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Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir sobre como a Família Real Portuguesa foi
representada na Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret. Pretendemos
identificar, a partir de três imagens iconográficas e trechos de suas respectivas descrições textuais
elaboradas pelo autor, o olhar do viajante sobre a presença da corte no Brasil e a aceitação desta
pela sociedade brasileira. Acreditamos que o pintor revelar seu comprometimento com o Estado
português colocando muitas das suas estampas a serviço da imagem que o império buscava
divulgar e cristalizar, qual seja, a de um país civilizado.
1
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Tradução e notas de Sérgio Millet /
apresentação de Lygia da Fonseca F. da Cunha. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia Limitada; São Paulo: Ed.
Universidade de São Paulo, 1989. (Coleção Reconquista do Brasil. 3ª Série especial vols. 10, 11 e 12).
2
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica..., 1989, tomo I, p. 24.
3
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel 1988, p. 23.
2
que predominou na Europa desde o século XVII até o final do século XVIII, foi
destacando-se progressivamente o neoclássico e consolidando-se como arte oficial francesa
quando Napoleão Bonaparte assumiu o poder no início do século XIX, expressando-se na
construção dos templos, arcos e nas encomendas, aos pintores, de quadros que registrassem
os feitos políticos e guerreiros do imperador. O estilo que se impunha primava entre outras
características, pelo predomínio da cor e do tema histórico, entendido como os feitos
políticos e guerreiros do imperador. Sugerindo ser esse o estilo que retratava a “ ética da
Revolução” como uma nova interpretação e significado, entendido como um classicismo
revolucionário. A arte segundo Arnold Hauser passa a ser concebida como uma “profissão
de fé política”,voltada para ser mais um meio de sustentação das estruturas sociais.4
É bem conhecido que, com a expansão napoleônica, ocorreu a invasão de Portugal
pelas tropas francesas, levando o monarca português D. João VI a refugiar-se na colônia
brasileira. Enquanto D. João VI permaneceu no Brasil (1808-1821) várias foram as
medidas que apontam para a tentativa de adequar a colônia aos padrões europeus5. Entre
elas, estava o incentivo e ações políticas no sentido de selecionar e contratar profissionais
capazes de fundar uma escola ou instituto teórico-prático de aprendizagem artística e
técnico-profissional, a Imperial Academia de Belas Artes, que foi fundada em 1829.6 É
nesse contexto desse esforço que chegou ao Brasil a Missão Artística Francesa composta
pelos irmãos Taunay, um paisagista e outro estatuário; Jean B.Debret, pintor de história,
Grandyean de Montigny, arquiteto; Simão de Pradier, abridor; Francisco Ovide, professor
de mecânica; Joaquim Lebreton, literato e membro do Instituto da França dentre outros, no
total cerca de quarenta pessoas considerando as famílias que acompanhavam os
profissionais7.
Com a derrota de Napoleão em 1815 e a volta ao poder dos Bourbons, a situação
dos artistas neoclássicos ligados ao ex-imperador ficou extremamente ameaçada. David
exila-se na Bélgica, um exílio de acordo com Naves inevitável uma vez que “ ... participara
ativamente da revolução, tendo inclusive votado a execução de Luís XVI...”8; Debret,
Grandjean de Montigny e outros, a convite de Joaquim Lebreton, aceitam compor a Missão
Artística Francesa. Além da insegurança de permanecer na França após a queda de
4
HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, tomo II, 1980-1982, p.
796-797.
5
SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. A fundação de uma Europa possível. In: Anais do Seminário
Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na América. Rio de Janeiro : Museu Histórico Nacional, 2000.
6
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística de 1816. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1983, p. 256.
7
SCHWARCZ, Lilia Mortiz. O Sol do Brasil: Nicolas-AntoineTaunay e as desventuras dos artistas
franceses na corte de D. João. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.197.
8
NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil: ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora Ática ,1996, p. 58.
3
Napoleão, a morte o único filho de Debret teria sido a outra grande razão da sua saída do
país.
É importante situar ainda que brevemente, os fatores que favoreceram às origens e a
vinda da Missão. Com base no estudo de Naves, sua organização oi resultante de uma
combinação de fatores, sendo a princípio iniciativa dos artistas franceses isolados no novo
governo, e contando posteriormente com a aceitação das autoridades portuguesas. Embora
o governo português no Brasil tenha demonstrado todo interesse em “acolher” os viajantes,
até a “a paz européia de 1815”, com a derrota de Napoleão foi desenvolvida, através da
Intendência Geral da Polícia, uma política rigorosa de intolerância em relação à literatura
francesa e aos franceses, para impedir a penetração, em terras brasileiras, os princípios do
século das luzes.9 Segundo Taunay, o Marquês de Marialva, embaixador extraordinário de
Portugal junto à Corte de Luís XVIII e Estreiro-mor, ao ser comunicado por Lebreton, em
agosto de 1815, que artistas desejavam estabelecer-se no Brasil, respondeu que “... seriam
todos bem acolhidos; e alcançariam terras de sesmarias. Não estava, porém, autorizado a
lhes pagar a passagem...”10 Ainda segundo esse autor, em ofício datado de 27 de dezembro
de 1815, o Marquês de Aguiar, encarregado de negócios, respondeu a Lebreton sobre o
projeto que “ S.A.R. o príncipe regente viu o projeto referente aos artistas e artífices com
especial agrado”11.
