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Sistematização dos debates

Rio de Janeiro, 23 e 24 de julho de 2015


Apresentação

Como membros da sociedade civil, nós do Instituto Brasileiros de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
e da ActionAid Brasil consideramos que seja fundamental contribuir com a agenda que coloca o acesso
a serviços como direito para a redução da pobreza e desigualdade no Brasil. Por isso, com apoio da
Fundação Ford, buscamos criar uma oportunidade de reunir pessoas como as que participaram tão
ativamente do seminário "Acesso a Serviços como Direito", que realizamos nos dias 23 e 24 de julho de
2015, no Rio de Janeiro: pessoas com história de lutas, com prática de governo, com reflexão acadêmica
e profissional e com vivência das políticas na ponta, da política vivida, não só da planejada.

Durante os dois dias, avançamos, discutindo as questões propostas pelo seminário e que são fruto de
todo um trabalho conjunto realizado com grande parte dos participantes do evento e da articulação
estabelecida pela ActionAid Brasil e Ibase nos últimos anos em torno do Plano Brasil sem Miséria. Nesse
diálogo, ficou claro que, para superar a pobreza no Brasil, o nível de renda é uma condição necessária,
porém não suficiente: é necessário que haja uma verdadeira revolução no acesso e na qualidade dos
serviços públicos para universalização da cidadania. E para tal, a compreensão de acesso a serviços
como direito e não como mercadoria é imprescindível.

As mudanças que se têm dado da porta de casa para dentro não vêm sendo acompanhadas pelos
mesmos avanços da porta de casa para fora, nos serviços disponíveis especialmente para as camadas
mais pobres da população. Sem promover o acesso a serviços públicos de qualidade, corre-se o risco de
que as portas de saída da pobreza virem portas giratórias, fazendo sair por um lado e entrar pelo outro
as mesmas populações.

Ibase e ActionAid

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Mesa de abertura:

Francisco Menezes
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)/ ActionAid Brasil
Tereza Campello
Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

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1. Mesa de abertura

1.1. Considerações iniciais de Francisco Menezes (Ibase/ ActionAid Brasil)

O objetivo do Ibase e ActionAid com este seminário foi dar prosseguimento e aprofundar a discussão
sobre questões que são estruturais para a garantia do direito de acesso a serviços públicos de qualidade.
Trata-se das questões do financiamento, da relação e atribuições dos entes da federação para com esses
serviços, da dicotomia entre o público e o privado e da participação social, referindo-se aos serviços pú-
blicos das áreas de assistência social, educação, habitação, saneamento, saúde, segurança pública e
transporte.

A intenção foi desenvolver ideias e propostas de incidência sobre políticas públicas relacionadas a servi-
ços públicos a partir do debate sobre as principais questões que permeiam a conjuntura de crise política
e econômica do momento presente. Neste contexto, Ibase e ActionAid, como organizações da sociedade
civil, consideram que seja fundamental contribuir para a recuperação do debate e da agenda que coloca
como ponto central para redução da pobreza e desigualdade o acesso a serviços como direito. As crises
podem ser superadas, sendo necessário discutir opções reais e inclusivas para o país.

Assim, a estratégia é criar alternativas para avançar. O tema de acesso a serviços públicos foi motivado
pela constatação de que, na última década, ocorreram avanços significativos para as camadas mais po-
bres em sua capacidade de consumo, mas que essas ainda possuem grande dificuldade de ter assegura-
do seu direito de acesso a serviços de qualidade.

Para discutir as nuances desse problema, a metodologia de trabalho foi baseada numa divisão sobre
questões estruturais que perpassam os serviços, consideradas desafiantes na oferta de serviços de qua-
lidade: financiamento, pacto federativo, relação público x privado e participação social.

Para subsidiar o debate, foram realizadas entrevistas de profundidade com duas famílias beneficiadas
pelo programa Minha Casa Minha Vida: a família de Jorge e Adriana Afonso, que vive no condomínio de
Valdariosa, em Queimados; e a família de Neide Belém, que vive na Colônia Juliano Moreira, em Jacare-
paguá, em um empreendimento construído com autogestão e por mutirão, na modalidade Entidades do
programa. Tendo habitação como ponto de entrada, procuramos explorar como essas famílias acessam -

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ou não - os demais serviços aos quais têm direito. As entrevistas foram divididas em quatro clipes temá-
ticos, conforme as questões debatidas, e foram apresentados antes do início de cada mesa.

[Os vídeos estão disponíveis na internet nos endereços:


1. https://www.youtube.com/watch?v=qOvhG_pW174
2. https://www.youtube.com/watch?v=zmzql2XJ_fs
3. https://www.youtube.com/watch?v=YXuuljEwLy4
4. https://www.youtube.com/watch?v=fEJWDNiwy-Y ]

1.2. Ministra Tereza Campello (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome)

A intervenção da ministra Tereza Campello foi construída a partir da consideração de que falar sobre
serviço público como direito é pensar como a população pobre tem acesso a água, educação,
saneamento, energia elétrica, etc. Pois o acesso a serviços espelha a desigualdade da sociedade
brasileira e a superação desse elemento estrutural só ocorrerá com a participação efetiva do estado.
Promover acesso a serviços aos mais pobres é mais difícil e custoso, precisando ser priorizado. Levar
energia elétrica, por exemplo, para quem não tinha foi mais muito mais difícil do que expandi-la nos
grandes centros.

O Brasil avançou concretamente no acesso a direitos e serviços desde 2003. Mas, frente ao passivo de
uma história de profundas desigualdades, muito ainda tem que avançar na agenda social. No entanto, o
que está em risco hoje não é só a democracia no país, mas que haja retrocesso nas conquistas sociais.

A ministra assinalou ser preciso lutar mais fortemente para não haver perda nos avanços sociais que
foram conquistados até hoje. Para ela, por exemplo, a tentativa de redução da maioridade penal, já
aprovada em primeira discussão na Câmara Federal, põe em risco “não a democracia, mas direitos
básicos” e advertiu sobre o ”aumento do preconceito contra a população pobre, contra os negros que se
está assistindo a cada momento, nas redes sociais, em todos os comentários dirigidos aos militantes da
causa. Não é uma questão só de distribuição de recursos. A chance de ter políticas afirmativas para
chegar aos mais pobres está em disputa no nosso dia a dia”. Em sua exposição, a ministra mencionou
alguns avanços sociais desde 2002:

 Aumento da Renda: sobretudo com o Programa Bolsa Família;


 Água: acesso quase universalizado e construção de cisternas;
 Educação: universalização do acesso e aumento de alunos na idade adequada;
 Energia elétrica: aumento de 16% da rede, atingindo 97,6% da população;
 Alimentação: país sai do mapa da fome e reduz a desnutrição crônica;

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 Acessibilidade: programa Viver Sem Limite e construção de casas adaptadas.
Já os serviços que encontram mais desafios e precisam de maior atenção são: a) Saneamento básico:
atualmente somente 53% tem acesso; b) Comunicação: acesso a informação ainda é uma das principais
privações. Sobre os dados apresentados, é importante considerá-los do ponto de vista multidimensional.
Certamente, os aspectos da pobreza da “porta para dentro”, de caráter privado, avançaram bastante. Já
aqueles aspectos da “porta para fora”, mais relacionado aos serviços públicos, apesar de se ter
conseguido importantes avanços ainda há muito a ser feito. Ao final, a questão deixada para reflexão é
como criar mecanismos para o que o debate saia do âmbito de política e ganhe as ruas.

Da esquerda para direita: Pedro da Luz Moreira, Chico Menezes e Tereza Campello (Foto: Ana Nascimento)

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Mesa 1 - Financiamento: que papel podem cumprir os
serviços públicos na retomada do crescimento?
Mediação: Mariana Dias Simpson
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas/ Ibase
Debatedores:
Eduardo Fagnani
Instituto de Economia da Universidade de Campinas e Plataforma Política Social
José Marcelino de Rezende Pinto
Campanha Nacional pelo Direito à Educação/ Universidade de São Paulo (USP)
José Henrique Paim
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
Cleonice Dias
Comitê Comunitário Cidade de Deus/ Centro de Estudos Culturais e de Cidadania (Ceacc)

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2. MESA 1 - Financiamento: que papel podem cumprir os serviços públicos na retomada do
crescimento?

Atuou como moderadora, nesta mesa, Mariana Dias Simpson, pesquisadora do projeto pelo Ibase, que
fez as seguintes considerações:
Dentre os três eixos do Plano Brasil Sem Miséria, o acesso a serviços públicos foi o que menos avançou
quando comparado à transferência de renda e à inclusão produtiva. Tendo em vista a importância desse
eixo para a sustentabilidade das conquistas sociais que tivemos até aqui, a garantia de acesso a serviços
públicos de qualidade torna-se um passo essencial a ser dado na erradicação da pobreza e redução da
desigualdade no país.

Em maio, o governo anunciou corte de quase R$70 bilhões no orçamento, sendo quase R$26 bilhões
apenas no PAC (do qual o programa Minha Casa Minha Vida faz parte). Por ministérios, os maiores cortes
estão sendo feitos nas pastas das Cidades (R$17 bilhões), Saúde (quase R$12 bilhões) e Educação (R$9,4
bilhões). Diante de políticas de austeridade que tendem a transformar inclusão em exclusão, a defesa é
de que os investimentos em infraestrutura social e serviços públicos sejam mantidos - ainda que esta
defesa possa parecer utópica na atual conjuntura -, pois é por meio da melhoria destes que se pode
garantir que as milhões de pessoas que deixaram a pobreza e a extrema pobreza não retornem para ela.

