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REPRESENTAÇÕES DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA NA VIAGEM


PITORESCA E HISTÓRICA AO BRASIL, DE JEAN BAPTISTE DEBRET

Emilia Maria Ferreira da Silva – UEFS


emiliamfs@terra.com.br

Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir sobre como a Família Real Portuguesa foi
representada na Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret. Pretendemos
identificar, a partir de três imagens iconográficas e trechos de suas respectivas descrições textuais
elaboradas pelo autor, o olhar do viajante sobre a presença da corte no Brasil e a aceitação desta
pela sociedade brasileira. Acreditamos que o pintor revelar seu comprometimento com o Estado
português colocando muitas das suas estampas a serviço da imagem que o império buscava
divulgar e cristalizar, qual seja, a de um país civilizado.

É corrente que a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret, é


uma importante fonte e objeto de estudo para a produção historiográfica. Esse artigo tem
como objetivo, refletir sobre representações da Família Real Portuguesa Portuguesa
presentes na Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret1. Esta obra
foi publicada pela primeira vez na França, entre 1841 e 1839, como resultado das
informações coletadas de pessoas e outros autores e de observações feitas em primeira mão
pelo autor, durante o período em que esteve no Brasil, de 1816 á 1831. A obra é constituída
de 156 pranchas, acompanhadas de textos descritivos para que, como afirma Debret, “pena
e pincel suprissem reciprocamente sua insuficiência mútua”. 2
Buscamos identificar, a partir da iconografia e das descrições textuais que
acompanham as estampas, o olhar do viajante sobre a Família Real Portuguesa, não tendo a
preocupação central de realizar uma verificação da fidelidade do artista em relação a um
suposto real, mas de perceber essas imagens e textos prioritariamente enquanto construções
discursivas3. O conceito de representação que utilizamos é formulado por Roger Chartier
como” modos como uma determinada realidade é pensada, construída, dada a ler”.
Para falarmos da Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil é imprescindível
considerar alguns elementos da biografia de Debret e da chegada da Missão Artística
Francesa em terras brasileira, que contribuíram na elaboração da obra.
Na primeira metade do século XIX configura-se na Europa o império
napoleônico,que teve uma influência determinante sobre todos os setores e segmentos
sociais, não ficando a produção artística de fora desse processo. Ao lado do barroco estilo

1
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Tradução e notas de Sérgio Millet /
apresentação de Lygia da Fonseca F. da Cunha. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia Limitada; São Paulo: Ed.
Universidade de São Paulo, 1989. (Coleção Reconquista do Brasil. 3ª Série especial vols. 10, 11 e 12).
2
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica..., 1989, tomo I, p. 24.
3
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel 1988, p. 23.
2

que predominou na Europa desde o século XVII até o final do século XVIII, foi
destacando-se progressivamente o neoclássico e consolidando-se como arte oficial francesa
quando Napoleão Bonaparte assumiu o poder no início do século XIX, expressando-se na
construção dos templos, arcos e nas encomendas, aos pintores, de quadros que registrassem
os feitos políticos e guerreiros do imperador. O estilo que se impunha primava entre outras
características, pelo predomínio da cor e do tema histórico, entendido como os feitos
políticos e guerreiros do imperador. Sugerindo ser esse o estilo que retratava a “ ética da
Revolução” como uma nova interpretação e significado, entendido como um classicismo
revolucionário. A arte segundo Arnold Hauser passa a ser concebida como uma “profissão
de fé política”,voltada para ser mais um meio de sustentação das estruturas sociais.4
É bem conhecido que, com a expansão napoleônica, ocorreu a invasão de Portugal
pelas tropas francesas, levando o monarca português D. João VI a refugiar-se na colônia
brasileira. Enquanto D. João VI permaneceu no Brasil (1808-1821) várias foram as
medidas que apontam para a tentativa de adequar a colônia aos padrões europeus5. Entre
elas, estava o incentivo e ações políticas no sentido de selecionar e contratar profissionais
capazes de fundar uma escola ou instituto teórico-prático de aprendizagem artística e
técnico-profissional, a Imperial Academia de Belas Artes, que foi fundada em 1829.6 É
nesse contexto desse esforço que chegou ao Brasil a Missão Artística Francesa composta
pelos irmãos Taunay, um paisagista e outro estatuário; Jean B.Debret, pintor de história,
Grandyean de Montigny, arquiteto; Simão de Pradier, abridor; Francisco Ovide, professor
de mecânica; Joaquim Lebreton, literato e membro do Instituto da França dentre outros, no
total cerca de quarenta pessoas considerando as famílias que acompanhavam os
profissionais7.
Com a derrota de Napoleão em 1815 e a volta ao poder dos Bourbons, a situação
dos artistas neoclássicos ligados ao ex-imperador ficou extremamente ameaçada. David
exila-se na Bélgica, um exílio de acordo com Naves inevitável uma vez que “ ... participara
ativamente da revolução, tendo inclusive votado a execução de Luís XVI...”8; Debret,
Grandjean de Montigny e outros, a convite de Joaquim Lebreton, aceitam compor a Missão
Artística Francesa. Além da insegurança de permanecer na França após a queda de
4
HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, tomo II, 1980-1982, p.
796-797.
5
SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. A fundação de uma Europa possível. In: Anais do Seminário
Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na América. Rio de Janeiro : Museu Histórico Nacional, 2000.
6
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística de 1816. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1983, p. 256.
7
SCHWARCZ, Lilia Mortiz. O Sol do Brasil: Nicolas-AntoineTaunay e as desventuras dos artistas
franceses na corte de D. João. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.197.
8
NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil: ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora Ática ,1996, p. 58.
3

