mamíferos, que se caracterizam pela
transmissão direta de um potencial de ação de uma célula a outra pelo fluxo direto de
corrente. As células participantes desse tipo de sinapse estão unidas por junções do
tipo gap ou junções comunicantes abertas – gap juctions – nas quais o pareamento entre
as células é muito próximo, aproximadamente 30Å, promovendo, assim, a sua conexão
elétrica e a transmissão de impulsos (Figura 6.2 e Figura 6.3).
Os critérios que identificam e qualificam as sinapses elétricas são a presença de
uma alta frequência na transmissão, pela qual não ocorre nenhum retardo sináptico, e o
fato de poderem conduzir os impulsos em ambas as direções. Entre os vertebrados e
principalmente em invertebrados, já foram descritos alguns exemplos de sinapses
puramente elétricas no sistema nervoso central e periférico. A importância desse tipo
de sinapse parece estar localizada particularmente nas vias de reflexo, onde são
necessárias a transmissão rápida entre as células, com pequeno ou nenhum retardo
sináptico, e a resposta sincrônica dos neurônios.
Figura 6.2 Modelo da estrutura das junções comunicantes abertas. As membranas plasmáticas
apresentam subunidades proteicas (seis) que se dispõem de forma hexagonal, formando, assim, canais
entre os compartimentos citosólicos das duas células.
Fonte: Adaptado de Best and Taylor (1990).
Figura 6.3 Estes canais permitem a passagem de moléculas hidrossolúveis de uma célula para a outra
e formam as vias para o fluxo de corrente. O fechamento dos canais ocorre com o aumento das
concentrações intracelulares de cálcio e hidrogênio em uma das células ou em resposta à
despolarização de uma ou de ambas as células.
Fonte: Adaptado de Best and Taylor (1990).
SINAPSES QUÍMICAS
A sinapse química é o tipo de sinapse predominante nos mamíferos. Diferentemente
da sinapse elétrica, essa possui uma distância de 200 a 300 Å entre os terminais pré e
pós-sinápticos. Assim sendo, o potencial de ação não atravessa a fenda sináptica, mas
em vez disso causa a liberação de uma substância transmissora que está contida em
vesículas dos terminais pré-sinápticos. Essa substância atravessa a fenda e liga-se aos
seus receptores específicos na membrana pós-sináptica, a qual sofrerá
consequententemente uma alteração elétrica. Dependendo da natureza do
neurotransmissor (substância transmissora) e do receptor ao qual ele se liga, a célula
pós-sináptica pode ser excitada ou inibida. Como cada neurônio possui apenas um
neurotransmissor principal (denominado de clássico por respeitar um conjunto
específico de regras que serão vistas no seguimento do capítulo), em cada sinapse em
que ele liberar essa substância, iremos ter, qualitativamente, apenas uma resposta
elétrica. Desse modo, podemos classificar as sinapses químicas em excitatórias e
inibitórias. Observação: o receptor ao qual o neurotransmissor irá acoplar-se pode ter
natureza ionotrópica (quando estiver ligado a um canal iônico) ou metabotrópica
(quando estiver conectado à proteína G, por exemplo).
SINAPSE EXCITATÓRIA
Esse tipo de sinapse está presente em uma série de estruturas em todo nosso corpo.
Um bom exemplo é a sinapse formada entre os axônios de neurônios motores
(motoneurônios) e as células musculoesqueléticas, que permite que haja a contração
muscular toda vez que essas forem excitadas. Essa sinapse, denominada de junção
neuromuscular1, foi extensamente estudada devido à facilidade de acesso para a
observação e serviu, portanto, como modelo de sinapse química em geral. Isso permitiu
a compreensão de interações sinápticas mais complexas entre os neurônios do sistema
nervoso central. Outras sinapses serão descritas mais adiante.
ESTRUTURA DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR
Terminal pré-sináptico: Próximo à placa motora, o nervo motor perde sua bainha
de mielina e forma numerosas terminações nervosas chamadas “botões terminais pré-
sinápticos”, revestidos apenas por neurilema, que irão percorrer a superfície do
músculo esquelético no local da placa motora.
A porção terminal dos axônios contém uma considerável quantidade de
mitocôndrias, um pequeno número de neurofilamentos e neurotúbulos, microfilamentos
de actina e muitas vesículas sinápticas de superfície lisa, com aproximadamente 400 Å
de diâmetro. Nessas vesículas são armazenados os neurotransmissores ou algum
precursor desses.
Terminal pós-sináptico: A membrana da fibra muscular, a pós-sináptica, apresenta
um grande número de invaginações chamadas de “goteiras sinápticas”, que contêm
dobras menores da membrana muscular denominadas de “pregas subneurais”, cuja
função é aumentar a área da superfície sobre a qual vai atuar o transmissor sináptico.
As moléculas receptoras do neurotransmissor concentram-se perto das aberturas das
pregas subneurais.
Os botões pré-sinápticos do nervo motor vão formar, dentro das goteiras sinápticas,
a fenda sináptica. A fenda sináptica, que separa os elementos pré e pós-sinápticos (no
caso, a célula nervosa e as células musculares), é revestida, na célula muscular, por
uma lâmina basal, formada por uma fina camada de fibras reticulares esponjosas
através da qual se difunde o líquido extracelular, além de conter material amorfo rico
em carboidratos.
As vesículas sinápticas nas terminações nervosas e nos pontos especializados de
liberação da membrana pré-sináptica estão concentradas em posição oposta às
aberturas das pregas juncionais (Figura 6.4).
SINAPSE INIBITÓRIA
Definimos inibição como um processo ativo que ou evita o início da atividade em
uma estrutura ou a controla, fazendo até mesmo cessar uma atividade já presente.
Quando desejamos alcançar um objeto, os músculos que participam do ato devem
estar em perfeito controle, a fim de que o movimento seja preciso e não ultrapasse o
alvo. Logo, há a necessidade de uma inervação recíproca, de modo que, quando um
músculo é ativado, seu antagonista seja inibido; de outra forma o movimento
encontraria uma oposição persistente ou indesejável.
A inibição, para acontecer, seja ela pré ou pós-sináptica, depende da existência de
receptores sinápticos inibitórios. A inibição pré-sináptica é mediada por impulsos
nervosos que atuam sobre um axônio excitatório e reduzem a quantidade de transmissor
liberada por impulsos excitatórios. O mecanismo da inibição é a redução da
permeabilidade da membrana pré-sináptica à entrada dos íons de cálcio no terminal, a
partir da liberação de um transmissor que bloqueia os canais de cálcio. O resultado é a
redução da excitação neuronal, visto que esse cátion tem de entrar nos terminais pré-
sinápticos para que as vesículas liberem o neurotransmissor.
A inibição pós-sináptica pode ser atingida através da liberação de um
neurotransmissor inibitório que abrirá canais de potássio ou cloreto na célula pós-
sináptica, causando, assim, sua hiperpolarização e distanciando seu limiar de excitação
do potencial de membrana normal.
A abertura dos canais de potássio permite que esse íon difunda-se rapidamente para
fora do elemento pós-sináptico, aumentando assim a negatividade intracelular. O
aumento da condutância de íons de cloreto através da membrana pós-sináptica carrega
negativamente o interior da célula. A hiperpolarização da membrana celular traduz-nos
o efeito inibitório.
A inibição pré-sináptica difere-se da inibição pós-sináptica em seu tempo de
surgimento, ou seja, ela necessita de vários milissegundos para se desenvolver, mas
uma vez que ocorra, pode durar por minutos ou horas. Já a inibição pós-sináptica pode
durar, normalmente, poucos milissegundos.
PRINCIPAIS NEUROTRANSMISSORES
1. Acetilcolina
Conforme já descrito, a Ach é o transmissor utilizado por todos os axônios motores
oriundos da medula espinhal. Apresenta um papel central no sistema nervoso autônomo,
sendo o transmissor em todos os neurônios pré-ganglionares e também nas fibras pós-
ganglionares parassimpáticas. É o grande transmissor das vias centrais.
Seus receptores são classificados como muscarínicos e nicotínicos, e a ação da
Ach sobre cada órgão depende da quantidade e dos tipos de receptores presentes.
É provável que apresente efeito excitatório em todos, ou quase todos, os locais onde
é liberada, porém sabe-se que tem efeitos inibitórios em algumas porções do sistema
nervoso periférico parassimpático, tal como a inibição do coração pelo nervo vago (X
par craniano), onde se liga aos receptores muscarínicos (inibitórios).
Nos receptores muscarínicos das terminações vagais, a acetilcolina aumenta
enormemente a permeabilidade da membrana das fibras ao potássio, o que permite o
rápido vazamento do íon para fora, provocando, assim, o aumento da negatividade
dentro das fibras, aumentando o potencial de repouso. Esse é um grande exemplo da
atividade inibitória também exercida pela acetilcolina. As atividades excitatórias ou
inibitórias da acetilcolina podem ser antagonizadas por certas substâncias, como
observa-se a seguir.
a) Antagonistas Muscarínicos
É o caso da atropina, que, por competir pelos receptores muscarínicos, cessando o
efeito inibitório da Ach no músculo cardíaco, foi muito utilizada na reversão de
paradas cardíacas. Entretanto, com a publicação dos Novos Guidelines para
Reanimação Cardiopulmonar (RCP) pela American Heart Association (AHA) em 2010,
o uso de atropina em paradas cardíacas não é mais recomendado por sua eficácia
nesses casos não ter sido comprovada. Outro exemplo é a toxina botulínica, que
compete pelos receptores de Ach no músculo esquelético e impede sua liberação, de tal
forma provocando uma paralisia muscular localizada e temporária. Enquanto a toxi-
infecção por Clostridium botulinum pode causar efeitos sistêmicos, a aplicação local
de pequenas doses da toxina botulínica purificada é utilizada com fins cosméticos para
suavizar linhas de expressão.
b) Agonistas Muscarínicos
Carbacol, Metacolina e Muscarina: são compostos ditos agonistas dos receptores
muscarínicos, ou seja, apresentam ação semelhante à da acetilcolina. Diferenciam-se da
Ach por não serem degradados pela acetilcolinesterase: dissipam-se na fenda sináptica
de forma muito lenta, de modo que têm a sua ação efetiva durante vários minutos. Esses
fármacos são utilizados para se obter efeito que mimetize o do sistema nervoso
parassimpático.
d) Anticolinesterásicos
Neostigmina, Fisostigmina, Diisopropil-Fluorofosfato: a neostigmina e a
fisostigmina são compostos que inibem a acetilcolinesterase, de modo que a
acetilcolina liberada na fenda sináptica não é mais hidrolizada. Consequentemente toda
a Ach liberada terá a sua ação acumulada e prolongada por um longo tempo.
Com o di-isopropil-fluorofosfato, o tempo de inativação da acetilcolinesterase é
muito maior, ou seja, o efeito pode se prolongar por até várias semanas.
Esses compostos facilitam, assim, a transmissão de impulsos na união
neuromuscular, sendo utilizados clinicamente para aumentar o tônus muscular em
pessoas com miastenia grave e na recuperação cirúrgica pós-anestésica (para
antagonizar os curares). Alguns compostos também são utilizados para melhora
cognitiva na doença de Alzheimer.
Receptores BETA:
beta 1 – presente principalmente no coração, no qual tem efeito de aumentar a
sua função (aumento da frequência cardíaca, força de contração, velocidade de
condução etc.)
beta 2 – presente principalmente nos brônquios e nos vasos, provoca
relaxamento e dilatação.
Fármacos conhecidos como betabloqueadores (propranolol, atenolol etc.) são
utilizados no tratamento da hipertensão, por bloquear os efeitos adrenérgicos no
músculo cardíaco, promovendo redução do trabalho do miocárdio.
As enzimas responsáveis pela inativação das catecolaminas são a monoaminoxidase
(MAO) e a catecol-o-metiltransferase (COMT), que também são alvo de ação de
fármacos, como será discutido mais adiante na doença de Parkinson.
4. Glutamato e Aspartato
Aminoácidos dicarboxílicos têm fortes efeitos excitatórios sobre muitos neurônios
cerebrais. Talvez sejam os transmissores excitatórios mais prevalentes no cérebro. O
glutamato liga-se a diferentes tipos de receptores: AMPA, NMDA, cainato e os
metabotrópicos mGlu. O receptor NMDA medeia o influxo de íons de Ca++ para dentro
da célula, atividade que estaria ligada a muitas formas de plasticidade sináptica,
aprendizado e formação de memória. Ao mesmo tempo, o glutamato tem efeito tóxico
quando liberado em excesso por permitir grande influxo de cálcio para dentro das
células, o que pode causar rompimento das membranas levando à morte celular. Isso
acontece por falta de aporte sanguíneo ou por ação de drogas como a cocaína, que inibe
a recaptação da dopamina provocando superexcitabilidade.
6. Encefalinas e Endorfinas
São neuropeptídeos conhecidos por opioides endógenos, secretados por terminais
nervosos na medula, no tronco encefálico, no tálamo e hipotálamo. Atuam normalmente
com atividade excitatória, com função relacionada à regulação da percepção da dor e
da função cognitiva.
PATOLOGIAS
1. Doença de Parkinson
Também conhecida como Mal de Parkinson, foi descrita pelo médico James
Parkinson em 1817. Essa doença é caracterizada pelos sintomas de tremor de repouso,
rigidez, bradicinesia e instabilidade postural.
O tremor manifesta-se principalmente nas extremidades, quando elas estão paradas,
e diminui com a movimentação. A rigidez resulta de uma hipertonia de toda a
musculatura esquelética. A bradicinesia manifesta-se por uma lentidão e redução da
atividade motora espontânea, na ausência de paralisia. Há também uma grande
dificuldade para se dar início aos movimentos – instabilidade postural.
Verificou-se que, nessa patologia, ocorre a degeneração das vias bioquímicas de
sinapses dopaminérgicas, ou seja, há uma diminuição de dopamina nos neurônios que a
utilizam como transmissor. Desse modo, cessa a atividade moduladora que essas fibras
exercem sobre o circuito motor básico, permitindo o domínio da atividade colinérgica
(excitatória).
A terapêutica moderna tem, então, por objetivo, aumentar o teor de dopamina nessas
fibras mesencefálicas. Tentativas para se obter esse resultado através da administração
de dopamina não obtiveram sucesso, pois essa amina só atravessa a barreira
hemoencefálica (BHE) em concentrações muito altas e tóxicas para o restante do
organismo, visto que a dopamina é polar e a BHE dificulta a passagem de substâncias
polares. Entretanto, descobriu-se que o isômero levrógeno da di-hidroxifenilalanina (L-
Dopa ou levodopa) atravessa a barreira por ser apolar e é captado pelos neurônios e
fibras dopaminérgicas, transformando-se em dopamina.
Associados ou não, há outros medicamentos utilizados que causam a diminuição da
recaptação de dopamina junto à fenda sináptica: os inibidores da monoaminoxidase B
(MAO); os agonistas dopaminérgicos, como a bromocriptina e pergolindina; e o grupo
que atua através do bloqueio da enzima COMT.
2. Miastenia Gravis
É uma doença autoimune causada por anticorpos circulantes que lesam os
receptores de acetilcolina localizados no interior da membrana muscular pós-sináptica.
A doença manifesta-se principalmente através de sintomas no sistema
musculoesquelético, provocando ptose (queda da pálpebra), diplopia (visão dupla),
dificuldade de mastigação e deglutição, fraqueza em membros e o quadro mais grave
com paralisação da musculatura respiratória. Pacientes com essa doença apresentam
paralisia devido à incapacidade na placa motora em transmitir sinais da fibra nervosa
para a fibra muscular, ou seja, deficiência na transmissão neuromuscular.
Substâncias anticolinesterásicas, como a neostigmina e a fisostigmina (citadas
anteriormente), têm sido utilizadas com sucesso na tentativa de estabilização do quadro,
permitindo o acúmulo de acetilcolina na goteira sináptica para facilitar a transmissão
do impulso.
3. Intoxicação por Organofosforados
Organofosforados são compostos anticolinesterásicos. Como citado anteriormente,
esses fármacos interrompem a ação da acetilcolinesterase nas junções das várias
terminações nervosas colinérgicas com seus órgãos efetores, impedindo a hidrólise da
acetilcolina e permitindo que ela atue por mais tempo na fenda sináptica.
Tendo em vista a ampla distribuição dos neurônios colinérgicos nos seres vivos,
não é surpreendente que os agentes anticolinesterásicos tenham tido extensa aplicação
como agentes tóxicos na forma de inseticidas agrícolas e armas químicas potenciais sob
a denominação de “gases paralisadores dos nervos”.
Organofosforados compõem um dos principais grupos de agentes
anticolinesterásicos, altamente tóxicos, sendo a dose letal para o homem de malathion
400 mg/kg e de parathion 3 mg/kg. A extrema toxicidade desses compostos deve-se à
inativação “irreversível” da acetilcolinesterase, por fosforilação, resultando em
atividade inibitória de longa duração.
Sendo os organofosforados lipossolúveis, a absorção se faz de forma rápida e
eficaz, por qualquer via, por difusão passiva, incluindo o trato gastrintestinal, bem
como através da pele e das mucosas, após o contato com umidade, e pelos pulmões,
após inalação.
Os organofosforados são tóxicos, não apenas por inibição da acetilcolinesterase,
mas também pelo efeito direto, podendo provocar pneumonite química, alterações no
metabolismo enzimático hepático e distúrbios na coagulação.
Os efeitos da intoxicação por organofosforados e outros agentes anticolinesterásicos
manifestam-se por sinais e sintomas que incluem broncoespasmo, hipersecreção
brônquica, tosse, vômitos, diarreia, incontinência de esfíncteres, bradicardia,
vasodilatação, miose (constrição da pupila). Além desses sinais, pode haver tremores,
movimentos espontâneos incoordenados, cãimbras, sonolência, incoordenação, ataxia,
ausência de reflexos, depressão do centro respiratório e coma nos casos mais graves.
4. Esclerose Múltipla
É definida como episódios distintos de déficits neurológicos, separados no tempo,
atribuíveis a lesões desmielinizantes da substância branca que estão separadas no
espaço.
Apesar da causa exata da EM ainda não ser bem conhecida, a imunidade celular
dirigida a componentes da bainha de mielina é uma forte candidata ao mecanismo
subjacente a essa patologia.
Quando o axônio sofre um processo de degeneração, a bainha de mielina se
desintegra. Isso acontece porque a integridade da bainha de mielina depende,
fundamentalmente, da integridade do axônio. Por outro lado, em muitos casos em que a
bainha de mielina é afetada, não ocorre a destruição correspondente à fibra nervosa. É
como se o cabo condutor – a fibra nervosa – estivesse “descascando”.
De maneira geral, os fatores que permitem ou não o funcionamento normal do
axônio, após a desmielinização – isto é, depois de ocorrer a destruição e perda da
mielina –, não são completamente conhecidos. Acredita-se que as fibras nervosas são
afetadas somente quando ocorre destruição de longos segmentos de mielina, intensas
reações inflamatórias ou extrema rapidez de instalação do processo degenerativo.
No quadro clínico dos casos mais graves, o doente pode perder a capacidade de
movimentar-se, em virtude da paralisia dos membros, interrompendo-se as
comunicações entre o cérebro e os núcleos nervosos. O paciente permanece nesse
estado por alguns dias ou semanas, podendo chegar ao estado de coma.
Os sintomas mais comuns, no início da doença, são as sensações de
“formigamentos”, “peso”, “esquecimento”, incoordenação de movimentos, distúrbios
visuais e, às vezes, dificuldades em falar e tremores musculares.
Um dos aspectos mais característicos da patologia é o desaparecimento dos
sintomas por períodos de tempos variáveis. À medida que a doença progride, no
entanto, maiores porções do tecido nervoso vão sendo comprometidas e o
desaparecimento dos sintomas é cada vez mais esporádico.
Geralmente a fraqueza começa e predomina nos membros inferiores; em alguns
casos é tão intensa que chega a causar paralisia completa das pernas. Comumente, este
estado é acompanhado de espasmos musculares e reflexos exagerados e anormais.
A incoordenação motora, por sua vez, provoca movimentos descontrolados,
interrompidos, acompanhados de tremores. Já os distúrbios visuais são representados
por turvação e diminuição da acuidade visual e movimentos oculares involuntários. Nas
fases finais da doença surgem cegueira, total incoordenação motora e, às vezes, queda
das funções nervosas superiores, levando ao estado de coma.
Sabe-se que os graves sintomas neurológicos e os sinais da inflamação do encéfalo
e da medula espinhal são decorrentes da perda da função dos axônios, durante o
período agudo da inflamação. Por outro lado, o restabelecimento resulta da restauração
de função dos axônios sem a bainha de mielina.
As lesões variam muito em tamanho. Ocasionalmente ocorre atrofia do nervo óptico
e, com maior raridade, a atrofia de hemisférios cerebrais. À medida que as lesões se
tornam crônicas, vai surgindo um tecido de cicatrização que determina maior ou menor
destruição das fibras nervosas; paralelamente ocorre a repressão neurológica. Essa
multiplicidade de formas da esclerose, devido à variação em tamanho, local e forma da
lesão, consiste no problema básico em diagnosticar a patologia.
Não é conhecido um tratamento muito efetivo. Na fase aguda, podem ser usados
glicocorticoides, que agem como moduladores da resposta inflamatória. Agentes
imunossupressores também são utilizados, mas não há um consenso sobre a eficácia dos
mesmos. Infusão de plasma em combinação com imunossupressores, irradiação total de
linfonodos, ciclosporina A, a-interferon, b-interferon ou copolímero I estão sendo
investigados para o tratamento dessa patologia.
5. Doença de Alzheimer
É um processo neurodegenerativo que leva à demência, um estado de confusão
caracterizado pela perda da capacidade de aprender novas informações e de recordar
conhecimentos previamente adquiridos. A doença vai progredir de maneira lenta, de
cinco a 10 anos, e o resultado final será sempre a demência total, com as funções
motoras também sendo afetadas, e 100% de mortalidade. Os sintomas da doença de
Alzheimer se iniciam geralmente após a 5a e 6a década, mas podem começar mais cedo
com uma alteração geral das funções intelectuais mais elevadas e, às vezes, alguns
sintomas localizados de afasia, agnosia ou apraxia. Apesar de ainda não ter sido
constatada uma causa principal da patologia, 5 a 10% dos casos ocorrem em pessoas
que possuem familiares afetados pela doença.
A fisiopatologia da doença de Alzheimer está relacionada com a desestruturação do
citoesqueleto dos neurônios no córtex cerebral, uma região encefálica fundamental para
as funções cognitivas. A degeneração do tecido cerebral, com morte neuronal e
desmielinização das fibras, leva à atrofia cortical, sobretudo nas regiões frontais,
frequentemente nas regiões parietais e, em grau menor, nas regiões temporais e
occipitais. Macroscopicamente, os giros se mostram mais estreitos e os sulcos mais
largos, e a perda de tecido pode apresentar o fenômeno de hidrocefalia ex vacuo.
É importante, entretanto, ressaltar que as lesões parenquimatosas com atrofia
cortical, perda de células nervosas, degeneração neurofibrilar e formação de placas
senis podem aparecer muito cedo na vida, sem nenhuma das manifestações apresentadas
em idade mais avançada.
Atualmente, é evidente que a doença de Alzheimer está associada com
anormalidades bioquímicas bem específicas, como a deposição de corpos amiloides no
tecido cerebral, o que eleva a esperança de sermos capazes de inibir o processo
neurodegenerativo pelo tratamento medicamentoso.
Embora alterações em muitos sistemas transmissores tenham sido demonstradas em
cérebros de pacientes com Alzheimer, principalmente a partir de medições no tecido
cerebral post mortem, é característica uma perda relativamente seletiva dos neurônios
colinérgicos nos núcleos basais do prosencéfalo, que exercem ação moduladora sobre a
atividade dos neurônios do sistema límbico e do neocórtex relacionados com a
memória. As lesões dos núcleos da base produzem déficits cognitivos e do aprendizado
em animais de experiência.
Essa descoberta, feita em 1976, implicava que as abordagens farmacológicas para
restaurar a função colinérgica poderiam ser possíveis. A atividade da colina
acetiltransferase (CAT) no córtex e hipocampo é reduzida consideravelmente (30 a
70%) nessa patologia (apesar de não o ser em outros distúrbios, como a depressão ou a
esquizofrenia), e a atividade da acetilcolinesterase é também acentuadamente reduzida.
De tal forma, ocorre a depleção da acetilcolina no córtex cerebral. Ao mesmo tempo, a
quantidade de receptores muscarínicos, determinada por estudos de ligação, não é
afetada, porém o número de receptores nicotínicos, particularmente no córtex, está
reduzido.
A evidência de que as vias colinérgicas podem estar danificadas nessa patologia
tem levado a tentativas de correção farmacológica. O uso de inibidores da
colinesterase (tacrina, donezepil e rivastigmina) foi recentemente introduzido, com base
em que o aumento da transmissão colinérgica pode compensar o déficit colinérgico que
ocorre na doença de Alzheimer. Apesar disso, a eficácia desse tratamento ainda não é
totalmente comprovada.
6. Coreias
A coreia de Sydenham corresponde a uma alteração no sistema nervoso central,
decorrente da doença reumática encontrada em pessoas que têm sensibilidade especial
a infecções causadas por streptococcus. Tal afecção é considerada uma das grandes
manifestações da atividade reumática, ou seja, uma das alterações que aparece nas
fases ativas do reumatismo infeccioso. No entanto, precisa ser diferenciada de vários
outros quadros clínicos de origem diversa e, especialmente, da coreia de Huntington.
Os movimentos coreicos são característicos: várias partes do corpo movem-se
desordenadamente. Em geral são movimentos dos membros e da face. Embora o
paciente tenha consciência da “dança”, ela é totalmente involuntária. Varia desde
pequenos movimentos de curta duração de dedos, artelhos, mãos, pés e lábios, até
agitação muscular intensa, quase permanente. Nos casos mais graves, os movimentos
anormais impedem a apreensão de objetos, a marcha e a fala. A coreia é evidenciada,
particularmente, pelo tremor quase contínuo das mãos.
Além da doença reumática, outros processos inflamatórios podem ocasionar a
coreia, devido a alterações diretas ou indiretas do sistema nervoso central, como, por
exemplo, alterações dos vasos cerebrais, tumores do cérebro e doenças degenerativas
do sistema nervoso. A coreia de Huntington, uma doença hereditária, é considerada
moléstia progressiva, degenerativa do sistema nervoso central. Acredita-se que, como
nas demais coreias, a alteração de uma estrutura específica localizada na base do
cérebro, o neoestriado, seja responsável pelo aparecimento dos sintomas.
Além dos movimentos coreicos, o paciente apresenta distúrbios emocionais, queda
do nível intelectual e alterações psicológicas. A capacidade intelectiva e a memória
vão sendo progressivamente afetadas. O indivíduo torna-se irritadiço e apresenta fases
de depressão, às vezes entremeadas com crises de violência.
A natureza do defeito bioquímico primário permanece indeterminada. A
excitotoxicidade mediada pelo glutamato que envolve neurônios estriatais e corticais
foi postulada. Bird e colaboradores (1980), em um estudo de cérebros post mortem de
pacientes com a doença de Huntington, descobriram que o conteúdo de dopamina do
estriado estava normal ou discretamente aumentado, ao passo que havia 75% de
redução na atividade da descarboxilase do ácido glutâmico e uma redução menor e
mais variável na atividade da colina acetiltransferase. Acredita-se que a perda da
inibição mediada pelo GABA no estriado produz uma hiperatividade das sinapses
dopaminérgicas. Existe também uma subatividade da transmissão colinérgica, de
maneira que a síndrome é, em alguns sentidos, uma imagem em espelho da doença de
Parkinson. Os efeitos das drogas que influenciam a transmissão dopaminérgica são,
correspondentemente, o oposto daqueles que são observados na doença de Parkinson,
sendo os antagonistas da dopamina eficazes na redução dos movimentos involuntários,
enquanto drogas como a levodopa e a bromocriptina tornam isso pior. As drogas não
afetam a causa subjacente da doença.
7. Crises epilépticas
São caracterizadas por descargas (elétricas) paroxísticas de grupo neuronais. Essas
grandes quantidades de potenciais de ação feitas por esses neurônios ocorrem por uma
série de motivos, como febre, trauma e tumores, e as manifestações clínicas desses
episódios dependem do sítio de origem das descargas e a sua propagação no córtice
cerebral. De um modo geral, tem-se que as crises epilépticas decorrem de qualquer
processo que leve a um viés excitatório cortical, em detrimento do inibitório. Observa-
se no recém-nascido, por exemplo, a presença desse viés excitatório, fazendo as crises
epilépticas serem a manifestação clínica neurológica mais comum dessa faixa etária.
Seguem-se algumas causas de crises epilépticas:
8. Epilepsia
A epilepsia é definida por episódios de crises recorrentes, devido primariamente à
atividade encefálica, independentemente de fatores exógenos. Assim, crises causadas
por drogas, febre, trauma e etc. são crises isoladas e, portanto, não são crises
epilépticas. Existem muitos tipos de epilepsia que podem variar em relação à
manifestação clínica e a etiologia, por exemplo. Basicamente, se caracteriza uma
epilepsia por seu tipo de crise (se parcial ou complexa) e a causa dessa epilepsia
(defeito genético, tumor, malformação).
Tem sido postulado que as células nervosas dos epilépticos apresentam alterações
da membrana citoplasmática condicionando impermeabilidade da mesma, tornando as
células mais suscetíveis à ativação por fatores como hipertonia, hipoglicemia, hipóxia,
hipocalcemia, hiponatremia e outros estímulos (luz e certas fases do sono). Tais
distúrbios conduziriam à despolarização excessiva e prolongada da membrana da
célula nervosa, resultando num defeito do processo de recuperação bioelétrica pós-
excitatória. Esse grupo de células, que representa um agregado de neurônios
bioeletricamente alterado, constitui verdadeiro foco de hiperexcitabilidade nervosa,
com tendência a descargas paroxísticas. Uma vez iniciadas as descargas anormais, elas
podem se propagar a áreas cerebrais normais, desencadeando e generalizando a
convulsão.
Distúrbios enzimáticos também parecem participar da fisiopatologia das
convulsões. Acredita-se que a alteração enzimática mais importante esteja relacionada
com a fosfatopiridoxina. Esse fermento está diretamente envolvido no ciclo metabólico
do ácido aminobutírico (GABA), que tem efeito inibidor da atividade neuronal. A
deficiência de fosfatopiridoxina traz como consequência a diminuição do GABA e
maior predisposição às convulsões. Admitem-se também a alteração da citocromo-
oxidase, que condicionaria diminuição do ciclo de Krebs, e distúrbios da regulação
local de íons extracelulares tais como potássio, cálcio, sódio e/ou magnésio.
As diferenças de apresentação das convulsões, assim como o término e duração das
mesmas, estão supostamente relacionadas com o esgotamento ou exaustão da célula
nervosa e por outro lado com um processo positivo de inibição. O último seria
veiculado pelo subsistema reticular descendente de inibição.
Mecanismo de ação dos fármacos anticonvulsivantes – admite-se que os atuais
fármacos anticonvulsivantes ajam principalmente pelos seguintes mecanismos: a)
reduzindo a excitabilidade elétrica das membranas celulares, possivelmente através do
bloqueio uso-dependente dos canais de sódio; b) exacerbando a inibição sináptica
mediada por GABA, inibindo a GABA-transaminase, ou por medicamentos com
propriedades diretas GABA-agonistas. Os fármacos que bloqueiam os receptores dos
aminoácidos excitatórios são eficazes em modelos animais, porém ainda não foram
desenvolvidos para uso clínico.
9. Esquizofrenia
A esquizofrenia é caracterizada por uma perda de contato com a realidade e por
perturbações de pensamento, percepção, humor e movimento. Trata-se de uma das
formas mais importantes de enfermidade psiquiátrica, pois costuma afetar pessoas
muito jovens além de poder ser crônica e altamente incapacitante. Existe um poderoso
fator hereditário em sua etiologia, o que aponta para a possibilidade de uma
anormalidade bioquímica fundamental. Os sintomas dessa enfermidade se dividem em
duas categorias:
– Sintomas positivos (refletem a presença de comportamentos e pensamentos
anormais): delírios, alucinações, distúrbio ideativo.
– Sintomas negativos (refletem a ausência de respostas que normalmente estão
presentes): afastamento dos contatos sociais e nivelamento das respostas emocionais.
O tipo de esquizofrenia depende da predominância dos sintomas apresentados. Na
esquizofrenia paranoide, a pessoa pode manifestar delírios de perseguição e
alucinações auditivas, como ouvir vozes; já na esquizofrenia desorganizada,
predominam os sintomas negativos, como a falta de expressão emocional e discurso
incoerente. A esquizofrenia catatônica é caracterizada por distúrbios dos movimentos
voluntários, como catatonia e posturas bizarras.
