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CIRROSE HEPATICA - Introdução e causas

Introdução e classificação
- O fígado se organiza em unidades funcionais, as menores porções capazes de desempenhar
sua função como órgão, que são os lóbulos hepáticos.
- Os lóbulos hepáticos tem formato hexagonal, contendo em seu centro uma veia
centro-lobular e, em cada uma dos seis vértices (espaços porta), três diminutas
estruturas: um ramo da artéria hepatica, um ramo da veia porta e um canaliculo biliar.

- As ramificações da veia porta e artéria hepática formam os sinusóides hepáticos, que


são capilares que ocupam o espaço entre as placas de hepatócitos e conduzem o
sangue advindo dos ramos da veia porta e artéria hepática ate a veia centro lobular.
- As veias centrolobulares atravessam os lóbulos em sentido longitudinal e, ao saírem
destes, desembocam em ângulo reto nas veias sublobulares que penetram nas
trabéculas do estroma hepático e se unem para formar as veias hepáticas.
- O sangue percorre os sinusóides da periferia para o centro dos lóbulos e os
hepatócitos estão sob gradiente de composição sangüínea. Os mais periféricos
recebem em primeiro lugar tanto nutrientes quanto oxigênio, com eventuais toxinas
trazidas pela veia porta e artéria hepática.

- Além do espaço de Disse, outra estrutura que fica entre os hepatócitos é o canalículo
biliar. Este não tem parede própria e é a primeira estrutura coletora de bile. Os
canalículos se dirigem do centro para a periferia onde desembocam em um ducto
curto denominado canal de Hering. Os ductos biliares gradualmente se alargam até se
fundirem formando o ducto hepático que sai do fígado.

- Os sinusóides tem paredes fenestradas que permitem maior interação entre o sangue e os
hepatocitos, para que realizem sua funcao. Entre os sinusóides e os hepatocitos existe um
espaço virtual, o espaço de Disse, onde se inicia o processo cirrotico. No espaço de disse
existem células estreladas que, em processos patológicos são ativadas e iniciam composição
de fibrose no espaço de Disse - "a culpa é das estrelas” - e essa fibrose faz com que haja
perda de interação entre hepatocitos e sangue.
- Na cirrose há, portanto, formação de uma cicatriz no espaço de
Disse. Como todo processo cicatricial, há uma fase de retração
tecidual que acontece no tecido dos sinusoides. A retração gera
pressão nos sinusóides hepaticos, o que gera como consequência a
hipertensão no sistema porta, que traz o sangue ate os sinusóides -
hipertensão porta.
- O processo cirrótico não é, no entanto, gerado apenas pela fibrose.
As travas fibroticas formadas, compõem um muro que impede o aporte
de sangue aos hepatocitos. Esse processo forma ilhas de hepatocitos
não funcionantes, que tentam se regenerar em uma iniciativa

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frustrada, os nódulos de regeneração. Apesar da tentativa em regenerar-se, as traves
fibroticas ainda impedem o pleno funcionamento dos hepatocitos.
- As células hepatocitarias em tentativa de regeneração gera risco adicional do
desenvolvimento de displasia e neoplasia. Carcinoma hepatocelular ou
hepatocarcinoma é, portanto, o principal risco num paciente cirrotico.

- A cirrose é, assim, caracterizada por fibrose e nódulos de regeneração


- Num portador de cirrose, as manifestações clinicas clássicas geradas pela presença de fibrose
e pelas travas fibroticas que impedem o sangue de acessar os hepatocitos, que cursam com:
hipertensão porta e insuficiência hepática.

HIPERTENSÃO PORTA INSUFICIÊNCIA HEPATICA

Varizes, pela dilatação venosa Icterícia com aumento de bilirrubina direta

Hipoalbuminemia e coagulopatia, pela


Ascite, pelo extravasamento
redução na síntese hepática

Esplenomegalia, pelo comprometimento Encefalopatia hepática, por prejuízo na


da drenagem esplenica eliminação de toxinas

Circulação colateral, pela dificuldade do Atrofia testicular, ginecomastia, pelo


sangue em permear o fígado hiperestrogenismo

- As transaminases hepáticas (TGO-AST/TGP-ALT) estarão normais ou discretamente


elevadas, pois a agressão da cirrose é cronica, continuada, em que vários hepatocitos
já foram destruídos. Não há, portanto, quantidade expressiva de hepatocitos sendo
destruídos para que a elevação das transaminases seja intensa, como nos quadros
agudos de hepatite.

