Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RUÍNAS//
LABIRINTO E PARAÍSO DA
AMÉRICA LATINA DEBAIXO DA
PONTE //
PROJETO TEATRAL
DA COMPANHIA CRÍTICA
A dramaturgia de tipo P [planetário], crítica, realista – que à
primeira vista parece deixar o espectador tanto mais liberado a si
mesmo – na realidade o equipa melhor para atuar. Seu passo
decisivo, a renúncia à empatia, só tem por objeto entregar o mundo
ao homem, em lugar de entregar o homem ao mundo, como faz a
dramaturgia de tipo C [carrossel], de empatia, ficção e vivência.
Paul Celan
I – Dados cadastrais:
II – PLANO DE TRABALHO
1. Objetivo geral:
Serão 10 ações, cada uma realizada por uma turma de alunos do ensino médio da escola
Estadual Antonio Firmino de Proença. Cada turma tem em média 35 alunos, assim temos a meta
de atingir 350 jovens com essas dez ações. Haverá também o público das ações, incalculável (e
de grande número)por ser formado pelos passantes das ruas que envolvem os percursos de cada
atividade, sempre na região que une o Parque Dom Pedro à Rua da Mooca, no Glicério.
No ágon a vítima pode fugir se for suficientemente rápida. Para Benjamin, seguindo as pistas
de Rang, o teatro trágico de Atenas estaria próximo à noção de ágon. E trata-se de um ágon em
que, no julgamento do deus, se apela a um deus-salvador superior. O diálogo é um desafio por
palavras, uma disputa. Tanto das duas vozes que acusam e defendem, quer o homem, quer o deus,
como das de ambos, com vista ao objetivo comum, em direção ao qual correm.
A imagem da corrida agônica pelo círculo da cena interessa a este projeto por acreditarmos
estarmos diante de uma crise das formas teatrais consagradas pela modernidade, em uma agonia
de procedimentos artísticos e de metodologias de criação capaz de assombrar determinados
processos criativos teatrais preocupados em historicizar os tempos do capitalismo tardio. A corrida
não pode, assim parece, dar-se mais no espaço circular da comunidade. As saídas não estão mais
pré-definidas, assim como também não está mais assegurada a vitória da humanidade.
Os artistas que formam hoje a Companhia Crítica, proponentes deste projeto, participaram,
durante quase quinze anos, da II Trupe de Choque, coletivo sediado em diversos espaços públicos
da cidade: a Usina de Lixo de São Mateus (zona leste, de 2004-2008), o Hospital Psiquiátrico Pinel
(zona oeste, de 2008-2012) e a escola Estadual Prof. Carlos Ayres ( zona sul da cidade, de 2012 a
2017). Ivan Delmanto (diretor, dramaturgo e fundador do antigo grupo), Carlos Lourenço (ator e
músico), José Maurício Lima (ator) e Murilo Carqueijo, após a dissolução agônica da II Trupe de
Choque, decidiram fundar a Companhia Crítica em busca de possíveis soluções para a crise, teatral
e histórica, que acreditam vivenciar.
Na roda torta, tortuosa de nosso trabalho na II trupe de Choque, o círculo não se fechava, os
atores e demais criadores perdiam-se na angústia da corrida, da reflexão e da crítica sobre o que
estava sendo produzido, improvisação a improvisação, voz individual em voz individual. Com o
debacle da política pública de teatro instaurada na cidade, que desde o Movimento Arte Contra a
Barbárie, teve como seus eixos centrais a Lei de Fomento ao Teatro, o Projeto Formação de Público
e o Teatro Vocacional, a realidade insistiu em nos dizer que não havia mais comunidade,
experiência, nação, espaços transparentes de reconhecimento entre o sujeito, a humanidade e as
estrelas, que eram capazes de dar orientação. As constelações desenham agora labirintos. Brecht
chegou a comparar o seu teatro épico a um planetário:
O teatro épico como planetário já surgia assim como forma historicizada e limitada. Durante
os anos 40, data da redação da obra a que pertence o trecho acima, A compra do Latão, Brecht já
via em sua própria prática e teorização dificuldades colocadas pela avalanche de catástrofes que
marcavam as mutações aceleradas do capitalismo. O planetário, com sua movimentação
mecânica e transparente, já começava a dar sinais de desmoronamento, de que a orientação
conduzida pelas estrelas estava em crise e em vias de extinção.
A imagem que norteou a construção de nossas vidas teatrais até hoje, marcadas pela trajetória
da II trupe de Choque, foi a da constelação. Tal imagem seria cara a Brecht que, se não a utilizou
2 BRECHT, Bertolt. Escritos sobre teatro,vol.2. Buenos Aires: Nueva Visión, 1975, p. 143-144
explicitamente, referia-se ao seu teatro épico, como já vimos anteriormente, como teatro
planetário. Arruinados todos os planetários, fundamos a Companhia Crítica a partir da imagem
do périplo, do perambular caótico e coletivo pelo labirinto urbano da cidade, buscando constituir
agora uma zona fronteiriça, entre o sentido e o não-sentido, entre a reflexão e a cena, entre a
performance e o teatro representada, neste projeto, pelo trajeto que vai da Escola Estadual
Antonio Firmino de Proença os viadutos que cercam o Parque Dom Pedro. Tal zona poderia
aproximar-se da descrição da Zona enigmática realizada por Arkadi e Boris Strugatsky na novela
Roadside picnic 3: a Zona é uma área mágica e incompreensível, de espaço radicalmente distinto
– um espaço de outridade situado além da Lei, um Chernobyl em que todos os desejos são
formulados.
Há nessa Zona objetos inusuais: objetos enigmáticos como os vazios e o sopro ardente,
junto com objetos de inestimável valor de uso, como baterias permanentemente carregadas – que
são de inestimável valor para o complexo industrial militar. Esta zona e labirinto, é imagem
alegórica do espaço de outridade em relação aos pontos de partida que nos eram caros em
trabalhos anteriores, agora substituídos pelas ruínas do tecido urbano e do consumo, na forma de
objetos e de personagens transformados em produtos, em mercadorias descartáveis, em alegorias
criadas a partir do inacabamento e do desmoronamento, da generalizada ruína.
Esta coleção de ruínas, que representa nosso próprio processo de formação, histórico, como
latino-americanos, e individual, como artistas que decidiram fundar uma nova possibilidade de
prática teatral, diz respeito à uma espécie de sobreposição de escombros. Neste projeto
apresentado pela Companhia Crítica, a presença da ruína não é ocasional, mas fator de construção
e formação do labirinto urbano. Daí os dois extremos que sediam as nossas atividades artísitico-
pedagógicas em nossa pesquisa: a escola estadual e o viaduto, espaços que alegorizam a formação
e a ruína. O sentido do projeto, no entanto, não é desmascarar a “transitoriedade da pompa”, mas
testemunhar a produção de subjetividades e de uma organização social reificadas, construídas
sobre a forma mercadoria, que deve transformar-se em dejeto para garantir a sobrevida da
destruição constante.
3
STRUGATSKY, Arkady and STRUGATSKY, Boris. Roadside Picnic. London: Penguin, 1979.
devorar-se a si mesmo e acaba por devorar os seus excrementos.4
Para escrever este projeto e fundar a Companhia Crítica, nós tivemos que, como pregou
Artaud, devorar o círculo transparente do antigo ágon coletivo, tivemos que devorar a nós
mesmos e também nossos próprios excrementos. Nossa vida teatral anterior tomou, no início de
sua criação, como pressuposto a busca por procedimentos capazes de revelar uma possível nova
ordem do sistema capitalista, através de uma forma que pudesse ser transparente na exposição de
um pensamento crítico sobre a realidade.
A superação desse processo de autodilaceramento termina com uma nova Companhia e com
um novo projeto de pesquisa que devora os seus próprios excrementos, que constrói ao destruir.
O labirinto urbano, nossa nova morada, destrói o objetivo que já tivemos um dia de empreender
a mímesis transparente do sistema capitalista tardio, das palavras do texto, do espaço que abrigou
as cenas, dos objetos expostos na peça e dos conceitos investigados pelos autores que dependiam
do Planetário . Exatamente por encontramos o planetário em ruínas, a escolha do material
fundamental de pesquisa neste projeto recaiu sobre o antirromance de Macedônio Fernandez: o
texto do escritor argentino é formado por uma sucessão de prólogos que adiam, indefinidamente,
o início da narrativa. Em uma narrativa que nunca se forma, os personagens não são criados, mas
apresentados como seres impossíveis. Esta impossibilidade é a impossibilidade da formação do
indivíduo, da modernização, da mímesis e dos próprios paradigmas teatrais do planetário, após
mais de 500 anos de história de dominação da América -Latina.
Essas falhas e fracassos presentes no material labiríntico da peça a ser criada aqui poderão,
assim pretendemos, ser lidos, em suas contradições, como a expressão de seu modelo secreto,
uma nova realidade histórica, que encontraria dificuldades em ser expressa pelos paradigmas
clássicos do teatro épico, nosso antigo lar de trabalho. No entanto, a faceta desta nova realidade
4
ARTAUD, Antonin, Heliogabalo ou o Anarquista Coroado, Assírio e Alvim, 1982, p.80.
histórica não será apresentada de maneira ordenada, mas surgirá em périplo labiríntico,
despedaçado, perdido em meio aos cadáveres de procedimentos e de alegorias acumulados por
todo o percurso, à espera de decifração.
Esta paisagem arruinada, está ligada ainda à persistência de materiais artísticos de épocas
passadas, aproveitados como corpos mortos, em uma forma teatral que rememora a morte em
todo o seu aspecto.
Há em nosso projeto uma pretensão artística e pedagógica que se constrói através e por meio
da morte, da morte do material escolhido para representar a realidade, da morte dos projetos de
modernização da América -Latina, da morte das políticas públicas nacionais e municipais, da
morte de nosso antigo grupo de teatro. Essa morte do material dará à peça, com a presença
constante do lixo e do excremento, que vive nas ruas do Brás e debaixo do viaduto, e também na
nossa formação como cidadãos latino-americanos, a capacidade de plasmar um momento
histórico de crise permanente, em que a morte e a produção generalizada de destruição estão
presentes como máscara mortuária do modo de devastação capitalista.
O processo de criação teatral apresentado neste projeto será baseado no conceito de “périplo
coletivo”, em que cada ação artística e pedagógica desse projeto está relacionada à criação de um
espetáculo teatral em progresso. Assim, a cada ação presente nesse projeto, a Companhia Crítica
expõe suas descobertas, ideias, fragmentos, conceitos e dificuldades, contando com a participação
do público na elaboração de propostas teatrais a partir deste diálogo em constante devir criativo.
O espetáculo a ser apresentado, em duas versões e temporadas distintas, acontecerá a partir deste
conceito de “périplo”, bem como todas as ações artístico-pedagógicas que integram o projeto:
haverá sempre um vagar contínuo, um caminhar pelos trajetos que unem a Escola Estadual Antonio
Firmino de Proença, sede da residência artística promovida pela Companhia Crítica, e os viadutos
que circundam o Parque Dom Pedro, debaixo de onde ocorrerão cenas teatrais e ações culturais.
O princípio que baseia o projeto é que tanto a peça a ser produzida, quanto o Núcleo Performativo
e as dez Ações Performativas a serem realizadas acontecerão sempre envolvendo esse trajeto entre
os dois espaços.
O conceito de périplo coletivo foi inspirado, neste projeto, pelo nosso material de trabalho
principal, o antirromance de Macedonio Fernandez ( 1974-1952), Museu do romance da Eterna.
Em Macedonio, o inacabado tem qualidade de pensamento filosófico, de teoria estética. Já
afirmamos acima que o livro avança a partir de uma série de prólogos que precedem um texto que
nunca chega. A forma do Romance é negada para criar um texto feito de retalhos, desvios,
digressões. Esta tessitura exige do leitor aquilo que Macedonio chamou de “postura seriada”, e
que chamaríamos de “postura de périplo”, o constante vagar entre pedaços e fragmentos que não
promovem nunca o progresso da leitura. A leitura macedoniana é imagem para todo este projeto:
salteada, parcial, episódica, suspensa. Seus textos provocam microscopicamente o suspenso: são
folhetins em fascículos, miniaturas. Usam a técnica do folhetim de suspender a ação mas sem
inserir a progressão no momento seguinte, como fazem todas as narrativas lineares, utilizam a ação
atomizada e condensada ao máximo e repetida várias vezes na mesma página. Este movimento
dentro da página, dentro da frase, e entre uma página e outra, que exige do público ação
interpretativa e, portanto, criação, é base para nosso conceito de um projeto como périplo e
caminhada.
Macedonio foi uma espécie de mestre das vanguardas argentinas e, apesar de ter publicado
pouco em vida, conseguiu ter enorme influência sobre os artistas argentinos do período por meio
de um processo de criação literária que era também performativo. No caso do Museu do romance
da Eterna, a obra foi sendo construída a partir do anúncio constante de sua escrita, que nunca
ficava pronta.
O que faço é meu Romance e propaganda para ele. Com mais, medito o plano de
um ato teatral prévio (...). Acerca de minha forma de propaganda, você a definiu
finamente: que isso (os bilhetes) eram já a novela. Eu creio efetivamente que a
mera propaganda não tem nenhuma eficiência: a inteligência ou o sentimento já
são propaganda, não propaganda de obra de arte5.
Reparemos primeiro nos “atos teatrais prévios” utilizados pelo escritor para publicar o
romance ainda em constante processo de criação. O grande recurso que transformou sua literatura
em performance foi a escrita compulsiva de bilhetes: papéis escritos de punho por Macedonio,
entregues pessoalmente ou bem deixados como que por descuido sobre uma mesa de café, nos
bolsos dos amigos, nos livros etc. o romance era então lido e discutido por meio dessas ações
literárias, que provocavam discussão entre os leitores surpreendidos com o inusitado do texto
encontrado. O bilhete remete não só ao tradicional procedimento propagandístico de distribuir
folhetos, mas é procedimento construtivo do texto: escrever papéis de qualquer tipo ou tamanho,
redatar em cada papel um prólogo, compor uma página solta de romance, fragmentos e fragmentos
que vão articulando uma quebra-cabeças de prólogos e de uma história que nunca começa ou
termina, mistura de saga vanguardista com literatura de cordel. Aqui surge nossa primeira pergunta
5
FERNANDEZ, Macedonio. “Carta a A. Hidalgo, 1926”. In: Correspondencia completa. Buenos Aires:
Corregidor, 2006, p. 187.
e objetivo estético: como seria um teatro de bilhetes e prólogos intermináveis? Acreditamos,
como hipótese de trabalho, que tal teatro deve ser criado em périplo, no movimento do público
pelas ruas que envolvem e sediam este projeto, e nas dramaturgias da cena, do texto e dos atores.
Parece-nos que a atitude essencial neste projeto, para trazer a obra literária do autor da
vanguarda argentina para a ação teatral presente, consiste na realização de um teatro como prólogo,
como bilhete mas também como caminhada constante. É possível traçarmos uma história do
caminhar que vai desde os primeiros nômades até os artistas de land art dos anos 1960/1970, para
inserir, nessa longa genealogia caminhante, a prática artística do grupo Stalker e, em particular, a
primeira ação Stalker, chamada de Stalker Attraverso i Territori Attuali , uma caminhada de quatro
dias e três noites, 60 km a pé, em torno de Roma, em 1995. Uma caminhada iniciática pelos
chamados Territori Attuali , que não são nem a Roma histórica, cidade turística, nem o campo,
mas os espaços intermediários em torno da cidade, na sua margem.