2.1. Eduardo Fagnani (Instituto de Economia da Universidade de Campinas/ IE-Unicamp e Plataforma


Política Social)

O professor da Unicamp iniciou sua apresentação destacando que política social brasileira tem papel
estratégico como força motriz do crescimento, podendo contribuir em duas frentes: a primeira seria
fomentar o mercado interno de consumo de massas; a segunda seria ampliar os investimentos na
expansão da infraestrutura para enfrentar as deficiências estruturais na oferta de serviços públicos de
qualidade.

Segundo Fagnani, os avanços sociais da última década foram resultado de uma convergência inédita
entre crescimento econômico e social. Entre 1975 e 2010, o gasto social passou de 13% para 25% do PIB.
Eduardo mencionou também estudos do Ipea que indicam que políticas sociais são indutoras de
crescimento econômico devido ao efeito multiplicador dos seus gastos: “Por exemplo, com 1% do PIB

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investido na educação, o PIB aumenta 1,85%; com 1% de investimento no Bolsa Família, a renda familiar
aumenta mais de duas vezes. 59% do gastos volta pro governo na forma de impostos. Tais políticas
favorecem a economia porque, sobretudo, fazem o mercado interno crescer”. Para ele, um dos vetores
do ciclo recente de crescimento foi a melhoria da renda das famílias, por meio de geração de emprego,
salário mínimo e transferências monetárias da Seguridade Social, o que teria ampliado o consumo e os
investimentos privados para ampliar a oferta de bens, gerando um ciclo geração de mais empregos.

A segunda frente de contribuição da política social para o crescimento, em sua opinião, é o investimento
em infraestrutura social. Nesse caso, destacam-se as enormes possibilidades abertas pelo o
enfrentamento das múltiplas faces das deficiências estruturais na oferta de serviços públicos de
qualidade. “Além da educação e saúde, destacam-se as lacunas de oferta de serviços presentes na
habitação popular, saneamento e mobilidade urbana. O investimento na infraestrutura social poderia
simultaneamente impulsionar o crescimento e universalizar a cidadania social”, defendeu.

O economista apontou ainda que “combater as desigualdades do acesso aos serviços sociais e
universalizar a cidadania requer a realização de reforma tributária que promova a justiça fiscal”. Também
seria preciso rever a política de desoneração de impostos governamental; restabelecer os mecanismos
de financiamento assegurados pela Constituição da República; reforçar o pacto federativo; enfrentar os
processos de mercantilização difundidos em diversos setores; e, fortalecer a gestão estatal, para
assegurar um padrão de eficiência na prestação dos serviços.

Entretanto, “não existem perspectivas favoráveis para a superação desses problemas sem o resgate da
política e da democracia, do reforço do papel do Estado e da revisão dos pressupostos teóricos que dão
substrato ao tripé macroeconômico (câmbio flutuante, superávit fiscal e metas de inflação), cujo
objetivo é preservar a riqueza financeira”, defendeu.

Por fim, Fagnani alertou que a opção pelo ajuste fiscal ortodoxo de 2015 poderá interditar o crescimento
e o desenvolvimento econômico e social do país. “É impossível dissociar uma política social boa de uma
política econômica ruim”.

2.2. José Marcelino de Rezende Pinto (Campanha Nacional pelo Direito à Educação/ USP)

Para ilustrar sua fala, José Marcelino apresentou dados sobre arrecadação de impostos e gastos do
governo federal que são indicativos da desigualdade:

 O programa Bolsa Família custa de 0,4% do PIB enquanto os juros da dívida pública custam 5,7% do
PIB;
 Brasil arrecada mais com IPVA do que IPTU;

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 Proporcionalmente, os mais pobres são quem pagam mais impostos, uma vez que grande parte da
arrecadação do governo é proveniente do ICMS;
 ITR (Imposto Territorial Rural) gera apenas R$ 1 bilhão em receita;
 No Brasil, a maior alíquota do imposto de renda é 27,5%, enquanto nos EUA é 46%;
 Sobre herança, a maior taxa do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação no Brasil é de 4%,
valor 10 vezes menor que na Inglaterra;
 O aumento em 1% da taxa Selic custa 0,5% do PIB. Ou seja, cada aumento de 1% da Selic equivaleria a
dois orçamentos do Bolsa Família. De março de 2013 até hoje, a Selic subiu sete pontos percentuais, o
que representa mais de 4% do PIB em recursos adicionais. "Assim, cada um ponto sobre a taxa de juros
representa uma meta a menos do Plano Nacional de Educação (PNE)".
 "Os juros da dívida pública pagam o Bolsa Família-Rica". As 71 mil pessoas mais ricas do Brasil, que
vivem sobretudo de aplicação financeira, possuem uma renda média mensal superior a 160 salários
mínimos.
 Nos últimos 12 anos, o governo federal dobrou seu investimento em Educação, mas o incremento é
menos significativo quando analisado em relação ao percentual do PIB, quei passou de 4% para cerca de
5,5%.

Para José Marcelino, é fundamental discutir o impacto econômico da Educação e para onde vão os
recursos do setor, além da relação entre educação e desenvolvimento econômico.

Acerca da alocação de recursos, o aumento do investimento público em educação se deve ao aumento


do valor do PIB - ou seja, não foi um esforço político expressivo. Atualmente, a média de gasto por aluno
nas escolas públicas é de R$ 300/ mês, enquanto nas escolas privadas mensalidades custam cerca de R$
1.000. Essa disparidade de valores é agravada se considerarmos as peculiaridades de demandas de
alunos em situação de pobreza, que exigem ainda mais investimentos. Ademais, José Marcelino defende
ainda que o salário dos professores seja ao menos dobrado para ser equiparado a outras profissões.

A escola técnica impacta também o desenvolvimento do país. Segundo o palestrante, não há motivos
para se entusiasmar com programas que envolvem e destinam tanto dos recursos para a iniciativa
privada, como o Pronatec, Prouni e Fies (que receberá, sozinho, mais de R$ 15 bilhões em 2015). Para
ele, não há controle sobre esses recursos.

José Marcelino afirma também que é preciso reconsiderar o pacto federativo na Educação. A maior
responsabilidade para oferta deste serviço recai sobre os municípios, que são os entes mais pobres da
federação. Ele argumenta que seria mais vantajoso priorizar o Fundeb, o que garantiria os recursos
adicionais necessários para a viabilização do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) e, posteriormente, o

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CAQ (Custo Aluno-Qualidade). Uma educação pública de qualidade apoiaria a formação integral do
trabalhador para seu próprio interesse, "e não no interesse do capital, como faz, por exemplo, o Sistema
S", afirmou José Marcelino.

Ele destaca ainda que como 85% do que é gasto em Educação se destina ao pagamento de salários de
trabalhadores do setor, ampliar os gastos significaria aquecer a economia e aumentar a receita tributária
do país, pois cada real gasto em salário para as famílias de renda baixa ou média se transforma em
consumo, retornando 30% do valor em tributos por meio do ICMS. "O mesmo já não ocorre com os
recursos destinados aos mais ricos, como é o caso do pagamento dos juros da dívida pública. Os ricos
vão gastar no exterior e gerar emprego em Miami". Sendo assim, o prometido gasto de 10% do PIB para
a implementação do PNE até 2024 teria um impacto determinante para o desenvolvimento econômico e
social do país.

Em um cenário de crise econômica, José Marcelino defende a necessidade de aumento progressivo da


carga tributária - onde quem ganha mais, paga proporcionalmente mais impostos - em vez de cortes de
recursos para políticas sociais. Segundo ele, é também necessário acabar com o mito de que a inflação é
sempre perversa. O professor explicou que, em determinados cenários, um nível controlado de inflação
pode ajudar a reduzir o valor da dívida pública. Assim teriam agido a Alemanha e França no pós-guerra,
por exemplo.

José Marcelino evidenciou como os temas de financiamento, pacto federativo, participação do setor
privado na prestação de serviços públicos e participação social estão conectados. Os problemas de cada
esfera repercutem nas demais. Para o professor, há amplo consenso de que as políticas devem ser
descentralizadas, ampliando o poder local e estando mais próximas e sensíveis das demandas da
sociedade e das singularidades dos territórios. Porém, num país tão desigual, a intervenção da União é
essencial para promover equidade, dando suporte financeiro e técnico aos mais de 5 mil municípios na
implementação de políticas. Os estados também deveriam estar mais presentes no setor, atuando como
instâncias articuladoras intermediárias. "Não é isso que vemos, o regime de colaboração e os
verdadeiros sistemas de políticas públicas ainda estão para ser construídos no país. A proposta é discutir
como construir espaços de negociação e pactuação entre os entes federados que sejam mais
democráticos e efetivos, identificando instâncias, processos e previsões legais pertinentes", concluiu.

2.3. José Henrique Paim (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)

O diretor de Infraestrutura Social, Meio Ambiente e Agropecuária e de Inclusão Social do BNDES iniciou
sua fala declarando que o Brasil tem uma dívida social grande e teve um despertar tardio na Educação. O
Ministério da Educação, por exemplo, foi criado apenas em 1930.

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Nos últimos anos, houve um período de expansão econômica acompanhado de avanços estruturais
expressivos e de criação de mecanismos institucionais e legais. Segundo Paim, a média de anos de
estudo no Brasil aumentou de dois anos durante a década de 1980 para 7,8 anos atualmente. O
Ministério da Educação cresceu e a vinculação constitucional de imposto é de 18%. O fim da
Desvinculação das Receitas da União (DRU) para a educação permitiu repor grandes recursos ao
orçamento do MEC.