Foi sugerido que os sintomas positivos resultam de alguma anormalidade
neuroquímica mais específica, enquanto os sintomas negativos podem refletir uma
anormalidade cerebroestrutural. Entretanto, a causa da esquizofrenia continua sendo
misteriosa. A doença mostra uma grande tendência hereditária: gêmeos monozigóticos
de pais esquizofrênicos têm 50% de chance de desenvolver a doença; entretanto, o fator
ambiental como desencadeante também influencia muito na manifestação da
esquizofrenia. Ainda não foi identificado nenhum distúrbio bioquímico definido; as
hipóteses incluem sugestões de que a esquizofrenia pode acontecer devido a uma
infecção por vírus lento, associada possivelmente a um processo autoimune ou a uma
anormalidade de desenvolvimento envolvendo os lobos temporais. Além disso, o
estresse ambiental pode exacerbar o curso da doença no adulto.
Hipótese dopaminérgica. Existe concordância geral (porém, certamente, sem ser
universal) de que a hiperatividade da dopamina explica pelo menos os sintomas
positivos da esquizofrenia. Entretanto, vários outros transmissores, particularmente 5-
HT (serotonina) e noradrenalina, interagem poderosamente com as vias da dopamina,
podendo ser importantes em relação às ações dos medicamentos neurolépticos e,
possivelmente, também na etiologia da esquizofrenia. O aumento nos receptores de
dopamina no sistema límbico (especialmente no hemisfério esquerdo) é observado
sistematicamente. O subtipo D4 do receptor, presente em nível cortical, pode estar
especificamente aumentado. A hipótese dopaminérgica pode ser comprovada pela
melhora dos sintomas psicóticos com o uso de drogas chamadas neurolépticas, que
bloqueiam estes receptores de dopamina. Ao mesmo tempo, as drogas conhecidas como
neurolépticos atípicos têm pouco efeito sobre os receptores de dopamina, indicando
que há mais neste transtorno do que apenas uma superativação do sistema
dopaminérgico.
Hipótese serotoninérgica. Já a sugestão de que a deficiência de serotonina (5-HT)
pudesse ser a base subjacente da esquizofrenia baseou-se na observação de que o LSD
(dietilamida do ácido lisérgico) produz alucinações e distúrbios sensoriais. Pela
semelhança entre as moléculas, o LSD ocupa os receptores destinados à serotonina e o
faz com mais eficiência, resultando em alucinações e delírios. A produção excessiva de
um metabólito normal de serotonina, dimetiltriptamina (DMT), que exerce um efeito
alucinógeno semelhante ao LSD no homem, foi proposta como mecanismo na
esquizofrenia, porém continua sendo extremamente fraca a evidência bioquímica para
essa teoria ou outras baseadas nos alucinógenos de produção endógena. Da mesma
forma, não existe evidência bioquímica incontestável sugerindo qualquer alteração no
metabolismo de serotonina ou de seus receptores na esquizofrenia, porém muitos
fármacos neurolépticos eficazes, além de bloquearem os receptores de dopamina, agem
também como antagonistas do receptor 5-HT2 de serotonina. Como a serotonina exerce
um efeito modulador sobre as vias da dopamina, as teorias se sobrepõem, sem se
completarem.
Hipótese glutamatérgica. Essa hipótese surgiu a partir dos efeitos do fármaco
fenciclidina (PCP, da sigla em inglês), que surgiu na década de 1950 como um
anestésico. Entretanto, seu uso foi descontinuado, pois os pacientes apresentavam
efeitos adversos duradouros, como alucinações, paranoia, pensamento desordenado,
sentimento de afastamento do meio ambiente e catatonia. A PCP age inibindo os
receptores NMDA de glutamato, então, de acordo com a hipótese glutamatérgica da
esquizofrenia, a ativação desses receptores de glutamato estaria diminuída no encéfalo
dos pacientes com o transtorno. Testes com camundongos geneticamente modificados
para expressar menos receptores NMDA demonstram alteração de comportamento e
menor interação social – sintomas que melhoram com o tratamento com neurolépticos,
corroborando a teoria.
DROGAS
A humanidade há muito tempo tem o conhecimento de substâncias psicoativas.
Desde seu uso religioso/espiritual na busca pelo contato com o divino ao uso
recreativo, que hoje em muitos casos é ilegal, as drogas psicoativas mais utilizadas são
substâncias que reproduzem ou interagem com o funcionamento dos neurotransmissores
e seus efeitos sobre os respectivos receptores.
3) Nicotina
Os efeitos da nicotina sobre o organismo são complexos, não podendo ser
classificados apenas como inibição ou estimulação. Ela se liga aos receptores
nicotínicos de acetilcolina, causando excitação neuronal, mas também provoca
dessensibilização dos receptores, causando bloqueio sináptico. Provoca dependência
por se ligar a neurônios dopaminérgicos no SNC, aumentando a liberação de dopamina,
efeito discutido anteriormente.
4) Heroína
A heroína é uma droga opioide, assim como a morfina, alcaloide derivado do bulbo
da papoula (Papaver somniferum). Assim como outros fármacos narcoanalgésicos, é
agonista dos receptores opioides (m - mu, k - kappa e s - sigma), nos quais
fisiologicamente se ligam às endorfinas e encefalinas, importantes neurotransmissores
na regulação da dor. Esses receptores estão espalhados pelo encéfalo, e sua ativação
está relacionada com o aumento do limiar à dor em área cortical. A heroína, entretanto,
é utilizada em doses muito superiores ao dos fármacos narcoanalgésicos. O mecanismo
de prazer e bem-estar produzido pelo seu consumo ainda não está completamente
desvendado, mas sabe-se que interfere nas vias dopaminérgicas mesolímbicas
corticais, efeito semelhante ao de outras drogas recreativas.
5) Etanol
O etanol, assim como os fármacos benzodiazepínicos, tem ação neurodepressora,
pois potencializa a ação do GABA (aumentando tempo e frequência dos canais iônicos)
ao se ligar aos receptores GABAA. Também inibe efeitos excitatórios do glutamato e
interage com as vias dopaminérgicas mesolímbicas, incentivando o sistema de
recompensa. É uma droga dose-dependente, ou seja, o efeito varia de acordo com a
quantidade consumida, mas mesmo as ações excitatórias do álcool que aparecem com o
consumo de doses moderadas estão associadas à supressão do sistema inibitório. O
córtex cerebral possui uma função integradora de estímulos e ações, que é inibida sob
efeito do álcool, explicando os efeitos cognitivos. A perda de equilíbrio e da
coordenação motora fina é explicada pela grande quantidade de neurônios gabaérgicos
no cerebelo.
6) Maconha
A maconha é o fumo feito dos extratos do cânhamo (Cannabis sativa). O princípio
ativo é o D9-tetra-hidrocanabinol (THC) e seus metabólitos. O THC atua
principalmente no SNC, ativando receptores gabaérgicos, opioides e canabinoides,
produzindo uma mistura de efeitos psicotomiméticos e depressores. Os receptores
canabinoides pertencem à família de receptores acoplados à proteína G, que exercem
efeitos sobre as funções dos canais de cálcio e potássio, provocando inibição das
sinapses. Pesquisas acerca desses receptores levaram à descoberta da anandamida,
canabinoide endógeno derivado do ácido araquidônico que produz efeitos de curta
duração semelhantes aos canabinoides.
ELETROENCEFALOGRAMA
As células especializadas na condução de estímulos e impulsos – as células
nervosas – apresentam elevada capacidade de alterar seu potencial elétrico. As células
nervosas do encéfalo (e do cérebro, que é uma parte dele) possuem atividade elétrica
definida.
Os especialistas dispõem de poderosos amplificadores que permitem identificar as
correntes elétricas produzidas pelo cérebro, apesar da atenuação da corrente, após
atravessar o osso e a pele. O aparelho usado para o registro da atividade elétrica do
cérebro humano é o eletroencefalógrafo.
Ainda que nenhum movimento muscular seja exteriormente perceptível, como pode
acontecer, por exemplo, numa pessoa em anestesia profunda ou em estado comatoso, as
células nervosas estão em constante ação. Os inúmeros grupos de neurônios que
compõem o córtex cerebral e que também estão distribuídos por todo o eixo nervoso,
desde a extremidade cefálica até a terminação espinhal, trabalham sem cessar – de
maneira semelhante a diminutas centrais elétricas, produzem energia continuamente, e
as ondas elétricas emitidas e captadas por essas células nervosas altamente
especializadas podem ser identificadas por meio do eletroencefalógrafo. Para isso, os
eletrodos encarregados de detectar a corrente elétrica são colocados em determinadas
regiões da cabeça, sobre o couro cabeludo. Os eletrodos correspondem a pequenas
placas de metal, aplicadas sobre a pele molhada com água ou com uma pasta especial.
A água, assim como a pasta usada para esse fim, é ótima condutora de eletricidade.
Através desse meio condutor, os impulsos elétricos desprendidos das células nervosas
em atividade são captados e, através dos fios a que os eletrodos estão ligados, chegam
a um dispositivo registrador. Nesse dispositivo, a mensagem elétrica é amplificada, e o
resultado vai sendo inscrito em tinta numa fita de papel.
Existem diferentes tipos de ondas elétricas, que apresentam frequência e potencial
variáveis, identificadas com letras do alfabeto grego. As que predominam,
normalmente, são as chamadas ondas alfa, entre 8 e 13 Hz, e estão associadas a estados
de vigília; além dessas, existem as ondas beta, maiores que 14 Hz, que sinalizam um
córtex ativado; ondas teta, que se situam entre 4 e 7 Hz, ocorrem durante alguns estados
de sono; e as ondas delta, lentas, menores que 4 Hz, indicam sono profundo (ver Figura
6.7 e 6.8). As ondas normais seguem a forma aproximada da letra S, na posição
horizontal. Em determinadas enfermidades neurológicas, as ondas podem parecer
cúpulas, ou formas achatadas como barras gregas, ou ainda como se fossem pontas de
lança.
Figura 6.10 Adulto em vigília. EEG patológico com presença de ondas em ponta de lança.
Figura 6.11 Adulto em vigília. EEG patológico com presença de ondas lentas.
O sono ativo. Pode-se dizer que o EEG é o espelho da atividade cerebral. Num
recém-nascido, o ritmo é instável e não se diferencia muito sob estímulo externo: o
sistema nervoso ainda não está amadurecido e não apresenta reações imediatas a todos
os estímulos externos. À medida que avança o aprendizado e se desenvolve o eixo
nervoso, as curvas vão se tornando cada vez mais diferenciadas, com maiores
variações. O traçado torna-se cada vez mais rápido. No recém-nascido, o ritmo de
registro das ondas vai de um a três ciclos por segundo: por volta dos 13 aos 15 anos,
chega a 30 ciclos por segundo.
Os progressos dos estudos da atividade elétrica do cérebro permitiram identificar
várias características dos fenômenos corticais no homem. Sabe-se que a atenção da
pessoa ou uma atividade mental qualquer pode alterar o traçado. O sono modifica o
EEG, de forma que, quando um indivíduo dorme, espontaneamente ou sob efeito de um
barbitúrico, registram-se modificações profundas no traçado. Esse fato atesta que o
sono não é um fenômeno passivo: ao contrário, é uma forma diferente de atividade
cerebral.
Atividade e morte. A moderna cirurgia dos transplantes tem no
eletroencefalograma um valioso instrumento. Na verdade, só o EEG pode identificar
precocemente a morte das células do cérebro. Por esse motivo, o registro contínuo
dessa atividade é de importância indiscutível para se obter a confirmação da morte de
um possível doador, no exato momento em que cessa a produção energética do córtex
cerebral.
O EEG oferece aplicações em inúmeros setores da psiquiatria e neurologia. É, por
exemplo, o método de escolha para identificação, orientação e tratamento da epilepsia.
Inúmeros outros distúrbios psíquicos ou mentais, que se verificam ou se difundem ao
nível do córtex cerebral, também podem ser avaliados pelo EEG.
Muitos casos de tumores cerebrais podem ser identificados e localizados com bases
nas informações fornecidas pelo traçado eletroencefalográfico. Os derrames, acidentes
que ocasionam traumatismos cerebrais e inúmeras outras alterações podem ser
diagnosticadas com esse recurso.
Referências
Bennett JC, Plum F Cecil. Tratado de Medicina Interna. 20ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Berne RM, Levy MN. Fisiologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
Best and Taylor. Physiological basis of medical practice. 12th edition. Baltimore: Willians and Wilkins, 1990.
Bird ED, Spokes EG, Iversen LL. Dopamine and noradrenaline in post-morten brain in Huntington’s disease and
schizophrenic illness. Acta Physciatr Scan Suppl 1980; 01(280):63-73.
Bus R; Pikula S. Synapsis-intracellular ATp receptors in the neurotransmitter release process. Postepy Biochem 1999;
45(3):211-7.
Carroll FI; Howell LL; Kuhar MJ. Pharmacotherapies for treatment of cocaine abuse: preclinical aspects. J Med
Chem 1999; 42(15):2721-36.
Cartmell J, Schoepp DD. Regulation of neurotransmitter release by metabotropic glutamate receptors. J Neurochem
2000; 75(3):889-907.
Gasnier B. The loading of neurotransmitters into synaptic vesicles. Biochimie, 2000; 82(4):327-37
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
Hardman JG, Limbird, LE, Molinoff P B et al. Goodman and Gilman’s. The pharmacological basis of therapheutics. th9
edition. International edition: Mc Graw-Hill, 1996.
Montgomery R, Conway TW, Spector AA. Bioquímica, uma abordagem dirigida por casos. 5ª edição. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994.
Prasad C. Food, mood and health: a neurobiologic Outlook. Braz J Med Biol Res 1998; 31(12):1517-27.
Stryer L. Bioquímica. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
Tierney L, McPhee SJ, Papadakis MA. Current medical diagnosis and treatment. International edition. Apleton and
Lange, 2000.
1
Também chamada de junção mioneural e placa motora.
7- RECEPTORES SENSORIAIS
Fernanda Bordignon Nunes
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Pedro Luã Machado Pereira
Valentina Metsavaht Cará
Figura 7.1
A) Receptores livres: Discos de Merkel.
B) Receptores encapsulados: Corpúsculos de Paccini.
b. Audição:
Receptores Sonoros da Cóclea.
c. Equilíbrio:
Receptores Vestibulares.
d. Pressão arterial:
b. Olfação:
c. Oxigênio Arterial:
d. CO2.
e. Glicose.
f. Aminoácidos.
g. Ácidos Graxos Sanguíneos.
Cones
Bastonetes
b. Calor:
Receptores do Calor
5. Nociceptores: detectam a dor, sendo ativados quando há lesões teciduais, sejam elas
físicas ou químicas. São nociceptores as Terminações Nervosas Livres.
POTENCIAL GERADOR
O potencial gerador acontece através da despolarização da membrana dos
receptores. A diminuição da negatividade interna dos receptores, se alcançar uma certa
magnitude – o limiar –, é capaz de estimular a própria fibra nervosa. A variação do
potencial de membrana, ou seja, a despolarização, ocorre em função de alterações na
permeabilidade da membrana dos receptores. Tais alterações de permeabilidade
podem ser obtidas por meio de:
Figura 7.2 Relação entre o potencial gerador dos receptores e o desenvolvimento do potencial de
ação. Quando o limiar local for alcançado, um potencial de ação desenvolve-se; quando o potencial
gerador se eleva acima do nível limiar, a frequência dos potenciais de ação aumenta.
Fonte: Adaptado de Guyton e Hall (1992).
Figura 7.3 Receptores de adaptação rápida. A) Corpúsculo de Paccini. B) A força aplicada (ex: vestir
uma roupa) origina potencial gerador. C) O líquido se redistribui, e a pressão fica igual sobre todos os
pontos da fibra central. D) Com a cessação da pressão (ex: tirar a roupa), o movimento do líquido no
sentido inverso produz novos potenciais geradores. Após algum tempo, a sensação acaba e o fato de
estar ou não com a peça só volta a ser consciente quando nos despimos dela.
SENSIBILIDADE TÉRMICA
A temperatura de diversas partes do corpo pode variar dentro de uma faixa
relativamente pequena sem que haja riscos ao organismo, porém o calor ou o frio
excessivos são capazes de causar lesão. Temperaturas acima de 45° C podem resultar
na desnaturação de proteínas e isso está associado à sensação de dor. Temperaturas
muito baixas podem também provocar lesão, mas o efeito anestésico do resfriamento,
nas condições apropriadas, pode obscurecer o fato de estar ocorrendo uma lesão, e a
dor não é sentida até que a temperatura seja novamente aumentada.
Dentro da faixa de calor que não provoca lesões, os receptores respondem a
quantidades relativamente pequenas de alterações na temperatura. As sensações
resultantes são o frio ou o calor. É razoável, por isso, presumir que elas possam ser
mediadas por terminais receptores especializados.
Uma antiga hipótese apresentada sugeria que o estímulo adequado para um receptor
térmico poderia ser um gradiente de temperatura ao longo da sua extensão física.
Assim, se a porção externa do receptor periférico estivesse mais fria ou mais quente
que a porção interna, o resultado seria a estimulação do receptor térmico e
consequentemente a geração de potenciais. Afirmava, portanto, que a detecção térmica
resultava do efeito físico direto do calor ou do frio sobre as terminações nervosas.
A possibilidade de que isso ocorresse, no entanto, foi negada a partir da
constatação de que o calor ou o frio são capazes de modificar a velocidade das reações
químicas intracelulares (aumenta de duas a três vezes a velocidade para cada 10° C de
variação positiva). Tal modificação acaba por alterar o ritmo metabólico dos
receptores térmicos, o que resulta na estimulação dos mesmos quando ocorrem
variações térmicas.
A sensibilidade à temperatura é distribuída de modo puntiforme, ou seja, algumas
áreas respondem ao frio, mas não ao calor, e vice-versa. Portanto, existem receptores
de calor e receptores de frio, localizados sob a pele em uma proporção de três a dez
vezes mais receptores de frio que de calor por centímetro quadrado. Os receptores de
calor estão mais comumente associados às fibras amielínicas, enquanto que as fibras
dos receptores de frio são quase exclusivamente mielínicas. A maioria dos receptores
de frio não disparam a temperaturas acima de 35° C, a menos que a temperatura seja
elevada a intensidades capazes de causar lesões ou próximas a isso. Essas respostas,
que no homem ocorrem entre 43 e 47° C, são apropriadamente denominadas “Respostas
Paradoxais” e, como exemplo, temos o frio brusco sentido quando entramos
subitamente embaixo de um chuveiro quente. Respostas paradoxais dos receptores do
calor (atividades a baixas temperaturas) foram observadas, porém a descarga tem
frequência relativamente baixa e só é encontrada em alguns poucos receptores.
SENSIBILIDADE GUSTATÓRIA
Os receptores de gustação estão localizados nos calículos gustatórios (botões
gustatórios). Cada receptor tem um pelo gustatório (microvilosidade) que se projeta na
superfície externa do calículo gustatório através do poro gustatório.
Os calículos encontram-se nas papilas da língua. As papilas circunvaladas estão na
porção posterior da língua, enquanto que as fungiformes e as filiformes estão
espalhadas por toda a sua superfície.
Para que os receptores gustatórios sejam estimulados, as substâncias devem ser
dissolvidas na saliva para que possam penetrar nos poros gustatórios. Uma vez que uma
substância com sabor entra em contato com a membrana plasmática dos pelos
gustatórios, um potencial gerador é desencadeado, iniciando um impulso nervoso.
Existem cinco sensações primárias do paladar: ácido, salgado, doce, amargo e
umami (que na língua japonesa significa “delicioso”, atualmente é o termo científico
para descrever o gosto dos glutamatos e nucleotídeos; sabor encontrado, por exemplo,
em caldos de carne, queijos amadurecidos e no molho de soja). Todos os outros
sabores, como chocolate, café etc. são combinações dessas cinco sensações,
modificadas pela sensação do olfato que as acompanha.
A sensação de queimação que se tem ao provar alguns tipos de pimentas (sabor
apimentado) se deve à capsaicina, presente em grandes quantidades em sementes e
frutos dessas plantas. Estudos mostram que a capsaicina se liga a receptores conhecidos
como TRPV1 (receptor de potencial transiente, vaniloide 1), presentes em membranas
de neurônios para dor e sensação de calor. O TRPV1 é um canal de cálcio que se abre
quando exposto a temperaturas entre 37 e 45° C. Na presença de capsaicina, esse canal
se abre mesmo em temperaturas inferiores a 37° C, o que explica o fato de essa
substância estar relacionada à sensação de queimação.
As pessoas com resfriados ou alergia frequentemente queixam-se de não sentir o
gosto do que comem. Na verdade, suas sensações de gosto provavelmente estão
operando normalmente, mas suas sensações olfativas não.
Muito do que pensamos ser gosto, na realidade, é olfato, pois os odores dos
alimentos sobem para estimular o sistema olfatório. De fato, uma determinada
concentração de uma substância estimula o sistema olfatório milhares de vezes mais do
que estimula o sistema gustatório.
Certas regiões da língua reagem mais fortemente a determinados gostos primários
que a outros. O ápice da língua, por exemplo, reage a todas as sensações primárias, mas
é altamente sensível a substâncias doces e salgadas. As margens laterais são
predominantemente sensíveis às substâncias ácidas (Figura 7.4).
Figura 7.4 Representação esquemática das regiões gustatórias da língua.
SENSIBILIDADE OLFATÓRIA
Os receptores para a olfação estão localizados na porção superior da cavidade do
nariz (Figura 7.5). São neurônios que contêm um dendrito arredondado em uma
extremidade de onde se projetam vários cílios. Esses cílios reagem aos odores do ar e
então estimulam os receptores olfatórios. Os seres humanos possuem cerca de 350 tipos
de receptores olfatórios diferentes, sendo capazes de perceber por volta de 20 mil tipos
distintos de odor.
Para uma substância ser detectada pelo olfato (cheirada), ela deve se tornar um gás
para que possa penetrar pelas narinas. Além disso, a substância deve ser hidrossolúvel
para que possa dissolver-se no muco nasal e fazer contato com os receptores olfatórios.
Finalmente, ela deve ter um caráter também lipossolúvel para poder passar através da
membrana plasmática dos cílios olfatórios e iniciar um impulso nervoso. Uma vez que a
adaptação é muito rápida, isso pode ser importante em casos de emergência, tal como
sentir cheiro de gás ou de fumaça.
O sinal que leva a informação captada pelos receptores olfatórios (células
olfatórias) é transmitido por nervos olfatórios até o bulbo olfatório (parte integrante do
sistema límbico), sendo então direcionado para níveis superiores do sistema nervoso
central como o núcleo olfativo anterior, córtex piriforme, amígdala medial e córtex
entorrinal. No córtex cerebral, esse sinal é interpretado como odor e origina a sensação
do olfato.
DOR
É uma sensação de extrema importância, devido ao papel que ela desempenha na
proteção do organismo contra agentes perigosos. Os reflexos ativados por um estímulo
doloroso evitam ou minimizam queimaduras, cortes e todos os modos de lesões em
potencial. Além dessa relação direta com os reflexos de proteção, a dor é importante no
aprendizado do organismo para evitar contatos futuros com agentes dolorosos
eventualmente encontrados. Para o médico, o relato da dor pelo paciente, sua
localização, qualidade e intensidade podem ter um papel importantíssimo no
diagnóstico clínico.
Receptores da Dor: são terminações nervosas livres – nociceptores – não
especializados, existentes na pele e em outras áreas como músculos, vísceras, córnea,
artéria e periósteo.
Estimulação Dolorosa: os terminais dolorosos respondem de modo
“indiscriminado” a qualquer estímulo – mecânico, químico ou térmico – quando esse é
suficientemente intenso. Entretanto, algumas fibras são mais propensas a responder
determinado tipo de estímulo e podem ser denominadas como nociceptores mecânicos,
térmicos ou químicos, especificamente. A generalização que pode ser feita é a de que
um estímulo doloroso, devido à sua natureza ou intensidade, é capaz de provocar lesão
celular. Algumas substâncias que são capazes de estimular os nociceptores químicos:
bradicinina, serotonina, prostaglandinas, leucotrienos, produtos da degradação do ácido
araquidônico, entre outros.
O limiar para a percepção da dor, baseado em estudos quantitativos com
estimulação térmica, revelou-se muito estável entre os indivíduos (Figura 7.6).
Figura 7.6 Curva média da temperatura cutânea mínima que causa dor.
Fonte: Adaptado de Guyton e Hall (1992).
Referências
Bennett GJ. Update on the neurophysiology of pain transmission and modulation: focus on the NMDA-receptor. J Pain
Symprom Manage 2000; 19: 2-6.
Bennet JC, Plum F Cecil. Tratado de Medicina Interna. 20ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Berne RM, Levy MN. Fisiologia. 2ª. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
Best and Taylor. Physiological basis of medical practice. 12th edition. Baltimore: Williams and Wilkins, 1990.
Bus R; Pikula S. Synapsis-intracellular ATP receptors in the neurotransmitter release process. Postepy Biochem 1999;
45(3):211-7.
Carroll FI; Howell LL; Kuhar MJ. Pharmacotherapies for treatment of cocaine abuse: preclinical aspects. J Med
Chem 1999; 42(15):2721-36.
Cartmell J, Schoepp DD. Regulation of neurotransmitter release by metabotropic glutamate receptors. J Neurochem
2000;75(3):889-907.
Gasnier B. The loading of neurotransmitter into synaptic vesicles. Biochimic 2000;82(4):327-37.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara
Hardman JG, Limbird, LE, Molinoff PB et al. Goodman and Gilman’s. The pharmacological basis of therapheutics. 9th
edition. International edition: Mc Graw-Hill, 1996.
Montgomery R, Conway TW, Spector AA. Bioquímica, uma abordagem dirigida por casos. 5ª edição. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994.
Prasad C. Food, mood and health: a neurobiologic Outlook. Braz J Med Biol Res 1998; 31(12):1517-27.
Schadrack J, Zieglgansberger W. Pharmacology of pain processing systems. Z Rheumatol 1998;57S 2:1-4.
Tierney L, McPhee SJ, Papadakis MA. Current medical diagnosis and treatment. International edition. Apleton and
Lange, 2000.
Tortora GJ. Corpo Humano: Fundamentos de Anatomia e Fisiologia. 4ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
Yamamoto T, Nozaki-Taguchi N, Sakashita Y, et al. Nociceptin/ orphanin FQ: role in nociceptive information
processing. Prog Neurobiol 1999;57(5):527-35.
8- VISÃO
Fernanda Bordignon Nunes
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Melissa Guerra Simões Pires
Karine Lucielle Grehs Meller
Laerson Hoff
A LUZ
Na antiguidade, alguns filósofos acreditavam que a luz era composta de minúsculas
partículas que se alinhavam em linha reta e que possuíam uma velocidade muito grande.
A primeira pessoa a contrariar essa ideia foi Leonardo da Vinci, em meados do ano
1500 d.C. Leonardo da Vinci comparou o fenômeno do eco, que é de característica
ondulatória, com o fenômeno da reflexão da luz. Devido à grande semelhança entre
esses dois fenômenos, ele levantou a hipótese de que a luz seria uma onda e não um
conjunto de partículas.
Mais tarde, no século XVII, essas duas teorias ganharam dois fortes adeptos.
Newton defendia a ideia dos antigos filósofos gregos, dando a ela o nome de modelo
corpuscular da luz. Christiaan Huygens, um físico holandês, defendia a teoria de
Leonardo da Vinci, dando a ela o nome de modelo ondulatório da luz.
Finalmente, no início do século XIX, Thomas Young observou o fenômeno da
interferência com a luz (Figura 8.1).
A REFRAÇÃO DA LUZ
Experiências demonstram que, ao passar através de meios diferentes, a luz sofre
uma mudança na sua direção de propagação. Isso acontece porque a velocidade da luz
varia de acordo com o tipo de meio em que ela se propaga. Veja a Figura 8.2.
Figura 8.2 Refração da luz. As velocidades de propagação da luz na água e no vidro são diferentes, por
isto ela muda de direção.
A refração da luz é, por definição, a passagem da luz de um meio para outro. Esse
fenômeno ocorrerá somente quando a velocidade de propagação da luz nesses dois
meios for diferente. Quando o raio incidente for perpendicular ao plano, não haverá
desvio na sua trajetória, do contrário, o mesmo ocorre, como demonstra a Figura 8.3.
Figura 8.3 Representação do fenômeno de refração: Se traçarmos uma normal perpendicular ao plano
entre os dois meios, veremos que o feixe luminoso forma ângulos diferentes com esta reta. O
primeiro deles, 01, é o ângulo de incidência, e o segundo, 02, é o ângulo de refração.
LEI DE SNELL
O matemático holandês, Snell, observou que, para dois meios determinados, o
senѲ1 sobre o senѲ2 resultava sempre em uma constante:
senѲ1 /senѲ2 = constante
Evidentemente essa constante varia para cada par de meios diferentes.
Sabendo que essa constante é igual ao quociente entre as velocidades de
propagação da luz nesses dois meios, temos:
senѲ1 /senѲ2 = v1/v2
Se pegarmos um caso específico, em que o meio 1 é o vácuo e o meio 2 é outro
qualquer, temos:
senѲ1 /senѲ2 = c/v
em que c é a velocidade da luz no vácuo;
v é a velocidade da luz naquele meio.
Esse quociente, c /v, é denominado de índice de refração e é representado pela letra
n.
n = v da luz no vácuo / v da luz no meio
Como a velocidade da luz no vácuo é maior do que sua velocidade em qualquer
outro meio, o valor de n é sempre maior do que um, com exceção do ar atmosférico,
porque a velocidade da luz aqui é aproximadamente igual à velocidade da luz no vácuo
(3,0 x 108 m/s). Veja a Tabela 8.1.
Tabela 8.1 Índices de refração nos diferentes meios.
Substância Índice de refração (n)
Gelo 1,31
NaCl 1,54
quartzo 1,54
zicônio 1,92
diamante 2,42
rutilo 2,80
vidro 1,50
álcool etílico 1,36
água 1,33
glicerina 1,47
Retomando a expressão:
senѲ1 /senѲ2 = v1 /v2
Organiza-se assim:
1/v1• senѲ1 = 1/v2• senѲ2 senѲ1 /v1 = senѲ2 /v2
Multiplicando todos os membros por c (velocidade da luz no vácuo):
c/v1• senѲ1 = c/v2• senѲ2
Como c / v1 é o índice de refração no meio 1, e c / v2 é o índice de refração no meio
2, temos:
n1• senѲ1 = n2• senѲ2 senѲ1 /n1 = senѲ2 /n2
Essa é a lei de Snell, que explica, matematicamente, o fenômeno da refração da luz.
Figura 8.4 Imagem virtual de um objeto dentro de um aquário, visto por um observador externo.
A DURAÇÃO DO DIA
A duração do dia é prolongada devido à refração da luz solar na atmosfera.
Na Figura 8.5, o fenômeno que acontece é o mesmo do caso do aquário. Mesmo que
o sol se encontre abaixo da linha do horizonte, o observador continua “enxergando” e
recebendo os raios luminosos dele. Isso, porque, ao penetrar na atmosfera, os raios
solares sofrem várias refrações até chegarem ao olho do observador. Apesar desses
desvios, o cérebro interpreta os raios como se eles tivessem uma trajetória retilínea, e
o observador “enxerga” um sol virtual.
Figura 8.5 Ilustração de como a duração do dia é prolongada devido à refração da luz solar na
atmosfera.
CORES
É importante definir, antes de prosseguirmos, que, ao nos referir à cor de um objeto,
estamos supondo que ele esteja sendo iluminado por luz branca. A luz branca é, na
verdade, uma composição de várias cores, cada uma com um índice de refração (n)
diferente e um comprimento de onda (l) também diferente. Veja a Tabela 8.2.
Cor n
vermelho 1,513
amarelo 1,517
verde 1,519
azul 1,528
violeta 1,532
Figura 8.6 Ao atravessar o prisma, a luz branca se decompõe em várias cores, dando origem a um
espectro. Percebe-se que a cor vermelha foi a que menos mudou de sentido. Isso é porque o
vermelho é a cor de menor índice de refração. A cor violeta, ao contrário, é a que tem maior índice de
refração, e, por isso, se desvia mais.
COR
A luz é composta por comprimentos de onda visíveis que variam para os humanos
na faixa dos 400 aos 750 nm. A luz composta pelo somatório desses comprimentos de
onda nos dá a sensação visual do branco. Um objeto será percebido como branco se
todos os raios do espectro visível que batem são refletidos e o somatório desses é que
nos darão a sensação da cor. Portanto, a cor é uma sensação psicofisiológica que está
associada aos comprimentos de onda e à maneira de percebê-los.
Alguns pesquisadores não aceitam a denominação de “cor” branca, pois a
consideram um somatório de comprimentos de onda. Se cada comprimento de onda tem
sua cor, seria então uma mistura e não uma cor única, da mesma forma como não se
aceita a definição de “cor preta”, pois, para visualizarmos preto, o objeto em questão
deverá absorver todos os comprimentos de onda não havendo reflexão de qualquer
comprimento de onda na faixa do visível. Não havendo reflexão, não há cor. Portanto, o
preto é o grau máximo de redução da intensidade luminosa do branco.
A “cor” cinza, por sua vez, também não é uma cor, e sim é o branco com intensidade
luminosa diferente. Para exemplificar melhor, façamos o seguinte experimento: pega-se
uma folha de coloração cinza e visualiza-se na presença de muita luz e depois na
sombra; ao visualizarmos a folha na sombra veremos esta de coloração branca,
enquanto que, na presença de muita luz, ela estará com a coloração cinza.