Escolhemos como território deste projeto o espaço entre a Escola Estadual Antonio Firmino
de Proença e os viadutos do parque Dom Pedro por acreditarmos que a potência da caminhada
reside precisamente na escolha destes “territórios urbanos atuais”, que não são os espaços citadinos
praticados pelos dadaístas, surrealistas e situacionistas que exploraram – com uma atitude
claramente provocativa e crítica ao urbanismo moderno – suas visitas, deambulações e derivas
quase sempre pela Paris intramuros. Nossa escolha recaiu por um espaço central de São Paulo mas
espaço totalmente murado: procuraremos caminhar fora da cidade mais praticada e conhecida de
todos para ver o que está ao redor destes muros, visíveis ou invisíveis, nas margens da cidade
tradicional, espaços que não aparecem nos guias turísticos do centro de São Paulo, espaços urbanos
indeterminados, marginais, periféricos, territórios em plena transformação e destruição, espaços
mutantes que se parecem com a Zona da novela de ficção científica que mencionamos acima. É
possível enxergar nas ruas de nosso percurso, entre o Brás, a Mooca e o Glicério, périplo por entre
espaços nômades, zonas intersticiais, espécie de fronteiras e terrenos baldios ao mundo cotidiano
da metrópole, habitados por moradores em situação de rua, imigrantes da América do Sul, que se
aboletam em inúmeros cortiços, pelas bocas de fumo frequentes e pelos trabalhadores que
percorrem freneticamente seus destinos até a estação de metrô e terminal de ônibus Dom Pedro II,
na busca pelo retorno aos seus lares distantes.
6
CARERI, Francesco. Walkscapes. O caminhar como prática estética. São Paulo: Ed. G. Gilli, 2013,p. 32
Esse tipo de caminha exploratória dos Stalkers, essa prática específica de um tipo de espaço
de marginalidade, de liminaridade, seria um tipo de exploração, um atravessar desses “territórios
atuais”ou da Zona, chamados por Careri de “vazios das cidades”- que, obviamente, ao se
aproximar deles e ao adentrá-los são sempre, como diziam os artistas Lygia Clark e Hélio Oiticica,
“vazios plenos”, plenos de descobertas e de possibilidades. O que chamamos de périplo neste
projeto é, assim como a leitura salteada de Macedonio, uma espécie de andar vadio pelas ruas,
chamado por Oiticica de delirium ambulatorium , que não seria um andar cotidiano, por ruas
conhecidas, mas um transformar do espaço por meio da ação performativa, fazendo do caminhar
um atravessar os territórios urbanos degradados da cidade uma espécie de travessia por entre
fronteiras rigorosamente proibidas.
No caso deste projeto, é importante sublinhar que estes périplos começarão sempre em uma
escola para terminar em um viaduto. Há nessa escolha de trajeto a tentativa de alegorizar o
processo de formação histórica da América-latina: o romance de Macedonio é uma sucessão de
prólogos intermináveis, escritos durante quase cinquenta anos de sua vida (começou em 1904 e
não terminou o livro antes de morrer), porque a forma da obra expressa a própria impossibilidade
do continente se formar enquanto sociabilidade:
Andar pelas ruas que saem da escola, espaço por excelência da formação, e que desaguam
embaixo da ponte é criar um percurso alegórico desta formação negativa do continente. Além das
temporadas da peça teatral a ser criada neste projeto, pretendemos realizar o que estamos
chamando de dez “Ações Performativas de Deformação de Público”, serão périplos coletivos,
realizados pelos proponentes e pelos alunos do Ensino Médio da escola estadual Antonio Firmino
de Proença, criados coletivamente, durante quatro encontros, sempre a partir de uma inspiração
retirada da obra de Macedonio: a campanha presidencial do personagem Presidente, que aparece
truncada ao longo dos prólogos do antirromance mas que anuncia uma espécie de campanha
7
FERNANDEZ, Macedonio. Museu do romance da Eterna. São Paulo: Cosac & Naify, 2009, p.7
impossível, de uma campanha presidencial baseada em discussões filosóficas, estéticas e em uma
plataforma poética absolutamente irrealizável e incapaz de conquistar leitores:
Uma primeira Ação Performativa de Deformação de Público seria, portanto, a busca por
anunciar uma das plataformas essenciais ao programa político da candidatura impossível do
Presidente: sair pelo entorno colando adesivos sobre as placas de ruas e de parques visando mudar
os seus nomes. Falar em “deformação”do público explica-se, primeiro, pela impossibilidade do
pendor formativo entre nós, o país nunca irá se formar, nos mesmos moldes dos países centrais,
bem como o continente; e buscar um público “deformado”significa aqui propor uma experiência
estética e cognitiva aos alunos da escola diferente da passividade que gere a apreciação tradicional
das obras estéticas. Os périplos serão grandes caminhadas coletivas, acompanhadas por um carro
de som, em que serão lidos trechos de poemas ou de romances e realizadas propostas de uma
campanha presidencial imaginária e impossível. Os ecos destas ações serão incorporados à peça
teatral a ser criada pela Companhia Crítica ao longo da pesquisa.
O objetivo é também abrir a escola para o tecido urbano degradado do entorno, partindo
do debate urbanístico e geográfico entre lugar e não-lugar, buscando transformar os vazios do
espaço naquilo que Marc Augé chamou de meio-lugar. O meio-lugar não seria exatamente um
lugar preciso, nem um não-lugar, mas a sua prática, a sua apropriação ou o seu uso. Procuraremos
realizar ações performativas em que os limites espaciais se mostrem menos rígidos para os
jovens alunos do Ensino Médio, presos em uma escola gradeada por diversos tipos de
controle. Entre interior e exterior, entre dentro e fora, entre privado e público, entre aqui e lá.
Novamente o espaço dialético do “entre”. Entre dois. Estar “entre”não quer dizer ser uma coisa ou
outra, quer dizer ser temporariamente uma coisa e outra. Estar no meio de. Em transformação. É
não somente estar no meio ou em um meio, mas ser o próprio meio.Os terrenos abandonados são
sempre no meio, eles são sempre em suspensão, em estado provisório, intermediário, inacabado,
como as zonas de moradia improvisada, tráfico de drogas e de assistência social que marcam a
existência debaixo do viaduto Alcântara Machado. Debaixo do viaduto poderia ser considerado
como não-lugar, segundo a definição de Marc Augé: “Se um lugar pode se definir como identitário,
relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como
relacional, nem como histórico definirá um não-lugar”. Mas a temporalidade escapa dessas
categorias fechadas: “A possibilidade do não lugar não está ausente de todo e qualquer lugar” 9. A
possibilidade do lugar seria então presente no não-lugar. E seria exatamente nessas passagens que
8
FERNANDEZ, Macedonio. Op. cit., p.203
9
AUGÉ, Marc. Lugares contemporaneos. Madrid: Coriola, 1997, p. 165.
a ideia do meio-lugar teria seu papel. O viaduto é abandonado e violento, mas quando decidimos
invadi-lo coletivamente, de maneira artística, e mudar as placas de seu nome, ele se torna menos
baldio e a passagem se faz. Cada périplo a ser realizado neste projeto, como ação performativa
ou como peça teatral, seria então transformar os ditos não lugares ou vazios urbanos em meio-
lugares (ou em vazios plenos, como diziam Oiticica e Clark), ou seja, em espaços recriados pela
capacidade imaginativa e estética dos coletivos.
O meio-lugar por excelência, neste projeto, está situado nas ruínas do planetário teatral, e
terá a feição de um labirinto, em que o movimento de tentar encontrar suas saídas é capaz de
configurar aquilo que o filósofo Fredric Jameson chamou de “estética do mapeamento cognitivo”-
uma cultura política e pedagógica que busca dotar o sujeito individual de um sentido mais aguçado
de seu lugar no sistema global – um teatro que, necessariamente, leva em conta uma “dialética
representacional” extremamente complexa, por isso labiríntica, aparentemente enfeitiçada pelos
imperativos categóricos da mercadoria e de suas ilusões, e inventa formas radicalmente novas para
lhe fazer justiça.
Tal teatro interessado em problematizar a realidade histórica presente não seria, então, uma
convocação para a volta a um tipo mais antigo de aparelhagem, a um espaço nacional mais antigo
e transparente, marcado pelo planetário, ou a qualquer enclave de uma perspectiva mimética mais
tradicional e tranquilizadora. Este projeto tem como objetivo produzir uma espécie de nova arte
política, que deve se ater à verdade do capitalismo tardio, isto é, a seu objeto fundamental – o
espaço mundial do capital internacional e seu avanço sobre as subjetividades assujeitadas –, ao
mesmo tempo que terá que realizar a façanha de chegar a uma nova modalidade de representá-lo,
de tal modo que todos, artistas e público, possam começar novamente a entender seu
posicionamento no labirinto, como sujeitos individuais e coletivos, e recuperar sua capacidade de
agir e lutar, que está neutralizada pela confusão espacial e social contemporânea.
Além da participação dos alunos da escola, como atuadores e criadores das ações
performativas, os périplos têm por objetivo interagir com os demais habitantes e passantes da
região do Brás, da Mooca e do Glicério, nosso caminho continuamente a ser percorrido. De novo,
a escolha do espaço não se dá por acaso. Há nessa região uma grande concentração de imigrantes
bolivianos, peruanos e venezuelanos, que constituem também público alvo deste projeto que trata,
como grande objetivo geral, da reflexão sobre a formação de um continente múltiplo mas
mergulhado nas mesmas agruras históricas. Nesse sentido, é nosso objetivo fazer com que a
célebre questão kantiana – “descobrir o que somos nós” – seja desterritorializada e a pergunta
principal passa a ser outra: “como chegamos a ser o que somos”? É com essa pergunta que
pretendemos abordar todos os périplos a serem realizados, procurando abrir a possibilidade radical
de contestarmos aquilo que somos, de lutarmos para não sermos mais o que fomos até agora e de
buscarmos outras formas de ser e de estar no mundo. A dimensão artístico-pedagógica deste
projeto parte também desses princípios, presentes no ato de escrever e esquadrinhar impossíveis,
realizado por Macedonio.
O autor argentino trabalhou, no Museu do romance da Eterna, os fragmentos dispersos da
língua jurídica, filosófica, espanhola do século de ouro, da periferia de Buenos Aires, das disputas
políticas e literárias, e tratou-as todas como se cada uma fosse um idioma diferente. Esta babel
linguística está presente também no espaço que sedia este projeto, que torna-se, assim, espécie de
microcosmo da América-Latina e de suas contradições, e pretendemos dialogar com esta polifonia
de vozes, inicialmente por meio deste mote disparador da campanha política impossível do
Presidente macedoniano, e da realização de sua plataforma, mas depois também contando com a
participação dos moradores da região em outra importante ação artístico-pedagógica deste projeto,
o Núcleo Performativo de Pesquisa Artística e Literária, que será aberto para os alunos da escola
estadual mas também para os moradores do entorno.
A Escola Estadual Antonio Firmino de Proença foi escolhida como sede da residência
artística da Companhia Crítica, e como espaço não convencional para a criação e apresentação do
espetáculo a ser desenvolvido neste projeto, exatamente por ser capaz de alegorizar o tema central
de pesquisa, no que esse diz respeito à formação histórica latino-americana: assim, para um projeto
que trata da (de)formação do continente, decidimos situá-lo no espaço, por excelência, de
formação de sujeitos da sociedade ocidental, a escola.
Para os alunos e funcionários da Escola Estadual o projeto, ao oferecer, de forma
permanente, ao longo dos doze meses, um Núcleo Performativo de Pesquisa Artística e Literária,
um ciclo de seminários e dez Ações Performativas de Deformação de Público, todos ações
gratuitas, tem como objetivo instaurar um amplo e prolongado processo de criação e de
aprendizagem, capaz de expressar, por meio do processo criativo em arte, vozes abafadas pela
segregação e pela lógica social dominante.
Para início de tudo, é preciso apontar que ao se falar de literatura fora do lugar na América
Latina, naõ se quer dar a entender que a literatura esteja plenamente no seu lugar em alguma outra
parte. Utilizamo-nos do crítico literário Roberto Schwarz ao falar de ideias fora do lugar e, como
ele, este projeto não tem a pretensão de dar um lugar às ideias, mas de nomear uma experiência
de desajuste que se vivencia de maneira particular nesta parte do continente, devido ao papel que
lhe coube na história da universalização do capitalismo. Como se verá, ao falar em ideias fora do
lugar, Schwarz nomeava uma experiência comum no continente resultante do fato de que a
passagem que levou o Brasil da situação de colônia à república independente naõ significou o
estabelecimento de uma nova ordem, mas um rearranjo da ordem colonial. Rearranjo que se
repetiria a cada novo ciclo de modernização. A continuidade dessa ordem, que desmente as
promessas modernas de igualdade e autonomia com as quais convive, estaria na origem da
sensaçaõ de ideias fora do lugar. E, como veremos, só da superação das desigualdades e
desequilíbrios de matriz colonial caberia esperar o fim da sensação.
Aliás, o que mostra Candido no seu livro é que dessa pobreza e fraqueza podia resultar em
um escritor como Machado de Assis, um equivalente local do melhor da literatura mundial, e por
isso prova de que se podia ser moderno nos próprios termos. Partindo desta leitura, Schwarz dirá
posteriormente que Machado de Assis achou uma form ajustada para os desajustes do Brasil,
oferecendo ao paiś uma imagem de sua figura vergonhosa, mas também do que ele era capaz de
produzir.
Como é sabido, nas décadas de 60 e 70, se produz o chamado boom narrativo, que levou à
sensação geral de que a literatura finalmente estava no seu lugar na América Latina e, mais ainda,
que a literatura tinha se mudado definitivamente para esta parte do continente. Nesse momento, o
sucesso literário pareceu anunciar a futura formação de nossos países, que estariam prestes a
superar as desigualdades e desequilíbrios de matriz colonial, e a ocupar um novo lugar na ordem
mundial. Esse anúncio do iminente fim e acabamento da formação resultou certo, mas às avessas,
posto que os anos vindouros fizeram impossível acreditar que alguma vez se daria a culminaçaõ
de um processo formativo estatal nacional nos termos pensados.