O economista defendeu, neste momento de restrição orçamentária, se reconheçam os avanços


conquistados, como os resultantes do Plano Brasil Sem Miséria. "Toda crise gera uma oportunidade, e
hoje é a oportunidade de rever determinadas políticas, limites de expansão de recursos e de
desenvolver projetos, considerando uma perspectiva de médio e longo prazo sobre as políticas públicas.
Precisamos pensar como melhorar a alocação de recursos de forma alinhada com estados e municípios,
tornando-a mais eficaz", declarou Paim, apontando ainda que, na Saúde e na Educação, não raro os
órgãos de controle apontam má utilização de recursos. "Há um gargalo na gestão pública, com
precariedade nas ações na ponta. É necessário o alinhamento dos planos nos diversos níveis. Além disso,
sendo a política pública imbricada na questão social, é importante reduzir o tempo de implementação
das ações", disse.

O diretor do BNDES falou sobre "um conjunto de oportunidades" relacionadas a ações do BNDES e
defendeu que se avance no investimento público criando alternativas, como por aquelas geradas por
meio de parceiras "corretas" com o setor privado. Nesse sentido, destacou que "há gargalos a serem
superados com as empresas públicas de saneamento"; no setor de mobilidade, declarou que o BNDES
tem trabalhado juntamente com Ministério do Planejamento; e falou sobre o interesse do setor privado
em investir em iluminação pública.

Sobre Educação profissional, básica e superior, Paim questiona se as lacunas de qualidade podem ser
superadas apenas pelo poder público. "É preciso uma reflexão sobre a parceria com o setor privado,
devendo-se colocar no centro o interesse dos beneficiários. É preciso uma maior regulação do setor
privado", disse. Em sua opinião, o Pronatec permitiu a inclusão produtiva para quem antes não tinha
acesso ao mercado por falta de formação e o Prouni reforçou a política de cotas no Brasil.

Para o diretor, vivemos um momento oportuno para repensar a gestão pública e pensar uma agenda de
revisão de processos e eficiência nos três níveis da federação.

2.4. Cleonice Dias (Comitê Comunitário Cidade de Deus - Centro de Ações e Estudos Culturais e de
Cidadania - Ceacc)

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Cleonice iniciou sua fala afirmando que é necessário pensar as políticas públicas a partir do público, e
não do governo. A participação da sociedade civil na construção das políticas e os mecanismos de
controle social são ainda limitados. Ela vê disputas corporativas nos Conselhos, que dificultariam a
atuação da sociedade civil, obrigando os movimentos populares a criarem estratégias de articulação e
luta.

No caso da Cidade de Deus, a quantidade de instituições que lá investiam era significativa, a despeito de
não se alcançar melhorias correspondentes. Em 2004, o Censo fez um recorte na comunidade, excluindo
18 mil moradores que não estavam na área central considerada bairro, mas que igualmente
necessitavam de acesso aos serviços.

Segundo ela, os moradores perceberam que para serem portadores de direitos e propostas precisavam
de conhecimento, união e articulação. Com isso, organizaram o Comitê Comunitário, um Plano de
Desenvolvimento Comunitário e a subsequente Agência Cidade de Deus de Desenvolvimento Local com
propostas de políticas estruturantes.

Exemplificando a atuação da Agência, Cleonice explicou que umas das principais vertentes do Plano de
Desenvolvimento Local é a Habitação. Foram construídas 618 unidades habitacionais na área mais pobre
da Cidade de Deus, cada uma a R$ 28 mil, com recursos da Caixa Econômica Federal. A prefeitura deu
título de propriedade aos moradores, mas não forneceu infraestrutura. Com isso, 52% do recurso foram
para construção de infraestrutura e, assim, as casas se transformaram em um "embrião" de 25m2.
Embora seja um avanço sair de barracos para casas com títulos de propriedade, as casas são pequenas
demais para as famílias mais numerosas. Este modo de operar das diferentes esferas do governo gera
gargalos na intervenção pública e prejudica quem está na ponta.

Cleonice falou também sobre uma experiência muito positiva implementada na Colônia Juliano Moreira,
bairro próximo à Cidade de Deus. Lá, 70 cooperados do Grupo Esperança, após 15 anos de luta e espera,
conseguiram ter acesso a um terreno cedido pela União e a financiamento pelo programa Minha Casa
Minha Vida Entidades, no valor de R$ 43 mil reais por família. A cooperativa conseguiu também,
mediante negociações entorno do repasse de terras da União à prefeitura na localidade, que o
município se responsabilizasse pelas obras de infraestrutura do conjunto habitacional. Utilizando
métodos participativos de autogestão e mutirão, os cooperados conseguiram construir 70 unidades
habitacionais de alta qualidade.

Cleonice mencionou também uma articulação sendo desenvolvida em nove comunidades cariocas em
diálogo com as três esferas do governo e a iniciativa privada no âmbito do Fórum Nacional, realizado
semestralmente no BNDES. Os grupos articulados buscam estratégias para acessar o fundo social do

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BNDES e, segundo ela, enfrentam burocracias e exigências que dificultam o acesso das comunidades ao
fundo para implementação de projetos de geração de trabalho e renda. "O BNDES nos trata como se
fôssemos empresas, exigindo documentos e até mesmo título de propriedade em áreas de favelas",
disse.

Outra dificuldade enfrentada por estas organizações de favelas é que os recursos são liberados apenas
via outra instituição formal, os chamados "ordenadores", que devem receber por todos os custos como
contrapartida. "No nosso caso, conseguimos negociar recursos para a reestruturação do Comitê
Comunitário e da Agência Cidade de Deus de Desenvolvimento Local, para depois fazermos uma
proposta de projeto de geração de trabalho e renda que seja sustentável. Conseguimos isso graças aos
nossos parceiros e pelo fato de já temos recebido recursos governamentais anteriormente", contou.

Cleonice apontou ainda que, do total dos financiamentos públicos conseguidos para os projetos
comunitários, muito pouco chega à base e grande parte se perde na tramitação burocrática, "o que não
aparece nos relatórios".

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Mesa 2 - Pacto Federativo: União, Estados e Municípios cumprem suas
funções na oferta dos serviços públicos?
Mediação: Vera Masagão
Ação Educativa/ Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais - Abong
Debatedores:
Márcia Lopes
Consultora de Organismos da ONU
Fabiana Izaga
Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB-RJ
Sílvia Ramos
Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes - Cesec
Edel Moraes
Conselho Nacional de Populações Extrativistas - CNS
Inês Magalhães
Ministério das Cidades

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3. MESA 2 - Pacto Federativo: União, Estados e Municípios cumprem suas funções na oferta
dos serviços públicos?

Esta mesa teve como moderadora Vera Masagão Ribeiro, que abriu evidenciando como os temas de
financiamento, pacto federativo, dicotomia público e privado e participação social estão conectados,
problemas numa esfera repercutem nas demais. Segundo Vera, temos um amplo consenso de que as
políticas devem ser descentralizadas, ampliando o poder local e deixando o estado mais próximo e
sensível às demandas da sociedade e às singularidades dos territórios. Porém, ela vê que, num país tão
desigual como o nosso, a intervenção da União é essencial para promover equidade, dando suporte
financeiro e técnico aos mais de 5 mil municípios na implementação das políticas; e que os estados
deveriam estar mais presentes, atuando como instâncias articuladoras intermediárias. "Não é isso que
vemos. O regime de colaboração e verdadeiros sistemas de políticas públicas ainda estão para ser
construídos no país". Sua proposta foi discutir como construir espaços de negociação e pactuação entre
os entes federados que sejam mais democráticos e efetivos, identificando instâncias, processos e
previsões legais pertinentes.

3.1. Márcia Lopes (Consultora de Organismos da ONU)

Márcia Lopes considerou, de início, que a pergunta-tema desta mesa aparece como provocação para a
discussão, pois é quase "irrespondível" devido à complexidade do tema. Focando no marco da
Constituição de 1988, ela aponta que, no âmbito legislativo, desde então foi possível construir leis
importantes, como a do SUS, do ECA, da LOAS, da LOSAN e o Estatuto das Cidades. "Olhar para a
legislação é importante para saber até que ponto elas representam nossas demandas, tendo em vista as
especificidades dos estados e municípios", disse a ex-ministra de Desenvolvimento Social.

Na perspectiva federativa, Márcia explica que temos sempre que responder onde, como, quem, quantos
somos e o que demandamos para a construção e a implementação de políticas públicas. O pacto
federativo, para além da divisão administrativa, representa um sistema político e de múltiplas visões de
Estado: "A perspectiva é que a política pública seja construída como gestão compartilhada e não
fragmentada, incluindo corresponsabilidade e cofinanciamento entre os entes. Deve haver, nos sistemas
públicos, comando único e intersetorial para que os esforços correspondam às demandas da população.

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Mas no cotidiano, constitui-se ainda um grande desafio: superar o espírito privatista e patrimonialista",
declarou.

Tradicionalmente no Brasil, a assistência social foi confundida com assistencialismo. Portanto, incluí-la na
Constituição como política pública e como direito foi uma grande conquista para o setor. Márcia explicou
que o estabelecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) visou estabelecer regulação
municipal, estadual e nacional e institucionalizar uma rede própria de benefícios e serviços
socioassistenciais, como a implementação de centros de referência (CRAS), abrigos, centros
especializados e programas de transferência de renda. "Com o SUAS, a assistência social se insere no
sistema de proteção social não contributivo, implementado nas três esferas de governo, assim como a
saúde, educação, entre outras políticas públicas. Não é por acaso que a Conferência Nacional de
Assistência Social, que acontece este ano, tem como mote principal o tema do pacto federativo".
Segundo ela, precisa ser aprofundada a discussão que se refere ao papel dos estados como ente
intermediário e tem sido cada vez mais enfatizada a importância da leitura sócioterritorial que as
políticas sociais precisam ter e o respeito às diversidades expressas nos municípios.