- A classificação de gravidade da cirrose pode ser feita de duas vezes: Classificação de Child-
Pugh e Escore de Meld.

Classificação de Child-Pugh
- O menor Child possível é de 5 pontos
- Child A - 5 ou 6 pontos - melhor função hepática possível
- Child B - 7 a 10 pontos
- Child C - pior função possível - 10 pontos ou mais
1 ponto 2 pontos 3 pontos
B Bilirrubina (mg/dL) <2 2-3 >3
E Encefalopatia Ausente Grau I e II Grau III e IV
A Albumina > 3,5 2,8 - 3,5 < 2,8
T TAP (INR) < 1,7 1,7 - 2,3 > 2,3
A Ascite Ausente Leve Moderada

- A pontuação do escore de Meld não é requerida por provas de residencia.


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Escore de Meld

B Bilirrubina

I INR

C Creatinina

- Lembrar que “BIC é uma caneta de MELDa” e que a utilidade do escore de Meld é a
classificação de gravidade do paciente para definir prioridade no transplante.

Causas de cirrose
- As 8 causas principais de cirrose são quatro duplas:
• Vírus - hepatite B e C
• Infiltração gordurosa - uso de álcool ou não-álcoolica
• Deposito de metal - cobre (Doenca de Wilson) ou ferro (hemocromatose)
• Autoimunidade - colangite biliar primaria (até 2015 chamada de cirrose biliar primária) ou
hepatite autoimune

Infiltração gordurosa
- Limite seguro de consumo de álcool
• Homens - 21 unidades alcoólicas - 12 latinhas de cerveja
• Mulheres - 14 unidades - 8 latinhas de cerveja
• Havendo consumo semanal maior que esse, o paciente é um abusador de álcool, que
pode ser identificado pelos serviços de saúde por meio de algumas ferramentas.
Questionários de Cage ou Audit são duas dessas ferramentas, que são passíveis de
serem burladas pelo paciente.

• Não existe nenhum marcador laboratorial especifico para o consumo etilico, mas existem
algumas provas laboratoriais que são comprometidas pelo abuso alcoólico, como:
elevação de gama-gt, defeito na fabricação de hemacias com macrocitose - elevação do
VCM.

- A doença hepática gordurosa tem três possíveis espectros: esteatose hepática, cirrose
alcoólica ou hepatite alcoolica.

• Qualquer pessoa pode desenvolver esteatose hepática durante um evento de libação


alcoólica

• A agressão cronica ao fígado é que gera a cirrose alcoólica - bebedor crônico


• Para o desenvolvimento de hepatite alcoólica é necessário que o consumo alcoólico
abusivo seja crônico associado a evento de libação - acetoaldeido é produzido de forma
intensa com a libação alcoólica.
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- Cirrose e hepatite alcoólica - Manifestações especificas da hepatite alcoólica: febre, icterícia
(BD predominante), dor abdominal - tríade clássica - com elevação de transaminases
(predominio absoluto da TGO sobre a TGP, até o dobro).

• Para produção de TGP, há necessidade de vitamina B6. No alcolista, há,


frequentemente, desnutrição associada e carência de vitaminas do complexo B. Essas
pessoas não produzem TGP. Quando há agressão ao figado, na hepatite alcoolica, o
TGO é muito mais alto que o TGP.

• O acetoaldeido produzido acessa a circulação sanguinea, realizando quimiotaxia para


neutrofilos, o que gera leucocitose com neutrofilia intensa, parecida com leucemia, numa
reação leucemoide.

• A hepatite alcoólica pode ser fatal pela disfunção hepática e intensa inflamacao.
• O tratamento deve ser realizado com corticoterapia - um importante anti-inflamatorio. A
prednisolona deve ser utilizada, pois independe de metabolizacao hepática para surtir
efeitos, durante 4 semanas.
- Doença hepática gordurosa não alcoólica é muito prevalente no mundo e tem como principal
fator de risco a síndrome metabolica.