Essa impossibilidade será produto das novas condições do capitalismo mundial, mas também
dos crescentes questionamentos que foram lançados à literatura e aos Estados nacionais desde
diferentes lugares – entre eles novas disciplinas, como os estudos culturais e os estudos
subalternos. Questionamentos que apontavam que nem a literatura nem os Estados nacionais
ofereciam verdadeiras alternativas para as desigualdades de matriz colonial, dado que tais
instituições, na sua própria formaçaõ , reproduziam essas desigualdades. Como resultado, desde
10
Na América hispânica, José Carlos Mariátegui exprime uma visao ̃ semelhante na sua resenha, de 1929, do
livro Seis ensayos en busca de nuestra expresión de Pedro Henríquez Ureña, onde aponta que “el arte y la literatura
no florecen en sociedades larvadas o inorgánicas, oprimidas por los más elementales y angustiosos problemas de
crecimiento y estabilización” , como seriam os nossos países.
pelo menos o final da década de 80 parecerá necessário pensar para além da literatura – em sentido
tradicional – e do Estado nacional (ainda que isso nem sempre signifique, como veremos, pensar
para além da lógica do capitalismo globalizado). Se a importância de continuar aprofundando essa
tarefa está fora de dúvida, isso naõ quer dizer que pensar no Estado nacional e na literatura tenha
passado a ser irrelevante, posto que, como se disse no começo, nem um nem outra deixaram de
existir. Claro que o fato de que a perspectiva da formaçaõ tenha desaparecido do horizonte obriga
a pensar neles de outra maneira. Haveria, por exemplo, que voltar aos chamados momentos
decisivos e ver o que neles havia de indecisivo, ou seja, o que neles naõ encontrava – nem iria
encontrar – uma forma. A busca por esses momentos decisivos do processo histórico do continente
é um grande objetivo deste projeto e consideramos a literatura de Macedonio Fernandez como um
importante elo, capaz de reconstituir a cadeia de nosso trajeto colonial de subordinação.
Com a ditadura, o Brasil entraria numa nova fase de modernização conservadora, que
confirmaria a tese central da teoria da dependência: o chamado subdesenvolvimento não é algo
destinado a desaparecer com o tempo, quando todos os países ou regiões atingirem o
desenvolvimento dos países centrais do capitalismo, porque o subdesenvolvimento (o atraso contra
o qual se define a modernização, e que esta última promete acabar) é funcional ao sistema e criado
por ele. Em outras palavras o subdesenvolvimento sempre é reposto e por isso a modernidade e a
formação nunca se fazem completamente presentes. Para Schwarz, nessa circunstância o conviv́ io
de elementos “novos” e “arcaicos” vira emblema de paiś es como o Brasil:
A intençaõ do texto naõ é a simples reconstruçaõ histórica, mas tentar entender essa “figura”
emblemática do Brasil ainda vigente no final da década de 60 e começos de 70. Seu comentário
sobre Alencar é claro a respeito: “Estamos diante duma figura inicial daquela modernizaçaõ
conservadora cuja história ainda hoje naõ acabou”. A “figura” é definida em relaçaõ a Alencar
como a “adesaõ simultânea a termos inteiramente heterogêneos, incompatíveis quanto aos
princípios — e harmonizados na prática de nosso ‘paternalismo esclarecido’” . Alencar combina
uma forma europeia burguesa – o romance – e as formas de socializaçaõ locais naõ burguesas;
combinaçaõ que pode ser englobada dentro dos desajustes que produz a presença das ideias liberais
no Brasil escravocrata. Para fugir da forma burguesa do romance – e de todas as promessas não
11
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas. São Paulo: Ed. 34, 2013, p.77
cumpridas de formação e progresso que ela comporta – Macedonio cria para o seu próprio
antirromance uma forma impossível, baseada em prólogos e bilhetes acumulados, como uma série
de ruínas não formadas. Procuraremos, neste projeto, transpor tal forma para o plano teatral,
assumindo a ruína do teatro épico e do teatro dramático, em busca desse teatro impossível, apto a
plasmar as contradições do continente.
No ensaio “As ideias fora de lugar”, primeiro capítulo de Ao vencedor as batatas, Schwarz
formula que os desajustes que definem o Brasil saõ o resultado da “falta de transparência social,
imposta pelo nexo colonial e pela dependência que veio continuá-lo” . Uma e outra obrigam o paiś
a adotar ideias e expressões culturais das metrópoles, apesar das diferenças da realidade local. Só
que enquanto na colônia tal adoçaõ podia ser vista como normal – pelas elites –, na independência
passa a ser um problema.
Assim, com a independência, o Brasil adota “a ideologia liberal, que era a das jovens
nações”, embora naõ tenha passado pelas revoluções sociais que modelaram essa ideologia na
Europa. Aqui se mantinham as relações produtivo-sociais da colônia, ainda funcionais ao mercado
mundial. Isto é, o paiś adotou as ideias liberais europeias sem mudar sua “relaçaõ produtiva
fundamental”: a escravidaõ . Como consequência, no Brasil as ideias liberais, que chocam com a
realidade local, fazem “um movimento” particular, uma singular “harmonizaçaõ ”, que se
manifesta naõ nas relações entre proprietários e escravos (explorados e silenciados à força), mas
entre os primeiros e os homens-livres.
Para Schwarz – que segue neste ponto as observações de Maria Sylvia Carvalho Franco em
Homens livres na sociedade escravocrata – a relaçaõ ente o proprietário e homem livre (“na
verdade dependente” está mediada pelo favor. Este é taõ incompativ́ el com as ideias liberais como
a escravidaõ , mas “as absorve e desloca, originando um padraõ , particular” . Assim, as ideias
liberais, que deviam levar a uma crit́ ica do favor, lhe servem de sustento ou, mais exatamente, de
“aparente” sustento: daõ -lhe uma “aparência” de relaçaõ racional e moderna. Com ironia, o crit́ ico
assinala que essa foi frequentemente a funçaõ dos argumentos “ilustrados” no Brasil: servir como
ferramenta para dar “lustre” , como “marca de fidalguia” que fazia parecer distinguido e moderno.
Importante sublinhar aqui que, ao se falar de “ideais fora do lugar”, naõ se faz uma descriçaõ
do estado real das coisas, mas – como diz Schwarz , registra-se “uma sensaçaõ das mais difundidas
no paiś e talvez no continente” . Lembremos que o ensaio começa justamente com citações que
mostram como a sensaçaõ de “fora do lugar” estava difundida na intelectualidade brasileira da
primeira República, tanto entre aqueles a favor como entre aqueles contra a escravidaõ . Nesse
sentido, quando Schwarz fala de “ideias fora do lugar”, de “heterogeneidade”, de
“incompatibilidade” ou de “sem sentido” naõ o faz em abstrato. Naõ se trata de que dessa forma
se assinalem termos essencialmente incompativ́ eis: a impressão de sua incompatibilidade é um
produto histórico. É por causa da particularidade histórica e naõ por sua verdade essencial, que as
ideias liberais foram sentidas como “fora do lugar” no Brasil. Para Schwarz é importante insistir
em que a história das ideias naõ é igual aqui e lá. Na Europa, as ideias liberais resultaram de
processos sociais que naõ se deram (ou naõ da mesma maneira) nas ex-colônias onde foram
adaptadas. Isso naõ quer dizer que as realidades de cá e lá naõ estivessem vinculadas (Schwarz
considera que a ex-colônia forma parte do sistema capitalista mundial), mas sim que eram
diferentes. Assim, por exemplo, se na Europa houve pensadores liberais que defenderam a
escravidaõ , isso naõ tira o fato de que na Europa a escravidaõ naõ tinha a presença que tinha no
Brasil; ou, em outras palavras, que a escravidaõ tinha uma visibilidade no Brasil que naõ tinha na
Europa.
No Brasil, e no continente em geral, era escancarado algo que na Europa poderia passar
despercebido. Para Schwarz, se há alguma vantagem em estar na periferia do capitalismo é
justamente que aí se faz evidente algo que é mais difícil de perceber nos centros. Se o Brasil era
um lugar em que as ideias liberais criavam a sensaçaõ de “fora do lugar” era também um lugar em
que se podia perceber com maior evidência que as ideias liberais naõ eram o que aparentavam: “ao
tornarem-se despropósito, estas ideias deixam também de enganar” . A sensaçaõ de despropósito
que geravam as ideias liberais no Brasil desmentia sua suposta universalidade. De fato, depois de
1848, “a vaga das lutas sociais na Europa mostrara que a universalidade disfarça antagonismos de
classe”. Para Schwarz, portanto, pensar que as ideias liberais estaõ no lugar na Europa é um
equivoco, pois lá também enganavam, só que de maneira diferente: eram ideologia em primeiro
grau. Esse caráter ideológico é o que desde sempre teria formado nossa ideologia latino-americana
como discurso alienante de segundo grau.
Assim, Schwarz naõ estabelece a contraposiçaõ “ideias fora do lugar” no Brasil / ideias no
lugar na Europa ou ideias naõ funcionais aqui / ideias funcionais lá. O que sublinha é que na Europa
as ideias liberais pareciam ajustar-se a realidade de uma maneira que naõ se repetia entre nós.
Talvez se poderia dizer, recorrendo à tradiçaõ psicanalit́ ica lacaniana, que lá (em alguns países da
Europa) a realidade criava a impressaõ de recobrir bem o vazio do real (principalmente aos nossos
olhos), enquanto no Brasil, e nos outros países da América Latina, a realidade naõ chegava a criar
a impressaõ de consistência, daí que Schwarz ao falar de “ideias fora do lugar” fale também de um
“oco dentro do oco” . Postas assim as coisas, fica claro que o argumento de “As ideias fora do
lugar” naõ pressupõe necessariamente um lugar da plena coerência, a Europa, onde haveria uma
formação plena e justa, enquanto por aqui viveríamos o descompasso: como podemos ver em
Macedonio, a diferença é que aqui o desajuste é tão grande que se configura como total
impossibilidade.
Retomando as colocações de Hard e Negri, mencionadas páginas atrás, podemos dizer que,
para estes autores, se a época do Império ou capitalismo global é a época dos “não lugares”, no
sentido de que nas diversas partes do globo não encontramos formas de funcionamento
radicalmente diferentes, isto naõ equivale a dizer que já não existam, de forma nenhuma, centros
e periferias. Como o mostra qualquer passeio pelos bairros que sediam este projeto (que termina
com um viaduto que serve de “residência às pessoas) as periferias estão aí, e elas continuam a ser
lugares em que se tem uma experiência aguda de contradição, de desajuste, de fora do lugar. Cabe
esclarecer que os próprios Hardt e Negri, na verdade, mais do que falar do fim dos centros e das
periferias, afirmam a impossibilidade de seguir pensando as divisões que cria o capitalismo
contemporâneo em termos de separações entre grandes zonas geográficas ou estados nacionais.
Segundo os autores,
E ainda
O Império naõ significa, portanto, nenhuma superaçaõ da desigualdade, mas uma redefiniçaõ
das fronteiras que dividem despossuid́ os e possuidores. Pode-se acrescentar que a desigualdade
entre estes grupos naõ só é extrema no tocante ao que tem, mas também no seu tamanho, dado que
12
HARDT, M. e NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro: Record, p. 353
13
Idem, p.358
a expansaõ do capitalismo trouxe um aumento da espoliaçaõ e a precarizaçaõ e, portanto, um
aumento dos despossuid́ os. Na visaõ de Sasskia Sassem,
Sassen fala por isso de uma “multiplicação das bordas do sistema” [multiplication of
systemic edges], entendendo por estas os lugares em que são jogados os despossuídos e
precarizados pelo sistema capitalista atual. Essas bordas, ou periferias, podem ser caraterizadas
também como os lugares em que se tem um miń imo (ou nenhum) poder de intervir ou de ser
ouvido. O nosso projeto pretende habitar e realizar périplos múltiplos e artísticos em uma
dessas bordas, situada no centro mais degradado de São Paulo. Em consonância com Hardt e
Negri, Sassen naõ considera que tais bordas coincidam com as divisões de estados-nacionais. Para
autora, hoje presenciamos uma desestabilização e reconfiguraçaõ das fronteiras e das hierarquias
que datam do período do estabelecimento dos Estados nacionais, ainda que estas naõ desapareçam.
Convém enfatizar a última afirmação, pois se é verdade que as desigualdades hoje naõ podem ser
compreendidas satisfatoriamente em termos de diferenças entre os Estados nacionais, estas
diferenças também não passaram a ser insignificantes, já que o poder da guerra continua a ser
intra-estatalmente situado. Em outras palavras, os exércitos e os armamentos de guerra são
nacionais - e este não é um detalhe menor, porque este é o quadro silencioso dentro do qual uma
hierarquia de nações é estabelecida de acordo com seu grau de poder - guerra, e tecnológico.Não
seria então errado falar ainda de estados nacionais centrais e periféricos, mas essa divisão existiria
junto de outras configurações do central e do periférico que redefinem as contradições.
14
A citação é tomada do ensaio de Sassen “La élite en tierras globales”. Disponível em
https://elsudamericano.wordpress.com/2014/03/07/la-elite-en-tierras-globales-por-saskia-sassen/. Última consulta 17
de fevereiro de 2016.
partes, ainda que de maneiras diversas, isto é, naõ só segundo as manifestações clássicas descritas
por Schwarz do desconforto sentido por intelectuais de paiś es periféricos com relaçaõ a ideias
vindas dos paiś es centrais. Estas últimas continuariam existindo, mas naõ seriam as únicas
expressões de desajuste a serem consideradas. Consideramos, neste projeto, que tal desajuste
surge também da sensação de crise teatral que diversos artistas brasileiros e latino-
americanos vivem hoje. Tal sensação adviria de uma espécie de “produção teatral fora de
lugar”, ainda condicionada a padrões e modelos europeus do imediato pós-guerra, incapazes
de configurar a avalanche de violências que marcam nosso cotidiano ainda colonizado. Todas
as ações artístico-pedagógicas deste projeto visam propor formas – labirínticas e impossíveis – de
expor e de superar esse impasse.
Antes de ser uma figura conhecida nos ciŕ culos literários de Buenos Aires, Macedonio
Fernandez (1874 - 1952) planejou uma campanha presidencial. As referências mais antigas que se
conhecem do empreendimento até hoje – posto que ainda há muitos documentos inéditos do
escritor – saõ de 1920. Em uma carta de 3 de abril desse ano, dirigida a seu primo Marcelo del
Mazo, Macedonio diz querer conversar com ele de “planos de ação política marginal” . Mazo se
somaria assim às “múltiplas pessoas” com quem o escritor estaria tendo conversaçaõ e
correspondência sobre o assunto, “entre elas Borges que me escreve de continuo desde Madrid e
adere a meu projeto”. Macedonio naõ diz nada de especif́ ico sobre o que planeja levar a cabo,
apenas que é uma resposta ao “sonho universal maximalista [que] condiz com minha fé
individualista, antiestatal” . Por “universal maximalista”, o escritor entendia a excessiva
ingerência do Estado na vida das pessoas; o contrário de seu ideal anarquista, repetido em diversas
ocasiões, de “Indivíduo Máximo sem Estado ” . Na Carta a Marcelo del Mazo, Macedonio adota a
posiçaõ de um “leal democrata” para quem é desejável que os maximalistas votem e em caso de
que triunfem (o que lhe parece é o mais provável no momento) sejam acatados, “mas antes que
votem, como depois do triunfo, devemos nos esforçar para abandonar o dogma maximalista (que
é claramente a tirania ilimitada das maiorias) que asfixiará o Indivíduo e empobrecerá a todos”.
Ou seja, é preciso se opor ao Estado maximalista, mas fazendo uso das vias democráticas, dos
meios legais dispostos pelo próprio Estado argentino.