Napoleão, a morte o único filho de Debret teria sido a outra grande razão da sua saída do
país.
É importante situar ainda que brevemente, os fatores que favoreceram às origens e a
vinda da Missão. Com base no estudo de Naves, sua organização oi resultante de uma
combinação de fatores, sendo a princípio iniciativa dos artistas franceses isolados no novo
governo, e contando posteriormente com a aceitação das autoridades portuguesas. Embora
o governo português no Brasil tenha demonstrado todo interesse em “acolher” os viajantes,
até a “a paz européia de 1815”, com a derrota de Napoleão foi desenvolvida, através da
Intendência Geral da Polícia, uma política rigorosa de intolerância em relação à literatura
francesa e aos franceses, para impedir a penetração, em terras brasileiras, os princípios do
século das luzes.9 Segundo Taunay, o Marquês de Marialva, embaixador extraordinário de
Portugal junto à Corte de Luís XVIII e Estreiro-mor, ao ser comunicado por Lebreton, em
agosto de 1815, que artistas desejavam estabelecer-se no Brasil, respondeu que “... seriam
todos bem acolhidos; e alcançariam terras de sesmarias. Não estava, porém, autorizado a
lhes pagar a passagem...”10 Ainda segundo esse autor, em ofício datado de 27 de dezembro
de 1815, o Marquês de Aguiar, encarregado de negócios, respondeu a Lebreton sobre o
projeto que “ S.A.R. o príncipe regente viu o projeto referente aos artistas e artífices com
especial agrado”11.
Quanto ao governo francês, Taunay aponta que o governo de Luís XVIII não se
envolveu no caso. Entretanto, segundo esse autor, o Cônsul-Geral Maler, representante da
França no Brasil, teria perseguido Lebreton sem tréguas, oficiando ao Duque de Richelieu
a chegada da Missão e suas impressões sobre a recepção por parte do governo português.
Em resposta a um dos ofícios enviados por Maler respondeu Richelieu, ministro de
Estrangeiros da Restauração: “... durante a sua estada no Rio, deveis, Sr., considerá-los
como franceses e conceder-lhes toda a assistência a que tem direito qualquer súdito de sua
Majestade...”12. Debret afirma que a missão foi organizada por solicitação do governo
português, não se referindo em nenhum momento à situação política da França13.

9
Sobre a ingerência do governo de D. João VI na entrada de estrangeiros ver, entre outros estudos, NEVES,
Lúcia Maria Bastos P. “O privado e o público nas relações culturais do Brasil com a França e Espanha no
governo Joanino ( 1808-1821) .IN: Anais do Seminário Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na
América. Rio de Janeiro : Museu Histórico Nacional, 2000, p. 189-200.
10
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística de 1816. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1983, p.14.
11
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística ..., 1983, p.17
12
TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística ..., 1983, p. 21-27.
13
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica...,1989, tomo I, p. 23.
4

Antes de apresentarmos três representações iconográficas e trechos textuais sobre a