A assistente social concluiu que, do ponto de vista político e de concepção, se avançou muito nos
últimos anos. Dentre os avanços identificados, destaca o Ministério de Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, que saiu de um orçamento de R$ 8 bilhões em 2003 para R$ 70 bilhões em 2015. "E
não podemos perder de vista que movimentos sociais articulados e de resistência são cruciais para
avançarmos nas bandeiras comuns. ", concluiu, defendendo ainda que a política econômica seja aliada a
políticas sociais, decisivas para a superação das desigualdades desse país tão diverso.

3.2. Fabiana Izaga (Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB-RJ)

A apresentação abordou aspectos da mobilidade urbana no Rio de Janeiro. Uma vez que 85% das dos
brasileiros vivem em área urbana, é importante pensar a qualificação da cidade e construir alternativas
para garantir serviços de urbanização para todos. Esta “qualificação” deveria ser garantida conforme o
Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, que estabelece a obrigatoriedade da elaboração de planos
diretores como mecanismos eficazes para regulamento do solo urbano.

“É preciso aproximar o emprego e a moradia”, defendeu Fabiana, afirmando ainda que alguns dos
principais problemas das cidades encontram-se no mau uso da terra e a falta de planejamento dos
transportes.

Segundo ela, “mobilidade urbana sustentável” requer planejamento para a transversalidade de todos os
meios de transporte e superação da política setorial. Cerca de 30% dos deslocamentos no Rio de Janeiro

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são feitos a pé. O transporte coletivo tem matriz rodoviária e o carro, grande inimigo da cidade, contou
com incentivo financeiro do estado. Os trens transportam proporcionalmente poucas pessoas e as linhas
de metrô são diminutas.

Os municípios da região metropolitana têm crescido mais nos últimos 20 anos que o núcleo da cidade.
“Nossa realidade é da periferia com pouco emprego, o que provoca fluxo maciço (77% das viagens) de
trabalhadores para a zona central do Rio”, alertou.

A urbanista concluiu afirmando que temos carência de uma estrutura federativa. “Precisamos de entes
reguladores e articulação entre os planos diretores que, como no Rio de Janeiro, não têm sido
instrumentos eficazes de regulação do solo urbano e são caracterizados por uma política setorial e de
clientelismo. Esses planos devem, ao contrário, exigir habitação e mobilidade”.

3.3. Sílvia Ramos (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes -
Cesec)

Sílvia Ramos trouxe reflexões sobre o tema da segurança pública. Ela explicou que, conceitualmente,
segurança pública não é só polícia: é um conjunto de dispositivos articulados que envolve as polícias,
Ministério Público, sistemas judiciário e penitenciário. E acrescentou: "Polícia é não só a metáfora da
segurança pública, mas também o elemento essencial para disparar os dispositivos de segurança pública.
Todos se remetem a mesma instituição quando a paz, a ordem, o patrimônio ou a vida estão em perigo,
pois a sociedade lhe atribuiu o direito de uso da força. Policial é quem garante que a lei esteja
assegurada. A ideia da polícia é de não ser usada, já que a presença do policial armado seria suficiente
para conter as pulsões agressivas". O problema é o equilíbrio complexo entre uso da força e a
legitimidade, pois aí a polícia incorre o risco de ser vista como instrumento de opressão, e não como
proteção.

Citando dados, a pesquisadora informou que no Brasil há 56 mil assassinatos todos os anos, colocando o
país entre os 10 mais violentos do mundo há 20 anos. Aqui, a taxa de homicídio, em conformidade com
os níveis da América Latina, é de 30 por 100 mil habitantes, enquanto que nos países asiáticos é de 0,5
por 100 mil habitantes.

Sílvia apontou ainda que, ainda que seja um serviço, em sua essência, público, todavia não há pacto
federativo sobre a segurança no país. Em sua análise, a responsabilidade da segurança pública recai
somente sobre governos do estado e os demais entes ficam omissos. Para enfrentar este problema,
políticas no âmbito municipal e nacional precisam ser fortalecidas, considerando a importância de
investimento num pacto nacional pela redução dos homicídios, onde o governo federal estabeleça metas

18
para estados e municípios. "O problema de polícia é eminentemente local", concluiu, citando como
experiências positivas a polícia municipal de Nova York e iniciativas locais em cidades paulistas.

3.4. Edel Moraes (Conselho Nacional de Populações Extrativistas - CNS)

A vice-presidente do CNS retratou a realidade em que vive, no arquipélago do Marajó, no Pará. Segundo
ela, as populações locais ainda não contam com acesso a muitos serviços e lutam para garantir esse
direito. Há dificuldades para acessar o Plano Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) por razões
burocráticas e, sobretudo, pela falta de sensibilidade a respeito dos meios de vida desta população:
“Não dá para pensar financiamento da mesma forma para todas as regiões. O custo de políticas
apropriadas também é diferenciado. O governo deve construir as políticas a partir das práticas locais e as
instituições de pesquisa devem contribuir com projetos adaptados às necessidades locais”.

Segundo Edel, enquanto a luta das demais regiões do país é pela melhoria dos serviços públicos
prestados, a população amazônica ainda luta para simplesmente ter acesso aos serviços mais básicos.
Alguns serviços foram destacados por ela como faltosos, sendo, por conseguinte, uma violação de
direitos:

 Água: “Apesar de a Amazônia estar no meio da maior fonte de água doce do mundo, a população não
tem água potável e 85% dos problemas de saúde são decorrentes do consumo de água não potável”.
Segundo ela, a partir do local onde ela vive, são 14 dias de viagem de barco para acessar um sistema de
água potável;
 Saneamento: não há coleta de lixo nem tratamento de esgoto;
 Mobilidade: “é uma questão importante para a área rural também, mas governo não faz nem
manutenção dos rios, que são nossas ruas, nem campanha contra poluição”;
 Segurança pública: não se combate violência contra mulheres, o tráfico de pessoas, nem tampouco a
exploração sexual de crianças ou o trabalho infantil;
 Educação: “não podemos ter uma educação urbano-cêntrica. O Pronatec, por exemplo, deve ser para
contexto extrativista”. Ela apontou ainda que muitos alunos ficam doentes devido à precariedade do
sistema de água e esgotos e têm seu rendimento escolar prejudicado;
 Habitação: o Programa Nacional de Habitação Rural apresenta muitos obstáculos e desajustes para a
região. “Só conseguimos a inclusão no programa porque encontramos uma brecha na lei. Além da
burocracia, o projeto quer fazer casas, e não ocas, para índios”;
 Outros: não há energia elétrica nem redes de comunicação.
“Nosso desafio maior é de dar visibilidade ao povo da Amazônia. Para isso, deve haver esforço conjunto
e sistematizado por parte das três esferas de governo”, concluiu.

19
3.5. Inês Magalhães (Ministério das Cidades)

Segundo a secretária Nacional de Habitação, a Habitação é um campo simbólico para discussão do Pacto
Federativo. Inês explicou que o Mistério das Cidades foi criado para organizar políticas setoriais e marcos
legais de urbanização, mobilidade, habitação, saneamento e regularização fundiária. “A Constituição
Federal coloca a moradia dentre as políticas com competência comum e, em 2000, no rol dos direitos
sociais. É um direito que todos os entes podem promover, mas nenhum é obrigado a fazer, como são no
caso de saúde e educação”. Ademais, a secretária chamou atenção para o fato de que não se deve
“confundir” política habitacional com política urbana.

Para ela, a criação do Conselho das Cidades e demais institucionalidades fizeram crescer setores que
tratam do tema da Habitação. Atualmente, o Ministério das Cidades conta com quatro ferramentas para
trabalhar a política habitacional: urbanização de assentamentos precários; produção de moradia em
escala; regularização fundiária; e gestão de riscos.

No caso do programa Minha Casa Minha Vida, Inês explicou que, inicialmente, o governo federal
concentrou-se em construir apenas moradias, mas os municípios não tiveram capacidade para entrar
com educação e saúde nestas localidades. No segundo ciclo do programa, o governo federal passou a
pagar pela construção de equipamentos de educação e saúde. No terceiro e atual ciclo, o programa visa
construir unidades habitacionais em localidades com serviços disponíveis. “A expectativa era que a
parceria com municípios faria da habitação um instrumento de acesso a serviços”, afirmou, apontando
que o tema da descentralização precisa ser revisitado.

Em sua visão, a melhoria da oferta de serviços envolve também ponderação sobre escala e celeridade.
Uma pesquisa de satisfação da política de habitação, feita em parceria com o Ipea, indica que “da porta
da casa para dentro” os beneficiários do MCMV estão satisfeitos, mas que a prestação de serviços “da
porta para fora” não é compatível.

Por fim, ela concorda que a discussão acerca da política habitacional focada na propriedade privada
precisa ser aprofundada. “É preciso avançar no fortalecimento da rede de proteção social, incluindo
habitação como serviço”. Sobre as críticas de que o MCMV seria insustentável por construir em áreas
não infraestruturadas, a secretaria respondeu que o programa “não cria os problemas”, que ele apenas
“colocaria um holofote” sobre os problemas já existentes nas cidades, como a violência e difuculdade de
acesso a demais serviços, como educação, saúde e transporte.