Em 4 de abril de 1920, Macedonio escreve outra carta a Marcelo del Mazo, explicitando
o que tem em mente: “ um plano executivo de empoderamento do poder público em nosso país
para a próxima Presidência de 1922 inclusive (isto é, com apenas dois anos de campanha), pelo
voto, e para que essa Solução seja oficialmente imposta”. Para a candidatura presidencial,
Macedonio propõe vários nomes, excluindo o dele posto que sua vocaçaõ – diz – é “o estudo e
conselho”, naõ o “mando e execução”. O escritor afirma contar no momento com o respaldo de
100 amigos, considerando que se no final do mês fossem 300 e “cada uno dele se esforçará em
obter 10 aderentes em 2 meses, no 9 de Julho nós reuniríamos 3.000 e formaríamos nossa
plataforma e plano de trabalhos com grande esperança”. Macedonio termina a carta afirmando:
“Eis aquí pois minha estranha ideia, Marcelo, que seguramente te surpreenderá” . O escritor
reconhece que a ideia é estranha e surpreendente, mas nos parágrafos anteriores tem se esforçado
por deixar claro que naõ é uma simples fantasia: “Esta campanha presidencial relâmpago é um
sonho? Não, Marcelo; deve ser um ato de ‘Invenção’ tão fino como o de um descobrimento
químico ou Ideia musical” .
Da seriedade com que Macedonio pensava no seu plano nos falam outros textos de 1920.
Naõ só “El disconformismo individualista” (artigo publicado no jornal jurídico “Gaceta del Foro”
a qual alude na citada carta de 4 de abril), mas principalmente “Polit́ ica”, um texto inédito no seu
momento e hoje recolhido sob esse tit́ ulo no volume Teorias das Obras Completas editadas pela
editora argentina Corregidor. Quando digo que estes textos saõ reveladores da seriedade com que
Macedonio pensava no seu plano, naõ quero dizer que eles demonstrem que o escritor tinha
efetivamente a intençaõ de executar seu projeto da campanha presidencial (a “execuçaõ ”, como
ele reconhece na citaçaõ acima, naõ era sua vocaçaõ , algo a que se sentisse chamado). Os textos
mostram a seriedade com que Macedonio cogitava o “apoderamento do poder público” ou entaõ ,
na política tal e como esta é definida nas primeiras linhas do texto assim intitulado: “Política é
duas coisas: atividades para o apoderamento pessoal do poder social chamado público (quer
dizer, coercitivo), e modo e fins no uso do poder público uma vez conquistado”.
Naõ resta dúvida de que Macedonio considerava com seriedade a questaõ do acesso ao
poder, bem como a melhor forma de governar, independentemente de quaõ longe fossem seus
planos de chegar à presidência. Naõ há como saber se realizou alguma açaõ nesse sentido, posto
que as cartas citadas saõ as únicas fontes. Por outra parte, é conhecido que em maio de 1920, ou
seja, o mês seguinte ao da redaçaõ das cartas a Marcelo del Mazo, Elena de Obieta, a esposa do
escritor, morre e a vida de Macedonio dá uma reviravolta. Pouco tempo depois da morte de sua
esposa e de deixar seus filhos ao cuidado de familiares – com o que conclui um perió do que seu
biografo Alvaro Abós chama de “vida familiar intensa” –, começa a deambular por pensões e a
participar com efervescência em tertúlias e empreendimentos literários com os jovens
vanguardistas de Buenos Aires, entre os quais se encontra Jorge Luis Borges, de regresso à
Argentina em 1921. Macedonio, que até seus 46 anos – comemorados em 4 de junho de 1920 – só
tinha publicado alguns artigos e poemas sem maior repercussaõ , passará a ser uma figura de
referência da jovem vanguarda. A partir de entaõ , abandonará a advocacia, dedicando-se
exclusivamente à escrita.
No meio disso tudo, o projeto de candidatura presidencial naõ desaparecerá, mas sofrerá uma
reformulaçaõ significativa, convertendo-se em um projeto de romance coletivo. Quem dá
testemunho dessa transformaçaõ é Jorge Luis Borges, que em uma carta de 1921 a Jacobo Sureda
(poeta e pintor que assinou com o autor de Ficciones um dos manifestos do ultraísmo) afirma o
seguinte:
Grifamos a citação acima porque neste projeto coletivo de romance se prenuncia a campanha
presidencial impossível que Macedonio irá dar forma definitiva no Museu do romance da Eterna.
Este programa e plataforma política, formulado por Borges e seus colegas, também inspirará a
candidatura e a plataforma do nosso candidato fictício, neste projeto.
Julgar a exatidaõ do que conta Borges sobre o projeto de “El Hombre que será Presidente”
é impossiv́ el porque o romance – como ele previa – naõ chegou a ser escrito. Aliás, mesmo que
tenha existido (o que naõ é certo), sua descriçaõ só poderia ser provisória, por se tratar de uma
obra conjunta, objeto de discussões intensas – “útil campo de batalha para as lutas verbais” –,
portanto aberta a constantes reformulações. Estes saõ fatores a considerar (além dos possíveis
esquecimentos voluntários e involuntários) ao avaliar as diferenças entre as asseverações deste
texto e as do famoso prólogo de apresentaçaõ da obra de Macedonio, escrita por Borges no final
de 1960. É no prólogo que se explicita que Macedonio seria o presidente ao qual faz referência o
título do romance “El hombre que será presidente” e também que o romance seria resultado da
transformaçaõ do projeto da campanha presidencial. A citaçaõ em extenso resulta inevitável:
Ao oferecer este resumo da história de El hombre que será presidente, Borges já não se
preocupa por fazer nenhuma reivindicação autoral. Diz que da ideia da campanha presidencial de
Macedonio “surgiu” do romance, sem explicar como ou por iniciativa de quem (pode ter partido
de Borges ou de Macedonio, ou ainda de alguém mais, dado seu caráter coletivo). Aliás, os
conspiradores já naõ são bolcheviques, mas milionários neurastênicos. A forma de proceder do
grupo conspirador é a mesma, a criação do caos social por meio de objetos inventados que
entorpecem a vida cotidiana, mas esses objetos não são exatamente iguais. Entre eles, Borges inclui
agora naõ só novas invenções fantásticas (como as escadas irregulares), mas também “la
multiplicación de párrafos empastelados en las novelas policiales; la poesía enigmática y la
pintura dadaísta o cubista”. É difícil naõ sentir nesta afirmaçaõ certa ironia contra os movimentos
de vanguarda dos quais Borges tomou distância com o passo dos anos. Por outro lado, a inclusaõ
que faz Borges da “poesía enigmática y la pintura dadaísta o cubista” entre os elementos
perturbadores do funcionamento social, no romance El hombre que será presidente, não deixa de
apontar para o que fora um objetivo das vanguardas compartilhado por Macedonio, o que Peter
Bürger chama, en termos hegelianos, uma Aufhebung (superação) da arte na vida, uma negação
da autonomia da esfera estética que a ‘eleve’ ou transforme em práxis sociopolítica.
A arte tinha que sair dos espaços artísticos para transformar (perturbar) a vida social. Como
assinala Julio Prieto15, o movimento de said́ a dos espaços artiś ticos tradicionais é explícito em
vários empreendimentos de Macedonio que “estão mais próximos da noção de performance que
da forma mais tradicional e estável da ‘escritura’”. Por exemplo, suas participações na Revista
Oral, fundada pelo poeta peruano Alberto Hidalgo (cada número da revista consistia em uma
leitura pública no poraõ de um bar) ou seus discursos de brinde nos encontros de artistas .Nesta
linha estariam também os cartões a que alude Borges no seu prólogo, os quais tinham por objetivo
ajudar na difusaõ do nome de Macedonio, chamando a atençaõ para ele de forma indireta. Quem
encontrasse o cartaõ leria frases como “Macedonio busca a Casilda la Cubana. Teléfono: 3729 –
Ribadavia” . Macedonio faria uso desse tipo de cartões naõ só para publicizar sua campanha
presidencial (se é que efetivamente os usou com esse fim), mas também suas taõ prometidas obras
literárias.
15
PRIETO, Julio. Desencuadernados: vanguardias ex-céntricas en el Río de la Plata. Rosario: Beatriz Viterbo, 2002.
Consultamos também o livro: De la sombrología. Seis comienzos en busca de Macedonio Fernández. Madrid:
Iberoamericana Vervuert, 2010.
que será Presidente y no lo fue’, mas que este foi substituid́ o por “Novela de la Eterna, y de la
Niña de dolor, la Dulce-Persona, de-un-amor que no fue sabido”– nome que ainda sofrerá
modificações posteriores. O presidente, alter ego de Macedonio, deixa seu lugar no tit́ ulo (que
passam a ser ocupado pelas personagens femininas Eterna e Dulce Persona), sem entretanto
abdicar de seu protagonismo na trama, tendo entre seus planos a conquista de Buenos Aires: “O
Presidente do Romance, relatado em razão dos rumores circulantes entre seus numerosos leitores,
serviu para nos mostrar que lançará hoje, de maneira positiva, seu plano de histerização de
Buenos Aires e a conquista humorística de nossa população por sua salvação estética”.
Dito isto, também é o caso de assinalar (por óbvio que seja) que o candidato Macedonio naõ
propõe nada que tenha possibilidades de ser aplicado como polit́ ica de Estado “real”. Como tantos
outros antes dele, Macedonio pensa e fala do Estado desde a literatura. Para ele naõ se tratava de
organizar, mas de caotizar ou, dito com um verbo que ele empregava, de histerizar o Estado.
Histerizar a literatura para histerizar o Estado seria seu plano. Acreditamos que este mote
narrativo de uma campanha ficcional à presidência da República pode ser importante
procedimento artístico e pedagógico neste projeto, tanto para a criação de um espetáculo
teatral quanto para as ações performativas e pedagógicas que serão desenvolvidas com os
alunos da Escola Estadual Antonio Firmino de Proença e com os moradores do Brás, do
Glicério e da Mooca, que fazem parte do nosso périplo e labirinto “literário-político.
Durante nossa primeira etapa de pesquisa, constatamos que há no romance uma aparência
de repetição, que gera formas e temas insistentemente ecoados, mas que expressam um contexto
histórico que combina identidade e diferença, avanço e atraso, de maneira dialética: “a identidade
é certamente algo negativo; contudo, não é o nada vazio e abstrato em geral, mas é a negação do
ser e suas determinações. Porém, como tal, a identidade é ao mesmo tempo relação; e na verdade
relação negativa para consigo mesma, ou diferença dela consigo mesma.(…) A diferença não tem
de ser apreendida simplesmente como diversidade exterior e indiferente, como diferença em si; e
que por isso compete às coisas, nelas mesmas, serem diferentes”16.
Os personagens inexistentes da obra de Macedonio são sujeitos que vivem no limiar entre
a vida e a morte, como se pudessem formar-se apenas na condição de cadáveres quando, só então,
do ponto de vista do que está morto, fosse possível compreender o que resta vivo.
Naquele que talvez seja o ensaio de interpretação sobre a formação argentina mais
importante, chamado Radiografia do pampa (1933), Ezequiel Martínez Estrada situa a
16
HEGEL, W.G.F. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio (1830), vol. 1. A ciência da Lógica. São
Paulo: Loyola, 1995, p.230 e 232
importância que a busca pelo território milagroso (e farto de riquezas) de Trapalanda teve durante
a colonização do território argentino: “Foi o quimérico território de Trapalanda, cujo
descobrimento nunca foi efetuado, a cidade imaginária de ouro maciço, que quase fez fracassar as
expedições de Francisco Aguirre e de Diego Abreu”17 . Para o autor, a América da colonização foi
uma espécie de “ilusão, a terra das aventuras desordenadas na fantasia do homem sem
profundidade. Tudo se realiza, animado de um movimento ilusório em que só muda o centro dessa
grandiosa circunferência”.
Paulo Eduardo Arantes, no ensaio A fratura brasileira do mundo, aponta que um dos mitos
fundadores de uma nacionalidade periférica como o Brasil é o do encontro marcado com o futuro:
“tudo se passa como se desde sempre a história corresse a nosso favor. Um país, por assim dizer,
condenado a dar certo” (…). E mais, o futuro não só viria fatalmente ao nosso encontro, mas com
passos de gigante, queimando etapas, pois entre nós até o atraso seria uma vantagem”18. Esse mito
fundador talvez esteja presente desde o processo de colonização e não nos faltou apoio na
experiência nacional para a cristalização dessa miragem consoladora.
No final do livro, Sergio Buarque se refere à nossa história econômica como uma verdadeira
procissão de milagres: “teremos também os nossos eldorados. O das minas, certamente, mas ainda
o do açúcar, o do tabaco, de tantos outros gêneros agrícolas, que se tiram da terra fértil, enquanto
fértil, como o ouro se extrai, até esgotar-se, do cascalho, sem retribuição de benefícios. A procissão
dos milagres há de continuar assim através de todo o período colonial, e não a interromperá a
Independência, sequer, ou a República”20. João Manuel Cardoso de Mello e Fernando Novais
apresentam até mesmo o processo de industrialização brasileira como uma atividade econômica
movida a arranques mais ou menos fabulosos: “nossa industrialização não deixou de ser também
17
ESTRADA, Ezequiel Martínez. Radiografia de la pampa. México D.F.: ALLCA, 1996, p. 70
18
ARANTES, Paulo Eduardo. Zero à esquerda. São Paulo: Conrad, 2004, p. 25
19
HOLANDA, Sérgio Buarque. Visões do paraíso, op. cit p. 38-39
20
Idem, ibid., p. 403
um desses milagres: resultou antes de circunstâncias favoráveis, para as quais pouco concorremos,
do que da ação deliberada de uma vontade coletiva”21.
O ensaísta e poeta alemão Hans Magnus Enzensberg também soube identificar em nossa
história a presença permanente da miragem do encontro marcado com o futuro: “O Brasil é um
país que acreditou que o futuro estivesse do seu lado e que trabalhava para ele. (…) A bandeira
brasileira é a única no mundo que ostenta o slogan Ordem e Progresso. É um slogan fantástico
para um país (…). O progresso para o Brasil dentro da modernização foi uma perspectiva virtual
e sempre adiada”22.
Após o milagre do café, que veio quando o esgotamento das minas ameaçava-nos de um
colapso econômico, no século XX, graças à relativa estabilidade dos padrões tecnológicos e de
produção nos países desenvolvidos, pudemos desfrutar das facilidades da cópia: “quando tudo
levava a crer em nosso êxito, eis que nos vemos impotentes diante da reestruturação do capitalismo
internacional, da terceira revolução industrial, comandada pelo complexo eletrônico, e da
globalização financeira. Por quê? Por uma razão muito simples, (…) copiamos tudo menos o que
é essencial: formas de organização capitalista capazes de assegurar um mínimo de capacidade
autônoma de financiamento e de inovação. (…) Optamos por avançar pela linha de menor
resistência e recorrer à intervenção milagrosa da empresa multinacional, na segunda metade dos
anos 50, trazida por incentivos generosos”23.
O milagre parece ser a fantasmagoria que assola nosso processo histórico e por isso a
narrativa de Macedonio nunca se inicia: como se à espera do fim miraculoso das Impossibilidades.
No entanto, quando é bafejada pela crença no milagre, a utopia da antiga Trapalanda e do El
Dorado, transforma-se em negatividade, em resignação – e ficamos todos à espera de que a obra
comece, de que nossa fase de pré-história termine. Estamos diante de um movimento contraditório
sem síntese, que remete à formação latino-americana e que esse projeto pretende transformar em
21
MELLO, João Manoel Cardoso e NOVAIS, Fernando. “ Capitalismo tardio e sociabilidade moderna”. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz (org).História da vida privada no Brasil. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998,
p. 644-645
22
ENZENSBERGER, Hans Magnus. “Entrevista a Jose Galisi Filho”. Apud ARANTES, Paulo Eduardo. Zero à
esquerda,op. cit., p. 29
23
MELLO, João Manoel Cardoso e NOVAIS, Fernando,op. cit., p. 646-647
dramaturgia e encenação.