Esses fatos geram dificuldades junto às pessoas, pois ao nos dirigirmos a uma loja
de tintas, vemos escrito na lata “cor cinza”. Agora o que é correto do ponto de vista da
física? A explicação para tal fato está no conceito de cor monocromática e
policromática.
Cor monocromática, como já diz o nome, é composta de um único comprimento de
onda e é específico para cada cor, um exemplo na natureza é o arco-íris que é
decorrente da ação de prisma (difração da luz) exercido pelas gotículas de água
dispersas na atmosfera. O vermelho, o verde, o amarelo, o azul, dentre outras, são cores
monocromáticas com comprimentos específicos, que podem ser gerados artificialmente
em equipamentos de laboratórios, televisores etc.
Cor policromática é a mistura de elementos com pigmentos distintos que, ao
sofrerem a incidência de luz branca, absorvem alguns comprimentos de onda e refletem
outros. Esses refletidos somados são os que nos darão a sensação de cor verde,
amarela, azul, vermelha etc., que poderá, inclusive, no espectro refletido, não existir o
comprimento de onda característico da cor observada e é neste momento que entra em
ação a parte psicofisiológica do nosso cérebro. Dependendo de características
psicológicas e educacionais podemos ver cores, ou tonalidades dessas, de formas
distintas. Esses pigmentos são encontrados comercialmente em todos os produtos
coloridos.
Figura 8.7 Distribuição dos comprimentos de onda. Cada pigmento tem um pico de absorção diferente
( azul, verde, vermelho). (Adaptado de Best and Taylor: Physiological basis of medical
practice. 1990)
A aplicação dessa teoria nos permite avaliar a maneira de como o cérebro humano
recebe os estímulos visuais para as cores. Por exemplo: um estímulo de 460 nm terá
uma representação proporcional de 78 partes de azul, duas partes de verde e duas
partes de vermelho; um estímulo de 550 nm terá uma representação proporcional de 88
partes de verde, 50 partes de vermelho e seis partes de azul; um estímulo de 580 nm
terá uma proporcionalidade de 69 partes de vermelho, 68 partes de verde e 1,5 parte de
azul, assim como um estímulo de 650 nm terá a representação proporcional de 18 partes
de vermelho e 1,5 parte de verde. Como vemos ao incidir um comprimento de onda
qualquer, mais de um tipo de cone poderá estar ativado.
Existem pessoas que apresentam defeitos nessas células, podendo até mesmo
desativar certos cones. Quando esse defeito for em um só tipo de cone, a visão nesse
paciente será denominada de visão dicromática. Dentre as alterações possíveis,
destacamos a deficiência de receptor para o azul, que clinicamente recebe o nome de
cianoanopia, ou ainda, tritanopia; quando o receptor para o verde estiver lesado, é
denominado de deuteronopia (daltonismo); e, quando o receptor para o vermelho
estiver ausente ou com mau funcionamento, é denominado de protanopia ou rodoanopia;
quando a perda é total dos receptores, a denominação usada é de acromatopsia. Essa
diferença de nomenclatura é devido a questões linguísticas, em algumas literaturas os
defeitos de visão para cores são denominados de uma maneira genérica de daltonismo,
sendo o mais comum aquele para a cor verde (deuteroanopia). Uma abordagem mais
detalhada sobre o daltonismo será feita no decorrer do capítulo.
LENTES
As lentes são dispositivos constituídos por um meio transparente, que pode ser o
vidro, o ar ou até a água. Elas estão presentes em vários objetos de uso diário como
óculos, máquinas fotográficas e microscópios. As lentes geralmente apresentam faces
curvilíneas, mas podem também ser planas. Observe a Figura 8.8.
De uma maneira geral, temos dois tipos de lentes: convergentes (de extremidades
finas) e divergentes (de extremidades espessas). Essas duas lentes direcionam os raios
luminosos que as atingem de maneiras diferentes (Figura 8.9).
Uma lente convergente converge as ondas luminosas que incidem nela paralelamente
ao seu eixo. Isso quer dizer que os raios aproximam-se do eixo. Uma lente divergente
faz o contrário. Os raios que incidem nela são direcionados de maneira que eles tendem
a se afastar do eixo da lente.
Figura 8.9 Representação esquemática de como as lentes convergentes (a) e divergentes (b)
direcionam os raios luminosos que incidem nelas, paralelamente ao seu eixo.
As lentes possuem certos pontos importantes que servem como referência para
analisar a exata trajetória dos raios luminosos. O primeiro deles é o eixo, que é uma
linha imaginária que passa no centro da lente, perpendicular a ambas as faces. Outro
ponto é o chamado foco da lente. Suponhamos que um feixe de raios esteja incidindo
em uma lente convergente (paralelamente ao seu eixo). Após penetrarem na lente, esses
raios convergem para o mesmo ponto. A esse ponto damos o nome de foco (F1) da
lente, e sua distância até a face da lente é denominada distância focal (f). Veja a Figura
8.10.
Essa experiência pode ser realizada do outro lado da lente. Os raios vão convergir
em um ponto chamado foco (F2) da lente. Esse ponto está à mesma distância da face da
lente e do foco F1.
Para uma lente divergente, podemos verificar a posição do foco através dos
prolongamentos retos dos raios refratados. Veja a Figura 8.11.
Uma lente tem, portanto, três pontos importantes: um eixo principal e dois focos. A
distância focal varia de lente para lente e depende, também, do meio no qual a lente
está suspensa (ar, água, glicerina etc.).
As lentes convergentes têm uma propriedade especial denominada poder de
convergência (D). Quanto menor for a distância focal, maior será o poder de
convergência da lente. Esses valores são inversamente proporcionais, o que nos
permite usar uma fórmula:
Poder de convergência = 1
distância focal (em metros)
A unidade dessa fórmula é dada em dioptrias.
Essa fórmula pode ser usada, por exemplo, para calcular quantas dioptrias uma
lente precisa ter para que a imagem caia na retina do olho do paciente, corrigindo o
defeito de focalização.
Poder de convergência do olho: o tamanho do globo ocular é de aproximadamente
17 mm (0,017 m), portanto o poder de convergência das lentes do olho é:
D = 1 / 0,017
D = 58.8 dioptrias
Figura 8.12 Anatomia do olho humano, mostrando algumas estruturas. (Adaptado do site da American
Academy of Ophtalmology).
O olho humano tem uma forma aproximadamente esférica. Ele compreende dois
polos, um anterior e outro posterior, possuindo um diâmetro de aproximadamente 24
mm.
Esse órgão possui três túnicas: interna, média e externa.
A túnica externa compreende a parte fibrosa posterior, protetora do olho, chamada
de esclera e uma parte fibrosa anterior, a córnea. A córnea é avascular e recebe
nutrição através de difusão dos meios líquidos circundantes (como, por exemplo, o
humor aquoso e a lágrima). A superfície externa é revestida por uma camada epitelial
denominada túnica conjuntiva, que também reveste interiormente a pálpebra.
A túnica média é muito vascularizada. É nessa túnica em que se encontra a íris, a
porção pigmentada do olho. A íris delimita duas câmaras, a câmara anterior, situada à
frente da íris, e a posterior, que se localiza entre a íris e o cristalino. Essas câmaras
estão preenchidas pelo humor aquoso. Esse líquido possui diversos elementos
químicos, como glicose, cloretos, proteínas, aminoácidos entre outros, e apresenta um
índice de refração de aproximadamente 1,335 dioptria. Esse líquido, um ultrafiltrado
celular, é secretado por capilares sanguíneos dos processos ciliares 1. Ele depois é
drenado para o seio venoso da esclerótica através do canal de Schlemm, uma passagem
localizada no ângulo da câmara anterior, lugar onde a esclerótica e a córnea se
encontram. A pressão do olho é denominada de pressão intraocular (PIO) e é produzida
principalmente pelo humor aquoso. Quando temos uma PIO anormalmente elevada,
devido principalmente ao acúmulo de humor aquoso, temos uma patologia denominada
de Glaucoma. O Glaucoma pode progredir da disfunção leve até o ponto em que os
neurônios da retina são destruídos, podendo resultar em cegueira. A cavidade maior
situada atrás do cristalino contém o humor vítreo, fluido este de viscosidade muito
maior (devido à grande presença de glicosaminoglicanos e glicoproteínas) e cuja
composição assemelha-se a do líquido extracelular. O poder de refração do humor
vítreo é de aproximadamente 1,331 dioptria. Ainda na túnica média, temos a corioide,
estrutura muito rica em melanina e em vasos sanguíneos, que, além de ter função
importante na fisiologia normal do olho devido à melanina, se destaca por nutrir
principalmente a parte anterior da retina através de seus vasos.
A túnica interna compreende a retina, que é a porção mais inervada do olho e que
também é responsável pela condução nervosa do estímulo luminoso. O local de
emergência do nervo óptico (também chamado de II par craniano) na retina cria uma
região denominada de ponto cego. Nessa área não existem fotorreceptores e para ela
convergem os vasos sanguíneos responsáveis pela nutrição dos tecidos do olho e pela
formação dos humores transparentes. Um esquema das três túnicas citadas acima e sua
composição está na Figura 8.13. O centro da retina possui uma região muito importante
para a visão, denominada de fóvea. Ela, diferentemente das outras regiões da retina,
não possui vasos sanguíneos (os quais podem, naturalmente, serem visualizados em um
exame de fundo de olho), um dos motivos pelos quais temos ali a formação de melhores
imagens, pois retiramos um potencial fator de distorção óptica. Já que não possui
vasos, a fóvea obtém nutrientes a partir da corioide e do epitélio pigmentar (porção
mais externa da retina). Uma discussão mais detalhada da fóvea será feita no
seguimento do capítulo. O epitélio pigmentar, por sua vez, compreende a porção mais
externa da retina. Ele possui duas importantíssimas funções: (1) remoção dos discos
dos fotorreceptores que já foram usados e (2) regeneração dos fotopigmentos contidos
nesses discos.
Figura 8.13 Túnicas e suas divisões no globo ocular.
O cristalino é a mais espessa das lentes do olho e é nele que ocorrem as maiores
refrações da luz vinda do exterior. Ele se caracteriza por crescer durante toda a vida da
pessoa, acrescentando camadas de células longitudinalmente organizadas a sua estrutura
(como uma cebola), logo permanecendo o mesmo durante toda a vida da mesma –
camadas mais internas são, assim, as mais antigas. Isso faz com que possíveis lesões a
ele, que gerem, por exemplo, opacidade, não regridam, afetando indefinidamente a
visão da pessoa.
A córnea é uma lente que é delgada no centro (0,5 mm) e mais espessa na periferia
(1 mm). Ela está preenchida por uma substância aquosa chamada de substância própria,
que é responsável pela sua nutrição. Essa característica é de suma importância, pois, já
que não é necessário sangue para sua nutrição, os transplantes de córnea não geram uma
reação do hospedeiro contra o enxerto e são, assim, amplamente realizados.
Ambas as lentes não possuem certos tipos de organelas, como as mitocôndrias, pois
essas são muito refringentes e, por isso, desviariam o curso da luz.
ACOMODAÇÃO DO CRISTALINO
À medida que uma pessoa aproxima um objeto do olho, a imagem tende a cair atrás
da retina. Para que a imagem seja bem focalizada, ela tem que cair na retina,
especificamente na mácula/fóvea – local de maior concentração de cones. Na medida
em que o objeto é aproximado, as lentes do olho têm que aumentar o seu poder de
convergência. A única lente capaz de fazê-lo é o cristalino.
Para aumentar o seu poder de convergência, o cristalino tem que diminuir o seu
comprimento e aumentar o seu abaulamento. Para que isso aconteça, a zônula ciliar de
Zinn tem que diminuir a sua pressão de adesão ao cristalino. Assim, o músculo ciliar se
contrai e o cristalino fica mais “solto”, assumindo uma forma mais abaulada (Figura
8.14). Isso é feito da seguinte maneira: visto que os ligamentos suspensores conectam o
músculo ciliar ao cristalino, quando aquele se contrai, diminuindo de tamanho, ele
acaba por puxar esses ligamentos que, por sua vez, distendem ainda mais o cristalino, o
que diminui seu poder de convergência. Se, por outro lado, o músculo ciliar relaxar, ele
aumenta de tamanho, diminuindo a tensão sobre os ligamentos suspensores, que,
consequentemente, tornam o cristalino mais abaulado, aumentando seu poder de
convergência (Figura 8.15). Existe uma situação em que o cristalino torna-se opaco,
devido, principalmente, ao diabetes mellitus. Essa doença chama-se catarata.
Figura 8.14 Estruturas envolvidas na acomodação do cristalino.
Fonte: Adaptado de Guyton e Hall (1992).
Figura 8.15 Representação das diferenças no poder de convergência ao fazer uma lente ficar cada vez
mais curva. O mesmo se aplica ao nível de abaulamento do cristalino em relação seu poder de
convergência.
RECEPTORES DA VISÃO
Os cones e bastonetes localizam-se na retina, que é a porção do olho responsável
pela criação do impulso nervoso, que será conduzido até o lobo occipital do cérebro.
Devido a essa função, a retina é uma estrutura rica em acetilcolina, acetilcolinesterase e
colinacetilase.
A retina é um dos poucos lugares do corpo onde os vasos sanguíneos podem ser
vistos diretamente. Utilizando um aparelho especial, denominado oftalmoscópio, é
possível examinar a retina e detectar as alterações vasculares associadas à hipertensão,
à aterosclerose e ao diabetes. A retina consiste de uma parte interna de tecido nervoso
e uma parte externa pigmentada. Um problema frequente relacionado à retina é o
“descolamento da retina”, que pode ocorrer no trauma, como, por exemplo, um golpe na
cabeça. Esse descolamento ocorre entre a parte nervosa da retina e a parte pigmentada.
Em consequência disso, uma quantidade de líquido acumula-se entre essas duas
estruturas, resultando em uma visão distorcida, podendo chegar à cegueira.
A parte de tecido nervoso da retina contém três camadas de neurônios, uma camada
de células fotorreceptoras, outra camada de células bipolares e uma última camada de
células ganglionares. As células fotorreceptoras são células de dois tipos – os cones e
os bastonetes, denominados assim devido às suas formas. A função dos cones e
bastonetes é a de transformar energia luminosa em impulsos elétricos através de
reações fotoquímicas, sendo o primeiro associado à visão de maior qualidade e das
cores, e o segundo, à visão de menor qualidade em preto e branco. Se analisarmos a
população de bastonetes comparada a de cones, atinaremos ao fato de que existem
quase vinte vezes mais bastonetes do que cones na nossa retina, entretanto a sua
distribuição nessa possui algumas peculiaridades. A fóvea (ou mácula) é uma região
localizada mais ou menos no centro da retina onde existe uma concentração de cones
maior que a de bastonetes e, associada a isso, uma relação de um para um para as
outras células da parte interna da retina (o que não ocorre no restante dela). Isso faz
com que tenhamos uma alta acuidade visual (qualidade da imagem) nessa região,
fazendo com que danos a ela remetam a importantes perdas visuais. À medida que nos
dirigimos dessa região central e posterior da retina e analisamos as características das
outras porções, observamos que a densidade de bastonetes se torna muito maior e,
consequentemente, a acuidade visual dessas regiões também diminui. Podemos aferir,
assim, o porquê de possuirmos uma ampla e especializada musculatura para a
movimentação do globo ocular: aquilo que é considerado importante para nós necessita
ser focalizado na fóvea para melhor e maior obtenção de dados.
De um modo geral, podemos dividir o processo bioquímico da visão em três etapas:
(1) reação fotoquímica, que é dependente da luz; (2) reação de decomposição, que é
independente da luz; e (3) reações de regeneração, que também são independentes da
luz. As primeiras duas etapas ocorrem na retina, e a última etapa ocorre na retina e no
fígado.
1 . Reação fotoquímica: essa etapa consiste na excitação de um determinado
pigmento, através da absorção de energia luminosa.
2. Reação de decomposição: ocorre a decomposição daquele pigmento, que acaba
liberando energia química para o impulso nervoso.
3. Reação de regeneração: ocorre a regeneração do pigmento que foi decomposto.
Antes de passarmos ao estudo separado da visão dos cones e dos bastonetes, é
preciso ter uma ideia geral de seus pigmentos, tipos de visões e composição dos seus
pigmentos. Esses aspectos são mostrados na Tabela 8.4.
Tabela 8.4 Características dos cones e bastonetes.
BASTONETES
Os bastonetes são estruturas cilíndricas, cuja função é a visão do preto e do branco
(e tons intermediários, como o cinza). O seu pigmento é a rodopsina, que consiste em
uma parte proteica, a opsina, que tem seu pico de absorção em 275 nm, e uma parte
cromófora, o retinal, que tem seu pico de absorção em 500 nm.
O retinal é um aldeído da vitamina A. Essa vitamina também existe na forma de
álcool, o retinol. O retinol, porém, não tem afinidade nenhuma com a opsina. Esse
álcool pode ser transformado em aldeído através de uma reação de oxidação e pode
existir sob duas formas diferentes: o todo-transretinal, que não possui afinidade com a
opsina, e o 11-cisretinal, que se liga à opsina espontaneamente. Veja a Figura 8.16.
CONES
Os cones, como seu nome indica, têm forma cônica e são as estruturas
predominantes na retina. Os processos químicos que ocorrem aqui são semelhantes aos
dos bastonetes, só que o pigmento dos cones não é a rodopsina e, sim, a iodopsina (e
outros), que são semelhantes à rodopsina. A iodopsina é composta pelo retinal
(cromóforo) e por uma opsina diferente daquela dos bastonetes.
Além da iodopsina, existem outros três pigmentos, que estão associados com a
visão das cores. Cada pigmento tem um pico de absorção característico: 430 nm para o
azul, 540 nm para o verde e 575 nm para o vermelho.
Cada pigmento é quebrado, então, por determinada quantidade de energia, ou seja,
por determinado comprimento de onda, com uma determinada amplitude (Figura 8.19).
DALTONISMO
O daltonismo é uma dicromatopsia, ou seja, cegueira total para uma ou mais cores.
A causa pode ser a ausência de um ou mais pigmentos na retina ou a simples diminuição
da sensibilidade desses pigmentos.
Se faltar o pigmento para o vermelho, por exemplo, quando incidir um comprimento
de onda de 575 nm, a pessoa vai enxergar verde. Um daltônico enxerga branco quando
são estimulados todos os pigmentos que ele possui, de maneira e intensidades iguais.
Esses pigmentos variam para cada daltônico.
PONTO CEGO
Após passar pelos neurônios fotorreceptores, a informação é conduzida às células
bipolares e depois às células ganglionares. Os axônios das células ganglionares
estendem-se, posteriormente, a uma pequena área da retina denominada disco do nervo
óptico, onde todos eles saem como nervo óptico (II par craniano). O ponto cego é assim
denominado porque não contém fotorreceptores.
A existência do ponto cego pode ser facilmente demonstrada. Para tal, deve-se olhar
para a estrela da Figura 8.20 com o olho esquerdo fechado. A figura deve então ser
aproximada do olho até alcançar uma distância na qual o círculo se torna invisível. Isso
ocorre quando a imagem do círculo recai sobre o ponto cego da retina.
ANÁLISE DA IMAGEM
Além de todo o aparato biológico necessário para podermos enxergar, ou seja,
captação do estímulo luminoso, transdução desse para um potencial de ação nos
neurônios etc., é necessário que se interprete aquilo que estamos vendo. A área
primária da visão no cérebro está localizada no córtex occipital. Nesse local,
simplesmente vemos a imagem, mas não a interpretamos; assim, se um leão estivesse
correndo em nossa direção e só tivéssemos essa área disponível, estaríamos
observando ele vir, mas não iríamos associar isso com um perigo iminente, por
exemplo.
A abstração da função da visão ou, em outras palavras, a interpretação do que se vê
ocorre outras áreas do nosso cérebro. No lobo temporal, temos uma região relacionada
com o reconhecimento de objetos e formas, além da memória visual. No lobo parietal,
temos uma região que está associada à detecção de aspectos espaciais da visão, como a
movimentação e posição de objetos no campo visual. Podemos, assim, fazer análises
daquilo que está sendo visto independentemente do ângulo em que se vê o objeto ou da
distância. Uma célula, por exemplo, ao microscópio, em uma objetiva de maior
aumento, forma uma grande imagem na retina, e um avião no céu forma uma pequena
imagem na retina. Mesmo assim, sabemos as reais proporções de cada um desses
objetos observados.
Referências
Bennet JC, Plum F Cecil. Tratado de Medicina Interna. 20ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Berne RM, Levy MN. Fisiologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
Best and Taylor. Physiological basis of medical practice. 12th edition. Baltimore: Williams and Wilkins, 1990.
Cronet LJ, Albright TD. Seeing the big picture: integration of image cues in the primate visual system. Neuron 1999;
24(4):77-89.
Dale Purves, George J. Augustine, David Fitzpatrick. Neurociências. 4ª Edição. Artmed, 2010.
Duane TD, Jaeger EA (eds). Clinical ophtalmology. Harper and Row, 1986.
Frumento A. Biofísica. Buenos Aires: Editora Intermédica SAICI, 1973.
Guyton AC, Hall JE. Fisiologia Humana e Mecanismos das Doenças. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2008.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
Neitz M, Neitz J. Molecular genetics of color vision and color vision defects. Arch Ophthalmol 2000; 118(5):691-700.
Pichaud F, Briscoe RA, Hunter PA. Atlas of clinical ophtalmology. Lippincott, 1984.
Stryer L. Bioquímica. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
Tierney L, McPhee SJ, Papadakis MA. Current medical diagnosis and treatment. Internationational edition. Apleton
and Lange, 2000.
1
O corpo ciliar compreende o músculo ciliar e o processo ciliar.
9- AUDIÇÃO
Fernanda Bordignon Nunes
Vanessa Cabrera
Paulo Harald Wächter
Pedro Luã Machado Pereira
ORELHA EXTERNA
É composta pelo pavilhão auricular e pelo conduto auditivo externo, ambos
formados por uma armação de cartilagem coberta de pele. Possuindo trajeto irregular, a
parte interna da orelha externa está escavada no osso temporal, tendo por limite a
membrana timpânica.
O pavilhão auricular contribui para a localização dos sons. Esses são captados pelo
pavilhão da orelha e em seguida são amplificados no conduto auditivo externo, que os
concentra no tímpano. É sabido que a audição diminui com o acúmulo de cerúmen no
pavilhão.
A orelha externa protege a membrana timpânica, esquentando o ar e impedindo, pela
presença de pelos e de cera, a entrada de pó e de insetos (Figura 9.1).
Figura 9.1 Orelha externa, média e interna.
Fonte: Adaptado de Moffett e Moffett (1993).
ORELHA MÉDIA
É uma cavidade cheia de ar, limitada externamente pela membrana timpânica e
internamente pelas janelas oval e redonda, entre as quais existe uma saliência chamada
promontório.
A orelha média tem a função de transmitir à orelha interna, com intensidade
aumentada, as vibrações sonoras que chegam pelo ar e, às vezes, pelos ossos do crânio.
Simultaneamente, protege a si mesma e à orelha interna dos efeitos prejudiciais dos
sons intensos.
É composta pelas partes apresentadas a seguir.
MEMBRANA DO TÍMPANO
As ondas sonoras provocam variações de pressão, e elas, ao se chocarem com o
tímpano, fazem com que esse vibre, reproduzindo a forma das ondas. Os sons são
conduzidos através do canal auditivo. No momento em que cessa a onda sonora, a
membrana timpânica para de vibrar, funcionando assim como uma espécie de
amortecedor para sons muito fortes.
Embora seja importante, pode-se ouvir sem a membrana do tímpano. Processos
crônicos, como as otites crônicas, tão comuns em crianças, podem provocar
rompimento da membrana timpânica e mesmo assim essas crianças podem perceber os
estímulos sonoros.
OSSÍCULOS
Martelo, bigorna e estribo formam uma cadeia interligada, que se estende da
membrana timpânica (que mantém contato com o martelo) até a janela oval (na qual se
liga o estribo).
A cadeia de ossículos funciona como um meio de transmissão das vibrações
timpânicas para a membrana da janela oval (Figura 9.2).
Figura 9.2 Orelha média com maior detalhe. Janela oval (O), Janela redonda (R).
Fonte: Adaptado de Moffett e Moffett (1993).
MÚSCULOS
Os músculos estapédio e tensor do tímpano têm funções antagônicas: o primeiro
tende a tirar a base do estribo da janela oval, enquanto o segundo tende a empurrá-la
mais para dentro, ao mesmo tempo em que distende o tímpano. A contração simultânea
dos dois músculos aproxima os ossículos e estira o tímpano.
A contração desses músculos é reflexa e muito rápida: basta que o som chegue a
uma orelha para que os músculos da orelha oposta também se contraiam. A anestesia
anula esses efeitos.
TUBA AUDITIVA
Conhecida anteriormente como Trompa de Eustáquio, é o conduto que comunica a
orelha média com a nasofaringe. Essa estrutura tem a função de igualar a pressão do ar
em ambas as faces do tímpano, conseguindo esse equilíbrio porque se abre durante os
bocejos e a deglutição. Quando a tuba não se abre nessas situações, ocorre um
desequilíbrio de pressões, e isso provoca deformação do tímpano e diminuição da
audição. Esse desequilíbrio pressórico acontece, por exemplo, num resfriado, que
oblitera a tuba; ou durante a aterrissagem ou decolagem de um avião, quando então não
há tempo ou força suficiente para que a tuba se abra.
Se a diferença entre as pressões interna e externa do ar em relação ao tímpano for
muito grande, esse pode romper-se.
ORELHA INTERNA
Localiza-se numa escavação do osso temporal. É composta por vestíbulo e canais
semicirculares, responsáveis pelo equilíbrio e inervados pelo ramo vestibular do
oitavo par craniano (nervo vestíbulo-coclear); e cóclea ou caracol, responsável pela
audição e inervada pelo ramo coclear do oitavo par craniano (Figura 9.3).
CÓCLEA
É um sistema de tubos enrolados em espiral, em torno de um eixo central chamado
modíolo. Podem-se identificar três rampas nesse conjunto de tubos: vestibular, média e
timpânica. Entre as rampas vestibular e média encontra-se a membrana vestibular ou de
Reissner e entre as rampas média e timpânica está localizada a membrana basilar.
Essas três rampas são envolvidas por líquidos, como, aliás, o são todos os condutos da
orelha interna, líquido esse denominado perilinfa (Figura 9.4).
Figura 9.4 Representação da Cóclea.
Fonte: Adaptado de Guyton e Hall (1992).
MEMBRANA BASILAR
Possui fibras, ditas fibras basilares, que correm ao longo de sua extensão. Essas
fibras têm tamanhos diferenciados, aumentando de tamanho da cóclea em direção ao
helicotrema.
Funcionalmente, o significado dessa diferença de tamanho reside na intensidade da
frequência ressonante com que essas fibras vibram: as fibras curtas vibram com maior
frequência ressonante (atuam na percepção dos sons agudos); as mais longas vibram
com menor frequência ressonante (atuam na percepção dos sons graves), e as fibras
médias vibram com frequência ressonante intermediária (Figura 9.5).
ÓRGÃO DE CORTI
É relacionado à membrana basilar, tendo como função gerar impulsos nervosos a
partir da vibração dessa. É formada pelas estruturas descritas a seguir.
a) Células ciliadas
São receptores auditivos, gerando impulsos nervosos em resposta às vibrações
sonoras. Isso acontece da seguinte maneira:
- As células ciliadas fazem sinapse com as terminações do nervo coclear. Se os
cílios se inclinam para um lado, as células se despolarizam, excitando as fibras
nervosas e provocando a sinapse delas com suas bases. Se a fibra basilar move-se para
cima, os cílios se movimentam para cima e para dentro; se a fibra basilar move-se para
baixo, os cílios se movimentam para baixo e para fora. Esse movimento faz com que os
cílios se mexam sob a membrana tectorial, e assim as fibras do nervo coclear são
excitadas sempre que a membrana basilar se move. A vibração dos cílios também faz
com que o potencial de membrana (elétrico) das células ciliadas varie alternadamente.
Esse potencial é chamado potencial receptor das células ciliadas, o qual, por sua vez,
estimula os terminais do nervo coclear que estão em contato com as células ciliadas.
As células ciliadas se organizam em camadas, uma interna e três a quatro externas
(Figura 9.6).
Figura 9.6 Ilustração do Órgão de Corti.
Fonte: Adaptado de Guyton e Hall (1992).
b) Células de Deiters
Células de sustentação, localizadas sobre as ciliadas externas.
c) Membrana tectorial
De estrutura elástica e glicoproteica, cobre o órgão de Corti e entra em contato com
as células ciliadas pela sua face inferior.
d) Filetes nervosos
São ramos que se unem para formar o ramo coclear do oitavo par craniano.
POTENCIAIS COCLEARES
A cóclea é capaz de responder aos estímulos mecânicos provocados pelo som. Para
poder explicar esse fenômeno, devemos conhecer o potencial elétrico da cóclea quando
ela está em repouso (sem receber estímulos).
A escala média está cheia de um fluido chamado de endolinfa. As escalas vestibular
e timpânica estão cheias de um líquido chamado perilinfa. Esses dois líquidos são
diferentes quanto à sua composição. A perilinfa está em contato direto com o espaço
subaracnoideo, portanto é igual ao líquido cefalorraquidiano. A endolinfa está em
contato direto com uma rede vascular chamada de stria vascularis e é formada a partir
desta. A endolinfa é rica em potássio e pobre em sódio, o que na perilinfa é exatamente
ao contrário.
POTENCIAIS ENDOCOCLEARES
A endolinfa apresenta uma diferença de potencial com relação à perilinfa de + 80
mV. Essa positividade da endolinfa se deve à contínua secreção de potássio feita pela
stria vascularis na endolinfa.
As células da orelha capazes de processar o estímulo são banhadas no seu topo pela
endolinfa da escala média, enquanto que a perilinfa banha suas bases. Devido à
diferença de potencial entre endolinfa e perilinfa, as células auditivas desenvolvem
dois potenciais distintos: um de -150 mV com relação à endolinfa e outro de -70 mV
com relação à perilinfa.
Quando o som penetra na orelha, ele pode provocar uma despolarização das células
auditivas. Essa despolarização chama-se potencial microfônico coclear (PMC). Ele
segue fielmente a amplitude e a frequência das oscilações da fonte emissora de som.
Sabe-se que o PMC é gerado da fonte emissora de som na superfície cuticular das
células ciliadas e dentro de certos limites tem amplitude gradativa que é função
contínua e linear da intensidade do som.
MECANISMO DA AUDIÇÃO
Os sons são captados pelo pavilhão auricular e, através do conduto auditivo, as
ondas sonoras se chocam com a membrana do tímpano, fazendo-a vibrar. Essa vibração
se transmite à cadeia de ossículos (martelo, bigorna e estribo), fazendo com que a base
do estribo entre e saia da janela oval, criando variações de pressão na perilinfa da
orelha interna. As variações de pressão sobem pela rampa vestibular do caracol e
descem pela rampa timpânica, provocando movimento da membrana da janela oval, que
é a única parte capaz de se mexer na parede óssea da orelha interna.
Pela membrana vestibular (de Reissner), a vibração passa para a endolinfa da
rampa média, o que faz com que as células ciliadas sejam estimuladas, oscilando os
cílios, de maneira que esses exerçam contato sobre a membrana tectorial.
Sensibilizadas essas células, os impulsos chegam aos filetes nervosos que vão formar o
nervo coclear, seguindo para o sistema nervoso central, onde a informação será
decodificada pelos centros auditivos do córtex cerebral (lobo temporal).
SURDEZ
Quando se trata de problema decorrente de dificuldades na passagem das ondas
sonoras pelas orelhas externa e interna, a surdez é chamada de transmissão e é
reversível.
Quanto à orelha interna, ela é muito sensível, tanto a ruídos muito fortes, que
atrofiam as células ciliadas externas, quanto a certos agentes químicos como a quinina
(que deforma as células ciliadas externas e o nervo auditivo) e a estreptomicina e seus
derivados (que lesam as células ciliadas internas e o aparelho vestibular, produzindo,
além de surdez, problemas de equilíbrio). Os fatores anteriormente descritos podem
provocar uma surdez irreversível.
No caso da surdez de transmissão, a dificuldade de audição pode ser amenizada
com o auxílio de um aparelho auditivo, que é um dispositivo eletrônico que amplifica
as ondas sonoras. Esse aparelho é composto de um microfone que capta as ondas
sonoras e as transforma em informações eletromagnéticas. Tais informações são
amplificadas e em seguida são novamente convertidas em ondas sonoras pelo receptor,
possibilitando que o usuário desse aparelho ouça sons que antes não lhe eram
perceptíveis.
APARELHO VESTIBULAR
É formado pelo vestíbulo, estrutura que funciona em conjunto com o cerebelo e que
é sensível à posição e rotação do corpo, e pelos canais semicirculares (superior,
posterior e lateral, com uma das extremidades dilatadas, a ampola, no interior da qual
se encontra a crista acústica).