20
Mesa 3 - Público e privado: o que resulta da presença da
iniciativa privada na prestação de serviços públicos?
Mediação: Sandra Jouan
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase
Debatedores:
Ana Costa
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde - Cebes
Ana Lucia Britto
Programa de Pós-Gradução em Urbanismo da UFRJ - Prourb/ UFRJ
Jurema Constâncio
União Nacional por Moradia Popular/ MCMV-Entidades
Félix Garcia Lopez
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada - Ipea

21
4. MESA 3: Público e privado: o que resulta da presença da iniciativa privada na prestação de
serviços públicos?

Mediação: Sandra Jouan


(Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase)
Debatedores:
Ana Costa
(Centro Brasileiro de Estudos de Saúde - Cebes)
Ana Lucia Britto
(Programa de Pós-Gradução em Urbanismo da UFRJ - Prourb/ UFRJ)
Jurema Constâncio
(União Nacional por Moradia Popular/ MCMV-Entidades)
Félix Garcia Lopez
(Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada - Ipea)

Atuou como moderadora, nesta mesa, Sandra Jouan, pesquisadora do Ibase, que introduziu as
apresentações e debate destacando que, na década de 1990, vivemos uma aceleração dos processos de
privatização, sobretudo na Saúde, Educação e Saneamento. Atualmente, programas como o Prouni e o
Pronatec transferem recursos públicos significativos para a iniciativa privada. "O problema é que a lógica
da iniciativa privada é de lucro e não de garantia de direito", disse.
No Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, "as construtoras fazem de tudo para ter lucro e não se
preocupam com o lugar de moradia, de modo que empreiteiras saem ganhando e os moradores não",
apontou Sandra, defendendo que para "o enfrentamento desta questão e das outras que apareceram
nesse seminário é fundamental uma reforma política, com fim de financiamento privado de campanha,
paridade de gênero, mecanismos de participação direta", entre outros.

4.1. Ana Costa (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES)

Ana Costa iniciou sua apresentação explicando que saúde, em sua dimensão ampliada, é qualidade de
vida, que uma sociedade tem saúde a partir de sua capacidade de acumular conquistas de direitos
traduzidas em políticas sociais universais: "Conquistamos o direito à Saúde na Constituição de 88, que
cria o Sistema Único de Saúde (SUS) para dar conta de atender a todos com qualidade".

22
Contudo, a médica analisa que "perdemos muito nos últimos 30 anos". Historicamente, o Sistema de
Saúde no Brasil foi construído por trabalhadores que instauraram as caixas de aposentadoria e pensão
mais tarde agregadas à Previdência Social (INPS) e Assistência Médica (Inamps). Ela contou que os
planos de saúde surgiram quando segmentos de trabalhadores urbanos de São Paulo passaram a realizar
acordo com empresas, formando as conhecidas "Medicinas de Grupo" dos anos 70, que se transformam
mais tarde nas empresas de seguros de saúde. Com a Constituição, o direito à saúde foi universalizado,
mas, paradoxalmente, desde sua promulgação, vimos o crescimento do setor privado da saúde por meio
dos planos de saúde. É importante lembrar que o setor privado sempre atuou na produção de
equipamentos, insumos e medicamentos.

"O SUS deveria ser único, sustentado pelos princípios da universalidade e integralidade. Sua efetivação
envolve a atenção primária na base, mas também deve ser garantida a retaguarda de exames e
internação", apontou. A ideia era que o SUS exercesse governança absoluta na saúde e não estivesse
restrito apenas ao setor público, "porque saúde deve ser entendida como bem social e, por isso, está
inserida na Constituição Federal, não podendo estar à mercê do mercado".

Apresentando dados, Ana explicou que o custo médio de um episódio de internação por plano privado
custa em torno de R$9 mil, enquanto no setor público o custo é de R$1 mil, "o que não indica melhores
resultados, mas que há mercantilização da saúde sob a forma de procedimentos nem sempre benéficos
aos doentes". E completou: "Quando saúde vira mercadoria e privilégio, estabelece-se uma lógica
perversa. Hoje, 60 milhões de pessoas estão vinculadas aos planos de saúde. A maioria deles são planos
empresariais, ou seja, o indivíduo é beneficiado em virtude de seu vínculo empregatício." Porém, ao se
aposentarem, os assegurados veem triplicar o valor da mensalidade justo quando mais precisam do
serviço. As empresas de ainda cobrem dos cofres públicos o ressarcimento pelos gastos realizados com a
população assegurada. Ainda que legal, "o plano ganha duas vezes: o que recebe do assegurado e o que
deixa de gastar ao recorrer ao SUS".

Para Ana, "a presença do setor privado contribui para o adiamento da efetividade e consolidação do SUS
e os subsídios públicos que são ofertados a estas empresas violam preceitos da Constituição. Não é
possível admitir a renúncia fiscal, o que o país deixa de arrecadar. Não obstante, a regulação da Agência
Nacional de Saúde é frouxa e tem sido pautada pelo interesse dos empresários da saúde, que sempre
alocam seus representantes como dirigentes do órgão". O setor de planos privados de hoje é um
financiador de campanhas.

De todo modo, os planos de saúde atraem pessoas e "muitos sindicatos e centrais sindicais que lutaram
para garantir a universalização da saúde hoje demandam planos privados na suas lutas. Não acreditam

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no SUS e por certo têm razão em ainda não acreditarem no serviço público". Ana Costa mencionou um
Projeto de Emenda Constitucional de Eduardo Cunha, a PEC451, que está em tramitação e propõe que
todos os empregados, de todos os setores, obrigatoriamente tenham plano patronal de saúde.

Para concluir, Ana sugeriu que o seminário fosse autodeclarado uma conferência livre, contribuindo com
a 15a Conferência Nacional de Saúde.

4.2. Ana Lúcia Britto (Prourb-UFRJ / Observatório das Metrópoles)

Ana Lúcia iniciou sua apresentação explicando que o acesso a serviços de saneamento foi definido como
um “direito humano” e é de responsabilidade do estado, a quem cabe garantir o acesso universal.

As políticas públicas de saneamento básico possuem algumas especificidades: 1) são fundamentais para
a preservação da salubridade ambiental e saúde pública; 2) possuem uma dimensão de essencialidade
por serem fundamentais para a vida; 3) por ser um direito humano fundamental, deve ter acessibilidade
financeira compatível com a capacidade de custeio; 4) água e esgoto são monopólios naturais; 5) têm
dimensão de obrigatoriedade pela Lei 11.445 de 2007, pois a opção de um indivíduo ou de um grupo de
não utilizar o serviço ou de não dispor do acesso a este num ambiente urbano pode trazer
consequências graves para toda a coletividade; 6) apresentam diferentes interfaces e externalidades.
Essas particularidades fazem com que os serviços de saneamento estejam submetidos a um regime
público, isto é, não deveriam estar sujeito a regras do mercado. "Os usuários do serviço devem ser
tratados como sujeitos de direito e não como consumidores", explicou. A ONU reconheceu o direito à
água como direito humano - "direito esse que é ameaçado quando o saneamento é tratado como
mercadoria e não como direito; quando usuários são tratados como clientes".

No Brasil, estamos longe de ter esse serviço universalizado e a previsão é que a totalidade da cobertura
seja atingida apenas em 2030. Para Ana, "alegar a falta de recursos públicos e defender a entrada do
capital privado é ignorar os caminhos que fizeram com que países da Europa e da América do Norte
chegassem lá. Para atingir a universalização são necessários investimentos públicos".

Hoje as três principais fontes de recursos públicos para saneamento são o BNDES, a Caixa Econômica
Federal e o Orçamento Geral da União, "que estão apoiando projetos da iniciativa privada, quando
deveriam apoiar os prestadores públicos", argumentou. "Para a empresa privada é um excelente
negócio, pois as taxas de juros são baixas e geralmente o aporte efetivo da empresa não ultrapassa 5%
do total dos investimentos". Segundo a professora, esta política, que inclui concessões e parcerias
público-privadas (PPPs), tem regulação frágil; as PPPs sequer não são objeto de audiência pública.

24
"Em São Paulo, por exemplo, a crise da água guarda relação com o modelo de gestão da empresa
Sabesp, que usa o dinheiro arrecadado para pagar dividendos aos acionistas em vez de reinvestir no
serviço. Esta empresa também mantém um cadastro de grandes usuários para favorecimento de tarifa e
serviço, revelando a dimensão de serviço público guiado por uma lógica mercantil", exemplificou.

"Saneamento é uma questão política. E apesar do grosso dos serviços de saneamento ser fornecido por
empresas públicas, não há priorização de financiamento para elas". Ana Lucia concluiu informando que
cidades que tinham forte presença da iniciativa privada na prestação deste serviço estão passando por
um movimento de remunicipalização, como aconteceu em Paris e Atlanta. "O setor público está se
reorganizando para assumir esses serviços e pensar modelos públicos de gestão", concluiu.

4.3. Jurema Constâncio (União Nacional por Moradia Popular/ MCMV Entidades)

Jurema Constâncio abriu sua apresentação afirmando que o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV)
tem "uma proposta interessante, mas precisa melhorar muito". Focando na modalidade MCMV
Entidades e na experiência coordenada por ela na Colônia Juliano Moreira, que construiu por autogestão
e mutirão 70 unidades habitacionais com subsídios do programa, Jurema declarou que o programa é
"entremeado por muita burocracia que não depende dos moradores".