Na narrativa macedoniana, um escritor obscuro, que dedicou sua vida à leitura e à solidaõ ,
por meio de um artifício muito direto e simples é habitado pelas lembranças pessoais de
Shakespeare. Volta-lhe entaõ à memória a tarde em que escreveu o segundo ato de Hamlet e vê o
lampejo de uma luz perdida no canto da janela, e o acorda e alegra uma melodia muito simples.
"À medida que transcorrem os anos, todo homem tem a obrigaçaõ de carregar o crescente fardo
de sua memória. Duas me oprimiam, confundindo-se às vezes: a minha e a do outro,
incomunicável. A princiṕ io as duas memórias naõ mesclaram suas águas. Com o tempo, o grande
rio de Shakespeare ameaçou, e quase inundou, meu modesto caudal. Temeroso, percebi que estava
esquecendo a língua de meus pais. Já que a identidade pessoal baseia-se na memória, temi por
minha razaõ ."25
24
FERNANDEZ, Macedonio. Papeles de recienvenido. Buenos Aires: Corregedor, 2014, p. 209.
25
Idem, ibd.
uma memória incerta e uma experiência impessoal. Cada herói vive na pura representaçaõ , sem
nada pessoal, sem identidade. Herói é quem se dobra ao estereótipo, quem inventa para si uma
memória artificial e uma vida falsa.
A cultura de massa (ou melhor seria dizer a polit́ ica de massa) foi vista com toda a clareza
por Macedonio como uma máquina de produzir lembranças falsas e experiências impessoais.
Todos sentem a mesma coisa e recordam a mesma coisa, e o que sentem e recordam naõ é o que
viveram. A prática arcaica e solitária da literatura é a réplica (melhor seria dizer, o universo
paralelo) que Macedonio erige para esquecer o horror do real. A literatura reproduz as formas e os
dilemas do mundo estereotipado, mas em outro registro, em outra dimensão, como num sonho. No
mesmo sentido, a figura da memória alheia é a chave que permite a Macedonio definir a tradiçaõ
poética e a herança cultural. Recordar com uma memória alheia é uma variante do tema do duplo,
mas é também uma metáfora perfeita da experiência literária. A tradiçaõ literária tem a estrutura
de um sonho no qual se recebem as lembranças de um poeta morto. Podemos imaginar alguém que
no futuro (num quarto de hotel, em Londres) começa de repente a ser visitado pelas lembranças de
um obscuro escritor sul- americano a quem mal conhece. Entaõ vê a imagem de um pátio de
mosaicos e de uma cisterna numa casa de dois pisos com um piano na esquina da Cochabamba; vê
a figura frágil de Macedonio Fernández na penumbra de um quarto vazio; vê uma tropa de cavalos
de crina emaranhada que galopa solitária na planície, sob as profundezas do poente; vê um globo
terrestre abandonado num hotel, entre dois espelhos que o multiplicam sem cessar; vê um bonde
que cruza as ruas quietas da cidade de Buenos Aires e nele vê um homem que, com o livro
encostado nos olhos de mió pe, lê pela primeira vez a Comédia de Dante; vê uma moça iń dia de
estranhos cabelos loiros e olhos azuis, vestida com duas mantas coloridas, que cruza lentamente a
praça de um povoado na fronteira norte da proviń cia de Buenos Aires; vê a chave enferrujada que
abre a porta de uma vasta biblioteca na rua México; vê uma peça de bronze , um tigre e um relógio
de areia; e vê o manuscrito perdido num livro de Conrad e o belo rosto inacessiv́ el de Matilde
Urbach, paixão Eterna de Jorge Luís Borges, que sorri na luminosa claridade de um entardecer de
veraõ . Talvez no futuro alguém, uma mulher que ainda naõ nasceu, sonhe receber a memória de
Macedonio tal como Macedonio sonhou que recebia a memória de Shakespeare. A literatura aqui
funciona, como na pedagogia artística deste projeto, como forma de resistência ao apagamento do
passado.
PRÓLOGO 1. O Homem que Fingia Viver (HQFV) filma suas experiências performativas. São
performances da dor, uma dor cada vez maior, que colocam o artista à beira da morte. Um dia,
depois de uma visita de rotina a um hospital, descobre que está com um câncer mortal no fígado.
Na mesma noite, vive, em um quarto de hotel no Brás, a experiência de um milagre:
repentinamente recebe a memória de Shakespeare.
PRÓLOGO 2. Decide, então, filmar sua última performance, registrando o cotidiano da doença
24 horas por dia, e divulgando-o em suas redes sociais. Como último gesto performativo, resolve,
nos três últimos meses que lhe restam, UTILIZAR A SABEDORIA ADQUIRIDA PELA MEMÓRIA
DE SHAKESPEARE para candidatar-se à presidência da república e registrar sua lenta agonia,
enquanto luta para ser eleito e dar um último sentido à existência.
Podemos, para um réquiem alegórico final, concluir com a caracterização dessa lógica
dialética do limiar – muro e passagem, ao mesmo tempo, da destruição à utopia miraculosa – dada
por Nicolau de Cusa, filósofo e teólogo situado, ele próprio, no limiar entre Idade Média e
modernidade: “experencio como é necessário entrar na escuridão, admitir a coincidência dos
opostos sobre toda capacidade racional e procurar a verdade aí onde se depara a impossibilidade”26.
Para Cusa, a verdade só poderia ser vista “onde se depara e nos opõe a impossibilidade”, território
de limiar e de tensão entre contrários, sem solução possível ou suportável: “E descobri o lugar em
que te revelas, cercado pela coincidência dos contraditórios. É esse o muro do Paraíso em que
26
CUSA, Nicolau de. A visão de Deus. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2010, p. 167
habitas; por isso, é para lá da coincidência dos contraditórios que poderás ser visto e nunca aquém
dela”27.O Paraíso vislumbrado por Cusa, à maneira da terra da Cocanha da ruína brasileira, não é
o mundo reconciliado e absolvido de tensões, mas, pelo contrário, muro e caminho, limiar em
constelação contraditória extrema: “é à porta da coincidência dos opostos, guardada por um anjo
posto à entrada do paraíso, que te começo a ver, Senhor”28.No limiar entre pesadelo e despertar,
nas ruínas do muro situado entre o Inferno e o Paraíso, encontramos a metrópole descrita por
Macedonio, acúmulo de melancolia, de destruição e de esperança, no campo de força do impasse.
Louis Althusser, em um ensaio que já foi muito estudado, mas hoje parece um tanto esquecido,
chamado “Ideologia e Aparelhos ideológicos de Estado”, define a ideologia como a série de fantasias e
fantasmas socialmente condicionados que resolvem, de forma imaginária, conflitos reais. Essa resolução
imaginária para conflitos que constituem a realidade, mas que não podemos tolerar, realiza-se, segundo
Althusser, em instituições, em seus rituais e suas práticas, chamadas de Aparelhos Ideológicos de Estado.
Assim, para definir a ideologia, desaparecem as ideias como tais (enquanto dotadas de uma existência ideal
27
Idem,ibid.
28
Idem,ibid.,p. 169
29
PUPO, Maria Lucia Barros. “Prefácio”. In: DESGRANGES, Flavio. Pedagogia do Teatro - Provocação e
Dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2010.
ou espiritual), na exata medida em que sua existência está inscrita nos atos ou práticas regidos por rituais
que se definem, em última instância, por um aparelho ideológico.
Tal afirmativa evidencia que o sujeito age na medida em que “é agido” por esse sistema.
Exemplificando o funcionamento do aparelho ideológico religioso, Althusser cita uma velha fórmula de
Pascal: “ajoelhe-se, mexa seus lábios numa oração e você terá fé”. Tais aparelhos seriam importantes por
contribuir para a reprodução constante das relações de produção. Talvez, nesse sentido, o aparelho
ideológico de estado mais importante seja a escola. Por acreditarmos, assim como Maria Lúcia Pupo citada
acima, que, no presente momento histórico, a escola funciona não como uma instituição democrática, mas
como um aparelho ideológico, é que habitamos artisticamente a E.E. de São Paulo.
Nesse processo de alegorização, pretende-se utilizar a escola como espaço cênico performativo.
Para a pesquisadora teatral Josette Feral, a encenação performativa está ligada a um hibridismo das
linguagens artísticas e a um inacabamento artístico, à busca por uma pluralidade de sentidos que fazem do
fazer cênico uma hipótese, um discurso artístico a ser testado e que resulta, sem cessar, na concretização
de sentidos novos.
Tal encenação sempre está para acontecer, visto que se limita a colocar balizamentos, em uma
pesquisa de enunciados cênicos que produzem um texto espetacular global. Do mesmo modo, não ocorre
nada parecido a um agrupamento aleatório de sistemas visuais, mas um projeto coletivo realizado em torno
de um constrangimento da linguagem, uma estrutura feita para comunicar-se. Essa cena que se configura
como teste contínuo de expressão será configurada, neste projeto, por uma ocupação cênica que se realiza
no espaço exíguo de uma sala de aula, explorando uma encenação performativa capaz de transfigurar esse
espaço confinado e disciplinar do aparelho ideológico escolar, propondo travessias imaginárias e
imaginadas nesse mesmo espaço.
Esta encenação em movimento será acompanhada também pelo deslocar imaginário e imaginante do
público que, durante as apresentações da peça poderá, por meio de regras claras de ação, performar, pré-
formar e pós-formar o material teatral criado pela Companhia a ser compartilhado, configurando uma
experiência que, por si só, pode ser capaz de nomear, dentro de uma ordem social vigente, os elementos
que – à guisa de “ficção”, isto é, de “narrativas utópicas” de histórias alternativas possíveis – apontam para
o caráter antagônico do sistema e, desse modo, podem nos fazer superar a evidência de sua identidade
estabelecida. Tomando a arquitetura labiríntica da escola, de dimensão panoptica, acreditamos sermos
capazes de, em confronto com a encenação e com as demais atividades artísticas e pedagógicas que
fazem parte desse projeto, explodir múltiplos sentidos de leitura e de experiência, em polifônicos trajetos
de “formação” (formação do sujeito, formação do aluno, formação do estado patriarcal, formação do
capitalismo, formação do continente), a partir das ações e intervenções a serem realizadas.
Para este projeto, nosso empreendimento significa trabalhar artisticamente nas margens plausíveis
para mostrar às pessoas que um grande número de coisas que fazem parte de sua paisagem familiar – que
elas consideram como universais – são produzidas por certas condições históricas bastante precisas. É
justamente essa ideia de “destruição” que nos interessa.
Em um dos prólogos do Museu do Romance da Eterna, intitulado "O homem que fingia
viver", Macedonio Fernandez afirma que seu romance vai ser incongruente, não porque é cheio de
personagens que são, "loucura na arte é uma negação realista da arte realista" e isso em o projeto
do romance é uma contradição. “Eu não dou personagens malucos, leio maluco e precisamente
para convencer pela arte, não pela verdade.” O personagem Homem que Fingia viver parece
representar essa alegoria de “pessoa inexistente”, tão útil para pensarmos os cidadãos da América
latina. “Neste romance, o homem que fingia viver não é visto nem aludido, não figura. É um
personagem idiossincrático: ele é assim, e tão caracteristicamente que não se nota que não figura.
Gostaria de fazê-lo, se ainda fosse possível, mais destacado no romance; acrescentar-lhe
importância digna de um não existente; dizer, por exemplo que ele executa a Ausência realizada
por fim em Arte, conseguida com símbolos e ainda ocupando lugar. (...) Todos os fatos e pessoas
do romance são gratamente impossíveis, fantásticos para a realidade; Hqfv em sua grata
inexistência, com a qual ganhará a opinião do público, é fantástico para o romance, não só não
acontece na vida,não acontece no romance”
Na dialética negativa, nada é pura e simplesmente por si, mas é em si seu outro e está ligado
a um outro: “aquilo que é, é mais do que ele é”. Esse mais não lhe é anexado de fora, mas
permanece imanente a ele enquanto aquilo que é reprimido dentro de si. Essa relação com o outro,
constituidor do em-si, geraria uma lógica de modo que não se progride a partir de conceitos e por
etapas até o conceito superior mais universal, mas esses conceitos entram, na relação de negação
recíproca.
Para esse projeto, a obra de Macedonio, com seus personagens inexistentes, contrários à
mímesis realista, significa a possibilidade de questionar esse conceito de identidade de maneira
ampla, inserindo-o em uma dialética negativa, que busca expor um mundo livre da coisificação da
identidade.
No lugar da identidade, este projeto pretende trabalhar, tanto em seu processo criativo
30
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 581
31
ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 127
quanto em suas ações artístico-pedagógicas, com a ideia de alteridade. O que Simone Beuvoir
chama de “reconhecimento genuíno” exige que admitamos nossa própria ambiguidade, a saber, a
condição de sermos simultaneamente sujeito e objeto, ou, nas palavras de Adorno, não aceitarmos
nos reconhecer sob o signo de qualquer identidade. Assim, a primeira luta não é com o Outro,
mas com nós mesmos, uma luta contra o medo de nossa liberdade, o medo de abrir mão de uma
relação segura com o mundo, marcada pela identidade. Assumir nossa ambiguidade, portanto,
implica, colocarmo-nos em risco, sob a dialética negativa da contradição e do movimento. Esse é
o primeiro passo para nos (re)fazermos sujeitos, em movimento e périplo constante rumo ao Outro.
No entanto, para isso é preciso também reconhecer no Outro um sujeito, o que para
Beauvoir significa reconhecer sua alteridade, admitir que o Outro não nos refletirá. Trata-se,
portanto, de um olhar para o Outro que não é mero narcisismo, afinal, para reconhecer o Outro
como sujeito, é preciso abdicar de tentar manipular ou controlar o julgamento que terá de mim.
Será preciso expor-se ao seu livre julgamento. Trata-se, portanto, aqui também, de assumir riscos,
em particular o risco de desapegar-se de uma autoimagem petrificada e segura, identitária,
permitindo que o Outro nos diga quem somos.
No reconhecimento genuíno de Beauvoir, porém, o que o Outro diz sobre nós tampouco é
uma verdade petrificada, pois o que caracteriza o reconhecimento não é o conteúdo do que é dito
sobre nós, mas sim a “disposição de continuar a conversa”. Assim, o que impulsiona a interação
não é a busca desesperada e fracassada pelo espelho da identidade, mas a conversa é alimentada
pelo risco de permitir ao Outro que exponha a nós mesmos as fantasias que construímos a nosso
respeito na tentativa de nos esquivar de nossa ambiguidade.
1.O sujeito é anterior ao Eu(sujeito representa as instâncias coletivas, formadas pela Lei e
pela linguagem, o Eu a instância psíquica unitária, no caso brasileiro, de formação impossível);
3. O sujeito recebe do Outro sua própria mensagem de forma invertida: a fala sempre inclui
subjetivamente sua resposta. O que se busca na fala é sempre a resposta do Outro. Para se fazer
reconhecer pelo Outro, o sujeito só profere palavras com vistas ao que pode obter. Para encontrar
32
NEGRI, Antonio. Comum. Akal: Madrid, 2001, p. 184
o Outro, o sujeito o chama por um nome que o Outro deve assumir ou recusar, para responder.
