Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
experiência se opõe, em sentido distintivo, daquelas doutrinas que derivam seus princípios a
priori (Kant, ano, p.).
A filosofia que define seus princípios em sentido exclusivamente formal é
denominada no estudo de Kant como filosofia lógica, ao passo que a filosofia pura
“circunscrita a determinados objetos do entendimento, recebe o nome de Metafísica.”
(KANT, ano, p.) Portanto, compreendemos a ética em Kant como uma filosofia pura
adstrita a determinado objeto do entendimento, qual seja: a ciência da liberdade [ou as leis
sob as quais tudo deve acontecer].
É possível perceber que a ética em Kant não tem ligações como o mundo empírico
ou sensível, é voltada para o sujeito. Isso muito vai em encontro com o desafio que o
filósofo nos faz em O que é o esclarecimento, ou seja: “Sapere aude! Tem a coragem de te servires
do teu próprio entendimento!” (KANT, ano, p. 1). Isso proporcionou não somente uma Commented [VB2]: Adicionar citação do Herrero. Talves
Mayos (criticismo kantiano)
revolução nas formas do entendimento, como também nos fundamentos do agir moral, que
se volta agora totalmente para a o sujeito.
Quando se trata de um fundamento moral de uma ação o que está em questão não
são as ações exteriores, mas os princípios internos da ação. Isso implica em dizer que nossa
vontade, para estar dotada de um motivo moral, deve ter o poder de se determinar
independentemente de qualquer condição do mundo empírico ou sensível. Mas o que isso
propriamente significa?
Ora, nossa vontade para ser dotada de um valor moral deve ser conforme uma
máxima que não seja a satisfação de objetos ou fins do mundo empírico. Conforme Kant:
Assim, dever se torna a necessidade de cumprir ação pelo respeito à lei. E a ação que é
cumprida em respeito à lei retira seu valor moral não do fim que por ela deve ser alcançado,
mas da máxima que a determina. Isso não significa que Kant ignora as inclinações ou os fins
como determinantes das ações humanas. A bem da verdade, como será demonstrado, Kant
dedica esforços para distinguir uma ação pautada na lei moral de uma ação pautada em uma
máxima meramente condicionada, para afirmar que a representação do dever,
Nesse ponto, vem à tona umas conclusões metodológicas em Kant. O valor de uma
ação não está no mundo fenomênico ou nas circunstâncias em que o objeto da ação se
encontra inscrito, pois o fundamento moral deve vir de uma filosofia sobre as leis da
liberdade fundamentada em uma determinada metafísica.
É com base nessa rápida distinção do que caracteriza uma ação como dotada de
valor moral que nos permite caminhar com um pouco mais de precisão sobre os significados
do que torna uma ação boa em si mesma e compreender as diversas manifestações da
fórmula do imperativo categórico.
A Vontade
1
FMC, p. 19
o conceito de boa vontade "é forçado a admitir"2 o pressuposto daquilo que será chamado
depois de imperativo categórico.
O que é uma boa vontade? Kant inicia a argumentação, com o intuito de responder
a essa pergunta, que muitas coisas podem ser boas no mundo. Em geral, quando nos
referimos a coisas boas ou ruins, o fazemos com um fim específico. Aquilo que pode ser
considerado bom à luz de determinadas experiências, pode igualmente ser avaliado como
ruim defronte a outras. Há, no entanto, "uma única coisa no mundo que pode ser
considerada boa em si mesma, a boa vontade."3
A boa vontade tem uma bondade em si, de valor absoluto. A boa vontade é boa
sem reservas. Sua qualidade e valor não são avaliados defronte a um fim que se queira
realizar, mas em virtude dela mesma, de tal modo que "é lícito afirmar que uma tal vontade
deve ser considerada boa independentemente de sua utilidade."4
Por que Kant fala de uma vontade boa em si mesma? Ora, é preciso lembrar que
Kant pretende fundamentar uma ética válida universalmente. Assim, a determinação da
vontade não pode e dar a partir de alguma matéria ou conteúdo, isto é, "o ato moral tem de
nascer da própria vontade que, concebida como desprovida de conteúdo e não se
determinando por nada do exterior, mas por si mesma, é vontade pura."5
No plano da Ética de Kant, só pode ser válida uma lei que consiga se revestir de
universalidade, pelo que uma ação moral, que é individual e parte de um sujeito, consegue se
elevar ao plano universal e objetivo (portanto, válido)6.