Utilizando-se do caso dos conjuntos habitacionais construídos por empreiteiras com investimentos do
MCMV no município de Queimados e apresentado no seminário, Jurema acusou a Caixa Econômica
Federal e prefeituras de relaxarem as regras quando lidando com grandes construtoras ao permitirem,
por exemplo, que condomínios sejam construídos sem infraestrutura adequada e com parca fiscalização.
A coordenadora do UNMP também fez críticas acerca dos critérios não objetivos utilizados pelas
agências de financiamento para autorizarem determinadas documentações, e exemplificou que a Caixa
Econômica Federal não reconhece a existência de cooperativas em área urbana, mas o faz em áreas
rurais.

O empreendimento construído com subsídio do MCMV Entidades pelo Grupo Esperança se utilizou da
autogestão e da contrapartida da mão de obra das famílias, da qual 80% eram mulheres, para construir
70 unidades habitacionais de alta qualidade em terreno infraestruturado. O grupo contou ainda com a
troca de experiência com grupos de São Paulo, Uruguai, Paraguai e participantes do Fórum Social
Mundial.

Ao concluir, Jurema acusou ainda o governo municipal do Rio de Janeiro de estar se utilizando de
unidades habitacionais construídas pelo MCMV para promover a remoção de famílias de áreas que são
de seu interesse.

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4.4. Félix Garcia Lopez – Instituto de Políticas Econômicas Aplicadas (IPEA)

O pesquisador do Ipea falou sobre a ampliação da cooperação entre entidades sem fins lucrativos
(ESFLs) e poder público na última década. Existem três principais teorias que tentam explicar os padrões
observados: a "teoria da falha de governo e de mercado", de acordo com a qual as entidades entram
como complemento; a "teoria da falha de contrato", em que as entidades prestam serviços
especializados, como de cuidado de idosos; e por fim, a "teoria da complementaridade", que argumenta
que não há oposição ou antagonismo na atuação entre estado e ESFLs. Este, segundo o pesquisador,
parece ser o modelo explicativo mais apropriado à compreensão do cenário observado no Brasil.

Félix explicou ainda que os argumentos utilizados por gestores federais para justificar parcerias com
ESFLs são vantagens como "agilidade" na implementação de ações; conhecimento mais apropriado das
formas de implementar políticas específicas; capacidade para acessar grupos inacessíveis pela burocracia
pública; capacidade de mobilização em rede; menor custo; e inovação nas metodologias de
implementação.

Sobre o padrão observado no financiamento municipal às entidades, Felix informou que, de 2002 a
2012, o volume de recursos transferidos das prefeituras para ESFLs foi de R$69 bilhões, sendo que a
transferência média foi de R$30 per capita; uma ampliação em cinco vezes de no valor, embora a
proporção por gasto tenha se mantido próxima a 1% da despesa municipal, "o que mostra que estas
cumprem um papel importante no processo de ampliação das capacidades do estado brasileiro",
opinou.

Dados indicam que há concentração de transferências no sul e sudeste do país e que municípios com
maior status socioeconômico transferem mais recursos para ESFLs. Félix aponta nesta situação uma
contradição, pois as entidades estão concentradas em municípios mais ricos, onde a demanda por
serviço social seria supostamente menor.

O estudo apresentado também mostrou que a ideologia partidária no poder não tem efeito relevante
sobre o volume de transferências realizadas em nível municipal. Segundo o pesquisador, o estado ainda
não tem capacidade de avaliar a eficiência e efetividade das políticas implementadas por ESFLs. "O
espaço das ESFLs em políticas centrais sugere ser importante avançar neste conhecimento para qualificar
os serviços entregues à diferentes populações, em particular às populações pobres", concluiu.

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Mesa 4 - Participação: Como garantir a participação da sociedade na elaboração
de políticas e controle social dos serviços públicos?
Mediação: Maíra Martins
(ActionAid Brasil)
Debatedores:
Silvio Caccia Bava
(Le Monde Diplomatique Brasil)
Luciana Lago
(Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – Ippur/UFRJ)
Leninha de Souza
(Centro de Agricultura Alternativa - CAA / Articulação do Semiárido Brasileiro - ASA)
Renato Simões
(Secretaria Geral da Presidência da República)

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5. MESA 4 - Participação: Como garantir a participação da sociedade na elaboração de
políticas e controle social dos serviços públicos?

Atuou como moderadora desta mesa, Maíra Martins, de ActionAid Brasil, que abriu o debate dizendo
que, apesar dos muitos avanços nas políticas de combate à pobreza e desigualdade no país,
identificamos que há ainda muitos limites nos mecanismos de participação social, como conselhos e
conferências, na garantia de direitos e para efetividade do controle social.

As manifestações de 2013 evidenciaram as demandas por acesso e melhoria dos serviços públicos e por
maior participação da sociedade nas políticas. Entende-se, assim, que "é preciso aprimorar os
mecanismos de participação social, a comunicação e diálogo com a sociedade, de forma a politizar a
oferta e o acesso a serviços públicos na defesa de direitos e aprofundar a democracia", afirmou. Assim, a
mesa propôs-se a discutir como a participação social pode incidir na construção, no desenho e no
monitoramento de políticas públicas, além de trazer experiências de participação de organizações da
sociedade civil na execução de programas e serviços, em suas diferentes dinâmicas, dificuldades e
potencialidades.

5.1. Silvio Caccia Bava (Le Monde Diplomatique Brasil)

Segundo Silvio Caccia Bava, é importante reconhecer a profunda desigualdade que marca o país não
apenas em termos socioeconômicos, mas também de representação política. "Um porcento dos
agricultores possuem 50% da área rural e de um Congresso Nacional comprado por R$ 5,1 bilhões",
declarou. "O sistema político vigente leva o governo eleito a montar um programa de coalizão que não
prioriza a participação social".

No fim da ditadura, a população se engajou por apostar na mudança. "Comitês populares encaminharam
122 propostas para a Constituinte e as emendas tinham milhões de assinaturas", contou. "No começo da
gestão do PT nos municípios, a política era de inversão de prioridades, colocando a qualidade de vida no
centro da gestão pública, e havia orçamento participativo. Nesse período, foi construído um sistema de
participação, de modo que passamos a ter uma grande quantidade de conselhos que se transformaram
em espaços de disputas importantes. Temos exemplos importantes do resultado das pressões sociais

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nestes conselhos. O movimento negro fez criar o Juventude Viva e a ASA emplacou o programa de
construção de cisternas", exemplificou.

Para o editor, a autonomia dos movimentos sociais é fundamental para negociar no âmbito estatal e
fazer pressão na rua. "Temos uma contradição: há setores do governo muito comprometidos com a
participação social e outros da coalizão que são contra. Trata-se de um momento crítico onde temos que
enfrentar interesses privatistas em todas as frentes, nos conselhos, nas manifestações de rua". E
continuou, afirmando que "quando o processo democrático não absorve as demandas populares, elas
vazam para a rua. Não há outro caminho de mudança senão através da mobilização popular. Só tem voz
se tiver mobilização, fazendo debate público e indo para as ruas. Temos que pensar como vitalizar os
espaços públicos e trazer os movimentos sociais para as disputas políticas". Silvio não vê a participação
como um "mecanismo burocrático" a ser obrigatoriamente implementado por cada eleito: "É uma
dimensão da democracia".

Em sua análise, a democracia que temos "é muito imperfeita e defende os interesses do capital. James
Madison, em 1786, afirmou que a democracia serve para defender os ricos das pressões distributivas
dos pobres. De alguma maneira isso mudou, haja visto que, por exemplo, o voto universal, que permitiu
que a maior parte dos governos da América Latina seja de cunho popular. Democracia no pensamento
liberal foca na relação do Estado com o indivíduo, mas o que pode o indivíduo frente ao Estado? Temos
que pensar nas representações coletivas de cidadania e nas suas relações com o Estado".

5.2. Luciana Lago (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – Ippur/UFRJ)

Luciana Lago iniciou sua apresentação dizendo que, a partir de 2003, o estado brasileiro tornou-se "mais
permeável" no campo habitacional. Num retrocesso, porém, canais importantes de negociação nas
instâncias federais foram "enfraquecidos" desde o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida
(MCMV).

Fazendo um breve histórico das políticas habitacionais anunciadas desde o início do governo Lula, a
professora lembrou do programa Crédito Solidário, criado em 2004 em resposta à luta dos movimentos
de populares por um crédito específico para a produção de moradias por métodos associativos e
autogestão. O Crédito Solidário não foi adiante, e com a luta do movimento de reforma urbana, foi
criado em 2008 o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).

Em seguida, em 2009, é lançado o Programa Minha Casa, Minha Vida, "que não é propriamente uma
política habitacional, mas uma política econômica anticíclica contra a crise", explicou. O programa já

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financiou mais de 1 milhão de moradias, "mas colocou por terra todo o aparato institucional da política
habitacional conquistado até então", criticou.

Sendo assim, desde 2004, o Brasil teve três programas direcionados para produção associativa de
moradias: o Crédito Solidário; o FNHIS; e o MCMV Entidades, uma modalidade do programa que visa
construir moradias populares sem o envolvimento de grandes empreiteiras, por meio de métodos
associativos, como autogestão e mutirão. Até o momento, O MCMV Entidades já financiou cerca de 60
mil unidades habitacionais. No caso do estado do Rio de Janeiro, as primeiras 70 unidades habitacionais
construídas por cooperativa (Grupo Esperança) acabam de ser entregues na Colônia Juliano Moreira, em
Jacarepaguá.

Com esta experiência, "há hoje no Brasil um campo experimental de gestão associativa da produção
habitacional realizada por movimentos de moradia com várias formas de atuação, com maior ou menor
autonomia e com contradições. O que há comum nos movimentos é o entendimento, ao longo do
processo de produção, da moradia como valor de uso e não como mercadoria", analisou Luciana. Para
ela, a "possível insurgência" dessas experiências está na não aceitação da individualização dos contratos;
da proibição de espaços comerciais nos conjuntos; e da padronização das moradias.