Com isso, toda atuação deve ser dialética.
A forma do romance de Macedonio Fernandez, que serve como material de trabalho para
a pesquisa artística proposta nesse projeto, está baseada em uma série de prólogos quase infinitos,
que adiam sempre o início da narrativa. Por meio desses prólogos, ao autor apenas esboça
personagens e conflitos narrativos ainda inexistentes, que promete que irão se constituir no futuro:
“Se alguma grandiosa, difícil e decisiva “Promessa” fosse ingrediente de meu romance, eu
poderia chamá-lo de “Romance de uma promessa”, e teria então o dever de chamar os anúncios
de que vou publicá-lo “Promessa de um romance chamado Romance da Promessa” (Museu da
novela da eterna, p. 96). O conceito de promessa está em tudo no livro: cada prólogo supõe,
anuncia ou ameaça o começo da narrativa, o Presidente promete escrever um romance que nunca
escreve, se apresentam personagens que não aparecem, se propicia a leitura de outro romance que
fica inconcluso etc. É uma paródia do discurso do prometer fervoroso e seu correlativo
descumprimento, estereótipo das práticas políticas.
A importância do conceito de ruína para esse projeto reside em que nesse conceito
finalidade e acaso, natureza e espírito, passado e presente afrouxam neste ponto a tensão entre suas
oposições, ou antes, guardando, preservando essa tensão, elas conduzem, não obstante, a uma
unidade da imagem externa, da atuação interna. É como se fosse necessário que primeiro um
pedaço da existência ruísse, para esta se tomar tão sem resistência às correntes e forças que vêm
de todas as direções da realidade. Talvez seja esta a sedução da queda, da decadência: ir além de
seu mero lado negativo, de seu mero estado rebaixado. Para Simmel: “A cultura rica e
multifacetada, a capacidade ilimitada de impressionar e a compreensão aberta a todos os lados,
que são próprios das épocas decadentes, significam justamente o encontro de todas as aspirações
contrárias” 33.
A imagem base para esse périplo labiríntico entre ruínas pode ser encontrada em
um quadro do pintor romântico francês Théodore Géricault, chamado A balsa de Medusa.
33
Idem, ibd.
abandonado a sua própria sorte, em uma balsa construída com tábuas e pedaços do mastro. Das
cento e cinquenta pessoas da balsa, depois de duas semanas só quinze permaneceram com vida.
Os representantes da Restauração viram no quadro exposto no Salão de Outono um primeiro passo
para uma revolta contra o regime e procuraram esconder a obra em um lugar obscuro do Salão. A
catástrofe do Medusa havia se convertido no símbolo de um estado existencial:
Esta espera Eterna por uma revolução social que já não se vislumbra no horizonte, à deriva
em meio às ruínas, é uma das molduras de nossa pesquisa sobre essa encenação performativa e
labiríntica, também ela produzida a partir de impossibilidades e do lixo. Este labirinto alegoriza
uma “geração abandonada”, um momento histórico em que se encontram arruinados os materiais
capazes de expressar “a luta, a fome, a sede, a morte em alto mar”, restando a espera ou a
reconstrução de novas formas, a partir de uma aparente liberdade de escolha de material que, em
si mesma, é limitação extrema.
Da derrota da formação histórica da América Latina , emergiu o labirinto, que entre esperar
e reconstruir realizou a destruição. Do que restou, criaremos nossa peça teatral, tentando fixar
questões, à maneira de quem agita um trapo em um bote à deriva.
O acúmulo de lixo que será usado para dar forma à nossa encenação e ao nosso labirinto
será, como uma balsa vagando perdida à beira do naufrágio, incapaz de fornecer orientação para
além de seu aspecto de crise no próprio firmamento. Este projeto é resto e rastro deste planetário
teatral em derrocada, em que a busca por novas formas artísticas tem que se haver com conteúdos
sedimentados por um mundo em crise permanente.
A região que sediará nossa pesquisa e nossas ações artístico-pedagógicas, faz parte de três
bairro distintos, situados no centro de São Paulo. O percurso artístico que baseará todas as nossas
intervenções envolve ruas pertencentes à Mooca, ao Brás e ao Glicério, em um trajeto que vai da
Escola Estadual Antonio Firmino de Proença, sede da residência artística da Companhia Crítica,
até os viadutos que circundam o Parque Dom Pedro. A região escolhida confirma dimensões de
estudos teóricos recentes que apontam para processos de fragmentação e dualizaçaõ urbanas,
leituras que sugerem o esgotamento da operação das velhas determinações que daõ ao espaço
funções claramente definidas: o espaço da produçaõ , o espaço da reprodução – entre os quais os
espaços da moradia que conformavam territórios e territorialidades passíveis de serem claramente
identificadas, como bairros operários, por exemplo.
35
ARRIGUCCI Jr., Davi. O escorpião encalacrado. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 305.
Em pesquisas recentes e livros sobre as questões do trabalho e da cidade contemporânea,
essas conformações saõ abordadas de modo diverso do que caracterizou a chamada “cidade
fordista”, marca do século XX, como por exemplo o livro Viver em risco de Lucio Kowarick; ou
também alguns dos textos que compõem São Paulo, la ville d’en bas, organizado por Cabanes e
Georges , em que moradia e trabalho se entrelaçam quase necessariamente em fluxos de produçaõ
e circulaçaõ de mercadorias localizados em zonas indiferenciadas entre legalidades e ilegalismos;
há ainda a ideia de dobra entre o legal e o ilegal, tal como aparece em artigos de Vera Telles. As
bocas de fumo espalhadas pela região que este projeto pretende abarcar, e o acúmulo de cortiços
em um território destinado às antigas fábricas e estabelecimentos comerciais, confirmam esse
território como uma zona de indiferenciação, entre trabalho e moradia, entre legal e ilegal, e
também entre nacionalidades diversas, já que o lugar abriga muitos imigrantes africanos e sul-
americanos.
A escolha desta região para abrigar nossa pesquisa coloca, imediatamente, algumas questões
para este projeto: como ler novos e velhos viń culos entre a cidade, seus territórios, suas formas de
segregaçaõ e estratificaçaõ e as inserções produtivas? Entre cidades e esse conjunto de
transformações, torções e tensões que parecem articular de outro modo antigas binaridades em
muitos dos campos de investigaçaõ social? Como é possiv́ el flagrar os processos que combinam
de modo inusitado velhas e novas relações entre trabalho e moradia, entre dimensões sociais e
produtivas e outras formas associativas? Como pensar, desse ponto de vista, as relações complexas
entre territórios urbanos, pobreza e trabalho? Muitos dos processos identificados como
contemporâneos – financeirizaçaõ e transformação das relações com o trabalho e de trabalho –
parecem apontar para a erosaõ ou a dissoluçaõ dos viń culos de estruturaçaõ que desde a revoluçaõ
industrial desenhavam arranjos e cadeias produtivas pela proximidade de mercados e pela
polarizaçaõ e concentraçaõ da força de trabalho. Ganhavam forma e ritmo na cidade industrial os
espaços e os tempos de trabalho e sua articulaçaõ com os modos de vida, relações sociais inter e
entre classes, conformações das classes no território urbano e, nesse sentido, fisiognomias urbanas
resultantes tanto desses processos como da distribuiçaõ de equipamentos e investimentos públicos
e privados. A expressaõ cidade fordista é um exemplo dessas associações que, se naõ podiam ser
consideradas propriamente conceitos, ao menos podiam ser vistas como categorias descritivas que
tinham o poder de sintetizar uma antiga situaçaõ socioespacial de trabalho e de vida. Diante do
esgotamento dessas conformações, seria possível, em nossa pesquisa artística, identificar
configurações urbanas recentes, presentes em nossa região escolhida, com categorias de mesmo
peso descritivo e crítico?
A partir do que já estamos investigando, nossa relação com a região escolhida – Brás, Mooca
e Glicerio, Escola estadual e Viadutos, - parte do princípio de que as mesmas forças estruturantes
estão presentes, ainda que moduladas conforme os novos tempos da produçaõ , a partir de uma
combinaçaõ entre financeirizaçaõ mundializada e um conjunto de outros processos que podem ser
identificados com o que alguns autores chamaram de “mundializaçaõ por baixo” Essa expressaõ
representa, no contexto de nossa pesquisa, que é artística mas também social e urbana, trânsito
entre fronteiras, migrações internacionais de novo tipo, formas comerciais que atravessam os polos
formais e informais de circulaçaõ e consumo, além de , por outro lado, modulações desses mesmos
processos, que se articulam com migrações de novo tipo como, por exemplo, a presença boliviana
em São Paulo. Parte desse processo de “mundialização por baixo” acontece por via de uma
transformaçaõ silenciosa, nem sempre visiv́ el, de espaços urbanos, cuja natureza vem se
reformulando sem que se possa perceber imediatamente o sentido e os mecanismos dessas
transformações. Nossos périplos pela região escolhida visam deixar claras essas transformações,
que dizem respeito a um processo histórico maior, de formação do próprio continente.
É possível perceber, com um simples passeio por nossa região escolhida, que há nichos de
produçaõ , moradia e comercializaçaõ no centro da cidade, onde pululam oficinas de costura e
transitam trabalhadores que em geral moram e trabalham em situações limite, dificilmente
passiv́ eis de serem descritas como trabalho em domiciĺ io. Evidentemente, esses territórios
produtivos têm, à primeira vista, formato inusitado, constituid́ o por novas relações de trabalho,
“que se desenvolvem como arremedos das velhas formas de trabalho em domicílio ou que se
assemelham a manufaturas rústicas, com baixo niv́ el de mecanizaçaõ , isto é, caracterizadas pelo
uso intensivo de trabalho com margens miń imas de investimento, mas legitimadas por programas
sociais e/ou por programas de geraçaõ de emprego e renda”36.
Para compreender esse território que abriga nosso projeto, é preciso alargar o olhar para além
do trabalho fabril e formal, desenhando novos objetos de pesquisa: cadeias produtivas, trabalho
precário e informal, trabalho associado, modulações de relações de trabalho clássicas etc. Os
processos de produçaõ que têm lugar nesse território foram entrevistos, ao menos na investigaçaõ
ainda em curso, na relação com programas de geraçaõ de renda, com dimensões associativas,
legitimadas por movimentos sociais ou que se assentam nas dimensões da nova solidariedade,
36
RIZEK, Cibele. “Trabalho, moradia e cidade.” In: Revista brasileira de ciências sociais, vol.27, no.78, fevereiro
de 2012, p. 44
pipocando aqui e ali, muitas vezes com o apoio assistencialista de ONGs, onde o encolhimento do
emprego assalariado teria deixado um aparente vazio, uma ausência relativa de relações de
trabalho.
É como se as pessoas estivessem presas a essas alternativas de trabalho, como se estas fossem
tudo o que lhes restasse. Seria possiv́ el afirmar que trabalho e território se encontram modulados
de outra forma, rompendo as clássicas diferenciações entre espaços de produçaõ de valor e espaços
de reproduçaõ da força de trabalho? Nossos resultados preliminares de pesquisa apontam para uma
resposta positiva. Talvez a questaõ das relações entre trabalho, produçaõ e cidade naõ se localize
na discussaõ sobre a centralidade do trabalho ou seu desaparecimento, ou acerca da
desterritorializaçaõ do capital financeiro e fictić io. O que nossa pesquisa pretende investigar é
justamente as forças estruturantes que hoje naõ aparecem claramente quando se analisa as relações
entre produçaõ e territórios urbanos; relações aparentemente indeterminadas, constituid́ as de modo
aleatório e obedientes a uma lógica fragmentária. Desta perspectiva, esses espaços certamente naõ
poderiam mais ser reconhecidos como lugares que alojam experiências de classe, como pensou E.
P. Thompson,já que boa parte da experiência vivida nas fábricas, nas moradias, nos espaços de
conviv́ io social desapareceu tanto como forma de inserçaõ quanto como expectativa de vida. Mas
isso naõ quer dizer que as articulações entre produçaõ e cidade tenham simplesmente deixado de
existir. Com efeito, elas se tornaram menos claras, mas inegavelmente presentes. Podemos ver em
nossa região, que a incorporaçaõ e a exploraçaõ da força de trabalho na cadeia produtiva de
circulaçaõ da riqueza permanecem, só que agora grande parte desse processo se produz e se
reproduz nas frontei- ras tênues de programas virtuosos de geraçaõ de emprego e renda, de gestaõ
do trabalho associado em cooperativas supostamente autogeridas, de um lado, e, de outro, em
regimes de uso brutal do trabalho das parcelas mais vulneráveis da populaçaõ .
Para além dos barracos, do barulho dos carros em cima do viaduto, das formas de
crescimento periférico no centro da cidade, novas configurações do trabalho, da produçaõ e de
suas relações moduladas com o espaço e os tempos da cidade acabam por se revelar, por se impor.
Perceber essas configurações, relacionando-as a um processo histórico de formação, e conseguir,
em um segundo momento de pesquisa, transformá-las em material teatral é objetivo de nossa
prática artística neste projeto.
Pretendemos também, por meio das ações culturais e pedagógicas que estão presentes no
projeto, dialogar, conviver e provocar, com esta população de trabalhadores e moradores da região,
experiências estéticas performativas, capazes de promover aquilo que chamamos de uma estética
do mapeamento cognitivo, dotando os sujeitos de noções acerca de seu posicionamento temporal
e espacial na cidade.
4. Contrapartidas:
Desde Aristóteles e a sua Poética, a ação de gênero dramático foi entendida como aquele
agir em que o ator imita as ações humanas, sendo tais ações atualizadas por meio da expressão
imediata da corporeidade do ator em cada representação. O linguista Austin observa que a elocução
performativa dita por um ator no palco é vazia, uma vez que representa um personagem. Em
contrapartida, o artista/performer é o autor do seu próprio texto dramatúrgico, pois não pretende
representar um outro sujeito, ou habitar um espaço e tempo fictícios, mas apresenta, em sua uma
atualidade absoluta, um forte caráter público de interação com o mundo (de um sujeito que se abre
para e se identifica com múltiplas vozes). A performance teria a capacidade de revelar que não
somos apenas seres pensantes, “somos também seres que agem no mundo, que se relacionam com
os outros seres humanos, com os animais, as plantas, as coisas, os fatos e acontecimentos, e
exprimimos essas relações tanto por meio da linguagem quanto por meio de gestos e ações”.
37 Idem, ibd.
proto-sujeito; cartografia mutante, sem se dar nunca por acabado.
A coralidade:
A coralidade nasce onde o coro tradicional não pode mais, por diversas razões históricas
contemporâneas (crise da representação política tradicional, dissolução das comunidades, crise do
modelo de produção do capitalismo tardio), de forma duradoura se instalar nas cenas da atualidade.