O vestíbulo compreende o sáculo e o utrículo. No interior do utrículo encontra-se
um órgão sensorial chamado mácula acústica, formado por células ciliadas contendo
receptores chamados otólitos. Influenciados pela gravidade, os otólitos movimentam os
cílios das células da mácula, formando impulsos que tornam o indivíduo consciente de
sua posição no espaço e capaz de movimentos reflexos e voluntários para a manutenção
do equilíbrio.
A crista acústica, localizada no interior da ampola dos canais semicirculares, é
formada por células ciliadas, inervadas pelo ramo vestibular do nervo vestíbulo-
coclear. O aparelho vestibular é um receptor da gravidade e da aceleração percebidas
pelo nosso próprio corpo. É através dele que o sistema nervoso central se mantém a par
da posição da cabeça no espaço e de seus movimentos. É responsabilidade do aparelho
vestibular também a manutenção e regulação do tônus muscular, da postura, dos
equilíbrios estático e dinâmico e da coordenação dos movimentos. Para execução das
funções supracitadas, é acionado um arco reflexo que envolve, além do aparelho
vestibular, o sistema nervoso central e os músculos efetores (Figura 9.7).
Figura 9.7 Ilustração do aparelho vestibular.
Fonte: Adaptado de Valvassori e Mafee (1988).
Referências
Berne RM, Levi MN. Fisiologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
Best and Taylor. Physiological basis of medical practice. 12th edition. Baltimore: Williams and Wilkins, 1990.
Frumento A. Biofísica. Buenos Aires: Editora Intermédica SAICI, 1973.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 11ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
Kral A, O’Donogue GM. Profound Deafness in Childhood. New England J Medicine 2010: 363; 1438-50.
Lawrence WW. Cirurgia, diagnóstico e tratamento. 9ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Moffett D, Moffett S, Schauf C. Human Physiology. 2nd edition. Missouri: Mosby, 1993.
Paparella MM, Maniglia AJ (eds). Otology: current concepts and technology. Otolaryngol Clin North Am 1989; 22:1.
Tierney L, McPhee SJ, Papadakis MA. Current medical diagnosis and treatment. International edition. Apleton and
Lange, 2000.
Valvassori GE, Mafee MF (eds). Diagnostic imaging in otolaryngology. Otolaryngol Clin North Am 1988;21:219.
10- CONTRAÇÃO MUSCULAR
Alan Arrieira Azambuja
Fernanda Bordignon Nunes
Paulo Harald Wächter
Débora Sartori Giaretta
FILAMENTOS FINOS
ACTINA
Os filamentos finos são compostos por duplos filamentos helicoidais de moléculas
globulares idênticas de actina, que se assemelham a dois colares de pérolas enrolados
entre si (Figura 10.4).
TROPOMIOSINA
As duas cadeias de actina F, enroladas entre si como uma dupla hélice, estão
conjugadas com molécula de uma proteína que se encontra encobrindo os sítios ativos
de seus monômeros. Essa, denominada de tropomiosina, encontra-se formando um
ligação fraca com as moléculas de actina globular, encobrindo aproximadamente sete
sítios receptores consecutivos enquanto o músculo estiver em repouso. Dado o estímulo
ao músculo, a tropomiosina, que forma uma hélice em torno da actina, desativa sua
função de bloqueio, permitindo a liberação dos sítios ativos.
TROPONINA
As cadeias de actina encontram-se também associadas a um outro tipo de proteína, a
troponina. Mais especificamente, a troponina liga-se à extremidade da tropomiosina,
apresentando três unidades distintas. Cada uma dessas unidades apresenta diferentes
funções.
a) Troponina C (TnC): fração da troponina destinada à ligação com íon cálcio,
apresentando quatro sítios para a fixação com esse íons. Ocorre modificação espacial
quando da ligação do cálcio com a Troponina (particularmente com a Troponina T).
b) Troponina I (TnI): sua principal função é de estabelecer as ligações entre os
filamentos de actina e tropomiosina. Pode inibir a interação da actina com a miosina.
Apresenta ainda importante atividade enzimática, inibindo a ação da ATPase magnésio-
dependente, independentemente da presença de cálcio no meio.
c)Troponina T (TnT): apresenta como função principal a ligação entre a
tropomiosina e a fração TnC da Troponina.
TECIDOS MUSCULARES
I Tecido Muscular Liso: O tecido muscular liso apresenta-se constituído por
células musculares capazes de realizar contração involuntária. Significa dizer que a
atividade contrátil de tais fibras é comandada independentemente da nossa “vontade”.
Do ponto de vista histológico, as fibras musculares lisas apresentam as seguintes
características:
Forma: fusiforme.
Dimensões (média): 7 mm de diâmetro e 100 mm de comprimento.
Estrias Transversais: ausentes.
Núcleo: único, centralizado, de forma alongada.
Contração: lenta e involuntária.
Localização: encontrados nas vísceras (tubo digestivo, bexiga, artérias),
constituindo camadas envolventes a esses órgãos.
Forma: filamentar.
Dimensões (média): 3mm de diâmetro e 100mm de comprimento.
Estrias Transversais: presentes.
Núcleos: vários núcleos periféricos (constituindo um sincício).
Contração: rápida e voluntária.
Localização: constituem a musculatura locomotora, além de outras funções.
Na Figura 10.7 está representado, em primeiro plano, um músculo estriado. Por fora
dessa massa muscular, recobrindo-a completamente, existe uma lâmina de tecido
conjuntivo denominada epimísio. Esse é o responsável pela separação completa entre
músculos, facilitando também o seu deslizamento durante a contração e relaxamento.
Compartimentando a massa muscular, existe uma camada mais fina de tecido conjuntivo
envolvendo feixes de fibras musculares chamada de perimísio, tão visível quanto o
epimísio, mas sob a forma de traves que dividem o músculo em setores. Finalmente,
cada fibra muscular aparece envolta por uma camada muito fina do mesmo tecido, que
constitui o endomísio, esse se encontra em torno do sarcolema. Nas extremidades das
fibras, um revestimento polissacarídeo junta-se ao sarcolema constituindo os tendões.
III Tecido Muscular Estriado Cardíaco: Existe uma variedade especial de tecido
estriado no qual as fibras possuem bifurcações que se anastomosam entre si. O tecido
muscular cardíaco caracteriza-se por contrair-se de forma involuntária, rítmica e
rápida, constituindo o miocárdio. Veja a seguir:
RIGIDEZ CADAVÉRICA
De acordo com o texto acima, podemos elucidar os motivos pelos quais ocorre a
manifestação da rigidez cadavérica, ou rigor mortis. Não é a ausência de cálcio ou
magnésio que a provoca, mas sim a falta de ATP quando a pessoa morre. Dessa forma,
ainda que retiremos os íons cálcio do meio e coloquemos magnésio em abundância (o
que realmente ocorre no relaxamento normal da fibra muscular), somente a presença de
ATP é capaz de desfazer a ligação actina-miosina.
Vale a pena registrar que sempre que cessa o estímulo contrátil, os íons cálcio que
sustentam o afastamento da tropomiosina dos sítios de ligação são recolhidos
novamente para o retículo sarcoplasmático, onde ficarão até novo estímulo. Na cabeça
da miosina é hidrolizado um novo ATP, na presença de magnésio; esse íon, no entanto,
impede que haja a liberação de energia proveniente da clivagem do ATP. O ADP e o Pi
resultantes permanecem ligados à cabeça. O relaxamento muscular, portanto, não
envolve a liberação de energia: essa será liberada somente na próxima contração.
A rigidez cadavérica começa, considerando-se temperatura amena, entre três e
quatro horas após a morte do indivíduo, alcançando total efeito em aproximadamente
doze horas, e finalmente o relaxamento em aproximadamente 36 horas, devido à
decomposição das fibras musculares.
UNIDADE MOTORA
As fibras musculares nunca se contraem como elementos isolados. Em vez disso,
grupos de fibras supridas por ramos do axônio de um mesmo motoneurônio contraem-se
quase ao mesmo momento. Assim, todas as fibras musculares inervadas por um mesmo
neurônio motor constituem uma unidade motora. O número de fibras musculares nessa
unidade pode variar conforme o tipo de músculo desde duas ou três até mais de 1.000;
o tamanho da unidade motora está correlacionado à precisão com a qual a tensão
desenvolvida por um músculo deve ser graduada.
CONTRAÇÃO ISOTÔNICA
A contração é dita isotônica quando o músculo encurta sem variação de tensão; o
músculo encurta ao mesmo tempo que exerce uma força constante. Assim pode-se
concluir que “contração muscular” não é sinônimo de encurtamento de fibras.
Os dois tipos de contrações acima descritos correspondem às duas funções
mecânicas fundamentais dos músculos esqueléticos nos organismos, que são
exatamente: desenvolver tensão e executar trabalho mecânico. Ainda devemos
considerar que a maioria das contrações musculares in situ são contrações ditas mistas,
ou seja, desenvolvem fases isométricas e fases isotônicas.
SOMAÇÃO E TETANIZAÇÃO
À medida que a frequência de abalos isolados aumenta, há a adição de todas as
contrações individuais e o aumento da intensidade de contrações musculares no geral.
Conforme a frequência dos abalos aumenta, é atingido um momento em que cada nova
contração ocorre antes do término da precedente. Como resultado, a segunda contração
é parcialmente somada à anterior, de forma que a força total da contração aumenta
progressivamente com a intensificação da frequência de estimulação.
Porém, há um nível crítico onde as concentrações de cálcio no mioplasma é
saturante, em que o tempo entre as contrações é tão pequeno que elas ocorrem de forma
rápida o bastante para se fundirem entre si, e a contração torna-se uniforme e contínua.
Nesse momento, qualquer aumento adicional da frequência dos abalos não produz
qualquer aumento na força contrátil (Figura 10.9).
Figura 10.9 A tensão atingida numa contração tetânica é cerca de duas vezes a máxima alcançada em
um abalo isolado.
FADIGA
A fadiga pode ocorrer em qualquer uma das fases envolvidas na contração
muscular, ou seja, desde o cérebro até as células musculares efetoras. A fadiga das
unidades motoras pode ser evidenciada após contrações prolongadas ou uma série de
tétanos de curta duração. A fadiga muscular aumenta proporcionalmente com a
intensidade de depleção de glicogênio e fosfato de creatina, com a produção de ácido
lático. Isso implica que a depleção de ATP resulta na incapacidade de contração.
A chamada “fadiga física geral” pode ser definida como um estado de homeostasia
alterado, produzido pelo trabalho muscular. O desconforto percebido pelas pessoas que
se “cansam” deve-se provavelmente ao acúmulo de metabólitos, entre eles o ácido
lático, produzido quando há baixos níveis de O2 disponíveis, e à queda dos níveis de
glicose.
Enfim, a maior parte da fadiga muscular resulta da incapacidade dos processos
contráteis e metabólicos das fibras musculares em realizar, de modo contínuo, a mesma
quantidade de trabalho.
ÓXIDO NÍTRICO
O óxido nítrico contitui uma molécula de grande importância em diversos
mecanismos biológicos. Entre esses mecanismos, apresenta destaque sua atividade
como fator de relaxamento da musculatura lisa. No endotélio, a atividade do óxido
nítrico é capaz de reduzir a fosforilação das cadeias leves de miosina e induzir o
relaxamento muscular. Da mesma forma, o óxido nítrico, devido a sua ação sobre a
musculatura estriada cardíca, parece provocar diminuição no tempo de contratibilidade
cardíaca e diminuição na capacidade de contração miocárdica. Essa molécula tem sido
envolvida como participante em diversos processos fisiopatológicos, como
hipertensão, insuficiência cardíaca, diabete mellitus, urêmia, choque séptico, entre
outros.
ESTEROIDES ANABOLIZANTES
Os anabolizantes são drogas que têm por intuito auxiliar no aumento da massa
muscular através da suplementação de similares do hormônio masculino testosterona.
A testosterona tem efeito direto (quando ela mesma ativa fatores transcricionais) ou
indireto (quando seus metabólitos – di-hidrotestosterona ou DHT e o estradiol – estão
ativos). Além do aumento da musculatura, também promove o desenvolvimento de
características sexuais masculinas, como barba e voz grossa.
O mito da impotência por uso de anabolizantes é verdadeiro em certo ponto. Ao
interromper o uso, o testículo, que já não produzia testosterona pelo mecanismo de
feedback negativo devido à fonte exógena, demora a adaptar-se à falta brusca do
hormônio. Nesse meio tempo, a produção de esperma também é menor.
Algumas pesquisas indicam que existem transportadores e/ou receptores de
membrana para a testosterona. Após entrar na célula, o hormônio é convertido em DHT
ou agirá diretamente, ligando-se ao receptor de androgênio. Tanto a testosterona quanto
a DHT, ao ligar-se no domínio de ligação ao hormônio do receptor, permitem a ligação
do complexo a genes responsivos, agindo como um fator transcricional que regula a
expressão desses genes.
Esses efeitos também foram observados em androgênios. Num estudo com ratos
machos adultos, observou-se que a aplicação de testosterona a neurônios individuais,
na região do hipotálamo anterior e núcleo septal, resultou em aumento da frequência de
disparos após segundos da aplicação, enquanto foi observada a supressão da atividade
cerebral em gatos pelos metabólitos da testosterona, androsterona e androstenediol,
após um minuto de injeção intravenosa. Entretanto, os mecanismos moleculares
relacionados aos efeitos não genômicos, assim como a sua importância fisiológica,
ainda são desconhecidos.
Referências
Bennett JC, Plum F. Cecil. Tratado de Medicina Interna. 20ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Berne RM, Levy MN. Fisiologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
Braunwald, E, ed. Heart disease: A textbook of cardiovascular medicine. 4th edition. Philadelphia: WB Saunders,
1992.
Cotran RS, Kumar V, Robbins SL. Robbins, pathologic basis of disease. 5th edition. Philadelphia: WB Sauders
Company, 1994.
Frumento A. Biofísica. Buenos Aires: Editora Intermédica SAICI, 1973.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
Hardman JG, Limbird, LE, Molinoff P B et al. Goodman and Gilman’s. The pharmacological basis of therapeutics. 9th
edition. International edition: Mc Graw -Hill, 1996.
Herzog W. Muscle properties and coordination during voluntary movement. J Sports Sci. 2000; 18:141-52.
Huijing PA. Muscle, the motor of movement: properties in function, experiment and modelling. J Electromyogr
Kinesiol. 1998; 8:61-77.
Hunter S, White M, Thompson M. Techniques to evaluate elderly human muscle function: a physiological basis. J
Gerontol A Biol Sci Med Sci. 1998; 53:B204-16.
Katzung BG, Trevor AJ. Pharmacology. 4th edition. International edition. Apleton and Lange, 1995.
Lacaz-Vieira F, Malnic G. Biofísica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981.
Malyshev SL. Role of myosin light chains in regulating muscle contraction. Tsitologia. 2000; 42:19-26.
Maréchal G, Gailly P. Effects of nitric oxide on the contraction of skeletal muscle. Cell Mol Life Sci. 1999; 55:1088-
102.
Moffett D, Moffett S, Schauf C. Human Physiology. 2nd edition. Missouri: Mosby, 1993.
Moncada S, Palmer RMJ, Higgs A. Nitric oxide: physiology, pathophysiology and pharmacology. Pharmacol Rev.
1991; 43: 109-42.
Murrant CL, Sarelius IH. Coupling of muscle metabolism and muscle blood flow in capillary units during contraction.
Acta Physiol Scand. 2000; 168:531-41.
Murray BE, Froemming GR, Maguire P B, Ohlendieck K. Excitation-contraction-relaxation cycle: role of Ca2+-
regulatory membrane proteins in normal, stimulated and pathological skeletal muscle (review). Int J Mol Med. 1998;
1:677-87.
Tierney L, McPhee SJ, Papadakis MA. Current medical diagnosis and treatment. International edition. Apleton and
Lange, 2000.
Wasserstrom JÁ. New evidence for similarities in excitation-contraction coupling in skeletal and cardiac muscle. Acta
Physiol Scand. 1998; 162:247-52.
11- ELETROCARDIOGRAMA
Alan Arrieira Azambuja
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Fernanda Bordignon Nunes
Pedro Luã Machado Pereira
ANATOMIA DO CORAÇÃO
O coração é um órgão muscular, de forma mais ou menos cônica, situado no
mediastino médio, entre os pulmões, acima do diafragma, atrás do esterno e das
cartilagens costais e na frente da coluna vertebral.
No adulto, em média, mede 12 cm de comprimento, de 8 a 9 cm transversalmente e
6 cm anteroposteriormente. Seu peso no adulto varia de 230 a 300 g.
O tamanho, a forma e a posição do coração podem variar de indivíduo para
indivíduo e também podem variar no mesmo indivíduo com o passar do tempo.
Indivíduos altos, delgados ou em inspiração têm mais provavelmente o coração
verticalizado. Enquanto que indivíduos brevilíneos e recém-nascidos, deitados ou em
expiração têm o coração mais transverso.
O coração anatomicamente é dividido em quatro cavidades: átrio direito, átrio
esquerdo, ventrículo direito e ventrículo esquerdo.
Átrio direito: cavidade mais ou menos quadrangular com os seguintes pontos
importantes: abertura da veia cava superior, abertura da veia cava inferior, abertura do
seio coronariano, valva atrioventricular direita, aurícula direita, nódulo sinoatrial e
nódulo atrioventricular.
Átrio esquerdo: menor, com paredes mais espessas; apresenta os seguintes pontos
importantes: cinco grandes aberturas (abertura das quatro veias pulmonares e abertura
atrioventricular esquerda com sua respectiva valva) e a aurícula esquerda.
Ventrículo direito: apresenta-se na forma de um U inclinado. Recebe o sangue
venoso, vindo do átrio direito, através da valva tricúspide, ejetando-o para o tronco
pulmonar através da valva pulmonar.
Ventrículo esquerdo: apresenta uma forma mais cônica, tem paredes três vezes mais
espessas (de 8 a 12 mm) que as do ventrículo direito. Recebe o sangue do átrio
esquerdo através da valva mitral e ejeta-o para a circulação sistêmica pela artéria
aorta.
Entre os átrios e ventrículos há um esqueleto fibroso que fornece uma separação
completa entre as musculaturas atriais e ventriculares; sendo, entretanto, a única
conexão para transmissão elétrica de estímulos o feixe de His.
Circulação: o sangue desoxigenado da circulação sistêmica chega ao átrio direito
pelas veias cava superior e inferior e da circulação do próprio coração pelo seio
coronário. Passa então para o ventrículo direito através da valva tricúspide e deste,
pela contração ventricular, para o tronco pulmonar. O tronco pulmonar se divide em
artérias pulmonares, as quais alcançam os pulmões. O sangue é então oxigenado e,
pelas veias pulmonares, chega ao átrio esquerdo. Do átrio esquerdo, através da valva
mitral, chega ao ventrículo esquerdo, de onde é lançado à aorta para a circulação
sistêmica, porém agora oxigenado.
O plano das aberturas atrioventriculares é mais vertical do que horizontal, e o
sangue corre quase horizontalmente para frente, fluindo dos átrios para os ventrículos
num sentido póstero-anterior.
Sistema de Condução: o coração possui as propriedades de automatismo e de
contrações rítmicas. Automatismo é a propriedade que o coração possui de gerar os
seus próprios estímulos. Essa habilidade está localizada em tecidos neuromusculares
diferenciados que compõem o sistema de condução. O sistema de condução consiste em
(Figura 11.1):
1. Nódulo Sinoatrial ou Sinusal ou de Keith e Flack (SA): a frequência cardíaca é
normalmente controlada por impulsos rítmicos que se originam no nódulo SA e por essa
razão ele é chamado de “marca-passo” do coração. É uma pequena massa de fibras
especializadas, em forma de vírgula, medindo aproximadamente 5 por 20 mm, situada
na parede do átrio direito, junto à desembocadura da veia cava superior.
2. Feixes atriais internodais: a condução através dos átrios ocorre através de três
redes de fibras: a) feixe internodal anterior ou de Bachmann e seu ramo para o átrio
esquerdo; b) feixe internodal médio ou de Wenckenbach; c) feixe internodal posterior
ou de Thorel. Através dessas três redes de fibras há a passagem do estímulo a partir do
nódulo SA para o nódulo AV (atrioventricular).
Figura 11.1 Sistema de condução elétrico cardíaco.
Figura 11.3 Relação entre transporte iônico através da membrana celular, o potencial de ação na célula
cárdica e o registro eletrocardiográfico.
TEORIA DO DIPOLO
Sabe-se que, quando uma célula está em repouso, o seu interior está com cargas
negativas enquanto o exterior da célula tem cargas positivas. Quando ocorre a
despolarização de uma célula há a inversão das características elétricas da membrana
celular. Desse modo a superfície externa da membrana torna-se negativa em relação ao
interior, que passa a ser positivo (Figura 11.4).
Como a despolarização elétrica é um fenômeno dinâmico, com a propagação do
estímulo, a partir de um ponto inicial, as zonas vizinhas vão se tornando sucessivamente
negativas, sempre em relação às zonas positivas que seguem. Acompanhe o esquema:
Figura 11.4 Progressão da despolarização em um grupo de células. Estímulo inicial (seta curva à
esquerda). A “onda” de despolarização avança das porções já excitadas para as não excitadas.
O processo da despolarização tem essa sequência de avanço, ou seja, da porção já
excitada para a que ainda encontra-se em repouso. Isso cria uma diferença de cargas
(contrárias), determinando a chamada Teoria do Dipolo (Figura 11.5).
Figura 11.7 Onda de ativação atrial (onda P). O átrio direito é o primeiro a se ativar, vindo a seguir a
ativação do átrio esquerdo.
Fonte: Adaptado de Tranchesi (1983).
Sendo uma onda com morfologia regularmente arredondada, é difícil a distinção dos
componentes que correspondem à ativação dos átrios direito e esquerdo, fato somente
observado quando existem distúrbios na condução intra-atrial ou crescimentos atriais.
A despolarização dos átrios pode ser representada por vários vetores. O somatório
dos vetores do átrio direito com os do átrio esquerdo produz um vetor cuja direção
espacial é para a esquerda, para baixo e discretamente para frente (Figura 11.8).
Figura 11.10 Dissociação atrioventricular: onda Ta logo após a onda P com deflexão negativa, prolongada e
de pequena magnitude e levemente arredondada.
Figura 11.11 Vetor inicial de despolarização ventricular (1), responsável pelo surgimento
eletrocardiográfico da onda Q.
Figura 11.12 Vetor de despolarização ventricular (2), responsável pelo surgimento eletrocardiográfico
da onda R.
Figura 11.13 Vetor despolarização ventricular (3), responsável pelo surgimento eletrocardiográfico da
onda R.
Por último, o estímulo atinge as porções do terço superior e basais dos ventrículos e
do septo interventricular. As últimas áreas ventriculares a se ativarem têm na
representação o vetor 4, cuja orientação é para trás e para cima, podendo ser para a
direita, esquerda ou se situar na linha média (Figura 11.14).
Figura 11.14 Vetor de despolarização ventricular (4), responsável pela porção final da onda R no
registro eletrocardiográfico.
DERIVAÇÕES
Na superfície do corpo existem diferenças de potenciais consequentes aos
fenômenos elétricos gerados durante a excitação cardíaca. Essas diferenças podem ser
registradas, tendo-se então uma noção do tipo e da intensidade das forças elétricas do
coração. Com esse objetivo, diferentes pontos do corpo são explorados através de
eletrodos ligados ao aparelho de registro por meio de fios condutores. Dessa forma, as
denominadas “derivações” são definidas de acordo com a posição dos eletrodos. As
derivações representam como que pontos de observação diferentes, de um mesmo
momento e de uma mesma coisa (Figura 11.17).
Figura 11.17 Analogia de como as derivações eletrocardiográficas registram um mesmo momento de
uma mesma atividade – como se a máquina fotográfica fosse disparada em diferentes posições para
registrar uma mesma atividade.
DERIVAÇÕES UNIPOLARES
Em 1934, Wilson desenvolveu as derivações unipolares (Figura 11.23), em que a
união dos três eletrodos das derivações clássicas de Einthoven, no polo negativo do
galvanômetro, teria um potencial próximo de zero; enquanto o outro polo positivo do
galvanômetro estaria ligado a um dos ângulos do triângulo de Einthoven.
Figura 11.23 Primeiro modo de derivações unipolares (VR, VL, VF).
aVR
aVL
aVF
Figura 11.25 Registro eletrocardiográfico de derivações unipolares.
O REGISTRO ELETROCARDIOGRÁFICO
O eletrocardiograma é registrado em papel milimetrado com o objetivo de facilitar
as medidas das amplitudes, bem como a duração das diferentes ondas, intervalos e
segmentos.
O papel usado é quadriculado, com um milímetro (mm) de distância tanto entre as
linhas horizontais como entre as verticais. A cada 5 mm há uma linha de traçado mais
forte delimitando quadrados maiores. O tempo tem relação com as linhas horizontais.
Rotineiramente, a velocidade de deslocamento do papel é de cerca de 25 mm/s, sendo
assim, cada milímetro vale 0,04 s e o grupo de 5 mm representa 0,20 segundo (Figura
11.30).
A INTERPRETAÇÃO DO ELETROCARDIOGRAMA
Para se interpretar adequadamente o ECG, devemos adotar uma sequência como
rotina:
1º) Identificação do Paciente: em que devemos conhecer a idade, o sexo, a cor, a
profissão, o local de procedência, o biótipo, a história clínica e os medicamentos em
uso;
2º) Ritmo Cardíaco: o ritmo normal é chamado de ritmo sinusal, ou seja, quando em
D2 a onda P é positiva e a cada onda P segue-se um complexo QRS, com PR constante.
3º) Frequência Cardíaca: considerando que o papel-registro desloca-se na
velocidade habitual de 25 mm/s, pode-se calcular a frequência cardíaca em qualquer
uma das doze derivações por dois métodos:
a) divide-se a constante 1.500 pela distância (em milímetros) entre dois pontos
de dois ciclos cardíacos seguidos, por exemplo, o ápice de dois complexos de QRS em
sequência (Figura 11.31).
Figura 11.31 A constante 1.500 é obtida a partir da relação entre a velocidade do registro calculado
em um minuto.
b) localizado o ápice de um complexo QRS que coincida com uma linha mais
escura do papel milimetrado, denomina-se a linha escura que segue de 300, a seguinte
de 150 e as próximas de 100, 75, 60 e 50. Esses valores equivalem à frequência
cardíaca. A linha escura onde estiver o próximo complexo QRS, ou mais se aproximar,
determinará a frequência cardíaca (Figura 11.32).
Figura 11.32 Método simplificado de determinação da frequência cardíaca.
A frequência cardíaca referência para o normal está entre 60 e 100 batimentos por
minuto (bpm).
4º) Análise da Morfologia das Ondas e Medidas dos Segmentos:
Morfologia rS em V1 e V2;
RS em V3 e V 4;
qR em V5 e V6.
Observa-se que o vetor médio cardíaco está entre 0° e +90°, sendo o seu valor
normal o mais próximo de 60°. O valor do eixo cardíaco é muito influenciado pelo
biótipo do indivíduo, ou seja, em pessoas ditas brevelíneas há uma tendência de o eixo
ser horizontalizado (aproximar-se do 0°), isso em função da “horizontalização” do
coração que ocorre nessas pessoas. Por outro lado, nos chamados longilíneos, o vetor
costuma ser mais próximo dos 90°, em razão da “verticalização” cardíaca. Dentre as
quatro cavidades cardíacas, os ventrículos são os que influenciam a direção do vetor
médio.
Para a determinação do vetor cardíaco há um esquema prático que leva em
consideração as derivações DI (Figura 11.38) e aVF. Sabendo-se que, na derivação DI,
o vetor cardíaco médio é observado a partir da diferença entre o membro superior
esquerdo e o direito, observamos no registro eletrocardiográfico uma inscrição de QRS
predominantemente positiva.
Figura 11.38 DI em relação ao vetor médio cardíaco e registro do ECG em DI.
Da mesma forma, observamos que, na derivação aVF (Figura 11.39), o vetor médio
é estudado a partir da diferença entre o membro inferior e os membros superiores.
Registrando, assim, um eletrocardiograma conforme o abaixo.
Assim, toda a vez em que o vetor médio cardíaco estiver localizado no seu
quadrante normal, teremos no eletrocardiograma as derivações DI e aVF com as
características conforme as mostradas acima. Por outro lado, caso haja um desvio do
eixo normal, veremos em ECG a alteração da inscrição do QRS nas derivações DI e
aVF.
Figura 11.40 Observando o QRS nas derivações DI e aVF é possível determinarmos em qual
quadrante está o vetor médio cardíaco.
Fonte: Adaptado de Tranchesi (1983).
Sobrecarga Atrial Direita (Figura 11.42): o aumento do átrio direito (AD) leva à
maior duração de sua despolarização. Habitualmente o que se observa é um aumento
não na duração da onda P, mas sim na sua amplitude.
Observaremos na sobrecarga de átrio direito uma onda P com aspecto apiculado ou,
ainda, com um entalhe na porção descendente correspondendo à ativação do átrio
esquerdo (AE).
Sobrecarga Atrial Esquerda (figuras 11.43 e 11.44): o crescimento atrial esquerdo
modifica a duração total da onda P, conferindo a presença de um entalhe que muitas
vezes tem aspecto bimodal ou bífido. Quanto à duração ela é patológica quando for
maior ou igual a 0,11 segundo. A amplitude não se altera.
SOBRECARGA VENTRICULAR
O potencial elétrico do ventrículo esquerdo (VE) predomina sobre o do ventrículo
direito (VD), assim as alterações de sobrecarga de VE expressam-se pelo exagero do
seu padrão normal eletrocardiográfico e, por consequência, somente uma sobrecarga
ventricular direita significativa terá expressão.
Sobrecarga Ventricular Esquerda (Figura 11.45): representa um exagero do
predomínio fisiológico desse ventrículo, como, por exemplo, na hipertrofia de
ventrículo esquerdo. Eletrocardiograficamente há aumento dos potenciais do VE,
resultando maior duração dos complexos QRS, com ondas R grandes nas derivações
esquerdas DI, aVL, V5, V6 e ondas S profundas nas precordiais direitas (V1 e V2).
Nota-se ainda que, com a sobrecarga de VE, há uma inversão da onda T em V5 e V6
com infradesnivelamento do segmento ST.
ARRITMIAS
Taquicardia Sinusal (Figura 11.47): ritmo de origem das células do nódulo SA com
frequência maior do que 100 batimentos por minuto (bpm).
Os intervalos PR e QT são menores, e a onda P aproxima-se da onda T precedente.
(As ondas P apresentam morfologia normal.)
Extrassistolia Ventricular (Figura 11.55): estímulo prematuro que tem origem nos
ventrículos. A ativação ventricular se faz de forma anômala, promovendo um ECG com
QRS de morfologia aberrante, alargado e diferente de todos os demais da sequência;
seguido de uma onda T também alterada na sua morfologia. A forma bizarra dos
complexos QRS deve-se ao fato de que o impulso é conduzido pelos ventrículos por
via muscular – célula para célula –, não seguindo as fibras de Purkinje. Por ser
originada a partir de um foco ectópico ventricular, há a ausência da onda P. Em alguns
casos pode ocorrer a captura atrial com a inscrição de uma onda P após o QRS, junto à
onda T – daí ser difícil a visualização.
Taquicardia Juncional Paroxística (Figura 11.57): arritmia com alta frequência (150
a 250 bpm) que envolve o nódulo AV, caracteriza-se no eletrocardiograma, além da
frequência elevada, por complexos QRS de morfologia praticamente normais, seguidos
de ondas T, com a ausência de ondas P.
Flutter Atrial (Figura 11.60): arritmia gerada ao nível dos átrios por um foco
ectópico (Figura 11.59) que despolariza os átrios regularmente, originando uma
frequência entre 200 a 400. A onda P é substituída pelas chamadas ondas F, as quais
apresentam uma característica descrita como sendo serrilhada em “forma de dente de
serrote”. Como os estímulos chegam ao nódulo AV em uma sequência muito rápida,
encontram-no, na maioria das vezes, em período de repolarização refratário; assim há
em geral alguns batimentos atriais para cada batimento ventricular. No ECG, a relação
entre as ondas P e os complexos QRS pode variar de 2:1 a 8:1.
Fibrilação Atrial (Figura 11.62): representa uma das mais comuns arritmias
observadas na clínica. Gerada no nível dos átrios a partir de inúmeros focos ectópicos
(daí como diferenciar do flutter atrial – Figura 11.61), levando assim a um processo de
ativação atrial totalmente caótico que resulta em uma sístole inefetiva dos átrios.
Caracteriza-se no ECG por ausência de ondas P, isso porque as inúmeras ondas de
despolarização, que surgem nos átrios, seguem direções diversas que acabam por
neutralizar-se; tendo frequência atrial entre 400 e 700 ciclos por minuto. Por outro lado
os complexos QRS e as ondas T são normais, mas com uma frequência muito irregular.
Previamente à instalação da fibrilação atrial, algumas vezes é observada a presença de
extrassistolias atriais ou flutter atrial ou taquicardia atrial paroxística.
Flutter Ventricular (Figura 11.63): arritmia extremamente grave, muitas vezes fatal
em poucos minutos; evolui na maioria das vezes para a fibrilação ventricular.