"Há uma disputa de valores, de visões de bem estar urbano e não somente uma disputa por recursos
públicos". Ela mencionou experiências habitacionais associativas de São Paulo que estão protagonizando
parcerias com a prefeitura para a gestão de creche, de agência bancária, e outros equipamentos
coletivos associado às iniciativas de autogestão.

"O canteiro experimental em curso demonstra que o movimento da reforma urbana tem que ir além do
campo da redistribuição dos recursos públicos. A redistribuição justa é necessária, mas não suficiente
para a construção de uma outra cidade. Temos que pensar em formas de conexão entre o direito à
cidade e o direito ao trabalho emancipado", concluiu.

5.3. Leninha de Souza (Centro de Agricultura Alternativa - CAA / Articulação do Semiárido Brasileiro -
ASA).

Membro da coordenação executiva, Leninha explicou que a ASA e suas organizações se constituíram sob
a égide de interferir em políticas públicas de apoio à convivência com o semiárido, tomando as
experiências destas organizações como referência para a construção das políticas. "Este processo se
fortalece na medida em que o protagonismo de quem está tendo seu direito a serviços públicos violado
seja garantido em todas as etapas das conquistas, com o direito de propor, construir e usufruir".

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As dinâmicas de trabalho da ASA incluem formação, mobilização, controle social e tecnologia, além de
participação em conselhos e conferências: "O objetivo é promover inclusão politizada para que os
cidadãos saibam dos seus direitos e consigam lutar por eles autonomamente. O trabalho da ASA chegou
aonde governo nunca chegou. Essa incidência só foi possível com densa articulação com outras redes na
ponta. São três mil organizações da sociedade civil, igrejas, sindicatos, pastorais", relatou Leninha,
contando ainda que na vez que o governo federal anunciou que romperia o contrato para construção de
cisternas com a ASA, o movimento realizou uma mobilização com 70 mil pessoas e conseguiu reverter o
quadro.

Dentre os espaços de incidência da articulação, destacam-se o Conselho Nacional de Segurança


Alimentar e Nutricional (Consea), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário
(Condraf), além de contato com deputados e senadores. A ASA se articulam também antes da realização
de conferências nacionais, "incentivando e promovendo a participação nas etapas municipais e
estaduais para construírem força política", explicou. Segundo ela, a ASA acredita na "ação local",
enquanto procura fortalecer "estratégias locais com ação em rede nacional". Assim, a ASA tem
conseguido incidir sobre o orçamento público garantindo a destinação de recursos para os programas
que implementados no semiárido.

A coordenadora fez questão de destacar a importância das ações locais realizadas junto a gestores
públicos, pois "as políticas se efetivam no território e as pessoas precisam exercer o controle social, com
postura proativa na construção de propostas que assegurem os direitos das populações". Como
exemplo, Leninha citou a comunidade de Sobrado, localizada no município de Rio Pardo de Minas, no
Norte de Minas. Na região, o intenso ciclo de monocultivo de eucalipto está sendo substituído por um
novo ciclo de mineração. A comunidade, antes afetada por empresas reflorestadoras e agora temendo a
chegada da mineração, se mobilizou e conseguiu promover a aprovação de uma lei de proteção do
território e de reconhecimento como comunidade tradicional. "Mesmo que este documento não tenha
peso legal, para a comunidade ele o tem, pois é resultado de um processo participativo e educativo para
as famílias", concluiu.

5.4. Renato Simões (Secretaria Geral da Presidência da República)

"É importante perceber que qualquer direito decorre da construção coletiva e histórica da luta social",
declarou o secretário Nacional de Participação Social, destacando que a construção de novos direitos é
contínua e infindável. Para ele, "os sem-direitos serão sempre os maiores protagonistas", e a construção
de políticas públicas decorrentes desse processo é uma importante conquista. Por isso, a autonomia é
imprescindível aos movimentos sociais para permitir a produção de análises próprias: "Sem que

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movimento seja movimento e sem que governo seja governo, a dinâmica fracassa. O espaço da
participação social é híbrido, pois não é nem movimento nem governo. Não é estatal, mas é público".
Como exemplo de ocasião onde a dinâmica da participação social esteve associada a uma luta por
direitos e democratização, Simões citou a histórica aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA).

Segundo o secretário, a Secretaria Geral da Presidência tem a atribuição de conduzir os mecanismos de


participação. Apenas este ano, devem ocorrer 20 mil conferências em todo o país, envolvendo aproxi-
madamente 2,3 milhões de pessoas. Ele explicou que as 20 mil conferências se transformarão em 12
grandes conferências nacionais e que tratarão de temas como a saúde, educação, assistência social, etc.
Há, hoje, uma rede de 42 comissões e conselhos nacionais.

Simões acredita que, atualmente, a dinâmica de diálogo com o governo tenha chegado ao seu limite e
preciso repactuação. "Considerando que 76% dos beneficiários do Prouni são contra o Bolsa Família, é
preciso avançar em espaços de construção de consciências. É preciso aumentar a qualidade da partici-
pação para que as velhas idiossincrasias sejam atingidas por novas formas de inclusão. Os conselhos e
conferências estão envelhecidos. Temos que pensar qual é a juventude que dialoga e quem está com-
pondo os conselhos. Precisamos ainda aumentar a efetividade da resposta governamental e dar trans-
parência para haver controle social. É preciso criar uma grande mesa social em âmbito nacional para dar
sustentação aos projetos e rever os paradigmas desse processo que traça o futuro com vistas a superar
a realidade e construir um novo ciclo", declarou.

A Política Nacional de Participação Social consolida as práticas já existentes. No ano passado, a Câmara
dos Deputados rejeitou o decreto presidencial que instituía uma Política Nacional de Participação Social,
o que, em sua opinião, seria mais um instrumento para legitimação das práticas de participação. O obje-
tivo da Secretaria Nacional é facilitar a participação social em primeira instância.

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Mesa de Encerramento:

Tiago Falcão
(Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/ MDS)
Jorge Romano
(ActionAid Brasil)

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6. Mesa de Encerramento

6.1. Tiago Falcão (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/ MDS)


O Secretário Extraordinário para Superação da Extrema Pobreza destacou a complexidade, a densidade e
a diversidade dos temas tratados durante os dois dias de seminário e elogiou não só a qualidade das
exposições, mas também a metodologia adotada pelo projeto e pelo seminário de não discutir as
políticas específicas setorialmente, como é o formato tradicional.

Tiago chamou a atenção para o contexto em que o seminário acontece e que também fora lembrado em
todas as mesas: um contexto de crise econômica nacional e internacional, de crise política e também de
ameaças de retrocesso na área social, provocando questionamentos de representatividade e
credibilidade do governo, da imprensa e das instituições da sociedade civil.

Para o secretário, a primeira mesa deixou claro o enorme papel que as políticas sociais têm de
potencializar a política econômica do país. Hoje, 25% do PIB brasileiro é investido em políticas sociais,
que influenciam a economia do país: "Temos que ter dimensão da estrutura da política social no Brasil.
Não é possível fazer distinção entre política econômica e política social. social. Ambas se
complementam, se fortalecem mutuamente. Lembrando que crescimento econômico é essencial para
financiar as políticas sociais. Estamos num patamar de investimentos alto, mas ainda é insuficiente
devido ao nosso déficit histórico".

O debate que tratou do Pacto Federativo deixou claro, na opinião de Tiago, que os nossos sistemas são
muito complexos do ponto de vista federativo, muitas vezes dificultando a visualização das
competências, o que gera a desresponsabilização de entes em alguns casos: "E aí, o despreparo do nosso
arcabouço para dar conta de um país complexo como o Brasil.” Ressaltou que alguns sistemas de
políticas públicas podem não funcionar da mesma forma em locais tão distintos como o Amazonas e o
estado do Rio Grande do Sul. “Os sistemas são rígidos e precisam ser repensados", completou.

Outra questão que foi discutida foi a integração de políticas. Como o caso pesquisado do Minha Casa
Minha Vida em Queimados demonstrou, "a política habitacional chegou, mas não chegou transporte,
saúde, saneamento. Enfim, a integração de políticas no território é essencial e, da forma trabalhamos
hoje, não temos condições de fazer essa integração de políticas e de entes federados, onde cada um faz
sua parte".

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O MDS trabalhou com diferentes modelos integração entre o público e privado nos últimos anos, e
também com entidades sem fins lucrativos. Tiago mencionou como exemplos o papel da ASA no
Programa Águas para Todos, para chegar a 1 milhão de cisternas e do Sistema S no Pronatec: "foi um
modelo acertado, o único meio de alcançar a escala e a qualidade que nós conseguimos dentro deste
período".

Da terceira mesa, a opinião de Tiago Falcão é que se falou pouco da fuga do público para o privado em
busca de qualidade: "Quando a pessoa procura um plano de saúde não é porque ela não gosta do SUS, é
porque ela acha que será mais bem atendida do que se depender de um sistema público. O mesmo
acontece quando os pais colocam o filho numa escola privada. A qualidade do serviço está incorporada a
este processo de fuga".

O secretário falou ainda sobre as "amarras" que são colocadas para a gestão pública oferecer um serviço
de qualidade na ponta, em razão do regime jurídico, da lei de licitações e das interpretações dadas pelo
Ministério Público e pelos órgãos de controle. "As regras colocadas hoje para a Administração Pública
dificultam muito a melhoria da qualidade da prestação na ponta".