Entende-se por coralidade esta disposição especial de vozes que não substitui nem o diálogo, nem
o monólogo; que, solicita uma pluralidade (um mínimo de duas vozes), contorna os princípios do
dialogismo, notadamente reciprocidade e fluidez de encadeamentos, em beneficio duma retórica
da dispersão (atomização, ruptura, cacofonia) ou do entrançamento entre diferentes palavras que
se respondem musicalmente (ecos, todos os efeitos de polifonia). O termo permite, portanto,
utilmente apontar diversas maneiras de preencher as lacunas e limites do diálogo e mesmo do
monólogo convencional: evocar a coralidade neste projeto é encarar, sob o ângulo da dissonância,
as palavras e as vozes em um conjunto refratário a toda totalização estilística, estética ou
discursiva. Neste sentido, a coralidade é o inverso do coro.
A junção entre coralidade e performance neste projeto pretende estimular que todos os
participantes possam participar de processos criativos que consistem ora em singularizar a
individualidade, ora em fundi-la no coletivo.
O jogo será aqui utilizado como máquina propulsora de ações, ou seja, como instrumento
artístico-pedagógico capaz de gerar, no espaço claustrofóbico da escola, intervenções poéticas e
artísticas capazes, em sua atitude crítica, de criar fissuras no espaço de dominação da pedagogia
formal do mercado. Ao mesmo tempo, o jogo, ao estimular criações artísticas imprevisíveis a partir
de materiais dramatúrgicos nacionais, visa identificar possíveis traços de nossa condição trágica
arruinada, de brasileiros, trabalhando e/ou residindo na periferia do extremo sul da cidade, em
busca de compreender as condições históricas que construíram esse fantasma frágil a que
chamamos de “si”. O jogo é, em sua prática anti-narrativa, lúdica, corporal e polifônica, puro
estímulo à des-razão. Mas é também, em suas regras, em seus procedimentos de discussão sobre
o que foi produzido a cada dia de encontro de cada coletivo, razão peripatética.
Dessa síntese contraditória, o Núcleo visa, por meio da prática cotidiana do jogo, produzir
uma espécie de experiência corporal da escola, da cidade e de seus múltiplos muros e cercas.
Segundo Walter Benjamin, o conceito de limiar deve ser diferenciado de maneira clara e
rigorosa de fronteira. Esta distinção também pode nos ajudar a refletir sobre a situação da arte
contemporânea: as tradicionais fronteiras que demarcavam e separavam as linguagens artísticas,
hoje funcionam como limiares. A fronteira contém e mantém algo, evitando seu transbordamento,
isto é, define seus limites não só como os contornos de um território, mas também como as
limitações do seu domínio. A fronteira designa a linha, cujo traço e cuja espessura podem variar,
que não pode ser transposta impunemente. Sua transposição sem acordo prévio ou sem controle
regrado significa uma transgressão.
O conceito de limiar, por outro lado, remete às ideias de soleira, de umbral, pertencendo
igualmente ao domínio de metáforas espaciais que designam operações intelectuais e espirituais;
mas se inscreve de antemão num registro mais amplo, registro de movimento, registro de
ultrapassagem, de passagens. Na arquitetura, o limiar deve preencher justamente a função de
transição, isto é, permitir ao andarilho ou também ao morador que possa transitar, sem maior
dificuldade, de um lugar determinado a outro, diferente, às vezes oposto. Seja ele simples rampa,
soleira de porta, corredor, escadaria, portão, o limiar não faz só separar dois territórios (como a
fronteira), mas permite a transição, de duração variável, entre esses dois territórios. O limiar remete
àquilo que se situa entre duas categorias, muitas das vezes opostas. Designa essa zona
intermediária à qual a filosofia ocidental geralmente opõe tanta resistência, assim como o chamado
senso comum também, pois, na maioria das vezes, preferem-se as oposições demarcadas e claras
(masculino/feminino, sagrado/profano etc). O conceito de limiar tem, desta forma, para Benjamin
dois sentidos contraditórios: significa, ao mesmo tempo, delimitação e passagem, separação e
transição.
A pesquisa do Núcleos Performativo a ser realizado neste projeto parte deste conceito de
limiar. Em oposição à estética tradicional normativa, que sempre caracterizou-se por estabelecer
fronteiras entre as linguagens, interessa-nos abordar, em uma prática pluri-linguagens, o limiar das
diversas expressões artísticas. Esta prática não é a simples justaposição ou mesmo a dissolução
das linguagens: mas é uma manifestação artística capaz de inaugurar este espaço/tempo do entre.
Assim , teríamos mais do que uma pesquisa inter-linguagens, um Núcleo entre-linguagens,
definindo como pesquisa este território híbrido de devir entre as linguagens, esta zona
desconhecida em que a dança não é dança, o teatro não é teatro e a música não é música, mas são
todas artes limiares, de passagem entre o seu ser e o seu outro.
A investigação deve tentar compreender que manifestação artística pode surgir dos
intervalos, dos interstícios que habitam o confronto e a coexistência destas mesmas linguagens.
Assim, a pesquisa artística como limiar, nestas suas múltiplas passagens, transições e
metamorfoses, não é apenas reunião, uma linguagem junto à outra, mas é transformação das artes,
é a substituição das fronteiras que separam por portais que criam novas possibilidades de
expressão artística e de emancipação criativa dos artistas envolvidos.
O Núcleo Performativo de Pesquisa Artística e Literária tem como objetivo fazer com que
os seus integrantes tomem posse dos meios de produção artísticos que caracterizam cada
linguagem artística, fornecendo novas possibilidades de expressão e contato com o mundo, a partir
de um modo de produção coletivo, em que nenhum dos produtores se situa alienado do processo
de criação.
Este Núcleo, a ser realizado semanalmente durante todo este projeto, tem assim como
objetivo principal fazer com que seus participantes, de forma lúdica e sensível, reflitam e atuem
criativamente sobre conteúdos relacionados à realidade social e ao projeto de pesquisa da
Companhia Crítica. A metodologia para a realização de tais objetivos pedagógicos parte de uma
dissolução entre as fronteiras da teoria e da prática, das artes e da filosofia, da razão e da des-razão,
por meio de práticas que consideram o jogo base para o estímulo de diversas ações artísticas que
tentarão, a cada encontro, deslocar os sentidos originais e recriar os procedimentos presentes no
material romanesco de Macedonio Fernandez. A aproximação com referências literárias, que
deverão ser, literalmente, colocadas em jogo, é um objetivo pedagógico do Núcleo, que procurará
estimular a leitura e produção de textos nos participantes, para aprofundar a criação teatral.
O Núcleo Performativo contará com a participação dos alunos da E.E. de São Paulo e de
moradores do entorno, além de demais interessados na prática teatral que trabalhem ou circulem
na região do parque Dom Pedro II.
a modernidade da autoria (...) decide-se num movimento duplo que consiste, por
um lado, em abrir, descontruir, problematizar as formas antigas e, por outro, em
criar novas formas.[...] Toda a sua [do autor moderno] atenção está concentrada
no detalhe da autoria, na autoria do detalhe. E o detalhe, como é sabido, significa
oginariamente divisão, converter em pedaços. Logo, autor-rapsodo (rhapein em
grego significa “coser”), que junta o que previamente despedaçou e, no mesmo
instante, despedaça o que acabou de unir.38
Esse processo de unir e despedaçar é modelo para configurar, neste Projeto de Pesquisa
Interlinguagens, o diálogo constante entre linguagens artísticas diversas, em busca da destruição
das fronteiras e da inauguração de novos territórios e limiares estéticos, na experiência pedagógica
com os participantes das ações.
38
SARRAZAC, Jean-Pierre. O futuro do drama. Lisboa: Campo das letras, 1999, p. 36
se para todos os transeuntes da região abarcada pelo périplo coletivo, que poderão assistir ou
mesmo participar do trajeto performativo.
Também será objetivo pedagógico destas ações realizar, durante a preparação e durante o
trajeto pelas ruas, a leitura performativa de trechos da obra de Macedonio Fernandez, além de
outros poemas e fragmentos narrativos de autores latino-americanos, estimulando os alunos a
experimentarem, performativamente, diversas referências literárias.
Há uma tal complexidade nos objetivos múltiplos que nos propusemos para este projeto – e
no mundo contemporâneo – que acreditamos que apenas um grande processo coletivo, capaz de
inserir em um mesmo processo ativo artistas e seu público, consiga diminuir um pouco de nosso
emudecimento histórico. Foi a partir dessa constatação que definimos o formato de diálogo com o
público para este projeto: experiência que chamamos agora de Labirintos.
Se a noção de obra, com seu acabamento tradicional, não pode ser empregada para
definirmos neste projeto sua proposta de relação com o público, nas duas temporadas de Labirintos
o processo criativo será sempre conduzido sob o trabalho constante de uma estrutura racional capaz
de expressar um conceito de encenação. A concepção de direção teatral que norteia o processo de
criação da Companhia Crítica distancia-se do papel legado ao diretor ao longo da tradição do
teatro, absolutamente textocêntrica. Para esta concepção, o diretor funcionaria como mero
representante das palavras do dramaturgo e sua criação consistiria na fidelidade em representar o
texto, como um advogado defende os autos. Neste projeto, com texto e cena sendo criados
simultaneamente, a partir de improvisações sobre uma literatura já existente mas múltipla, o texto
literário deve confundir-se o tempo todo com o roteiro de encenação: os diálogos já nascerão
acompanhados de rubricas, que na verdade registrarão ou recriarão o que já haverá sido executado
em cena pelos atores.
Em tal processo, o que caracteriza a dimensão teatral, ao contrário da literatura dramatúrgica,
é a materialidade cênica. A partir de Stanislavski, o diretor teatral deixa de ser visto apenas como
um gestor, um distribuidor de papéis e um representante do dramaturgo em sala de ensaio, e passa
a ser visto como “encenador”, a saber, o criador responsável, através de uma relação de
aproximação e de negação do texto, por transformar idéias e conceitos, mais do que apenas as
palavras do material literário, em ações, imagens, símbolos ou alegorias, dando à transformação
do texto um ponto de vista muitas vezes distinto do original.
Assim, a encenação, tal como será experimentada durante todo o processo de criação destes
Labirintos, pode ser encarada como a relação de todos os sistemas significantes do espetáculo. Tal
encenação não poderia ser definida como uma reunião incoerente dos materiais, mas seria definida,
pelo contrário, como objeto de conhecimento, o sistema de relações que tanto a produção (os
atores, o encenador, a cena em geral), quanto a recepção (os espectadores) estabelecem entre os
materiais cênicos a partir daí constituídos por sistemas significantes.
A encenação neste projeto, mesmo que construída em diálogo com o público, não será uma
translação aleatória ou improvisada do texto para a cena, mas sim um teste teórico, conceitual, que
consistiria em colocar o texto sob tensão, abrindo-o para muitas interpretações possíveis. Tal
encenação sempre está para acontecer, visto que se limita a colocar balizamentos, a dispor o texto
em função de uma enunciação e a dar a conhecer suas intenções e regras de jogo, para que o público
participe. Esta intencionalidade das dramaturgias que compõem a cena abrem possibilidades para
uma modalidade de encenação que desmente o texto, contradizendo-o, valorizando o combate
entre o texto e a cena:
Tecida por contradições, entre texto e cena, entre obra e processo, entre espetáculo e ensaio, entre
autor e público, as temporadas de Labirintos, ao invés de uma tentativa de fornecer uma experiência unitária
e coletiva ao público, como faz hoje a sociedade da mercadoria, parte das ruínas da experiência, ou da
pobreza desta experiência. O que Walter Benjamin chama de “pobreza de experiência” não significa que as
39
DORT, Bernard. Le texte et la scene : pour une nouvelle alliance. In:
http://www.universalis.fr/encyclopedie/bernard-dort/. Consultado em 11/09/10.
pessoas sintam a nostalgia de uma nova experiência. Pelo contrário, em um mundo em que as campanhas
publicitárias procuram vender as mais distintas sensações ao consumidor e em que a tecnologia busca
expandir seus padrões de interatividade, talvez o que o sujeito assujeitado da contemporaneidade anseie
seja exatamente libertar-se das experiências, seja um mundo em que se possa afirmar de forma clara e pura
a sua pobreza, a exterior e também a interior, e que daí possa nascer alguma coisa diferente. Este
consumidor esmigalhado nem sempre sente-se ignorante ou inexperiente. Muitas vezes é o contrário que se
verifica: tivemos de engolir tudo isso, a “cultura”, o “homem” e seus “produtos”, ficando saturados e
cansados. Nas palavras de Benjamin, “temos que nos arranjar, de maneira diferente e com muito pouco.
Nas suas construções, nos seus quadros, nas suas narrativas, a humanidade prepara-se para, se necessário
for, sobreviver à cultura”.
As temporadas de Labirintos distinguem-se da apresentação de uma peça teatral por seu caráter de
inacabamento. A proposta é fazer do público um participante de um mesmo jogo: Companhia Critica e
público seriam todos jogadores. No entanto, ao contrário de uma improvisação é objetivo estabelecer regras
claras de jogo, capazes de restringir a experiência a alguns limites, característica de todo e qualquer jogo.
O público das temporadas, sob formato de Labirinto, será convidado a jogar e a participar dentro
de estruturas de criação por meio da manipulação e da permutação de um material cênico
previamente existente, em constante movimento pelas ruas da região e pelo território situado
embaixo dos viadutos que cercam o Parque Dom Pedro. E agora, como a criação se dá no jogo com esse
material, quanto mais desenvolvidas estiverem as cenas, mais possibilidades de destruição e de
reconstrução o público-autor encontrará. O público estará diante do desafio de lançar em jogo, no sentido
de por em xeque, de questionar, na prática do jogo, uma cena já elaborada e bastante ensaiada pelo grupo.
O desafio se constitui em um trabalho autoral do público, mas que parte de um processo de destruição de
um material sólido, o que obriga a uma outra participação sobre o processo criativo.
O importante para nós será fazer das temporadas de apresentações espaços para a criação e para a
formação artístico- pedagógica de todos os participantes, que podem a cada dia (re)conhecer seus próprios
processos criativos, refletindo sobre seus meios e modos de produção, em contato com o outro: a antiga
plateia agora transforma-se em coletivo de jogadores-autores. Assim, ao invés de uma temporada de um
espetáculo a ser realizada no fim do projeto o que estamos propondo aqui é a instauração de um processo
criativo compartilhado em dois momentos, um a cada semestre. A proposta é que, a partir do material
colocado em jogo pela Companhia Crítica, novos Labirintos e périplos sejam construídos e re-trabalhados
então pelo grupo.
5b .Ciclo de Seminários:
5c . Site:
5d . Transmissão ao vivo
A partir do mote da campanha presidencial fictícia, que seria acompanhada em tempo real
por possíveis eleitores, é objetivo deste projeto contar com a participação de um público de
autores virtuais. Integrará nossa pesquisa um videomaker que terá a responsabilidade de
transmitir as ações performativas, os seminários e os ensaios da Companhia em tempo real,
por meio de plataforma no facebook e no Youtube. Por meio da interetividade presente
nessas plataformas, é objetivo que o processo criativo seja contaminado por esse diálogo
virtual, expandindo o potencial criador do trabalho.