• A resistência à insulina - hormônio que transporta a glicose para o interior das células -
com comprometimento da principal fonte energética do corpo, faz com que sejam
utilizadas outras fontes energeticas. A quebra de gordura para ser utilizada como
energia, faz com que haja maior quantidade de gordura circulante e infiltração hepática.

• A esteato-hepatite não alcoólica, inflamacao gerada pela agressão cronica ao fígado que
pode cursar com o desenvolvimento de cirrose não alcoolica.

• O paciente é geralmente assintomatico no inicio da esteatose. Quando há progressão


para esteato-hepatite, patologia inflamatória, pode haver dor abdominal pela agressão. O
aumento de transaminases tem TGP um pouco mais elevada que TGO. Na
ultrassonografia, ve-se um padrao de infiltração gordurosa no fígado, e é exame
suficiente para identificar a doenca. Quase nunca é realizada biopsia.

• A existência da obesidade não é suficiente para definir a existência de esteatose


hepática não alcoólica, que é um diagnostico de exclusao. É necessário descartar outras
causas menos comuns de esteatose para definir esse diagnostico, como: hepatites
virais B ou C, abuso alcoolico.

• A perda de peso por dieta e exercício físico é a principal medida com vistas a reduzir a
resistência à insulina. Terapia com glitazonas também pode ser realizada para ajudar na
redução da resistência insulinica. A agressão ao hepatócito gerada pela infiltração
gordurosa parece ser gerada por estresse oxidativo, o que pode ser reduzido pelo uso
de vitamina E. No entanto, o mais importante é a perda de peso.

Cirrose alcoólica Doença hepática gordurosa não alcoolica

TGO muito maior que TGP TGP um pouco maior que TGO

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Deposito de metais
- Doença de Wilson - O cobre deve ser ingerido e é ingerido em alimentos como chocolate,
propolis, farinha de soja, sendo importante para a hematopoiese, síntese de hormônios e
enzimas antioxidantes, neurotransmissores, formação da bainha de mielina e regulação da
expressão gênica.

• O excesso de cobre é excretado na bile. A Doença de Wilson é uma doença genética em


que não é possível ao fígado excretar o excesso de cobre. O acumulo de cobre é,
inicialmente, hepático e, com a progressão da doenca, no resto do corpo.

• Para excretar o cobre, o fígado forma uma proteína, a ceruloplasmina, que não pode ser
sintetizada no caso das pessoas com a mutação genética da doença de Wilson.

• Há, nessas pessoas, laboratório com redução de ceruloplasmina e aumento do cobre.


• O cobre acumulado no fígado pode gerar hepatite fulminante em alguns casos, mas,
mais comumente, uma hepatite cronica é gerada, cursando com cirrose.

• Há deposito de cobre no sistema nervoso central, com


manifestações neurológicas (alteracoes de movimento -
tremores) ou psiquiátricas.

• O acumulo de cobre na córnea gera aspecto de Anel de


Kayser-fleischer (anel ao redor da íris, amarronzado, que,
eventualmente pode ser visto a olho nu ou no exame
oftalmológico com lâmpada de fenda. Quando o anel está
formado, na maioria das vezes a pessoa já tem manifestações
neurologicas.

• O diagnostico exige detecção de cobre perdido na urina - exame de urina - e de cobre


em excesso no fígado - biopsia hepatica.

• Tratamento é feito com utilização de quelantes de cobre, medicamento que aumenta a


excreção de cobre. D-penicilamina ou trientina são utilizadas como quelantes. Mais
frequentemente a trintona (aumenta a excreção na urina). O transplante é capaz de
curar a doenca.
- Hemocromatose - doença que cursa com acumulo de ferro. Hemocromatose = pele com cor
de sangue. Homens e mulheres tem carga genética para a hemocromatose, mas os homens
expressam muito mais a doenca, pois as mulheres perdem ferro através da menstruação,
mensalmente, o que defende as mulheres do acúmulo férrico.

• É uma doença genética gerada por mutação que acaba por aumentar a absorção
intestinal de ferro, a despeito da necessidade organica. O organismo absorve ferro em
excesso, mesmo sem que haja necessidade do corpo. O ferro pode se acumular em
diversos locais do corpo, inclusive o fígado.

• A doença se manifesta pela elevação da saturação de transferrina, aumento da ferritina.