Quanto ao governo francês, Taunay aponta que o governo de Luís XVIII não se
envolveu no caso. Entretanto, segundo esse autor, o Cônsul-Geral Maler, representante da
França no Brasil, teria perseguido Lebreton sem tréguas, oficiando ao Duque de Richelieu
a chegada da Missão e suas impressões sobre a recepção por parte do governo português.
Em resposta a um dos ofícios enviados por Maler respondeu Richelieu, ministro de
Estrangeiros da Restauração: “... durante a sua estada no Rio, deveis, Sr., considerá-los
como franceses e conceder-lhes toda a assistência a que tem direito qualquer súdito de sua
Majestade...”12. Debret afirma que a missão foi organizada por solicitação do governo
português, não se referindo em nenhum momento à situação política da França13.
9
Sobre a ingerência do governo de D. João VI na entrada de estrangeiros ver, entre outros estudos, NEVES,
Lúcia Maria Bastos P. “O privado e o público nas relações culturais do Brasil com a França e Espanha no
governo Joanino ( 1808-1821) .IN: Anais do Seminário Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na
América. Rio de Janeiro : Museu Histórico Nacional, 2000, p. 189-200.
10
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística de 1816. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1983, p.14.
11
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística ..., 1983, p.17
12
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística ..., 1983, p. 21-27.
13
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica...,1989, tomo I, p. 23.
4
14
Como já afirmamos anteriormente a obra é composta de aproximadamente 156 pranchas. No tomo III,
composto basicamente de 53 estampas de natureza política e religiosa., 25 destas são de caráter político, ou
seja, 43% do total.
15
NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil: ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora Ática ,1996, p.47.
16
SOUZA, IARA Lis Carvalho. Pátria Coroada. O Brasil como corpo político autônomo – 1780-1831. São
Paulo:Fundação Editora da UNESP,1999, p.56.
17
FLORENTINO, Manolo . Em costas negras. Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997,p.125-169. ANDRANDE, Maria José de Souza. A mão de
obra escrava em Salvador (1811-1860). São Paulo: Corrupio, Brasília, DF: CNPQ, 1988,p. 175.
18
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo I, p.24.
5
“... detalhes mais raros e quase ignorados da atividade do povo civilizado do Brasil, sujeito
ao jugo português...”19; se ocupará finalmente da
19
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 13
20
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 13
21
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 13.
22
CARELLI, M. Culturas Cruzadas: intercâmbios entre França e Brasil. Tradução Nicia Adan Bonatti.
Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.
23
NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil:.., 1996, p.44.
6
Prancha 9: “Retrato do Rei Dom João VI e do Imperador Dom Pedro I”, Viagem Pitoresca
e Histórica, tomo III.
24
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p.152.
7
Um outro quadro sob encomenda da corte que escolhemos para este trabalho é a
‘Aclamação do Rei Dom João VI’ (Prancha 37) , representando a união das províncias do
Brasil ao reino Portugal.
Prancha 37: “Aclamação do Rei Dom João VI”, Viagem Pitoresca e Histórica, tomo III.
25
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 153.
8
26
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p.231.
9
Prancha 38: “Vista do Largo do Palácio no dia da aclamação de Dom João VI”, Viagem
Pitoresca e Histórica, tomo III.
Referências bibliográficas:
27
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 232
28
A respeito da construção da imagem do império são importantes, entre outros estudos, SCHWRACZ, Lilia
Mortiz. As barbas do imperador. D. Pedro II, um monarca no trópicos.São Paulo: Companhia das
Letras,1999; MALERBA, Jurandir. A Corte no exílio. Civilização e poder no Brasil às vésperas da
independência (1808 a 1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000; e SANTOS, Afonso Carlos Marques
dos Santos. “A fundação de uma Europa possível” In: Anais Seminário Internacional D.João VI: Um rei na
América. Rio de Janeiro : Museu Histórico Nacional, 2000, p.189-200.
10
Limitada; São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1989. (Coleção Reconquista do
Brasil. 3ª Série especial vols. 10, 11 e 12).
HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da arte. São Paulo: Editora Mestre Jou,
tomo II, 1980-1982.
NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil: ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora
Ática ,1996.
NEVES, Lúcia Maria Bastos P. O privado e o público nas relações culturais do Brasil com
a França e Espanha no governo Joanino (1808-1821). Em: Anais do Seminário
Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na América. Rio de Janeiro : Museu Histórico
Nacional, 2000, p. 189-200.
SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. A fundação de uma Europa possível. Em: Anais do
Seminário Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na América. Rio de Janeiro :
Museu Histórico Nacional, 2000.
SANTOS, Afonso Carlos Marques dos Santos. A fundação de uma Europa possível. Em:
Anais Seminário Internacional D. João VI: Um rei na América. Rio de Janeiro: Museu
Histórico Nacional, 2000, p.189-200.
SOUZA, IARA Lis Carvalho. Pátria Coroada. O Brasil como corpo político autônomo –
1780-1831. São Paulo:Fundação Editora da UNESP,1999.