5. CRONOGRAMA GERAL:
Pré-produção do projeto:
Confecção de material de divulgação das ações a serem desenvolvidas na escola
Reunião de planejamento com professores para as atividades a serem desenvolvidas coma
as turmas da escola
Início das primeiras improvisações sobre o romance de Macedonio Fernandez
MÊS 2
MÊS 3:
MÊS 5:
MÊS 6:
MÊS 8:
MÊS 9 :
MÊS 10 :
MÊS 11:
MÊS 12:
6. Orçamento
COMPANHIA CRÍTICA
ORÇAMENTO DO PROJETO
RECURSOS HUMANOS
PERÍODO VALOR MESES TOTAL
MÊS
Atores (6) mês 1.500 12 108.000,00
Diretor e dramaturgo (1) mês 1.500 12 18.000,00
Produtor cultural (1) mês 1.500 12 18.000,00
Social media (1) mês 1.200 8 9.600,00
Videomaker (1) mês 1.200 12 14.400,00
Cenógrafo (1) mês 1.500 4 6.000,00
Iluminador (1) mês 1.500 4 6.000,00
Figurinista (1) mês 1.500 4 6.000,00
Técnico de som (1) mês 1.500 12 18.000,00
Ajuda de custo para oficineiros (6) mês 100 10 6.000,00
Subtotal 210.000,00
PRODUÇÃO
PERÍODO VALOR MESES TOTAL
Telefone e conexão à internet mês 300 12 3.600,00
Lanche mês 840 12 10.080,00
Subtotal 13.680,00
FIGURINOS
QUANTIDADE PREÇO TOTAL
Roupas, calçados, acessórios 13.000 13.000,00
e equipamentos de segurança
Subtotal 13.000,00
CENÁRIO
Quantidade Preço Total
Madeira, tinta e tecidos 6.000 6.000,00
Mão de obra 3.000 3.000,00
Barraca de camping 15 90 1.350,00
Jogo de ferramentas 1 400 400,00
Subtotal 10.750,00
EQUIPAMENTO DE ILUMINAÇÃO
Quantidade Preço total
Refletores, Set lights 5.000 5.000,00
Fiação 2.000 2.000,00
Outros materiais(adaptadores, fusível, 3.000 3.000,00
arames, etc.)
Lanterna Holofote Portátil 30 100 3.000,00
Subtotal 13.000,00
EQUIPAMENTOS DE SOM
Quantidade Preço total
Caixas de som, microfones, 10.000 10.000,00
cachimbo de microfone, cabos.
Mesa de som 1 1.100 1.100,00
Subtotal 11.100,00
DIVULGAÇÃO
Custo Quantidade Total
Cartazes 4,00 200 800,00
Filipetas com fotolito 2,00 2.000 4.000,00
Desenho gráfico 700 1 700,00
Programa do espetáculo 3,00 1.500 4.500,00
Subtotal 10.000,00
MANUTENÇÃO DO ESPAÇO
Custo Mês Total
Primeiros socorros e 400 12 4.800,00
material de limpeza
Subtotal 4.800,00
DESPESAS BANCÁRIAS
Custo Mês Total
Taxa bancária 122,00 12 1.464,00
Subtotal 1.464,00
CURRÍCULO VITAE
Ivan Delmanto
(11) 9 7178 08 79
E-mail ivandelmanto@yahoo.com.br
DRT 22013/SP
FORMAÇÃO ACADÊMICA
2003 Formado em Direçao Teatral pela
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
I. Experiência em Dramaturgia:
De 2003 a 2006
Dramaturgo de Miopia, espetáculo teatral apresentado de maio a outubro de 2006 na
Usina de Compostagem de Lixo de São Mateus, periferia leste de São Paulo.
2013 -2014 Diretor e dramaturgo da II Trupe de Choque no projeto Material Ciborgue Fantasma/O
ornitorrinco da Revolução, Planeta Favela: 11/09/4012. Projeto contemplado pela lei de
Fomento ao Teatro do Município de Sào Paulo. Projeto desenvolvido na nova residência
artística do grupo, em duas escolas estaduais no Grajaú, extremo sul da cidade de São
Paulo.
De 2000-2017
É diretor e dramaturgo do grupo de pesquisa teatral II Trupe de Choque. O grupo
desenvolveu estudo sobre A Dialética no Teatro, processo que gerou a temporada do
espetáculo Miopia, realizada na Usina de Compostagem de Lixo de São Mateus, de
maio a outubro de 2006. Este projeto foi contemplado pelo VAI e pelo Programa de
Fomento ao Teatro da Prefeitura do Município de São Paulo. De 2006 a 2012, o
coletivo teatral desenvolveu o projeto de pesquisa com sede no Hospital Psiquiátrico
Pinel.Este projeto também foi contemplado pela Lei Municipal de Fomento ao Teatro,
em três anos consecutivos. A partir de 2013, o grupo promove residência artística em
duas escolas estaduais no bairro do Grajaú, projeto também contemplado pelo Fomento
ao teatro durante três anos, além de contar com o apoio do PROAC.
De 2003 a 2006
Trabalha como assistente de direção e dramaturgista do Teatro da Vertigem, que
estreou em 2005 o seu quarto espetáculo, o BR3.
2010 - 2011 Atua como Diretor e Dramaturgo no projeto de pesquisa teatral Material
Tebas/Eldorados 11 de setembro da II Trupe de Choque, desenvolvido no Hospital
Psiquiátrico Pinel. Projeto contemplado pela Lei de Fomento ao Teatro do Município de
São Paulo. De junho a julho de 2011 o grupo apresenta a experiência artística Material
Tebas/Eldorados 11 de setembro – Detritos em Ensaio.
2011-2012 Diretor e dramaturgo da II Trupe de Choque no projeto Material Ciborgue/Eldorado Silício
11 de setembro. Projeto contemplado pela Lei de Fomento ao Teatro do Município de
São Paulo.
III.Experiência Pedagógica:
2003 Professor de teatro na ONG Lar Santa Maria e no Projeto Cáritas, em Cotia - SP, para
quatro turmas de alunos carentes da periferia da cidade, na faixa etária de 12 a 18 anos.
2005-2006
Professor de direção teatral nas oficinas de Teatro Peripatetico, ministradas pela II
Trupe de Choque na Usina de Compostagem de Lixo de São Mateus, periferia leste
de São Paulo.
2006
2007
Artista Orientador dos Núcleos de Direção Teatral e de Dramaturgia do Teatro
Vocacional, núcleos sediados no Centro Cultural São Paulo .
2008
Coordenador artístico-pedagógico dos Núcleos de Direção Teatral e de
Dramaturgia do Teatro Vocacional, programa da Secretaria de Cultura da Prefeitura
de São Paulo, localizados em 7 equipamentos públicos espalhados por toda a cidade.
2008 Coordenador geral dos Núcleos de Pesquisa Peripatéticos: grupos de formação
artística e de investigação teatral sediados no Hospital Psiquiátrico Pinel, no projeto
Corpos Acumulados, da II Trupe de Choque, contemplado pelo VAI – Programa
Municipal de Valorização de Iniciativas Culturais e pela Lei Municipal de Fomento
ao Teatro.
2009
Coordenador pedagógico geral do Teatro Vocacional, projeto da Secretaria Municipal
de Cultura
2011 - 2012 Coordenador pedagógico geral dos Núcleos Peripatéticos de Pesquisa realizados pela
II Trupe de Choque no CAISM Philippe Pinel.
De 2014 -2018 Coordenador geral do Projeto Espetáculo, projeto do Fábricas de Cultura, da Secretaria
de Cultura do Governo do Estado de São Paulo
2018
V. Publicações:
Capítulos de livros publicados
1. MATOS, I. D. F.
2. MATOS, I. D. F.
Diario BR3 In: Teatro da Vertigem BR3 ed.São Paulo : Perspectiva, 2004
Tecendo a teia da anti-teia In: Teatro da Vertigem BR3 ed.São Paulo : Perspectiva, 2004
1. MATOS, I. D. F.
2. MATOS, I. D. F.
Diálogo entre o Senhor Keuner e o trapeiro. Negativo. São Paulo, p.10 - 11, 2011.
3. MATOS, I. D. F.
4. MATOS, I. D. F.
5. MATOS, I. D. F.
6. MATOS, I. D. F.
7. MATOS, I. D. F.
8. MATOS, I. D. F.
9. MATOS, I. D. F.
10. MATOS, I. D. F.
11. MATOS, I. D. F.
12. MATOS, I. D. F.
13. MATOS, I. D. F.
14. MATOS, I. D. F.
15. MATOS, I. D. F.
16. MATOS, I. D. F.
17. MATOS, I. D. F.
18. MATOS, I. D. F.
19. MATOS, I. D. F.
20. MATOS, I. D. F.
21. MATOS, I. D. F.
22. MATOS, I. D. F.
23. MATOS, I. D. F.
24. MATOS, I. D. F.
25. MATOS, I. D. F.
1. MATOS, I. D. F.
2. MATOS, I. D. F.
Conceito de experiência com o público - detritos. Negativo. São Paulo, p.28 - 28, 2012.
De como deveria ser este editorial. Negativo. São Paulo, p.4 - 5, 2012.
4. MATOS, I. D. F.
Esboço de aforismos para serem recortados: provocações acerca do ensaio como forma
no Vocacional. Vocare. São Paulo, p.26 - 28, 2012.
5. MATOS, I. D. F.
A encenação performativa em devir. Vocare. São Paulo, v.1, p.17 - 17, 2011.
Palavras-chave: encenação, educação, arte, performance
6. MATOS, I. D. F.
Por um editorial em constante tentativa. Vocare. São Paulo, v.1, p.9 - 9, 2011.
7. MATOS, I. D. F.
Uma história do desejo - Planeta Bakho 11/09/4012. Negativo. São Paulo, p.10 - 12,
2011.
8. MATOS, I. D. F.
9. MATOS, I. D. F.
Diário BR3: Expedição Estética. Revista Ocas. São Paulo, p.25 - 25, 2005.
10. MATOS, I. D. F.
Diário BR3: Fragmentos, relatos e ficções do espólio. Revista Ocas" - saindo das ruas.
São Paulo, p.25 - 25, 2005.
11. MATOS, I. D. F.
Diário BR3: Nova etapa de trabalho. Revista Ocas" - saindo das ruas. São Paulo, p.25 -
25, 2005.
12. MATOS, I. D. F.
Diário BR3: Processo de criação. Revista Ocas" - saindo das ruas. São Paulo, p.25 - 25,
2005.
13. MATOS, I. D. F.
Diário BR3: Teatro e Política. Revista Ocas" - saindo das ruas. São Paulo, p.24 - 25,
2005.
A velocidade do córrego: margem abandonada. Revista Ocas" - saindo das ruas. São
Paulo, p.24 - 25, 2004.
15. MATOS, I. D. F.
Diário BR3 - Escrita em trânsito. Revista Ocas. São Paulo, v.24, p.28 - 29, 2004.
16. MATOS, I. D. F.
Diário BR3 - Escrita em trânsito. Revista Ocas" - saindo das ruas. São Paulo, p.19 - 19,
2004.
17. MATOS, I. D. F.
Diário BR3: com o pé na estrada. Revista Ocas" - saindo das ruas. São Paulo, p.23 - 23,
2004.
Diário BR3: Em avaliação. Revista Ocas. São Paulo, p.25 - 25, 2004.
19. MATOS, I. D. F.
Diário BR3: Impressões de viagem. Revista Ocas" - saindo das ruas. São Paulo, p.25 -
25, 2004.
Ver anexo ao texto principal deste projeto. Como a Companhia Crítica é um coletivo
teatral recém-fundado, apresentaremos comprovantes de nosso trabalho na II Trupe de
Choque, grupo do qual viemos.
RG: 12.957072-2
CPF: 12.957.072-2
Sated: 0045521/SP
Cursou:
Escola Paulista, Vocacional Oswaldo Aranha, estudou artes plásticas, cinema, música e artes
cênicas.
Trabalhos:
Criação do grupo FORMA de teatro, desenvolveu uma pesquisa do teatro da crueldade de Antonin
Artaud (jogos teatrais, iluminação). Workshop Corpo em Movimento no Espaço Infinito com
Ismael Ivo e Klauss Vianna.
Casa de Cultura Santo Amaro Workshop José Celso Martinez Corrêa, Carlos Alberto Soffredini.
Companhia Malucômicos:
Participou da pesquisa de Bufão, Commedia dell’arte contemplado duas vezes no V.A.I. Diretor,
roteiro do espetáculo “Brasil um erro de português. “Deu Zika no Selfie” V.A.I diretor. “A Agua
Acabou” roteiro, direção.
Grupo 011:
Dança de Teatro contemplado dois anos pelo V.A.I. com o espetáculo “Nem todos São Santos,
mas todos São Paulo. Em Busca da Revolução Romântica contemplado pelo V.A.I, diretor, roteiro,
ator e compositor.
Companhia Humbalada:
“Tudo organizado para que nada aconteça” e “Cidadão Perfeito”, Iluminação. Participou
composições do espetáculo “A Margem” contemplado pelo fomento da cidade de São Paulo.
Compositor e ator do espetáculo “Pau no Ku”. “Grajau Conta Dandaras, Grajau conta Zumbis”
Fomento de teatro, direção musical, ator.
“Planeta Favela”.
Companhia AS Furiosas:
“Sangrando à Família” contemplado pelo V.A.I e “Bem-Dita Seja a Voz entre as Mulheres”.
Direção e roteiro.
Banda LobiZomanos:
Ana Maria Frank Lourenço, CPF 90155297872, RG 110792452, Formação: Pedagogia: Ulbra 2012.
Especialização: Etec Jornalista Roberto Marinho: Técnica em Produção de Áudio e Vídeo, 2013.
Fundação Santo André: Gestão e Políticas Públicas, 2016.Escola de Comunicação e Artes
Universidade de São Paulo, departamento de Música: Arte na Educação: Teoria e Prática, 2017.
Sesc Ipiranga: Roteiro oficina Pablo Jose Meza, 2012.Trabalhos realizados:Festival Cine Favela:
Assistente de produção curta-metragem “Uma nota Só” direção Lais
Bodanzky https://www.youtube.com/watch?v=28kve3Vmf0cSesc Ipiranga: Oficina de roteiro
para o curta “Uma nota Só” 2012.Etec Roberto Marinho: Direção de Produção curta-metragem
“Histórias Extraordinárias Noite na Taverna”,
2014. https://www.youtube.com/watch?v=28kve3Vmf0cSecretária de Políticas para as
Mulheres: Direção de Produção curta-metragem “Mulheres que Representam”,
2013. https://www.youtube.com/watch?v=CH12WkrGdVs&t=8sSecretária Municipal de Cultura
SP: Agente comunitário de cultura: Direção de Produção: “Re-Atalhos Novos Caminhos”,
2017. https://www.youtube.com/watch?v=v1gSybh9fbI = Cia Malucômicos de Teatro: Produção
e divulgação “A Agua Acabou”, Céu Cidade Dutra, 2012 “Mulheres”, Teatro Paulo Eiró, 2012,
Entre Atos Produções Artísticas: Direção de Produção: Depois do Fim: Sesc Interlagos, 1980, Do
Homem a Besta: Centro Cultural São Paulo 1987, Travessia de Cegos: 11º Bienal Internacional do
Livro SP 1990, Dias de cães: Teatro João Caetano 1988.
Atores:
Murilo Carqueijo
Carlos Lourenço
Produção:
b) Proposta de encenaçao
̃ ;
A peça será criada por meio de processo colaborativo de pesquisa, portanto não há roteiro ou
proposta de encenação determinados previamente.