Kant rejeita uma ética empírica para propor, então, uma ética de princípios
universais. E se são universais, esses princípios precisam ser a priori, devem estar no próprio
sujeito e não podem pertencer à ordem das sensações. A razão prática não existe com um
2
HERRERO, p. 22
3
KARINE, p. 29
4
KARINE, p. 29
5
SALGADO, p. 77
6
SALGADO, p. 77.
fim, nem mesmo o de garantir ao homem maior felicidade. 7 Kant deixa claro que quer
separar seu caminho filosófico das veredas da ética eudaimônica:
Observamos de facto que, quanto mais uma razão cultivada se consagra ao gozo da
vida e da felicidade, tanto mais o homem se afasta do verdadeiro contentamento; e
daí provém que em muitas pessoas, e nomeadamente nas mais experimentadas no
uso da razão, se elas quiserem ter a sinceridade de o confessar, surja um certo grau
de misologia, quer dizer de ódio à razão. 8
No seu intento de rejeitar uma ética forjada nas experiências, o filósofo prussiano
argumenta que a razão não é, aliás, o melhor instrumento para que o homem consiga a
felicidade e auto-conservação. Os instintos do homem seriam suficientes para o alcance de
seus propósitos, se estes fossem todos voltados à satisfação de seu apetite.9 Mas o homem
foi, efetivamente, dotado de razão, e essa razão foi dada como "faculdade prática"10, que irá
exercer influência sobre a vontade.
Essa vontade, assim, não será boa ou má para realizar outras intenções, mas boa em
si mesma. Para todos os intentos de suas necessidades de felicidade e bem-estar, o homem já
está bem servido de outras faculdade e talentos. Sua vontade, motivada pela razão prática,
cumprirá a função de representar o bem supremo - que não é o único bem, mas o bem
acima de todos os outros.11
Só a vontade pura, e, por isso, formal e autônoma, (livre, não afetada por qualquer
móvel ou inclinação) não empírica, pode construir a ética e dar moralidade às ações
dos racionais. Nenhum argumento extraído da experiência, da região empírica,
pode justificar um comportamento como ético, tampouco pode contradizer os
princípios formais da validade da ação moral. 12
Assim é que Kant irá argumentar, ainda primeira seção da Fundamentação, que não se
pode elevar à categoria de prescrição universal "aquilo que só é válido talvez nas condições
7
SALGADO, p. 77
8
FUNDAMENTAÇÃO, p. 24-25.
9
karine, P. 30
10
FUNDAMENTAÇÃO, p. 25
11
FUNDAMENTAÇÃO, p. 25-26
12
SALGADO, p. 78.
contingentes da humanidade" 13 . As leis que determinam uma vontade não podem ser
consideradas como determinantes das vontades em geral se o seu embasamento for
empírico, se forem fundadas em experiências limitadas. Para serem leis de determinação
gerais, da vontade de todo e qualquer ser racional, essas leis precisam se originar de uma
plena razão pura prática, de modo a embasarem apenas uma boa vontade.14
O homem, que não é um Deus nem um animal, nem sempre consegue motivar sua
ação de tal modo que obedeça ao ditame da lei moral. Além da razão, que lhe dota de
capacidade moral, o homem também está sujeito à sensibilidade. Essa sujeição pode fazer
com que o homem, no momento de agir, o faça de modo contrário à lei moral.
A boa vontade, no entanto, não é medida pelos efeitos no mundo sensível, nem pela
sua utilidade. Não deve ser julgada por nenhum critério exterior; se foi determinada pela
razão, de modo independente das "determinações dos instintos"15, então é uma vontade boa.