Família Real Portuguesa14, elaboradas por Debret, consideramos relevante pontuar alguns
aspectos da sua biografia que sugerem seu comprometimento artístico político. Filho de
um escrivão do parlamento francês e primo de David, o famoso chefe da escola
neoclássica, Debret sempre esteve ligado ao Estado Francês, não só em decorrência de sua
filiação, mas sobretudo devido a sua formação artística, que lhe proporcionava realizar
trabalhos voltados a homenagear a nação e a corte francesa, considerados por Rodrigo
Naves, de excelente qualidade para o estilo da época.15
É lícita a afirmativa de Iara Lis Carvalho, de que Debret bem sabia que a arte
poderia enobrecer a política. Afinal, ele tinha trabalhado e convivido com David na
produção de quadros históricos do império napoleônico, sem contar que um de seus
melhores amigos, Nicolas Antoine Taunay, produziu cinqüenta quadros napoleônicos e
revolucionários16.
Quando a Missão Artística chegou ao Brasil, ficou estabelecido por decreto real que
os membros receberiam pensão anual pelos serviços prestados, sendo a de Debret de
oitocentos mil réis, que correspondiam a cinco mil francos pelo câmbio da época. Ou seja,
equivalia a aproximadamente o preço de uma pipa de aguardente (62$000réis) principal
mercadoria para escambo; ou ainda metade do valor de uma mulher escrava com ofício em
Salvador, no período de 1811 a 1830 (145$110 réis).17
Como já afirmamos, enquanto esteve na França Debret passou boa parte de sua vida
fazendo trabalhos sob encomenda para o governo napoleônico. No Brasil, Debret
continuou a ser um pintor ligado ao governo. Sua principal meta, sua “missão” era fundar a
Academia, considerada como importante meio de civilizar um povo considerado pelo o
autor “... ainda na infância”.18
A própria organização da obra aponta para uma visão evolucionista e eurocentrica
de Debret, assim como para a divulgação e defesa do Estado, quando afirma na introdução
do tomo III que após ter descrito no tomo I a situação dos índios brasileiros e no tomo II

14
Como já afirmamos anteriormente a obra é composta de aproximadamente 156 pranchas. No tomo III,
composto basicamente de 53 estampas de natureza política e religiosa., 25 destas são de caráter político, ou
seja, 43% do total.
15
NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil: ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora Ática ,1996, p.47.
16
SOUZA, IARA Lis Carvalho. Pátria Coroada. O Brasil como corpo político autônomo – 1780-1831. São
Paulo:Fundação Editora da UNESP,1999, p.56.
17
FLORENTINO, Manolo . Em costas negras. Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997,p.125-169. ANDRANDE, Maria José de Souza. A mão de
obra escrava em Salvador (1811-1860). São Paulo: Corrupio, Brasília, DF: CNPQ, 1988,p. 175.
18
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo I, p.24.
5

“... detalhes mais raros e quase ignorados da atividade do povo civilizado do Brasil, sujeito
ao jugo português...”19; se ocupará finalmente da

... história política e religiosa sujeita ao reflexo das combinações


diplomáticas da Europa, continuamente agitada desde 89, constitui um
quadro interessante, rico de episódios colhidos in loco e cujo
encadeamento contribuirá para estabelecer os traços já quase apagados
dos primeiros passos que trouxeram à civilização esse povo recém-
regenerado20.

Curioso que a reflexão de Debret a respeito da regeneração do povo constitui-se em


um paradoxo se pensarmos na França pós Napoleão, com o retorno dos Bourbons e como
já apontamos a complicada e perigosa situação dos artistas neoclássicos. Para ele com a
sua chegada o rei de Portugal
... acordou o brasileiro depois de três séculos de apatia, quando fugindo
da Europa, veio erguer seu trono à sombra tranqüila das palmeiras,
embora abandonasse mais tarde essa obra de regeneração, inspirada pela
necessidade. Mas a civilização germinara, e o Brasil, compreendendo seu
futuro, conservou o filho primogênito do inconstante protetor,
transformando-o em imperador independente cuja autoridade soberana
anulou definitivamente as pretensões de Portugal sobre as antigas
colônias da América...21

É possível perceber um Debret redefinindo e reelaborando o estilo e a “profissão”,


“pintor de história” para a nova realidade. Como observa Carelli, “É indubitável que o
choque da nova realidade transfigurou a produção de Debret...”.22 De acordo com Naves, “
Jean Baptiste Debret foi o primeiro pintor estrangeiro a se dar conta do que havia de
postiço e enganoso em simplesmente aplicar um sistema formal preestabelecido – o
neoclassicismo, por exemplo- à realidade brasileira23.
Além da pensão paga pelo governo outro meio de sobrevivência de Debret foram as
encomendas e aulas particulares e principalmente os trabalhos que fez sob encomenda para
a família real portuguesa. Como o “Retrato do Rei D. João VI e do Imperador Dom Pedro
I” (Prancha 9), em tamanho natural e em trajes majestáticos.