Caracteriza no ECG complexos QRS alargados, bizarros, com frequência entre 150 e
250 excitações por minuto.
Fibrilação Ventricular (Figura 11.64): a mais grave das arritmias cardíacas, pois,
corresponde hemodinamicamente a parada cardiocirculatória. O ECG caracteriza-se
por apresentar um padrão totalmente anárquico e bizarro, com frequência que varia de
80 a 300 por minuto. Os focos ectópicos ventriculares são múltiplos.
Bloqueio AV total ou de 3° grau (Figura 11.69): nesse tipo mais grave de bloqueio
atrioventricular não existe condução de qualquer estímulo em nível de nódulo AV. Não
passando qualquer estímulo dos átrios para os ventrículos, esse acaba por desenvolver
um ritmo próprio a partir de um marca-passo, foco ectópico, situado abaixo da zona
bloqueada. O ECG é caracterizado pela presença de dois marca-passos com ritmo e
frequência independentes, a frequência atrial geralmente é maior do que a ventricular
que se situa entre 30 e 50 bpm. As ondas P são normais, entretanto os complexos QRS
são de morfologia semelhante à encontrada quando ocorrem extrassístoles
ventriculares, ou seja, são alargados e espessados, as ondas T também são anômalas.
Bloqueio de Ramo Esquerdo (Figura 11.71): presente quando o estímulo vindo dos
átrios é impedido de seguir pelo ramo esquerdo do feixe de His. Ocorre, assim,
primeiramente a despolarização da porção direita do septo interventricular, seguida da
despolarização do miocárdio ventricular direito. Procedendo somente a ativação
ventricular esquerda. Assim como no BRD, o complexo QRS apresenta-se prolongado,
maior ou igual a 0,12 s, com morfologia alterada do tipo QS ou rS em V1 e V2. É
característica muito típica a presença de onda R (ou RR’) sozinha espessada e
entalhada, em especial nas derivações precordiais esquerdas (V5 e V6). Há também
alterações na repolarização ventricular, expressa através da inversão da onda T em V1
e V2.
infarto inferior
parede inferior D2, D3 e aVF
- diafragmático -
infarto posterior
parede posterior V1 e V2 com aumento de R
- dorsal -
Figura 11.75 ECG de infarto anterior, mostrado nas derivações V1-V4 e ECG de infarto inferior
mostrado nas derivações DII, DIII e aVF.
HIPERPOTASSEMIA
O potássio, como descrito anteriormente, participa em especial no controle do
potencial de membrana e da fase de repolarização celular. Com o aumento do potássio
extracelular haverá uma diminuição do gradiente intra/extracelular, levando o potencial
de membrana a valores menos negativos. No processo de repolarização há um fluxo de
potássio para o meio extracelular, porque o K+ apresenta dois gradientes que o
expulsam – o elétrico e o de concentração. Desse modo as alterações
eletrocardiográficas mais precoces e características da hiperpotassemia são as de
repolarização ventricular expressas através das alterações da onda T. Com a
diminuição do potencial de membrana há um aumento do efluxo de potássio, ainda que
paradoxal, na fase 4 da despolarização cardíaca; expressando no ECG uma diminuição
da duração total do potencial de ação, através de ondas T de bases estreitas, altas,
pontiagudas e simétricas – em forma de tenda. Ainda, em função da diminuição do
potencial de membrana, a entrada de sódio para o meio intracelular fica prejudicada,
levando assim ao retardamento da fase de ascensão do potencial de ação, expressa
através de um alargamento do QRS e um aumento do intervalo PR. Algumas vezes pode
ser encontrado o achatamento da onda P e até mesmo o seu desaparecimento. Níveis
séricos de potássio a partir de 5,5 mEq/L já são capazes de alterar o ECG, sendo que,
valores acima de 8,0 mEq/L são considerados de altíssimo risco (Figura 11.76).
Figura 11.76 ECG hiperpotassemia (K+ = 7,8 mEq/L).
HIPOPOTASSEMIA
Considerada quando o potássio sérico se encontra a níveis menores do que 3,5
mEq/l, determina alterações contrárias às da hiperpotassemia. A queda nos níveis
séricos de potássio irá alterar o gradiente de potássio a nível de membrana plasmática,
fazendo com que haja um aumento no potencial de repouso da célula, hiperpolarizando,
assim, a célula. Isso acarretará alterações na saída de potássio do intra para o
extracelular, levando ao retardamento da repolarização celular. Portanto, no ECG,
encontraremos modificações do segmento ST (ponto J), que estará infradesnivelado, o
aumento da duração da onda T e a redução da sua amplitude, o aparecimento,
característica típica, da onda U. A hiperpolarização do potencial de membrana pode
também por dificultar (lentificar), expressar o aumento da duração do QRS (Figura
11.77).
INTOXICAÇÃO DIGITÁLICA
O digital constitui uma droga de uso comum na clínica diária, muitas vezes de forma
exagerada e mal controlada. Dentre as drogas talvez seja a que mais comumente produz
alterações eletrocardiográficas, sejam elas apenas pelo uso terapêutico, sejam elas pela
intoxicação. Os principais achados no ECG são: redução da frequência cardíaca,
depressão do segmento ST, com a concavidade superior – tipo “pá de pedreiro” –,
diminuição da amplitude da onda T e diminuição do intervalo QT. Vários tipos de
arritmias podem estar associadas, secundárias, como extrassistolia ventricular,
bloqueio atrioventricular, taquicardia atrial paroxística, fibrilação atrial (Figura
11.78).
Figura 11.78 ECG de intoxicação digitálica (associado de fibrilação atrial).
Referências
Alberts B, ed. Biologia molecular da célula. 3ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
Belivacqua F, Bem Soussan E, Jansen JM et al. Fisiopatologia Clínica. 5ª edição. São Paulo: Atheneu. 1995.
Bennett JC, Plum F. Cecil. Tratado de Medicina Interna. 20ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Berne RM, Levy MN. Fisiologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
Best and Taylor. Physiological basis of medical practice. 12nd edition. Baltimore: Williams and Wilkins, 1990.
Braunwald, E, ed. Heart disease: A textbook of cardiovascular medicine. 4th edition. Philadelphia: WB Saunders, 1992.
Burton AC. Fisiologia e Biofísica da Circulação. 2a edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1977.
Fraccaroli JL. Biomecânica: análise dos movimentos. 2ª edição. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1981.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 11ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
Hallake, J. Eletrocardiografia. Rio de Janeiro: MEDSI, 1994.
Katzung BG, Trevor AJ. Pharmacology. 4th edition. International edition. Apleton and Lange, 1995.
Lacaz-Vieira F, Malnic G. Biofísica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981.
12- HEMODINÂMICA
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Vanessa Cabrera
Paulo Harald Wächter
Laerson Hoff
HIDROSTÁTICA
A hidrostática estuda a água no estado líquido, quando não em movimento. A sua
composição química deve ser já bem conhecida de todos (H2O). No estado líquido,
encontra-se distribuída com o átomo de oxigênio centralmente e ladeado por dois
átomos de hidrogênio, formando um ângulo de 104,25º, portanto é uma substância polar
e considerada um solvente para substâncias polares.
Ao inserirmos esse líquido dentro de um recipiente o mesmo está sujeito a forças,
como força gravitacional, a força de Van der Waals e pontes de hidrogênio. Essas
fazem com que a água contida nesse recipiente exerça uma ação em todas as direções e
sentidos. Portanto, como diz o princípio de Pascal: ao aplicarmos uma força a um
líquido, essa será aplicada em todas as direções e sentidos. Esse dado é de extrema
importância quando formos tratar do sangue, que além da água apresenta vários outros
elementos dispersos, que por sua vez exercem forças no meio.
Ao colocarmos a água dentro de um recipiente, essa tomará a forma do mesmo,
devendo, portanto, ocupar todos os espaços, como mostra a Figura 12.1.
TENSÃO SUPERFICIAL
Quando se quer transportar um líquido entre dois recipientes, utilizamos a pipeta
volumétrica. O líquido, quando é liberado pela pipeta, geralmente sai, em função da
gravidade, em forma de gota. Esse fenômeno é devido à tensão superficial do líquido.
Logo, tensão superficial é a força de atração entre as moléculas da superfície. Quanto
maior a força de atração entre as moléculas, maior é a gota. Exemplos disso são a água
e o éter. A água, por ser polar, devido a pontes de hidrogênio, tem uma gota maior do
que a do éter, que é uma substância mais apolar, tendo, portanto, uma tensão superficial
menor.
PRESSÃO HIDROSTÁTICA
Ao colocarmos um líquido dentro de um recipiente, esse fará uma pressão sobre as
paredes do continente, devido a forças já conhecidas, ou seja, é a presença do líquido
que gera essa pressão por estar ocupando espaço, por ser real. Matematicamente
podemos postular uma fórmula para essa pressão:
Ph = Patm + ρgh
Onde:
Ph = pressão hidrostática Patm = pressão atmosférica ρ = densidade
m = massa V = volume g = gravidade h = altura ρ = m/V
HIDRODINÂMICA
A hidrodinâmica estuda todos os fenômenos relacionados com o movimento da
água, seus princípios e leis. A seguir apresentamos os conceitos que devemos conhecer.
LINHA DE CORRENTE
Ao colocarmos um líquido com suas partículas em movimento, esse segue uma
trajetória, e essa é denominada de linha de corrente (Figura 12.2).
VEIA LÍQUIDA
É uma secção completa de um conjunto de linhas de corrente. Esse somatório de
linhas deverá apresentar velocidade diferente de zero, pois, se ela não fosse diferente
de zero, o líquido estaria parado e logo não teria uma linha de corrente e,
consequentemente, uma veia líquida.
CAUDAL
Ao colocarmos um líquido em movimento, esse forma uma veia líquida que pode
ser mensurada. Essa medida pode ser obtida relacionando a quantidade de líquido que
escoa por um orifício pela unidade de tempo decorrido, ou seja, volume/minuto.
Portanto, matematicamente temos:
As forças energéticas (E) que agem nesse sistema são o trabalho contra a pressão,
energia cinética e energia potencial.
O caudal do sistema, isto é, o volume de entrada e o volume de saída do líquido,
necessita ser constante, ou seja, não poderá haver perdas durante o processo. Devemos
levar em consideração que estamos tratando de líquido ideal, sem atrito e sem
viscosidade, por isso essa equação não pode ser aplicada, por exemplo, ao sangue,
pois esse oferece resistência a seu deslocamento.
Matematicamente podemos representar o teorema desta forma:
Σ E1 = Σ E2, em que E1 = W1 + EC1 + EP1 e E2 = W2 + ECC2 + EP2.
Temos como componentes o trabalho realizado W, somado à energia cinética E C e à
energia potencial gravitacional Ep, podendo ser calculados pelas fórmulas:
W=P.Δ V EC = 1/2 . ΔM . v2 EP = Δ M . g . h
Para melhor compreensão, faremos a descrição por partes.
Ao introduzirmos o líquido dentro do cilindro, estaremos alterando o seu volume
ΔV e, para fazê-lo, necessitamos de uma força F para provocar um deslocamento Δd.
Como já sabemos que força F vezes o deslocamento Δd é igual ao trabalho W,
concluímos que o trabalho em um líquido é dado por W = P . ΔV.
Como o líquido, ao entrar no cilindro, ganha velocidade, isso lhe confere energia
cinética Ec, que depende da massa m do líquido e de sua velocidade v, o que,
consequentemente, nos leva à equação de Einstein que diz EC = 1/2 . ΔM . v2.
Ao iniciar a descida, o líquido apresenta uma energia potencial gravitacional EP
elevada, que com a descida vai se reduzindo até chegar à zero. Essa fica na
dependência da gravidade “g” e da altura “h” a que está submetido. Portanto, podemos
expressá-la matematicamente assim:
EP = m . g . h
Iremos agora, através de uma dedução da fórmula de Bernoulli, aprofundar nosso
conhecimento sobre as pressões hidrostática, hidrodinâmica e cinemática.
Onde:
m = massa
g = gravidade
P = pressão
v = velocidade
ΔV = volume
h = altura
D = densidade
ρ = peso específico
Const = constante
peso = m . g
D = m/ΔV
ρ = m . g / ΔV
Assim temos:
P + ½ D . v2 + ρ . h = Const
Nessa soma, o primeiro termo (P) se refere à pressão, o segundo, à velocidade do
líquido, e o terceiro indica a altura e o peso específico do líquido a ser analisado.
Como estamos lidando com um sistema em condições ideais, no qual não há perda de
energia (representado pela constante na soma acima), alterações nos termos dessa
equação deverão ocorrer de forma a manter essa constante. Por exemplo, se numa
mesma altura ocorrer um aumento da velocidade do líquido, deve, concomitantemente,
ocorrer uma diminuição na pressão e vice-versa.
Nos nossos vasos a condição a que os líquidos estão submetidos é outra, já que eles
estão em movimento. Nessa situação não mais analisamos a pressão hidrostática dos
líquidos, mas sim a pressão que resulta da interferência de outros fatores presentes
durante o movimento sobre a pressão hidrostática. Essa pressão do líquido em
movimento se chama pressão hidrodinâmica. Visto que de certa forma a pressão
hidrodinâmica deriva da pressão hidrostática, alguns princípios da pressão hidrostática
irão também servir para a pressão hidrodinâmica.
Pensemos em um sistema fechado com caudal constante (logo, estaremos lindando
com um líquido ideal). Em cada seção do cilindro teremos um barômetro que estará
indicando diferentes pressões hidrodinâmicas (e não hidrostáticas, já que o líquido está
em movimento). É fácil compreender as variações dessa pressão nesse sistema. Nas
regiões onde o cilindro possui um maior diâmetro, há mais líquido e, logo, a pressão é
maior. No entanto, visto que o caudal do sistema é constante, independentemente da
seção do cilindro que for analisada, essa terá a mesma vazão. Para que isso ocorra, a
velocidade do fluxo não poderá ser a mesma. De fato, se observa que, nas seções do
cilindro com menos diâmetro, temos as maiores velocidades de fluxo. Relembrando o
teorema de Bernoulli, para que a energia do sistema se mantenha constante, a variação
da pressão deve ocorrer de maneira inversamente proporcional à velocidade quando se
mantém uma mesma altura.
Ao analisar novamente esse teorema, se evidencia que a densidade do líquido é
importante para a determinação da pressão e da velocidade. A densidade até agora não
teve muito importância nas situações que foram exemplificadas, pois obviamente não
sofre alteração quando se analisa um líquido “inerte”. O sangue, porém, um líquido
extremamente heterogêneo, sofre diversas alterações nas concentrações de seus
constituintes, sejam eles figurados (hemácias e leucócitos) ou não (eletrólitos, gases).
Desse modo, em situações adversas, como a desidratação, ou patológicas, como a
policitemia vera (doença que aumenta a concentração de glóbulos vermelhos), o sangue
altera sua densidade, e isso nos repercute outros termos do teorema de Bernoulli.
Nesses exemplos de situações adversas e patológicas, o sangue se torna mais denso, o
que diminui a velocidade do fluxo, facilitando, por exemplo, a trombose (formação de
um coágulo “patológico”).
Comparando as pressões hidrostáticas e hidrodinâmicas, podemos concluir que a
energia mecânica contida em um líquido em estase é representada pela pressão
hidrostática e que essa energia armazenada na pressão hidrostática acaba sendo
distribuída como energia cinética quando o líquido entra em movimento, de modo que a
pressão hidrodinâmica seja sempre menor do que a pressão hidrostática do líquido
correspondente (Figura 12.8).
Figura 12.10 O fluxo laminar, mostrando as diferentes velocidades crescentes do fundo à superfície.
A força que cada uma das camadas suporta é dada matematicamente por:
F = η . (s. v / d)
Na qual v é a velocidade de deslocamento, s é a superfície, d é a distância a que a
camada se encontra da linha de base, e η é o índice de viscosidade. A Figura 12.11
demonstra as forças que atuam na formação do fluxo laminar.
Figura 12.11 Demonstração das forças que atuam para o entendimento do fluxo laminar.
Fonte: Adaptado de Frumento (1974).
RESISTÊNCIA
A resistência é basicamente a força que se opõe ao movimento do líquido. Ela é
composta por vários componentes, sendo que apenas dois deles apresentam valor
constante (π e oito); os demais variam de um experimento a outro. Quando utilizamos a
mesma substância, podemos ter três elementos constantes, pois o raio (r) e o
comprimento do cilindro (l) deverão apresentar valores distintos a cada estudo. A
unidade de medida é: UR = dys . seg/cm5.
As resistências em série são aquelas que seguem o leito circulatório sem se
bifurcar. Quanto maior for o comprimento do cilindro, maior a resistência.
Matematicamente podemos calculá-las assim:
R = R1+ R2+ R3
As resistências em paralelo são aquelas originadas da subdivisão de um cilindro em
dois ou mais. Matematicamente podemos dizer que:
1/R = 1/R1 + 1/R2 +1/R3
QUEDA DE PRESSÃO
Os líquidos reais, por apresentarem atrito interno (viscosidade) e externo (interação
com a superfície de um cilindro por exemplo), estão sujeitos a uma redução em sua
pressão à medida que se afastam da origem da força, como vemos na Figura 12.13. O
sangue é um líquido real, logo está sujeito à ação dessas forças internas e externas.
Caso o sangue fosse um líquido ideal, a pressão deveria ser exatamente a mesma tanto
no começo de uma artéria quanto no final dessa (desprezando-se a presença de
ramificações e afins), o que não é verdade, não podendo, desse modo, ser aplicado o
Teorema de Bernoulli.
Realizaremos um raciocínio lógico sobre pressão sistólica e diastólica:
considerando que a pressão diastólica seja a pressão decorrente da simples presença
do sangue nos vasos e a sistólica, do bombeamento de uma quantidade extra de sangue
no leito arterial (inicialmente na aorta) devido à contração cardíaca, à medida que o
sangue se afasta desse ponto inicial a pressão sistólica sofre reduções proporcionais à
força de atrito imposta ao fluxo. Portanto, no leito arterial a pressão de saída (aorta)
será maior que a pressão de chegada nas arteríolas (fim do leito arterial).
Podemos observar ainda que nos cilindros de maior diâmetro a queda da pressão é
menor do que nos cilindros de menor diâmetro. Isso se deve ao fato de haver maior
contato do líquido com a superfície do cilindro de menor diâmetro, gerando, portanto,
maior atrito com essa superfície.
A Figura 12.14 esquematiza o que acontece com a pressão do líquido ao juntarmos
os efeitos do Teorema de Bernoulli e da viscosidade.
FLUXO TURBILHONAR
Ao contrário do fluxo laminar, um regime de escoamento ordenado, o fluxo
turbilhonar se caracteriza por uma desordem no movimento das partículas, as quais
começam a descrever as mais variadas trajetórias ao atingir velocidades elevadas.
Tomamos como exemplo o fluxo em um riacho ou arroio quando está chovendo muito:
notamos, na superfície do mesmo, surgirem redemoinhos e turbulências decorrentes do
fluxo desordenado de suas águas. De acordo com a fórmula apresentada quando
tratamos da força aplicada a uma lâmina líquida, F = η. (s. v / d), a camada que estiver
junto ao fundo do arroio terá velocidade diferente da camada superficial e, uma vez que
a força aplicada às mesmas é igual, isso faz com que a camada mais superficial tenha
uma velocidade bem maior que as demais, ultrapassando a velocidade máxima de
escoamento, denominada de velocidade crítica que matematicamente pode ser expressa
por:
Vc = Nr . η / ρ . r
A CIRCULAÇÃO
O mundo científico por muitos anos discutiu qual a real finalidade da circulação, e o
consenso atual diz que a circulação tem por finalidade levar oxigênio, metabólitos,
vitaminas, hormônios, assim como o calor, servindo também para remover detritos
celulares como o dióxido de carbono e dissipar o calor gerado pelo metabolismo nas
células. Para que essa finalidade seja cumprida, certamente existe uma mecânica a ela
associada. Vamos revisá-la.
MECÂNICA DA CIRCULAÇÃO
Ao tratarmos de circulação devemos lembrar que o sangue é um composto de vários
elementos, tais como as células, sais minerais, vitaminas etc. Todos esses elementos
apresentam uma função dentro da homeostase dos seres vivos. Por ser uma solução tão
valiosa, não podemos desprezar qualquer conteúdo, por mínimo que possa ser. Desse
modo, para poder poupar energia, os animais desenvolveram um sistema fechado, onde
todo o sangue que é impulsionado pelo coração deve a ele retornar. Esse sistema
vascular fechado possui no seu centro o coração, que tem por função impulsionar o
sangue para a pequena circulação – assim denominada por levar o sangue venoso até o
pulmão para receber as trocas gasosas – e, posteriormente, enviá-lo para todo o resto
do corpo, denominado de grande circulação.
Para que o sangue possa realizar esses dois percursos, faz-se necessário uma rede
de vasos capazes de chegar a todas as células do corpo. Essa rede se inicia com a
aorta, a qual posteriormente se divide formando uma rede arterial que, após passar
pelas células dos tecidos, na forma de capilares, realizando as trocas de substâncias,
retorna de forma inversa, de vasos de pequeno para grande calibre, ou seja, das vênulas
para as veias, chegando às cavas e, por último, ao átrio direito do coração,
completando-se o ciclo.
Figuras 12.16 e 12.17 Gráficos demonstrando a variação da elasticidade nos vasos em função da
pressão e volume.
Fonte: Adaptado de Vander (1981).
PRESSÃO HIDROSTÁTICA
O sangue, por ser um líquido real, apresenta matéria e, portanto, ocupa espaço. Ao
fazê-lo, provoca o aparecimento de uma força aplicada pela presença do mesmo sobre
a área que ocupa, produzindo uma pressão que é denominada de pressão hidrostática.
A melhor maneira de observarmos esse acontecimento é durante uma parada
cardíaca, na qual não há caudal. No momento em que a bomba cardíaca deixa de
exercer seu papel, a pressão imposta aos vasos arteriais é insuficiente para manter o
vaso distendido e é nesse momento que a pressão de parede faz com que o sangue seja
impulsionado até o sistema de reservatório que é o leito venoso. A pressão em ambos
os sistemas tendem a uma igualdade, apesar de o volume neles contidos ser diferente.
Figura 12.18 Variação da pressão vascular na parada cardíaca, em que (a) representa o leito arterial e
(b) o leito venoso.
Fonte: Adaptado de Frumento (1974).
CAUDAL
Anteriormente discutimos que caudal pode ser denominado de volume de sangue
que passa por uma secção total em determinado tempo. A primeira lei da circulação diz
que esse caudal deverá ser constante, quando medido em uma secção completa do leito
circulatório. Para melhor compreender, faremos uma rápida revisão da anatomia da
circulação. O sangue é impulsionado para a circulação sistêmica através de uma
bomba, denominada de coração, entrando pela aorta e, logo após, sofrendo diversas
subdivisões em vasos de menor calibre. O que devemos levar em conta é que o sangue
que saiu do coração é o mesmo que está no momento seguinte irrigando os órgãos, só
que o calibre dos vasos que irrigam esses órgãos é menor, o que demanda menor
quantidade de sangue quando relacionado à ejeção cardíaca. Mas, se somarmos o
conteúdo contido em todos os vasos que apresentam esse mesmo calibre, veremos que
o volume obtido é igual à ejeção cardíaca (também denominada de débito cardíaco).
Portanto, o caudal no leito circulatório será constante.
Imaginemos que, se essa primeira lei não fosse verdadeira e, por exemplo, houvesse
perdas sanguíneas no leito circulatório, para que o coração pudesse impulsionar sangue
novamente, deveríamos possuir um reservatório de sangue com constante reposição.
VELOCIDADE
A velocidade dentro do leito circulatório, que significa distância percorrida por
unidade de tempo, deve seguir a primeira lei geral da circulação, que é a do caudal.
Para mantermos o caudal constante, mesmo em áreas de vasos de pequeno calibre, é
lógico admitir que a velocidade não poderá ser a mesma em todos os pontos, pois
quanto maior o número de vasos de um certo calibre menor deverá ser a velocidade
impressa ao sangue. Portanto, a lei da velocidade nos diz que a velocidade é
decrescente, partindo-se da aorta em direção aos capilares e que, posteriormente,
deverá ir aumentado até o retorno ao coração. Quanto maior o leito vascular, menor
será a velocidade do sangue dentro de um sistema fechado.
C=S.v\v=C/S
Figura 12.19 Velocidade sanguínea em diferentes leitos vasculares, sendo (v) a velocidade sanguínea,
(a) artérias, (b) arteríolas e capilares,
(c) território venoso e (s) área transeccional total dos vasos.
Fonte: Adaptado de Burton (1977).
O VASO SANGUÍNEO
RELAÇÃO CAUDAL – ELASTICIDADE
O caudal nos vasos sanguíneos está intimamente relacionado com a elasticidade do
mesmo. Quanto maior for a diferença de pressão (ΔP) entre o início e o final do vaso,
maior deverá ser o caudal. É importante salientar que essa relação só é possível em
vasos normais, sem alterações patológicas, como a arteriosclerose.
Nos vasos sanguíneos essa tensão de parede é muito importante, uma vez que
explica, por exemplo, o rompimento de aneurismas em pacientes que fazem uma crise
hipertensiva.
Essa, por sua vez, é uma elevação exagerada da pressão arterial que ocorre de
forma aguda. Quando isso acontece, a tensão de parede pode ser insuficiente para se
contrapor à distensão da parede imposta pelo aumento da pressão interna, rompendo,
assim, o vaso. Alguns vasos que já estejam enfraquecidos, como no caso de aneurismas,
possuem uma chance maior de isso ocorrer.
Matematicamente podemos deduzir que F = P . s, em que s = 2 . r . l, porque, ao
dividirmos o vaso ao meio, um dos lados é o diâmetro (2r), e o outro é o comprimento
do vaso (l), como vemos na Figura 12.26.
F=P.2.r.l
Para conhecermos o valor da tensão de parede, devemos dividir por 2. l e, com
isso, temos que t = P . r. Essa equação é obtida através da Lei de Laplace.
Lei de Laplace: τ= P . r
Essa lei também é válida para o coração. Quanto maior for o tamanho das câmaras
cardíacas, maior força será necessária para a sua contração e, logo, mais energia será
requerida. Desse modo, no último estágio da insuficiência cardíaca esquerda, no qual
se observa a dilatação acentuada do ventrículo esquerdo, pode-se, em alguns casos, se
retirar parte da parede desse coração, o tornado menor e, assim, reduzindo a força
necessária para ele contrair, fazendo com que ele melhore sua função.
LEI DE HOOKE
Hooke descreve sua lei sobre a elasticidade dos materiais e o enunciado é o
seguinte: as variações no comprimento dos materiais são diretamente proporcionais à
força de tração aplicada em suas extremidades e seu coeficiente de elasticidade sendo
ainda inversamente proporcional à superfície da secção.
Δl = (e . lo . F) / s
l = (lo . F) / E . s
A aplicação dessa lei na circulação permite avaliar o momento de oclusão ou
rebentamento de um vaso, pois, se o estiramento for superior ao coeficiente de
elasticidade, haverá ruptura de camadas e, por conseguinte, do vaso.
Graficamente podemos dizer que os vasos, por apresentarem vários componentes
elásticos, terão a curva final na forma de uma parábola e não uma linha reta como
sugere a fórmula. Ver figuras 12.27 e 12.28.
CICLO CARDÍACO
O coração humano é composto de quatro cavidades, dois átrios e dois ventrículos.
Os dois conjuntos de átrios e ventrículos estão dispostos de forma que, além de
realizarem a ejeção cardíaca, têm a capacidade de provocar pressão negativa dentro
das suas cavidades, o que pode explicar parcialmente o retorno venoso. Dizemos que é
uma bomba aspirante premente. O conjunto direito está reservado para a chamada
pequena circulação, e o esquerdo, para a grande circulação. O esquema do sistema
circulatório está representado na Figura 12.29.
Figura 12.30 A onda de pulso arterial com a incisura dicrótica identificada com a seta.
Fonte: Adaptado de Frumento (1974).
Figura 12.32 Demonstração das ondas de pulso venoso, som e eletrocardiograma durante atividade
cardíaca.
Fonte: Adaptado de Burton (1977).
Figura 12.33 O ciclo hemodinâmico cardíaco. Linha contígua indica pressão ]arterial sistêmica e a
contínua à pressão dentro do ventrículo esquerdo.
Fonte: Adaptado de Vander (1981).
TRABALHO CARDÍACO
O trabalho cardíaco é medido pelo volume de sangue ejetado pelo ventrículo
esquerdo. Sabemos da física dos sólidos que o trabalho está relacionado à força
aplicada, multiplicada pelo deslocamento: W = F . Δd. Para os líquidos temos que
trabalho é representado pela pressão exercida sobre uma variação de volume: W = P .
ΔV. Essa variação de volume representa o volume de sangue ejetado em cada ciclo.
Seguindo esse critério vemos que só ocorre trabalho cardíaco quando a variação de
volume se fizer presente. Portanto, só ocorre na fase de enchimento e ejeção.
Podemos identificar graficamente essas fases vendo o gráfico relacionando-se
pressão e volume ventricular esquerdo. Acompanhe a Figura 12.34.
Figura 12.34 – Trabalho Cardíaco: A – fase de enchimento; B – fase de contração isovolumétrica; C – fase
de esvaziamento (ejeção); D – relaxamento isovolumétrico; E – o ciclo completo.
Fonte: Adaptado de Burton (1977).
Figura 12.36 O ciclo cardíaco e sua relação com o ECG, o pulso arterial e venoso.
Fonte: Adaptado de Burton (1977).
CK Total - + + - -
CK-MB + + ++ - -
Mioglobina - ++ + - -
Troponina ++ + + ++ ++
T
Troponina ++ + + ++ ++
I
Figura 12.38 Marcadores cardíacos e suas características.
Legenda: (++) muito útil, (+) útil, (-) pouco útil.
Figura 12.39 Concentração plasmática dos marcadores cardíacos após o início do infarto.
CHOQUE
Choque é o estado de hipoperfusão sistêmica que resulta em perfusão e oxigenação
teciduais inadequados, além de hipotensão. É considerada como a via final comum de
uma série de eventos clínicos fatais. Dentre esses eventos, por exemplo, temos os
ferimentos por arma branca (facas, punhais, estiletes...) que ocasionem hemorragias
importantes. Há três principais tipos de choque: o hipovolêmico, o cardiogênico e o
séptico.
CHOQUE HIPOVOLÊMICO
Esse é o tipo de choque que ocorre com maior frequência e é decorrente (como seu
próprio nome diz) da perda excessiva de sangue. Supomos que uma pessoa seja
alvejada no ombro e flanco direito; os dois ferimentos por projétil de arma de fogo
causam uma hemorragia importante, a qual faz nosso paciente desmaiar em pouco
tempo. Se observarmos seu sistema circulatório, iremos observar que sua volemia (ou
seja, volume de sangue) está diminuindo e, assim, gerando um déficit de perfusão no
corpo inteiro. Para tentar compensar esse déficit, nosso corpo irá redirecionar seu
volume sanguíneo circulante para os nossos órgãos vitais. Isso pode ser representado
na equação da pressão arterial sistêmica da seguinte forma:
PA = DC ⇓ X RP⇑
Podemos observar que, para haver a manutenção da pressão arterial e, portanto, a
perfusão e oxigenação adequadas dos órgãos vitais, é necessário restringir o volume de
sangue da periferia através do aumento da resistência periférica, o que é feito pela
contração de vasos específicos da periferia através do sistema neuroendócrino
(catecolaminas). Em um primeiro momento, essa manobra parece ser paradoxal, porém
os vasos do coração e do encéfalo não são muito reativos às manobras do sistema
nervoso, de modo que concentramos a volemia para esses em detrimento dos demais.
Somado a esse aumento da resistência periférica, as veias, como também o fígado e o
baço, irão através do estímulo humoral e nervoso colocar a maior quantidade de sangue
de volta à circulação. Se não houver tratamento (reposição do volume sanguíneo), o
paciente irá progredir para hipotensão e acidose lática e, depois, evoluir para óbito.
CHOQUE CARDIOGÊNICO
O choque cardiogênico ocorre quando há uma alteração na força de contração do
coração (falha ionotrópica) ou no seu ritmo (falha cronotrópica) que compromete o
débito cardíaco, levando a uma perfusão inadequada, em outras palavras, ao choque.
Esse tipo de choque tem várias etiologias diferentes, sendo a mais comum o infarto
agudo do miocárdio. Quando uma coronária sofre obstrução, restringimos o aporte de
sangue àquele músculo cardíaco, que, por sua vez, debilita sua capacidade contrátil,
subsequentemente, diminuindo o débito cardíaco. Sem que haja a reperfusão do local
que sofre de isquemia, o tecido cardíaco, além de liberar substâncias endógenas que
recrudescem a função do coração, vai sofrendo necrose, agravando ainda mais a
situação.