A boa vontade é fim em si mesma, diz Kant, não se presta como meio a nada, com o que o
filósofo se afasta de uma ética da felicidade ou eudaimônica.16
O dever está, assim, intimamente ligado à boa vontade. Quando o homem age
finalisticamente, de acordo com seu interesse, ele não age por respeito a uma lei, mas por
inclinação. Só pode ser respeitado pela vontade aquilo que tem valor como princípio, e não por
seus efeitos; aquilo que domina minhas inclinações, e não que a elas se sujeita. A vontade
13
KANT, p. 42
14
KANT, p. 42
15
SALGADO, p. 80
16
SALGADO, p. 81
17
HERRERO, p. 21
18
KARINE, p. 32
determina o respeito a uma lei moral, e quando se age de acordo com esse respeito, se age
conforme o dever. 19
Nas ações coincidentes com o dever é possível fazer uma divisão. Há ações
praticadas em conformidade ao dever e outras praticadas por dever. No primeiro
caso, embora a ação seja idêntica àquela prescrita como devida, tem uma
motivação exterior. Ou seja, a conduta é realizada visando a outro fim que não o
próprio cumprimento do dever. Do mesmo modo, há ações que são realizadas por
mero hábito e, muitas vezes, sem objetivar fim algum. Tais ações também não se
efetivam por respeito ao dever e se enquadram no primeiro grupo. 20
Não será difícil, pelo já exposto, concluir que Kant só enxerga valor moral naquelas
ações realizadas em respeito ao dever. As demais, ainda que conformes ao dever, mas
motivadas por interesses e inclinações outras, essas não têm valor moral. O valor de uma
ação moral está no respeito ao dever mesmo, sem ocupar-se de fins externos.21
Por ser o homem "de parte inteligível e de parte sensível", suas máximas podem ser
tanto materiais quanto formais, isto é, tanto direcionadas a um fim externo, quanto
constituídas a priori.24
19
20
KARINE, p. 33
21
KARINE, p. 34
22
KARINE, p. 35
23
SALGADO, p. 119
24
KARINE, p. 35
As máximas materiais ensinam o homem a agir segundo finalidades, portanto não
são encontradas no princípio objetivo. Por outro lado, as máximas formais indicam ações
por dever, por respeito à lei moral, que é objetiva. Assim, uma ação individualizada,
conforme a lei moral, realiza a máxima, como princípio subjetivo; e a máxima realizou a lei,
como princípio objetivo. O ser racional, por respeito à lei, a aceita e faz dela sua máxima25.
A lei é princípio objetivo, universal. A lei moral é universal porque tem origem a
priori, e também porque é válida para todos indistintamente. Assim:
A lei é fruto da razão, e, por isso, é válida para todos os seres racionais de maneira
apodítica. Em uma palavra, ela não é válida sob determinadas condições, mas, sim,
absolutamente válida. Ora, para que uma lei seja válida incondicionalmente, ela não
pode ter uma motivação exterior, ou seja, não pode estar fundada em algo
empírico. A possibilidade da lei – e do dever que estabelece justamente a
necessidade de observância desta lei - está na ideia de uma razão capaz de
determinar a vontade por motivos a priori.26
A lei moral é princípio formal, sem qualquer conteúdo de ordem material. Sua
principal característica é a universalidade, que a torna válida para todo ser racional. Se
imaginarmos uma vontade santa, sempre conforme a lei moral, a relação entre a vontade e a
lei é feita a partir de uma descrição, pois a vontade sempre coincidirá com a proposição do
princípio objetivo.
Mas o homem tem uma vontade afetada por dois mundos, o sensível e inteligível27;
o cumprimento da lei exige respeito a ela, caso em que a máxima do sujeito será formal e
coincidente com o princípio objetivo. Assim, para o homem, a relação entre sua vontade e a
lei moral é de ordem prescritiva 28 . A lei moral prescreve ao homem um mandamento, na
ordem do dever ser, justamente porque, pela sua natureza, nem sempre o homem
direcionará sua vontade no sentido de sua razão pura prática29.
25
SALGADO, p. 120-121.
26
KARINE, p. 37
27
SALGADO, p. 125
28
HERRERO, p. 25.
29
Fundamentação, p. 48
O mandamento, o imperativo que expressa a lei moral só é pensável com relação a
um ser, no qual o cumprimento da lei moral não se faz sem sacrifício, isto é, no
qual a região sensível está sempre a obstaculizar a plena realização da lei moral.
Fosse o homem apenas razão (vontade não perturbável pelos sentidos, santa),
então não apareceria a lei moral sob a forma de imperativo, um mando que coage,
como: "tu deves", mas seria a pura espontaneidade da ação do ser racional. Como
o homem é formado de razão e natureza (esta como impulsos e inclinações), de
parte inteligível e de parte sensível, é necessário que esta se submeta à esfera
racional e que a razão domine totalmente a região sensível humana, para que seus
atos sejam morais, visto que a lei moral tem origem exclusiva na razão. A lei moral
na esfera das condições humanas surge, pois, como um imperativo, lei da vontade
motivada pelo dever, de uma vontade que pode ser afetada por inclinações e
impulsos sensíveis. 30
O Imperativo Categórico
Na Fundamentação, Kant estabelece que um princípio objetivo, enquanto obrigatório
a uma vontade sujeita a inclinações, se expressa por meio de um mandamento, cuja fórmula
será um imperativo31. Para estudar o imperativo categórico, Kant faz antes considerações a
respeito das espécies de imperativos e da possibilidade de um imperativo categórico - tema
da última seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
30
SALGADO, p. 127
31
Fundamentação, p. 48
32
KARINE, p. 40.
imperativos técnicos, ditam qual o meio mais eficaz para se atingir um determinado fim,
"sem qualquer preocupação com a razoabilidade e moralidade do fim".
