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Fernanda Nali
A notícia de tentativa de suicídio de sua mãe, viúva e sem outros filhos, que o obriga a
voltar ao Rio de janeiro sem cobrir as despesas de hotel dacompanhia, assim como o
fracasso da empreitada teatral, a que ainda se somará irregularidades na prestação de
contas encontradas pelo ministério da cultura, descarrilham a rememoração das fases
da sua carreira, que o narrador conta, em tom de didatismo, como em consonância com
a história recente do Brasil: desde a experiência no teatro político no sertão
pernambucano, o teatro de rua, improvisações a incursão pelo cinema novo dos anos
60, o desbunde inspirado por uma geração hippie, nos anos 70 - quando este “se torna
místico, cósmico, telúrico”, as propostas de renovação do o encontro com o diretor
argentino Guria e o teatro de Tchékhov, menções ao experimentalismo e tentativas de
renovação estética do teatro Oficina e seu guru, José Celso, até a glória como um
famoso ator no auge da televisão, com diversos papéis nos quais se destacava pelo
porte físico, beleza e voz pontente, e decadência quando se vê obrigado a estrelar um
comercial de papel higiênico para acertar as contas com o leão e atuar numa novela
bíblica da rede de televisão evangélica.
A temática dialoga com uma certa tradição de personagens letrados, “nobres”, como
Macbeth ou mesmo enquanto artistas glorificados por instituições e público, que
praticam crimes. Cito, dentro várias possibilidades, o professor universitário de filosofia
Antenor, personagem de ‘O monstro”, de Sérgio Sant’Anna, que comete também um
assassinato; o aproveito aqui para uma observação outra quanto à segunda parte do
romance. O conto de Sant`Anna manifesta-se para o leitor, desde o início, como um
simulacro, uma entrevista que o professor concede a uma revista e que tem como ação
central o assassinato da jovem Frederica Stucker, operado por ele e por sua namorada
Marieta; e é também como uma espécie de simulado que, na segunda parte do
romance, se explicará a primeira parte do romance “A glória...”. Nela, um narrador,
agora em terceira pessoa, revela o contexto de produção do texto até agora lido: Mario
Cardoso está preso e, após um longo momento de apatia, é acometido pelo desejo, ou
empenho obsessivo, de organizar o que o levou até ali, tendo como ponto de partida a
malfadada adaptação de Rei Lear e que resultará nos “originais” “Rei Lear – por Mario
Cardoso”, encaminhados a Lineu. Na segunda parte também se desenrolará finalmente
a versão de Macbeth encenado pelos próprios presidiários.