CHOQUE NEUROGÊNICO
Esse choque ocorre quando há lesões do sistema nervoso que acometem o sistema
nervoso autônomo (SNA) ou medicamentos anestésicos que atuem nele. A diminuída ou
inexistente atividade do simpático, por exemplo, que controla em parte o ritmo
cardíaco, força de contração e tônus dos vasos sanguíneos, leva a uma vasodilatação da
periferia (como a pele e o sistema gastrointestinal), que aumenta o leito circulatório e
diminui o ritmo e a força de contração cardíaca, levando ao choque neurogênico.
Referências
Bennet JC, Plum F. Cecil. Tratado de Medicina Interna. 20a edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.
Berne RM, Levy MN. Fisiologia. 2a edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
Best and Taylor. Physiological basis of medical practice. 12th edition. Baltimore: Williams and Wilkins, 1990.
Braunwald, E. Ed. Heart disease: A textbook of cardiovascular medicine. 4th edition. Philadelphia: WB Saunders, 1992
Burton AC. Fisiologia e Biofísica da Circulação. 2a edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1977.
Frumento A. Biofísica. Bueno Aires: Editora Intermédica SAICI, 1974
Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
Kaplan NM. The 6th joint national committee report (JNC-6): new guidelines for hypertension therapy from the USA.
Keio J Med 1998; 47(2): 99-105.
Kane, J.W., Sternheim, M. M. Física. Barcelona: editora Rerverté S/A, 1986.
Lacaz-Vieira F, Malnic G. Biofísica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981.
Moffet D, Moffet S, Schauf C. Human Physiology. 2nd edition. Missouri: Mosby, 1993.
Prevention, detection, evaluation, and treatment of hypertension. The Sixth Reporto f the Joint National Committee.
National Institutes of Health-National Heart, Lung, and Blood Institute. National High Blood Pressure Education
Programme. Indian Heart J 1999; 51:381-96.
Tierney L, McPhee SJ, Papadakis MA. Current medical diagnosis and treatment. International edition. Apleton and
Lange, 2000.
Vander, A J., Sherman, J., Luciano, D. Fisiologia Humana. São Paulo: McGraw-Hill. 1981.
13- EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO
Jarbas Rodrigues de Oliveira
Adroaldo Lunardelli
Karine Lucielle Grehs Meller
Lucas Luã Machado Pereira
TRANSPORTE DE CO
GASES RESPIRATÓRIOS
Antes de entrar no entendimento de como a respiração controla o pH plasmático, é
preciso rever algumas propriedades fundamentais dos gases. As moléculas de um gás
possuem alta energia cinética e, portanto, estão em constantes movimentos aleatórios.
Ao se moverem, elas colidem umas com as outras e com as paredes do recipiente onde
se encontram. Essas colisões determinam a pressão que o gás estará exercendo. Quanto
maior o número de colisões, maior será a pressão. Podemos concluir, então, que a
pressão depende diretamente da concentração de um determinado gás. Pela lei dos
gases perfeitos, temos:
PV = nRT
Em que P = pressão; V = volume; n = número de moléculas do gás; R = constante
dos gases; T = temperatura absoluta.
Num determinado recepiente de volume e temperatura constantes, a pressão de um
gás é diretamente proporcional ao número de moles do mesmo, ou seja, sua
concentração.
Quase sempre se trabalha com mistura de vários gases. O ar atmosférico é um
exemplo em que existem O2, N2, CO2, entre outros. Cada um desses gases vai exercer
uma pressão independentemente dos demais. É o que chamamos de pressão parcial de
um gás. A soma das pressões parciais desses gases é que vai determinar a pressão total
daquela mistura.
O movimento aleatório das moléculas de um gás pode ter uma direção de fluxo se
houver um gradiente de concentração. As moléculas tendem a se movimetar sempre do
meio de maior concentração para o meio de menor concentração. Esse tipo de
comportamento é denominado difusão.
No nosso organismo, os gases encontram-se também dissolvidos nos líquidos
corporais. Segundo a lei de Henry, o volume de gás dissolvido é proporcional à sua
pressão parcial. Quanto maior for a concentração de O2 ou CO2 na fase gasosa, maior
será o volume que entrará em solução.
A concentração de um gás dissolvido em um líquido também depende de outros
fatores, como a temperatura e a solubilidade daquele gás em um determinado solvente.
O CO2, por exemplo, é 20 vezes mais difusível em água que o O2. Para uma mesma
pressão parcial, 20 vezes mais moléculas de CO2 irão entrar em solução em relação às
moléculas de O2.
AR ALVEOLAR
A composição do ar alveolar não é a mesma do ar atmosférico por vários motivos.
Em primeiro lugar, em um movimento ventilatório, o ar alveolar não é totalmente
reciclado. Sempre existe uma quantidade de ar que fica retido nas vias respiratórias,
sendo denominado ar residual. Só depois de vários movimentos ventilatórios, o ar é
totalmente renovado. Outro fator responsável por essa diferença é o fato de, no alvéolo,
o O2 ser constantemente absorvido e o CO2 ser constantemente excretado. A pressão de
vapor d’água também é importante. Como o ar é totalmente umidificado, a concentração
de água no alvéolo é maior do que sua concentração no ar atmosférico, como mostrado
na Tabela 13.1. Ressalvamos que tecnicamente é inconveniente o termo “concentração”
para solutos gasosos. Portanto, os valores são expressos como pressão (p) parcial.
Tabela 13.1 Pressões (em mmHg) de gases respiratórios (no nível do mar, pressão
barométrica de 760 mmHg) nas diferentes fases da respiração. (*)
Ar Ar Ar
atmosférico* umidificado alveolar
pN2 597 563,4 569
pH2O 3,7 47 47
OXIGÊNIO
O O2 é continuamente absorvido para a circulação pulmonar e O2 novo é
constantemente inspirado para dentro do alvéolo. A concentração de oxigênio no
alvéolo depende, portanto, de dois fatores: taxa de absorção e frequência respiratória.
Quanto mais alta for a taxa de absorção, menor será a concentração de oxigênio no
alvéolo. O inverso ocorre com a taxa de respiração: quanto mais rápido novo O2 é
trazido para dentro, através da inspiração, maior será sua concentração no alvéolo.
GÁS CARBÔNICO
O CO2 é continuamente formado pelos tecidos, carregado até o alvéolo e excretado
para o ar atmosférico durante a expiração. A concentração de CO2 no alvéolo depende,
portanto, de dois fatores: taxa de produção pelos tecidos e frequência ventilatória.
Quanto maior for a produção de CO2 pelos tecidos, maior será a sua concentração
no alvéolo. Quanto maior for a velocidade de excreção, menor será sua concentração
no alvéolo.
MEMBRANA RESPIRATÓRIA
Para um gás penetrar na circulação do alvéolo ou sair da circulação para o alvéolo,
ele precisa atravessar uma série de barreiras. O alvéolo (mostrado na Figura 13.1) é a
porção terminal e funcional do trato respiratório, que é estruturalmente comparável a
um pequeno saquinho de paredes muito delgadas e envolto por uma rede complexa de
capilares. A Figura 13.2 mostra os componentes da microcirculação alveolar.
Figura 13.1 Microscopia pulmonar (HE) mostrando a luz alveolar (av), epitélio (Ep) e núcleo (N).
TROCAS GASOSAS
OXIGÊNIO
A pressão de O2 nos alvéolos é de, aproximadamente, 100 mmHg. Nos capilares
alveolares, o sangue vem dos tecidos com uma pressão de, aproximadamente, 40
mmHg. Lembre-se de que o sangue chega ao coração no átrio direito, é bombeado para
o ventrículo direito, através das artérias pulmonares, até os pulmões, onde é oxigenado
e libera CO2. Depois volta pelas veias pulmonares para o átrio esquerdo e então para o
ventrículo esquerdo, de onde é impulsionado para todo o corpo pela aorta. Essa é a
circulação corpórea elucidada na Figura 13.4.
Quando o sangue oxigenado chega aos tecidos, ocorre uma situação similar. As
células estão continuamente utilizando O2 nas reações químicas necessárias à energética
celular. Assim, o pO2 tecidual é aproximadamente 40 mmHg. A pO2 sanguínea sendo
100 mmHg cria um gradiente que favorece a passagem de O2 do sangue para os tecidos.
De maneira análoga à situação anterior, poderia-se pensar que, à medida que as células
recebessem O2, a PO2 tecidual aumentaria. Isso não ocorre porque as células têm um
metabolismo constante e estão continuamente utilizando O2. Dessa meneira, o pO2
tecidual é mantido sempre no mesmo valor de 40 mmHg. Assim sendo, ocorre difusão
até a pO2 sanguínea atingir 40 mmHg, quando cessa o gradiente (Figura 13.6).
1
Figura 13.6 Esquema das pressões parciais de O2 (pO2) nos tecidos.
Este sangue agora segue até o coração, onde recomeça todo o ciclo. De uma maneira
resumida temos que: a pO2 alveolar e do sangue arterial é 100 mmHg; e a pO2 dos
tecidos e sangue venoso é de 40 mmHg.
TRANSPORTE DE OXIGÊNIO
O oxigênio pode ser transportado de duas maneiras diferentes no sangue: dissolvido
(no plasma ou dentro das células) ou ligado à hemoglobina (Hb). Na hemoglobina, o O2
liga-se, por uma ligação muito fraca, a um dos radicais livres do ferro. A saturação de
O2 na hemoglobina não é constante, podendo variar com a pressão parcial de O2 (pO2)
do meio. No sangue que está saindo do alvéolo, sangue arterial, a pO2 é de 100 mmHg.
Dizemos que esse meio é oxidante, devido à alta pO2. Nessa situação, a saturação da
hemoglobina em oxigênio é máxima. Nos capilares, onde a PO2 tecidual é 40 mmHg, o
meio é menos oxidante devido à baixa pO2. Nessa situação, a saturação da hemoglobina
em oxigênio é baixa. Esse tipo de comportamento é estritamente fisiológico: no alvéolo,
a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio tem que ser alta, pois o O2 precisa ser
captado para ser levado até os tecidos. Isso é devido a principalmente três fatores: pH
mais alcalino (efeito Bohr), pCO2 mais baixa (efeito Haldane). A Figura 13.7 mostra a
curva de saturação da hemoglobina. Agora, nos tecidos, a situação se inverte: a
afinidade da hemoglobina pelo oxigênio tem que ser baixa, porque o O2 precisa ser
liberado para as células, nesse caso o pH é mais acido, a pCO2 é mais elevada, e a
temperatura é maior.
Figura 13.7 Curva de saturação da hemoglobina.
GÁS CARBÔNICO
A pressão de CO2 (pCO2) nos alvéolos é de 40 mmHg. Nos capilares alveolares, o
sangue vem dos tecidos com uma pCO2 de aproximadamente 46 mmHg. Essa diferença
de pressão cria um gradiente que faz com que o CO2 seja deslocado, por difusão, dos
capilares para os alvéolos. À medida que o CO2 sai dos capilares e vai para os
alvéolos, poderia-se-ia pensar que a pCO2 no alvéolo tenderia a aumentar. Isso não
acontece porque, através da ventilação, o CO2 está sendo continuamente expelido para
fora dos pulmões. Assim, a pCO2 alveolar mantém-se constante. A difusão vai ocorrer
até que a pCO2 capilar atinja 40 mmHg, onde cessa o gradiente (Figura 13.8).
Figura 13.8 Esquema das pressões parciais de CO2 (pCO2) nos alvéolos.
Quando o sangue chega aos tecidos, ocorre outra difusão. As células estão
continuamente produzindo CO2 como metabólito de várias reações químicas. A pCO2
tecidual é em torno de 46 mmHg. A pCO2 sanguínea sendo 40 mmHg cria um gradiente
que favorece a passagem de CO2 dos tecidos para os capilares (Figura 13.9).
Figura 13.9 Esquema das pressões parciais de CO2 (pCO2) nos tecidos.
TRANSPORTE DE CO
O CO2 pode ser transportado de três maneiras diferentes: dissolvido no plasma,
ligado à hemoglobina ou na forma de íons de HCO3-.
Ao ser formado nos tecidos, o CO2 difunde-se para os capilares e para dentro das
hemácias. Nas hemácias, o CO2 pode ter dois destinos: ou ele se combina com a
hemoglobina, formando carbamino (CO2Hb), ou ele reage com a água, formando H2CO3
e depois H+ e HCO3- (essa reação é catalizada pela enzima anidrase carbônica). O H+
formado é então tamponado pela Hb, e o HCO3- é transportado para fora da hemácia
por uma proteína que faz um antiporter de HCO3- e Cl- (Figura 13.10).
Quando o sangue chega até os alvéolos, uma reação inversa ocorre: o HCO3- volta
para dentro da hemácia, onde reage com o H+, formando H2CO3, que se decompõe em
CO2 e H2O. O CO2 difunde-se até o alvéolo, de onde ele deverá ser expirado.
Figura 13.11 Alteração na curva de saturação da hemoglobina quando sobre influência de diferentes
fatores.
A combinação do O2 com a Hb tende a deslocar o CO2 que antes estava ligado a ela.
Esse fenômeno é denominado efeito Haldane. Isso ocorre porque a oxi-hemoglobina é
um ácido forte, o que torna a sua afinidade pelo CO2 diminuída, expulsando-o para o
sangue. O aumento da acidez da Hb faz com que haja liberação de H+, que vai reagir
com o HCO3- e produzir CO2, que será excretado do sangue para o alvéolo.
Assim temos que, no pulmão, onde ocorre maior absorção de O2 e, por
consequência, sua ligação à Hb, o CO2 é deslocado para fora da hemácia até o alvéolo.
Nos tecidos, o O2 é liberado para as células, diminui sua concentração na hemácia, o
que aumenta a afinidade da Hb para o CO2, facilitando sua captação para ser levado até
os pulmões e depois ser excretado.
CENTROS RESPIRATÓRIOS
Os centros respiratórios e receptores periféricos a eles associados fazem parte da
porção nervosa que regula o processo ventilatório. Os centros respiratórios são quatro
grupamentos de neurônios localizados no bulbo e na ponte: grupo dorsal, sendo
responsável pela inspiração; grupo ventral, sendo responsável tanto pela inspiração
quanto pela expiração; centro pneumotáxico, que controla o intervalo de tempo da
inspiração; e centro apneustico, cuja função não está bem clara, mas parece auxiliar o
centro pneumotáxico.
Os receptores periféricos são quimiorreceptores que auxiliam no controle do
processo ventilatório. Os dois grupos mais importantes localizam-se na bifurcação das
carótidas e no arco aórtico. Existem outros quimiorreceptores espalhados entre as
artérias das regiões torácica e abdominal, mas não chegam a formar grupamentos tão
importantes quanto aqueles anteriormente citados.
Os centros não são influenciados diretamente pelas variações das concentrações de
CO2 ou de H+. Há outra área quimiossensível que fica mais próxima aos capilares e que
detecta alterações nas concentrações de CO2 e de H+ e transmite sinais para esses
centros.
CONCENTRAÇÕES DE CO
O CO2 não influencia diretamente os centros respiratórios, ao contrário do H+, que
tem um potente efeito estimulatório sobre a ventilação. Tanto a barreira
hematoencefálica quanto a cerebroespinhal, entretanto, são pouco permeáveis aos íons
de H+, mas completamente permeáveis à passagem do CO2. Para que o H+ possa atuar
sobre a ventilação, primeiramente o CO2 precisa se difundir pelas barreiras de maneira
passiva. Ele reage então à água dos tecidos da área quimiossensitiva, formando H2CO3,
que depois se dissocia em HCO3- e H+, que estará pronto para agir.
CONCENTRAÇÃO PLASMÁTICA DE O
O O2 não tem atuação direta sobre os centros respiratórios, mas a tem sobre os
quimiorreceptores periféricos. Portanto, concentrações muito baixas de O2 (de 30 a 60
mmHg) são necessárias primeiramente para estimular os quimiorreceptores, e esses,
por sua vez, irão estimular os centros respiratórios.
CONTROLE DO PH DO SANGUE
Ao estudar o equilíbrio acidobásico, deve-se levar sempre em consideração o pH
dos líquidos corporais. O pH é uma maneira qualitativa e não quantitativa de sabermos
a concentração de hidrogênio de um determinado meio. Um valor de pH indica se um
meio está ácido, alcalino ou neutro, mas não dá informações específicas sobre a
quantidade de íons hidrogênio que ali existe. Um determinado meio será considerado
alcalino (ou básico) quando o pH estiver acima de 7,00. Abaixo desse valor, o meio é
dito ácido. No valor de pH 7,00, o meio é considerado neutro. Há uma fórmula que
pode determinar a concentração de hidrogênio a partir de um valor de pH:
pH = log 1/[ H+] ou pH = -log[H+]
Quanto maior for a concentração de hidrogênio, menor será o valor de pH. Quando
a concentração de hidrogênio for baixa, o pH será alto.
O pH do sangue arterial é de 7,40 (considerado levemente alcalino)
correspondendo a uma concentração hidrogenônica de 40 nmol/L (40 x 10-9 Eq/L). Para
o sangue venoso, o pH é um pouco mais baixo: 7,35, devido à maior concentração de
ácidos no plasma, oriundos dos tecidos pela atividade metabólica.
Para o organismo, o pH ideal é 7,40 (arterial). Se o pH estiver acima desse valor,
haverá uma alcalose. Acidose ocorre quando o pH estiver abaixo de 7,40.
A manutenção do pH do plasma é muito importante porque pequenas variações
podem causar sérios danos. A sobrevivência é mantida em uma faixa estreita. O valor
mínimo compatível com a vida é de 6,90 aproximadamente. O valor máximo é de 8,40.
Isso corresponde a uma variação de uma unidade de pH.
Pode-se perguntar: por que o organismo é tão sensível a variações de pH?
Basicamente, a resposta é dada pela bioquímica dos líquidos corporais. Todas as
reações químicas dependem do pH do meio em que elas ocorrem. Uma mudança no pH
pode acelerar ou deprimir uma reação.
As reações químicas do nosso organismo seriam muito lentas e incompatíveis com a
vida se não fosse pelas enzimas. Enzimas são proteínas e, como todas as outras
proteínas, têm, em sua estrutura, aminoácidos com radicais que interagem com os íons
do meio, inclusive o H+. A maneira como esses radicais interagem com o meio é que
vai determinar a estrutura espacial dessas moléculas. No momento em que ocorre uma
variação de pH, a concentração de H+ também varia. Isso acarreta uma mudança,
também, na interação entre as enzimas e os íons do meio, dando uma nova forma
àquelas proteínas. A atividade enzimática depende diretamente da configuração
espacial das enzimas porque elas reagem de uma maneira estereoespecífica com os
seus substratos. No momento em que a forma delas é modificada, a reação química que
ela catalisa fica prejudicada devido à inativação enzimática.
Assim, fica fácil perceber a importância da manutenção do pH dos líquidos
corporais. Distúrbios do equilíbrio acidobásico são comuns na clínica e precisam ser
bem estudados por quem trabalha na área da saúde.
RELAÇÃO ENTRE O PH E A CONCENTRAÇÃO DE
HIDROGÊNIO
Por ser o pH uma medida inversa e logarítmica da concentração de H+, existe uma
tendência a expressar diretamente as concentrações de H+ em molaridade.
Apresentamos na Tabela 13.2 a relação entre o pH e a concentração de H+ em nanomóis
por litro (nmol/L).
PRODUÇÃO DE ÁCIDOS
As acidoses são muito mais comuns que as alcaloses. Isso ocorre porque o nosso
organismo produz muitos ácidos. Para obter a energia necessária para as suas funções,
o nosso corpo quebra moléculas maiores em moléculas menores. Essas reações
químicas têm como metabólitos, basicamente, ácidos.
Podemos dividir os metabólitos ácidos em dois grupos: ácidos voláteis, em que
temos como exemplo o CO2 e ácidos não voláteis ou fixos, em que temos como exemplo
o H+. O CO2 não é um ácido, porém em contato com a água torna-se ácido carbônico.
Por essa razão, vamos considerar o CO2 como um ácido.
CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-
O CO2 é o principal ácido liberado, oriundo da combustão de glicose e de ácidos
graxos. Veja a equação geral:
C6H12O6 + 6O2 6CO2 + 6H2O + 38 ATP
A combustão de 1 mol de glicose libera 6 moles de CO2.
Os ácidos fixos provêm de várias outras reações químicas, mas a principal fonte é o
metabolismo de aminoácidos contendo enxofre, como a cisteína e a metionina. O ácido
liberado nessa reação é o ácido sulfúrico. Quanto maior for a quantidade de proteína na
dieta e quanto maior for o seu catabolismo, maior será a produção de ácido sulfúrico. O
ácido fosfórico provém da oxidação de fosfolipídeos e de fosfoproteínas. A
degradação de nucleoproteínas produz ácido úrico. Pode ocorrer, também, a combustão
incompleta de carboidratos e ácidos graxos, com a produçào de ácido lático e
cetoácidos.
O CO2 é dito um ácido volátil porque ele é eliminado pelos pulmões e sua
concentração plasmática depende, portanto, da ventilação. A concentração plasmática
dos ácidos fixos depende da excreção renal.
Com toda essa produção de ácidos, o nosso organismo tem que ter mecanismos que
impeçam uma mudança brusca de pH no plasma assim que eles são formados. Para isso,
existem três maneiras de minimizar essas mudanças: os sistemas tampões, a regulação
ventilatória e a regulação renal. Vamos analisar, agora, cada um desses mecanismos
detalhadamente.
SISTEMAS TAMPÕES
Para melhor compreender como funcionam os tampões, é necessário, inicialmente,
revisar alguns conceitos básicos.
Ácidos e bases: Existem várias teorias, mas a que melhor serve aos nossos
propósitos é a definição de Brownstead e Lery, na qual um ácido é uma substância
capaz de liberar prótons de H+ e uma base é uma substância capaz de captar esses
prótons. Um ácido, em solução, apresenta-se em equilíbrio com a sua base conjugada.
Tomemos como exemplo o H2CO3:
H2CO3 H+ + HCO3-
O bicarbonato (HCO3-) é a base conjugada do ácido carbônico (H2CO3).
Um tampão é um sistema que contém substâncias capazes de minimizar alterações
de pH do meio em que elas estão. O mais importante sistema tampão do nosso
organismo é o do bicarbonato (HCO3-).
O sistema tampão bicarbonato é o mais representativo no organismo humano. No
plasma, há uma mistura de H2CO3 e NaHCO3, nas seguintes condições:
H2CO3 H+ + HCO3-
NaHCO3 Na+ + HCO3-
O H2CO3 (ácido carbônico) é um ácido fraco, porque tem uma constante de
dissociação baixa. Em solução, ele existe mais na forma molecular do que na forma
ionizada. No nosso organismo, graças à presença da enzima anidrase carbônica, ele é
rapidamente degradado em H+ e HCO3- ou em CO2 e H2O, dependendo das
necessidades do meio.
CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-
O NaHCO3 é uma base fraca e também existe mais sob a forma molecular do que a
ionizada. Vamos analisar o que aconteceria se adicionássemos um ácido forte, como o
HCl, à solução tampão:
1) H2CO3 H+ + HCO3-
2) NaHCO3 Na+ + HCO3-
3) HCl H+ + Cl-
A concentração de hidrogênio aumenta, e isso desloca a reação 1 para a esquerda,
aumentando a formação de H2CO3, que é um ácido fraco, porque não libera muitos
prótons para o meio. Se prótons de H+ não são liberados para o meio, o pH da solução
não é modificado. O Cl- não influencia no valor de pH. Concluindo, temos que os H+
liberados pelo HCl são rapidamente transformados em H2CO3, que não altera o pH.
Vamos analisar o que aconteceria se adicionássemos uma base forte, como o NaOH,
à solução tampão:
1) H2CO3 H+ + HCO3-
2) NaHCO3 Na+ + HCO3-
3) NaOH Na+ + OH-
EQUAÇÃO DE HANDERSSON-HASSELBACH
Como citamos anteriormente, o H2CO3 pode ser transformado tanto em H+ e HCO3-
quanto em CO2 e H2O:
CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3-
Essas reações são catalizadas por uma enzima específica, chamada anidrase
carbônica. O sentido da reação vai depender das necessidades do organismo.
Existe uma fórmula que relaciona o pH com as concentrações de HCO3- e CO2. É a
equação de Handersson-Hasselbach, que pode ser deduzida como demonstrado a
seguir.
Partimos da reação de degradação do H2CO3 em H+ e HCO3-.
H2CO3 H+ + HCO3-
A constante de dissociação pode ser calculada da seguinte maneira:
k = [H+] x [HCO3-] / [H2CO3]
Como o H2CO3 é um ácido muito instável (devido à presença da anidrase
carbônica), ele quase não existe sob a forma molecular. Como ele é transformado em
CO2 + H2O, podemos calcular a concentração de H2CO3 a partir da concentração de
CO2. Temos, então, que:
k = [H+] x [HCO3-] / [CO2]
Podemos reagrupar os membros da seguinte maneira:
[H+] = k x [CO2] / [HCO3-]
Aplicando o logaritmo de toda a equação, temos:
log H+ = logk + log ([CO2] / [HCO3-])
Multiplicando tudo por um sinal negativo, temos:
-log H+ = -log k + log ([HCO3-] / [CO2])
Como -log H+ é o pH e -log k é o pK, temos:
pH = pK + log ([HCO3-] / [CO2])
Adicionando a constante de solubilidade do CO2, ∝, tem-se que:
pH = pK + log ([HCO3-] / ∝ [CO2])
O pK de um ácido é um valor de pH em que ele se encontra 50% livre e 50%
associado ao H+. A Figura 13.12 representa o pK do ácido carbônico.
Figura 13.12 pK do
ácido carbônico.
FOSFATO
O tampão fosfato é composto por H2PO4- e HPO4-2. Veja o que aconteceria se
adicionássemos um ácido forte (HCl) a essa solução:
HCl + Na2HPO4 NaH2PO4 + NaCl
O ácido forte acaba sendo transformado em NaH2PO4, que é um ácido fraco e,
portanto, não altera significativamente o pH.
Se colocarmos uma base forte (NaOH), veja o que acontece:
NaOH + NaH2PO4 Na2HPO4 + H2O
A base forte é convertida em uma base fraca (NaH2PO4), que não altera
significativamente o pH. O pk desse sistema é 6,8, mais próximo ao pH plasmático do
que o pk do tampão bicarbonato. No plasma, o seu poder tamponante seria maior que o
do bicarbonato se a sua concentração nesse meio fosse adequada. Os locais de atuação
mais importantes do tampão fosfato são o meio intracelular e a urina, onde as suas
concentrações são altas e os pHs são mais próximos do seu pk.
PROTEÍNAS
As proteínas possuem radicais livres, dos seus aminoácidos constituíntes, capazes
de formar ligações com os íons de H+, dependendo do gradiente de concentração.
Dentre as proteínas presentes no sangue, a mais importante é a hemoglobina. A
hemoglobina é uma proteína globular que contém em seu centro íons de ferro. A função
principal dessa molécula é transportar oxigênio dos alvéolos para os tecidos.
Entretanto, sua estrutura permite que ela tenha também função de tampão.
O CO2 é um gás altamente difusível e entra rapidamente para dentro da hemácia,
onde está a hemoglobina. Dentro da hemácia, o CO2 é hidratado à H2CO3 que se
dissocia em HCO3- e H+. O bicarbonato sai da hemácia por um antiporter com o Cl-
(pendrina), e o H+ liga-se a algum radical livre da própria hemoglobina. Dizemos, por
isso, que o H+ foi tamponado pela hemoglobina. Esse tamponamento é essencial para o
transporte de CO2 no plasma.
As proteínas presentes no interior das células dos tecidos em geral são mais
importantes, quantitativamente, do que a hemoglobina. Elas são responsáveis pelo
tamponamento de 70% dos ácidos do nosso organismo. Mas, devido à grande
dificuldade que o H+ e o HCO3- têm de atravessar as membranas dessas células, esse
tamponamento pode levar horas para acontecer.
OUTROS TAMPÕES
Citamos, anteriormente, que substâncias presentes nos ossos também podem
funcionar como tampões. Eles fazem isso trocando H+ por outros íons, como o Ca++.
Outras células do nosso organismo também podem realizar tais trocas. Uma pessoa que
está em acidose pode estar hipercalêmica devido à entrada de H+ nas células e uma
consequente saída de K+. A troca entre esses dois íons ocorre principalmente nas
hemácias. Em termos de regulação do equilíbrio acidobásico, o tamponamento
extracelular é o mais rápido a agir. Existem três sistemas primários que regulam a
concentração de íons de hidrogênio nos líquidos corporais para evitar o
desenvolvimento de acidose ou de alcalose: (1) os sistemas químicos de tampões, de
ação imediata; (2) o centro respiratório; e (3) os rins. A Figura 13.13 mostra esses
diferentes sistemas e suas peculiaridades.
RINS
Os rins têm um papel fundamental no equilíbrio acidobásico do organismo. Eles são
órgãos responsáveis pela filtração, excreção e reabsorção de vários metabólitos e íons,
dentre eles o H+ e o HCO3-, íons essenciais para a manutenção do pH plasmático.
Torna-se importante, portanto, conhecer os mecanismos pelos quais os rins controlam
as taxas de H+ e HCO3- no plasma. Vamos analisar alguns transportes que ocorrem no
néfron, a unidade funcional do rim. É no néfron que as trocas ocorrem. Como mostra a
Figura 13.14, o néfron é composto por várias partes, cadas uma delas com uma função
diferente.
Figura 13.14 Estrutura do néfron especificando a nomenclatura de cada porção. Em que aa é a arteríola
aferente; ae, arteríola eferente; aj, aparelho justaglomerular.
O sangue chega até o néfron através da arteríola aferente, que logo forma um
enovelado de capilares, chamado de glomérulo, dentro da cápsula de Bowman. Após
enovelar-se, ela sai da cápsula, agora como arteríola eferente. A cápsula é formada por
duas camadas, uma interna e outra externa. Entre elas fica o espaço capsular, onde se
acumula o filtrado glomerular. O sistema tubular do néfron inicia-se na cápsula de
Bowman e logo sofre contorções que se denominam túbulo contorcido proximal.
Depois disso, temos a Alça de Henle, formada por uma porção descendente e outra
ascendente. O sistema tubular sofre nova contorção para formar o túbulo contorcido
distal, que depois se abre para túbulo coletor, onde a urina, já formada, é conduzida,
em última análise, até o ureter para ser excretada.
O rim controla a concentração de H+ no plasma, excretando mais ou menos H+ no
filtrado glomerular, formando, assim, urina mais ácida ou mais alcalina,
respectivamente. Há duas maneiras diferentes pelas quais o H+ pode ser excretado: nos
seguimentos tubulares proximais, por transporte ativo primário ou antiporter com o íon
de sódio, e nos segmentos tubulares distais, por transporte ativo primário.
No túbulo proximal, o Na+ filtrado pelo glomérulo é reabsorvido em troca da
excreção de um H+ proveniente da célula renal. Essa troca é realizada através de um
antiporter de Na+/H+. O túbulo proximal é praticamente impermeável ao íon de HCO3-.
O H+ secretado em troca do Na+ reage com o bicarbonato, formando CO2 e H2O. O H2O
fica no túbulo, diluindo o filtrado, e o CO2 é absorvido para dentro da célula tubular. O
CO2, agora dentro da célula, faz a reação inversa, ou seja, reage com a água para
formar hidrogênio e bicarbonato. O hidrogênio é secretado para a luz do túbulo por
transporte ativo primário ou pelo antiporter de Na+/H+, e o bicarbonato é reabsorvido
para o plasma através de um transporte ativo secundário à bomba de sódio e potássio,
um simporter com o sódio ou um antiporter com o íon de cloreto. Veja que, nesse
processo, para cada H+ excretado, tem-se a reabsorção de um íon de HCO3-. A
reabsorção é essencial para manter o funcionamento do sistema de tampão (Figura
13.15).
Nos túbulos distal e coletor, nós também temos eliminação de H+. O processo tem
início com a absorção do CO2 para dentro da célula tubular. O CO2 combina-se com o
H2O, sob catálise da anidrase carbônica, formando H2CO3, que logo se dissocia em
HCO3- e H+. O HCO3- é reabsorvido por um antiporter com o cloro. O H+ formado é
excretado por uma proteína específica, com gasto de energia. O Cl- é excretado por
transporte passivo para o filtrado glomerular. Nesse processo, também houve
reabsorção de HCO3- e eliminação de H+ (Figura 13.16).
Figura 13.16 Sistema de transporte de bicarbonato nos túbulos distal e coletor.
ALDOSTERONA
Esse sistema é ativado com a diminuição da pressão sanguínea, diminuição do
volume sanguíneo, diminuição da pressão renal, diminuição de sódio no túbulo distal
renal e/ou aumento da atividade simpática. O sistema inicia-se com a pró-renina que se
converte em renina nas células justaglomerulares do rim.
Quando a renina está presente no plasma, ela catalisa a conversão do
angiotensinogênio (produzido no fígado) em angiotensina I. A angiotensina I sofre a
ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), para formar a angiotensina II nos
pulmões, nos rins e nas células superficiais do endotélio. A angiotensina II estimula a
secreção de aldosterona nas células da zona glomerular da glândula suprarrenal.