19
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 13
20
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 13
21
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 13.
22
CARELLI, M. Culturas Cruzadas: intercâmbios entre França e Brasil. Tradução Nicia Adan Bonatti.
Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.
23
NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil:.., 1996, p.44.
6

Prancha 9: “Retrato do Rei Dom João VI e do Imperador Dom Pedro I”, Viagem Pitoresca
e Histórica, tomo III.

É interessante algumas trechos da descrição da prancha, primeiro referindo à Dom


João VI e depois à D. Pedro I onde a descrição das características físicas dos soberanos
quase que remetem às suas prováveis competências como governantes.Não devemos nos
esquecer que o que foi encomendado foram os quadros e não as descrições dos mesmos. O
que efetivamente, o que é mais curioso ainda, só foi feito em solo francês.

Esse soberano só usou o seu uniforme real de gala no dia da aclamação,


ainda assim sem a coroa, em virtude do costume estabelecido desde a
morte do Rei Dom Sebastião, na África, em 1580. Dom Sebastião,dizem,
foi levado ao céu com a coroa à cabeça e deve trazê-la novamente a
Lisboa.
O rei, bom cavaleiro na mocidade, tornando-se obeso o no Brasil,
abandonou a equitação. Era de temperamento sanguíneo e de pequena
estatura; tinha as coxas e as pernas extremamente gordas e as mãos e os
pés muitos pequenos. 24

Quanto a D. Pedro Debret afirma que:

24
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p.152.
7

O imperador usava seu grande uniforme anualmente na abertura das


Câmaras, e, de acordo com o cerimonial adotado, pronunciava seus
discursos com a coroa na cabeça; tanto na entrada como na saída
comportavam certo aparato.
Criou a Ordem do Cruzeiro no dia da sua coroação; mais tarde, a do
Dragão, unicamente usada por sua família, e, por ocasião de seu segundo
casamento, a da Rosa, que mal teve tempo de ser posta em vigor.
Dom Pedro I, forte e de grande estatura, era de um temperamento bilioso
e sanguíneo; já em fins de sua estada no Brasil começava a engordar
excessivamente, principalmente nas coxas e nas pernas, espécie de
deformidade comum aos descendentes da família da casa de Bragança.
Mas, sempre espartilhado com arte, era de aparência nobre e
extraordinariamente asseado.
(...)
Deu o exemplo das privações durante a sua regência e no começo de seu
reinado, tempo difíceis em que revelou todas a s qualidades dignas de um
soberano regenerador, conservando todavia uma paixão marcada pelo
fausto exterior do trono.... 25

Um outro quadro sob encomenda da corte que escolhemos para este trabalho é a
‘Aclamação do Rei Dom João VI’ (Prancha 37) , representando a união das províncias do
Brasil ao reino Portugal.

Prancha 37: “Aclamação do Rei Dom João VI”, Viagem Pitoresca e Histórica, tomo III.

25
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 153.
8

Na descrição de Debret e na representação iconográfica é possível perceber que o


autor destina o espaço privado prioritariamente para a elite, nobreza e o clero (grupos
sociais dominantes na sociedade da época) como o lugar adequado para que estes grupos
manifestassem o apoio e reconhecimento ao novo soberano e a nova condição da então
colônia.

Escolhi o momento em que o primeiro-ministro terminou a leitura do


voto formulado pelas províncias do Brasil, chamando ao trono do novo
reino unido o príncipe regente de Portugal. O rei acaba de responder:
“Aceito”, e o entusiasmo geral dos espectadores se manifesta pela
aclamação “Viva el-rei, nosso senhor” e o gesto português de agitar o
lenço.(...)
Tal foi a cerimônia que consagrou a resolução real transportando para o
Brasil a sede da realeza portuguesa...26

E na tentativa de salvar do esquecimento feito tão solene, Debret representou a


possível aceitação dos “brasileiros”, do “povo” ao novo rei e a nova condição do Brasil, no
espaço público através da prancha “Vista do Largo do Palácio no dia da aclamação de
Dom João VI” (Prancha 38).