A clínica da doença é muito rica, com hepatopatia, hiperglicemia (ferro acumulado no

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pâncreas pode atrapalhar a secreção de insulina), hiperpigmentacao (acumulo de ferro
na pele a faz ficar avermelhada), insuficiência cardíaca por hemocromatose,
hipogonadismo (acumulo de ferro pode gerar perda de libido), atrose (acumulo de ferro
nas articulações é muito comum).

• O diagnostico é idealmente estabelecido com testes genéticos que encontram a mutação


especifica da doença.

• Para o tratamento a melhor estratégia terapêutica é a flebotomia (sangria), que reduz o


acumulo férrico.
- Num primeiro momento, 2 sessões por semana (retirada de 500mL em cada
sessão). Ao chegar ao nível desejado de ferritina, 1 sessão a cada 2 meses.

- Em pacientes hepatopatas graves, o transplante hepático pode ser cogitado,


mas não é curativo para a doença e não aumenta significativamente a
sobrevida, pois os pacientes ja possuem múltiplas comorbidades associadas.
- O uso de quelantes não é tao recomendado, pelos efeitos colaterais

Doença de Wilson Hemocromatose

diminuição na ceruloplasmina Ferritina alta

Oftalmologia: Aneis Kayser-fleischer Saturação de transferrina alta

Quelantes são utilizados Não se usam quelantes, mas sim flebotomia

Doença hepática autoimune


- Colangite biliar primaria - doença insidiosa autoimune com caráter genético e fator ambiental
deflagrador que gera reação imunológica aos ductulos biliares dos espaços porta. Linfocitos e
anticorpos IgM são encontrados. Acomete principalmente mulheres, com destruição dos
ductulos biliares pelo ataque autoimune

• Há acumulo de todos os elementos que compõem a bile, desde água até colesterol e
sais biliares. Os hepatocitos sofrem com o acumulo desses elementos. Sais biliares são
extremamente toxicos e iniciam lesão cronica aos hepatocitos por não serem drenados
pelos ductulos biliares. A doença é de agressão cronica aos hepatocitos.

• As manifestações são geradas pelo acumulo dos elementos - Os sais biliares também
são toxicos à pele, o que gera prurido. Agressão hepática gera icterícia e cirrose.
Aumento nos níveis de colesterol gera hipercolesterolemia, xantema, xantelasma.

• Por ser uma doença autoimune, a doença é fator de risco para outras condições
autoimunes, como a tireoidite de hashimoto.

• A agressão das vias biliares é o evento inicial da doenca, o que faz com que aumentem
as enzimas das vias biliares - gama-GT e fosfatase alcalina. Os anticorpos anti-
mitocondria podem ser dosados para diagnostico da doença.

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• A imunossupressao não é benéfica nesta patologia. Devido ao grande prejuízo gerado
pelo acumulo dos sais biliares, a principal estratégia terapêutica é o uso de ácido
ursodesoxicólico, um sal biliar sintético não toxico ao organismo. A suplementacao com
ácido ursodesoxicólico atóxico, faz com que o organismo reduza a produção endógena
de sais biliares e, assim, a progressao da colangite.

• Em 2015 a denominação da doença foi modificada pois havia intensa estigmatizado


gerada pelo antigo nome: Cirrose biliar primaria. Na verdade, a maioria dos pacientes
não tem cirrose, condição que só se manifesta apos muitos anos da doenca.
- Hepatite autoimune - autoanticorpos IgG (hipergamaglobulinemia) e células imunes atacam o
tecido hepático.

• Subdivisão em Hepatite autoimune tipo I, tipo II e tipo III (não consensual, poderia ser a
tipo I mais grave).

• Tipo I: fator antinúcleo (FAN), anticorpo antimúsculo liso (SMA)


• Tipo II: anticorpo anti-LKM-1
• O quadro pode ser agudo, raramente fulminante, mas, geralmente, cronifica com fibrose
e cirrose.

• Doença autoimune que responde muito bem à imunossupressao. Utiliza-se corticoide


associado com azatioprina, com vistas a reduzir efeitos colaterais de corticoterapia mais
intensa.

Colangite biliar primaria Hepatite autoimune

Anticorpo anti-mitocondria Anticorpo anti-músculo liso, anti-LKM-1

Não responde a imunossupressao Responde a imunossupressao

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