A aldosterona tem a função de aumentar a reabsorção de sódio no túbulo distal e
nos ductos coletores, aumentando a osmolaridade, o volume do líquido extracelular e o
volume sanguíneo. Também potencializa a atividade da bomba Na+/K+-ATPase para
aumentar a retenção de sódio e excreção de potássio e do íon de H+. Portanto, a
aldosterona também regula o equilíbrio acidobásico, já que ela absorve dois íons de
sódio e em troca elimina na urina um íon de potássio e um íon de hidrogênio (Figura
13.17).
Figura 13.17 Mecanismo de reabsorção de sódio mediado pela aldosterona na célula principal da
porção final do túbulo distal e ducto coletor.
HIATO ANIÔNICO (
Apesar de terem concentrações diferentes, os íons do líquido extracelular estão em
equilíbrio elétrico, ou seja, existe o mesmo número de cargas positivas e de cargas
negativas (Figura 13.18). O principal cátion dos líquidos extracelulares é o Na+, e os
principais ânions são o Cl- e o HCO3-. A soma da concentração plasmática de Cl- e de
HCO3- é menor do que a concentração sérica de Na+. Isso significa que há outros ânions
séricos, geralmente não medidos. A esses ânions remanescentes dá-se o nome de hiato
aniônico sérico, ou anion gap, que pode ser calculado da seguinte maneira:
Hiato Aniônico Sérico = Na+ - (Cl- + HCO3-)
Em que Na+ = concentração sérica de Na+; Cl- = concentração sérica de Cl-; HCO3-
= concentração sérica de HCO3-.
Figura 13.18 Representação dos íons plasmáticos e do hiato aniônico.
ACIDOSE RESPIRATÓRIA
A acidose respiratória caracteriza-se por um aumento na taxa de ácido volátil (CO2)
no plasma devido a um déficit em sua eliminação pelos pulmões. O aumento da pCO2
arterial leva a um aumento do H2CO3 e do H+, resultando em acidose. As manifestações
clínicas são de depressão do SNC, com desorientação e até o coma. Pode ocorrer em
pacientes que apresentam:
a) Pneumonia: porque há redução na área de superfície disponível para as trocas.
b) Enfisema pulmonar: há destruição dos alvéolos por ação da tripsina que é
liberada em excesso pelos macrófagos alveolares que aumentam dentro dos alvéolos na
tentativa de eliminar o excesso de impurezas na membrana alveolar. Essas impurezas
normalmente estão aumentadas em fumantes, trabalhadores de minas ou em lugares
altamente poluídos. Essa destruição alveolar faz diminuir a oxigenação do sangue,
provocando uma hiperventilação compensatória que induz uma alcalose respiratória.
Com a evolução da doença, a destruição dos alvéolos pode ser de tal ordem que faz
com que o CO2 aumente, provocando uma acidose respiratória. Portanto, o enfisema em
sua fase inicial pode provocar uma alcalose respiratória e na sua fase terminal uma
acidose respiratória.
c) Asma: é uma broncoconstrição de cunho alérgico que pode provocar alterações
importantes nas trocas gasosas. Como no caso do enfisema, por ser o CO2 um gás vinte
vezes mais difusível que o O2, a asma leve pode levar a uma alcalose respiratória,
enquanto as mais severas podem provocar acidose respiratória.
d) Membrana hialina: é a doença dos recém-nascidos prematuros. Essas crianças
possuem deficiência de um surfactante (esfingomielina), ocasionando dificuldades em
expandir o pulmão e, por isso, não há abertura dos alvéolos, dificultando as trocas
gasosas.
e) Ataque epilético: o ataque epilético provoca contraturas musculares
generalizadas, o que propicia a contratura dos músculos respiratórios, levando a uma
diminuição da respiração e, consequentemente, à acidose respiratória.
f) Uso de barbitúricos e narcóticos: esses medicamentos podem levar à depressão
do centro respiratório, com diminuição da frequência respiratória e acidose
respiratória.
Com o aumento na pCO2, mais H+ é excretado pelo rim, e mais HCO3- é reabsorvido
para tamponar o sistema ácido formado. Esse serve como mecanismo de compensação
para retornar o valor de pH ao seu ideal.
ACIDOSE METABÓLICA
A acidose metabólica caracteriza-se por um aumento na taxa de ácido fixo (não
volátil) no plasma, ou por sua produção metabólica excessiva, ou por falta de sua
eliminação adequada pelo rim. As manifestações clínicas são: diminuição da função
cardíaca, alterações no ritmo respiratório e outros. Várias são as doenças que podem
causar esse distúrbio:
a) Diabetes mellitus: por falta de glicose, a célula utiliza outras rotas metabólicas,
como os lipídeos, para obter energia, resultando em maior produção de metabólitos
ácidos.
b) Insuficiência renal: o rim é o principal órgão por onde são eliminados os íons
hidrogênio. Essa patologia diminui a taxa de filtração do rim, provocando uma retenção
de hidrogênio, que leva a uma acidose.
c) Choque: o choque (seja ele séptico, hipovolêmico, cardiogênico ou outros) tem
como ponto em comum a brusca queda da pressão arterial. Esse fato leva a uma queda
da oxigenação dos tecidos, que provoca o aumento do metabolismo anaeróbico gerando
grande quantidade de ácido lático (acidose lática).
d) Diarreia: a diarreia crônica provoca acidose por dois mecanismos. Um é pela
perda de bicarbonato intestinal, que leva à acidose metabólica por falta de tampão. O
outro mecanismo é pela perda excessiva de água, que pode gerar hipotensão arterial,
gerando uma acidose lática.
e) Acidose tubular renal: essa patologia, normalmente detectada em pediatria, pode
ser de dois tipos: proximal ou distal. A acidose tubular renal proximal caracteriza-se
pela diminuição da reabsorção renal proximal do íon de bicarbonato, levando a uma
acidose do sangue, enquanto a urina, por ter excesso de bicarbonato, apresenta um pH
alcalino. A acidose tubular renal distal ocorre por uma falha do mecanismo mediado
pela aldosterona no túbulo distal, onde ocorre uma absorção de íons sódio e uma
secreção de íons de potássio e hidrogênio. Portanto, nesse caso, menos íons de
hidrogênio são secretados, sendo retidos no sangue e desenvolvendo uma acidose
metabólica.
A acidose plasmática produz estímulo dos centros respiratórios, que provocam
hiperventilação com queda na pCO2. Eliminando mais ácido volátil, o pH tende a voltar
ao seu valor ideal. Esse constitui um mecanismo de compensação respiratório.
ALCALOSE RESPIRATÓRIA
A alcalose respiratória caracteriza-se por uma diminuição na taxa de ácido volátil
(CO2) no plasma, devido a um aumento em sua eliminação. As manifestações clínicas
são de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central e do sistema nervoso periférico,
com tetania e convulsões. A causa é a hiperventilação, que pode ocorrer em algumas
situações como:
a) Crises de ansiedade: pessoas com crises de ansiedade tendem a respirar mais
rapidamente, levando a uma excessiva liberação de CO2 com consequente diminuição
da pCO2 e aumento do pH.
b) Grandes altitudes: quando uma pessoa se desloca para grandes altitudes, onde o
ar é mais rarefeito e, portanto, a pressão de oxigênio é menor, o pulmão na tentativa de
obter mais oxigênio hiperventila, gerando uma maior eliminação de CO2.
c) Dor: a dor pode aumentar a frequência respiratória.
d) Cirrose hepática: a cirrose hepática provoca grandes alterações de metabolismo,
notadamente da amônia. Este mecanismo ainda não está claro, parece que o aumento
plasmático da amônia pode afetar o sistema neurológico, provocando hiperventilação e
consequente alcalose respiratória.
e) Febre: o aumento da temperatura corporal desloca a curva de saturação da
hemoglobina, fazendo com que essa carregue menos oxigênio para os tecidos. A falta de
oxigenação tecidual produz um mecanismo de compensação respiratório para captar
mais oxigênio a suprir a demanda tecidual. Esse aumento da frequência respiratória
gera, secundariamente, maior eliminação de CO2 que leva à alcalose respiratória.
f) Sobredose de aspirina: apesar de a aspirina ser um ácido (ácido acetilsalicílico),
altas doses desse medicamento podem levar a um grande estímulo do centro
respiratório, o que leva à alcalose respiratória.
É importante salientar que a asma leve e o enfisema pulmonar, quando se encontram
no início da doença, também podem levar a uma alcalose respiratória. A diminuição na
pCO2 plasmática faz com que menos H+ seja secretado pelo rim, com consequente
diminuição da reabsorção de HCO3-. Com menos tampão, o pH tende a voltar ao seu
ideal. Esse é um mecanismo de compensação renal.
ALCALOSE METABÓLICA
A alcalose metabólica caracteriza-se pela diminuição na concentração de ácido fixo
no plasma. Suas manifestações clínicas são as mesmas da alcalose respiratória. É um
distúrbio mais raro. Como causas temos:
a) Vômitos excessivos: ocorre grande perda de H+ estomacal, que não é
compensado pela eliminação de HCO3- pelo rim, que, para preservar a água, não
consegue eliminar o tampão.
b) Uso incorreto de diuréticos: os diuréticos, principalmente aqueles que atuam na
Alça de Henle ascendente, eliminam grandes quantidades de água, sódio, potássio,
cloretos e íons de hidrogênio, tornando a urina ácida e o sangue alcalino.
O aumento do pH plasmático tem um efeito inibidor do centro respiratório, fazendo
com que o organismo retenha mais CO2, corrigindo, então, o pH.
pH ↓ ↓ ↑ ↑
pCO2 - ↑ - ↓
HCO3 ↓ - ↑ -
GASOMETRIA ARTERIAL
A gasometria arterial é um exame de laboratório que nos indica o status
acidobásico do sangue arterial ou venoso do paciente, fornecendo, principalmente, o
pH do sangue, a pCO2, a concentração de bicarbonato, o CO2 total, excesso de base, a
pO2 e a saturação da hemoglobina em oxigênio (sO2).
O pH, a pCO2 e a pO2 são determinados através de eletrodos específicos. A
concentração do bicarbonato é calculada usando a equação de Handersson-Hasselbach,
que já foi explicado anteriormente. Dando um exemplo real, supomos que o pH (que é
medido) de um sangue arterial seja 7,10, a pCO2 (também medida) seja de 30 mmHg.
Como o aparelho pode calcular o bicarbonato usando a fórmula de Handersson-
Hasselbach:
TEORIA DE STEWART
Os principais íons extracelulares são os de sódio, cloretos e bicarbonato, sendo este
intimamente relacionado ao controle do pH do sangue. No líquido intracelular temos
como preponderantes os íons de potássio, fosfato e magnésio. Essa diversidade de
concentração dos íons entre os meios intra e extracelulares é vital para a célula, e esse
gradiente é mantido às custas de transporte ativo, principalmente da bomba de sódio e
potássio (ATPase transportadora de sódio e potássio), que consome aproximadamente
80% do ATP celular, e de transportes passivos, notadamente através de
antitransportadores, cotransportadores. Os principais íons estão apresentados na Figura
13.19, em que podemos ver a distribuição dos cátions e ânions nos líquidos intra e
extracelulares.
Figura 13.19 Distribuição dos íons nos líquidos intra e extracelulares.
Referências
Aires, MM. Fisiologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999.
Burtis CA, Ashwood ER. Tietz – Fundamentos de química clínica. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2008.
Corey HE. Stewart and beyond: new models of acid-base balance. Kidney International 2003;64:777–787.
Costanzo, LS. Fisiologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
Guyton AC, Hall JE. Tratado de Fisiologia Médica. 10ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
Henry JB. Diagnósticos clínicos e tratamentos por métodos laboratoriais. 19ª ed. São Paulo: Manole, 1999.
Koeppen BM. The kidney and acid-base regulation. Adv Physiol Educ 2009;33:275-281.
Lehninger AL, Nelson DL, Cox MM. Princípios de bioquímica. 4ª edição. São Paulo: Sarvier, 2006.
Maxwell MH, Kleeman CR. Clínica das alterações hidroletrolíticas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981.
Oliveira JR. Alterações clínicas e laboratoriais do metabolismo iônico. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011.
Ravel R. Laboratório clínico – aplicações clínicas dos dados laboratoriais. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1997.
14- RADIOATIVIDADE
Melissa Guerra Simões Pires
Fernanda Bordignon Nunes
João Pedro Farina Brunelli
Rafael Boer Nascente
Flávia Kessler Borges
ESTRUTURA DA MATÉRIA
SÍNTESE DA HISTÓRIA DO ÁTOMO E MODELOS ATÔMICOS
CLÁSSICOS
Por definição, matéria é tudo aquilo que possui massa e ocupa lugar no espaço. Já
no século V a.C. os filósofos gregos Leucipo e Demócrito pesquisaram sobre a
constituição da matéria e concluíram que esta era formada por partículas indivisíveis e
indestrutíveis que foram denominadas átomos.
ÁTOMO = A (SEM) + TOMO (DIVISÃO)
↓
PARTÍCULA INDESTRUTÍVEL
Esse conceito se perdeu na história durante algum tempo, porém ressurgiu no século
XIX com o cientista inglês John Dalton. Ele afirmava que a matéria era formada por
partículas pequeníssimas e maciças chamadas de átomos e que estes seriam
indivisíveis, não podendo ser alterados por quaisquer ações externas. Além disso,
Dalton concluiu que as substâncias eram formadas por combinações de átomos, de
modo que cada elemento químico seria composto por um tipo diferente da partícula.
A partir do início do século XX, através do conhecimento da radioatividade, da
descarga em gases rarefeitos e do fenômeno da fissão atômica, adquiriu-se uma
compreensão mais aprofundada da divisibilidade atômica.
A definição daltoniana de átomo caiu por terra com J. Thomson. Esse teórico
sugeriu que o átomo seria constituído por corpúsculos eletrizados positiva e
negativamente (Figura 14.1).
Convém lembrar que Rutherford teve um grande colaborador chamado Niels Bohr
que, em 1913, explicou algumas lacunas do modelo atômico anterior. Ainda não se
havia esclarecido como os prótons não se repeliam no núcleo atômico, mesmo sendo
todas partículas positivas. Além disso, permanecia duvidosa a maneira como os
elétrons permaneciam em órbita. Então, Bohr sugeriu que os elétrons estariam
distribuídos em níveis determinados que variavam de acordo com a quantidade de
energia – o de Bohr foi considerado o primeiro modelo atômico quântico. Ainda
segundo Bohr, os elétrons seriam mantidos no átomo por uma energia de ligação
(“energia de ligação do elétron”), que aumenta em direção ao núcleo – a força
eletrostática é inversamente proporcional à distância entre as cargas ao quadrado.
Assim, dois eventos poderiam acontecer ao fornecer-se energia aos elétrons: caso essa
energia fosse suficientemente grande para superar sua energia de ligação, o elétron
sairia do átomo, ocorrendo ionização (o átomo deixaria de ser neutro). Por outro lado,
se essa energia não vencesse a energia de ligação do elétron, esse poderia saltar para
camadas mais externas da eletrosfera e o átomo se encontraria em um estado de excesso
de energia – esse processo chama-se excitação. Em átomos excitados, a volta dos
elétrons às suas órbitas de origem aconteceria com liberação de energia na forma de
fótons – pacotes de energia equivalente à diferença entre as energias de ligação das
órbitas por onde o elétron esteve. A esse fenômeno Bohr deu o nome de “Salto
Quântico”.
Houve ainda muitas contribuições, como a do alemão Sommerfeld, que comprovou
a existência de órbitas elípticas dos elétrons em torno do núcleo. Mais tarde, em torno
de 1924, De Broglie verificou que, assim como a luz, as partículas materiais também
apresentavam caráter dual de onda-partícula. Schrödinger adaptou aos elétrons essa
teoria. Sugerindo que os elétrons seriam uma onda material, determinou regiões no
espaço onde haveria uma maior probabilidade de encontrá-los.
ÁTOMO
Sabe-se, atualmente, que a estrutura do átomo é composta por aproximadamente 30
partículas diferentes. Elas são subdivididas em partículas elementares e subpartículas
atômicas. Porém, cabe-nos destacar apenas as principais: elétrons, prótons e nêutrons,
sendo a primeira do grupo dos “léptons” (leves) – juntamente com o múon e o tau
lépton – e as duas últimas do grupo dos “hádrons” (pesados). Cada um destes prótons e
nêutrons é formado por três unidades de subpartículas denominadas “quarks”. Até hoje
se sabe que existem seis tipos de quarks, dentre os quais apenas dois entram na
constituição da matéria. A seguir veremos um breve resumo sobre cada quark
descoberto até hoje.
Up: é o mais leve de todos, entra, juntamente com o Down, na formação dos prótons
e dos nêutrons. Sua carga relativa é de 2/3+. Representa dois dos três quarks de um
próton e um dos três quarks de um nêutron.
Down: tem como carga relativa 1/3-. Representa um dos três quarks de um próton e
dois dos três quarks de um nêutron.
Charm: é maior que o Up e o Down, só pode ser observado em aceleradores de
partículas por cerca de 10 a 12s. Vale 2/3+ de carga.
Strange: é o par do Charm, é também grande demais para permanecer íntegro na
natureza. Vale 1/3- de carga.
Top: é o maior dos quarks e tem massa equivalente à de um átomo de ouro. Também
é observado em aceleradores de partículas. Sua carga é de 2/3+.
Bottom: também é muito pesado para permanecer inteiro na natureza. Sua carga é
de 1/3-.
Próton = 2Up + 1Down.
Nêutron = 1Up + 2Down.
Os quarks mantêm-se intimamente ligados por glúons. Em síntese, glúons são
partículas de massa nula que permitem que quarks interajam formando os hádrons.
Enfim, a estrutura básica do átomo baseia-se em duas regiões distintas: o núcleo e a
eletrosfera.
NÚCLEO
O núcleo é a estrutura central formada pelos núcleons: prótons e nêutrons. Os
prótons possuem uma carga elétrica positiva, sendo imensamente maiores que os
elétrons (massa do próton = 1.836 vezes a massa do elétron). O nêutron é um composto
com massa relativa basicamente igual à do próton, no entanto não possui carga elétrica
final. O núcleo é extremamente denso, sendo carregado positivamente devido aos
prótons. Essa energia positiva é que faz com que exista o arranjo característico da
eletrosfera, na qual os elétrons (-) se movimentam de maneira elíptica em torno do
núcleo (+), atraídos pela força eletrostática gerada. O núcleo tem o volume aproximado
de 10 a 13 cm3, enquanto o volume total do átomo é de cerca de 8 a 10 cm3, fazendo
com que o átomo seja consideravelmente “vazio”.
O número atômico é o número de prótons do núcleo e é simbolizado pela letra Z. Os
átomos de cada elemento apresentam um número atômico específico, sendo esse
responsável pelas características físicas do elemento. Se o átomo não estiver ionizado,
o número atômico também corresponde ao número de elétrons.
A massa nuclear equivale sempre a um valor que seja múltiplo da unidade de massa
atômica, uma vez que sua composição é determinada pelos prótons e pelos nêutrons
(devido à massa desprezível do elétron), cada um com uma massa de aproximadamente
1 u.m.a. (unidade de massa atômica – “u” ou Dalton). O número de nêutrons é
representado pela letra “n”. O número de massa é representado pela letra A e
corresponde à soma dos prótons com os nêutrons arranjados no núcleo.
Logo:
A=Z+n
Em que A = número de massa; Z = número atômico; n = número de nêutrons.
Assim, o número de nêutrons pode ser determinado por:
n=A- Z
Podemos representar o átomo, então, da seguinte forma:
A
E
Z
Por exemplo:
40
Ca
20
O átomo de cálcio apresenta 20 prótons e 40u de massa. Assim, infere-se que possui
também 20 nêutrons.
O núcleo apresenta organização interna estável. Para manter essa estabilidade, há
interações entre prótons e nêutrons. Existem duas forças entre essas partículas: repulsão
elétrica – evidenciada entre prótons – e forças nucleares de atração – evidenciada entre
prótons, entre prótons e nêutrons e entre nêutrons. Verificou-se que há uma discrepância
entre a massa total do núcleo atômico e a soma das massas de seus constituintes: a
massa total do núcleo é menor que a soma das massas dos prótons e dos nêutrons,
sugerindo que há uma conversão de parte da massa dessas partículas em energia – a
energia de ligação.
Núcleos estáveis apresentam determinada quantidade de energia. Núcleos em
estados energéticos maiores são chamados excitados. Transições entre diferentes
estados energéticos do núcleo ocorrem com liberação de energia, que pode ser em
forma de radiação gama, por exemplo.
ELETROSFERA
A eletrosfera é uma região periférica ao núcleo que apresenta sete diferentes níveis
energéticos. Esses são denominados pelas letras do alfabeto: K, L, M, N, O, P e Q. Em
cada uma dessas camadas estão dispostos os elétrons, que se movimentam
constantemente ao redor do núcleo. A disposição dessas partículas negativas ocorre de
acordo com uma organização na qual há um número máximo de elétrons por camada,
como mostra a Tabela 14.1.
Tabela 14.1 Organização dos elétrons por camada.
Camadas Número de elétrons
K 2
L 8
M 18
N 32
O 32
P 18
Q 8
ISÓBAROS
Os elementos que apresentam o mesmo número de massa (A) e diferem no número
atômico são chamados de isóbaros. Assim, os isóbaros são elementos diferentes que
apresentam a mesma soma Z + n, mas diferem na quantidade de cada partícula nuclear.
Portanto, se o número de prótons aumenta, o número de nêutrons diminui. Fica claro
que, com essa variação do número atômico (número de prótons), as propriedades
químicas dos elementos diferem.
A partir do exemplo a seguir, pode-se esclarecer o que foi explicado anteriormente:
56 56
Fe e Mn
26 25
O Ferro e o Manganês podem ser considerados isóbaros nesse caso, pois possuem
massa atômica de 56 u.m.a. Apesar de o número atômico do Manganês ser uma unidade
menor, ele tem um nêutron a mais no núcleo. Repare que os dois apresentam números
atômicos distintos.
ISÓTONOS
Os átomos com o mesmo número de nêutrons, com número atômico e número de
massa diferentes são chamados de isótonos.
Exemplificando:
40 38
Ca e Ar
20 18
Cálcio e o Argônio são elementos isótonos, pois ambos possuem 20 nêutrons. Isso
fica claro a partir do cálculo a seguir:
n Ca → A - Z = 40 - 20 = 20 nêutrons
n Ar → A - Z = 38 - 18 = 20 nêutrons
A fim de sintetizar o que foi apresentado neste item, pode-se analisar a Tabela 14.4.
Tabela 14.4 Diferenças entre isótopos, isótonos e isóbaros.
Isótopos = Z ↑A ↑ n = propr. química ↑ propr. física
Conclui-se, por fim, que as propriedades físicas dos átomos dependem do número
de massa, e as propriedades químicas dependem do número de prótons (Z).
FENÔMENOS RADIOATIVOS
SÍNTESE DA HISTÓRIA DA RADIOATIVIDADE
O estudo dos fenômenos radioativos teve início no final do século passado, a partir
dos estudos de Henri Becquerel, que, no ano de 1896, observou que os sais de Urânio
eram capazes de emitir algo que causava impressões em chapas fotográficas. Dois anos
mais tarde, Pierre e Marie Curie continuaram pesquisando com outros elementos além
do Urânio, entre eles o Rádio, o Tório e o Polônio. Foram eles, então, que
denominaram o fenômeno como radioatividade. Complementando as antigas
investigações, Rutherford e Soddy verificaram a instabilidade desses elementos, que se
transformavam em outros, emitindo radiações.
As radiações poderiam ser de diferentes tipos: alfa, beta e gama. Foi Rutherford
quem identificou as partículas alfa como núcleos do Hélio (A = 4; Z = 2), e os raios
gama como radiações eletromagnéticas semelhantes aos raios X. Já as radiações beta
foram descobertas por Becquerel, que provou serem elétrons.
PARTÍCULAS RADIOATIVAS
Conforme foi comentado anteriormente, foram descobertos diferentes tipos de
radiação. Entre eles se destacam as partículas alfa e beta – radiações corpusculares – e
os raios gama – radiação eletromagnética.
PARTÍCULA ALFA (
A partícula alfa é uma radiação corpuscular provinda de átomos instáveis. É
composta por dois prótons e dois nêutrons, sendo equivalente ao núcleo do elemento
Hélio.
Em função dos dois prótons, essa partícula tem uma carga de +2, podendo ser
desviada por campo elétrico, e uma massa de 4 u.m.a., pela soma dos prótons e
nêutrons. Dessa forma, podemos representá-la da seguinte maneira:
4
α
2
São poucos os nuclídeos que emitem essa partícula e, quando o fazem, transformam-
se em um novo elemento com a massa (A) reduzida em 4 unidades e com o número
atômico reduzido em duas unidades, conforme a equação abaixo:
A 4 A-4
X - α → Y
Z 2 Z- 2
A partícula é emitida a uma velocidade equivalente a 1/30 ou até a 1/15 da
velocidade da luz (300.000 km/s) e vai diminuindo à medida do decorrer da trajetória.
Apesar da sua grande capacidade de ionização, devido à velocidade reduzida que
apresenta (maior tempo de interação com outros átomos) e à carga dupla positiva, essa
partícula não é muito utilizada na Medicina.
Elas apresentam maior capacidade de interação quando a velocidade está reduzida,
pois o tempo de proximidade com o átomo do meio que ela interage aumenta. Essa
radiação corpuscular não é muito lesiva, seu poder de penetração nos tecidos dos seres
vivos é extremamente reduzido, uma vez que possui baixa velocidade e uma massa
consideravelmente elevada.
A interação da partícula alfa com os átomos circundantes ocorre na eletrosfera.
Esse fato pode ser explicado pela atração eletrostática gerada entre a partícula positiva
e os elétrons (negativos) mais externos da coroa eletrônica. Considerando que a massa
dos elétrons é extremamente menor que a massa dessa radiação corpuscular, eles são
removidos dos seus níveis energéticos e se dirigem para a partícula. Essa, apesar de
ser igualmente atraída, é muito maior e não modifica sua trajetória. Por outro lado,
ocorre uma diminuição da sua velocidade de deslocamento até que os elétrons que ela
mesma deslocou a atinjam e sejam a ela incorporados, formando o elemento Hélio e
deixando de ser um corpúsculo radioativo.
PARTÍCULA BETA (
A partícula beta é, na realidade, um elétron que se origina no núcleo de
determinados átomos. Essa origem, a princípio bastante incomum para um elétron, pode
ser explicada. Sabe-se que átomos com o número de nêutrons muito maior do que o de
prótons tornam-se instáveis. Assim, para retornarem ao equilíbrio, um nêutron é capaz
de se subdividir. Assim, para retornarem ao equilíbrio, um nêutron é capaz de se
subdividir em um próton, um elétron e um antineutrino (antipartícula dos neutrinos,
partícula de baixíssima interação com a matéria). Convém ressaltar que o contrário
também pode ocorrer, ou seja, a instabilidade pode estar sendo gerada por um número
excessivo de prótons. Nesse caso, o próton subdivide-se em um nêutron, um pósitron,
que é exatamente idêntico ao elétron, mas com carga positiva, e um neutrino.
Apesar da origem diferente, a partícula beta apresenta as mesmas características
que os elétrons da eletrosfera, como a carga negativa e a massa equivalente a 1/1.836
u.m.a. Essa massa, extremamente reduzida, possibilita um deslocamento com alta
velocidade e uma distância percorrida relativamente superior à das partículas alfa. Por
serem bastante pequenas, as beta sofrem desvios ao longo do seu percurso, sendo
repelidas pelos elétrons (mesma carga) que encontram ao longo do caminho. Isso
justifica a trajetória irregular dessas partículas. Esse tipo de radiação é emitido a partir
do núcleo atômico com uma determinada energia, que diminui no decorrer de sua
trajetória, podendo emitir radiações gama e raios X.
A partícula beta tem poder de penetração maior do que a de alfa e menor do que a
de gama. Isso se explica pelo seu tamanho. Ao interagir com os átomos que encontra no
meio, ela repele seus elétrons, ionizando-os. As partículas beta positivas, ou pósitrons,
fazem o contrário, atraem esses elétrons e colidem, gerando um processo chamado
aniquilação – aqui há liberação de energia através de fótons, resultantes da
transformação da massa das partículas em energia.
Assim como na partícula alfa, quando há emissão beta, o átomo também origina um
novo elemento, dessa vez com a massa inalterada, mas o número atômico aumentado em
uma unidade (ou diminuído, em caso de partículas beta +). Isso pode ser representado
na seguinte equação genérica:
A 0 A
X - β→Y
Z -1 Z +1
RADIAÇÃO GAMA (
Este é um tipo de radiação eletromagnética que acompanha as radiações estudadas
nos dois últimos itens. Na realidade, após a emissão de uma partícula alfa ou beta há
liberação de energia sob forma de radiação gama para que o núcleo se reestruture. A
radiação gama consiste de pacotes de energia (fótons) com um comprimento de onda
menor do que a luz visível, porém de maior energia. Ela é emitida pelos núcleos
instáveis de elementos radioativos. Isso ocorre pelo excesso de energia interna que
esses átomos apresentam. Essas radiações traçam percursos relativamente grandes se
comparadas às demais, pois têm a velocidade da luz e não apresentam massa ou
tampouco carga elétrica.
A radiação gama pode ser representada pela forma apresentada a seguir:
0
γ
0
O átomo, ao emitir radiação gama, nem sequer modifica seu número atômico e seu
número de massa.
DECAIMENTO RADIOATIVO
Já foi explicado anteriormente que os átomos de núcleos instáveis tendem a se
desintegrar emitindo radiações. Foram, então, realizados cálculos buscando uma
constante de desintegração radioativa que representaria a probabilidade de uma
determinada configuração instável ocorrer em proporção a um número de arranjos
possíveis na unidade de tempo. Entretanto, para simplificar essa teoria, surgiu um novo
conceito denominado meia-vida. A meia-vida ou tempo de semidesintegração seria o
período de tempo necessário para que um número determinado de átomos de um
elemento radioativo reduza pela metade o seu valor inicial. Na Tabela 14.5 serão
mostrados alguns valores de meia-vida (½ vida).
Tabela 14.5 Meia-vida de alguns elementos (tempo de decaimento).
Hg197 Ga67 I131 Cr51 Hg203 I125 Co58
Tempo
2,71 3,24 8,05 27,8 46,9 60,2 71,3
(dias)
RADIOATIVIDADE NATURAL
Os estudos de Becquerel, Curie e Rutherford foram direcionados para a chamada
radioatividade natural que seria aquela relacionada às famílias radioativas.
Encontraremos na natureza alguns elementos que têm a tendência natural a passar por
eventos de decaimento e transformarem-se em outros elementos; estes outros elementos,
por sua vez, também podem ser radioativos, e o decaimento tende a continuar até que se
chegue a uma espécie atômica estável. As famílias radioativas são três:
Família do Tório: O primeiro elemento radioativo é o Tório, e ocorrem diversos
decaimentos até chegar-se a um isótopo de Chumbo.
Família do Urânio-Rádio: O primeiro elemento é o Urânio 238, e ocorre
desintegração até chegar-se a outro isótopo de Chumbo.
Família do Actínio: O primeiro elemento é o Urânio 235, o Actínio é um átomo
intermediário na cadeia de decaimento, e o átomo final é um terceiro isótopo de
Chumbo.
RADIOATIVIDADE INDUZIDA
Até aqui comentamos sobre isótopos radioativos como o Urânio, o Tório e o Rádio.
Hoje se sabe que podemos induzir a radioatividade de um átomo. Com a experiência
realizada por Joliot-Curie, que bombardeou o Alumínio 27 com radiação alfa,
descobriu-se que elementos normais, ao serem atingidos por partículas nucleares,
podem tornar-se instáveis e, assim, fontes emissoras de radiações.
A partir do momento em que se tornou viável a produção artificial dos
radioisótopos, a radioatividade adquiriu papel-chave em diversas áreas. Dessa
maneira, iniciou-se uma produção de inúmeros radionuclídeos que passaram a ser
fundamentais na Biologia. Pesquisaram-se radioisótopos de grande aplicabilidade
diagnóstica e terapêutica na área médica, como o Estrôncio 90, utilizado em
radioterapia superficial, e o Césio 137, usado na teleterapia (terapia com emissor de
radiação posto à distância do paciente, é uma modalidade da radioterapia – a
radioterapia externa).
A produção, em sua maior parte, é realizada em reatores nucleares, nos quais
determinados átomos são bombardeados por nêutrons que colidem com o núcleo e, ao
serem absorvidos, provocam a emissão de radiação gama. Há, também, outros meios de
geração de radioisótopos, como o bombardeamento por dêuterons em aceleradores.
FISSÃO
Dois químicos chamados Hans e Strassman observaram, no ano de 1939, que os
átomos do Urânio 235, ao serem bombardeados com nêutrons, sofriam divisão do seu
núcleo em dois fragmentos distintos e de massa atômica menor. Isso despertou grande
interesse pelo fato de que, segundo a Lei de Einstein, esse processo tem capacidade de
liberar grandes quantidades de energia e, ainda, vários núcleons livres do núcleo
fragmentado. O mais espantoso é que cada novo nêutron, sendo capaz de gerar ruptura
de um novo núcleo, dá continuidade ao processo, que se torna uma reação em cadeia.