O imperativo categórico põe uma ação como devida, mas, de modo distinto dos
imperativos hipotéticos, o imperativo categórico não pressupõe uma preocupação com um
fim externo. A ação é devida por si mesma. No imperativo categórico, encontraremos uma
necessidade incondicionada. Se ele ordena de modo incondicional, então seu conteúdo será
sempre o mesmo – por isso, há um único imperativo categórico.35 Sua fórmula será assim
expressa: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela
se torne lei universal."36
33
SALGADO, 133.
34
SALGADO, p. 133
35
KARINE, p. 43
36
fundamentação, p. 59
universal" 37 . Com essa fórmula, Kant sublinha um dos pontos basilares de sua teoria:
entender o homem como legislador de si mesmo.
Com isso, podemos afirmar outra fórmula do imperativo categórico, qual seja, a da
humanidade, na qual se estatui: "Age de tal modo que uses a humanidade, tanto na tua pessoa
como na pessoa de qualquer um, sempre e ao mesmo tempo, como fim e nunca como meio
simplesmente."39
A terceira fórmula é a "fórmula do reino dos fins", assim expressa: "Age segundo
máximas de um membro legislador em ordem a um reino dos fins meramente possível."40 O
reino dos fins, assim, descreve uma idealidade da razão prática, uma comunidade que visa
"unificação de todos os seres racionais numa legislação comum e autônoma, um reino, pois,
da razão, da liberdade e da paz." 41 Por essa fórmula, Kant constrói o ideal de uma
comunidade42 de homens iguais e em liberdade43.
37
HERRERO, p. 31
38
KARINE, p. 45-46.
39
SALGADO, p. 140
40
HERRERO, p. 31.
41
HERRERO, p. 31
42
A respeito do homem como membro de uma comunidade (reino dos fins), ensina o professor Salgado: "O bem
supremo ou o universal só pode realizar-se na humanidade, enquanto o homem é concebido, não como indivíduo,
mas como espécie, na ideia de uma paz perpétua no seio da comunidade humana, ideia fundamental que lhe
garante um parentesco com Hegel, reciprocamente honroso. A paz pérpetua, por outro lado, só é possível numa
comunidade de justiça, numa humanidade que tenta realizar, através das nações, a ideia de justiça, e que a realiza
na medida em que a liberdade de todos é assegurada por leis que sejam como um produto da vontade de todos. A
O imperativo categórico não provém da experiência. Com a experiência, podemos
aprender aquilo que é, mas não aquilo que deve ser. O imperativo categórico, nesse sentido,
expressa o dever ser de uma proposição prática não-condicionada e absoluta. 44
A liberdade torna possível a conexão entre a vontade pura e a vontade empírica 48, e
assim o faz porque faz de cada homem um membro do mundo inteligível e do mundo
sensível, ao mesmo tempo. Assim:
paz perpétua, como esforço de Kant no sentido de realizar o universal, é o coroamente da sua filosofia." Cf.
Salgado, p. 143.
43
SALGADO, p. 141
44
SALGADO, p. 135
45
SALGADO, p. 136
46
salgado, P. 136
47
SALGADO, p. 136
48
HERRERO, p. 29
inócuo seria o imperativo categórico, já que entre os seres não providos de
sensibilidade não há dever, nem comando a estabelecer. 49
Considerações Finais
Kant lança as bases de uma Ética fundada na liberdade e na igualdade, vez que todo
ser racional pode encontrar, no uso de sua razão pura prática, a máxima conforme a lei
moral para guiar suas ações de modo autônomo e livre das causalidades do mundo sensível.
Os elementos de sua Ética são, assim, encontrados no sujeito, e não no objeto. Com isso,
49
SALGADO, p. 137
50
KARINE, p. 58
51
KARINE2, p. 44
inaugura-se "uma nova forma de filosofar, cuja partida é dada pela ética kantiana" 52, centrada
na razão.
52
SALGADO, p. 67