26
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p.231.
9

Prancha 38: “Vista do Largo do Palácio no dia da aclamação de Dom João VI”, Viagem
Pitoresca e Histórica, tomo III.

O momento escolhido é do da partida do rei, em que aparece ao


balcão central do edifício para mostrar-se ao povo e receber as
primeiras homenagens, antes de descer para a Capela Real a fim de
assistir ao Te Deum com que termina a cerimônia da aclamação...27

Ao retratar tanto representações do espaço privado quanto do espaço público da


aclamação do novo rei, simbolicamente Debret sugere portanto, a aceitação e exaltação da
sociedade civil, política e religiosa à casa dos Braganças. É relevante ressaltar que esses
quadros encomendados pela família real, funcionavam como divulgadores da imagem que
o império queira imortalizar ou
cristalizar 28.

Para finalizar gostaríamos de destacar que já é corrente a utilização dos relatos de


viagens enquanto fonte. E como todo e qualquer fonte muito ainda se tem a investigar nas
obras dos viajantes e em especial na Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, de Jean B.
Debret. Diversos aspectos da sociedade brasileira do período foram contemplados pelo
autor: festa, hábitos alimentares, religião, vestuário, atividades econômicas, entre outras.

Referências bibliográficas:

ANDRANDE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em Salvador (1811-1860).


São Paulo: Corrupio, Brasília, DF: CNPQ, 1988.

CARELLI, M. Culturas Cruzadas: intercâmbios entre França e Brasil. Tradução Nicia


Adan Bonatti. Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel


1988.

DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Tradução e notas de


Sérgio Millet. Apresentação de Lygia da Fonseca F. da Cunha. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia

27
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil...., 1989, tomo III, p. 232
28
A respeito da construção da imagem do império são importantes, entre outros estudos, SCHWRACZ, Lilia
Mortiz. As barbas do imperador. D. Pedro II, um monarca no trópicos.São Paulo: Companhia das
Letras,1999; MALERBA, Jurandir. A Corte no exílio. Civilização e poder no Brasil às vésperas da
independência (1808 a 1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000; e SANTOS, Afonso Carlos Marques
dos Santos. “A fundação de uma Europa possível” In: Anais Seminário Internacional D.João VI: Um rei na
América. Rio de Janeiro : Museu Histórico Nacional, 2000, p.189-200.
10

Limitada; São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1989. (Coleção Reconquista do
Brasil. 3ª Série especial vols. 10, 11 e 12).

FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. Uma história do tráfico de escravos entre a


África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da arte. São Paulo: Editora Mestre Jou,
tomo II, 1980-1982.

MALERBA, Jurandir. A Corte no exílio. Civilização e poder no Brasil às vésperas da


independência (1808 a 1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

NAVES, Rodrigo. A Forma Difícil: ensaios sobre a arte brasileira. São Paulo: Editora
Ática ,1996.

NEVES, Lúcia Maria Bastos P. O privado e o público nas relações culturais do Brasil com
a França e Espanha no governo Joanino (1808-1821). Em: Anais do Seminário
Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na América. Rio de Janeiro : Museu Histórico
Nacional, 2000, p. 189-200.

SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. A fundação de uma Europa possível. Em: Anais do
Seminário Internacional D. João VI: Um Rei Aclamado na América. Rio de Janeiro :
Museu Histórico Nacional, 2000.

SANTOS, Afonso Carlos Marques dos Santos. A fundação de uma Europa possível. Em:
Anais Seminário Internacional D. João VI: Um rei na América. Rio de Janeiro: Museu
Histórico Nacional, 2000, p.189-200.

SCHWARCZ, Lilia Mortiz. O Sol do Brasil: Nicolas-AntoineTaunay e as desventuras dos


artistas franceses na corte de D. João. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

SCHWRACZ, Lilia Mortiz. As barbas do imperador. D. Pedro II, um monarca no


trópicos.São Paulo: Companhia das Letras,1999.

SOUZA, IARA Lis Carvalho. Pátria Coroada. O Brasil como corpo político autônomo –
1780-1831. São Paulo:Fundação Editora da UNESP,1999.

TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística de 1816. Brasília: Editora Universidade de


Brasília, 1983

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