Os estudos se mantiveram com Fermi, que, em 02 de dezembro de 1942, obteve a
primeira reação nuclear auto mantida, marcando a data de início da era nuclear. Nessa
época o mundo girava em torno da II Guerra Mundial, e é claro que as pesquisas
buscavam a criação de um grande explosivo, o que não tardou muito para ocorrer. No
dia 16 de julho de 1945, houve a primeira explosão nuclear, em Los Álamos, Novo
México, para o teste de uma bomba de Plutônio. Logo vieram as duas explosões
catastróficas históricas em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, pelas bombas de Urânio
235 (little boy) e Plutônio (fat man) respectivamente. Entretanto, esse tipo de reação,
que serviu de base para a bomba atômica e para as atrocidades que ela causou, também
apresenta fins pacíficos. A geração de reações nucleares pode originar calor para a
transformação em energia elétrica ou mecânica. Essa é a reação fundamental que move
os reatores nucleares de alta potência, sendo a mais moderna fonte de energia até hoje.
Além disso, sabe-se que, à medida que ocorre o processo de fissão nuclear, as
barras de Urânio passam a ter impurezas – os próprios nuclídeos que restaram das
reações. Então, separam-se os subprodutos do Urânio, que é extraído das barras, e o
resultado são diversos radioisótopos que são utilizados amplamente na medicina, como
foi comentado anteriormente. Elementos como o Césio 137 e o Bário 140 devem ser
estudados, não só pela utilidade científica que apresentam, mas também pela
possibilidade de contaminações provindas de explosões nucleares.
FUSÃO
A fusão nuclear é uma reação na qual há enorme produção de energia a partir da
união de dois núcleos leves, formando um núcleo maior. Esse tipo de reação ocorre
constantemente no Sol, gerando átomos de Hélio a partir de átomos de Hidrogênio,
liberando quantidades de energia absurdamente altas. Essa é também a base da
chamada bomba de Hidrogênio. Como esse tipo de reação exige uma energia – que
funciona como um “gatilho” – muito alta para ocorrer, ele se torna bem mais difícil de
realizar. Uma maneira de alcançar resultados positivos na produção de fusão nuclear é
utilizando-se bombas de fissão como gatilho.
UNIDADES DE RADIOATIVIDADE
ATIVIDADE
Entende-se por atividade a quantidade de desintegrações nucleares que determinada
amostra de material radioativo sofre por unidade de tempo. A medida anteriormente
usada para isso era o Curie (Ci), que vale 3,7 x 1010 desintegrações por segundo (dps),
ou 2,22 x 1010 desintegrações por minuto (dpm). Hoje, como foi convencionado pelo
Sistema Internacional de Unidades, a unidade utilizada para medir a atividade é o
Becquerel (Bq). Um Becquerel equivale a uma desintegração por segundo ou 2,7 x 10-
11 Ci.
EXPOSIÇÃO
Refere-se à capacidade de ionização de determinada radiação. É, mais
especificamente, a quantidade (em carga) de íons formados em determinada quantidade
de matéria irradiada. No sistema internacional, a medida utilizada é C/Kg (Coulombs
por quilograma de ar seco). Antigamente, utilizava-se o Röntgen, que equivale a 2,58 x
10-4 C/Kg.
DOSE ABSORVIDA
Diz respeito à quantidade de energia realmente absorvida por um corpo sob efeito
de uma radiação. Era, anteriormente, medida em Rad (radiation absorbed dose), que
equivale à absorção de 0,01 Joule por kg de material irradiado. Hoje o SI admite o
Gray (Gy), que equivale a 1 Joule absorvido por kg, portanto, 1 Gy = 100 Rad.
DOSE EQUIVALENTE
É a de maior significado biológico. Diz respeito à quantidade de energia contida em
radiações, que é absorvida/retida no tecido e suas repercussões. Aqui se considera o
efeito biológico causado por cada tipo de radiação, o dano causado por cada radiação.
Para medir-se a dose equivalente, leva-se em conta a dose absorvida (energia por
quantidade de tecido) e uma medida chamada fator de qualidade (QF) ou efetividade
biológica relativa (R.B.E.). Fator de qualidade é a capacidade de causar
dano/ionização de determinada radiação. Para exemplificar, tomemos a radiação gama
e a radiação alfa como parâmetros: o fator de qualidade (QF) de gama é 1, enquanto o
fator de qualidade de alfa é 20. Sabendo-se isso, percebemos que, para uma mesma
dose absorvida de radiações alfa e gama, a capacidade de ionização de alfa é bem
maior. A medida anteriormente usada para dose equivalente é o Rem (Röntgen
equivalent man), que é o produto da dose absorvida em Rads (0,01 J/kg) pelo QF (ou
R.B.E.). Atualmente utiliza-se o Sievert (Sv), que equivale ao produto de Gray (Gy) x
QF (R.B.E.).
Tabela 14.6 Relação entre os poderes de radiação e QF.
RADIAÇÃO QF RADIAÇÃO QF
Raios X 1 Nêutrons rápidos 10
Raios gama 1 Nêutrons térmicos 5
Raios beta 1 Prótons 10
Raios alfa 20 Dêuterons 10
EFEITO FOTOELÉTRICO
Com a incidência de radiação eletromagnética em determinado material metálico, há
a remoção e lançamento de seus elétrons. A energia transferida dos fótons incidentes
deve ser grande o suficientemente para arrancar elétrons de suas órbitas ao redor do
núcleo e para concedê-los velocidade.
EFEITO CÔMPTON
O efeito cômpton consiste na diminuição da energia (aumento de comprimento de
onda) de um fóton em interação com a matéria. Nesse fenômeno, há interação da
radiação eletromagnética com os elétrons-alvo, havendo troca de energia entre eles.
COLISÃO
Este efeito ocorre quando um elétron colide com outro elétron periférico. Quando os
dois se aproximam, é gerada uma força de repulsão eletrostática, que desvia a trajetória
do elétron incidente, retirando o outro da órbita (se tiver energia suficiente).
FRENAGEM
É o fenômeno que ocorre quando o elétron se aproxima do núcleo e sofre uma
modificação do seu percurso, além de uma desaceleração decorrente da perda de
energia. Essa é liberada na forma de um fóton que equivale à radiação X.
EFEITOS BIOLÓGICOS DAS RADIAÇÕES
O homem sempre esteve em contato com a radioatividade, seja por exposições
naturais a que está sujeito, seja por interação com isótopos radioativos produzidos
artificialmente. Essas exposições sempre resultavam em efeitos biológicos indesejados
devido à falta de conhecimento sobre a proteção adequada e mesmo sobre os efeitos
lesivos das radiações.
Nos primórdios da radiobiologia, muitos pesquisadores morreram na busca de
conhecimento acerca do tema radioatividade. Muitas contribuições, de vários
pesquisadores, foram importantes para o desenvolvimento dessa ciência. Pesquisadores
como Henri Becquerel, o casal Curie e Grubbe foram imprescindíveis para que os
efeitos biológicos de fenômenos radioativos fossem descritos e melhor compreendidos.
Lentamente essa ciência se desenvolveu e, com os acidentes radioativos de Chernobill,
Hiroshima e Nagasaki, puderam ser dados passos muito grandes nas pesquisas dessa
área.
Em suma, devido à extrema importância dos efeitos biológicos das radiações,
dedicaremos este capítulo ao estudo desse tema.
RADICAIS LIVRES
As moléculas que compõem um organismo vivo estão eletricamente neutras e não
apresentam alta reatividade. Essa neutralidade se deve ao fato de que os átomos
constituintes dessas moléculas estão unidos por ligações de compartilhamento de
elétrons, e esses preenchem mutuamente os orbitais com elétrons desemparelhados de
todos os átomos que as formam.
Cada elétron, em sua órbita, possui um determinado spin. Esse spin é um vetor que
caracteriza a rotação da partícula sobre si mesma e implica produção de campo
magnético. Quando dois elétrons estão emparelhados em um orbital, seus spins devem
ser contrários, o que gera anulação recíproca de seus campos magnéticos. Essa situação
é chamada de emparelhamento eletrônico, e nesse caso o átomo possui um
comportamento estável. Sob a ação de uma energia suficientemente forte, um elétron
pode ser arrancado, ocasionando um desemparelhamento eletrônico e,
consequentemente, o aparecimento de uma energia magnética, que torna o átomo muito
instável e ávido por ligação.
A Figura 14.4 está representando, esquematicamente, a acomodação de elétrons em
um orbital.
A partir disso, diz-se que radicais livres são as moléculas ou átomos que, por
fenômenos físicos, químicos ou biológicos apresentam elétrons desemparelhados e que,
por isso, são muito reativos.
Pode ocorrer a formação de radicais livres por vários mecanismos, tais como a
radiólise da água, a alteração no transporte de elétrons pela cadeia respiratória, a
oxidação lipídica etc. Nesse item, entretanto, abordaremos somente os dois primeiros.
RADIÓLISE DA ÁGUA
Na radiólise da água, ocorre a formação de radicais livres pela ejeção de elétrons
de suas moléculas pela ação de radiações ionizantes. O elétron arrancado pode unir-se
a outras moléculas, que ficam carregadas negativamente. A interação de uma molécula
de água com carga positiva (molécula da qual foi arrancado um elétron) ou com carga
negativa com outras moléculas produzem radicais livres, que podem ser os radicais
hidroxila, hidrogênio e elétron hidratado.
Produção de Radicais
H2O ↓↓> H2O+ + e¯
H2O + e¯↓↓> H2Oq
H2O + + H2O ↓↓> H+ + H2O + OHq
H2Oq + H2O ↓↓> H+ + H2O + OHq
e¯ + aqu ↓↓> e¯Aqu
H2O + e¯Aqu ↓↓> H+ + OHq
Figura 14.5 Estrutura eletrônica de espécies ativas de oxigênio. As flechas representam o sentido dos
spins.
neurônios e células
IV não se dividem - ++++ +
musculares
FOTORREATIVAÇÃO
A radiação ultravioleta forma dímeros de pirimidinas que bloqueiam a replicação
do DNA por não serem muito compatíveis com a estrutura de dupla hélice. A enzima
fotoliase reconhece muito bem esses dímeros, ligando-se a eles e, após receber energia
através da luz, é capaz de formarem novamente os monômeros da estrutura normal do
ácido nucleico. Essa reação é mais importante em se tratando de procariotos, já que o
gene que sintetiza a fotoliase está presente essencialmente nesses organismos.
REPARAÇÃO ADAPTATIVA
A exposição a doses baixas de radiação seria responsável pela produção de
enzimas reparadoras antes de haver exposição a doses realmente danosas, o que
funciona como um mecanismo de proteção preventivo.
RADIOSSENSIBILIDADE E RADIOPROTEÇÃO
Radiossensibilidade e radioproteção são, respectivamente, a sensibilidade das
células às radiações (como o nome sugere) e os mecanismos pelos quais as células
podem se tornar menos sensíveis a elas. A sensibilidade pode ser testada utilizando-se
parâmetros celulares como a divisão celular, síntese de proteínas específicas, a
respiração celular etc.
Existem fatores que acentuam a sensibilidade e que aumentam a proteção celular
contra a radioatividade. Esses fatores serão discutidos a seguir.
RADIOSSENSIBILIDADE
A radiossensibilidade pode ser modificada por alguns agentes físicos como a
temperatura e o fracionamento da dose.
Temperatura
A elevação da temperatura provoca um aumento na radiossensibilidade,
provavelmente devido a uma diminuição nos mecanismos de defesa do DNA.
Fracionamento da dose
O fracionamento de uma dose radioativa grande em doses menores diminui a
radiossensibilidade pela maior facilidade que os mecanismos de reparo têm em lidar
com lesões menores.
Efeito oxigênio
Como já comentamos anteriormente, radiações ionizantes são capazes de gerar
espécies ativas de oxigênio, que são extremamente danosas à célula. O mesmo não
ocorre em se tratando de radiações não ionizantes (raios ultravioleta, por exemplo).
RADIOPROTEÇÃO
Aceptores de Radicais Livres
Os aceptores de radicais livres são radioprotetores, pois se unem aos radicais
livres diminuindo sua ação lesiva sobre as células. Com isso, reduzem-se os efeitos
indiretos das radiações. Os aceptores podem ser específicos ou não específicos. Os
aceptores não específicos são antagonistas competitivos dos radicais livres. Os
aceptores específicos agem somente sobre algumas espécies de radicais livres,
principalmente as espécies ativas do oxigênio, e são as enzimas já citadas no item
sobre radicais livres como a catalase, a SOD e a citocromo-oxidase.
Proteção Química
Existem muitas substâncias químicas que possuem a propriedade de diminuir os
efeitos lesivos da radiação. Entre algumas dessas substâncias estão compostos
sulfurados (cisteamina, cisteína, glutationa etc.), inibidores da atividade enzimática
(cianeto de sódio), hormônios e vitaminas.
Essas substâncias devem, entretanto, estar presentes na célula durante o momento da
irradiação para desenvolverem os seus mecanismos de proteção e ela só é efetiva para
baixa LET (transmissão linear de energia).
Os mecanismos pelos quais os protetores químicos agem ainda não foram totalmente
elucidados, entretanto algumas hipóteses foram formuladas:
- Produção de um estado de anóxia, evitando a presença de oxigênio e,
consequentemente, a formação de EAO.
- Diminuição do processo de multiplicação celular, reduzindo os efeitos da
radioatividade sobre a célula.
- Combinação dos protetores químicos com os radicais livres formados por
radiação ionizante.
Para sabermos a intensidade de uma radiação, devemos dividir o fluxo pela área
por sobre onde a radiação age e, como a emissão é feita de forma radial, devemos
dividir o fluxo pela superfície de uma esfera, que é 4 π d2, e é por esse motivo que a
energia decai proporcionalmente ao quadrado da distância. Essa lei é expressa pela
seguinte equação:
I = ϕ / 4 π d2
Em que I é a medida da intensidade; ϕ, a medida do fluxo; e d, a distância entre os
corpos.
Figura 14.10 Combinação filme-écran. O filme de raios X fica interposto entre écrans emissores de luz
sensíveis a raios X.
Fonte: Adaptado de Stimac (1994).
Atualmente, são muito utilizados os exames com produto de contraste. Podemos ter
o contraste natural como numa radiografia de tórax em diferentes momentos, inspiração
e expiração. Sabe-se que o ar é um ótimo contraste, sendo utilizado em diversos
exames, como insuflações cólica e gástrica.
Há, também, os contrastes opacificantes, como o Bário para as avaliações
gastrointestinais, compostos oleosos para as linfografias e os compostos iodados
hidrossolúveis para opacificar as vias urinárias, as vias biliares e os vasos, sendo
utilizados nas angiografias, nas broncoscopias e nas colangiografias.
Os exames de duplo contraste também são muito utilizados atualmente, empregando
ar e Bário simultaneamente – esses exames são ótimos para se visualizar bem a
estrutura das mucosas e seus acidentes.
Como foi visto, os contrastes podem ser aplicados por diferentes vias, entre elas, a
via endovenosa, a via retal, a via oral e a via intratecal.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA
A tomografia computadorizada (TC) é uma técnica diagnóstica bastante recente, foi
descoberta no ano de 1972 por Hounsfield na Inglaterra. Inicialmente aplicada somente
para explorações cerebrais, hoje seu uso se estende para todas as regiões corporais.
É um exame bastante preciso, pois agora não estamos mais sujeitos às limitações do
filme radiográfico e à subjetividade do olho humano, mas contamos com a reconstrução
matemática realizada pelo computador.
A tomografia é capaz de reproduzir a anatomia detalhadamente com resolução em
alto contraste. As imagens tomográficas são axiais – são visualizados cortes
transversais das regiões desejadas – e podem ser reformatadas em outras projeções que
variam de coronais a oblíquas e parassagitais.
Esse exame baseia-se em um feixe colimado de raios X e em um sistema de
detectores que irá avaliar a graduação com que esses raios foram absorvidos ou
dispersados pelo paciente. A imagem radiográfica varia de acordo com uma escala de
tons entre o branco e o negro, que são selecionados a partir de uma reconstrução
matemática realizada pelo computador. Este é capaz de calcular um determinado tom
conforme a densidade da estrutura atravessada pelos raios. Assim, as regiões mais
densas têm uma tonalidade branca, e as regiões menos densas apresentam-se
enegrecidas.
A ampola de tomografia utilizada funciona da mesma maneira que a da radiografia
convencional, porém ela é capaz de rodar em torno do paciente, juntamente com os
detectores dos raios. Desse modo, obtemos um estudo completo a partir do processo de
“varredura”, no qual o paciente é submetido a uma série de exposições de 300 a 600
ângulos diferentes. Então, dispomos de diversos cortes produzidos em um tempo que
varia de um a quatro segundos e com uma espessura entre 1 e 10 mm.
O detector fluorescente ou a câmara de Xenônio substituem o filme radiográfico,
sendo muito mais sensíveis às radiações que este último. As imagens tomográficas são
dispostas de modo que, ao avaliá-las, devemos imaginar que observamos as imagens a
partir dos pés do paciente. Logo, nas tomografias abdominais, o fígado encontra-se à
esquerda e o baço à direita. Podem-se utilizar meios de contraste por via endovenosa
como na radiografia convencional para enfatizar determinadas estruturas e permitir uma
melhor resolução.
A Figura 14.11 representa, esquematicamente, a tomografia computadorizada.
ULTRASSONOGRAFIA
A ultrassonografia é um método de diagnóstico não invasivo que tem como
princípio a reflexão de ondas sonoras de alta frequência focadas em órgãos internos.
Pode ser utilizada para diversos fins, como para a observação do sistema
musculoesquelético, mediastino, abdome, pelve e outros.
O princípio dessa técnica é o de que um transdutor ultrassonográfico – um cristal
vibratório eletricamente acionado – que tanto transmite quanto capta ondas sonoras de
alta frequência, que são utilizadas na produção de imagens. As imagens obtidas
dependem do padrão de reflexão e refração de ondas de cada material. As escalas de
cor variam de acordo com a distribuição espacial e temporal dos ecos vibratórios. A
obtenção da imagem geralmente é em tempo real, ou seja, a imagem é produzida no
momento do exame. Para isso é utilizado um transdutor vibratório que oscila
longitudinalmente num ângulo de 30 graus, em contato com a pele, com a intenção de
produzir uma imagem bidimensional. O acoplamento do transdutor à pele é melhorado
pela aplicação de uma fina camada de gel aquoso. A imagem formada depende do
tempo em que o som demorou em chegar ao seu destino e retornar ao transdutor – e
assim calcula-se a profundidade – e da intensidade do eco captado pelo transdutor.
A imagem ultrassonográfica é capaz de mostrar estruturas como o interior de
tumores, coleções líquidas no interior dos órgãos e massas sólidas. O feixe
ultrassonográfico não atravessa, porém, objetos densos – como calcificações (ossos) e
coleções gasosas (pulmão e intestino) – e penetra muito deficientemente em estruturas
mais complexas como o tecido adiposo. Esse exame não utiliza radiação iônica, o que
permite sua utilização em mulheres gestantes, principalmente para avaliação fetal.
O efeito Doppler corresponde à modificação aparente da frequência das ondas
sonoras na sua reflexão a partir de um objeto em movimento, o que pode determinar o
fluxo sanguíneo. Uma sonda ultrassonográfica emite ondas sonoras com velocidade
constante que, ao incidirem sobre um objeto estático, voltam com a mesma velocidade;
agora, se as ondas refletirem sobre objetos em movimento retornarão mais rapidamente.
Esse efeito permite a avaliação cardíaca, bem como a velocidade e direção do fluxo
sanguíneo, o que determina um exame detalhado dos vasos corporais, se realizado em
conjunto com a ultrassonografia normal.
O modelo do aparelho ultrassonográfico está representado na Figura 14.12.
Figura 14.12 Esquematização do aparelho ultrassonográfico.
Fonte: Adaptado de Stimac (1994).
CINTILOGRAFIA
A cintilografia é um exame baseado em técnicas de medicina nuclear. Através das
imagens obtidas, torna-se possível a avaliação de dados fundamentais para a
constatação de um diagnóstico, para o controle da função fisiológica, ou mesmo para o
prognóstico do paciente.
É um exame que obtém informações bastante seguras a respeito de determinadas
patologias, pois o radionuclídeo utilizado no exame é captado apenas em enfermidades
específicas.
Sendo uma técnica bastante sensível, a cintilografia baseia-se na administração de
um elemento radioativo (radionuclídeo) de vida breve ao paciente. Esse elemento é
ligado a uma molécula ou a um composto escolhido de acordo com a sua relação com o
processo fisiológico ou patológico a ser analisado, sendo essa associação denominada
radiofármaco. Conforme a função que se deseja avaliar, utilizamos um determinado
corpo radioativo que se direciona ao órgão-alvo. Convém lembrar que as propriedades
químicas e físicas do composto, e não do radioisótopo, fazem com que o tropismo seja
para determinado compartimento do corpo ou tenha uma via de excreção específica.
Ao atingir o local desejado, o radionuclídeo sofre desintegrações espontâneas,
emitindo raios gama em todas as direções. Esses são detectados por um scanner, como
na tomografia axial transversa, ou por um grande detector de raios gama (gama-câmara)
que apresenta a capacidade de quantificar e determinar a distribuição da
radioatividade.
A gama-câmara é um aparelho complexo sob o qual o paciente é colocado a fim de
realizar o exame. Ela é formada por um colimador de chumbo, por um cintilador de
tálio e por tubos fotomultiplicadores conectados por circuitos a um computador. O
funcionamento ocorre de maneira que o colimador é uma estrutura capaz de captar os
raios gama emitidos pelo radionuclídeo que estiverem no eixo ou paralelos ao
aparelho. Assim, os raios que atravessarem o colimador incidirão no cintilador e, ao
interagirem com ele, produzirão raios de luz. Esses são coletados por tubos
fotomultiplicadores que possuem a capacidade de convertê-los em corrente elétrica.
Inúmeros circuitos conectam os tubos a um computador. Tais circuitos captam a
corrente elétrica e, desse modo, determinam a posição e a energia de cada cintilação. O
computador organiza as informações transmitidas pelos circuitos e assim realiza uma
cartografia. Os resultados são então processados e podem ser avaliados por um
profissional da área.
O esquema a seguir simplifica o funcionamento da gama-câmara.
Tabela 14.8 Sequência de eventos até a formação da imagem através da gama-câmara.
PET SCAN
A tomografia por emissão de pósitrons ou, simplesmente, PET é uma modalidade de
diagnóstico por imagem que permite o mapeamento de diferentes substâncias químicas
no organismo. Dentre elas, o 2-[F18]-fluoro-2-deoxiglicose, chamado de FDG, é o
traçador mais utilizado e o único disponível no Brasil, sendo o Flúor-18 o elemento
radioativo e a glicose o composto químico.
O FDG é uma substância similar à glicose que é um açúcar, uma das principais
fontes de energia celular. Uma pequena quantidade desse açúcar radioativo é injetada
no paciente e, após um período de captação, são realizadas as imagens.
O PET Scan capta os sinais de radiação emitidos pelo Flúor-18 transformando-os
em imagens e determinando assim os locais onde há presença desse açúcar,
demonstrando o metabolismo da glicose. O metabolismo da glicose é importante, pois a
grande maioria das células tumorais apresenta utilização acentuada de glicose como
fonte de energia, em comparação com as células normais.
A imagem da PET é formada pela localização da emissão dos pósitrons pelos
radionuclídeos fixados nos órgãos do paciente. Como o pósitron é a partícula de
antimatéria do elétron, ele rapidamente se aniquila com um dos elétrons das moléculas
do paciente adjacentes à emissão, não percorrendo nenhuma distância significativa. É
assim impossível detectar os pósitrons diretamente com o equipamento. Contudo, a
aniquilação pósitron-elétron gera dois raios gama com direções opostas e cuja direção
e comprimento de onda podem ser convertidos na posição, direção e energia do
pósitron que os originou, de acordo com as leis da Física.
No exame PET detectores de raios gama (câmara gama) são colocados ao redor do
paciente. Os cálculos são efetuados com um computador e, com a ajuda de algoritmos
semelhantes aos da tomografia, o computador reconstrói os locais de emissão de
pósitrons a partir das energias e direções de cada par de raios gama, gerando imagens
tridimensionais (que normalmente são observadas pelo médico enquanto série de fotos
de fatias do órgão, cada uma separada por 5 mm da seguinte).
Equipamentos de última geração apresentam uma tomografia computadorizada (TC)
acoplada ao PET Scan, conjunto híbrido chamado PET-CT, unindo assim duas
modalidades de imagens bem estabelecidas em um só exame, conseguindo definir o
metabolismo celular através do PET Scan e delimitar a anatomia com a TC. A grande
vantagem do PET Scan é a capacidade de medir o metabolismo das lesões,
demonstrando a presença de alterações funcionais antes mesmo que a anatomia seja
afetada e seja detectado pela tomografia ou ressonância nuclear magnética, permitindo
assim o diagnóstico precoce de doenças tumorais, o que é essencial para a eficácia do
tratamento.
RADIOIMUNOENSAIO
É um método de dosagem das substâncias existentes nos fluídos do corpo humano.
Essas substâncias podem ser até mesmo hormônios, que assim podem ser quantificados.
A origem do radioimunoensaio se dá no ano de 1934, quando Collip e Anderson
descreveram a presença e a ação dos anticorpos quando da injeção de hormônios
bovinos em ratos.
Posteriormente surgiu o conceito de antígeno-anticorpo, ou seja, a capacidade que
possui uma substância estranha ao organismo (antígeno) de provocar uma reação
imunológica, induzindo a formação de anticorpos. A união dos anticorpos com os
antígenos chama-se complexo, e esse tem como função anular os efeitos dos antígenos.
Usando esse conceito, Berson e Yallow desenvolveram experimentos precursores do
atual radioimunoensaio. Eles, em 1960, conseguiram desenvolver um método de
dosagem da insulina. Sua técnica de radioimunoensaio baseava-se na obtenção de
anticorpos específicos para os hormônios que se desejavam medir. Após isso,
marcavam o hormônio com I131 e mediam sua concentração no soro. Assim foi possível
medir quantidades de até 10-12 g/ml.
O princípio geral de radioimunoensaio baseia-se em uma reação de competição,
onde a substância marcada (Ag*) reage com o anticorpo específico (Ab), dando origem
a um complexo marcado (Ag*Ab), em uma reação onde é atingido o equilíbrio.
Adicionando-se certa quantidade da mesma substância que se quer medir, não marcada
(Ag), esta competirá com Ag*, diminuindo a concentração de Ag*-Ab e favorecendo o
aparecimento de Ag-Ab. Com isso, a quantidade de complexo Ag*Ab vai diminuindo, e
a quantidade de Ag* livre aumentando.
Diz-se forma combinada (bond) quando o hormônio marcado está ligado ao
anticorpo, e forma livre (free) quando está solto na reação. A relação Bond/Free (B/F)
pode ser calculada medindo-se separadamente a radioatividade da porção combinada e
da porção livre. Consegue-se separar a porção combinada da livre através de métodos
como a cromatoeletroforese, eletroforese, filtração em gel; adsorção do hormônio
marcado livre em celulose, em sílica ou talco ativo, em carvão ativado ou recoberto
por dextrano; ou ainda separação do hormônio ligado ao anticorpo por precipitação por
um segundo anticorpo, precipitação por ação salina, fracionamento com solvente ou
anticorpo em fase sólida.
Preparo do Radioimunoensaio: Para a realização do radioimunoensaio é
necessária a obtenção de hormônios isolados e purificados, de anticorpos específicos
para cada tipo de substância e de hormônios marcados radioativamente.
1º) Hormônios isolados e purificados: hoje, através de diversas técnicas de
separação cromatográficas com as colunas de Sephadex e gel de poliacrilamida e por
sintetização, se obtêm tais hormônios.
2º) Anticorpos específicos: injeções de material proteico, hormônio, em animais de
diferente espécie da qual foi coletado o antígeno, produzem anticorpos específicos e de
utilização em radioimunoanálise.
3º) Hormônio marcado radioativamente: quase todos os hormônios hoje em dia são
marcados com I125, isótopo radioativo do iodo com meia-vida de sessenta dias, emissor
de radiação gama de 35 KeV. Esses hormônios costumam ser marcados por iodação
após oxidação do Na+I-radioativo. O Iodo reativo livre liga-se ao grupo tirosina das
moléculas proteicas.
RESSONÂNCIA MAGNÉTICA
A ressonância magnética é o mais recente e poderoso método diagnóstico da
medicina contemporânea. As imagens são oriundas dos núcleos de hidrogênio dos
órgãos do paciente.
A obtenção da imagem se dá pelo seguinte princípio: os prótons (núcleo dos átomos
de hidrogênio) possuem um determinado “spin”. O campo magnético próprio gerado
pelo spin (interno, do próton) é submetido à ação de um campo magnético externo muito
mais poderoso (varia de 0,06 a 7,00 T, sendo o campo magnético terrestre de 0,00005
T), que faz com que muitos dos prótons, não todos, assumam um ângulo de rotação
idêntico ao campo externo, como está representado na Figura 14.14.
Figura 14.14 À esquerda o campo externo e à direita o campo interno (próton).
Fonte: Adaptado de Stimac (1994).
Essa nova posição de rotação é dita estado de baixa energia, e aqueles prótons que
não foram alterados pelo magnetismo externo possuem uma rotação com estado de alta
energia. Nesse momento, é introduzida energia através de radiofrequência, que libera
um único fóton para cada próton emparelhado com o campo magnético externo. O fóton
age sobre o próton fazendo com que esse adquira sua rotação original. Cessada a
emissão da radiofrequência, o próton libera a energia recebida, que então é captada
pelo equipamento. De acordo com a energia liberada o computador monta a imagem do
órgão em estudo.
Até hoje não se descobriu nenhuma implicação danosa dos campos magnéticos
externos sobre o corpo humano. Alguns estudos, porém, mostram a ocorrência de
neoplasias em pessoas que habitam locais próximos a campos magnéticos, como redes
de alta energia etc.
A seguir, tem-se a representação do ângulo de rotação dos elétrons, quando
emparelhados, e a esquematização das imagens (cortes transversais) do aparelho de
ressonância magnética (Figura 14.15 e 14.16).
LASER
Laser (Light Amplification Stimulated by Emission of Radiation) é um processo de
geração de ondas eletromagnéticas (luz, mais especificamente) extremamente coerentes
– em Física, coerência é uma propriedade das ondas que mede a correlação entre as
fases da onda (ou de feixes de ondas) em diferentes pontos e tempos; diz-se uma onda
totalmente coerente aquela que se propaga de forma ”igual” ao longo do tempo e do
espaço. Outra característica dos feixes de onda gerados por essa técnica é que eles são
colimados, ou seja, a trajetória deles é paralela. Isso faz com que a luz emitida por
Laser seja muito mais direcionada e os fótons emitidos em feixes de Laser se
concentrem muito mais na área de irradiação desejada. O princípio básico que explica
o funcionamento do laser é que átomos em estados de alta energia, portanto instáveis, se
estimulados por fótons de determinada fonte, podem emitir mais fótons em ondas
idênticas às ondas usadas para estimulação. O laser é uma fonte de grande quantidade
de energia que pode ser empregada nas áreas desejadas com grande precisão, e por
isso já é utilizado em vários procedimentos médicos, como para correção de miopia,
para fotocoagulação de vasos, para tratamento de cataratas e glaucoma, para
cauterização de tumores de pele, para eliminação de manchas de pele, verrugas e
nódulos dentre outras tantas aplicações.
Referências
Best and Taylor. Physiological basis of medical practice. 12ª edition. Baltimore: Williams and Wilkins, 1990.
Cascade P N. The American College of Radiology. ACR Appropriateness Criteria project. Radiology 2000; 214 Sl:3-
46.
Frumento A. Biofísica. Buenos Aires: Editora Intermédica SAICI, 1973.
Lacaz-Vieira F, Malnic G. Biofísica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981.
Newman J. Radiologic technology’s role in sports medicine. Radiol Technol 1998; 69(6):535-50.
Patton JA. Introduction to nuclear physics. Radiographics 1998; 18(4): 995-1007.
Pentecost MJ. Measuring professional quality in radiology AJR Am J Roentgenol 1998; 170(4):843-6.
Rocha AFG. Medicina Nuclear. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1976.
Squire, LF. Fundamentos de radiologia. Porto Alegre: Artes Médicas 1992.
Stimac, GK. Introdução ao diagnóstico por imagens. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1994.
Tierney L, McPhee SJ, Papadakis MA. Current medical diagnosis and treatment. International edition. Apleton and
Lange, 2000.
Young JW. The Society for Computer Applications in Radiology. J Digit Imaging 2000; 13(2):98.
AUTORES
Adroaldo Lunardelli
Alan Arrieira Azambuja
Débora Sartori Giaretta
Fernanda Bordignon Nunes
Flávia Kessler Borges
Jarbas Rodrigues de Oliveira
João Pedro Farina Brunelli
Karine Lucielle Grehs Meller
Laerson Hoff
Lucas Luã Machado Pereira
Melissa Guerra Simões Pires
Paulo Harald Wächter
Pedro Luã Machado Pereira
Rafael Boer Nascente
Valentina Metsavaht Cará
Vanessa Cabrera