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Parte B - Texto literário

Lê o texto. Em caso de necessidade, consulta o vocabulário apresentado.

«SAGA»

- Assim, desde muito cedo, Hans conhecera as ilhas do Atlântico, as costas de África e do
Brasil, os mares da China. Manobrou velas e dirigiu a manobra de velas, descarregou fardos
-
e dirigiu o desembarque de mercadorias.
-
Respirou o arfar1 dos temporais e a imensidão azul das calmarias. Caminhou em grandes
praias brancas onde baloiçavam coqueiros, rondou2 promontórios3 e costas desertas, perdeu-
- -se nas ruelas das cidades desconhecidas, negociou nos portos e nas fronteiras.
Escorrendo água do mar, estendido na praia, afastado um pouco dos companheiros,
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poisava sobre os ouvidos dois grandes búzios brancos, rosados e semi-translúcidos4 e
-
pensava: «Um dia levarei estes búzios para Vig.» E à noite, já a bordo, escrevia para casa
uma longa carta que falava de búzios do Índico.
- Encostado à amurada5 do navio em noite de luar e calmaria6, com os olhos postos no
grande olhar magnético da lua cujo rasto trémulo de brilho como o dorso de um peixe
-
cortava a escuridão estática7 das águas, pensava: «Um dia contarei em Vig este brilho, esta
-
escuridão transparente, este silêncio». No dia seguinte escrevia para casa, contando a noite,
o mar, o luar.
10 Num porto distante, sentado a cear na varanda da hospedaria, sob a luz das lanternas de
cor, enquanto se deslumbrava com a beleza das loiças, com seus desenhos azuis e seu branco
-
azulado e descobria o sabor sábio dos temperos exóticos, pensava. «Levarei para Vig estas
-
loiças e estas especiarias para aquecer as ceias do Inverno». E, no dia seguinte, escrevia para
casa contando o azul das loiças, a beleza das sedas e das lacas e a maravilha do tempero.
- Mas, quando ao fim de longos meses regressou e Hoyle lhe entregou o correio chegado
na sua ausência, as cartas da mãe, em resposta às notícias que do cabo do mundo mandara,
-
eram sempre a mesma mensagem: «Deus te proteja e te dê saúde. Mas não voltes a Vig
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porque o teu pai não te quer receber.»
Quando estava já passada a sua primeira mocidade, um dia, à volta de uma das suas
- viagens, Hans encontrou o inglês doente. O mal atacara os seus olhos e a cegueira avançava
rápida.
-
– Hans – disse ele –, estou velho e cego, já não posso tratar dos meus barcos, dos meus
-
armazéns, dos meus negócios. Fica comigo.
Hans ficou. Deixou de ser empregado de Hoyle e tornou-se seu sócio. Sentado em frente
- da pesada mesa de carvalho recebia os comerciantes, os chefes dos armazéns e os capitães
dos navios. As suas narinas tremiam quando no gabinete entravam gentes vindas de bordo.
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Porque deles se desprendia cheiro a mar. A renúncia endurecia os seus músculos. À noite
relatava a Hoyle as conversas que tivera, as decisões que tomara. Depois bebiam juntos um
copo de vinho.

Sophia de Mello Breyner Andresen, «Saga», in Histórias da terra e do mar, Lisboa, Texto editora, 2002, pp. 92 e ss.
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Vocabulário

1
arfar: agitação; 2 rondou: rodeou; 3 promontórios: cabos formados por rochas ou penhascos altos; 4 semi-translúcidos: semi-
-transparentes; 5 amurada: parte do costado que se prolonga acima do convés de um navio e que serve de parapeito à tripulação;
6
calmaria: ausência de vento; 7 estática: quieta.

Leitura / Educação literária

4. Divide o texto em duas partes lógicas, justificando.

5. Tem em atenção aos 2º, 4º e 5º parágrafos.

5.1 Mostra, exemplificando, como a presença de sensações é neles fundamental para traduzir
experiências de vida de Hans.

6. Tem em atenção os vários momentos em que Hans decidia escrever para casa.

6.1 Apresenta uma justificação para estes factos, tendo em consideração também o que
conheces já do conto «Saga».

7. Identifica os dois recursos expressivos presentes na secção destacada do segmento textual «com
os olhos postos no grande olhar magnético da lua cujo rasto trémulo de brilho como o dorso de
um peixe cortava a escuridão estática das águas», linhas 11 a 13.

7.1 Explicita a expressividade do segundo.

8. Atenta na frase: «A renúncia endurecia os seus músculos.», linhas 29 e 30.

8.1 Explicita, justificando, de que «renúncia» se trata.

Tem em atenção a frase Teríamos avistado esse barco anteontem.

2.1 Reescreve-a corretamente, substituindo o grupo nominal «esse barco» pelo pronome pessoal
átono correspondente.

2.2 Escreve agora na forma negativa a frase que obtiveste anteriormente.

3. Tem em atenção a frase Ele enviou-me ontem essa mensagem.

3.1 Indica as funções sintáticas de


(A) «enviou-me ontem essa mensagem»;
(B) ontem;
(C) «me»;
(D) «essa mensagem».
4. Nas frases complexas seguintes existe uma oração subordinada adverbial final.

4.1 Identifica-a, transcrevendo-a para a folha da prova.


(A) Ele correu muito para apanhar o táxi.
(B) Ele correu muito porque viu o táxi.
(C) Ele correu muito quando viu o táxi.
(D) Ele correu muito pois viu o táxi.

5. Transforma o par de frases simples seguinte numa frase complexa que contenha uma oração
subordinada adverbial final iniciada por uma locução subordinativa final.
Faz apenas as alterações necessárias.
O Carlos emprestou dinheiro ao Pedro. O Pedro adquiriu esse automóvel.
Parte B
4. A primeira parte vai desde o início do texto até «maravilha do
tempero», l. 22; a segunda parte é constituída pelo restante
texto. Na primeira parte referem-se viagens de Hans; na segunda,
o que fez depois de regressar.
5. 5.1 São várias as referências a sensações presentes nos três
parágrafos através das quais Hans se relaciona com a realidade.
Exemplos: segundo parágrafo – sensações cromáticas
ou visuais: «imensidão azul», l. 4 e «grandes praias brancas»,
ll. 4-5; quarto parágrafo – sensações auditivas: «este silêncio
», l. 15; quinto parágrafo – sensações gustativas: «a maravilha
do tempero», ll. 21-22 .
6. 6.1 A contínua pulsão para escrever para casa por parte de
Hans revela as fortes saudades que sentia, e, principalmente,
a necessidade forte de reatar o contacto com o pai a quem
tinha desobedecido ao partir, contrariando a sua vontade.
7. Comparação («cujo rasto trémulo de brilho como o dorso de
um peixe») e metáfora («cortava a escuridão extática das
águas»).
7.1 A metáfora «cortava» é expressiva pois do mesmo modo
que o que é cortado é separado, também o brilho da lua refletido
na superfície uniformemente escura das águas do mar as
separava em duas partes.
8. 8.1 Trata-se da «renúncia» a navegar: ao aceitar trabalhar
em terra com o sócio, Hans renuncia ao mar, a navegar

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