Por último, Tiago Mencionou que a experiência bem sucedida do Brasil Sem Miséria, que vem trazendo
lições importantes, como a disponibilidade de recursos, a parceria com o setor privado e com entidades
da sociedade civil e a participação social, que obteve reconhecimento internacional. Por fim, o secretário
lembrou que o governo lançaria no dia 28/07 a plataforma Dialoga Brasil, conforme anunciado na última
mesa, buscando um mecanismo mais interativo de participação.

6.2. Jorge Romano (ActionAid Brasil)

Para o coordenador-executivo da ActionAid Brasil, os temas debatidos durante os dois dias de seminário
foram centrais para a confirmação de uma agenda de promoção de acesso a serviços públicos de
qualidade como direito e como forma de concretizar a defesa da universalização da cidadania. Na análise
de Jorge Romano, vivemos uma conjuntura política difícil e de forte luta hegemônica, "onde elites
econômicas, com apoio da grande mídia e de setores conservadores, procuram reinstalar um consenso
neoliberal que coloca em risco os avanços sociais". Ele não vê este cenário como propício ao diálogo,
uma vez que se expressam um discurso monológico imediatista e moralista, que "apaga a história, a
experiência passada, confunde a realidade do presente e dilui a visão política de futuro. A disputa
também está no governo, que impõe uma política de ajustes que recria a exclusão”.

O objetivo desta iniciativa do Ibase e ActionAid Brasil, com apoio da Fundação Ford, é que este seja um
caminho para enfrentar a visão dominante a partir de reflexões, diálogos, criação de elos, difusão de

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agendas e alternativas. “Às vezes, a melhor defesa é partir para o ataque com bandeiras construídas
historicamente. A convergência das propostas aqui apresentadas propicia a promoção de justiça social e
econômica. Temos que levar a agenda para fora e angariar apoio de outros setores da sociedade”,
defendeu, ainda que se entenda que não necessariamente haverá consenso. “Há momentos em que
aprofundar a democracia significa reconhecer os limites de consenso e valorizar as diferenças. O conflito
e a diferença são elementos centrais do processo democrático”.

Em uma tentativa de fazer um breve resgate dos temas tratados pelas quatro mesas durante o
seminário, Jorge Romano destacou os seguintes pontos:

 Na questão sobre o Financiamento, os debates apontaram para a necessidade de defender e divul-


gar que os gastos sociais, que hoje chegam a 25% do PIB, sejam compreendidos como investimentos,
reforçando o papel dos serviços como motor do crescimento econômico, para o efeito multiplicador do
gasto (por exemplo, 1% do gasto em Educação implica em 1,85% de crescimento do PIB).

Nossa bandeira para reforçar o financiamento destas políticas deve reforma tributária, pois existe espaço
econômico para a reforma tributária num país onde o imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR)
recolhe apenas 0,02% do PIB (menos que em Portugal) e que a taxação sobre heranças é de no máximo
4% (enquanto no Reino Unido é de 40%). Nesta mesma linha, o preconceito contra os pobres faz com
que não se visualize que a despesa com o Bolsa Família (0,4% do PIB) é 13 vezes menor que a despesa
com o “Bolsa Família Rica” (o pagamento de juros da dívida pública custa 5,7 % do PIB). Além do mais, as
isenções e subsídios fiscais que tem um custo de 25% do arrecadado pelo governo federal
Com relação ao Pacto Federativo, na pergunta que levantamos, se união, estados e municípios cumprem
suas funções na oferta dos serviços públicos, os debates apontaram para a complexa arquitetura e insti-
tucionalidade em determinadas áreas. Viu-se que não há um pacto federativo em torno de acesso a di-
reitos. Reconhecendo-se que no Brasil se federalizam todos os problemas, foram destacados aqueles
para os quais não se tem arranjos entre os entes federados, como é o caso do saneamento e a habita-
ção; contribuindo para deixar ainda mais nebuloso o papel intermediário dos estados no pacto.

Discutiu-se também o problema do pacto na prática: a “desresponsabilização”, onde temos na gestão


dos condomínios construídos pelo programa Minha Casa Minha Vida uma metáfora dessa desresponsa-
bilização, sublinhando os limites da prática do pacto federativo.
Também foram trazidas ao debate as dificuldades e limites do reconhecimento da diversidade e dos invi-
síveis em diversas políticas. Por exemplo, muitas políticas são construídas na lógica urbana sem levar em
conta a contextualização de ambientes totalmente diferentes como as florestas do norte do país trazidos

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pela representante do Conselho Nacional dos Seringueiros e o semiárido trazido pela representante da
ASA.

Atentou-se também para a defasagem, em alguns casos, entre a institucionalidade construída com a
Constituição de 88 e a realidade, como no que toca a política urbana, onde o arcabouço técnico adminis-
trativo não corresponde aos municípios reais, que ultrapassam barreiras burocráticas com as áreas me-
tropolitanas.
Também foi destacado o papel do poder ilegal para além da institucionalidade, ou pior, imbricado na
prática dessa institucionalidade. Isto é, o impacto do tráfico de drogas e da milícia no acesso a serviços
públicos, articulado ao clientelismo e à lógica do favor.
Finalmente foi reconhecido que promover o pacto, significa fazer política, reconhecer e enfrentar os in-
teresses em jogo. E para isso uma participação efetiva e ativa e crucial.

 No que toca a questão “o que resulta da presença da iniciativa privada na prestação de serviços pú-
blicos?”, destacou-se a forte pressão internacional e nacional pelo aumento das parcerias público-
privadas (PPPs). Quando as parcerias são com as entidades lucrativas, com o capital, concebendo os
serviços como mercadorias e as pessoas como consumidores desses serviços, tem-se mais problemas
que soluções: monopólio, falácia da universalidade, renúncia fiscal, etc. A narrativa dos direitos vai se
perdendo.
O diálogo abordou as diferença entre parcerias lucrativas e não lucrativas; a falácia da universalidade
que a mercantilização dos serviços propõe através de mecanismos como planos patronais de saúde; o
crescente papel do mercado financeiro no serviço de saúde; os riscos do monopólio na prestação de
alguns serviços; os sérios limites da renuncia fiscal como via do estimulo à entrada do setor privado nos
serviços; entre outros pontos.

O debate problematizou também o setor público, pensando as parcerias entre governos municipais e
entidades sem fins lucrativos, e apontando para potencialidade e limites. Destacaram-se, por exemplo,
as potencialidades da coprodução para expansão das capacidades do Estado com a ampliação da atua-
ção de entidades sem fins lucrativos. Chamou-se atenção para que, lamentavelmente, a implementação
de políticas pelo governo não necessariamente é garantia de defesa do público. A questão gerou muitas
polêmicas, como por exemplo, na saúde, sobre o papel das “santas casas que não tão santas”, e das ins-
tituições filantrópicas que são na prática lucrativas. O que ficou claro é a necessidade de consolidação da
esfera pública.

 Finalmente, com relação à questão da participação social, os debates destacaram a participação


hoje como dimensão da democracia; a fundamental preservação da autonomia; a importância das ações

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articuladas em rede. Apesar do desenvolvimento e riqueza dos mecanismos de participação existentes
hoje no Brasil, eles ainda são limitados e necessitam de permanente aperfeiçoamento.
Falou-se também da importância do processo de construção de direitos tendo os “sem direito” como
protagonistas, para que estes passem a ser reconhecidos pela sociedade. O “salto” é tirar o direito do
papel para a política pública, fazendo com que cada um assuma o seu papel: movimentos, partidos e
governo. O espaço da participação é um espaço de pactuação entre esses entes, devem permanecer
autônomos.
As discussões contextualizaram o tamanho do problema da participação numa sociedade profundamen-
te desigual e com um sistema político que obriga a formação de governos de coalizão. Para se construir
uma agenda positiva, deve-se enfrentar o sistema privatista.

A mobilização social aposta na democracia como processo de mudança. O desafio é não se retirar dos
espaços de participação, e manter na retaguarda de organizações, estar sempre mobilizado. Assim, faz-
se necessário vitalizar os espaços de participação, trazendo para dentro deles a disputa política.
Foi destacado o campo experimental de associativismo sendo retomado atualmente no setor de Habita-
ção, com inovações nas áreas de cogestão e cooperativas de trabalho, e insurgências e lutas para mudar
e melhorar as propostas do estado, numa disputa cultural e ideológica, mesmo que a máquina burocráti-
ca ainda imponha barreiras às propostas cooperativas e associações em curso nas cidades.
Num exemplo do campo, falou-se da importância das ações locais implementadas junto a gestores, co-
mo leis de proteção de territórios tradicionais que se transformam em instrumentos pedagógicos de
luta, colocando sujeitos de direito e suas organizações como atores centrais da participação.
Foi lembrada também a proliferação conferências (20 mil conferências municipais e 12 conferências na-
cionais que contam com mais de 2 milhões de pessoas), foi questionado por que isso não gera energia
para o governo e se essa participação está gerando, de fato, uma nova consciência.
Vivemos o fim de um ciclo de participação que coloca três desafios o futuro próximo: aumentar a quali-
dade da participação, com uma nova fase de inclusão nesses espaços de participação (diálogos com a
juventude, protagonismo de mulheres e negros, os que participam através de mecanismos digitais, os
que são beneficiários de políticas sociais); aumentar a efetividade da resposta governamental, com
transparência na execução orçamentária; e criar condições para construir um entendimento para supe-
ração da crise, numa aliança para o futuro. Os desafios são grandes, mas os debates que aqui travamos
apontam para caminhos e soluções.

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